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Comissão de Estudos sobre

Habitação
na área central

Relatório final
setembro de 2001
Vereadores
Nabil Bonduki, presidente
Ana Martins
José Laurindo de Oliveira
Marcos Zerbini
Ricardo Montoro Câmara Municipal de São Paulo
Apresentação

Este relatório sintetiza os trabalhos desenvol- mos entregá-lo, já impresso, na solenidade de en-
vidos pela Comissão de Estudos sobre Habitação na cerramento.
Área Central, proposta e presidida pelo Vereador A diretriz para produção do relatório foi retra-
Nabil Bonduki (PT) e composta pelos vereadores tar com fidelidade o desenvolvimento dos traba-
Ana Martins (PCdoB), José Laurindo (PT), Marcos lhos da Comissão, preservando a diversidade das
Zerbini (PSDB) e Ricardo Montoro (PSDB). apresentações, colocadas na primeira ou na tercei-
Essa Comissão de Estudos foi constituída com ra pessoa.
o objetivo de analisar a situação da área consolida- O relatório final pretendeu também contribuir
da da cidade, em particular seu esvaziamento eco- para a sistematização de diferentes informações e
nômico, imobiliário e populacional, e propor opiniões sobre o centro, disponibilizando-as aos
medidas para incrementar o uso habitacional na diversos setores da sociedade que nela convivem.
região, em particular no que se refere à moradia de O relatório inicia com um texto elaborado pelo
interesse social. presidente e sua assessoria, base da sua exposição
Esta atividade insere-se numa nova perspectiva na primeira sessão, que apresenta as razões que
de atuação da Câmara Municipal de São Paulo, levaram a propor uma comissão de estudos com
possível a partir da renovação provocada pelo este tema e um diagnóstico da área central, parti-
resultado das eleições do ano passado, como um cularmente no que se refere à sua situação habita-
fórum de debates dos problemas da cidade e da cional.
busca de alternativas para superá-los. A seguir, são apresentadas as sínteses das várias
A programação da Comissão foi elaborada sessões, a partir da transcrição do conteúdo das
num processo amplo de consulta, para garantir um palestras e dos debates, textos que submetemos à
tratamento abrangente do tema, congregando os revisão dos palestrantes. As diversas manifestações
principais interlocutores e segmentos sociais e do publico não foram revistas por eles pelas difi-
políticos envolvidos com a questão. culdades de contatá-los em tempo hábil.
Nesse sentido, convidamos representantes do O relatório apresenta dois documentos elabo-
poder público municipal, estadual e federal, do rados com o objetivo de uma maior aproximação
setor imobiliário, dos movimentos sociais, das com a realidade diária das ocupações. Um, elabo-
organizações não-governamentais e ainda técnicos rado pelo DCE da USP, a partir de entrevistas e
e professores universitários para contribuírem no outro, apresentando fichas-resumo que retratam o
aprofundamento da discussão do tema e na procu- conjunto das ocupações.
ra de alternativas de solução para o problema. Finalmente, reunimos as conclusões e reco-
Após um período preparatório, a Comissão foi mendações apresentadas ao longo dos trabalhos,
instalada em junho de 2001 e desenvolveu seus acrescidas das sugestões dos participantes acolhi-
trabalhos em sete sessões públicas com ampla das pela Comissão. Estão anexados, também, al-
participação, de inúmeras pessoas e entidades. guns dos projetos elaborados para habitação de
Além das sessões realizadas na Câmara Muni- interesse social que foram expostos durante os
cipal, a Comissão realizou reuniões internas entre debates.
vereadores e seus assessores e promoveu, em con- Esperamos que os resultados desta Comissão,
junto com o DCE da Universidade de São Paulo, apresentados neste relatório, possam contribuir para
uma visita a vários prédios ocupados, onde pôde o Plano Reconstruir o Centro apresentado pela
constatar, in loco, as péssimas condições de mora- Administração Municipal e para a revisão da legisla-
dia e, ao mesmo tempo, a grande mobilização e ção, a ser debatida na Câmara Municipal na perspec-
capacidade de organização dos movimentos de tiva de estimular a produção de habitação digna na
moradia, no enfrentamento do problema da habi- área central, construindo uma cidade menos segrega-
tação na área central. da e de um centro sem exclusão social.
Cumpre esclarecer que, para elaboração deste
relatório, não pudemos contar com as transcrições
que normalmente são feitas pelo Setor de Taqui-
grafia da Câmara, em razão do excesso de trabalho Vereador Nabil Bonduki
gerado pela realização simultânea de cinco Comis- Presidente
sões Parlamentares de Inquérito. Assim, tanto as São Paulo, setembro de 2001
transcrições como as sínteses foram realizadas em
curto espaço de tempo pela assessoria do gabinete
do presidente da Comissão, uma vez que decidi-

Comissão de estudos sobre habitação na área central 1


2 Comissão de estudos sobre habitação na área central
Introdução

Habitação na área central de São Paulo


Uma opção por uma cidade menos segregada, por um centro sem exclusão social

Síntese da apresentação na instalação da Comissão

Vereador Nabil Bonduki, Presidente da Comissão

O nosso objetivo ao propor esta Comissão foi Desde a intervenção urbana do começo do
repensar a habitação no centro como parte da século XX, quando nos anos 10 a administração
reconstrução da cidade proposta pela atual admi- do Barão de Duprat, sob a coordenação do
nistração municipal. A perspectiva que defende- engenheiro Vítor da Silva Freire, abriu a Praça da
mos busca romper a segregação urbana hoje Sé, o Parque do Anhangabaú e alargou várias ruas
presente na cidade, do ponto de vista social ou na antiga cidade colonial, passando pelas grandes
funcional. A política, ou melhor, a prática urbana obras dos anos 40, quando o prefeito Prestes Maia
implementada em São Paulo, desde o começo do implantou o Plano de Avenidas, até intervenções
século, foi sendo estruturada numa perspectiva de mais recentes, como a criminosa derrubada do
segregar e de criar zonas social e funcionalmente casario da rua Assembléia/Jandaia, realizada pelo
separadas. Isso vem trazendo um conjunto enor- prefeito Jânio Quadros em 1987, sempre a renova-
me de problemas para a cidade. Um deles é a de- ção e o embelezamento do centro se processou
seconomia urbana, ou seja, a excessiva necessidade expulsando a população de baixa renda, que vivia
de deslocamento casa-trabalho, aspecto que se precariamente em cortiços nesta região, sempre
tenta romper quando se propõe habitação nas com o argumento de recuperar áreas deterioradas.
zonas centrais, região fortemente polarizadora de Assim, enfrentar o problema da deterioração do
emprego, mas que nas últimas décadas vem centro sempre se deu sem a preocupação de man-
perdendo população de modo acelerado. ter essa população na região, em condições dignas
As vantagens de uma cidade menos segregada de moradia. A opção sempre foi excluí-los dos
são muitas. Em primeiro lugar, podemos reduzir benefícios de morar perto. Então, habitação popu-
os deslocamentos, portanto, reduzir custos e o lar no centro virou sinônimo de cortiço, de preca-
desgaste da população ao circular da casa para o riedade e de anomalia. No entanto, as pessoas
trabalho, problema quotidiano da maioria da po- pagam, e pagam muito, para viver mal, porque
pulação urbana. Aproximar moradia e trabalho é precisam morar próximo do trabalho e dos equi-
um objetivo fundamental e precisamos romper a pamentos sociais. É por isso que esse ciclo de
tradição de que habitação social tem que estar na precariedade e expulsão se repetiu e se reproduziu
periferia. Ou seja, trabalhar na perspectiva de uma ao longo de todo o século XX.
cidade mais equilibrada, com habitação e trabalho A partir dos anos 80, a tendência já existente de
em todas as regiões. Dessa maneira, uma megaló- desvalorização da área central se agravou. O sur-
pole com 17 milhões de habitantes pode se tornar gimento de novos pólos, caracterizados como
viável e funcionar de uma maneira mais integrada centros de negócios, geraram “novas centralida-
e com melhor qualidade de vida. des” e atraíram empresas e escritórios, que aban-
Portanto, quando falarmos da possibilidade de donam a região central. O resultado foi um
recuperação da área central, ao longo dos traba- processo de esvaziamento imobiliário, gerando
lhos desta Comissão de Estudo, o fundamental é muitos prédios vazios e escritórios ou salas para
recuperar o centro sem repetir processos históri- alugar. Isto não significa que o centro perdeu vi-
cos de exclusão que têm acontecido na cidade de da:. Ele continuou sendo o principal pólo gerador
São Paulo. Isso porque, ao observar a história da de empregos na cidade, apresentando grande ativi-
cidade de São Paulo, vamos constatar que as inter- dade, embora a desvalorização imobiliária tenha
venções urbanas feitas na cidade, em especial nas sido notável. Crescentemente abandonada pelo
áreas centrais, ao longo do século XX, foram, em comércio e serviços mais nobres, a região passou a
geral, renovações que geraram exclusão, ou seja, se caracterizar como uma área popular, fortemente
renovações que se fizeram excluindo a população ocupada pelo comércio ambulante. Apesar desse
de baixa renda como se deterioração fosse sinôni- processo de popularização, o comércio especiali-
mo, ou conseqüência do fato de gente pobre mo- zado continuou presente em setores específicos,
rar nesses lugares. como a 25 de março e a Santa Ifigênia.

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Como já afirmei, o esvaziamento imobiliário re- na, ainda as principais referências na região. A
presentou uma grande quantidade de prédios e escri- Caixa Econômica Federal, por sua vez, tem um
tórios vazios, edificações que foram construídas nos programa que prioriza as áreas centrais (Programa
anos 40 e 50 e que, portanto, estão defasadas em de Arrendamento Residencial – PAR), mas até
relação às exigências tecnológicas mais recentes. agora as intervenções ainda são muito pontuais.
Estes imóveis, para serem ocupados, precisam passar Verificam-se, na prática, as dificuldades em
por um processo de reforma, adaptação e/ou reci- reverter uma “cultura” fortemente incrustada nos
clagem. No entanto, as atividades tradicionais não órgãos promotores de habitação, que sempre esti-
têm tido interesse econômico para realizar este inves- veram voltados para a produção habitacional em
timento, pois os novos pólos de centralidades – co- glebas periféricas. Isto porque a questão da mora-
mo inicialmente a Paulista e depois o eixo formado dia no Brasil tem sido comumente pensada pelo
pela Faria Lima, Berrini e Marginal Pinheiros – são poder público como simples produção de unida-
mais atraentes para as empresas. des habitacionais em áreas distantes e desprovidas
No contexto urbano dos anos 90, quando a de equipamentos sociais e empregos. São Paulo
ociosidade imobiliária passa a ser uma realidade no não foge a esta regra geral e o resultado, pelo me-
centro, ocorreu uma forte mobilização do movi- nos até os anos 90, tem sido a implantação de
mento de moradia, dos cortiços, para lutar por grandes conjuntos nas áreas periféricas da cidade,
moradia digna na região, que provocou um inten- reproduzindo um modelo de expansão urbana
so processo de ocupação de prédios vazios. Lu- horizontal.
tando por moradia digna no centro, na ausência de A produção maciça de unidades habitacionais,
política habitacional, as ocupações se transforma- promovida pelo Sistema Financeiro da Habitação,
ram num instrumento de pressão junto ao poder através do BNH, entre 1964 e 1986, com sua lógi-
público, dando visibilidade ao problema da mora- ca produtiva, ajudou a consolidar um conceito de
dia nos cortiços e à existência de dezenas de pré- habitação baseado na produção de moradias novas
dios abandonados. Os edifícios ocupados pelo em glebas periféricas, a despeito das críticas a esta
movimento, no entanto, tornar-se-ão novos ele- visão e da existência de programas de desenvolvi-
mentos de precariedade porque as ocupações são mento urbano no âmbito do próprio BNH. O
improvisadas e elas não podem garantir condições conceito de que a solução da questão habitacional
dignas de habitação. De fato, o principal objetivo seria simplesmente diminuir o déficit quantitativo
das ocupações nunca foi tornar permanentes as de moradias através da produção de casas e apar-
precárias condições de moradia, mas chamar a tamentos ainda é a base de muitas políticas e pro-
atenção para a situação e, neste sentido, tiveram e gramas habitacionais no país, malgrado a
têm tido um papel importante de colocar a ques- existência de importantes exceções e da própria
tão da habitação do centro na agenda da cidade. visão do governo federal sobre a questão ter co-
A proposta desta Comissão é, de uma certa meçado a se alterar a partir do governo FHC.
forma, resultado deste processo. Não é possível Hoje, entretanto, está se tornando cada vez
pensar o processo de recuperação do centro, que a mais unânime a opinião de que a questão habita-
atual administração propõe, sem considerar o uso cional deve ser abordada de modo muito mais
habitacional, que dá sustentabilidade para a inter- amplo do que a simples produção de unidades.
venção. No entanto, tradicionalmente o que se Produzir habitação é, na verdade, produzir cidade,
tem visto é uma ausência de intervenções públicas e é nesse contexto que se insere a questão da habi-
no centro, para garantir habitação. Na administra- tação, hoje, no centro de São Paulo. Viabilizar
ção Marta Suplicy objetiva-se romper este ciclo e moradia digna nas áreas centrais não é, simples-
esta Comissão pretende colaborar neste sentido. mente, responder a uma reivindicação justa dos
movimentos de moradia e da população de baixa
Dos conjuntos habitacionais periféricos à renda moradora em cortiços; trata-se de uma pro-
habitação nas áreas centrais posta para a cidade, na perspectiva de reduzir as
desigualdades urbanas e a segregação social.
Espera-se que a partir deste ano esse processo O crescimento da cidade ocorrido nas últimas
de descaso com a habitação popular na área con- décadas estendeu a mancha urbana de São Paulo
solidada da cidade possa ser rompido porque, até aos seus limites administrativos, à zona rural do
agora, muito pouco se fez. A CDHU dispõe de município e às áreas de proteção dos mananciais.
vultosos recursos (fala-se em quase um bilhão em No extremo da Zona Leste, Noroeste ou Sul, en-
caixa!) e vem formulando um programa há muito contram-se bairros que se distanciam em até 35
tempo (Programa de Ação em Cortiços – PAC) km do centro da cidade, distância que pode chegar
mas, de fato, muito pouco conseguiu concretizar. a 50 km se forem considerados os municípios da
A prefeitura também nada fez nas administrações região metropolitana.
Maluf e Pitta que, ademais, paralisaram as pionei- As intervenções públicas no campo da habitação
ras intervenções realizadas no governo de Erundi- de interesse social não têm fugido a essa regra. O

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poder público tem colaborado com esse crescimento tos. Violência, falta de oportunidades de trabalho,
horizontal, objetivando uma economia imediata, já falta de identidade local são algumas das conseqüên-
que a terra, item fundamental para qualquer política cias mais visíveis desse modelo.
pública de habitação, é mais barata na extrema peri- Dados sobre a produção pública de habitação
feria. No entanto, todo o custo de implantação des- promovida por órgãos da Prefeitura e do Estado de
ses novos conjuntos – saneamento, rede elétrica, São Paulo indicam sua localização periférica: das
sistema viário, equipamentos sociais – e o custo de 153.758 unidades produzidas de 1965 a 1997, apenas
manutenção dessa população nesses locais, compro- 3.979 foram produzidas no centro expandido.
va a deseconomia urbana gerada nesses investimen-

TABELA 1 – Localização dos conjuntos populares e unidades concluídos até 1997,


segundo órgãos promotores e localização

COHAB/SP (65/97) HABI (83/97) (1) CDHU (67/97) TOTAL


Regiões da Cidade Conjuntos Unidades Conjuntos Unidades Conjuntos Unidades Conjuntos Unidades
Centro Histórico 2 (2) 3.048 10 912 0 0 12 3.979
Oeste 3 4.751 8 1.681 1 544 12 6.976
Sul 6 8.585 20 2.349 6 3.755 32 14.689
Sudeste 6 12.208 17 2.563 1 624 24 15.395
Leste 16 77.522 59 6.457 12 10.585 87 94.564
Norte 8 8.090 26 5.491 4 4.574 38 18155
Mun. São Paulo 41 114.204 140 19.472 24 20.082 205 153.758
Fonte: SILVA, Helena M.B. Terra e moradia: que papel para o município. Tese de Doutorado, FAU-USP, São Paulo, 1998.
Fonte dos dados: COHAB/SP – relatórios de agosto/91 e atualização em julho de 1997 , fornecidas ao INFURB/FAU/USP
CDHU: relatórios da Superintendência de Planejamento (jul/97); informações do coordenador do Programa de Mutirões (nov/97).
SEHAB/HABI: relat. de Gestão 89/92; FASE, 95; relat. COHAB/SP 97; relat. da coord do programa Cingapura (abr/97)
(1) Não inclui lotes esparsos financiados pelo FUNAPS. Inclui 2.814 unidades concluídas pela COHAB/SP .
(2) apartamentos para renda média superior (RMS)

Pela tabela acima, percebe-se a relação entre as chamado centro histórico, formado pelos distritos Sé
unidades produzidas pelo poder público no centro e e República, mas com o conjunto de dez distritos
as produzidas em outras regiões da cidade. É impor- que formam a Regional da Sé, os chamados bairros
tante notar que, justamente nas periferias mais dis- centrais, que incluem outros oito distritos: Consola-
tantes, no caso, a chamada Leste 2, está a Cohab ção, Santa Cecília, Bom Retiro, Pari, Brás, Cambuci,
Tiradentes. Nesse modelo de crescimento urbano Liberdade, Bela Vista. Estes distritos formam um
baseado no loteamento clandestino e na autocons- anel de bairros de uso misto que circundam o centro.
trução, a cidade tem deixado para trás centenas de Alguns são antigas áreas de uso misto com predomi-
imóveis e terrenos ociosos em suas áreas consolida- nância industrial; outros apresentam algum comércio
das bem como inúmeras unidades habitacionais ou serviços especializados ou então estão deteriora-
vazias. Áreas atualmente deterioradas que possuem dos, como os bairros do Brás, Pari, Santa Efigênia,
infra-estrutura implantada, amortizada e ociosa, além Barra Funda, Canindé e certos trechos da Moóca,
de se localizarem em regiões providas de equipamen- Cambuci, Bela Vista e Belém.
tos e serviços públicos, com oportunidades de traba- Poderíamos ainda ampliar a conceituação da
lho. A valorização imobiliária de outras regiões da área central incluindo um conjunto de bairros
cidade, do chamado vetor de expansão sudoeste, urbanizados e consolidados, que têm infra-
trouxe ganhos ao mercado imobiliário que, concomi- estrutura e polarizam o emprego na cidade, que
tante ao processo de popularização das áreas cen- significa muito mais do que estes dez distritos que
trais, contribuiu para o esvaziamento populacional compõem a Regional da Sé. Por exemplo, pode-
do centro. Como colocam, entre outros autores, mos considerar como integrantes da área central
Flávio Villaça e Ermínia Maricato, a lógica econômi- os distritos que estão ao longo da chamada orla
ca da apropriação da renda fundiária desenha a ex- ferroviária, muito bem servidos de transporte co-
pansão da cidade na direção de novos centros letivo, infra-estrutura e equipamentos e que con-
urbanos, descartando os anteriores. centram grande número de empregos.
De uma certa forma, todos os bairros consoli-
O que se entende por área central dados da cidade são, em algum sentido, objeto de
interesse desta Comissão, uma vez que estamos
É necessário, inicialmente, definir o que esta Co- buscando mecanismos e instrumentos que viabili-
missão está considerando como áreas centrais. Na zem a produção de habitação na área urbanizada
verdade, não estamos nos restringindo apenas ao da cidade, rompendo com a tradição de que habi-

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tação de interesse social só se implanta na periferi- em destino de viagens, a região sudeste, alcança a
a, em grandes glebas, situação que não mais é viá- cifra de 4,1 milhões de viagens diárias produzidas,
vel no município de São Paulo. Não podemos bem distante dos 19 milhões do centro.
mais pensar em habitação nas bordas de São Pau- A presença de terrenos não edificados, grande
lo, porque essas bordas são os mananciais, a Serra parte ocupada por estacionamentos, e de imóveis sub
da Cantareira e outras zonas incompatíveis com a ocupados, além de apartamentos e salas desocupa-
ocupação habitacional. dos, ajudam a reforçar o argumento da ampliação do
uso residencial no centro como uma vocação ainda
A importância da área central no contexto não desenvolvida na sua potencialidade. Atualmente,
metropolitano a infra-estrutura instalada no centro fica ociosa à
noite, quando milhares de pessoas, segundo a mesma
A configuração radio-concêntrica da cidade, re- Pesquisa Origem-Destino voltam para os lugares de
sultado de planos e projetos desenvolvidos pelo origem, situados sobretudo nas áreas periféricas.
poder público, como o Plano de Avenida implan- Toda essa quantidade de pessoas em circulação diari-
tado pelo prefeito Prestes Maia, gerou uma estru- amente no centro e toda a importância que ele possui
tura urbana que gira em torno do centro, ainda na Região Metropolitana de São Paulo reforçam a
fortemente presente apesar das intervenções mais necessidade de ampliar a diversidade de usos e fun-
recentes que buscaram criar novas centralidades. ções na área central.
Assim, mais de 250 linhas de ônibus, sete estações É necessário, portanto, formular uma estratégia
de metrô e trens metropolitanos estão dentro des- e instrumentos legais que possibilitem a produção
se perímetro contido nos domínios da Administra- da habitação no interior do tecido urbano. Essa é
ção Regional da Sé, o que ajuda a mostrar, uma questão fundamental e o centro ganha maior
numericamente, a expressão da importância da visibilidade nesta perspectiva, em decorrência de
área central para toda a cidade. seu esvaziamento populacional e imobiliário.
A pesquisa Origem-Destino da Companhia do
Metropolitano de São Paulo, Metrô, apresenta o O esvaziamento populacional do centro
centro como o destino da maioria das viagens
diárias produzidas, num total de 19,61 milhões por A área central, considerada com os limites da AR-
dia, sendo 7,03 milhões de viagens diárias em cole- Sé, perdeu cerca de 230.000 habitantes nos últimos
tivos, 6,42 milhões de viagens em automóveis e 20 anos, enquanto o município de São Paulo conti-
6,16 milhões de viagens a pé. Para se ter uma idéia nuou crescendo, embora a taxas menos elevadas.
do grau de polarização do centro, a segunda região

TABELA 2 – Evolução da população da área central,


do Município de São Paulo e da Região Metropolitana

Região População

1980 1991 1996 2000


Centro 591.769 512.512 436.555 359464(*)
Município de São Paulo 8.475.380 9.610.659 9.836.129 10.406.166
Região Metropolitana de São Paulo 12.549.856 15.369.305 16.562.227 17.833.511
*Estimativa Sempla
Fontes: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE
Secretaria Municipal de Planejamento – Sempla

A queda de população residente na área central quando se verifica o incremento populacional de


é muito significativa. O município de São Paulo distritos da periferia da cidade. O distrito de A-
em 1991 possuía 9.610.659 habitantes. Em 1996, nhanguera, na zona norte da capital, teve um in-
este número subiu para 9.836.129. Já vários distri- cremento populacional, entre 1991 e 1996, de
tos que compõem a AR-Sé, no mesmo período 144,72%. Cidade Tiradentes, distrito localizado no
assinalado, tiveram um decréscimo de população extremo da zona leste teve um incremento popu-
residente. O distrito do Pari, por exemplo, entre lacional de 80,93% e Parelheiros, na zona sul da
1991 e 1996, teve um decréscimo populacional de capital, um incremento de 59,32%. São todos dis-
25,53%. O distrito do Bom Retiro teve um decrés- tritos periféricos com carências urbanas e sociais
cimo de 20,47%, o distrito da Sé 18,86% e o distri- de todo tipo. Assim, reforça-se o tipo de cresci-
to do Brás, 17,78%. Esses dados, já alarmantes em mento excludente e periférico da cidade de São
se tratando de distritos com toda infra-estrutura Paulo, que promove deseconomias para o municí-
instalada, se revelam ainda mais preocupantes pio e imensas desigualdades sociais.

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TABELA 3 – Evolução da população nos distritos da área central
em comparação com alguns da área periférica

População em números absolutos Crescimento em porcentagem


Distritos 1980 1991 2000 1991 / 1980 2000 / 1991 2000 / 1980
Sé 32.965 27.186 20.106 - 17,53 % - 26,04 % - 39,01 %
Bom Retiro 47.588 36.136 26.569 - 24,06 % - 26,47 % - 44,17 %
Brás 38.630 33.536 24.505 - 13,19 % - 26,93 % - 36,56 %
Cambuci 44.851 37.069 28.620 - 17,35 % - 22,79 % - 36,19 %
Pari 26.968 21.299 14.521 - 21,02 % - 31,82 % - 46,15 %
Bela Vista 85.416 71.825 63.143 - 15,91 % - 12,09 % - 26,08 %
Consolação 77.338 66.590 54.301 - 13,90 % - 18,45 % - 29,79 %
Liberdade 82.472 76.245 61.850 - 07,55 % - 18,88 % - 25,00 %
República 60.999 57.797 47.459 - 05,25 % - 17,89 % - 22,20 %
Santa Cecília 94.542 85.829 71.111 - 09,22 % - 17,15 % - 24,78 %
Total Centro 591.769 513.512 412.185 - 13,22 % - 19,73 % - 30,35 %
Cidade Tiradentes 8.603 96.281 190.555 1019,16 % 97,92 % 2114,98 %
Parelheiros 31.711 55.594 102.493 75,31 % 84,36 % 223,21 %
Anhangüera 5.350 12.408 38.502 131,93 % 210,30 % 619,66 %
Total 8.493.226 9.646.185 10.405.867 13,58 % 7,88 % 22,52 %
Fontes: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE

A perda populacional no Centro, em função da mais a situação da área central: Pari apresenta 53,2
área relativamente pequena, resultou numa drástica habitantes por hectare, Bom Retiro, 69,5 hab/ha e o
queda de densidade populacional na região. Em 1980 Brás, 76,2 hab/ha. Já distritos periféricos, como
a densidade populacional no centro era cerca de três Sapopemba, na zona leste da capital, e Itaim Paulista,
vezes a densidade média do município, caindo para possuem respectivamente 188,8 e 150,6 habitantes
apenas uma vez e meia no ano 2000. A questão da por hectare.
densidade populacional ajuda a exemplificar ainda

TABELA 4 – Evolução da densidade (RMSP, MSP, área central e alguns distritos)

Região 1980 1991 2000


Região Metropolitana de São Paulo 15,59 19,09 22,15
Município de São Paulo 56,17 63,69 68,96
Centro 181,52 157,21 110,27
Pari 92,99 73,44 50,07
Brás 110,37 95,82 70,01
Bom Retiro 118,97 90,34 66,96
Itaim Paulista 89,38 136,06 177,23
Sapopemba 132,58 190,83 208,88
Fontes: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados- SEADE
Secretaria Municipal de Planejamento – Sempla

A observação do mapa 1 ajuda a visualizar este são os que perderam mais população. Vê-se que
processo de esvaziamento e a evolução da popula- todos os dez distritos centrais perdem moradores,
ção em toda a cidade, no período de 1980 a 2000, mas não só eles: todos os distritos incluídos na
identificando uma realidade concreta: onde a cida- área consolidada da cidade, melhor localizados e
de está consolidada e bem servida de infra- urbanizados, estão perdendo população, destacan-
estrutura, a população decresce; onde predomina a do-se os da zona sudoeste. Já os distritos de cor
precariedade, a população cresce. Os distritos amarela e vermelha estão ganhando população, o
identificados no mapa pela cor verde mais escura que ocorre nas áreas mais periféricas da cidade.

Comissão de estudos sobre habitação na área central 7


Mapa 1 – Incremento populacional entre 1991 e 2001

Fonte: Gabinete da Vereadora Aldaíza Sposati

Assim, é possível perceber que o centro perde


muita população, mas todo o chamado anel inter- A viabilidade de habitação digna nas áreas
mediário também vem perdendo população, ou centrais
seja, a área urbanizada da cidade perde população,
enquanto a área não urbanizada ganha. Trata-se de Sempre que se fala em produzir habitação social
um processo que não é recente pois, tomando por nas áreas centrais, aparecem questionamentos apres-
base os dados dos últimos 20 anos, o resultado é sados e preconceituosos: os terrenos são muitos
chocante e fortemente resultante da ação ou da o- caros; não é possível construir habitação em massa
missão do poder público: Cidade Tiradentes – onde na área consolidada da cidade; os pobres não podem
a Cohab concentrou seus conjuntos habitacionais – morar junto dos mais ricos, do comércio e dos servi-
teve um acréscimo de 2.114%; Parelheiros – situada ços; toda a região vai ser desvalorizada. Afirma-se
na área de proteção dos mananciais – cresceu 223% que os moradores em cortiços não teriam renda fixa,
e Anhanguera – localizada numa região acidentada, trabalho regular e estabilidade de moradia.
onde os loteamentos clandestinos predominam – É certo que existem dificuldades para
cresceu 619%. Nos bairros centrais ocorreu o con- implementar um massivo programa de habitação
trário: Pari, que perdeu 46% da sua população, e a nas áreas centrais, como o valor dos imóveis – e as
área central como um todo, que perdeu 30% da propostas apontadas nesta Comissão buscam al-
população nestes últimos 20 anos. Esses dados são ternativas para superá-los. No entanto, uma ob-
bastante claros para mostrar que a questão de habita- servação concreta da situação sócio-econômica
ção nas áreas centrais se coloca como uma questão dos moradores de cortiços – cerca de 600 mil se
urbana mais geral e é nesta perspectiva que vamos considerados apenas os que utilizam instalações
tentar discutir aqui. Viabilizá-la trará benefícios para sanitárias coletivas – revelam que é possível viabi-
toda a cidade, reduzindo a necessidade de expansão lizar soluções habitacionais de boa qualidade nas
da infra-estrutura, ajudando a preservação das áreas áreas centrais para uma boa parte desta população.
de proteção ambiental e reduzindo a necessidade de Pesquisa desenvolvida pela Fipe em 1997, numa
transporte. amostra de cortiços localizados nas Administrações

8 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Regionais da Sé, Moóca e Vila Prudente, mostrou desde a criação do BNH sempre privilegiou uma
que uma parcela significativa da população encorti- localização periférica, estendendo as cidades hori-
çada participa de forma estruturada do mercado de zontalmente, a custos extremamente elevados.
trabalho, tem estabilidade na modalidade e localiza- Esta situação faz com que o preço de um cômodo
ção da moradia e necessita morar nas áreas centrais, precário em um cortiço seja supervalorizado, po-
pagando para isto aluguéis altíssimos que comprome- dendo custar freqüentemente mais de 300 reais.
tem uma elevada parcela de sua renda. No que se refere ao valor do aluguel, temos
O estudo, realizado para a Prefeitura de São uma situação cruel, pois o aluguel em cortiços
Paulo, mostrou que mais da metade dos morado- pequenos chega a 13 reais por metro quadrado
res (53%) são trabalhadores assalariados com re- enquanto que o aluguel no mercado formal vai
gistro em carteira e a renda familiar média e custar 9 ou 7 reais o metro quadrado. Portanto os
mediana é relativamente alta, situando-se entre 5 e moradores de cortiço gastam hoje mais por metro
6 salários mínimos, sendo que 38% percebe mais quadrado do que quem mora melhor. Sabe-se que
de 6,8 SM. O levantamento revela, ainda, certa as condições de ilegalidade da ocupação do cortiço
estabilidade na condição e localização da moradia, são uma das razões que fazem com que o aluguel
pois 29% das famílias pesquisadas habitam há mais seja alto. Além do mais, esta porcentagem de
de três anos o mesmo cortiço, sendo muito ex- comprometimento da renda com aluguel, 43%, é
pressivo o número de famílias que, mesmo tendo inadmissível em qualquer financiamento habita-
mudado de endereço, morou sempre em cortiço e cional. Ou seja, a população paga 43% da renda
no mesmo bairro. em aluguel, mas se for à Caixa e disser que deseja
Estes dados mostram que a localização – que gastar 30% para pagar uma prestação é proibida de
possibilita proximidade ao emprego e aos serviços adquirir uma habitação financiada pelo SFH. Esta
públicos – é fator determinante na opção por mo- é, portanto, uma situação cruel dos nossos siste-
rar em cortiços em áreas centrais ou consolidadas, mas de financiamento.
de certa forma explicando porque esta alternativa
de moradia, que apresenta péssimas e inaceitáveis A concentração de empregos, esvaziamento dos
condições de habitabilidade, é tanto buscada imóveis e ocupações
mesmo por famílias que teriam renda e estabilida-
de para morar melhor. A observação da concentração de empregos na
A necessidade de se morar em localizações área central, comparativamente com o restante da
centrais gera, por outro lado, um alto comprome- cidade, mostra que a região, malgrado as transfor-
timento da renda familiar com o pagamento do mações dos últimos anos, concentra fortemente os
aluguel do cortiço: metade dos moradores gasta empregos na cidade. Assim, analisando a tabela 5,
mais de 28% da renda familiar com o aluguel e um que relaciona emprego e população moradora,
quarto mais de 43%. Isto significa que a maioria nota-se uma situação que precisa ser atenuada:
dos encortiçados despende com aluguel mais do enquanto na área central, incluindo os dez distritos
que os órgãos de financiamento estabelecem como da Regional Sé, essa relação é de 1,99 empregos
o máximo de comprometimento da renda com a para cada morador, na região metropolitana a
habitação, normalmente fixado em 25%. relação é de 0,42, e no município de São Paulo é
Este altíssimo comprometimento da renda com de 0,47. Isso quer dizer que no centro temos mui-
o pagamento do aluguel está diretamente relacio- to mais emprego por população do que no restan-
nado com a localização, cujas vantagens compen- te da cidade.
sam o alto custo. Parte significativa desta Este alto nível de concentração de empregos,
população opta por morar próxima ao trabalho: no entanto, tem sido compatível com uma deso-
55% vão à pé para o emprego, nada gastando com cupação imobiliária. Nesta região, hoje, existem
transporte coletivo ou podendo se beneficiar da cerca de 200 imóveis fechados, o que estimulou
mercantilização do vale-transporte que recebem da um enorme processo de ocupações, aproximada-
empresa, o que contribui para a formação da renda mente 17 prédios invadidos por mais de 1.300
familiar. Muitos trabalham em horários incompatí- famílias. A maior parte destes edifícios estava de-
veis com a freqüência do transporte coletivo (que socupada há mais de dez anos. De certa forma, a
deixa de funcionar à meia-noite) e não teriam co- ocupação destes edifícios deu a função social para
mo chegar em casa se morassem longe. prédios que não estavam sendo utilizados.
Desta forma, para um grupo expressivo dos
encortiçados, as alternativas habitacionais localiza- Desafios para viabilizar habitação no centro
das em regiões menos centrais são inadequadas. O
fato é que sempre existiu uma demanda no merca- Existe hoje, no centro de São Paulo, um par-
do popular por moradia localizada nas áreas cen- que imobiliário bastante significativo, cerca de 200
trais, nunca atendida pela produção pública, tanto edifícios altos, vazios e muitos outros que aguar-
em São Paulo como no Brasil como um todo, que dam a possibilidade de uma reforma ou recicla-

Comissão de estudos sobre habitação na área central 9


gem. Dois convênios objetivando a reforma de gramas sejam potencializados. A recuperação do
prédios ocupados pelo movimento de moradia centro da cidade de São Paulo não pode prescindir
foram assinados entre a prefeitura e a Caixa para do incremento do uso habitacional, que dará sus-
financiamento pelo PAR e vários outros projetos tentabilidade para o processo de recuperação da
de reciclagem ou construções de novas unidades, região.
que estão em andamento e ainda dependem de A área central é um palco de conflitos, de dis-
negociação e aprovação. No entanto, é exatamente putas entre os setores sociais que, de alguma ma-
aí que reside um dos maiores problemas para que neira, também querem participar do processo de
esta intervenção deslanche, pois tem sido muito recuperação, seja os que trabalham no centro seja
difícil aprovar esses projetos uma vez que a legisla- os que querem viver no centro. É neste cenário
ção existente não foi pensada em função desta rea- que a Câmara e esta comissão vão debater essa
lidade que vivemos hoje na cidade de São Paulo. questão, na perspectiva de recuperação sem exclu-
Este enorme parque imobiliário merece uma são social. Para isso, é fundamental garantir acesso
intervenção, tanto do setor público como do pri- à terra e sobretudo aos imóveis sub utilizados,
vado, mas para isto ser facilitado é indispensável subsídio para a população de baixa renda e mu-
rever a nossa legislação. Deste ponto de vista, é dança da legislação, para agilizar e baratear a pro-
importante dizer que nos últimos oito anos nós dução habitacional. O novo Plano Diretor de São
tivemos uma ausência de governo na área central e Paulo, que contará com os instrumentos urbanísti-
espero que isso seja superado. É por isso que esta cos aprovados no Estatuto da Cidade, certamente
situação foi se aprofundando, se deteriorando de poderá garantir novas condições para produção de
modo crescente. As intenções de intervenção do habitação a baixo custo no centro.
poder público em habitação foram restritas a expe- Enfrentar estes desafios é o que pretendemos
riências de pequeno porte, pequenas intervenções. fazer nesta comissão. Foram programadas sete
O que se teve é uma desarticulação das esferas de sessões temáticas, nas quais vamos estudar as ex-
governo, tanto que a Caixa tem no PAR cerca de periências relevantes de habitação na área central
800 milhões de reais para serem gastos em dois em outras cidades do Brasil e no mundo para se
anos, preferencialmente na área central e, em um ter referências externas; estudar as condições de
ano ela somente comprometeu 10% deste valor. O vida nos cortiços e nas ocupações no centro de
CDHU também tem vultosos recursos em caixa São Paulo; estudar a política habitacional e urbana
(fala-se que no momento teria cerca de um bilhão no centro, assim como os programas e linhas de
para aplicar em habitação) e precisa agilizar os financiamento existentes; analisar o potencial de
programas destinados para a área central, particu- ocupação do centro e a legislação urbanística inci-
larmente no PAC. dente; estudar a questão da reforma e reciclagem
Existem recursos, população precisando de ha- das edificações, e, finalmente, em setembro, serão
bitação digna no centro e prédios e apartamentos apresentadas as conclusões, com propostas para o
vazios; o que falta é uma articulação entre as esfe- poder público enfrentar o desafio de recuperar o
ras de governo e condições para que estes pro- centro sem exclusão social

TABELA 5 – Relação entre emprego e população na área central


Distritos Área Urbanizada População Renda per Empregos Empregos / Empregos /
Capita Área Urbanizada População
Bela Vista 291 64.895 849 130.927 450 2,01
Bom Retiro 400 25.788 404 63.160 158 2,45
Brás 366 26.666 605 70.248 192 2,63
Cambuci 399 32.090 348 38.170 96 1,89
Consolação 387 58.587 1.073 98.941 256 1,69
Liberdade 384 64.348 560 54.549 142 0,85
Pari 277 15.434 417 29.030 105 1,88
República 229 49.665 1.313 158.338 691 3,19
Santa Cecília 403 75.827 1.004 77.207 192 1,02
Sé 229 21.256 488 145.247 634 6,83
Total do Centro 3.365 434.556 7.061 865.817 2.916 1,99
Total do Muni- 90.749 9.856.853 414 4.626.846 51 0,47
cípio de São
Paulo
Total Região 216.237 16.792.421 356 6.959.395 32 0,42
Metropolitana
de São Paulo
Fonte: SILVA, Helena M.B. Habitação no centro: como viabilizar essa idéia? São Paulo, 2000. Fonte dados primários: Cia. Metropolitano
São Paulo–METRÔ. Pesquisa Origem–Destino 1997. São Paulo 1998

10 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Sessão 1, em 1º de junho de 2001

Problemas e perspectivas da área central


Mesa

Vereadora Ana Martins (PCdoB); Vereador José Laurindo de Oliveira (PT); Vereador Marcos Zerbini
(PSDB); Vereador Nabil Bonduki (PT); Vereador Ricardo Montoro (PSDB); Paulo Teixeira,
Secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura do Município de São Paulo –
SEHAB/PMSP; Marco Antonio Ramos de Almeida, Presidente da Diretoria Executiva da Associação
Viva o Centro; Evaniza Rodrigues, Coordenadora da União dos Movimentos de Moradia - UMM;
Ricardo Schumann, Presidente da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB/SP;
Clara Ant, Administradora Regional da Sé; Solange Carvalho, representante do MSTC, Movimento de
Sem Terra do Centro; Luiz Gonzaga da Silva (Gegê), representante do MMC, Movimento de Moradia
do Centro; Sueli Lima, representante do Fórum de Cortiços; Sidnei Antônio Eusébio, representante da
ULC, Unificação das Lutas de Cortiço.

Vereador Nabil Bonduki Vereador Ricardo Montoro

Esta comissão foi proposta com o intuito de Sem dúvida, a questão da revitalização do cen-
analisar o esvaziamento econômico e imobiliário tro passa pela questão da habitação. Nós temos
da área central. Nos últimos anos, a população de muito que aprender com essa comissão.
baixa renda tem procurado colocar a questão da
área central como enfoque principal de suas rei- Vereadora Ana Martins
vindicações. É de conhecimento de todos que, nos
últimos três anos, cerca de 20 edifícios foram ocu- A comissão de estudo sobre habitação é muito
pados nesta região e que a resolução deste pro- importante e será um grande desafio. Ela nos aju-
blema começa apenas a ser resolvida agora pela dará a construir alternativas possíveis e necessárias
administração municipal. para revitalização do centro, sem aumentar o pro-
Para enfocarmos a atual problemática do centro, cesso de exclusão dos mais pobres e dos setores
sete sessões estão programadas. Ao final dos traba- médios, que hoje vêm sentindo cada vez mais o
lhos será apresentado um relatório com propostas e agravamento da crise econômica.
sugestões, tanto no que diz respeito à revisão da Nós não podemos mais tratar as questões pon-
legislação bem como a outras iniciativas. tualmente, precisamos definir qual a política urba-
na que esta cidade deverá elaborar e aplicar. Pensar
Vereador José Laurindo de Oliveira o centro deve ser somado ao que queremos definir
como vocação para a cidade de São Paulo.
Acredito que esta comissão seja uma oportuni- Eu queria destacar algumas questões importan-
dade para a realização de um estudo aprofundado tes que esta comissão irá abordar.
sobre a potencialidade da área central. São Paulo A primeira questão é que somente com compe-
presenciou um crescimento vertiginoso na perife- tência, capacidade e sensibilidade social enfrenta-
ria. Em contrapartida, esta cidade teve um esvazi- remos as novas realidades que a cidade vive hoje.
amento econômico, financeiro, social e político no O centro vive aspectos de uma realidade que não
centro e nos bairros centrais desde os anos 70. Os existia há 30 ou 40 anos. Nós temos, portanto, que
bairros do centro tiveram um crescente empobre- analisar as razões do esvaziamento do centro, de
cimento, tornando-se desinteressante para as ativi- 20% nos últimos dez anos. Temos, também, que
dades econômicas. Hoje temos um centro analisar como novos fatores ajudam a refletir sobre
esvaziado economicamente que não desperta inte- como repensar o centro.
resse a não ser aos excluídos que lutam para ter A segunda questão que eu queria destacar é a
um espaço para morar. seguinte: se existe um processo de exclusão arbi-
Não se viu nos últimos governos municipais trário do capitalismo, nós queremos algo contrário,
uma perspectiva de recuperação desta área. Esse que inclua os mais pobres e o setor médio. Deve-
momento, é um marco importante para podermos se, portanto, pensar sobretudo em ouvir os movi-
juntos achar as saídas e a perspectiva de revalori- mentos populares. Nossa visão deverá ser humana,
zação do centro. social e politicamente transformadora.
Outra questão que eu gostaria de apresentar é
que estamos aqui na Câmara recuperando o papel

Comissão de estudos sobre habitação na área central 11


do legislativo. Isto é tarefa política, tarefa para os novos programas com a Caixa Econômica Federal
partidos políticos, para os parlamentares e para os e com o Sistema Financeiro de Habitação, para
cidadãos políticos. juntos a cooperativas, sindicatos e empresariado
As novas alternativas de política habitacional possibilitarmos uma oferta habitacional que atraia
inseridas num projeto de recuperação do centro e aquelas pessoas que trabalha no centro e mora
num grande programa de habitação popular preci- muito distante.
sam estar inseridas numa proposta nova que de- Juntamente com a AR-Sé estamos num proces-
senvolva a alta estima dos mais pobres, as quais so de debate sobre a “reconstrução do Centro”,
devem ser inseridos num processo de mudança. que extrapola a área de habitação, incluindo pro-
Fazendo isso, contribuiremos para mudar de uma grama diversos, como a recuperação de fachadas e
política de exclusão para uma que garanta a demo- o programa de gerenciamento do centro. A ques-
cracia para todos os setores da sociedade, respei- tão do centro é uma das prioridades da Prefeita
tando verdadeiramente o cidadão, a criança, o Marta Suplicy. Prioridade discutida na campanha e
jovem, o idoso e o trabalhador. que faz parte da agenda política. Espero, com a
equipe da administração, poder fazer com que esse
Paulo Teixeira plano vire realidade e que em quatro anos possa-
mos ter uma região central bonita, povoada e que
Nós, na prefeitura, entendemos que temos que possa ser um exemplo de política urbana para o
pensar em um novo modelo de desenvolvimento estado de São Paulo.
urbano para a cidade de São Paulo. Esse modelo
deve ser compatível com a infra-estrutura existen- Marco Antonio Ramos de Almeida
te, pensando numa cidade que recupere seus ma-
nanciais, o meio ambiente, e possibilite uma A Associação Viva o Centro vem trabalhando
melhora da qualidade de vida. há 10 anos no sentido de reforçar a função habita-
A situação da década de 90, determinada por cional no centro, bem como todas as suas demais
uma política econômica de arrocho salarial, de funções. Acreditamos que o que caracteriza um
desemprego e de uma falta de política municipal centro metropolitano é a sua multifuncionalidade.
de habitação e de desenvolvimento urbano, con- Um centro metropolitano deve abrigar funções
tribui para que o centro se esvaziasse e pressionou culturais, educacionais, comerciais, financeiras, de
a consolidação da habitação nas bordas da cidade, serviços, turísticos e administrativos, incluindo
especialmente nas áreas de mananciais. também as sedes dos governos municipal e esta-
É essencial repensar o desenvolvimento urbano dual. Até as indústrias modernas, não poluentes,
na cidade de São Paulo, na região central, no cen- estarão bem no centro. Contudo, é preciso que
tro expandido, tentando recuperar uma maior exista uma forte presença de população residente
densidade populacional para essas regiões. Para na área central. Esta última função é que deverá
isso, é fundamental pensar dois aspectos. O criar um centro vital ao longo das vinte quatro
primeiro é como aproveitar os imóveis existentes e horas do dia.
o segundo, como construir mecanismos de finan- A questão da habitação na área central é muito
ciamento compatíveis com a renda dos que preci- importante. É necessário aumentar o número de
sam morar nestas regiões. É nesta direção que a moradores da área central, mas é preciso realçar
Secretaria da Habitação está atuando. que a área central já tem uma forte presença resi-
Uma primeira medida tomada por nós foi viabi- dencial, tanto que o bairro mais denso da cidade,
lizar um convênio com a Caixa Econômica Federal com concentração de 249,6 habitantes por hecta-
para potencializar o PAR na cidade de São Paulo. O res (dados de 1996), é um bairro central – o bairro
PAR é um recurso com alto grau de subsídio, que da Bela Vista -, e que o segundo, com 215,94 habi-
possibilita prestações compatíveis com um segmen- tantes por hectare, é o da República, no centro.
to da sociedade paulistana. Em segundo lugar, está Também se enfatiza muito que o centro está per-
sendo feito um convênio com o Governo do Esta- dendo moradores (20% nos últimos 10 anos), mas
do de São Paulo para melhorar a qualidade de vida é importante situar que isso não ocorre somente
dos moradores de cortiço. Em terceiro lugar, foram no centro, ocorre em todo o centro expandido e
definidas ações próprias da prefeitura com relação em todos os bairros com razoável infra-estrutura e
aos moradores das favelas, sendo que uma primeira qualidade. O Jardim Paulista, por exemplo, perdeu
experiência está sendo realizada na Favela do Gato, 19,86%; o Itaim Bibi, 24,34%; o Morumbi, 15,34%
junto com a regional da Sé. e Pinheiros, 20,66%. Repito, isso não é um fenô-
Entendemos que, na região central, não deve- meno do centro. Os dados estão mostrando que
mos apenas melhorar a qualidade de vida dos que toda região dotada de infra-estrutura está perden-
residem mal, mas também pensar na diversidade do moradores. Cabe portanto perguntar: que
social, atraindo segmentos que trabalham mas que estrutura esta perdendo morado regiões estão
não moram nesta região. Estamos modelando ganhando moradores? Anhanguera ganhou 210%,

12 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Cidade Tiradentes, 98%; Parelheiros, 84%. Toda inteligentes deixando para trás um pedaço de cida-
região com baixa infra-estrutura ganhou morado- de deteriorado.
res. Esta é uma situação perversa que deve ser Não podemos assistir a essa transformação im-
analisada em profundidade. punemente. Por isso, os movimentos de moradia
Acho que essas colocações são importantes e têm trabalhado e elaborado a proposta do Morar
exigem uma política habitacional capaz de trazer Perto Centro, que foi construído pela União dos
para a região central, sobretudo para os assim Movimentos de Moradia com os quatro movimen-
chamados bairros centrais, mais 20 mil, 50 mil ou tos que estão atuando no centro: Unificação das
até 100 mil famílias. A cidade deve ter uma política Lutas de Cortiço, Movimento Sem Teto no Cen-
que a faça crescer para dentro, em vez de crescer tro, Movimento de Moradia do Centro e Fórum
para fora – avançando nos mananciais e na serra -, dos Cortiços. Apresentamos uma proposta de
situação que tem produzido uma péssima qualida- habitação possível e que esperamos ser debatida
de de vida para as pessoas que vivem tão longe e nesta comissão. Essa proposta foi uma construção
um grande prejuízo para o sistema de transporte coletiva com os movimentos, as assessorias técni-
da cidade como um todo. cas, com entidades que atuam na área central. Ela
não pensa política habitacional pontualmente ou
Evaniza Rodrigues isoladamente, mas sim conjuntamente à política
urbana. Essa proposta pressupõe que não haja
Esta comissão de estudo na área central é sinal mais exclusão, que não se atenda as famílias que
de que o debate sobre habitação popular no centro podem ser alvo de Carta de Crédito, podem ser
é um debate do qual não podemos nos esquivar. financiadas pelo PAR, ou podem pagar um presta-
Para quem chega agora ou para quem não é da ção de um projeto habitacional da Caixa Econômi-
área, falar de moradia parece coisa nova, mas essa ca Federal. É importante que ela atenda famílias de
luta é uma das mais antigas de nossa cidade. Muita baixa renda, família que vive na rua, que não tem
proposta já foi feita, muita gente já passou por essa renda fixa, que não tem trabalho formal.
luta, muito despejo já foi combatido na marra para Se não pensarmos nessa combinação de fato-
que chegássemos aqui. res, estaremos mais uma vez dando volta no
Infelizmente, somente conseguiu-se pautar a problema e não vamos encará-lo de frente. Para
questão da habitação na área central depois que terminar, eu gostaria de falar sobre como construir
muita gente foi excluída e expulsa da área central. isso. Não dá para elaborar a questão pensando que
Vimos que as ocupações colocaram na agenda que se pode simplesmente construir mais casas ou
é possível construir uma proposta de habitação para a reformar prédio. O significado político é de resga-
população mais pobre da cidade na área central. te histórico, essa população que nunca abandonou
Quando falamos desta moradia, falamos que o direito o centro, que trabalha e o mantém funcionando,
a moradia inclui direito à cidade e às oportunidades quer participar deste processo, necessita possuir o
que ela oferece e, que não podem ser usufruída uni- direito de morar no centro com dignidade.
camente por parte desta cidade. Quando falamos deste
direito à cidade, estamos falando de que não podemos Ricardo Schumann
ficar assistindo impunemente os dados do IBGE, de
que onde tem menos cidade é onde esta se concen- A Cohab terá sua presença ampliada neste go-
trando mais gente, enquanto assistimos o verno, seja na questão de cooperação no Programa
esvaziamento do centro. de Arrendamento Residencial (PAR), seja no tra-
As ocupações, de 1997 para cá, colocaram duas balho que está sendo desenvolvido com os movi-
questões fundamentais, uma que foi a denúncia e mentos e assessoria técnica na definição de uma
outra uma proposta de moradia na área central. política para o centro, ou até mesmo na questão da
Falar disso é falar de desperdício de cidade, é falar intervenção no mercado imobiliário na região cen-
de duas coisas: exclusão e abandono. Exclusão de tral. Estas são propostas que estamos discutindo
quem não pode mais morar no centro porque o com a Secretaria de Habitação e tomando ações
aluguel do cortiço está mais caro, porque o cortiço concretas.
foi derrubado para virar estacionamento. Estamos Prefiro acreditar que nestes anos todos o es-
falando de expulsão que acontece todos os dias quecimento dos governos anteriores com a região
com famílias que têm que morar cada vez mais central tenha sido por dificuldades e não por des-
longe de seu trabalho, da escola, dos serviços de caso. Os que habitam o centro, os que resistiram,
saúde. Abandono daqueles para a qual o centro moram em péssimas condições e pagam caro por
não serve mais, está ruim e desagradável. Essas isso. Sua manutenção também é muito difícil. Criar
pessoas simplesmente abandonam um referencial o acesso para essa população encortiçada é um
histórico da cidade, e vão fazer os bairros nobres, desafio muito importante. Acho que o papel deste
os bairros chiques, os bairros com os edifícios governo, e com a ajuda desta comissão, é de, ao
final de quatro anos, poder dizer que realmente

Comissão de estudos sobre habitação na área central 13


investiu-se no centro, que a cara do centro mudou tar qualquer plano será preciso reconstruir inclusi-
e que não há mais exclusão social na área central. ve máquinas, instalações e equipamentos.
No geral, o plano busca uma integração entre
Vereador Nabil Bonduki as intervenções, tratando o conjunto das atividades
como um todo. Tratá-lo integralmente permite
O vereador salientou a importância desta co- evitar a reprodução de mecanismos que foram con-
missão de estudo e apresentou o quadro atual em solidados, abordando os graves problemas como se
que se encontra a questão da habitação na área fossem sobras e não como partes integrantes de
central, seus dilemas e perspectivas, observações uma forma de organização da sociedade.
que se encontram na introdução deste documento. Estou falando especificamente dos moradores
de rua, do comércio ambulante que é tido muitas
Clara Ant vezes como uma sobra, como se fosse algo fora do
script do modelo econômico que o Brasil adotou.
Apresentei o Plano Reconstruir o Centro pela Nós estamos num modelo econômico que há
primeira vez, dia 16 de maio, no Palácio das Indús- décadas enaltece a informalidade, a qual tem um
trias. Contudo, quero registrar que esse plano co- preço, um começo, um meio e um fim. O trabalho
ordenado pela Regional da Sé teve a participação informal, a concentração de renda, o desemprego
de todos os órgãos da prefeitura. Não é uma obvi- têm conseqüências para a cidade e para a moradia.
edade, neste momento da história, construir um Ao mesmo tempo que “sobram” cerca de 40 mil
fórum com a participação de todos os setores da residências no centro, há cerca de 5 mil moradores
administração. Quero registrar também, que leva- de rua na mesma área. Esse é um desafio a ser
mos em conta para a elaboração deste plano, inú- resolvido.
meras sugestões que recebemos de instituições e Definimos os seguintes objetivos a serem atin-
pessoas. Sem a participação de todos os colegas da gidos com o plano: resgatar o caráter público do
administração e sem a bateria de sugestões, seria espaço público, ampliar o uso residencial, garantir
impossível realizar este plano. a diversidade das funções, consolidar a identidade
Partimos de uma caracterização que nos leva a de centro metropolitano, promover ações urbanís-
polemizar com a idéia de “revitalizar” o centro. ticas com inclusão social, criar mecanismos da
Entendemos que não falta vitalidade nem há esva- gestão democrática voltados para o interesse pú-
ziamento econômico no nosso centro. Houve sim, blico e contribuir para a redução da violência.
um crescimento desta cidade nos últimos 30 ou 40 O plano se concretiza em programas que com-
anos com um enorme descaso dos investimentos portam projetos de porte variado. O primeiro
imobiliários e da quase totalidade dos governos. programa, e mais abrangente, é o “Andar no Cen-
Não houve, portanto, um plano para a região cen- tro”, o segundo é o “Morar no Centro”, o terceiro
tral da cidade, promovido e tocado pelo poder é o “Trabalhar no Centro”, o quarto é o
público. “Descobrir o Centro”, o quinto é o “Preservar o
Assim mesmo o centro de São Paulo resistiu. Centro” e o sexto é o “Investir no Centro”. Andar
Todos gostam do centro. Todos usam o centro. no Centro é um programa que beneficia mais de 2
Mais de dois milhões de pessoas transitam pela milhões de pessoas, atinge todos que passam no
área central. Há 17 estações de metrô, 3 estações centro, e nós entendemos que ele é essencial para
ferroviárias e mais de 250 linhas de ônibus. Não há o sucesso dos demais planos.
outro lugar no Brasil com uma dinâmica econômi- De conjunto, é preciso criar as condições para
ca do porte da região central de São Paulo. Ou resgatar a imagem do Centro que está descuidado
seja, há uma vitalidade impar, mas ela está emba- por todos: do mais humilde ao mais poderoso,
çada. Um a cada três empregos em serviços está na parece que ninguém se importa com o todo. Atra-
área central. Nós temos 600 mil empregos nesta vés dos programas “Cuidar do Centro” e “Gover-
área. Gente para morar no centro não falta. nar o Centro” temos a expectativa de resgatar
Cabe também um debate no que diz respeito também a cidadania compartilhando este trabalho
ao papel do poder público. Não creio que se possa com a sociedade e fazendo convênio com todos
falar em ausência ou omissão, nos últimos 8 anos. aqueles que estiverem dispostos a se dedicar para
Na verdade, o poder público esteve presente sim, Reconstruir o Centro.
destruindo. O governo promoveu a ilegalidade, a
desorganização e a vandalização do espaço público
e da maquina administrativa. Hoje, para implemen-

14 Comissão de estudos sobre habitação na área central


DEBATEDORES DA MESA

viver na periferia da periferia e passar por debaixo


das roletas dos ônibus coletivos do que morar na
região central. São 600 mil pessoas morando no
grande anel da região central, que habitam cortiços,
sem se falar das favelas e dos moradores de rua.
Habitabilidade só será possível se tiver área de la-
Sueli, Sidnei, Solange e Gegê, representantes de movimentos zer, saúde e creche entre outros; habitabilidade sem
de moradia da área central rever urgentemente os contratos com os convênios e
com os albergues, que cumprem um papel fantástico
Solange Carvalho – A luta de moradia no centro – o de esconder o povo de rua das noites – não é
está agora sendo discutida mais claramente. Nós, possível. Os albergues desta cidade, como o de todos
enquanto movimento, vivemos as dificuldades os outros países, têm o papel de esconder a sujeira
aqui apresentadas na pele. Como apresentado, desta cidade. Temos que rever o contrato destes
houveram 17 prédios ocupados desde 1997. Infe- albergues e fazer com que eles cumpram com o
lizmente não são mais 17, pois os despejos estão papel de formação deste cidadão, que hoje não tem
acontecendo e as famílias estão, cada vez mais, onde morar. Nós, do movimento de moradia do
sendo jogadas para a periferia. Eu diria que estão centro, não só estamos querendo apesar dizer o que
sendo jogadas para a periferia da periferia. tem que ser, mas também queremos contribuir para
Eu espero que esta comissão de estudo venha chegar as boas soluções. Isto porque, temos várias
contribuir com a população de baixa renda. denúncias pesadas com relação aos albergues, pois
Existem programas que podem nos atender, muitos tomam dinheiro do município e, à noite, as
mas sempre esbarramos na questão jurídica. As pessoas viram escravos lá dentro.
pessoas que têm baixa renda são normalmente Política habitacional deve garantir principal-
excluídas pelo programa que já existe. O que espe- mente subsídios para as camadas mais pobres. Nós
ramos, portanto, é achar um caminho para que as discutimos a questão do aluguel social e estamos
pessoas que dão vida a essa cidade tenham condi- certos que não dá apenas para querer que as famí-
ções dignas de viver nela. lias tenham casa própria. Queremos que aqueles
que não queiram casa própria possam pagar um
Luiz Gonzaga da Silva (Gegê) – Na história de aluguel condizente com a sua condição econômica,
São Paulo, quando é que foi construída habitação de acordo com o quanto ganha. A questão do
popular na região central? Qual foi a política habi- subsídio é muito importante. Sabemos que o mu-
tacional para essa região? nicípio foi sucateado pela incompetência de quem
Eu quero discordar de uma palavra que tem sido governou e daqueles que contribuíram para que o
dita por várias pessoas: o centro da cidade “perde” centro fosse sucateado.
população. Vamos ter coragem de dizer a palavra A discussão de habitação na área central passa
correta: o centro da cidade de São Paulo assistiu ao pela questão das ocupações. Quero deixar claro, as
longo dos últimos 15 anos a exclusão social daqueles ocupações não pararam, elas voltarão, independen-
que habitavam esta região central, exclusão social das temente de quem esteja governando.
camadas mais pobres, das mais miseráveis, daqueles
que moram embaixo da ponte ou daqueles que pa- Sueli Lima – Com relação a ocupação dos dezes-
gam 270 reais de aluguel nos cortiços. sete prédios, a Solange já colocou que, hoje, são
O que aconteceu nos últimos dez anos? bem menos e, a cada dia esse número tende a di-
Quando o Nabil era Superintendente de Habi- minuir.
tação da SEHAB, nós do movimento de moradia Tenho freqüentado muitas reuniões onde nos
do centro anunciávamos que vários casarões da perguntaram por que morar no centro e não na
região central estavam virando estacionamento, periferia. Eu tive que explicar para o governo que eu
enquanto muitas famílias eram jogadas para a peri- moro em São Paulo há 23 anos, e sempre no centro,
feria da periferia. de maneira que não há porque me deslocar para a
Se nós tivemos a capacidade de ver isso, nós te- periferia. Eu trabalho no centro, meus filhos estu-
mos a capacidade de revitalizar o centro. Contudo, dam no centro. Outra pergunta que me foi feita no
temos que ter a capacidade de ver que as famílias que CDHU foi por que as pessoas que moram no corti-
já são excluídas foram excluídas novamente. ço insistem em morar no centro se a construção na
Esse é um processo que o centro vem sofren- periferia é muito mais barata. Ficou bem claro que
do. É mais importante ter estacionamento do que seria bem mais vantajoso construir um prédio na
ter habitação popular. É mais importante o povo periferia do que reformar um prédio no centro,

Comissão de estudos sobre habitação na área central 15


apesar de colocarmos que existem vários prédios no possível abrigar 1 milhão de pessoas, caso o coefici-
centro que podem ser reformados para famílias de ente fosse alterado.
baixa renda. Ficou bem claro que é mais vantajoso
aplicar o dinheiro na periferia do que no centro. Vereador Nabil Bonduki – São exatamente essas
Uma das respostas que ficou entalada na garganta é questões que iremos tratar nas próximas seis sessões.
a seguinte: o que o governo economiza na constru- A área central necessita ser repensada e, devemos
ção nas regiões periféricas nós gastamos em condu- nos mobilizar para viabilizar condições para recons-
ção para se deslocar até o centro. truir não só o centro, mas toda a cidade. O zonea-
Eu espero que os novos programas para o cen- mento, por exemplo, deve ser repensado para tirar a
tro funcionem e que não fique apenas no papel. cidade da inércia, assim como toda a legislação.
Procuraremos mobilizar durante toda a comis-
Sidnei Antônio Eusébio – Nós achamos que a são os mais diversos setores da sociedade para
prefeitura está querendo fazer um grande trabalho, debater e sugerir projetos de para que possamos
mas nós sabemos que ela está sucateada e que o juntos superar todos os entraves.
governo do estado tem dinheiro e não gasta, como
também não sabe gastar. Eduardo Trani – Assessor da Presidência da CDHU,
Hoje queremos saber como fica a parceria da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Ur-
prefeitura com o estado, porque não temos claro bano do Governo do Estado de São Paulo
que tipos de parceria serão feitas. Eu estive na Eu diria que a CDHU, entidade do estado, res-
CDHU e fiquei indignado, só serão atendidas pes- ponsável por habitação, tem finalmente uma polí-
soas que têm três salários mínimos e quem não tica de habitação definida para a área central.
quiser morar e não tiver para aonde ir eles vão A parceria governo do estado, Caixa Econômi-
pagar 1.800 reais de emergência, até que a pessoa ca e prefeitura vai ser provavelmente a única forma
possa estar viabilizando algo melhor ou estar vol- para que possamos atender as soluções de ação na
tando para a cidade de origem. Isso não é justo, área central. A CDHU ao ter um programa de
porque nós pagamos impostos; queira ou não, uma parceria com o BID pretende que os recursos ao
ocupação contribui para o comerciante pequeno. serem colocados nas diferentes ações possam ser
Não é justo que paguemos impostos e sejamos feitos com o mecanismo do subsídio. Este é o
expulsos. Não é excluindo que a cidade vai crescer. ponto central desta política. Sem ele não podería-
Eu acho que a prefeitura deve estar fazendo es- mos fazer e operar qualquer programa. A primeira
te trabalho com o governo estadual e a Caixa Eco- política é o subsídio, a segunda é que este subsídio
nômica, mas que tenha um critério que inclua as vai estar colocado nas diferentes tipologias e solu-
pessoas de baixa renda nesse programa. ções. A CDHU é hoje um parceiro importante
porque tem recursos e potencialidades para uma
DEBATE série de convênios.

Marco Antonio Ramos de Almeida – Como já Vereador Nabil Bonduki – Acredito que devíamos
apresentei, precisamos crescer para dentro em vez de ter um plano de habitação para a cidade São Paulo,
crescer para fora, para o centro e não para as perife- com a participação da COHAB, do CDHU e da
rias. A área urbana da cidade de São Paulo tem 1.000 Caixa Econômica Federal, para que, desta maneira,
km2, e, ela é uma das cidades menos densas do mun- possamos juntos responder a demanda existente,
do. Há erros estruturais nesta questão. O grande erro garantindo moradia digna a toda população.
é a lei do zoneamento. A maior parte da cidade tem
um coeficiente de zoneamento 1 ou 2. Se a indústria Luiz Gonzaga da Silva (Gegê) – Parceria sem a
da construção planeja-se construir 1 milhão de m2, participação do povo é exclusão. Na parceria ou o
precisar-se-ia meio milhão de m2 de terrenos. É evi- povo esta presente ou ela é excludente. Não adian-
dente que esse fator jogaria o preço de terreno para ta ter parceria com o BID e ele impor o que ele
cima e empurraria as populações para os mananciais. quer para nós. Nós queremos parceria com parti-
O problema é que a lei de zoneamento existe há 23 cipação popular.
anos e até hoje não foi alterada. Se em vez de o coe- Da mesma maneira gestão pública sem partici-
ficiente ser 2 ele fosse 4, em vez de precisar meio pação da população não pode. A população deve
milhão de m2 seriam necessários 250 mil metros. discutir o que necessita ser investido na habitação,
Com esse novo fator a especulação imobiliária seria na saúde, na infra-estrutura. Esta é a política públi-
menor e o preço cairia pela metade. Além disso, na ca que o movimento de moradia quer discutir com
hora de dividir o custo deste terreno no empreendi- o poder público. Se este não tiver coragem de
mento, em vez de dividir por x habitações, este seria discutir conosco ela deixa de ser pública, ela é uma
dividido por 2x, o que faria com que o preço caísse política pública unicamente do poder público.
ainda mais para baixo. Analisando o centro constata-
remos que o coeficiente é muito baixo e que seria

16 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Sessão 2, em 12 de junho de 2001

Experiências relevantes de habitação na área central

Mesa

Vereadora Ana Martins (PCdoB); Vereador José Laurindo de Oliveira (PT); Vereador Marcos
Zerbini (PSDB); Vereador Nabil Bonduki (PT); Vereador Ricardo Montoro (PSDB); Cláudio
Manetti, Empresa Metropolitana de Urbanização da Prefeitura do Município de São Paulo –
EMURB/PMSP; Sarah Feldman, professora do Departamento de Arquitetura da Escola de Engenharia
de São Carlos da Universidade de São Paulo; Demetre Anastassakis, Invento Espaços; Evaniza
Rodrigues, representante da União dos Movimentos de Moradia – UMM; Maria Cristina Schicchi,
Fórum Centro Vivo; Marta Ferreira Santos Farah, professora da Fundação Getúlio Vargas – FGV.

Evaniza Rodrigues, Cláudio Manetti, Anastassakis, Ricardo Montoro, Nabil Bonduki, Sarah Feldman, Marcos Zerbini, José Laurindo

Vereador Nabil Bonduki A experiência de São Paulo 89/92


Cláudio Manetti
O objetivo da Comissão de Estudos é avaliar a si-
tuação da habitação na área central de São Paulo e
O palestrante fez uma reflexão sobre o que se
propor um conjunto de sugestões para estimular o
conseguiu fazer há oito anos, na gestão do Partido
uso habitacional. Área central entendida não só como
dos Trabalhadores, de 1989 a 1992, quando teve a
centro histórico, mas como um conjunto de bairros
oportunidade de realizar experiências no centro da
consolidados que fazem parte do centro expandido
cidade. Os grupos que naquela ocasião estavam se
de São Paulo e que, nos últimos 20 anos, vem per-
formando para pensar como é que se mora no
dendo população de modo acelerado.
centro da cidade agregou-se a uma estrutura insti-
No lançamento da Comissão, estiveram pre-
tucional de HABI (Superintendência de Habitação
sentes vários representantes do poder público, de
Popular da Secretaria de Habitação e Desenvolvi-
entidades e movimentos; foi feita uma caracteriza-
mento Urbano do Município de São Paulo), que
ção do centro, e também uma apresentação do
também era uma estrutura de muita coragem.
programa Reconstruir o Centro, da PMSP. Na
Não havia um programa pronto. Ele foi discu-
conclusão da Comissão de Estudos serão propos-
tido em quatro anos para ser implementado tam-
tas sugestões ao poder público e outros encami-
bém nesse período. No quarto ano, havia mais
nhamentos necessários à Prefeitura.
clareza do que responder, das ações táticas e estra-
A presente sessão traz experiências importantes
tégicas e dos valores, inclusive em relação aos
de intervenção em áreas centrais em diferentes
programas de financiamento e aos grandes ins-
cidades do Brasil e do exterior. Mostrar de que
trumentos. No final, tínhamos mais clareza sobre
maneira diferentes cidades do mundo enfrentaram
como deveria ser um programa de habitação nas
os problemas da área central, as soluções e os
áreas centrais para a população de faixa de renda.
resultados que foram alcançados é um dos propó-
Esse programa começou a surgir no começo de
sitos da sessão. O propósito é criar um referencial
1989, a partir de uma reivindicação dos grupos
mais geral para que o debate seja feito com base
organizados. Os bairros Brás, Belém e Moóca
em experiências já realizadas.
encaminharam à prefeita um pedido para inter-
venção em dois imóveis, o Madre de Deus, na

Comissão de estudos sobre habitação na área central 17


Moóca, e outro na Celso Garcia. As propostas se fosse estabelecida uma análise urbanística em
eram claras: desapropriar o imóvel e construir no um lugar que permitisse isso.
Madre Deus um prédio para várias famílias. Na Quando a ação pública acionava uma desapro-
Celso Garcia, desocupar o imóvel, recuperar o priação, o valor do imóvel subia e a sensação era
casarão, que é muito bonito, e a proposta de cons- de que a esfera pública estava salvando o dono do
trução de unidades como se fossem uma vila. imóvel, já que o juiz determinava um valor muito
Todas essas solicitações tinham um forte teor acima do que o real. Desapropriar não era o me-
político. A equipe responsável era obrigada a en- lhor negócio, mas era importante criar exemplos
frentar desafios, compondo outras equipes, saídas para a política que se queria implementar.
e mecanismos para isso. É importante ressaltar Os estatutos possíveis, por meio da COHAB
que essas ações deveriam se desdobrar em ações (Companhia Metropolitana de Habitação de São
públicas, nunca em uma intervenção direta. Paulo) e da CDHU (Companhia de Desenvolvi-
As questões mais importantes que se coloca- mento Habitacional e Urbano do Estado de São
vam eram: Paulo), permitiam permutas para a construção de
– como desapropriar imóveis na área central; áreas comerciais, respeitando a dinâmica da cida-
– como uma ação como essa poderia se desdo- de, não expulsando pequenos donos de imóveis
brar em um grande programa habitacional para o do centro e compondo com eles, usando uma
centro; mais valia gerada. Fixava-se um valor que era
– como os itens estruturais de um programa baixo, pela deterioração da cidade, depois se agre-
para essa faixa de renda poderiam se dar com um gava outro custo, a partir da intervenção pública.
suporte público e possível, para sustentar que Dessa maneira, nunca expulsaria pequenos donos
faixa de renda habitaria a área central. Essa ques- de imóveis do centro, incorporando-os como par-
tão inclusive é antagônica em relação à postura ceiros. Quando se aplicava um valor sobre o valor
ideológica e política de então de que pobre deveria do imóvel deles, a tendência era a aceitação da
morar nas regiões distantes. proposta por parte dos proprietários da área me-
Essa inversão de valores estruturais era, e é a- nor do que tinham em solo criado, em lojas ou
inda, um grande desafio para superar os instru- algum imóvel dentro do empreendimento, libe-
mentais existentes e também uma visão de rando o restante da área para o empreendimento
economia falsa, que não considera a economia da social.
cidade, não compreende de que maneira isso po- Não era possível realizar isso dentro da estru-
deria ser implementado em larga escala. Este é o tura do FUNAPS (Fundo de Atendimento a Po-
princípio do programa de cortiços que foi elabora- pulação Moradora em Habitação Subnormal), pois
do. o desenho institucional do programa não permitia
No final de 1989, existiam duas respostas a se- uma visão empreendedora de um programa habi-
rem desdobradas a médio prazo. Em 1992, o pro- tacional. As ações de grande e médio porte se
grama tinha a seguinte estrutura: ajustavam a projetos satélites de financiamento.
– primeiro, foi fundamental ter instrumentos Foram criados alguns subprogramas nesse sentido.
diversificados, porque o programa atingia grande Um deles apresentava a seguinte alternativa: ao
espectro de renda, de zero a oito salários; invés de a própria prefeitura desapropriar, repassa-
– o programa deveria ter um ‘varal’ de opções, ria recursos para os próprios grupos intervirem.
diversas combinações. Mudar de opção não pode- Um outro subprograma criava dois valores de
ria engessar a dinâmica de retomada da cidade por financiamento. O primeiro para compra do imó-
essas famílias. vel: a associação de moradores, com apoio da
Com isso o programa passou a ter a seguinte assessoria técnica e jurídica, comprava imóveis
estrutura: discutidos e negociados diretamente, que não
– Projetos de médio porte: compreendendo podiam ultrapassar uma quantidade de UPFs (U-
imóveis vazios, subutilizados ou encortiçados nidade Padrão Fiscal). O segundo, um percentual
remembrando, se possível, dando a subestrutura do valor do terreno para reforma ou nova obra.
urbana daquele contexto para áreas de até 5.000 Podia-se usar os dois ou só um: reforma para
m2 de solo. Não são projetos nem muito grandes aluguel social, minuta com assessoria jurídica
nem pontuais (imóveis). Seriam como grandes direta.
projetos âncora, para extrair outras famílias de Outro programa desenvolvido foi o Programa
outros cortiços. A experiência da Moóca, por e- Cortiços de Origem.
xemplo, incluía discussões, encontrava outras Outra ação era de ZEIS 4 (Zona Especial de
saídas como um grande fórum vivo, entendendo o Interesse Social 4), com a idéia de vincular ao
que cada grupo político tinha de específico em Plano Diretor. A zona especial para cortiço atingia
relação à ações respostas e parte de ações públicas. áreas mais consolidadas de São Paulo. Era uma
Assim, uma ação de médio porte só seria possível figura mista entre área que se reserva para intervir
com projeto e operar dentro delas. Entretanto, não

18 Comissão de estudos sobre habitação na área central


conseguimos realizar isso em São Paulo porque intenso hoje, para que a população de baixa renda
não foi aprovado o Plano Diretor. Em Santos a se mantenha nas áreas centrais.
ZEIS 4 foi aprovada, sem a necessidade de colo- O discurso sobre intervenção em áreas centrais
cá-la no Plano Diretor, como um instrumento se generalizou e as estratégias se padronizaram.
urbano independente. Ficou fácil qualquer cidade se apropriar do discur-
Outro instrumento era a ZHIS (Zona Habita- so, e fazer parecer que a questão de sua área cen-
ção de Interesse Social). Estudou-se com a tral está sendo resolvida. É como se todas as
EMURB, dentro da Operação Urbana Brás, áreas cidades fossem iguais, passassem por processos
de estoque para o projeto de habitação para a semelhantes. Hoje, quando se fala em intervenção
região central, nunca pensado com uma visão em áreas centrais, o termo mais utilizado é revita-
excludente, mas sim, com uma visão mesclada lização. Ou seja, decretou-se a morte dos centros,
para a cidade, sem guetos. pois revitalizar pressupõe atuar em áreas que estão
Ressalta-se que sempre se procurou trabalhar mortas. O termo dominante utilizado inclusive na
com a cidade, nunca com a visão excludente de mídia para intervenções em áreas centrais é com-
um conjunto inserido aqui e ali. A discussão era posto por três aspectos obrigatórios:
com a cidade e com quem habita a cidade, com a – necessidade de valorização da identidade cul-
morfologia da cidade, com a necessidade de espa- tural das áreas centrais (relacionada à preservação
ço público em que famílias de outras faixas de de imóveis de interesse histórico e do valor simbó-
renda possam conquistar a cidade contribuindo lico do centro);
com novos elementos de cultura e condições de – necessidade de criação de novas centralida-
correlação com a cidade. des prioritariamente em áreas industriais e portuá-
Os projetos e experiências desenvolvidos no rias subutilizadas relacionada à inserção das
âmbito dos programas e subprogramas elencados estruturas físicas demandadas por atividades fi-
mostraram que a relação dos projetos com a cida- nanceiras e terciário avançado;
de, com as áreas públicas e semipúblicas tinha a – necessidade de negociação entre setor públi-
intenção de inserir os equipamentos nos projetos co e setor privado para intervenções que devem se
habitacionais, de modo a fazer a cidade trocar com dar através de projetos urbanos em detrimento de
o conjunto habitacional. planos.
Esse é o discurso hegemônico, repetido ad eter-
Tendências recentes de intervenção em centros num para qualquer cidade. Os dois últimos aspec-
metropolitanos tos – criação de novas centralidades e negociação
Sarah Feldman entre setor público e setor privado – expressam a
reorganização da economia no contexto da globa-
lização. As áreas centrais aparecem hoje como
regiões imobiliárias privilegiadas do setor imobili-
ário. Essa é a grande novidade dos anos 90, aqui
no Brasil. Na Europa e nos Estados Unidos, esse
processo se inicia a partir dos anos 70.
O setor imobiliário é hoje constituído por um
amplo leque de capitais: desde a indústria da cons-
trução civil, propriamente dita, até seguradoras,
redes hoteleiras, instituições financeiras, e indús-
tria de entretenimentos. O setor imobiliário é um
setor internacionalizado, que atua em blocos em
cidades pelo mundo afora. Exemplos radicais da
intervenção do setor imobiliário, em sua configu-
Sarah Feldman e Ana Martins
ração atual, são a Times Square, em New York,
ancorada e liderada pela Disney, e a Potsdammer-
Ao se abordar o tema das tendências recentes platz, em Berlim, pela Sony. Estas áreas passaram
das intervenções em áreas centrais é inevitável por um processo de renovação onde o principal
afirmar que na última década mudou o panorama agente foi a indústria de entretenimento.
destas áreas no Brasil e que este movimento tem Esses projetos estão associados à recuperação
abrangência global. Há dez anos os centros não econômica e do valor imobiliário dos estoques de
estavam sendo disputados na medida em que imóveis localizados em áreas centrais - tanto os
estão sendo disputados hoje. É importante identi- protegidos por instrumentos de preservação,
ficar os interesses que hoje estão voltados para o quanto os subutilizados pelo esvaziamento de
centro, qual o papel do poder público e que su- áreas industriais e portuárias.
porte ele tem que dar. Este suporte deve ser mais A questão da preservação de imóveis começa
nos anos 70 a ser tematizada em contraposição a

Comissão de estudos sobre habitação na área central 19


projetos de renovação urbana das áreas centrais Mais recentemente, em Lisboa, no período
que tinham como princípio a tabula rasa. Ela se pós-revolução de abril, vêm sendo realizadas in-
transforma, nas duas últimas décadas, numa estra- tervenções em bairros centrais que se alinham à
tégia de agregação de valor à economia urbana e experiência de Bolonha.
instrumento poderoso de atração de investimentos Em Lisboa, o processo se iniciou como de-
privados supra-regionais e internacionais. manda de moradores, com a mobilização de dois
A chamada “revitalização” das áreas centrais é bairros. A prefeitura de Lisboa assumiu o projeto
hoje um dos esteios das políticas neoliberais em por meio de estratégias que visaram melhorar o
nível municipal, pautadas na prevalência dos inte- potencial social e econômico da cidade, mantendo
resses de mercado e conseqüente redução e mu- a população existente. A estas práticas associou-se
dança do papel do estado. Para dar o nome certo, o conceito de reabilitação urbana.
não se trata de estratégia de “revitalização”, mas É importante destacar a estrutura de gestão
de “revalorização imobiliária” dos centros. E há criada para efetivar os projetos de Lisboa. Nos
inúmeros exemplos de projetos, nessa perspectiva, bairros, instalaram-se escritórios técnicos multi-
bem-sucedidos na Europa e nos Estados Unidos, disciplinares, que desenvolvem planejamento e
e alguns em curso no Brasil. gestão interligados, isto é,. quem pensa, projeta e
A questão habitacional não está presente no também executa, e tem contato com a população.
receituário, que prevê para essas áreas apenas A experiência se expande para um conjunto enor-
atividades de entretenimento, ou do setor lazer, me de bairros. Institucionalmente, organiza-se
terciário avançado. A habitação, quando aparece, uma esfera central de governo local, acima dos
se inclui na retórica da mistura de usos, e quando escritórios técnicos, e outros órgãos da adminis-
projetos habitacionais são realizados, se destinam tração lhe dão suporte. Assim, o processo é incor-
à população de mais alta renda. Pode-se afirmar porado à estrutura da administração para se
que a habitação de interesse social não está em efetivar.
pauta nos projetos recentes. Em Bologna e Lisboa, a participação do poder
Para se recorrer a projetos para áreas centrais público é fundamental, assim como a vinculação
com inclusão de população de baixa renda, é ne- da política da área central à política urbana geral
cessário voltar no tempo. O projeto paradigmático da cidade, e a associação da preservação de imó-
é o de Bologna, dos anos 60, que se realiza no veis à manutenção da população residente. O
contexto de governo da região da Emilia Romana, ponto de partida para a formulação das propostas
na Itália, que tinha representação majoritária do é a situação especifica de cada lugar. Não se
Partido Comunista. Lá foi realizado um plano na transpõem modelos, mas se constroem processos
área central que coloca a intervenção do poder de gestão adequados às realidades sociais, econô-
público em uma perspectiva de valorização do micas e físico-territoriais de cada bairro.
patrimônio arquitetônico e de contenção do pro- No Brasil, desde os anos 80, inúmeras cidades
cesso de periferização. O plano se inscreve em estão promovendo intervenções em áreas centrais.
uma perspectiva de uma política abrangente ao Porém, a habitação não vem sendo contemplada.
conjunto da cidade. Não é um plano isolado, não A atração de atividades de turismo, a inserção do
um projeto urbano isolado, não é uma coletânea terciário avançado, a multiplicação de espaços
de projetos urbanos. Existe um plano e um proje- culturais são uma constante, e podem ser observa-
to urbano na história de Bologna. O centro, além das nas experiências de Recife e do Pelourinho,
de bem cultural, foi considerado patrimônio eco- em Salvador, que já apresentam resultados concre-
nômico que não poderia ser desperdiçado e entre- tos. O Pelourinho constitui o exemplo mais claro
gue ao domínio da especulação imobiliária. do não-lugar da HIS: havia uma população resi-
O plano foi elaborado pelo poder público com dente, de baixa renda, que foi intencionalmente
participação da população, e a política habitacional expulsa. No Recife, na área em que se iniciou a
foi prevista para atender à população de baixa intervenção, há poucas pessoas morando numa
renda, estudantes e idosos. Esta foi efetivada atra- favela , que não foi incluída como prioridade no
vés de cooperativas de proprietários, da gestão plano. Os dois projetos são desvinculados de uma
coletiva de setores urbanos, e não só de edifica- política urbana abrangente à cidade.
ções, da garantia de moradia do aluguel acessível A situação de São Paulo é particular. Em pri-
e, além de envolver um número elevado de desa- meiro lugar, é necessário definir o que se conside-
propriações. Isso aconteceu paralelamente a ações ra área central. No Plano Reconstruir o Centro,
que incentivaram o turismo, a cultura e o uso recentemente apresentado pela administração
terciário no centro. Tudo aconteceu conjuntamen- municipal, se define como área central o centro de
te. Só foi possível atuar em várias frentes porque o negócios e os bairros centrais, que são estruturas
poder público assumiu seu papel no subsídio à urbanas indissociáveis. Os bairros centrais se
população de baixa renda. constituem em função do centro de negócios, e

20 Comissão de estudos sobre habitação na área central


mantém atividades econômicas poderosas, que contenha instrumentos condizentes com a cidade
atendem não só a cidade, mas a região. real, isto é, que estabeleça critérios e limites para a
Em segundo lugar, é preciso considerar que no produção imobiliária, que resgate o interesse cole-
centro de São Paulo sempre existiram moradias. tivo na atuação do poder público na gestão do
No Rio de Janeiro, por exemplo, não há. Em São espaço urbano, qualquer política habitacional para
Paulo, a moradia é componente estrutural, um a população de baixa renda na área central ficará
elemento importante na complexidade funcional fragilizada.
da área central. A composição dos moradores
também é particular, porque a população pertence Avaliação da intervenção no Pelourinho
a um amplo leque de faixas de renda. Isto é o Demetre Anastassakis
amálgama da diversidade funcional, pois introduz
e garante a diversidade social. Agradecendo a participação o palestrante in-
A persistência das moradias por mais de um troduziu sua intervenção com a perspectiva de
século nos mostra que não é obra do acaso a força polemizar. Acredita na regra básica do capitalismo
dos movimentos por moradia na área central de que é a demanda e a oferta. Não há demanda para
São Paulo. Também não é obra do acaso que esse prédios no caso de São Paulo que ocupem a Av.
movimento cresça quando surge a Associação São João e a Duque de Caxias somente com escri-
Viva o Centro. tórios modernos. Escritórios modernos, da cha-
A Associação Viva o Centro é a expressão da mada nova economia não querem mais esse
nova disputa pela área central, do interesse imobi- espaço... Estes espaços acabam sendo “micos
liário por sua revalorização. A Associação Viva o empresariais”. Isso vale também para Salvador ou
Centro tem o mérito de colocar o centro em pauta. Rio. Não há demanda em centro histórico para
Entretanto, é a grande protagonista na construção tantos centros culturais e butiques. A aristocracia
do discurso do centro de São Paulo como morto, de Salvador, assim como a classe média do Bexiga
violento, deteriorado etc, que justifica a necessida- saíram do bairro porque a moda imobiliária os
de de “revitalização”. É esse discurso que é incor- levou para outro lugar.
porado pela mídia, e que vem sendo aceito de No caso de Salvador, por conta dos prédios
modo acrítico por vários setores da sociedade. históricos, não se pode demolir para construir
Hoje há caminhos importantes que começam a prédios comerciais. Quando há esvaziamento
ser apontados em São Paulo, pois vão na contra- econômico acontece o que o palestrante chama de
mão deste senso comum. Já existe um plano para mais-valia negativa. A mais-valia positiva ocorre
o centro que não aceita receituário, e estabelece quando a terra tem um preço, a infra-estrutura
diretrizes que partem da dinâmica da área central, pública tem outro preço, o proprietário da terra
do reconhecimento do centro dinâmico, vivo do soma os dois preços, terra e infra-estrutura, e ven-
ponto de vista social e econômico. Na área central de por mais do que a somatória. Nos lugares de-
da cidade, há mais de 400 mil habitantes – quase gradados, o movimento é o contrário, a terra vale
uma Ribeirão Preto – e não pode estar morta. menos porque não é querida, vale menos do que
Além disso, São Paulo tem hoje uma política habi- custa produzi-la. Verifica-se uma mais-valia nega-
tacional para a área central. tiva pois a fração de terreno nas áreas com infra-
Mas há um problema: não existe um plano pa- estrutura vale menos do que a fração de terreno
ra a cidade. Falta um apoio no tripé composto por produzido na periferia. Hoje o preço da terra na
Plano Reconstruir o Centro, Política Habitacional periferia é aproximadamente R$ 4.000,00, R$
para o Centro e Plano Diretor. Falta um plano que 5.000,00, o lote. Se se tem um lugar que a burgue-
situe o papel da área central na política urbana, sia não quer mais, não tem número de comprado-
que crie mecanismos que garantam a não-exclusão res, pode-se ter uma fração de terreno com um
nesse contexto de disputa pelo território da área valor menor do que a terra “nova” produzida na
central, de interesses poderosos do mercado imo- periferia.
biliário. A experiência da equipe do palestrante com
Os instrumentos urbanísticos vigentes em São centros degradados começa no Bexiga, vai para o
Paulo estão há muito superados. A atividade imo- Rio de Janeiro e depois para Salvador. Hoje há
biliária na cidade mudou muito, há um grande certo consenso de que é bom que a população de
número de empreendimentos imobiliários de menor renda more no centro. É bom economica-
grande porte realizados com capital imobiliário mente para eles pois quando uma pessoa gasta 4
internacional, que hoje se concentram na região da ou 5 horas na condução, perde aquilo de vida,
Berrini, embora estejam também presentes em ninguém ganha com essa perda de horas. É uma
outras regiões da cidade. Considerando-se o en- perda para ninguém.
volvimento do setor imobiliário nos debates sobre Além disso, a cidade é constituída de muitos va-
o centro, é óbvio que este território esteja na sua zios pois o capitalismo não consegue preencher todos
mira. Se não houver um plano para a cidade que os vazios. Existem muitos terrenos vazios esperando

Comissão de estudos sobre habitação na área central 21


outros usos, que devem ser ocupados, pois se estará encontrou-se 138 terrenos totalmente vazios, inse-
pondo a trabalhar o capital público enterrado em ridos na malha consolidada da cidade, nos quais
infra-estrutura que está ocioso. Também o poder podem ser construídas 4.000 unidades totalmente
público não terá de ‘correr atrás do prejuízo’ na urba- contextualizadas com o entorno. O governo mu-
nização de novos loteamentos. É melhor e mais nicipal atual quer fazer já 2.000 unidades pelo
econômico para a cidade e para todos. programa PAR. No Rio a fração ideal da terra é,
Um problema social que deve ser resolvido, é hoje, no centro R$ 2.500,00, em lugares já estrutu-
o problema dos conflitos possíveis da demanda rados com gás, energia elétrica e telefone, além de
com o entorno nos bairros em que se propõe fixar água, esgotamento e drenagem.
populações pobres. É um problema social pois o Na legislação, no caso mesmo do Rio, e tam-
entorno pobre se intriga com a demanda também bém em Salvador, há uma permissividade para
pobre que chega com conflitos que podem ser experiências. Não conflita com IPHAN (Instituto
caracterizados como: “eu não quero favelado per- do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional),
to de minha casa”... É necessário montar um pac- vale o que for mais exigente em termos de legisla-
to social de que área degradada não é bom para ção. Não se pode fazer um arranha-céu, por e-
ninguém. xemplo, para que toda a contextualização com o
Se for conseguido o adensamento da área, o existente seja preservada.
investimento público é realizado mais facilmente, As experiências com legislação de interesse so-
os custos per capita são menores, e é melhor rela- cial, se derem certo, e forem aprovadas socialmen-
ção custo benefício. te, serão implementadas e sacramentadas, mas
Há que se trazer a iniciativa privada para isso, devem visar um adensamento populacional.
segundo o palestrante. O grupo GAFISA e o gru- No centro histórico de Salvador a fachada dos
po Rossi Residencial estão, por exemplo, atenden- antigos casarões é um bem público e será restau-
do populações que não são populações de cortiço, rada pelo BID Monumenta, programa do Banco
com unidades a R$ 25.000,00 a R$ 30.000,00, com Mundial. O interior dos casarões, que já não existe
prestações de aproximadamente R$ 300,00. Isso é como era antes, será construído modernamente,
um progresso porque descobriram todos que a classe através do financiamento PAR. Os moradores,
média baixa dá lucro, ou “vender fusquinha é negó- então, terão outro tipo de subsídio, pois ganham a
cio”! Com o PAR, Programa de Arrendamento Resi- fachada e o telhado. Em um casarão unifamiliar
dencial da CEF é possível, como já está acontecendo, existirão depois dessa reforma, apartamentos con-
atender maciçamente também a população moradora fortáveis com 2 quartos de 37, 40 até 50 metros
em cortiços, e que paga aluguel. quadrados, que custarão de R$ 20.000,00 a R$
O Bexiga, por exemplo, tem muitos terrenos 25.000,00 para o mutuário.
vazios. Esses terrenos no Bexiga tem preços mais Segundo o palestrante, o poder público deve
baixos do que o terreno na periferia. Se se faz uma ter função de fomento. Apresentou duas ativida-
loja no térreo de novos edifícios, por exemplo, é des de fomento com as quais teve experiência,
suprida a diferença de preço aparentemente alto uma com governo mais progressista e outra com
para pobres. Assim, o preço de terra pode ir até um governo moderado. A primeira experiência foi
R$ 1.000,00 a R$ 2.000,00 por unidade e o restan- na gestão Erundina, na qual a prefeitura tinha, na
te do financiamento obtido pode ir para constru- área de cortiços e nos mutirões em geral, uma
ção. Deve, portanto, ser estimulado o uso misto atividade de fomento. Não executava habitação
das edificações do centro. Com lojas embaixo e diretamente, fomentava a demanda com assessoria
habitação em cima; as diferenças tipológicas entre técnica, financiava e coordenava tudo. A demanda
terrenos permitem que alguns terrenos rejeitados solicitava e a assessoria trabalhava para a deman-
pela indústria da construção – destinadas a clien- da, que construía em mutirão, e geria em autoges-
tes mais ricos - se prestem à ocupação pelos mais tão assistida. No Rio, na prefeitura, desde a
pobres... Fundos de terrenos, terrenos finos, etc, primeira gestão César Maia, há uma coordenadoria
há que se garimpar terrenos que valem menos de fomento na qual a demanda é ‘casada’ com
para a especulação imobiliária. construtoras, escritórios, projetos. As construtoras
Há uma evolução no pensamento urbano de vão na CEF, assim, com a chancela da prefeitura.
1989-90 para hoje. Naquela época era tolerada, O dinheiro não é emprestado para a prefeitura,
pelos governos mais progressistas, a presença de mas para os mutuários, que contratam as constru-
classe de renda baixa no centro. Hoje pode-se toras. O projeto é encomendado pelo poder públi-
dizer que está em moda! Há programas muito co a escritórios de projetos e posteriormente a
ambiciosos nos lugares centrais, independente da empreiteira adere ao processo.
ideologia política dos governantes locais. Por fim, o palestrante demonstrou sua esperança
No Rio de Janeiro, foram encomendados estu- de grandes progressos na questão pela necessidade
dos sobre o centro, sobre a parte histórica do cen- do capitalismo de “vender fusquinha”, de habilitar a
tro do Rio. Foi feito um inventário de terrenos e população com crédito para “comprar o fusquinha”...

22 Comissão de estudos sobre habitação na área central


O direito de morar perto versus o direito de ter propriedade: particulares, particulares com tom-
quintal; na democracia, o interesse e a decisão de bamentos históricos, dos governos locais ou insti-
cada família devem ser respeitados e soberanos, e tutos ou de empresas públicas. Na Cidade do
não mais como hoje, em que as opções são a fave- México há propriedades de uma caixa de seguri-
la, o cortiço, a periferia distante, ou o morar de- dade social, que é um limbo. Não é nem público
baixo da ponte... no sentido de uso, de disposição pública, nem
privado mas que são para fins sociais e cuja pro-
Experiências Latino-Americanas priedade não pode ser transferida; esses imóveis
Evaniza Rodrigues não podem ser vendidos e não há outro instru-
mento para garantir a posse. Situações como essa
Evaniza apresentou um quadro de como a foram observadas na pesquisa. No campo das
questão da moradia no centro está sendo trabalha- intervenções foram trabalhadas duas áreas: uma,
da em outros países da América Latina. Essa a- mais restrita, que é a produção e readequação para
bordagem é importante, já que coloca a luta dos reciclagem de moradias de modo pontual. Outra
movimentos de moradia dentro de um processo abordagem foi como a componente moradia entra
histórico. A luta por moradia na área central não é no processo de renovação urbana; foram conduzi-
delírio de um grupo de uma cidade; existe um dos processos de requalificação urbana sozinha de
processo em curso nas capitais da América Latina um lado e a moradia de outro etc.
e em outras grandes cidades na Europa. Um ponto interessante na pesquisa é que, na
Os processos nas áreas centrais dessas cidades, maioria das cidades com esses processos de mora-
que têm seus centros inicialmente caracterizados dia nas requalificações, existiu e existe organização
inicialmente por um momento de esplendor; depois, de luta, organizações de defesa dos moradores,
momentos de decadência e, mais recentemente, pas- processos de enfrentamento contra expulsão e
sando por processos de requalificação, reurbanização, pela melhoria da qualidade na área central. Das
revitalização e outros ‘res’ e as diferentes visões que várias experiências interessantes existem duas que
se colocam em cima disso. São inúmeras as experiên- foram rapidamente relatadas pela palestrante, a
cias que fizeram a requalificação do centro sem inclu- experiência da Cidade do México e de Lima, no
ir a população e terminando por expulsar os mais Peru.
pobres e moradores do centro. Essas experiências Na Cidade do México existiam, em 1970, 340
não podem ser esquecidas, são matérias-primas que mil famílias que moravam na área central da cida-
não podem ser perdidas. de, que é bastante densa e importante até hoje,
Nesse sentido a Secretaria Latino Americana capital federal. De 1970 a 1990, de 340 mil passa
de la Vivienda Popular (Selvip), que reúne os mo- para 150 mil famílias, processo de expulsão de
vimento populares de moradia do Cone Sul e mais da metade da população. Um fato muito
alguns países andinos, e a Coalizão Internacional importante aí, que marcou a luta da população, foi
do Habitat (HIC), que é uma rede de ONGs e o terremoto de 1985, que abalou a cidade. Muitas
movimentos populares mundiais, bastante expres- dessas casas caíram ou sofreram danos que invia-
siva aqui na América Latina, está atenta a esse bilizaram a permanência das famílias ali. Naquele
processo. Ela começou a reunir estudos sobre o momento, o governo da cidade e o governo na-
que estava acontecendo nos movimentos popula- cional acharam a fórmula ideal para tirar todo
res que garantisse a permanência, a sobrevivência mundo que morava no centro da cidade. Os re-
e a qualidade de vida dos moradores do centro. cursos para a reconstrução da cidade e apoio às
Assim, tivemos um primeiro trabalho entre 1998 e famílias eram para expulsá-los desses centros.
1999, que reuniu algumas experiências e alguns Nessa época, os moradores se organizaram, atra-
casos relatados em uma pesquisa publicada em vés das Assembléias de Bairros, em um grupo
dois volumes (Habitat International Coalition, forte de defesa do inquilinato que começou a lutar
Unione Inquilini, Habitat et Participation. Estrate- e a permanecer nessas casas e a lutar para que os
gias populares em los centros historicos. vol.1, América recursos disponíveis para atendimento das famílias
Latina, África e Ásia. Vol. 2, Europa. HIC, Ciudad atingidas pelo terremoto fossem utilizados na
de México, 1998). Primeiro, foi feita uma leitura permanência dessas famílias nos locais de origem.
do que aconteceu em 45 lugares diferentes, sendo A luta tem resultado e vários desses casarões per-
15 na América Latina. manecem com essas famílias, que conseguiram
No segundo momento, foram feitos um semi- adequá-los, reciclando as moradias, tornando-as
nário e uma análise de tendências que marcaram de melhor qualidade, nessa mesma área central.
esses processos Algumas primeiras conclusões: a O que também é importante destacar na Cida-
moradia precária nos centros da maioria das capi- de do México é que a maioria das moradias nas
tais latino-americanas apresenta diferentes nomes áreas centrais é de casas ocupadas, não são rela-
e expressões, posse, inquilinato, cortiços, hotéis, ções de inquilinato. Foi iniciado um processo na
pensões. São também diversas as situações de gestão passada e nessa gestão do governo da Ci-

Comissão de estudos sobre habitação na área central 23


dade do México, que consegue regularização de na década de 80 e agrega, entre outros, moradores
posse que não estava em pauta antes. São casas de cortiço, buscou quais seriam os componentes
tombadas pelo patrimônio histórico, portanto, há de uma política pública de habitação. Não existi-
muitas dificuldades para sua remodelação. am políticas para financiar alternativas de moradia
Em Lima, o processo está se dando de maneira para o centro. Com a intenção de juntar morado-
mais integrada com o processo de renovação ur- res dessas casas ocupadas formaram-se cooperati-
bana. O número de cortiços é impressionante e o vas que buscariam a compra dos imóveis para o
processo de expulsão bastante grande. Não houve fundo e alugando.
pressão de especulação imobiliária para as famílias A primeira parte desse programa é a confor-
saírem mas sim, pressão pela condição de não mação da cooperativa e da compra do imóvel,
pagamento de aluguel. O processo de renovação programa chamado por eles de ‘construindo sem
urbana dividiu a cidade em grupos de 12 a 15 tijolo’, no qual se busca financiamento, como nos
quadras em cada região, formando perímetros, casos da Cooperativa União e Cooperativa Jataí
compostos por comitês pelas famílias moradoras com média de 30 famílias, conseguindo financia-
naquela área, moradoras proprietárias, moradores mento direto com o proprietário (lembrando que
inquilinos, moradores de casas do governo, co- são imóveis deteriorados).
merciantes, pequenas empresas e pequenos negó- Em seguida, o programa prevê o apoio do po-
cios, que são convidados a rediscutir todos os der local de Buenos Aires para o financiamento de
espaços daquelas 12 quadras, buscando uma solu- uma cesta de material de construção, mas sem
ção abrangente e não se discutindo lote a lote. Mas apoio técnico e de mão-de-obra. O terceiro com-
com toda possibilidade de troca de lote, de troca ponente do programa é destinado à constituição
de espaços, de condição de solo criado, espaços de cooperativas de produção. Seriam cooperativas
que não estão construídos, que são tombados pelo de construção com recursos para remunerar parci-
patrimônio histórico, permitindo um intercâmbio almente mão-de-obra e serviços. Não existindo
dentro do perímetro, apoiado pela prefeitura, por nenhuma política pública, o próprio movimento
ONGs contratadas para assessorar aquele proces- monta o quebra-cabeça conseguindo realizar al-
so e também com o apoio do legislativo local para gumas experiências como a Cooperativa União
a construção de alternativas legislativas. Esse pro- que fica a duas quadras de Porto Madero e a Coo-
cesso iniciou-se em 1997, está no meio do cami- perativa Jataí que fica em San Telmo.
nho e já tem experiências interessantes que A partir daí houve uma maior pressão junto ao
mostram a intenção de combinar moradia e luta poder público para que se passe a ter uma política.
pela permanência na área central. Em 1999, foi aprovada uma lei municipal de a-
É importante também apresentar a experiência poio à autogestão, com repasse de recursos para
dos movimentos populares de Montevidéu e de cooperativas de construção de moradia. A Coope-
Buenos Aires. Algumas dessas experiências foram rativa Jataí em um segundo momento, já conse-
relatadas no seminário Autogestión, rehabilitación e gue, então, repasse de recursos da prefeitura de
concertación: experiências em políticas de vivienda popular. Buenos Aires.
(8 y 9 de diciembre de 1997. Centro Argentino de Uma última experiência é a Cooperativa Peru,
Ingenieros. MOI, Movimiento de Ocupantes e que agrega não só um cortiço, mas cinco módulos,
Inquilinos, Asociación Civil). As organizações que uma pequena favela, uma escola e três imóveis encor-
têm como iniciativa os movimentos populares têm tiçados para atendimento de mais famílias, aproxima-
capacidade de juntar atores diferentes, como uni- damente 50 famílias. Parte desses imóveis já pertence
versidades, técnicos de ONGs etc. para buscar o à cooperativa e parte pertence ao governo da cidade.
poder público e conseguir formular políticas de A proposta não é só fazer moradia, mas um processo
intervenção no centro. integrado ao bairro que inclusive aproveita a escola
No caso de Buenos Aires, existem 130 mil fa- hoje desativada para fazer capacitação profissional
mílias em casas ocupadas na região central, 200 em cooperativas na própria cidade. A partir dessa lei
mil famílias em cortiços e pensões, 100 mil pesso- de autogestão, existem muitas outras propostas em
as morando em vilas como os quintais que se processo, inclusive algumas fábricas ao lado da Coo-
conhece em São Paulo. Em oposição a isso, exis- perativa Jataí.
tem 150 mil imóveis vazios na região central de Em Montevidéu, os movimentos incorporaram
Buenos Aires... O centro está deteriorado na sua a experiência das cooperativas de ajuda-mútua do
maior parte, mas existem iniciativas de renovação Uruguai, apropriaram-se do acúmulo que se tinha
urbana, revitalização, como costumam dizer, bas- em construção por ajuda-mútua e em mutirão. A
tante excludentes como em Porto Madero. Tam- partir das ações cooperativas da lei nacional de
bém existem muitos galpões e fábricas vazias nos moradia do Uruguai, com o financiamento do
quais já não existem mais atividades industriais. banco hipotecário e com a prefeitura de Montevi-
Nesse sentido, o Movimento de Ocupantes e déu, incorporando o conceito de propriedade cole-
Inquilinos (MOI) de Buenos Aires, que se forma tiva, nas três últimas gestões começou-se a

24 Comissão de estudos sobre habitação na área central


trabalhar uma intervenção na área central. Foram comércio informal, os moradores de rua, grupos
feitos dois projetos pilotos pagos totalmente pela culturais, universidades, escritórios técnicos de
prefeitura: Cooperativa Cidade Velha e Cooperati- assessoria etc. A proposta não é que o Fórum se
va Mulheres Chefes de Família em que, pela pri- transforme na voz e pensamento de todas estas
meira vez, se fez reciclagem em um imóvel na área entidades mas, ao contrário, que cada entidade
do porto de Montevidéu. Já no segundo momento, resguarde sua natureza e continue sua atuação,
o conceito de cooperativa vai ganhando espaço na sendo matéria do Fórum aquelas questões em que
área central, e notam-se duas tendências interes- todas estariam implicadas ou ações em que, de
santes: uma, a de que as cooperativas de poupança forma geral, se estabeleça um consenso destas
e de crédito, que já são compostas por setores entidades como prioridade a ser tratada.
médios da sociedade, começam a fazer interven- A carta de princípios do Fórum é o documento
ção e reciclagem em imóveis na área central. Na fundamental para nossa atuação em todos os seto-
seqüência, nota-se também o apoio ao financia- res da vida na cidade. Os 12 pontos colocados na
mento da prefeitura na aquisição do imóvel e a carta, que estão elencados pelo jornal do Fórum,
combinação com recursos do banco hipotecário já falam muito sobre a forma como o Fórum vê e
para financiamento à reciclagem. quer a cidade.
A proposta de como é que se trabalha o valor Com relação à discussão de habitação na área
pelo qual seria adquirido um imóvel no centro é a central, a debatedora retomou as questões que a
grande questão no caso de Montevidéu. Um pro- palestrante Sarah Feldman levantou, principalmen-
cesso no qual se combina avaliação do entorno - te com relação ao Plano Diretor. O Fórum Centro
não uma avaliação de mercado que seria impossí- Vivo, em sua última plenária, discutiu e aprovou
vel de fazer porque não se comprava nem se ven- um documento que discute os pontos propostos
dia nada no porto havia anos -, um valor do uso no Plano Reconstruir o Centro. O documento,
do entorno, que pode ser entendido como as pes- entregue à Prefeitura, contém observações que
soas usam os lugares e quanto ele vale de fato vão no mesmo sentido do que a Sarah apontou.
com o valor venal, que é base para pagamento de Um dos pontos levantados é exatamente a ênfase
impostos. Parâmetros de comparação com algu- dada à área central como “a menina dos olhos”
mas intervenções têm buscado deter a especulação desta gestão. Claro que é importante olhar para o
e a subida dos valores dos imóveis. É importante centro, mas o que nos deixa preocupados é o não
apresentar também algumas experiências de coopera- olhar concomitantemente para as outras áreas da
tivas que estão com projetos de negócios de turismo. cidade. Entende-se que a perspectiva de descentra-
A área do porto, a cidade velha, tem potencial de lização administrativa, um dos pontos mais impor-
turismo bastante interessante e a prefeitura está pas- tantes da campanha para a prefeitura e que se
sando para essas cooperativas a gestão de alguns inicia com a discussão dos orçamentos, impõe
imóveis de interesse turísticos e serviços no intuito uma ação simultânea de criação de subprefeituras
também de fortalecê-las e agregar nas mesmas esse e não apenas no centro. Entende-se que o Plano
potencial de geração de renda. Diretor é a única instância em que as várias áreas
da cidade podem ser contempladas e recolocadas,
DEBATEDORAS DA MESA ou seja, interessa-nos determinar o lugar do centro
em relação a toda a cidade e não como questão
isolada. Inclusive porque o que se supõe, e o que
aparece nos discursos de inclusão em relação à
área central, é a sua característica de diversidade
de usos e usuários.
E é exatamente isto que o Fórum não concor-
da em generalizar. Primeiro porque nem todos os
que moram na periferia podem e querem usufruir
deste centro da mesma forma. Segundo porque a
lógica é que se implemente equipamentos em toda
a cidade, em várias escalas e particularmente, em
relação à habitação, duas questões são colocadas:
o texto do Plano Reconstruir o Centro fala que
Cristina Schicchi e Marta Farah seria preciso prover habitação para “pessoas que
apreciam a diversidade”. Devemos concluir que
Maria Cristina Schicchi quem mora na periferia optou pela homogeneida-
de e que isto é uma questão de escolha ou é algo
O Fórum Centro Vivo tem a participação de desejável para toda a cidade, uma condição da
uma série de entidades que já discutem a área urbanidade? Outro discurso presente em quase
central como as dos movimentos de moradia, do todos os planos é a busca de diversidade funcio-

Comissão de estudos sobre habitação na área central 25


nal, cultural etc. e que o Centro teria esta caracte- balho dos que nela vivem atualmente e dos que
rística potencialmente por ser a área mais bem nela virão a habitar no futuro.
equipada, com infra-estrutura. Mas de qual infra- A forma como a cidade de São Paulo e seu
estrutura se fala? Dos grandes equipamentos cul- centro têm sido tratados pelas diversas administra-
turais, dos edifícios institucionais? Porque esta ções e também pelos seus habitantes afirma, acima
diversidade que incluiria a habitação social neces- de tudo, o valor do efêmero, da “mudança”, en-
sita de uma oferta de equipamentos de uso cotidi- quanto um valor em si mesmo, em que se afir-
ano que, tanto quanto se sabe, não existe hoje em mam as realizações de curto prazo.
quantidade suficiente, até pelo processo de esvazi- É como se toda a cidade – e sobretudo o cen-
amento que se deu na área central. E custa caro. tro – fosse um local de passagem e não de perma-
Sem querer cair no discurso do que é mais impor- nência. E como local de passagem, a cidade é
tante fazer, se o Corredor Cultural anunciado ou objeto de investimentos apenas na medida em que
habitação popular, porque não se trata de uma estes possam se reverter em ganhos de curto prazo
simples eleição, a verdade é que o texto parece para os diretamente envolvidos com tais investi-
indicar ações muito mais na direção do primeiro. mentos.
Aí, novamente uma questão mais geral: o lança- Desta forma, regiões inteiras da cidade vão se
mento primeiro do plano para a área central e as tornando “descartáveis” e sendo abandonadas a si
propostas nele contidas devem ser encaradas co- mesmas à medida que deixam de ser interessantes
mo modelo para toda a cidade e para o que deverá para o pólo dinâmico da economia da cidade.
ser adotado para os outros setores e bairros? Isto Segundo esta lógica, seria possível dizer que
justificaria a prioridade para se organizar primeiro não há o que se preservar. Disto resulta uma qua-
esta área? Se a resposta for afirmativa, o Fórum lidade de vida sofrível, para não dizer péssima, no
teria algumas questões a colocar. presente. Como se sabe, os efeitos sobre a qualidade
Acredita-se que dificilmente as ações sobre o de vida atingem hoje a todos. Este impacto se dá de
centro podem ser emblemáticas para os outros forma desigual nas diferentes regiões da cidade, atin-
bairros. Isto é mais do que evidente, pois no geral gindo de maneira mais intensa os habitantes das áreas
as outras áreas da cidade carecem ainda de conso- periféricas e do centro deteriorado.
lidação de funções, estruturação de centralidades Da lógica que enfatiza o curto prazo e considera a
etc. Assim, só tem sentido olhar o centro como cidade como local de passagem, resulta também uma
laboratório em que se pode operar em situações- cidade em que diferentes gerações dificilmente po-
limite, esgarçando as possibilidades de solução. O dem compartilhar referências comuns.
Fórum tem dúvidas sobre sua exemplaridade para É, portanto, fundamental que a cidade tenha
outras cidades, que se deve pensar então para outros um projeto que se volte à reconstrução do centro,
bairros da própria cidade? Volta-se à questão inicial, pois é um dos poucos lugares em que ainda há
portanto, que é no Plano Diretor que se encontrará a referências a serem compartilhadas, e um dos
definição sobre que outros pontos devem ser traba- lugares em que a qualidade de vida mais se deteri-
lhados simultaneamente e, provavelmente, em planos orou nos últimos anos.
setoriais de outras subprefeituras. A recuperação do centro evidentemente se
constitui em uma prioridade, embora esta orienta-
Marta Ferreira Santos Farah ção de valorização e de recuperação da qualidade
de vida deva valer para toda a cidade.
Recuperar e reconstruir o centro é importante,
em primeiro lugar, para a recuperação da auto- Vereador Marcos Zerbini
estima de São Paulo e de seus habitantes. Este é
um passo fundamental para a recuperação – ou Uma das coisas que cria grande dificuldade em
mesmo a construção – de uma identidade comum, relação à ocupação de espaços no centro é a legis-
apoiada nos marcos da história social, econômica lação do município que é tema próprio da Câmara.
e política da cidade e de seus habitantes. O papel fundamental seria, assim, rever e refor-
Ao reconstruir o centro, estará sendo resgatada mular essa legislação de habitação popular da
a memória perdida de nossa cidade e de nosso cidade de São Paulo.
próprio passado comum.
No centro, encontram-se marcos da história da Vereadora Ana Martins
cidade e dos processos sociais vividos em São
Paulo, marcos também da trajetória daqueles que A Comissão se deu em um momento impor-
aqui viveram inseridos nas mais diversas posições tante, momento em que houve um encontro na-
sociais. cional do Habitat, Istambul +5.
Porém, ao reconstruir o centro, também esta- O Habitat+5 preocupou-se com assentamen-
rão sendo reconstruídos o presente e o futuro da tos, favelas e moradias irregulares. Há um desper-
cidade ao valorizar as condições de vida e de tra- tar dos urbanistas, lideranças e governos para o

26 Comissão de estudos sobre habitação na área central


enfrentamento dessa questão. Em 60 países po- estabelecer fóruns específicos da mulher e do
bres, suas grandes cidades tiveram seus moradores habitat.
mais empobrecidos nos últimos cinco anos. Há O planejamento está recuperando publicamen-
cinco ou dez anos, a categoria profissional de te a importância para um projeto de desenvolvi-
professor era quem ia morar na periferia. Atual- mento do país. Essa recuperação é importante
mente é a categoria profissional de arquitetos, porque no Brasil o planejamento ficou associado
engenheiros e advogados... O neoliberalismo não é ao planejamento autoritário que começou a ser
o caminho para construir alternativas, é um desas- pensado na década de 30 e teve seu apogeu na
tre para o Brasil. O apagão privilegiou iniciativa ditadura militar. A idéia de planejamento ficou
privada na privatização das energéticas e não exi- extremamente associada aos militares. Mas o pla-
giu novos investimentos. Vai ter aumento na con- nejamento do setor energético foi construído pelo
ta para empobrecer mais ainda a população. projeto de desenvolvimento nacional desde os
No centro, começou um projeto piloto de re- anos 30 e foi o que garantiu o desenvolvimento
cuperação , que prevê retirada de placas que co- do país até 1980 e 1990. A partir dos anos em que
brem fachadas, melhoria da iluminação publica, o planejamento foi rejeitado é que se iniciou o
organização de ambulantes e incentivo à moradia problema. O chamado estado mínimo levou a
em prédios da área. uma situação na área de planejamento como essa,
Na cidade estão surgindo debates sobre orça- na qual empresas e secretarias como Emplasa e
mento participativo. Na Penha, há mulheres discu- Sempla foram violentamente esvaziadas. Ultima-
tindo qual o enfoque, o olhar feminino para mente, planos mais gerais estão sendo substituídos
orçamento. A mulher é muito importante na luta por projetos urbanos localizados. Projetos urbanos
de moradia. No mutirão e cortiço, é a mulher a dissociados do planejamento. Isso está sendo su-
maior participante. No próximo orçamento deverá perado, pensando-se um processo de planejamen-
haver um avanço, segundo a vereadora, para tirar to que não seja mais autoritário.
a mulher do fogão e do tanque, mesmo mulher Tudo isso reforça a necessidade de se construir
pobre. Aqui ainda há escravos do tanque e do políticas publicas com participação, como o progra-
fogão. Precisamos, segundo a vereadora, de la- ma de cortiços do governo Luiza Erundina. Deu-se
vanderias públicas com preço simbólico, resgatan- um grande salto naquele momento, com técnicos
do a experiência dos mutirões; um restaurante extremamente capazes de ouvir e de se dedicar inte-
popular já que em um futuro socialista não deve gralmente ao trabalho. Essa capacidade de interlocu-
existir empregada domestica... A questão dos e- ção foi essencial para construir um programa de
quipamentos públicos nos conjuntos habitacionais cortiços. Quando estava maduro para conseguir
é fundamental. Se houver em cada prédio uma resultados de maior amplitude numérica, mudou-se a
lavanderia pública, seria, além de tudo, mais eco- administração e perdeu-se essa experiência.
nômico. Por prédio de 30 apartamentos, existem, O centro, como expressão da cidade, tem de
por exemplo, 30 máquinas de lavar. Existem cre- ser democrático e a Câmara Municipal tem um
ches que ainda usam maquina de lavar domestica. importante papel nisso.
É necessário coletivizar, tornar a vida mais racio-
nal, mais humana e mais sadia. Dessa maneira, DEBATE
gera-se emprego e libera-se a mulher. Devemos
ajudar que essa administração dê certo para mos- Silvana Rubino, PUCCamp – Ressaltou o baixo
trar que as mulheres são competentes... preço, a desvalorização da área central, e o proces-
so de gentrification que está acontecendo atualmen-
Vereador Nabil Bonduki te. Destacou a necessidade de mecanismos do
poder público para não permitir que isso aconteça.
Morar no centro é construir outro modo de morar Ressaltou também que a desvalorização é pré-
em relação ao atual pois a falta de área de lazer, de requisito para supervalorização da área central.
equipamentos coletivos e a falta de segurança fazem
com que as pessoas se aprisionem em casa. Demetre Anastassakis – Ressaltou a necessidade
Deve-se pensar a questão do espaço na área de mais dinheiro orçamentário, de subsídio, e
central de maneira rigorosa, pois o terreno é caro e talvez, de pagamento de juro, por exemplo, pelo
precioso, e precisa ser bem aproveitado, com qua- Estado.
lidade de projeto que garanta a melhor utilização
possível do espaço. O mobiliário deve ter pequena Cláudio Manetti – Colocou que existe muito
dimensão e os equipamentos coletivos devem mais dinheiro hoje do que há 15 anos atrás. Refor-
suprir a ausência de espaço no interior da habita- çou que devemos construir uma história própria, já
ção. É necessário trabalhar para garantir moradia que uma cidade é expressão concreta de uma socie-
no centro e viabilizar condições condizentes com dade. Pode-se perder essa chance histórica.
um novo modo de morar. É necessário também

Comissão de estudos sobre habitação na área central 27


Evaniza Rodrigues – Apontou para o acúmulo estar inserida em uma perspectiva que envolve o
que já existe para intervenções com peso, que já se viver no centro, segundo a debatedora. Mas é
teve tempo para experiências piloto e que hoje a importante que movimentos de moradia, os técni-
importância deve ser dada em como se multiplicar cos envolvidos com a questão da moradia e todas
em escala essas experiências. Em São Paulo, se- as entidades que participam desse esforço da in-
gundo ela, as intervenções do PAR são ainda pon- clusão da moradia social no centro, participem
tuais e sem conexão. Deve-se pensar mais amplo, também da discussão relativa a aspectos mais
pensar outra relação com espaços comunitários. gerais da questão da inclusão, tais como a questão
Uma outra questão a pensar é a de como se apro- do trabalho, geração de renda, equipamentos de
priar de espaço público de um modo popular. lazer etc. Para não se transformarem em espaços
Alertou também para o fato de que, se não isolados, cada um andando setorialmente sem
houver articulação entre órgãos para coordenar diálogo. Trata-se de desafio mais abrangente de
esse processo, não se mudará a realidade do cen- resgate da dignidade do morador do centro em
tro da cidade e expulsão de população desse mes- sentido mais amplo. Enfrentar o problema de
mo centro. segregação de espaços no próprio processo de
reconstrução do centro é possível.
Marta Farah – Abordou no debate a questão de
habitação de interesse social. Essa questão deve

28 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Sessão 3, em 22 de junho de 2001

Condições de vida nos cortiços e ocupações da área central


Mesa

Vereadora Ana Martins (PCdoB); Vereador José Laurindo de Oliveira (PT); Vereador Ricardo
Montoro (PSDB); Vereador Nabil Bonduki (PT); Silvia Maria Schor, professora do Departamento de
Economia da FEA/USP e pesquisadora na FIPE; Verônica Kroll, representante do Fórum de Cortiços;
Maria Jaira Coelho Andrade, representante do MSTC, Movimento de Moradia Sem-Teto do Centro;
Sidnei Antônio Euzébio, representante da ULC, Unificação das Lutas de Cortiços; Luiz Gonzaga da
Silva (Gegê), representante do MMC, Movimento de Moradia do Centro; Penha Elizabeth Pacca,
assessora da vereadora Ana Martins.

questão. O desembolso monetário mensal que as


Silvia Maria Schor mais de 32 mil famílias realizam com o pagamento
de água, luz e aluguel, calculados em seus valores
Há três questões cruciais para o entendimento médios, é de R$ 2,2 salários mínimos na estimati-
do problema da moradia na área central da cidade va obtida pela pesquisa da Fipe, e 1,8 salários
de São Paulo. A primeira diz respeito ao número mínimos pelo trabalho de Luiz Kohara. Um outro
de moradias necessárias para atender a população dado importante diz respeito ao valor que o Pro-
moradora em cortiços, enfatizando a magnitude da grama de Arrendamento Residencial (PAR) da
oferta necessária e os custos envolvidos. O segun- Caixa Econômica Federal estabelece como limite
do ponto refere-se ao difícil problema de formular do financiamento para as famílias de baixa renda:
a questão da moradia conjuntamente à proposta 20 mil reais. A partir desses valores, pode-se obter
de qualificação da área central. Por último, men- o total de recursos necessários para prover mora-
ciona-se a questão dos moradores de rua, parte dia para as mais de 32 mil famílias, mediante a
integrante da população da área central. simples multiplicação do valor do financiamento
Esta exposição tem como base de dados duas PAR pelo total de famílias, chegando ao montante
pesquisas de campo, realizadas junto à população de 660 milhões de reais. Assim, pode-se dispor
moradora em cortiços na área central da cidade. A não somente da estimativa do número de unidades
primeira pesquisa foi feita pela Fundação Instituto habitacionais necessárias, como também, calcular o
de Pesquisas Econômicas (Fipe) em 1997, abran- montante de recursos envolvidos para a provisão
gendo quatro administrações regionais da cidade destas moradias. Considerando-se a cidade como um
(Sé, República,Vila Prudente e Ipiranga). O traba- todo, o valor calculado para a área central deve ser
lho foi solicitado à Fipe pela Secretaria de Habita- multiplicado por um pouco mais de cinco vezes,
ção do Município de São Paulo, com o objetivo de atingindo aproximadamente 3,5 bilhões de reais. A
subsidiar programas destinados a essa população. estimativa não tem a pretensão de oferecer um nú-
Os dados foram levantados mediante amostra dos mero exato e rigoroso, mas permite, certamente,
cortiços da área e aplicada a mesma metodologia avaliar a dimensão do problema.
utilizada para estimar o número de cortiços da Outro aspecto importante nesta análise do
cidade em 1993. O segundo trabalho de referência problema diz respeito aos recursos que as famílias
utilizado foi a dissertação de mestrado de Luiz moradoras em cortiços desembolsam mensalmen-
Kohara, defendida em 1999 na Escola Politécnica te: tomando-se o valor médio dos pagamentos
da Universidade de São Paulo, e que teve como mensais – 2,2 salários mínimos pela Fipe e 1,8
tema a rentabilidade dos cortiços da região da Luz. salários mínimos pelo trabalho de Luiz Kohara – e
A primeira questão abordada é a dimensão da multiplicando-o pelo número de famílias, chega-se
necessidade de provisão de moradia para as famí- a um valor aproximado de 13,5 milhões de reais
lias encortiçadas, aspecto fundamental para a cor- por mês. A questão que se coloca, a seguir, é ava-
reta formulação do problema da habitação na área liar a relação entre o valor dos pagamentos men-
central e suas possíveis alternativas e soluções. Os sais realizados pelas famílias e o total de recursos
dados da pesquisa de 1997 indicam a existência de necessários à provisão das moradias. Feita a esti-
4.441 imóveis encortiçados na área formada pelos mativa, encontra-se um resultado surpreendente:
10 distritos da Administração Regional da Sé, para os 660 milhões de reais necessários, as famí-
totalizando 32.231 famílias. Os números constitu- lias pagam mensalmente o equivalente a 2% deste
em referências importantes, pois nos dão a possi- total. Aceitos os 2% como uma aproximação ra-
bilidade de estimar o porte do problema em zoável. tem-se que, em 10 meses, as famílias pa-

Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central 29


gam 20% do total necessário para a provisão das de aí permanecerem. Não se levou em conta, por
habitações. Vale dizer que em pouco menos de 5 exemplo, a possibilidade de que a área central
anos desembolsam o valor do imóvel, sob a forma possa abrigar famílias que, no momento, moram
de pagamento de aluguel, luz água e IPTU, o que em áreas mais distantes.
é algo absolutamente espantoso. Como o prazo Como comentário final a esta questão, fica a
para financiamento de imóveis é, em geral, muito constatação de que o problema da moradia na área
superior a 50 meses, pode-se concluir que está A segunda questão analisada, limitada pela res-
ocorrendo uma brutal transferência de renda dos trição do tempo de exposição, apontou para a
moradores para os proprietários e/ou intermediá- dificuldade de tratar simultaneamente a questão da
rios. Em outros termos, o montante de recursos moradia e da requalificação na área central. A
que poderiam ser canalizados para o pagamento valorização da área resultante do eventual sucesso
da casa própria das 32 mil famílias é significativo. da requalificação poderá "expulsar voluntariamen-
A pesquisa Fipe mostrou que a população mo- te" o morador da área, fazendo com que venda
radora em cortiços não é homogênea, o que exige sua moradia e realize a renda da terra. Há exem-
que se qualifique a análise feita com valores mé- plos de experiências internacionais que alertam
dios de desembolso mensal e de custo dos imó- para esse possível resultado.
veis. Ou seja, diferenças importantes são A última questão é quanto à presença do mo-
encobertas pelos valores médios, diferenças estas rador de rua na área central da cidade e sua convi-
cruciais para a determinação da capacidade de vência com possíveis mudanças no uso do solo.
pagamento das famílias encortiçadas. Assim, po- Pesquisa realizada em 2000, também pela Fipe,
de-se identificar três subgrupos no conjunto de mostrou que mais de metade dos quase 9 mil
famílias moradoras em cortiços da área central da moradores de rua encontram-se na área central da
cidade, todos os três com dimensões aproxima- cidade. Mostrou também que essa população de-
damente iguais: 1) um grupo cuja renda familiar pende das condições que as ruas desta área lhes dá
média é de 5 salários mínimos mensais, com me- para sua sobrevivência diária, em termos de abri-
diana de aproximadamente 6 salários mínimos, ou go, alimentos, renda monetária e segurança. A
seja, um conjunto de famílias com renda suficiente requalificação da área central, pensada ou não no
para participar de um programa de financiamento contexto de programas de moradia popular, deve-
da sua moradia. As dificuldades dessas famílias em rá incluir os moradores de rua como parte inte-
participarem desses programas ficam por conta de grante da questão.
fatores institucionais, culturais ou de acesso às infor- A análise das questões leva à conclusão de que
mações. 2) um segundo grupo, no outro extremo da encontrar uma boa maneira de formular a questão
escala, cuja renda familiar não atinge 3 salários míni- da moradia na área central e sua requalificação
mos mensais e que não têm, portanto, condições de exige que sejam incluídas na equação pelo menos
acessar um programa de financiamento. 3) um tercei- três termos: os moradores de rua, a escala necessá-
ro grupo, entre os dois anteriores, cuja renda familiar ria à provisão de novas moradias e o risco de ex-
coloca-o na posição limite de acesso ao financiamen- pulsão, voluntária ou não, dos antigos moradores
to e que muito se beneficiaria de reduções de custos da área. São problemas difíceis, mas que devem
dos projetos e/ou na sua forma de gestão. O impor- ser enfrentados.
tante é ter em conta que a diferenciação das famílias
em termos das condições de pagamento da casa Vereador José Laurindo de Oliveira
própria exige que sejam consideradas alternativas de
financiamento distintas e projetos alternativos. Em primeiro lugar, a incidência da informali-
Um último aspecto a mencionar: dada a di- dade do emprego é grande sobre a população que
mensão do problema, programas que tenham paga aluguel, o que gera uma certa fragilidade nas
impacto significativo na oferta de moradias pode- relações de trabalho ou na garantia de renda per-
rão provocar variações substanciais no preço da manente. Com isso, dificulta-se muito o acesso ao
terra ou no preço dos imóveis, comprometendo a financiamento. Há muitos problemas de endivi-
provisão adicional. Como exemplo, pode-se citar a damento na praça, título protestado em cartório
possibilidade de subida de preço dos imóveis va- ou alguma implicação com o serviço de proteção
zios da área central da cidade, alguns bastante ao crédito, que acabam inviabilizando o cadastro
degradados, caso seja percebida a intenção de dessas pessoas junto ao sistema financeiro de
compra pela Prefeitura. A existência do estoque de habitação para efeito de aquisição de unidade
imóveis vazios, como mostra o trabalho de Valéria habitacional. Um outro problema verificado é o da
Bomfim, não garantiria a viabilidade do seu apro- população flutuante. Há uma população que tem
veitamento para a provisão de moradias populares. poucos vínculos com a cidade, que está aqui por
O pressuposto que orienta as estimativas e a ar- uma contingência da vida, mas que não vê a hora
gumentação é a convicção de que as famílias que de retornar para seu local de origem, seja o interi-
residem na área central têm o direito e a intenção or de São Paulo, seja outras partes do Brasil. São

30 Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central


pessoas que não têm vínculos afetivos com a ci- CDHU para desqualificá-los em negociações. Mas
dade e que, na primeira oportunidade, uma vez o “se a gente é privilegiado de morar no Centro é
financiamento aprovado, morando numa unidade porque a gente resistiu todos esses anos brigando
sua, passaria esse imóvel adiante. Muitas vezes, a não só com os intermediários, não só com o go-
pessoa até vende e vai aqui mesmo para outro verno, e não só com as pessoas no entorno do
lugar da cidade, engrossar uma outra demanda Centro da cidade que queriam limpar a gente dali.
para novas moradias. Por fim, a questão da popu- Nós somos privilegiados porque somos um povo
lação de rua é mais séria ainda porque é uma po- de luta, diferente da favela, que mora no terreno
pulação que tem baixa capacidade de ocupado, que não paga água, que não paga luz,
financiamento ou de crédito na cidade e precisaria que não paga onde mora”. Os sem-teto do Centro
de um grande nível de subsídio. têm uma renda de 400, 600 reais, segundo Verôni-
ca, e pagam aluguel de cerca de 300 ou 400 reais.
Vereador Nabil Bonduki “Então nós não temos privilégio não. Nós deci-
dimos lutar pelo Centro da cidade de São Paulo, e
Se o poder público viabilizasse num prazo cur- é isso que os governos não entendem”. Verônica
to a construção de 32 mil unidades, certamente o falou do cansaço de quem está na luta desde 1982,
valor de 20 mil reais, que já é baixo, seria insufici- já viu tantos programas, já ajudou a elaborar tan-
ente, a menos que tivéssemos uma intervenção tos programas, e ainda assim viu pouca coisa se
muito forte no mercado. Isso porque a construção concretizar: “Você vê discussões nos painéis”,
de tantas moradias significaria uma busca tão com os dados sobre a realidade dos cortiços, “mas
grande de terrenos e prédios na região que, se as cadê a prática? É isso que irrita a gente, porque
condições de mercado fossem mantidas, nós tería- você quer prática, não quer mais discussão”. O
mos uma elevação do preço da terra. Essa questão é Fórum dos Cortiços passou pela fase das ocupa-
importante porque mostra justamente a relevância ções, ocupou os primeiros prédios do estado e
desses mecanismos que retiram parte dessa terra do disse muito claramente à CDHU que era necessá-
mercado imobiliário privado, para que o programa rio um programa habitacional. Mas “quantas uni-
habitacional não seja inviabilizado. dades a CDHU fez no Centro de São Paulo? Nem
a Pirineus, que nós estamos de 1997 até hoje saiu
Verônica Kroll da terra, está lá no papel. Imagine o resto dos
programas”. O governo Mário Covas foi o primei-
Verônica Kroll fez uma breve relato sobre a si- ro a comprar um cortiço e dizer que a obra seria
tuação na qual a população encortiçada vive – feita em mutirão de auto-gestão para a população
violência contra as mulheres, discriminação na encortiçada. Mas o que aconteceu foi muito dife-
escola, discriminação para arrumar emprego. As rente: “A gente ocupou o prédio, o projeto era
ocupações que o movimento de moradia realizou nosso, aprovamos o projeto, fizemos tudo. Hoje o
tiveram o objetivo de pressionar o governo. Exis- governo quer nos tirar e colocar empreiteira”.
tem recursos destinados a programas, mas que não Além disso, o Fórum dos Cortiços questiona a
são aplicados: “A gente não sabe para onde foi o definição de que a renda no projeto da rua Piri-
dinheiro da população encortiçada, e o povo con- neus tem de ser de 600 reais por família: “a
tinua no cortiço. O cortiço é o passaporte para as CDHU tem dinheiro de todos os cidadãos da
pessoas irem para a rua”, porque quando não cidade e do estado de São Paulo. Não dá para
consegue alugar um outro cortiço ou ocupar um engolir que uma pessoa para morar no Centro
outro casarão para morar elas são obrigadas a tenha que ter uma renda de 600 reais. É o extremo
morar embaixo da ponte ou do viaduto. do absurdo isso”. O dinheiro da CDHU é resulta-
Na plenária do orçamento participativo da sa- do de uma luta na qual Verônica e outros compa-
úde e da educação, a falta de EMEI, de escola nheiros participaram, pela destinação de uma
fundamental, foi apontada como um problema na alíquota do ICMS.
região central. Com relação à saúde, as principais Verônica afirmou a necessidade de sair da co-
causas de mortalidade no Centro são: 1. pressão missão de estudos na Câmara com uma coisa
alta, 2. violência, e 3. criança com bronquite. concreta, já que é o local onde se aprovam orça-
“Como um país que é por vezes comparado aos mentos. Quantas unidades essa prefeitura vai
EUA tem no Centro de São Paulo tantas crianças construir para a população de rua, que não deveria
morrendo por bronquite?” Apesar dos problemas viver em albergue, algo “pior do que presídio? E
colocados pelos sem-teto, na reunião do orçamen- os idosos sozinhos, as famílias de 1 a 3 salários
to participativo teria sido dito que a renda mínima que estão sendo cada vez mais jogadas para a rua?
não deve ser aplicada no Centro porque os mora- Quem é que vai fazer moradia para essa popula-
dores da região já são privilegiados pelo local de ção? A CEF não vai e a CDHU já disse com todas
moradia. Essa caracterização dos encortiçados da as letras que até 3 salários está fora do programa.
área central como privilegiados já foi utilizada pela E a Prefeitura, vai fazer?”

Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central 31


O Fórum dos Cortiços está hoje discutindo seis tidas pelos próprios moradores. Embora a CDHU
projetos com a CEF e a CDHU, e espera que ao seja proprietária, nunca fez nada no prédio, e são
menos a construção da Pirineus se inicie. Segundo os moradores que cuidam da manutenção, pagam
Verônica, passaram-se oito anos de governo Co- água, luz, têm porteiro, duas faxineiras. Jaira con-
vas e Alckmin e não se fez nada na prática, ou vidou os interessados a conhecer a ocupação e ver
melhor, “só se fez sim foram mais cortiços no de perto como se organizam os moradores, os
Centro da cidade. Depósitos de gente, pessoas sem-teto, os encortiçados “que um dia moraram
morando até em condições subumanas”. num quartinho de cortiço e hoje moram no Cen-
Por fim, Verônica deixou um apelo do movimen- tro da cidade, mas num prédio bonito”.
to, junto com a UMM, para que a Prefeitura dê Por fim, criticou a CDHU por não fazer nada:
uma resposta concreta, e para que a Câmara dos “Já foi feito o cadastramento, o arrolamento das
Vereadores aprove um projeto que dê continuida- famílias, mas ficou só nisso. Tentamos fazer reu-
de aos programas habitacionais, “senão a gente vai nião com a CDHU mas eles não aceitam, então a
continuar discutindo o resto da vida, meus filhos, gente está numa situação muito difícil. Enquanto
meus netos, meus bisnetos, e a gente não vai che- movimento de moradia no Centro nós temos que
gar em lugar nenhum com o Centro da cidade, e nos unir, e fazer mais alguma coisa para pressio-
cada vez mais estamos sendo jogados para a peri- nar esse governo, porque o governo não está fa-
feria, cada vez mais longe e mais longe do Cen- zendo nada pelo povo”.
tro”. Os sem-teto estão vendo surgirem as redes
de hotéis, a proposta da estação da Luz etc., mas Sidnei Antônio Euzébio
“e a população que está naquele local, que está
trabalhando naquele local, que mora naquele local, Sidnei procurou responder à questão que lhe
vai para onde?”. foi feita logo antes da sessão, sobre onde estavam
os moradores das ocupações, que não comparece-
Maria Jaira Coelho Andrade ram em grande número. “O pessoal das ocupa-
ções atualmente nem sempre participa devido ao
Jaira fez um relato sobre sua trajetória e a relação cansaço acumulado na luta pela moradia; muitos
com o movimento de moradia na área central. estão trabalhando e outros estão esperando pelo
Desde meados dos anos 1980, quando veio morar resultado do trabalho das lideranças. Infelizmente,
em São Paulo “cheia de ilusões” achando que a nós esperamos que algo seja feito pelos nossos
cidade era “maravilhosa”, que iria conseguir uma governantes e acabamos perdendo a esperança”.
moradia. “Mas foi só sonho, não aconteceu nada Com isso, chegaram em um ponto no qual, embo-
disso”. Ela contou que veio morar no Centro, mas ra parte das famílias ainda confie na liderança
quando as condições financeiras não mais permiti- deles, muitos já perderam a confiança. Isso porque
ram, teve que mudar para Barueri. De lá pegava as lideranças são enganadas todos os dias pelos
dois trens e um ônibus, porque trabalhava no governantes.
Brás, era vendedora, e nessa época ganhava razoa- Em seguida, comentou que sua realidade é
velmente bem. Morou quase quatro anos em Ba- completamente diferente daquela de Jaira, que
rueri, mas como o deslocamento era muito difícil acabara de falar. Ele nasceu na Celso Garcia, foi
e demorado, voltou para o Centro e foi morar com três meses para a Rua dos Estudantes, onde,
num cortiço. Ela morava num cômodo só, com já naquela época, em 1968, havia muitos cortiços.
cinco filhos e o marido: “Você não sabia onde era Desde aqueles anos os governantes não faziam
o quarto, a sala, onde era a cozinha. Era um cô- nada em relação aos cortiços na área central, diz
modo só, então era muito difícil a convivência, Sidnei, que entretanto identifica hoje um acúmulo
mesmo com sua própria família”. Nesse momento muito maior. Antes não se falava em cortiço e foi
ela conheceu o movimento de moradia e passou a nas décadas de 1980 e 1990 que começaram a
participar das reuniões de um grupo de base, em acontecer as lutas, até que em 1997 tiveram início
uma igreja do Bom Retiro. as ocupações no Centro e os movimentos de mo-
Como em 16 anos em São Paulo não tinha con- radia assumiram um papel importante. Sidnei
seguido nada, foi a chance que surgiu para poder contou que também mora num prédio de ocupa-
finalmente ter uma casa. Por enquanto, contudo, ção há dois anos, que comporta 150 famílias, um
Jaira ainda mora em uma ocupação realizada há pouco mais de 500 pessoas, e afirmou a dificulda-
dois anos na rua Ana Cintra, 123, esquina com a de de se conviver dessa maneira. Como Jaira, eles
São João. Essa é a segunda ocupação da qual par- também pagam porteiros e faxineiros e consegui-
ticipa, a primeira havia sido a do Hospital Mata- ram fazer essa organização sem o governo. O
razzo. Ela gostaria que o governo entendesse que povo que mora no centro hoje é muito organizado
as famílias pobres, mesmo morando em ocupação, e “se deixassem o povo tomar conta desta cidade,
têm sim condições de ficar no Centro, o que se com certeza o Centro hoje seria organizado pela
comprovaria pelo fato das ocupações serem man- mão da população, não pela mão do governo”.

32 Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central


Assim como Verônica, apontou algumas carências têm dinheiro, e é dinheiro da gente, como disse a
do Centro. Além da EMEI, faltaria infra-estrutura, Verônica, do ICMS”. Um exemplo da insensibili-
especialmente de cultura e lazer: “Hoje não temos dade do governo teria sido comprar um prédio
lazer no Centro da cidade, não temos praça, não que era hospital e hoje deixar um bairro sem hos-
podemos usufruir de quase nada, muito pouco”. pital: “Se alguém ficar doente onde eu moro, tem
Hoje não tem nada no Centro da cidade, apenas que correr ou para o Tatuapé, ou para o Pari ou
“muita força de vontade, muita luta, muito espíri- aqui para o Centro. Porque onde se tinha um hos-
to de garra”. Ele afirmou que espera que a comis- pital na região, agora é aquilo que se vê, um depó-
são de estudos na área central tenha até o final do sito de gente, parece um barril de pólvora, lá no
ano algum resultado, e disse que os movimentos 21 de abril”. A situação é absurda: “Pessoas pe-
têm participado da elaboração de políticas da Pre- gando diabete, hepatite, rato comendo dedo de
feitura. Por outro lado, questionou a falta de parti- crianças”. A ULC também espera que tudo isso
cipação dos moradores e das lideranças no caso possa realmente sair do papel e ser posto em prá-
dos governos federal e estadual: “eles já vêm com tica, junto com o governo do estado e federal. “Se
um projeto pronto e nós somos obrigados a engo- hoje a população está entocada dentro das suas
lir”. Se realmente o Estado quer fazer alguma ocupações, é realmente porque não agüenta mais
coisa na área central, “tem que ter participação ser tão sacrificada na mão desses governantes que
popular, porque sem participação popular não se não fazem nada, enquanto nós, como cidadãos,
viabiliza nada”. contribuímos muito”.
Outra questão colocada foi a do orçamento da
prefeitura. O movimento reivindicou que, como a Luiz Gonzaga da Silva (Gegê)
gestão anterior não incluiu no orçamento verbas
para os cortiços, que no próximo ano sejam aloca- Luiz Gonzaga (Gegê) disse que não faria con-
dos recursos. Se as famílias pagam hoje cerca de siderações diretas sobre a pesquisa da Fipe, que
300, 350 reais num quartinho, realmente podem ele já debateu em outras ocasiões, mas sim um
pagar por uma moradia digna, dentro do Centro relato no qual abordaria algumas das idéias expos-
da cidade. tas por Sívia Schor.
A ULC foi a primeira entidade do movimento Inicialmente, afirmou a importância de uma re-
de moradia a ser criada na área central, segundo forma urbana na cidade de São Paulo e uma polí-
Sidnei. O movimento está completando 10 anos e, tica habitacional direcionada a todos que habitam
nesse período, com exceção dos projetos da Ma- a cidade. “A cidade de São Paulo é uma das maio-
dre de Deus e da Celso Garcia, não se fez nada. res favelas do mundo, é em si uma favela, e se
“Nesses 3 ou 4 próximos anos da Prefeitura te- nós, habitantes, não tivemos a coragem de assumir
mos que conseguir viabilizar alguma coisa, e se isso, estaremos negando a condição daqueles que
realmente o Estado alega que não consegue fazer tiveram a oportunidade de freqüentar as escolas de
moradia de 0 a 3 SM, deveria ser feito um convê- arquitetura e engenharia, que sabem que têm que
nio com a Prefeitura, já que eles têm muitos recur- ter traçados, formas, critérios para os seres huma-
sos”. O PAR hoje não contempla as famílias do nos morarem nas cidades”. Sobre as ocupações e
movimento, o que os leva a muitas vezes ter que os despejos na área central, retratadas na mídia em
fazer triagem, “você entra, você não entra”. “É geral como invasões, Gegê lembrou que o Centro
muito duro a gente ver companheiros de luta, que Gaspar Garcia de Direitos Humanos já defendia
nasceram, viveram, contribuíram com essa cidade os direitos dos que quisessem morar na região
serem expulsos. Isso é expulsão! Eu acho um central com dignidade, mesmo antes do primeiro
absurdo”. O pessoal da CDHU fala em oferecer governo do Partido dos Trabalhadores na cidade.
1800 reais por seis meses para as pessoas que não As ocupações sempre aconteceram em São Paulo
possam ficar nos projetos, e denomina esse proce- de forma ordenada e desordenada, e a cidade foi
dimento de “vale despejo”. Enquanto isso, os construída também de forma desordenada em
movimentos de moradia do centro ajudam a revi- geral. As ocupações da região central vêm aconte-
talizar esta cidade e brigam não só por moradia, cendo há muitos anos. Gegê contou que ele já
mas por transporte melhor, por saúde, por lazer morou em ocupações, pagava aluguel, e mesmo
etc. “Se a gente quer realmente ter uma cidade assim foi despejado de ocupações na época em
digna o governante tem que estar junto com a que o prefeito da cidade era Jânio Quadros. A
população, porque não conhece a realidade do população da região central, dos cortiços, favelas,
cortiço; se hoje os governantes têm algo para mos- moradores de rua e até uma camada grande da
trar, com certeza isso foi fruto dos movimentos e classe média baixa começa a procurar os movi-
não dos governantes”. mentos para se cadastrarem porque começam a
O comentário final foi de que está na hora dos avaliar que é a maneira de poder ter no futuro um
governos federal e estadual, “criarem vergonha na teto com dignidade. “Eu coloquei essas quatro
cara e colocarem tudo isso em prática porque eles populações para se ter claro com quem é que os

Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central 33


movimentos trabalham. Eu me lembro quando Hospital São Paulo, cujo prédio está ocupado e o
pela primeira vez uma moça, uma jornalista do dono está cobrando 4 milhões de reais para vendê-
Diário Popular me procurou para entrevistar, na lo, seja decretado área de interesse social para
época em que eu era líder sindical. Ela estava bem pressionar o proprietário a negociar.
pertinho de mim, menos de um metro, quando eu O trabalho informal, que tanto cresce hoje no
disse que morava em cortiço: ela deu um pulo e país, contribui muito para que os trabalhadores e
ficou a dois metros de distância, com medo. ‘Vi- as trabalhadores fiquem fora do mercado formal
che, mas você mora em cortiço, meu deus do céu, imobiliário também. A prefeitura e o governo do
cruz credo’”. O morador de cortiço, explica Gegê, estado deveriam criar um fundo de aval, para que
é comumente visto como prostituta, traficante, a grande camada de trabalhadores na economia
drogado, homossexual. Sem preconceito contra o informal não seja ainda mais marginalizada, já que
modo de viver de cada um, Gegê explicou que “o mercado informal é resultado de uma crise
isso não é verdade. Mesmo assim, quando alguém econômica que não fomos nós, os trabalhadores e
falava que morava em cortiço assustava as pesso- as trabalhadoras, que geramos, mas os próprios
as. Gegê contou como as famílias foram se orga- governantes. E o povo mais uma vez paga”. Outra
nizando. No ano de 1996, os movimentos fizeram questão emergencial é uma política de subsídio
algumas conversas e viram que não havia outra para aqueles que não têm condições de pagar uma
saída a não ser começar a ocupar na região central. prestação porque estão na faixa entre 1 e 3 salários
Enquanto na periferia eram terrenos, na região mínimos. O MMC discorda, entretanto, daqueles
central eram prédios ociosos. O líder do MMC que defendem a criação de conjuntos de baixíssi-
relatou uma conversa com o secretário municipal ma renda para os idosos e para o povo de rua,
de habitação, Lair Kraenbul, na época em que foi porque isso seria excluir os que já estão excluídos.
feita a pesquisa que a Silvia Schor apresentou, na Ao contrário, no mesmo edifício em que vão mo-
qual o secretário teria dito: “se vocês trouxerem rar os de 1 a 3 SM devem ser criados espaço para
para a gente uma lista de prédios que têm boas os idosos e para o povo de rua. Gegê contou que
condições para habitação nós vamos fazer”. Em estão fazendo exatamente isso no prédio da Fernão
menos de 40 horas os movimentos entregaram 96 Salles: “tem gente que vai pagar 16 mil reais e tem
endereços de prédios, 4 ou 5 áreas vazias, que quem vá pagar 20 mil reais, e a prestação varia entre
foram catalogadas em belos livros, mas sem resul- 105 e 140 reais. Para o MMC, a separação seria uma
tado. Para Gegê, fatos como esse se devem à falta forma de desorganizar cada vez mais o povo. “Se nós
de uma política habitacional para a região central, estamos nessa caminhada de mais de 14 anos, é para
“que passa pela falta de vontade política, a falta de juntar e não para separar. Tem que existir condições
compromisso político com a população e a falta para que todos os cidadãos e cidadãs vivam com
de seriedade”. dignidade”. Para terminar, Gegê deixou claro que “as
Com referência à fala de Silvia Schor, Gegê ocupações não pararam. A qualquer momento a
disse que “de fato devemos nos preocupar com a gente pode retomar as ocupações porque avaliamos
especulação urbana, mas não podemos ter medo que são instrumentos de luta dos movimentos. Na
de ter política habitacional. Podemos ter o cresci- hora em que for avaliado politicamente que tem que
mento da especulação imobiliária se não tivermos ocupar, nós vamos ocupar”.
governo; com governo ela é cercada”. Gegê afir-
mou que ao mesmo tempo que temos 200, 300 Penha Elizabeth Pacca
prédios na região central ociosos – que ao longo
de 10, 20 anos não cumpriram com nenhum fim A arquiteta Penha Elizabeth Pacca apresentou
social, não pagaram IPTU ou outros impostos – uma pesquisa realizada entre março de 1998 e
quando se propõe fazer alguma coisa na região 1999 pela Pleno – escritório de Arquitetura –
central, aumenta a especulação imobiliária. “Isso juntamente com os arquitetos Ester Kutner e Car-
não pode acontecer. Para isso, precisamos ter los Thomaz. A pesquisa abordou três áreas: Luz
políticos sérios que governem esta cidade com (quadrilátero compreendido pela avenida Tiraden-
pulso. Se todos esses prédios forem decretados tes, rua João Teodoro, avenida do Estado e a rua
área de interesse social, vão aparecer donos que- Mauá), Móoca (quarteirão do cinema da Móoca e
rendo negociar”. Como exemplo, deu a compra do da rua Cuiabá) e Celso Garcia. Teve como finali-
prédio da Fernão Salles que está pronto para en- dade reconhecer quais são os imóveis encortiçados
trega: “Seu Wilson, proprietário, estava pedindo 1 na cidade. Aparentemente, esses imóveis passam
milhão e 200 mil. Nós compramos por 635 mil despercebidos. Todos os imóveis de cada área
reais. Vocês querem os 635 mil ou não querem? foram checados para se assegurar que a pesquisa,
Não quer estamos fora, e não assumimos nenhum pelo menos naquela área, era censitária. Muitas
compromisso de que na semana que vem o prédio vezes, casas bastante simpáticas não são identifi-
não esteja ocupado. A queda foi de praticamente cadas como tal A equipe procurou elaborar um
50%”. Do mesmo modo, Gegê sugeriu que o conceito do que seria considerado um imóvel

34 Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central


encortiçado: imóvel originariamente unifamiliar ou sempre de uma mesma cidade. Sobre a renda fa-
multifamiliar, subdividido em cômodos, adaptado miliar, a maioria da população exerce sempre al-
para alojamento coletivo de diversas famílias ou guma atividade geradora de renda, em geral um
pessoas não pertencentes à mesma família, com sub-emprego. Penha afirmou que apesar de Sílvia
banheiros, áreas de serviços e, em alguns casos, ter mostrado dados que indicavam que 50% rece-
cozinhas, comuns. bem mais do que 5 salários mínimos, nas áreas
Em geral, as condições de habitabilidade des- pesquisadas o ganho da maioria era entre 3 e 5
sas casas são bastante precárias e seus ocupantes salários mínimos. As atividades mais freqüentes
pagam aluguel pelo cômodo ou até por uma vaga. encontradas foram ambulantes, vendedores de
O proprietário do imóvel, na maioria das vezes, milho, frutas ou outras mercadorias; as mulheres
utiliza-se de um intermediário para a cobrança de em geral são domésticas ou faxineiras.
aluguel, que em geral não mora no imóvel. Penha A maior parte opta por morar no Centro pela
afirmou que nas pesquisas há bastante controvér- proximidade com o local de trabalho. Grande
sia sobre o número de cortiços em São Paulo, e parte não possui registro em carteira ou qualquer
comparou os resultados de duas delas. De acordo vínculo empregatício, a profissionalização em
com a primeira, realizada por Suzana Pasternak, geral não é qualificada, o nível de escolaridade é
em 1995, 25% da população da cidade mora em bastante baixo. O acesso a bens de consumo coti-
cortiços, ou seja, cerca de 2,5 milhões de pessoas. dianos como geladeira, fogão, TV, vídeo, aparelho
A segunda, feita pela FIPE, em 1997, fala em 6%. de som é comum. Pelos depoimentos, foram iden-
Entre os fatores que podem levar a esse tipo de tificados grandes problemas familiares, queixas de
discrepância, está a dificuldade de se certificar se solidão e infelicidade. O desespero substitui a
uma moradia é ou não cortiço. A equipe de pes- segurança, constatou Penha.
quisa da Pleno ficou seis meses na área para iden- Sobre a tipologia dos grupos encortiçados, a
tificar os cortiços. Contudo, apenas uma pesquisa maior incidência é de casais com filhos, em se-
censitária será capaz de levantar com mais preci- gundo lugar, mães solteiras que moram com filhos
são dados quantitativos sobre os cortiços. e, em terceiro, pessoas sós. A maior parte dos
Penha mencionou dois tipos de cortiços, os chefes de família tem entre 28 e 40 anos, e a pre-
imóveis adaptados e aqueles construídos com a sença de crianças menores de 18 anos é bastante
finalidade de ser cortiço, como em bairros mais peri- grande.
féricos ou, por exemplo, na Vila Maria e em Santo Em relação à permanência no imóvel, foram
Amaro, bairros nos quais há um grande número de identificados aqueles recém-chegados em São
cortiços. Esse tipo de construção, com cômodos para Paulo, que não sabem quanto tempo ficarão. A
alugar, já era feita no século passado. grande maioria já estava há cerca de três anos no
Em geral, as moradias são bastante deteriora- imóvel, alguns há 35 anos. Penha afirmou que os
das, visto que o proprietário pouco se preocupa moradores não são excluídos do mercado imobili-
com a manutenção, segurança ou salubridade do ário, mas sim vítimas de um mercado perverso em
imóvel. Essas condições se agravam pelo fato dos que atuam como irrisórios consumidores. Um
imóveis serem subdivididos de maneira a gerar o dado que indica essa perversidade é a comparação
maior número possível de cômodos, usando do valor do aluguel por metro quadrado nos corti-
quaisquer materiais, impedindo o mínimo de pri- ços com o valor estimado a partir do valor venal
vacidade entre os moradores. As subdivisões são do imóvel. Em imóveis no mercado formal, o
tantas que impedem ventilação ou insolação ade- valor do aluguel corresponde em geral a 1% do
quadas. Os banheiros são quase sempre minúscu- valor do imóvel. Se fizéssemos essa simulação
los, insuficientes, insalubres, mal-cuidados e com para esse mercado de cortiços teríamos o valor
pouca ventilação. As instalações elétricas e hidráu- médio do aluguel de R$ 200,00 por cômodo que
licas são resolvidas através de adaptações improvi- perfaz um valor total de R$2.000,00 ou mais, por
sadas ou perigosas gambiarras. Infiltrações e imóvel, o que corresponde a um valor de R$
vazamentos são constantes. As roupas lavadas são, 2.473,00/metro2, enquanto o valor do imóvel,
muitas vezes, penduradas em corredores internos, segundo o valor venal, é de R$ 48,15/m2, ou seja,
chegando até a serem usados os próprios fios 5.000 % a menos que o mercado informal.
elétricos para pendurá-las. A política habitacional em geral não tem dado
Há, em média, três moradores por cômodo. a atenção merecida aos moradores de cortiço, de
Mas, existem aqueles em que moram cinco ou um lado por ser um problema pouco visível aos
mais pessoas. Quanto ao perfil sócio-econômico, a olhos da elite e que, portanto, incomoda menos;
origem dos chefes de família é, na maioria, o Nor- de outro, porque os moradores de certa forma têm
deste; boa parte deles de Pernambuco, mas foram seu problema de habitação resolvido, o que leva o
encontrados também moradores oriundos do nor- Poder Público a se desobrigar de ter uma atuação
te de Minas Gerais e do Paraná. É muito comum mais forte. Penha destacou a soma enorme de
que as famílias chamem os conhecidos, quase capital que movimenta esse mercado imobiliário

Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central 35


informal, já que existem pessoas especializadas em Fórum Centro Vivo. Hoje o FCV está construindo
comprar espólios deteriorados com a finalidade de uma outra referência para se pensar a área central
convertê-los em cortiços, como um modo de aufe- de São Paulo.
rir lucros fáceis. Apesar disso, as políticas habita- Desde a primeira sessão, surgiram questiona-
cionais, quando atuam sobre os cortiços, mentos e propostas voltados ao poder público, e
costumam privilegiar os proprietários pagando nas próximas sessões poderíamos concretizar esse
uma soma milionária pelos imóveis, mesmo nos debate aproveitando a presença de representantes
casos nos quais a propriedade adquirida é estranha do município, do Estado, da Caixa Econômica
aos trâmites legais. A pesquisadora contou que a Federal. A partir da fala de Gegê, sobre as áreas
equipe teve a oportunidade de acompanhar um especiais e interesse social, destaco que o Estatuto
caso, na Móoca, no qual os moradores assegura- da Cidade, aprovado há alguns dias, é uma lei
vam que aquele imóvel não era da pessoa que importante se for colocada em prática pelos muni-
recebeu o valor exorbitante, arbitrado pelo juiz, cípios, mas que pode ficar sem efeito se nos Pla-
mas sim, de uma viúva que morreu sem herdeiros; nos Diretores não forem estabelecidos um
o suposto proprietário foi vizinho da viúva. Ainda conjunto de instrumentos e ações que façam fazer
assim, o Poder Público trata o intermediário como valer a função social da propriedade.
o vilão da história. Isso nem sempre é verdade. Na área central expandida, devem ser estabele-
Existem aqueles pequenos proprietários que cons- cidas áreas de interesse social nas quais se criem
tróem no fundo de casa, mas o que predomina é condições para que a população de baixa renda
um grande mercado informal, que o Poder Públi- possa ali viver. Como disse Silvia Schor, não adi-
co esquece ou finge que não vê. anta fazermos o cálculo de quanto é necessário
Ao concluir, Penha afirmou que embora seja nas condições atuais para enfrentar o déficit habi-
importante discutir as leis incidentes sobre o as- tacional, temos que levar em conta que o preço da
sunto, as políticas e os planos propostos para a terra é gerado por mecanismos de mercado, e se
área central, é fundamental lembrar que “a socie- estes forem mantidos como estão, vamos inviabi-
dade fragmentou os momentos e descolou a polí- lizar a possibilidade de qualquer política habita-
tica do cotidiano. Portanto, é necessário que o cional na área central. O instrumento para
cidadão, o sujeito, deixe de ser um irrisório con- concretizar a Reforma Urbana será o Plano Dire-
sumidor para ser o sujeito da política, do cotidia- tor, que deve definir quando certa propriedade
no, o ator. Os moradores dos cortiços têm que cumpre sua função social. Essa é uma das ques-
participar desses planos. A política habitacional tões fundamentais que vamos ter que discutir com
para a área central deve ser acompanhada de um o poder público municipal.
programa social, cultural e político, que insira o Uma segunda questão importante, colocada
cidadão como sujeito de direito na sociedade”. por todos os movimentos, é a do financiamento e,
em especial, a do subsídio. Será importante ter
DEBATE aqui na mesma mesa representantes dos três níveis
de governo, para discutirmos de onde sairá o sub-
Guilherme, Diretório Central dos Estudantes sídio. Se cada uma dessas esferas mantiver sua
da USP e da Comissão de Movimentos Sociais – lógica própria numa política de habitação, nós não
A visita às ocupações no dia 30 é um modo de vamos sair do lugar. Temos de fazer uma ação
desmistificar a idéia que os estudantes têm dos conjunta, na qual recursos subsidiados possam ser
movimentos de moradia. A comissão de movi- combinados com recursos onerosos e, dessa ma-
mentos sociais, do DCE-USP, procura fazer com neira, criar uma política de subsídio num progra-
que os universitários saiam um pouco das biblio- ma unificado. Não é possível ter nessa área três
tecas, dos livros, e passem a ter um contato maior portas de entrada porque se um estabelecer suas
com os movimentos. políticas, seus programas, vão acabar disputando
os mesmo imóveis e, desse modo, teremos uma
Vereador Nabil Bonduki – A relação entre os elevação nos preços, com a possibilidade de invia-
movimentos sociais e os estudantes, particular- bilizar o processo. Temos que ter um programa
mente da USP, no caso, tem sido extremamente conjunto, unificado.
importante para a universidade para que esta pos- Os movimentos também não podem concorrer
sa articular pesquisa e ensino com extensão uni- entre si. Embora tenham autonomia e seja impor-
versitária e com um trabalho junto aos tante que existam muitos movimentos, a ação
movimentos sociais. Na área central, nós temos precisa ser unificada para que haja concorrência
uma experiência extremamente interessante, que entre si, como já aconteceu diversas vezes. Essa
nasceu de um seminário de extensão universitária, ação coordenada já tem sido discutida de certa
ocorrido em 2000, a partir do qual se formou uma forma pela União dos Movimentos de Moradia e
articulação bastante importante, inicialmente entre será apresentada numa próxima sessão.
movimentos sociais e estudantes, que gerou o

36 Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central


Para finalizar, se a questão da habitação no ou recicladas. Isso só se resolve com legislação
Centro, como disse Penha, é pouco visível, já que urbanística que baixe o preço da terra e também
os cortiços ficam escondidos, devemos destacar a com salário e outra política econômica natural-
importância que teve nos últimos quatro anos o mente.
movimento popular em colocar essa questão em
pauta, na agenda da cidade. Como disse Gegê, as Agostinho Araújo, Desempregado, morador no
ocupações foram e são um instrumento de luta, Centro – Prédios vazios cumprem a função social?
não uma solução em si para o problema da mora- Demonstram a cabeça dos governantes.
dia, porque as condições de vida são, em grande
parte dos casos, muito precárias. Como um ins- Mauro, Arquiteto, urbanista, que atua em várias
trumento de luta, servem inclusive para transfor- entidades no Centro – Qual a possibilidade real
mar o problema da habitação na área central numa dos movimentos atuarem de uma forma unificada,
questão visível para a sociedade. E os movimentos porque é daí que pode começar a surgir a solução?
tiveram o mérito de fazer isso. Como mostramos
na primeira sessão, é claro que essa questão é Pedro Arantes, Arquiteto, Usina Assessoria Técnica
muito importante para os moradores da área cen- – Gostaria que o Nabil e os movimentos comentas-
tral e para os movimentos, mas é também muito sem o que o Estatuto da Cidade abre como possibili-
importante para a cidade, como uma política ur- dades para uma política habitacional no Centro. Ele
bana mais geral que estimule e garanta habitação pode ajudar na luta pela garantia da função social da
na área central. propriedade no Centro, inclusive como um instru-
mento capaz de articular a política habitacional com
Leonardo Pessina, CAAP (Centro de Assessoria o problema das ocupações dos imóveis vazios, for-
à Autogestão Popular) – O PAR já ensaia, mesmo çando a sua utilização? É possível? As ocupações a
que timidamente, uma proposta de fundo nacional partir deste momento podem ser compreendidas,
de moradia, que trabalha com um mix de recursos, dentro desta nova lei, como um ato legítimo, de direi-
entre recursos onerosos e a fundo perdido. Esse to? O que mais está sendo feito para que as questões
programa já reduz o valor das prestações em progressistas que estão na lei possam valer, inclusive
20%. Uma política de financiamento com subsídio nesta gestão do PT?
é fundamental. Como disse Nabil, e já foi com-
provado pelo Projeto Moradia do Instituto Cida- Vereador Nabil Bonduki – Passo a palavra para
dania, em 15 anos é possível, com os recursos os expositores para que os movimentos comentem
disponíveis hoje, do FGTS e dos três níveis de as questões colocadas sobre a ação unificada no
governo, acabar com o déficit quantitativo e quali- Centro.
tativo de habitação no Brasil. Se a Prefeitura entrar
com 5 mil de subsídio em relação ao PAR, por Luiz Gonzaga da Silva (Gegê) – A questão não
exemplo, a prestação cai para 105 reais, o que já passa só pelo fato dos movimentos trabalharem
está mais próximo do que as famílias de baixa em conjunto ou não. Até quatro anos atrás, eu
renda podem pagar. Contudo, queremos muito mesmo era um dos militantes, dirigentes, de um
mais subsídio do que isso, e por isso defendemos movimento só na região central. E a questão habi-
o Fundo Nacional como a grande proposta a ser tacional não era resolvida também, existia um
seguida também pelos municípios e pelos estados. movimento só e os governantes não recebiam.
O modelo de conjuntos habitacionais, inclusive Assim, a questão não é se existem muitos ou pou-
os mutirões periféricos, está se esgotando em São cos movimentos, mas passa pela falta de vontade
Paulo. Hoje, a periferia de São Paulo não é mais a política dos governantes, de compromisso político.
capital, mas outros municípios vizinhos. A Estou na luta por moradia digna na região cen-
CDHU, por exemplo, não tem mais terra na capi- tral há 14 ou 15 anos. Até hoje, o pouco que se
tal. Por isso, parabenizo a comissão pela iniciativa, fez foram 227 unidades no governo do Partido
já que é o momento de morar perto do centro, é o dos Trabalhadores. Exatamente porque falta von-
momento da Prefeitura Municipal de São Paulo e tade política. Entretanto, na época do PT, se ten-
da Câmara de Vereadores darem uma grande força tou fazer alguma coisa, quando o Nabil era
para essa proposta de manter os pobres no Centro superintendente, e há até pouco tempo ele res-
e repovoar o Centro expandido da cidade que, pondia vários processos. Isso mostra que a vonta-
como sabemos, comporta mais de 1 milhão de de política não está só no governante, na Prefeita,
pessoas. no Prefeito, no Governador, no Presidente, mas
Por fim, quanto à legislação urbanística, é claro também naqueles que fazem a lei, vereadores,
que se não tiver ZEIS que baixem o preço da deputados estaduais, deputados federais e senado-
terra, dos imóveis, vai ser impossível ter uma polí- res.
tica que ataque o segundo problema da manuten- Em relação ao Fundo Nacional de Habitação,
ção das pessoas nas unidades habitacionais novas concordo que deva ser o principal instrumento da

Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central 37


política habitacional neste país, como modo de Sobre o que o Estatuto da Cidade cria de novo,
democratizar os recursos, a participação, de tirar o que considero mais importante é a possibilidade
da mão dos governantes o que eles têm hoje. O de o município definir a função social de uma
governo federal diz toda hora que foi o governo certa zona. Se essa função não for cumprida de
que mais fez habitação. Agora onde, para quem, acordo com o plano, o proprietário fica sujeito a
como foi feito? Sobre o Estatuto da Cidade, lem- um conjunto de penalidades. A primeira seria a
bro que na segunda semana de outubro de 2001 edificação ou o parcelamento compulsório. A
vai acontecer em São Paulo a Conferência das partir da aprovação da Lei do Plano Diretor, aque-
Cidades, um momento de grande importância em las áreas teriam um prazo no mínimo de um ano
que todos os movimentos, todos os companheiros para apresentar um projeto de parcelamento ou
e companheiras envolvidos nessa discussão da edificação compulsória; depois, um ano de prazo
Reforma Urbana e da habitação, devem estar pre- para começar a obra e, caso isso não fosse feito, a
sentes. Prefeitura poderia começar a cobrar imposto pro-
gressivo no tempo, ou seja, ao longo do tempo o
Sidnei Antônio Euzébio – Pergunto se o Estatuto imposto territorial ou predial urbano vai subindo
da Cidade vai servir para que as áreas que são indus- de alíquota até chegar a um máximo de 15% do
triais possam ser mudadas para construir residência, valor da propriedade. Ao atingir essa percentagem,
já que hoje nós temos muitos casos como a Presiden- em aproximadamente seis anos e meio uma pro-
te Wilson, na qual isso é necessário. priedade pagaria em imposto seu próprio valor;
portanto, ficaria totalmente desinteressante para
Vereador Nabil Bonduki – Como foram colo- seu proprietário mantê-la nas mesmas condições.
cadas duas questões sobre o Estatuto da Cidade, Se após cinco anos o proprietário não fizer com
que é um assunto importante, reforço a idéia de que aquela área cumpra sua função social, ela
que a nova lei dá algumas condições para o muni- passa a estar sujeita à desapropriação por interesse
cípio atuar, legitima alguns instrumentos, mas por social, com pagamento em títulos da dívida públi-
si só não estabelece nenhuma política de fato para ca resgatáveis em 10 anos, descontando daí uma
os municípios. Quem tem que estabelecer as polí- série de acréscimos que normalmente são coloca-
ticas são os próprios municípios e é importante dos nas desapropriações. Ou seja, essa medida faz
que a gente fale isso para não tornar o Estatuto com que haja uma penalidade tal que, em curto,
uma grande panacéia. médio ou longo prazo aquela área tenha que ser
Algumas dessas medidas poderiam ser tomadas colocada no mercado.
independentemente da própria existência do Esta- Entretanto, em relação à zona central, há al-
tuto da Cidade. Por exemplo as ZEIS – Zonas guns problemas. O Estatuto fala de imóveis que
Especiais de Habitação de Interesse Social – signi- não cumprem sua função social e em edificação
ficam uma mudança de zoneamento. E o zonea- ou parcelamento compulsórios, o que nos faz
mento é um instrumento que o município já deduzir que aquela área não pode estar construída
dispõe, que estabelece que uma certa área pode ser ou, se estiver construída, está com uma taxa de
utilizada para alguns usos e não para outros. Por ocupação muito pequena para que possa ser sujei-
exemplo, a maior parte das áreas industriais tem ta à edificação compulsória. É importante termos
hoje zoneamento Z6, de zona industrial, e portan- claro isso para não criar grandes ilusões, porque
to não se pode fazer habitação, nem de classe imóveis vazios na região central não vão estar
média nem de interesse social. A mudança de sujeitos a esse tipo de penalidade. É por isso que
zoneamento de uma zona industrial para uma ganham importância para o Centro outros instru-
zona especial de interesse social pode ser feita mentos, por exemplo, as ZEIS e o IPTU com
independentemente do Estatuto da Cidade. alíquotas diferenciadas para imóveis que têm fun-
No que as ZEIS seriam diferentes de outras ções diferentes, já garantidos pela constituição.
zonas que hoje já existem? A diferença é que se Hoje o município tem uma alíquota única de
estabeleceria um certo padrão para os imóveis, IPTU e a Lei de Diretrizes Orçamentárias pressu-
que seria de interesse social, e com isso retiraría- põe a possibilidade de ter alíquotas diferenciadas.
mos aquela área de uma competição para outros Então, seria possível taxar um imposto maior para
usos, barateando o preço da terra. Áreas que po- imóveis desocupados. Na época da primeira ges-
deriam ser utilizadas para qualquer uso, para habi- tão do PT, com Luiza Erundina, tínhamos uma
tação de classe média ou para escritórios de luxo, diferenciação que ia de 0,2% até 5% (além dos
saem desse mercado valorizado e passam a fazer isentos), de modo que grandes propriedades vazias
parte de um mercado de renda mais baixa. Contu- pagavam 5% de imposto territorial do valor venal.
do, existem discussões sobre que possibilidades Mesmo considerando a diferença existente entre
existem de fato de baratear o preço da terra com valor de mercado e venal, era uma taxação grande.
esses instrumentos. Naquela época, muitos proprietários os procura-

38 Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central


vam porque queriam que a Prefeitura desapropri- Nesse projeto de inclusão deve ser criada uma
asse devido ao valor do imposto. poupança na Caixa, para que as pessoas cadastra-
Com referência à afirmação de Leornardo de das, quando as casas ficassem prontas, tenham um
que hoje não há mais terrenos na periferia, há 12 fundo de reserva. Se nós contribuímos a vida in-
anos, quando estava na superintendência de habi- teira pagando impostos neste país não é para so-
tação popular da Prefeitura, foram promovidos correr bancos falidos, é para socorrer o povo que
processos de desapropriação de terrenos para a está falido. Moro há 20 anos em São Paulo e não
política de habitação de interesse social da Prefei- tenho casa para morar; vim para cá com ilusão,
tura, terrenos para cerca de 40 mil unidades habi- mas aqui aprendi até a ser político. Eu vivia den-
tacionais. Essa foi a última vez em que se tro de casa, assistindo à televisão. Hoje eu vivo
desapropriou terrenos para esse fim no município. aqui discutindo política e ensinando cada dia mais
Para isso não era necessário o Estatuto da Cidade, as pessoas que é possível a gente se organizar,
assim como para as ZEIS ou para as alíquotas batalhar e conseguir alguma coisa, é só a gente
progressivas. Contudo, no último ano do governo querer. Não adianta pedir para o rico que ele não
Luiza Erundina houve uma ação do Tribunal de dá não. Tem que se organizar e ir à luta que a
Justiça do Estado de São Paulo que proibiu a gente consegue.
cobrança dessas alíquotas diferenciadas, gerando
um conjunto de debates sobre essa questão. Silvia Schor – A questão do André é bem coloca-
Sobre os imóveis como galpões industriais, o da numa situação como esta. A propriedade pri-
Estatuto daria condições para que essas áreas, vada cria restrições cavalares, mas a participação
embora construídas com coeficiente de aprovei- do pessoal dos movimentos, as perguntas que
tamento muito baixo, pudessem ser entendidas vieram, pelo interesse e pela identificação clara da
como áreas que não cumprem a função social. Se importância da mobilização popular, mostram que
um quarteirão em uma região bem servida de existem formas diferentes de tratar a propriedade
infra-estrutura tem um coeficiente de 0,5 no seu privada. E essa diferença é obtida pela participa-
total, podemos concluir que naquelas condições ção popular, pela batalha de legislação etc. Além
não está cumprindo a sua função social. disso, podemos colaborar nessa construção através
O Estatuto fornece novos instrumentos e legi- das informações. A questão do tamanho do pro-
tima alguns já existentes, permitindo que sejam blema, por exemplo, tinha o sentido de verificar o
mais facilmente utilizados nos Planos Diretores, quão realista é pensar numa solução de moradia
como o direito de preempção ou de superfície. para a população de baixa renda na área central,
Mas por si só ele não é suficiente. A Câmara vai olhando uma dessas demandas que é o pessoal
ser fundamental em nossa luta daqui em diante, que mora em cortiço, embora mais gente tenha
porque é quem aprova mudanças de zoneamento, também o direito a habitar a área central. Há tam-
ZEIS, Plano Diretor com 3/5 dos votos, ou seja, bém o problema de eqüidade e a dimensão é im-
34 vereadores. Disso decorre a importância de, na portante já que todas as 32 mil famílias têm direito
Câmara Municipal, debatermos essas questões e à moradia na área central.
tirarmos com muita clareza diretrizes para essa
mudança de legislação. Luiz Gonzaga da Silva (Gegê) – Sobre a per-
gunta do André: no sistema capitalista o problema
André, Mestrando do Departamento de Geografia social não será resolvido. Os países comunistas
da FFLCH-USP – Eu gostaria de endereçar uma também passaram por dificuldades. Se tivermos
pergunta para os representantes dos movimentos aqui no Brasil um outro sistema, um projeto
de moradia: vocês de fato acreditam que há uma popular nascido das mãos de milhares de
solução para o problema da moradia numa socie- mulheres e homens com vontade, o problema da
dade onde a terra, o terreno, o imóvel, são propri- habitação, da reforma urbana, da reforma agrária
edade privada? será resolvido. Mas neste sistema, no qual
estamos, é impossível, mesmo que um iluminado
Joaquim, Morador na área central em prédio ganhe a eleição. A respeito da questão do
ocupado – Sugiro a elaboração de um projeto de Joaquim, o cortiço foi uma imposição aos
moradia no Centro. Isso é possível porque as europeus, aos italianos que vieram ao Brasil em
pessoas que moram em alguns prédios têm renda. 1888-1890, e surgiu lá em São Caetano do Sul,
Olhem para mim. Eu não tenho renda? Tenho depois Brás, Pari, Canindé. Hoje é uma
sim. Não sou empregado de ninguém, mas tenho necessidade para se morar na região onde se
renda, faço prestação de serviço. Nós mantemos trabalha, em que há mais condições de o filho ir
nosso prédio, o rateio é feito, os que têm mais para a escola e não pagar caro pelo transporte.
pagam mais, os que têm menos pagam menos. A Não é uma questão cultural, não. Afinal, quem
gente tem porteiro e gente para recolher o lixo, mora em cortiço e veio do Nordeste ou do Sul
estamos cada vez mais organizados”. morava em fazenda ou em cidade. Morar em

Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central 39


cortiço é uma necessidade, possível de ser supera- ou menos claro que não é só a questão da propri-
da também com a vontade política. edade da terra mas um conjunto de aspectos na
sociedade brasileira e na capitalista impedem o
Maria Jaira Coelho Andrade – O movimento acesso dos trabalhadores e da população de baixa
tem certeza de que não vai ser resolvido nada no renda à moradia, nós não temos com a mesma
capitalismo, mas temos fé e, por isso, continuamos clareza qual o nosso modelo e nossa proposta no
unidos e lutando para um dia ter uma política que diz respeito ao regime de propriedade.
habitacional no estado de São Paulo para todo o O Gegê mencionou a experiência do chamado
pessoal de baixa renda que luta por uma casa. socialismo real, da ex-União Soviética, e dos que
seguiram seu modelo de um regime de proprieda-
Penha Elizabeth Pacca – Sobre a pergunta do de estatal, que também não conseguiu solucionar
André, não acredito que exista governo que vá não só o problema da moradia, mas outros pro-
conseguir construir 1 milhão de habitações para blemas sociais. Temos uma crise de modelo e a
suprir essa demanda, o que é impossível num nossa grande questão é conseguir construir uma
sistema desses, com certeza. Embora o melhor proposta alternativa e conseguir ganhar apoio para
seja mudar o sistema, temos que fazer as coisas essa proposta.
que são possíveis para nós. Avançamos muito na autogestão e no mutirão
em 1992. Entretanto, as famílias rejeitaram maci-
Ciro, Fórum dos Cortiços – Embora concorde çamente a idéia da propriedade coletiva ou da
que acreditar que a questão da habitação no Brasil propriedade cooperativa, colocada em discussão
vá ser resolvida possa parecer sonho, como disse a junto aos que tinham sido beneficiados pelos pro-
Penha, fazemos o que está em nosso alcance, gramas de habitação. Essas famílias haviam parti-
porque enquanto tivermos força para resolver o cipado de um processo avançado do ponto de
que está próximo da gente, vamos procurar resol- vista da organização social, mas que no fundo
ver sim, e continuar buscando soluções. Porque ainda tinha como modelo a casa própria, o modelo
um dia, quem sabe, a gente consiga realizar o da propriedade. Muitas vezes, até como um mode-
sonho de todo mundo, que é ter sua casa própria. lo que lhe desse autonomia e uma certa liberdade
para fazer o que quisesse com a moradia. A ques-
Sidnei Antônio Euzébio – O movimento já teve tão não é apenas a gente ter claro que não vai
algumas vitórias, mas no dia em que conseguir- resolver o problema, o que não quer dizer que a
mos mudar todo esse sistema, com certeza nossos gente não deva fazer nada, como os movimentos
filhos conseguirão estar mudando realmente a colocaram aqui. Temos que lutar para mudar essas
vida, a cara do país e da cidade na questão de condições e criar mecanismos que garantam o
habitação popular. acesso da população de baixa renda à terra e à
moradia. Também temos que fazer a discussão
Vereador Nabil Bonduki – Qual o sistema de sobre qual seria um modelo alternativo a esse
propriedade da terra que nós estamos propondo? porque essa questão não é resolvida mesmo entre
O movimento de moradia e a própria população aqueles que têm certeza de que a resposta à ques-
de baixa renda hoje defende a casa própria, em sua tão do André é “não, não é possível”.
grande maioria. Se por um lado a gente tem mais

40 Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central


SOBRE AS OCUPAÇÕES
Durante os trabalhos da comissão de estudos, organizado em fichas-resumo, consultando os
foi se consolidando a preocupação de conhecer movimentos de moradia, as assessorias técnicas e
mais de perto a realidade das ocupações na área órgãos públicos. As fichas trazem informações
central, de aproximar a comissão aos moradores e básicas sobre o edifício e a situação atual das ne-
movimentos do centro da cidade. Como resultado, gociações, além de um pequeno histórico.
foram realizadas visitas a ocupações na área cen- Esses dois documentos complementares, re-
tral, organizadas em conjunto com o Diretório produzidos a seguir, contribuem para a constitui-
Central dos Estudantes da USP, como será expli- ção de um quadro geral sobre as ocupações,
cado a diante. dando visibilidade para aspectos qualitativos e
A partir dessa atividade, um grupo de estudan- quantitativos. Notamos que enquanto existem
tes iniciou uma pesquisa mais aprofundada, ainda pesquisas realizadas sobre os cortiços – duas delas
em andamento, sobre essa realidade e preparou o apresentadas na sessão relatada – há ainda poucos
material apresentado nesta publicação. dados reunidos sobre as ocupações na área central.
Além disso, como parte da pesquisa para sub- Esses dados, em conjunto com o relato da sessão,
sidiar as atividades da Comissão de Estudos, a são necessários para a formulação de políticas
assessoria do gabinete do vereador Nabil Bonduki públicas e para a revisão da legislação relacionada
– presidente dessa comissão – elaborou um breve à reciclagem dos edifícios para uso habitacional.
levantamento sobre cada uma das ocupações,

O Movimento de Moradia e as Ocupações do diversos órgãos da Prefeitura; Moradores do cen-


Centro de São Paulo tro e membros de movimentos de moradia do
Texto elaborado na Comissão de Movimentos Populares do centro. Na atividade, houve em cada ocupação,
DCE da USP uma abertura onde o respectivo coordenador a-
presentou temas, abertos ao debate, como a histó-
No dia 30 de junho de 2001, a Comissão de Es- ria da ocupação, a sua forma de funcionamento e
tudos sobre Habitação na Área Central, em conjunto organização, o perfil sócio-econômico dos mora-
com o Diretório Central dos Estudantes da Universi- dores, as principais reivindicações dos movimen-
dade de São Paulo (DCE-USP), através de sua Co- tos, os problemas enfrentados por eles, entre
missão de Movimentos Populares, realizou um outros. Em seguida, foram visitados o interior dos
percurso de visitas por ocupações de quatro movi- edifícios e de algumas de suas unidades habitacio-
mentos por moradia no centro de São Paulo. nais
A gestão 2000/2001 do DCE-USP já vinha A possibilidade de reunir estudantes, professo-
desenvolvendo um trabalho de articulação do res universitários, profissionais ligados ao tema,
movimento estudantil com os movimentos sociais, moradores do centro e das ocupações tornou os
a exemplo do 1o Seminário Universidade e Movimentos encontros de fato um espaço interessante de inter-
Sociais, realizado em 2000 na USP. A entidade locução com os movimentos.
estudantil considerou que aquela atividade consti- O processo de escolha das ocupações a serem
tuiria em mais um espaço de troca entre os dois visitadas também foi tratado como uma forma de
movimentos e seria uma forma de sensibilizar e estreitar a relação entre os Movimentos Estudantil
envolver mais estudantes em uma atuação que e por Moradia. Identificados os principais Movi-
extrapolasse o universo estritamente acadêmico e mentos por Moradia atuantes no Centro de São
que contribuísse para uma formação mais crítica e Paulo, optou-se por visitar uma ocupação por
politizada dos mesmos. Para a Comissão de Estu- movimento, e então, os estudantes participaram de
dos da Câmara, a visita representaria um esforço, suas assembléias e, respeitando os critérios de
como dito anteriormente, de conhecer mais de escolha dos mesmos, como por exemplo, a repre-
perto a realidade das ocupações e aproximar-se sentatividade e o significado daquelas ocupações
dos moradores e movimentos do centro da cidade. dentro da luta por moradia, decidiram conjunta-
A atividade se iniciou na Câmara dos Vereado- mente quais seriam as ocupações a serem visita-
res de São Paulo, de onde partiram dois ônibus das. As ocupações visitadas e os respectivos
com cerca de 80 pessoas, entre elas estudantes e movimentos são:
professores de diversas universidades, como a – Rua General Góes Monteiro, 64– Fórum
USP, Mackenzie, FAAP, Belas Artes e mesmo dos Cortiços
estudantes de arquitetura de Milão; profissionais – Rua Ana Cintra, 123 – Movimentos dos
de diversas áreas, funcionários da Câmara e de Sem-Teto do Centro (MSTC)

Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central 41


– Rua 21 de Abril, 569 – Unificação das Lutas cussão sobre o Centro de São Paulo. De 1997 a
de Cortiços (ULC) 1999, o Fórum dos Cortiços, um dos movimentos
– Rua do Ouvidor, 63 – Movimento de Mora- de moradia que já realizou ocupações na área
dia no Centro (MMC) central, teve, com os outros movimentos, papel
fundamental na revalorização do centro da cidade
Um resultado das visitas, além da rica experi- e no aperfeiçoamento das próprias políticas públi-
ência de contato com a realidade e diversidade das cas habitacionais.
ocupações e com a história particular de cada “No dia 08 de março de 1997, quando o Fó-
uma, foi a formação de um grupo de quatro estu- rum organizou a primeira ocupação, lembro-me
dantes de graduação da USP e da Universidade bem de que não havia uma política habitacional
Mackenzie, das áreas de Arquitetura e Psicologia, efetiva para o centro. Hoje, em 2001, demos um
para realizar um levantamento qualitativo das passo muito grande nesse sentido. O Fórum as-
condições de vida em ocupações do centro da sume uma postura de não apenas ocupar um pré-
cidade de São Paulo. dio, mas sim de ocupá-lo, apresentando uma
Optou-se por fazer entrevistas semi-dirigidas proposta de arquitetura, já sabendo o que é possí-
com alguns moradores e coordenadores de ocupa- vel e o que não é, com o apoio de uma assessoria
ções organizadas pelos quatro movimentos visita- técnica que nos orienta”, explica Verônica Kroll,
dos, procurando resgatar, por meio dos Coordenadora Geral do Fórum dos Cortiços e ex-
depoimentos, a história das ocupações, suas prin- moradora de ocupação.
cipais dificuldades e conquistas, sua relação com o Dois anos depois, no dia 30 de março de 1999,
movimento por moradia do qual faz parte, além 2.500 pessoas, entre advogados, deputados, estudan-
de outros temas que o entrevistado desejasse ex- tes, pessoas da igreja e os participantes do Fórum dos
por. Devemos observar porém, que a ocupação Cortiços, mobilizaram-se para a ocupação do prédio
participante do Fórum dos Cortiços localiza-se no de número 431 da Rua da Abolição.
Bairro da Pompéia, sendo portanto substituída no Resgatando um pouco da história do dia em
presente trabalho por outra localizada à Rua da que o prédio foi ocupado, Sueli Lima, coordena-
Abolição, para que não saíssemos do perímetro dora local do Fórum na região do Bom Retiro,
central proposto. conta: “à primeira vista, o prédio nos pareceu
Considerou-se, para a realização dessas entre- muito bonito, mas, quando entramos, muitas famí-
vistas, que o olhar de cada entrevistado conta algo lias ficaram extremamente decepcionadas. Havia
importante sobre a comunidade da qual participa, muito entulho, areia, tijolo. Como o prédio havia
principalmente quando se quer investigar quais as acabado de passar por uma reforma, não havia
especificidades da vida de um morador de ocupa- vasos sanitários, iluminação nem água”.
ção, de pessoas que lutam pelo direito à moradia. Até o momento da ocupação, não se sabia qual
O objetivo deste trabalho é reunir informações seria o prédio ocupado, “porque é uma escolha
que contribuam de alguma forma para a ampliação feita pela coordenação geral do movimento, após
da discussão sobre os movimentos por moradia e um estudo cuidadoso dos prédios públicos deso-
para a elaboração de propostas de trabalho junto a cupados do centro da cidade”.
moradores de ocupações. As impressões obtidas O prédio pertence à Secretaria da Fazenda do
das entrevistas realizadas até 06 de agosto de Estado de São Paulo e estava sem uso havia 15
2001, além de expostas a seguir, serão apresenta- anos, até a data da ocupação: “achamos que deve-
das também no II Seminário Universidade e Movimento ríamos ocupar aquele prédio por ser um edifício
Popular, que se realizará de 18 a 22 de setembro de público e inutilizado, que são condições colocadas
2001, contando com a participação de estudantes pelo movimento para a ocupação. Consideramos
universitários e representantes de movimentos que um prédio público, fechado há mais de 15
populares organizados. anos, como estava a Abolição, não cumpre sua
Assim sendo, o material exposto a seguir pre- função social”, justifica Verônica.
tende ser o primeiro passo de um trabalho pro- Para participar de uma ocupação, é preciso
fundo de investigação sobre as ocupações que passar por um processo de formação política e
possa favorecer o engajamento de mais estudantes histórica sobre o movimento nos “Grupos de
e profissionais na atuação junto aos movimentos Base”. Sueli, que conheceu o movimento de mo-
por moradia, contribuindo para a construção de radia através de um grupo do Bom Retiro, diz:
propostas de trabalho consistentes para a melhoria “nesse espaço, o movimento nos ensina a viver
de suas condições de vida. em comunidade, preparando-nos para o cotidiano
nas ocupações. Aprendemos que teremos direitos
Abolição, uma conquista do Fórum dos Cortiços e deveres, que haverão tarefas a serem cumpridas
na ocupação, como limpeza, segurança, adminis-
A história da ocupação da Rua da Abolição es- tração financeira, como numa divisão de tarefas.
tá muito enraizada no desencadeamento da dis- Além disso, aprendemos também a nos conhe-

42 Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central


cermos melhor e a conhecermos uns aos outros, to em conjunto. A coordenação interna das
cada família com a sua história”. ocupações se reúne com a coordenação geral do
O tempo de participação nos Grupos de Base é Fórum, que se reúne com os outros movimentos
variável, podendo durar de seis meses até um ano na União de Movimentos de Moradia (UMM),
e meio, dependendo de como for a freqüência das levando o posicionamento das famílias para todas
pessoas às reuniões e de quando for a próxima as discussões. Entretanto, às vezes, a urgência de
ocupação. “Na realidade, é um período de forma- questões amplas, que exigem decisões imediatas e
ção, para a pessoa saber o que é o movimento; encaminhamentos, dificulta, em alguns momentos,
que buscamos não só moradia, mas a cidadania a discussão sobre problemas mais cotidianos en-
com um todo. Há pessoas que vêm de cortiços frentados pelos moradores”, diz Veronica.
onde são massacradas, pagam aluguéis muito al- Sobre o controle interno de moradores na
tos, moram em locais insalubres; as crianças adoe- Abolição, há um cadastro com informações bási-
cem por causa da umidade, têm problemas cas sobre cada família. “Conhecemos cada família
respiratórios. Procuramos trabalhar, no Grupo de que está lá dentro, os problemas de cada uma, de
Base, a idéia de que essas pessoas, como todas as onde vêm, se os adultos estão empregados ou não,
outras, têm direitos e que devem buscá-los, lutar se as crianças estão na escola, a renda familiar,
por eles”, acrescenta Sueli. entre outras informações”, explica Sueli.
No Grupo de Base, nem todos que estão sendo A participação de novas pessoas em ocupações
preparados precisam ir para a primeira ocupação do movimento é possível. Veronica diz que, “se
que surge durante seu processo de formação. São um morador de rua bate na nossa porta, o enca-
indicadas aquelas famílias que estão de fato sendo minhamos para um dos Grupos de Base da região,
despejadas. As que conseguirem pagar aluguel por para que ele passe por todo o processo de forma-
mais 2 ou 3 meses ficam para a próxima ocupa- ção política e histórica em que nos baseamos. Se
ção. “As próprias famílias resolvem que vão con- for um cortiço inteiro que estiver querendo se
tinuar pagando aluguel por mais algum tempo ou aproximar de um movimento organizado, nós
que vão procurar a ajuda de algum parente, dando mesmas vamos até lá, conversamos com as pesso-
prioridade a quem está com uma mudança na rua, as e nos reunimos com elas periodicamente para
que não tem realmente saída”, comenta Sueli. contribuir com a sua própria organização. Não
Inicialmente, foram abrigadas na Abolição 64 podemos correr o risco de colocar pessoas que
famílias, sendo que o espaço foi insuficiente para não conhecemos e que não conhecem o movimen-
todas que estavam presentes. Então, foi feito um to dentro de uma ocupação”.
estudo no Hotel São Paulo, um prédio desocupa- Algumas das principais dificuldades que os
do que fica na Praça da Bandeira, nº 16, para onde moradores da Abolição enfrentam se relacionam
outras 30 famílias foram e ficaram por um período às contas de água e luz anteriores à data da ocupa-
curto. Pouco tempo depois, elas foram despejadas ção, que se acumularam ao longo dos anos em
de lá e voltaram para a Abolição, o que fez com que o prédio ficou desocupado. “Felizmente, o
que o espaço fosse redividido, diminuindo-se um Fórum dos Cortiços nos dá respaldo para dialogar
pouco a unidade de cada família. Hoje, no total, com as empresas fornecedoras. Com esse canal
há 103 famílias abrigadas na Abolição, incluindo aberto de negociação, temos conseguido quitar
as que foram recebidas em função de despejos essas contas gradualmente, dentro das possibilida-
ocorridos em outras ocupações com as quais os des financeiras dos moradores”, diz Sueli.
moradores se solidarizaram. Para Verônica, o principal problema enfrenta-
“Com o grande contingente de pessoas aloja- do pela Abolição hoje é a ameaça de despejo.
das na ocupação, estamos com problemas muito “Precisamos que o Governo do Estado de São
sérios de esgoto, porque é um prédio de estrutura Paulo permita que as pessoas continuem no pré-
comercial e não residencial. Ainda assim, quando dio até maio de 2002, quando será concluída a
recebemos um pedido de reintegração de posse, as reforma do prédio de nº 161, da Rua Maria Paula,
famílias ficam desesperadas com o risco de terem que foi comprado por 75 das famílias que moram
que sair de lá. A nossa intenção é deixar o prédio na Abolição atualmente”.
já tendo o nosso próprio empreendimento. Por Um dos princípios do movimento é o de que,
isso, estamos sempre correndo até o Palácio do desde o início, os moradores tenham clareza de
Governo, à Secretaria da Habitação, tentando que o objetivo do Fórum não é o de que as pesso-
ganhar um tempo para construirmos nossa mora- as morem definitivamente no prédio ocupado. “A
dia”, explica Verônica. ocupação funciona como um espaço de transição
Nas ocupações do Fórum, as decisões são to- entre a pessoa que paga aluguel e não tem condi-
madas por uma assembléia com todos os morado- ções de continuar pagando e uma moradia própria
res. Nada é feito nas ocupações sem a aprovação e e digna”, diz Sueli. Além disso, como a região da
a participação das famílias que vivem nela. “Pro- cidade eleita pelo movimento foi o centro, o dese-
curamos pensar todos os problemas do movimen-

Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central 43


jo de uma vida digna torna-se mais palpável para to interessante, como dizem as próprias coordena-
os moradores das ocupações. doras: “fazemos ocupações pela falta de política
“Os motivos para a opção pelo centro da cida- pública de moradia; então, lutamos, na verdade,
de são vários”, conta Verônica. “Estamos constru- pelo fim da necessidade das ocupações”, diz Sueli.
indo apartamentos no prédio da Rua Maria Paula, “Se ficarmos ocupando prédios eternamente,
que custou 1 milhão e 800 mil reais, incluídos o os órgãos públicos responsáveis podem abdicar da
prédio e a reforma. Esse dinheiro será dividido em responsabilidade que têm de elaborar políticas
75 famílias, em valores iguais. Não será preciso públicas de habitação mais efetivas, de resolver o
pagar pela infra-estrutura para se ter água e luz, os problema na sua raiz. Nós, do Fórum dos Corti-
meios de transporte são acessíveis, tudo isso já ços, acreditamos que uma ocupação é uma medida
está no centro“. extrema, é um meio de conseguirmos a negociação
Entretanto, ressalva Verônica, “as famílias que de situações emergenciais, de fazer com que as
vão morar no projeto da Rua Maria Paula, têm autoridades da cidade, do estado e do país nos
acima de seis salários mínimos por mês, ou seja, as ouçam. Se eu tivesse ficado lá no meu Grupo de
famílias de pessoas já aposentadas, catadores de Base, eu estaria lá até hoje, consciente dos meus
rua, que ganham até três salários, continuam so- direitos e deveres, mas sem ter onde morar. Não
frendo uma grande exclusão social. Temos que queremos mais ocupações. Nossa intenção não é
nos preocupar realmente com a miséria da cidade manter famílias em ocupações, mas sim contribuir
de São Paulo, porque uma pessoa que ganha três para que elas tenham um projeto de moradia digna
salários mínimos vive muito mal e não consegue e lutem por ela. E a luta pela moradia é algo que
pagar aluguel.” mobiliza as pessoas de uma forma muito forte.
“O prédio da Rua Pirineus, também ocupado Quando falamos em moradia, queremos dizer sala,
pelo Fórum, é um outro exemplo: cada aparta- quarto, cozinha, banheiro, área de lazer. Uma
mento vai sair por R$ 17.500 e, incluindo o valor ocupação jamais vai nos oferecer isso”, conclui
do terreno, do projeto e da construção, vão custar Verônica.
R$ 24.000, o que é um valor justo se considerar-
mos que no Centro temos tudo, a praça, o metrô, A sede do Fórum dos Cortiços fica na Av. Ipi-
o posto de saúde, a escola etc. Em 25 anos, as ranga nº 1.267, cj. 1, sala 6, 14º andar, Centro e o
famílias vão pagar menos de R$ 100 por mês para telefone de contato é (11) 3326-4084 ou 9892-
ter sua casa própria. Por outro lado, morando em 1491 (com Verônica)
cortiços, o aluguel para essas famílias não seria
menor do que R$ 150 ou R$ 200”. Ouvidor, Consciência Política e Conquista
Por outro lado, Verônica destaca que o acesso
às escolas públicas tem sido difícil para as crianças O edifício da Rua do Ouvidor foi ocupado há
e adolescentes das ocupações: “as vagas das esco- cerca de quatro anos por três movimentos que
las da região são insuficientes ou não aceitam as lutam por moradia. Na ocasião, participaram o
crianças da Abolição por problemas com a com- Movimento por Moradia no Centro (MMC), o
provação de residência”. “Além disso, os postos Movimento do Belém-Moóca e a ULC, dos quais,
de saúde próximos também estão muito sobrecar- somente o MMC permaneceu no edifício. Apenas
regados e dificilmente conseguimos um atendi- umas cinco pessoas pertencem a outros movimen-
mento médico imediato em casos de emergência”, tos. Tatiana Oliveira, 23 anos, que participa ati-
diz Sueli. vamente assessorando a coordenação do MMC,
Em resumo, a vantagem de se morar no Cen- entende que devido à organização do seu movi-
tro, para as coordenadoras, é que nele estão os mento, ele foi o único que ficou na coordenação
bons equipamentos públicos, ainda que os mora- do prédio.
dores enfrentem dificuldades. “Por outro lado, O prédio pertence à Secretaria da Cultura e es-
sabemos que os limites da cidade de São Paulo já tava desocupado há cerca de 6 anos. As pessoas
encostaram nos outros municípios, ou seja, se as foram chegando e criando seus espaços de dormir
pessoas não vierem para o centro, que ainda tem o com madeirite. A cozinha, inicialmente, foi comuni-
potencial de receber muitos moradores, vão ter tária e permaneceu por um ano.
que procurar moradia em outros municípios. Da- Os principais fatores que levaram à escolha
qui a alguns anos, isso deve acontecer, mas, hoje, desse prédio para a ocupação são a sua situação na
as pessoas do movimento têm sua história muito época e sua localização. Era um edifício grande,
enraizada no centro, não querem sair daqui”, diz havia muito tempo que estava vazio e sem uso e
Sueli, que conheceu o movimento de moradia no ao lado de uma estação central de metrô e de um
Grupo de Base do Bom Retiro e hoje coordena terminal de ônibus. Além disso, é possível que a
esse mesmo grupo. maioria dos moradores nem precisem de condu-
É notável o fato de que o movimento, através ção para irem ao trabalho, pois a região central é o
das ocupações, tem uma contradição interna mui- principal espaço de atuação profissional dessas

44 Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central


pessoas. “Outros equipamentos como hospitais e ção, pois, para essas pessoas, a única preocupação
estabelecimentos comerciais e de serviços também é o acesso à casa própria e não há tanta motivação
são abundantes, já que estamos analisando o cen- nos trabalhos em grupo.
tro da Cidade”, diz Tatiana. Os equipamentos públicos são bastante pre-
Existe, atualmente, uma negociação com o sentes nas proximidades da ocupação. Mas, há um
Governo do Estado, mas nada concreta. Segundo claro descontentamento com as escolas públicas.
Tatiana, talvez a prefeitura esteja propondo a “As crianças morrem de medo de ir”, diz a entre-
compra do prédio. vistada, expressando um sentimento de inseguran-
Os moradores respeitam um conjunto de re- ça e reclamando da falta de creches ou EMEIs.
gras de convívio, como num condomínio, sujeitos Para Tatiana, o principal objetivo do movimen-
à perda do direito de morar no prédio, dependen- to é a conscientização dos problemas políticos e
do da gravidade da falta. “Qualquer ato dos mo- sociais no país e sobre maneiras de agir frente a
radores é associado à imagem do Movimento; eles. “A função de uma ocupação é política”, diz
portanto, a coordenação aplica as regras, tentando Tatiana. O MMC demonstra grande preocupação
ao máximo não se envolver com os problemas com a consciência de que ocupar o edifício é co-
pessoais dos moradores”. Há, mesmo assim, mui- locar-se politicamente e instrui seus participantes a
tos problemas interpessoais decorrentes da pouca não se acomodarem em um prédio deficiente nas
ou nenhuma privacidade a que estas famílias são condições de habitação. Há pouco tempo, 54 fa-
condicionadas. As dificuldades são agravadas mílias participantes do MMC foram contempladas
pelas condições das famílias com muitos filhos e com apartamentos de um edifício, situado na rua
dificuldades financeiras, causadas principalmente Fernão Sales, financiado pela Caixa Econômica
pelo desemprego. Federal, o que só foi possível devido aos acordos
Quando uma família chega, ela é cadastrada e entre a liderança do Movimento e o Banco. Devi-
entrevistada por um coordenador, que explica o do à ocupação de um outro edifício na rua Floria-
regimento interno e analisa um pouco da história no Peixoto pertencente ao Banco, este se dispôs a
das pessoas e a razão delas estarem vindo para negociar com o movimento. Tatiana foi umas das
uma ocupação. As pessoas são instruídas sobre o pessoas que mudaram para o novo prédio; por
comprometimento e o caráter de estarem entrando outro lado, muitas outras famílias estão na expec-
num movimento social. tativa e se sentem motivadas ao verem um projeto
A manutenção do edifício é garantida por uma sendo realizado. Foi através da reivindicação po-
taxa mensal de R$ 10,00 paga por cada morador. pular e da ação de ocupar prédios que se conse-
O dinheiro é utilizado para manutenção e trans- guiu chamar a atenção das respectivas instâncias
porte quando os moradores vão a atos públicos. A públicas e realizar o benefício para as famílias.
alimentação é de responsabilidade de cada família “O pessoal aqui está muito esperançoso; é gen-
e os moradores de cada andar cuidam da limpeza te limpando o nome, resolvendo problema de
do mesmo numa escala por eles organizada. divórcio, porque a Caixa é muito exigente em
Sempre são promovidos vários cursos, desde relação aos documentos”, diz Tatiana. Em relação
formação política e Seminários de Base até cursos ao projeto realizado, ela continua: “Esse é o nosso
de alfabetização de jovens e adultos, como o que maior exemplo e, por isso, a nossa maior motiva-
está sendo introduzido atualmente com o apoio da ção. Nós lutamos por um direito que não tínha-
prefeitura. Existem ainda parcerias com a Pastoral mos, que era o da moradia, e que, infelizmente,
da Criança, que financia a Escolinha das Crianças, e ainda não foi cumprido plenamente. Mas, os 54
com a universidade, através do Curso de Marxis- apartamentos já foram suficientes para mostrar
mo e do trabalho dos estudantes integrantes do que vale a pena lutar e, agora, eu espero que todo
Laboratório de Habitação do Grêmio da Faculda- mundo que está lá cumpra seu dever, que o Mo-
de de Arquitetura e Urbanismo da USP vimento passou para todo mundo até hoje”.
(LABHAB-GFAU).
O contato com outros movimentos se dá atra- A sede do MMC fica na rua do Ouvidor, 63, e
vés da Central de Movimentos Populares (CMP) e o telefone de contato é (11) 3107-5636.
da União de Movimentos de Moradia (UMM).
Segundo Tatiana, ambos têm a função de agregar Ana Cintra, Desafios na Busca por Qualidade
os movimentos, por exemplo, quando ocorrem de Vida
grandes atos. Porém, dadas as diferentes formas
de atuação de cada um dos movimentos por mo- As entrevistas com os moradores das ocupa-
radia, há dificuldade de um relacionamento mais ções são indispensáveis para a obtenção de infor-
estreito. mações essenciais sobre suas condições de
A entrevistada ressalta que nem todas as pes- habitabilidade.
soas que estão no prédio entendem as ocupações Na ocupação da rua Ana Cintra, a entrevistada
como um ato político, o que dificulta a organiza- foi Dona Maria Jaira Coelho Rodrigues de Andra-

Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central 45


de, moradora e membro da coordenação do Mo- não provocar brigas; o roubo, entre outras coisas,
vimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC). As também não é tolerado. Segundo Dona Jaira, "...
famílias moradoras do prédio se conheceram na se isso acontecer, a pessoa pode ser expulsa. Nós
ocupação do Hospital Matarazzo, na região da fazemos uma assembléia e todos decidem o que é
Avenida Paulista, onde residiram por nove meses melhor; tudo deve ser sempre na base da vota-
enfrentando condições muito precárias e sofrendo ção". Entre os motivos para a ocupação permane-
constantemente a ameaça de despejo. Devido a cer fechada a novas famílias, Dona Jaira destaca:
essas ameaças e às negociações infrutíferas com os "a família que vem de fora não passou por todo
órgãos responsáveis, o Movimento precisava esco- um trabalho de base, de como funciona o movi-
lher um outro local para acomodar as famílias. mento, quais as regras a serem respeitadas, enfim,
Dessa forma, devido à sua localização e disponibi- todo um trabalho de orientação indispensável".
lidade, o prédio da rua Ana Cintra foi o eleito. Às A ocupação está organizada em uma associa-
23h30 do dia 23 de maio de 1999, o prédio foi ção que possui autonomia em relação ao Movi-
ocupado por 72 famílias. mento, fator considerado positivo no que se refere
Ao chegarem, as famílias tiveram muitas difi- à relação deste com os moradores: "o Movimento
culdades com relação às condições do prédio, nos dá segurança, a gente não se sente só".
como conta Dona Jaira: " a água não subia para Os moradores desejam que o prédio seja re-
nenhum andar, a caixa d'água estava rachada e formado para que ofereça melhores condições de
havia muitos vazamentos e infiltrações". O prédio, vida e esperam contar com o direito de poder
que permaneceu por oito anos fechado, precisava voltar para casa, após o término da reforma. Logi-
urgentemente de reformas para se adaptar aos camente, essa reforma não é a única necessidade
novos moradores. A coordenação expôs a todas as dos moradores do prédio. Deve-se levar em con-
famílias os problemas para que as decisões fossem sideração a urgência de criação de creches, princi-
tomadas de maneira democrática, através de reu- palmente para as crianças de 0 a 4 anos, que,
niões periódicas que atualmente acontecem todo segundo Dona Jaira, são as mais prejudicadas. A
dia 10 de cada mês. Nessas reuniões, também são iniciativa para sanar essa necessidade está partindo
prestadas as contas dos gastos com manutenção, dos próprios moradores, que já planejam a criação
água, luz, limpeza e reparos. Os moradores se de um espaço para receber as crianças dentro da
responsabilizaram pelas dívidas do prédio, como ocupação.
com a conta de água que, quando chegaram, acu- A luta por moradia na região central é comum
mulava uma dívida de R$ 6.000,00 por mês devi- a todos os movimentos, por isso, a cooperação e a
do à existência de vários vazamentos, além de união entre os movimentos são extremamente
outras dívidas constituídas no período em que o importantes na tentativa de se fazer do centro um
prédio ficou desocupado. As melhorias básicas local de moradia digna, de trabalho, estudo, cultu-
foram feitas pelas famílias, segundo conta Dona ra e lazer, tendo a qualidade de vida como objeti-
Jaira: "primeiro nós fizemos a impermeabilização vo final. Os movimentos não têm porque lutarem
da caixa d'água; depois, arrumamos a bomba e a separados. Antigamente, éramos mais isolados,
luz dos corredores; a parte de dentro dos aparta- cada um pegava migalhas para si. Hoje é diferente,
mentos ficou sob a responsabilidade de cada famí- percebemos que temos as mesmas propostas. Por
lia moradora". que lutarmos separados?”, questiona Dona Jaira.
Inúmeras são as vantagens de morar na região
central, local privilegiado de referência para os A sede do MSTC fica na rua Ana Cintra, nº
habitantes da cidade. A principal vantagem apon- 123, e o telefone de contato é (11) 3362-2819.
tada é a liberdade de ir e vir com muita facilidade
devido à proximidade com o metrô e terminais 21 de abril, uma Luta pela Permanência no
urbanos: "o metrô é aqui perto e eu ainda tenho a Centro com Dignidade
opção de andar a pé. Morando no centro, tenho
um gasto a menos; aqui, por ser perto de tudo, eu Após visitarmos apenas quatro ocupações na
não dependo tanto de condução". A presença de área central de São Paulo, no dia 30 de junho, já
importantes equipamentos como hospitais e esco- pudemos constatar a variedade de histórias, de
las, entre outros que constituem a rica infra- funcionamentos, de papéis e de relações daquelas
estrutura da região central, é outra vantagem a- ocupações com os respectivos movimentos. A
pontada por ela. história da ocupação do edifício localizado à rua
Atualmente, com a saída de uma família, há 71 21 de Abril, nº 569, no Brás, demonstra a necessi-
morando no prédio, sendo elas as mesmas desde o dade, segundo relato de Sidnei Antonio Euzébio,
início. A ocupação permanece fechada à entrada coordenador da ocupação, de se reformar edifícios
de novas famílias. Para continuar no prédio, é vazios no centro e adequá-los ao uso residencial.
necessário seguir regras, como por exemplo, não Indagado sobre se aquela ocupação tinha uma
usar e/ou traficar drogas dentro da ocupação e função política ou se era para morar mesmo, disse:

46 Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central


“essa ocupação é realmente para morar, a gente um novo projeto, viabilizado pela CDHU através
faz política para morar, não o contrário”. do Programa de Atuação em Cortiços (PAC).
Em 1996, após a conclusão dos mutirões Celso Esta ocupação funciona segundo regras e nor-
Garcia (Brás) e Madre de Deus (Moóca), os moradores mas burocráticas, financeiras e de convivência,
junto às respectivas coordenações, através da Unifi- decididas em assembléias, votadas por todos. Já
cação das Lutas de Cortiços (ULC), resolveram dar existe um regimento interno e está sendo montada
continuidade à luta, formando o Grupo de Origem Celso uma associação dos moradores, com estatuto pró-
Garcia. Como na época, como conta Sidnei, a ULC prio, através de chapas. O descumprimento destas
era composta apenas por três grupos de origem – regras por algum morador é levado também à
Belém, Moóca e Celso Garcia – cada um continha assembléia e nela se decide qual será o encami-
muitos participantes. No grupo de origem Celso nhamento do problema. Hoje em dia, há uma
Garcia, em que havia muitas pessoas sem experiência coordenação composta por um coordenador re-
no movimento popular organizado, tinha-se criado presentante, um financeiro, um secretário e seus
uma grande expectativa de ocupar. Então, em julho respectivos vice-coordenadores – e serão criados
de 1997, foi ocupado o antigo prédio da Secretaria da conselhos fiscais. Os moradores pagam uma taxa
Fazenda, na rua do Carmo. A ocupação contava com de manutenção por mês e estão isentos do paga-
1.015 famílias e, após 54 dias, veio a reintegração de mento de água e luz, que fica por conta do
posse: “como não houve acordo antes, a negociação CDHU – “por isso há um controle muito grande
veio baseada em alguns confrontos; o batalhão de do nosso consumo, a gente tem um trabalho de
choque, como sempre, a polícia militar, bombeiros, estar conscientizando os companheiros para eco-
parlamentares que, juntos à nossa coordenação, pen- nomizarem ao máximo”. Os espaços coletivos
savam em alternativas”. estão sujeitos a uma limpeza periódica paga. Ge-
Surgia então a proposta deles se mudarem para ralmente, pessoas com problemas de dívidas na
um colégio desativado há 4 anos na Vila Talarico, ocupação contribuem com este trabalho, para
no distrito da Vila Matilde. A CDHU, à época, amortizar suas dívidas. Quando todos estão em
após um acordo assinado com uma comissão do dia, paga-se uma pessoa, podendo ser algum mo-
movimento, prometia que em 5 dias estaria resol- rador mesmo e a portaria funciona da mesma
vendo a situação, relocando os moradores. Passa- maneira. Há também um controle interno, um
ram-se porém um ano e 11 meses e nada de cadastro com uma ficha de cada família. E o que é
diálogo por parte do Estado. “E nesse tempo nós interessante, é que todos se conhecem, “é como
passamos muita dificuldade, com gente desempre- uma grande família – tem uma brigazinha daqui,
gada, pessoal passando fome, as 110 famílias que outra dali. Aqui é legal porque quando algum
foram para lá começaram a perder a esperança e companheiro briga com alguém lá de fora, sai
então foram indo embora: restaram 65 famílias e, todo mundo para defender aquele companheiro,
depois, 43. Essas 43 famílias sofreram muito e, devi- por mais que ele não seja compatível aqui dentro. É,
do às pressões dos vizinhos, e mesmo da ULC para quase cinco anos de história junto, já deu para criar
resolver a questão, a Secretaria da Educação repassou laço afetivo”. Todos que estão lá pretendem perma-
a escola para a polícia militar. Para resolver o impas- necer. Não há ninguém vinculado a algum outro
se, o governo propôs que a gente saísse do centro, programa, estão todos ali para morar, esperando pela
que fôssemos para um conjunto em Guaianazes”. obra de adequação à função residencial.
Porém, problemas burocráticos somados aos confli- A luta hoje na ULC e no 21 em particular é
tos com um movimento do local, impossibilitavam a que os programas de habitação contemplem a
ida dessas famílias para lá. população mais carente, cuja faixa de renda varia
“E nesse meio tempo a pressão continuava”, entre 0 e 3 salários mínimos, “as pessoas que pas-
relata Sidnei: “nós já tínhamos levado para a sam fome para não ir para a rua”, destaca Sidnei.
CDHU que aqui (na 21 de abril) já estava fechada Para ele, deve-se pensar em formas de manuten-
há 8 anos e que era uma reivindicação da ULC”. ção dos programas que não expulsem a população
Ao mesmo tempo, corria paralelamente o despejo dos conjuntos.
de uma ocupação do Movimento dos Trabalhado- E por que morar no centro? Sidnei levanta di-
res Sem Teto do Centro (MTSC), “e a única alter- versos aspectos: oferta de infra-estrutura e servi-
nativa dada pelo governo era vir para o 21”. Desta ços, concentração de empregos e oportunidades –
forma, hoje os dois movimentos dividem a ocupa- portanto, economia nos deslocamentos tanto para
ção do prédio, com portarias separadas e funcio- o trabalho, como para o supermercado, para a
namentos independentes. Hoje 142 famílias escola, etc; relação e identidade que os moradores
residem no edifício – 43 integrantes da ULC e o já têm com a região – muitos moradores têm sua
restante do MTSC – desde maio de 1999. O pré- história enraizada ali, pois “cortiço não é de hoje,
dio, um hospital particular desativado, envolvido é do século passado, e, queira ou não, eles têm
em uma série de problemas com dívidas, impostos uma vida dentro daquele lugar”; inchamento da
e escândalos, deverá ser demolido para dar lugar a periferia e questionamento da qualidade de vida

Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central 47


que ela oferece – portanto morar no centro é uma a moradia, que venha a saúde, que venha o trans-
“luta por uma moradia digna, que não se resume à porte, a educação, para todo o coletivo da cidade.
casa, mas a toda uma relação com o bairro”. “Ho- Eu acho que o movimento tem muito dessas coi-
je há muita gente que mora no centro, mas não sas – tem o curso de liderança, de formação, se-
dignamente. Nos cortiços, as condições são muito minários, discussão do ECA [Estatuto da Criança
precárias, você mora muito mal, mas pode ir a pé e do Adolescente] (...). Hoje o movimento tem
para o seu trabalho. O governo tem que ter um ampliado a discussão, tem se articulado mais e se
olhar sincero para essas famílias, que moram ali e articulado com outros movimentos. Se fosse fácil
estão contribuindo: compram carne, remédio, ter moradia com o salário que você ganha, o mo-
enfim, contribuem com imposto também”. vimento popular não seria necessário. Então, hoje,
Porém, como é a vida de quem mora em um o movimento também briga por melhores salários,
cortiço? ”Como eu morei muito tempo em corti- por creches (...), tem articulação com a CUT, e
ço, sei bem: quem mora em um cortiço, chega outras entidades. A gente discute a cidadania da
cansado do serviço, vai ver uma televisãozinha, população”.
fazer a janta, arrumar a marmitinha, para no outro Questionado sobre a linha de atuação dos mo-
dia ir trabalhar”. E diz ainda: “por isso não têm vimentos, responde que concorda com a prática
clareza do trabalho do Movimento Popular e aí que, “infelizmente chamam de invasão, quando na
que entram as entidades de estarem trabalhando verdade é ocupação, porque se dá em prédios
com essas famílias”. Este trabalho de base tem a desocupados, vazios. Hoje é o único mecanismo
finalidade de conscientizar os encortiçados dos de estar pressionando e mostrando para o governo
seus direitos, de “que eles podem estar morando que é uma realidade, que tem que haver moradia
no centro, mas com dignidade”. Ele mesmo conta para a população de baixa renda”.
que até 1996 achava que o movimento “era coisa
de louco”. Nascido no Belenzinho, sua família A sede da ULC fica na rua Canuto Saraiva, nº
sempre morou em pequenos cômodos no centro e 795, e os telefones de contato são: tel/fax: (11)
sua mãe começou a participar do movimento em 6604-6152 ou 9665-1447 (Sidnei)
1987. Já em 1996, adoeceu quando estava partici-
pando de um projeto de mutirão. Porém, como Autores:
não poderia faltar às reuniões, senão seria excluída
do projeto, pediu a ele que a representasse. So- Abolição, uma Conquista do Fórum dos Cortiços
mente com o tempo, Sidnei conta que foi “abrin- Juliana Breschigliari, estudante de Psicologia No IP-USP
do a cabeça”, se envolvendo e acreditando no jupa@psico.usp.br
movimento popular.
Para ele, o movimento amplia o horizonte de Ouvidor, Consciência Política e Conquista
pensamento da população: “lá você tem uma visão Wagner Isaguirre do Amaral, estudante de Arquitetura
completamente diferente, a sua cabeça começa a na FAU-USP
abrir para outro mundo. Se você precisa de mora- wsoro@uol.com.br
dia, você precisa de um hospital do lado, mas esse
hospital não é para você, é para o bairro, para os Ana Cintra, Desafios na Busca por Qualidade de
companheiros. Os movimentos de moradia abrem Vida
as portas para você ter uma moradia digna, porque Fernanda Pacheco, estudante de Arquitetura na FAU-
você, uma vez trabalhador, operário, não tem Mackenzie
como estar comprando a sua casa, financiada ou fernandaarq@bol.com.br
mesmo com dinheiro em cima de dinheiro na
hora. Essa luta te dá um monte de experiência de 21 de abril, uma Luta pela Permanência no Centro
vida, que você no futuro poderá compartilhar com com Dignidade
outras pessoas, podendo dar continuidade na luta Denise Invamoto, estudante de Arquitetura na FAU-USP
– porque essa é uma luta que não pára: que venha deniseinvamoto@hotmail.com

48 Comissão de Estudos Sobre Habitação na Área Central


Algumas das ocupações
Assessoria Ambiente

na região central

Presidente Wilson
Pirineus (1998)

labhab gfau
Mariana Fix

Paulino Guimarães

Casarão Santos Dumont


M. Fix
Júlia Andrade

Abolição
M. Fix
M. Fix

Brigadeiro Tobias

Ângela Amaral
Ouvidor
21 de Abril
Ana Cintra

Ângela Amaral
M. Fix

André Luiz Santos

Cinema da Moóca Fábrica da Pompéia


Ocupações na área central
levantamento preliminar

Sumário
Introdução 52
Casarão Santos Dumont 56
Pirineus 57
9 de Julho 58
Rua do Ouvidor 59
Floriano Peixoto 60
Ana Cintra 61
Hospital da 21 de abril 62
Paulino Guimarães 63
Abolição 64
Brigadeiro Tobias 65
Celso Garcia (Banespa) 66
Semab 67
Acampamento da Presidente Wilson 68
Alojamento Escola Manchester/Tamaindé 69
Rua Sólon 69
Cortiço do Cinema da Moóca 70
Fábrica da Pompéia 71
Joaquim Murtinho 72
Baronesa 72

Siglas utilizadas
MMC (Movimento de Moradia do Centro)
ULC (Unificação das Lutas de Cortiços)
MSTC (Movimento Sem-Teto do Centro)
UMM (União dos Movimentos de Moradia)
MSTRC (Movimento Sem-Teto da Região Central)
CEF (Caixa Econômica Federal)
PAR (Programa de Arrendamento Residencial)
PAC (Programa de Atuação em Cortiços)
CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo)
SEHAB-PMSP (Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura do Município de São Paulo)
HABI (Superintendência de Habitação Popular da SEHAB-PMSP)
LABHAB (Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP)
USP (Universidade de São Paulo)
FAUUSP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP)
CPOS (Companhia Paulista de Obras e Serviços)
FEPASA (Ferrovia Paulista Sociedade Anônima)
IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano)
INSS (Instituo Nacional de Seguridade Social)
INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social)
REFER (Fundação Ferroviária de Seguridade Social)
ADM (Associação em Defesa da Moradia)

Comissão de estudos sobre habitação na área central 51


Introdução Em 1995, a Secretaria de Justiça convocou
movimentos, pastorais, universidades, assessorias
técnicas, entre outros, para um Fórum da Cidada-
Nos anos 70 iniciou-se um processo de deslo- nia. Posteriormente ingressaram também a CDHU
camento da centralidade de São Paulo para o setor e a Secretaria de Estado da Habitação. Em conjun-
Sudoeste da cidade. Este deslocamento, que se to, movimentos, entidades e governo elaboraram
acentuou nos anos 80 e 90 em direção às margens uma proposta que seria depois denominada PAC –
do Rio Pinheiros, retirou do centro o papel de Programa de Atuação em Cortiços.
principal pólo da dinâmica econômica, deixando Porém, com a demora na implementação desse
como espólio centenas de edifícios vazios. programa, os movimentos passaram a apresentar
Conforme a Introdução deste relatório, esse es- listas de edifícios vazios na área central que pode-
toque de edifícios vazios na área central representa riam ser reciclados para uso habitacional, para
uma grande deseconomia para cidade, uma vez facilitar o trabalho da CDHU. Como apesar disso
que a região possui uma ampla rede de infra- nenhuma unidade foi iniciada, em 1997, como
estrutura e equipamentos ociosos. forma de pressão por uma política habitacional no
Ao mesmo tempo, a produção de moradia po- centro, os movimentos populares passaram a ocu-
pular historicamente ocorreu na periferia, em regiões par edifícios vazios na região.
distantes dos centros econômicos da cidade (que Os edifícios ocupados são em grande parte
são pólos geradores de emprego), pouco servidas propriedade do governo do estado, governo fede-
de infra-estrutura e equipamentos públicos, e de ral, ou de bancos, desocupados por muitos anos
difícil acesso. Como resultado, aumentou progres- por motivos como, por exemplo, a mudança de
sivamente o tempo de deslocamento entre a casa e localização dos órgãos públicos ou dos centros
o local de trabalho, serviço, comércio e lazer da financeiros (seguindo o movimento da elite para o
população – através de um sistema de transporte setor sudoeste), o enxugamento de estrutura dos
bastante precário –, além dos gastos com a instala- bancos e órgãos do estado, ou a não utilização de
ção de infra-estrutura. imóveis recebidos como pagamento de dívidas. Há
A auto-construção de moradia, “solução” encon- também edifícios privados que ficaram ociosos
trada por grande parte da população não atendida devido à perda de valor de mercado gerada pelo
pelos programas públicos – e que não consegue en- deslocamento da elite e de parte da atividade eco-
trar no mercado formal –, também se realiza para além nômica, como mencionado. São principalmente
das fronteiras da cidade formal, em favelas ou lotea- edifícios de hotéis, escritórios e residências, que os
mentos clandestinos e áreas de proteção ambiental. proprietários deixam fechados, aguardando uma
Por outro lado, um grande número de pessoas possível revalorização imobiliária.
encontra na precariedade da vida dos cortiços a Nas ocupações a ameaça de “despejo” é per-
única forma de morar perto da cidade consolidada, manente e vários dos edifícios já tiveram suas
pagando aluguel ainda mais alto do que no merca- reintegrações de posse executadas, muitas vezes
do formal, como mostraram pesquisas apresenta- por meio de ação policial violenta. Um exemplo
das nas sessões da comissão por Sílvia Schor dessa situação é o Casarão Santos Dumont, na
(Fipe), Penha Pacca (Pleno) e Luiz Kohara (ver Rua Cleveland, de propriedade do governo do
sessões 2, 3 e 6, respectivamente). estado, que estava vazio, sem nenhum uso, e foi
Diante dessa situação, no final dos anos 1970, ocupado por movimentos de moradia da região.
os moradores de cortiço começam a se organizar. Apesar de ter sido feito um estudo na CDHU para
A pauta de lutas dos movimentos que se forma- construção de unidades habitacionais no fundo do
vam incluía: relação de locação sem intermediários terreno (que seria utilizado como “pulmão”, ou
(diretamente com o proprietário), contas de água e seja, unidades provisórias), o governo requereu a
luz cobradas de maneira justa e melhoria das con- reintegração de posse, executada com violência.
dições de moradia. Contudo, esses movimentos Os moradores, sem outra opção, foram para al-
encontraram muita resistência e não conseguiam bergues, cortiços ou favelas na região. Nesses
interlocução com o Governo do Estado. processos, as crianças correm o risco de perder o
Entre 1989 e 1992, durante a administração ano letivo e os adultos, o emprego.
Luiza Erundina (Partido dos Trabalhadores), fo- Contudo, alguns dos edifícios permanecem o-
ram iniciadas algumas experiências piloto de pro- cupados até que alguma solução seja encontrada,
dução de unidades habitacionais no centro, dentro como a reforma do imóvel ou a construção de
de um programa de moradia para a região (ver moradia em outro local. Um exemplo é o projeto
Sessão 2). Entretanto, os projetos não tiveram da rua Fernão Salles, elaborado pela arquiteta He-
continuidade nas gestões seguintes, que dificulta- lena Saia, em conjunto com o Movimento de Mo-
ram a liberação de verbas para o prosseguimento radia do Centro, o primeiro viabilizado através do
dos mutirões existentes e não iniciaram novos Programa de Arrendamento Residencial. Este
empreendimentos. programa da Caixa Econômica Federal, com recur-

52 Comissão de estudos sobre habitação na área central


sos do Fundo de Garantia, foi lançado em abril de partida para uma ação em escala, que enfrente o
1999, após ser aprovado pelo Conselho Curador do problema na sua real dimensão e tenha um impacto
FGTS, com a intenção de viabilizar projetos nas significativo na oferta de moradias.
áreas centrais das capitais. Posteriormente o aten- .
dimento foi estendido também às cidades médias. Sobre a elaboração da pesquisa
Além desse projeto, no início de 2001 foram
assinados convênios para a reforma dos edifícios Foram pesquisadas ocupações indicadas pelos
na avenida Celso Garcia (Banespa) e na rua Maria representantes dos quatro movimentos de moradia
Paula; outros projetos estão em estudo. que participaram da sessão da Comissão de Estu-
Já o primeiro convênio firmado com a dos sobre as condições de vida nos cortiços e
CDHU foi para a construção de novas unidades ocupações na área central. Essas ocupações são de
na rua Pirineus. O projeto já foi aprovado mas as dois tipos: 1) aquelas realizadas diretamente pelos
obras não se iniciaram até hoje. movimentos, com objetivo de pressionar o gover-
Nos casos de edifícios reformados, ou novas no a realizar uma política habitacional para a regi-
unidades construídas em locais ocupados, a difi- ão (p. 56-69) e, ao mesmo tempo, abrigar pessoas
culdade de se viabilizar alojamento provisório para que não têm onde morar; e 2) antigos cortiços que
os moradores durante a realização das obras indica em algum momento passaram a ser assessorados
a importância da construção de unidades para essa por movimentos organizados (p. 69-72)
finalidade. A intenção não foi de realizar um levantamento
Além disso, a demora nas negociações, que têm exaustivo, mas montar um quadro que permitisse à
se arrastado por muitos anos, traz dificuldades Comissão de Estudos aproximar-se dos problemas
adicionais aos moradores das ocupações, que pas- enfrentados no dia-a-dia pelos moradores e mo-
saram a administrar a vida em condomínio em vimentos populares. Os dados foram coletados
situação de grande precariedade. Em cada caso principalmente a partir de entrevistas com as lide-
optou-se por uma forma diferente de se organizar, ranças dos movimentos e com as assessorias técni-
divulgar informações, cuidar da limpeza das áreas cas, mas também através de consultas a órgãos
de uso comum, da portaria, dos problemas de públicos, documentos e visitas aos locais. Não fo-
manutenção etc, geralmente sem nenhum recurso ram obtidas as mesmas informações sobre todas as
ou apoio de instâncias do governo. Os moradores ocupações e por isso as fichas apresentam diferen-
trabalham com assessorias técnicas, profissionais ças entre elas. Os dados sobre a data da construção,
ou estudantes que desenvolvem projetos e estudos área construída, área do terreno e valor venal foram
de viabilidade, acompanham as negociações com fornecidos pela Secretaria de Finanças.
os proprietários e o estado. Contudo, essas ativi- Como as informações referem-se a uma reali-
dades são desenvolvidas, em geral, sem garantia de dade dinâmica, as fichas foram atualizadas pela
remuneração às equipes, que depende da aprova- última vez no momento da publicação, mas po-
ção do empreendimento. dem conter alguma informação desatualizada ou
Ainda assim, os projetos em estudo, em negoci- imprecisão por desconhecimento no fechamento
ação ou já realizados, apesar das dificuldades en- da edição.
frentadas – tanto na relação com o governo, quanto Por fim, esperamos que outras pesquisas sejam
nas negociações com os proprietários –, são exem- desenvolvidas com pontos de vista variados para
plos da viabilidade da construção, reforma e recicla- aprofundar o conhecimento sobre a situação das
gem de edifícios na área central para habitação de ocupações e contribuir na superação das dificulda-
interesse social. Esses projetos não podem perma- des enfrentadas por aqueles que lutam por mora-
necer apenas como experiências piloto, ou seja, dia na região central da cidade.
intervenções pontuais; mas devem ser um ponto de

Comissão de estudos sobre habitação na área central 53


O Movimento de Moradia e as
Ocupações do Centro de São Paulo:
fotos das ocupações visitadas

M. Luiza L. Martinelli Secretaria Municipal de Cultura/DPH/DIM/STHIMIFCSP

M. Luiza L. Martinelli
entrada da ocupação na rua do Ouvidor ocupação na rua 21 de Abril – Portaria da ULC

M. Luiza L. Martinelli

visita do edifício na Rua Ouvidor

54 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Francisco Barros
K. K. Alcovér

ocupação na rua da Abolição – interior de uma unidade

vista ao edifício na rua Ana Cintra


K. K. Alcovér – Secretaria Municipal de Cultura/DPH/DIM/STHIMIFCSP

ocupação na rua Ana Cintra: debate realizado durante a visita no dia 30 de junho

Comissão de estudos sobre habitação na área central 55


Casarão Santos Dumont

endereço Alameda Cleveland, 601, Santa Cecília


proprietário Governo do Estado de São Paulo
data da construção 1929
área construída 1680 m2
área do terreno 3019 m2
valor venal do terreno R$ 830.177,00
valor venal da construção R$ 70.013,00
uso original Residência do irmão do Santos Dumont, depois escola
tempo de ociosidade Foi ocupado várias vezes e a posse foi reintegrada para o Governo
do Estado, que mantém o imóvel sem uso.
débitos IPTU R$ 81.820,53
data da ocupação 9 de março de 1997
movimento responsável MSTC no período que antecedeu a última reintegração. Em 1997
havia sido ocupado pelo Fórum de Cortiços, e anteriormente pela
ULC
assessoria técnica Ambiente
número de famílias na ocupação 57
número de unidades no projeto 120
histórico e situação atual A posse foi reintegrada pelo Governo do Estado em 5 de abril de
2001. O Governo do Estado anunciou destinação do imóvel para
um “Museu da Eletricidade”. Os moradores receberam R$2.100,00
da Prefeitura Municipal de São Paulo, voltaram para as favelas do
Gato, do Moinho e para cortiços no entorno.
dados fornecidos por Movimento Sem-Teto do Centro, Fórum de Cortiços

56 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Pirineus

endereço Rua Pirineus, esquina com Brigadeiro Galvão


proprietário Governo do Estado de São Paulo
proprietário anterior Universidade de São Paulo
(quando foi ocupado)
data da construção 5 casas (já demolidas) construídas entre 1945 e 1957
uso original residencial
valor venal dos imóveis Brigadeiro Galvão, 23: R$13.857,00; Brigadeiro Galvão, 31:
R$ 15.901,00; Pirineus, 117: R$ 49.443,00; Pirineus, 119:
R$ 39.055,00
valor atual dos imóveis Comprados por R$ 175.000,00
data da ocupação abril de 1997
movimento responsável Fórum de cortiços
assessoria técnica Ambiente
número de famílias na ocupação cerca de 30
número de unidades no projeto 28
custo de aquisição Conjunto dos sobrados vendidos por R$ 175.000,00 em 1999
histórico e situação atual As cinco casas eram de propriedade da USP e estavam fechadas para
a venda. Foram ocupadas pelo Fórum de Cortiços em 1997 e devido
à pressão do movimento foram compradas pela CDHU, em no-
vembro do mesmo ano. A assessoria técnica Ambiente foi contratada
para elaborar os projetos, que levaram dois anos para ser aprovados
na Prefeitura, enfrentando várias dificuldades. A primeira foi gerada
por uma Lei de Melhoramento de 1929 que incidia sobre o terreno,
determinando a perda de uma faixa 3,15m de largura, o que não foi
apresentado à assessoria no momento da compra dos imóveis. Após
negociações, contudo, conseguiram perder uma faixa menor, de
2,50m de largura. A segunda dificuldade deveu-se às limitações da
Legislação de Interesse Social para recuperação de edifícios. Após a
aprovação do projeto, em dezembro de 2000, iniciaram-se os enten-
dimentos entre a Prefeitura e Caixa Econômica Federal para aprova-
ções ágeis dos imóveis para o programa PAR, com características
semelhantes.
O projeto substitui as casas por um edifício composto por pavimento
térreo, cinco pavimentos tipo e cobertura, áreas de lazer coberta e des-
coberta, com 28 unidades habitacionais. A Associação dos futuros 28
moradores têm um contrato com a CDHU de financiamento para
construção das moradias em regime de mutirão com auto gestão – as
casas existentes já foram demolidas por mutirão dos moradores. (Pro-
jeto reproduzido no Anexo.) Atualmente aguardam definição da
CDHU–PAC para o início da construção. A CDHU determinou que
não será mais realizada em regime de mutirão, mas sim por empreiteira.

dados fornecidos por Ambiente, Fórum de Cortiços

Comissão de estudos sobre habitação na área central 57


9 de Julho

endereço Av. 9 de Julho, 570/84


proprietário INSS
data da construção 1959
área construída 19500 m2
área do terreno 1620 m2
valor venal do terreno R$ 731.396,00
valor venal da construção R$ 3.309.595,00
uso original Serviços (consultórios do INAMPS) e residência nos andares superio-
res
tempo de ociosidade cerca de 12 anos
situação fundiária do imóvel Problemas com as matrículas (não estão regularizadas)
data da ocupação 2 de novembro de 1997
movimento responsável Movimento Sem-Teto do Centro assessora
assessoria técnica Ambiente
número de famílias na ocupação 86
número de unidades no projeto 151
custo estimado aquisição/reforma Estão tentando negociar em R$ 1.300.000,00. A última avaliação da
CEF foi em R$ 1.950.000,00 e a inicial havia sido R$ 2.400.000,00.
No momento a CEF está esperando o INSS se posicionar sobre o
valor.
histórico e situação atual As famílias vieram de cortiços com ameaça de despejo de várias áreas
do Centro, como Bom Retiro, Brás, Moóca, Bela Vista ou Casa Ver-
de.
O empreendimento será feito através do PAR. Estão esperando que
o INSS forneça os documentos para a CEF, mas o INSS alega pro-
blemas internos. O projeto foi aprovado na Prefeitura.
O Fórum de Cortiços também teve participação importante para a
viabilização do empreendimento.
dados fornecidos por Ambiente e Movimento Sem-Teto do Centro

58 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Ouvidor

endereço Rua do Ouvidor, 63, Centro


proprietário Governo do Estado de São Paulo (Secretaria da Cultura)
data da construção 1970
área construída 2100 m2
área do terreno 370 m2
valor venal do terreno R$ 273.564,00
valor venal da construção R$ 1.122.642,00
valor atual do imóvel Secretaria espera receber entre 500 e 600 mil reais
uso original Departamento da Secretaria da Cultura
tempo de ociosidade desocupado há cerca de 10 anos
débitos IPTU R$ 122.773,27
data da ocupação 12 de dezembro de 1997
movimento responsável Movimento de Moradia do Centro
assessoria técnica Laboratório de projeto integrado e participativo para requalificação
de cortiço (ver abaixo). Atualmente, estudantes da USP promovem
atividades de formação política.
número de famílias na ocupação 87
número de unidades no projeto 57
custo estimado aquisição/reforma Cerca de R$ 340 mil para reforma e R$ 600 mil para aquisição
situação do empreendimento Entre 4 e 12 de setembro de 1999 foi promovido – pelos Escritório
Piloto de Grêmio Politécnico da USP e pela Escola de Pós-
Graduação “Tecnologia, Architetura e Cittá nei paesi in via di svilup-
po” do Politecnico di Torino – o Laboratório de Projeto Integrado e
Participativo para Requalificação de Cortiço, com participação de
professores, pesquisadores e estudantes de várias universidades, pro-
fissionais de organizações não governamentais e de instituições, re-
presentantes dos movimentos de moradia e outros convidados. O
Laboratório realizou um levantamento sócio-econômico, físico, jurí-
dico e de aspectos interpessoais, elaborou uma Proposta de Projeto
Integrado e Participativo (incluindo proposta arquitetônica e de en-
genharia, de ações sociais e de viabilidade jurídico financeira) e um
Projeto de Ação Imediata.
Atualmente o MMC procura viabilizar a compra do imóvel. De acordo
com o movimento, a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo afir-
mou que aceitaria uma proposta da CEF entre R$500 e R$600 mil reais,
mas as lideranças estão desesperançosas em relação à efetivação da com-
pra. Na última negociação a CDHU se comprometeu a encaminhar a
questão junto à Secretaria da Cultura e informará o movimento sobre a
possibilidade do imóvel ser comprado ou transferido para a CDHU.
dados fornecidos por MMC e Caderno do Laboratório de Projeto Integrado e Participativo
para Requalificação de Cortiço (de autoria de todos os participantes do
Laboratório, com organização de Francisco Comaru e Letizia Vitale,
apoio do Escritório Piloto do Grêmio Politécnico da USP), 1999

Comissão de estudos sobre habitação na área central 59


Floriano Peixoto

endereço Rua Floriano Peixoto, 60


proprietário Caixa Econômica Federal
uso original Passou por vários usos, incluindo correio
tempo de ociosidade cerca de 10 anos
data da ocupação 25 de setembro de 1998
movimento responsável Movimento de Moradia do Centro
assessoria técnica Helena Saia
número de famílias na ocupação 47
número de unidades no projeto Não serão construídas unidades no local. Moradores devem ir para o
edifício reformado na rua Fernão Salles, ou para as ocupações da rua
Presidente Wilson e da rua do Ouvidor.
situação atual O prédio será entregue quando ficarem prontas as unidades do proje-
to da Rua Fernão Salles, elaborado pela arquiteta Helena Saia, em fase
final de reforma, com financiamento da Caixa Econômica Federal. O
imóvel está inserido em um projeto mais amplo da Caixa Econômica
Federal.
dados fornecidos por Movimento de Moradia do Centro

60 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Ana Cintra
Associação comunitária de moradores 23 de maio“Terceira Vitória” Ocupação São João

endereço Rua Ana Cintra, 123


proprietário Governo do Estado de São Paulo (CDHU)
proprietário anterior Particular
(quando foi ocupado)
uso original Moradia
tempo de ociosidade aproximadamente 5 anos
data da ocupação 13 de maio de 1999
movimento responsável Movimento Sem-Teto do Centro assessora
assessoria técnica O projeto em elaboração pela CDHU
número de famílias na ocupação 71
número de unidades no projeto 70
custo estimado aquisição/reforma . Adquirido por R$ 1.800.000 pela CDHU através de desapropriação
histórico e situação atual As famílias vieram de um hospital desativado, o antigo Hospital
Matarazzo, no qual moraram por nove meses. Em vias de serem
despejadas ocuparam esse imóvel da Ana Cintra.
O projeto será feito pela CDHU. O MSTC está negociando alojamen-
to para as famílias durante as obras, que estão em fase de licitação.
dados fornecidos por Movimento Sem-Teto do Centro

Comissão de estudos sobre habitação na área central 61


Alojamento da rua 21 de abril

endereço Rua 21 de abril, Brás


proprietário Governo do Estado de São Paulo (CDHU)
proprietário anterior Hospital Maternidade Nossa Sra. da Conceição
(quando foi ocupado)
data da construção 1964
área construída 4983 m2
área total 2992 m2
valor venal do terreno R$ 674.130,00
valor venal da construção R$ 1.539.766,00
uso original Hospital
tempo de ociosidade cerca de 7 anos
data da ocupação Maio de 1999
movimento responsável Unificação das Lutas de Cortiços e MSTRC
assessoria técnica CDHU (elaboração do projeto)
número de famílias na ocupação 213
custo estimado aquisição/reforma Há um processo de desapropriação (nº 2103198 na 2ª vara da fazenda
pública). A CDHU depositou R$ 2.120.00,00 emjuízo. Laudo pericial
realizado no processo definiu o valor em R$ 3.315.337,00.
histórico e situação atual Parte das famílias chegaram em maio de 1999 de uma escola desativada na
Vila Talarico, na Vila Matilde, zona leste. Antes de se abrigarem na escola,
haviam sido despejadas de um prédio vazio no Centro, na Rua do Carmo,
pertencente a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, ocupado em
junho de 1997. Outras 170 famílias são provenientes de outro despejo, ocor-
rido num prédio particular, na rua Riachuelo, também no Centro.
Esse imóvel foi o primeiro adquirido através de processo de desapropriação
pelo Governo do Estado com verbas do PAC. O hospital faliu e estava
fechado. Porém, estudo de viabilidade efetuado concluiu pela inviabilidade
de transformá-lo em habitação popular: seria mais barato e menos compli-
cado demoli-lo e construir nova edificação. Em negociações com o Gover-
no do Estado a ULC apresentou duas propostas: que o governo comprasse
o prédio ocupado do Banespa e fizesse a transferência dos atuais moradores
para o prédio, viabilizando a reforma, ou incluísse as famílias na demanda do
projeto Fepasa/Pari. Já foi realizada a licitação para demolição do edifício,
aguardando emissão da ordem de serviço, prevista para depois da definição
do destino de moradia provisória dos atuais moradores. Também já foi
licitada a execução do processo e definida a empresa responsável. O prazo
para elaboração do projeto é de 6 meses e a solicitação é de 200 unidades
com área de lazer. O PAC prevê atendimento de todas as famílias, mas não
necessariamente no mesmo projeto. Está em discussão onde e como as
famílias serão atendidas. O prédio do Banespa será reformado (ver p. 66).
Os dados referem-se às famílias que ocupam o pavimento térreo, da ULC.
dados fornecidos por Unificação das Lutas de Cortiços, documento da CDHU

62 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Ocupação Paulino Guimarães
Associação comunitária povo nobre união e cidadania

endereço Rua Paulino Guimarães, 224


proprietário Governo do Estado de São Paulo (Secretaria da Fazenda)
data da construção 1970
área construída 1032 m2
área do terreno 300 m2
valor venal do terreno R$ 24.318,00
valor venal da construção R$ 148.377,00
tempo de ociosidade aproximadamente 8 anos
débitos IPTU/outros R$ 41.787,33
data da ocupação Julho de 1999
movimento responsável Movimento Sem-Teto do Centro e Fórum dos Cortiços
assessoria técnica Não há
número de famílias na ocupação 97
histórico e situação atual Inicialmente, o movimento tinha proposta de aquisição do imóvel e
reforma através da CDHU. Contudo, estudo de viabilidade da
CDHU concluiu pela inviabilidade de transformar em habitação o
edifício, que teria que ser demolido. O imóvel será devolvido ao Go-
verno do Estado. As famílias foram cadastradas e receberão propos-
ta de carta de crédito, com subsídio.
dados fornecidos por Movimento Sem-Teto do Centro e Fórum de Cortiços

Comissão de estudos sobre habitação na área central 63


Abolição

endereço Rua da Abolição, 431, Bela Vista


proprietário Governo do Estado de São Paulo (Secretaria da Fazenda)
uso original Antiga financiadora da Logiprev
tempo de ociosidade Aproximadamente 15 anos
data da ocupação 24 de outubro de 1999
movimento responsável Fórum de Cortiços
assessoria técnica Fábrica Urbana
número de famílias na ocupação 110
número de unidades no projeto 75 unidades em outro edifício, situado na Rua Maria Paula (as outras
famílias devem ser incluídas em projeto na ocupação Semab ou para
o terreno na Armênia)
custo estimado aquisição/reforma Não será realizada reforma na Abolição, mas sim em imóvel na Rua
Maria Paula, a um custo de R$ 1.000.000,00, ou seja, R$ 22 mil por
apartamento, incluindo reforma e compra.
Histórico e situação atual A ocupação da Abolição foi uma das seis simultâneas realizadas na
mesma noite, em 1999. O edifício não será reciclado para moradia e o
Governo do Estado ganhou ação de reintegração de posse. A execu-
ção da reintegração foi adiada várias vezes, devidos às negociações do
movimento. Atualmente o prazo dado pelo Governo para a desocu-
pação do imóvel é setembro de 2001, mas o movimento continua
lutando para permanecer no imóvel até que fiquem prontas as unida-
des da rua Maria Paula.
O edifício da rua Maria Paula foi comprado através do PAR, depois
de negociações entre o movimento e os proprietários. O projeto foi
desenvolvido pela assessoria técnica Fábrica Urbana, as obras se ini-
ciaram e a previsão é de que os apartamentos sejam entregues em
meados de 2002.
dados fornecidos por Fórum de Cortiços, Fábrica Urbana

64 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Brigadeiro Tobias

endereço Rua Brigadeiro Tobias, 290/298/300


proprietário Fundação Rede Ferroviária de Seguridade Social
data da construção 1944
área construída 5400 m2
área terreno 718 m2
valor venal do terreno R$ 239.474,00
valor venal da construção R$ 7.299.544,00
uso original Escritórios da Rede Ferroviária Federal
tempo de ociosidade mais de 10 anos
data da ocupação novembro de 1999
movimento responsável Movimento Sem-Teto do Centro e UMM/Oeste
assessoria técnica Integra Cooperativa de Trabalho Interdisciplinar
número de famílias na ocupação 40
número de unidades no projeto 84
custo estimado aquisição/reforma R$ 800 mil aquisição (valor está novamente em negociação devido
aos resultados do laudo técnico (ver abaixo)); R$ 240 por m2 ou R$25
mil por unidade.
histórico e situação atual As famílias vieram de cortiços ou pagavam aluguel em outros imó-
veis, e sob ameaça de despejo ocuparam o edifício. O prédio já havia
sido ocupado anteriormente por sem-tetos não participantes de mo-
vimentos organizados. Para aprovação do projeto, que já conta com
alvará de construção, o caminho foi o mesmo seguido no caso do
prédio do Banespa (ver página 66). Já foi indicada uma construtora
que encaminhou o processo na CEF, mas não foi efetuada a compra.
Como as plantas de estrutura não foram disponibilizadas pelo propri-
etário, recentemente foi realizado um laudo no qual se constatou a
necessidade de reforços estruturais para a reforma. Será realizado um
novo orçamento para ver se o empreendimento será viável dentro
dos parâmetros do PAR. O valor do edifício está sendo renegociado
com a REFER e a assessoria está estudando novamente a viabilidade
da reforma.

dados fornecidos por Integra Cooperativa de Trabalho Interdisciplinar, Movimento Sem-


Teto do Centro

Comissão de estudos sobre habitação na área central 65


Celso Garcia (Banespa)

endereço Av. Celso Garcia, 787, Brás


proprietário Banco do Estado de São Paulo
data da construção 1965
área construída 3194 m2
área do terreno 823 m2
valor venal da construção R$ 1.029.568,00
valor venal do terreno R$ 223.544,00
uso original agência bancária
tempo de ociosidade cerca de 9 anos
valor atual do imóvel Foi comprado por R$ 559.000,00
data da ocupação 3 de dezembro de 1999
movimento responsável Unificação das Lutas de Cortiços
assessoria técnica Integra Cooperativa de Trabalho Interdisciplinar
número de famílias na ocupação 250 participaram na ocupação e 80 moraram até o início da reforma
número de unidades no projeto 79 unidades, com 29m2 de área bruta
custo estimado aquisição e refor- R$ 21.400,00 por apartamento de 28m2 de área útil em média (inclu-
ma indo compra do prédio e do terreno, custo da reforma, projetos,
fiscalização, impostos, seguro de término de obra da CEF etc); custo
da reforma equivale a R$ 229,00 por m2
histórico e situação atual O edifício estava vazio e foi a leilão várias vezes sem que aparecessem interessados.
Foi ocupado pelo movimento de moradia e iniciaram-se negociações com a CDHU,
Secretaria Estadual de Habitação, Sehab e Cohab, e CEF, sempre com assessoria da
Integra. A única resposta obtida veio da CEF que analisou o projeto e se interessou
em financiar a reforma e mudança de uso do imóvel através do PAR.
O movimento e a assessoria negociam com o proprietário, o Banespa, mostrando
intenção de comprar o imóvel com financiamento da CEF. Durante a ocupação
foi a leilão por mais duas vezes, e não apareceu comprador.
O projeto foi aprovado na Prefeitura com grande dificuldade, porque na legislação
existente não era adequada para reforma e reciclagem, mas voltada a construção de
novos edifícios. Foi realizado convênio com Habi para caracterizar o empreendi-
mento como de interesse social, mas mesmo a legislação de Habitação de Interesse
Social não contemplava a complexidade da reforma, nos seus aspectos arquitetô-
nicos, técnicos e financeiros. A tramitação passou por uma comissão especial no
departamento de aprovações para ser definitivamente aprovado e emitido o alvará
de construção.
Após consulta à CEF, movimento e assessoria indicaram uma construtora cadas-
trada. Esta construtora adquiriu o edifício por R$ 559 mil para realizar a reforma,
financiada pela CEF, que após análise de risco de crédito individual de cada candi-
dato à mutuário irá definir a demanda final a ser atendida.
O contrato de compra e venda foi assinado e em seguida iniciaram-se as obras, em
junho de 2001. Como não houve solução para o alojamento, os abril. A duração
prevista das obras para entrega das unidades é de 7 meses no total moradores
estão provisoriamente em casa de parentes, ou na ocupação da Rua 21 de.

dados fornecidos por ULC e Integra Cooperativa de Trabalho Interdisciplinar

66 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Comissão de estudos sobre habitaç Tw (3.0267 a lea central.16 -785.04 0 0 rg 67 Tw 2 Tj 13
Acampamento da Presidente Wilson

endereço Av. Presidente Wilson, 3652/3674


proprietário Governo do Estado de São Paulo (CPOS)
área do terreno cerca de 5000 m2 (levantamento LabHab)
uso original indústria
débitos IPTU cerca de R$ 100 mil reais
valor venal R$ 1,089 milhão de reais
valor atual R$ 230,00/m2 a R$ 280,00/m2 (avaliação prévia de
imobiliárias)*
data da ocupação 28 de janeiro de 2000
movimento responsável Movimento de Moradia do Centro
assessoria técnica FAUUSP
número de famílias na ocupação aproximadamente 100
número de unidades no projeto 220
histórico e situação atual O terreno foi cedido pelo governo em negociação
por conta da ação de reintegração de posse de uma
ocupação na rua Libero Badaró (Banco Nacional).
O imóvel está situado em zona industrial, sendo
necessária mudança de zoneamento para possibilitar
uso habitacional.
Um grupo de cerca de 15 estudantes – integrantes
do LabHab do Grêmio da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da USP– formou-se um novembro de
1999, a partir do “Laboratório de Projeto Integrado
e Participativo para Requalificação de Cortiço”,
realizado na ocupação da Rua Ouvidor (ver página
59). Esse grupo trabalhou com o MMC na ocupa-
ção da rua Libero Badaró, e depois da desocupação
daquele imóvel iniciou um projeto na Presidente
Wilson em duas frentes: Projeto Imeditado e Proje-
to Definitivo.
Os estudos foram apresentados para a Secretaria da
Habitação, mas deverão ser desenvolvidos em
conjunto com uma assessoria técnica.
dados fornecidos por Movimento de Moradia do Centro, documento da
CDHU, LabHab Gfau

68 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Alojamento Escola Manchester/Tamaindé

endereço Rua Ganges, 727, Vila Manchester


proprietário Governo do Estado de São Paulo (Secretaria da Fazenda)
tempo de ociosidade Desativada a mais de 4 anos
data da ocupação Julho de 2000
movimento responsável Unificação das Lutas de Cortiços
assessoria técnica Não há
número de famílias na ocupação 120 famílias
histórico e situação atual As famílias são oriundas de uma reintegração de posse de fábrica
também desativada na Luz, em abril de 1999.
Não pode ser transformado em habitação, de acordo com a CDHU,
e será devolvido à Fazenda do Estado. A CDHU está desenvolvendo
estudo de viabilidade para construção de 138 unidades novas em
outro terreno, com 40m2 cada.
dados fornecidos por Unificação das Lutas de Cortiços, CDHU

Rua Sólon

endereço Rua Solon, 934


proprietário Particular
área terreno 12.583 m2
valor venal do terreno R$ 91.963,00
data da ocupação cortiço antigo que o movimento passou a acompanhar
débito IPTU R$ 47.450,86
movimento responsável ULC acompanha
número de famílias na ocupação 74 famílias
dados fornecidos por Unificação das Lutas de Cortiços

Comissão de estudos sobre habitação na área central 69


Cortiço do Cinema da Moóca

endereço Rua da Moóca, 3420, Moóca


proprietário Governo do Estado de São Paulo
data da construção 1959
área construída 19500 m2
área do terreno 1620 m2
valor venal do terreno R$ 294.647,00
valor venal da construção R$ 338.994,00
uso original residência
data da ocupação Foi encortiçado no final da década de 1960. O
movimento iniciou organização das famílias em
1985.
movimento responsável Unificação das Lutas de Cortiços
assessoria técnica Não há
número de famílias na ocupação 125 famílias
número de unidades no projeto 238 unidades de 52m2 cada

dados fornecidos por Unificação das Lutas de Cortiços e documento da


CDHU

70 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Fábrica da Pompéia

endereço Rua General Góes Monteiro, 89


proprietário particular
data da construção década 1970
uso original fábrica de equipamentos acústicos
tempo de ociosidade cerca de 2 anos meio
situação fundiária do imóvel em litígio junto ao Banco Santander
data da ocupação 1997 pelos sem-teto, em 2000 o movimento passou a acompanhar
movimento responsável Fórum de Cortiços assessora
assessoria técnica Integra Cooperativa de Trabalho Interdisciplinar
número de famílias na ocupação aproximadamente 40
número de unidades no projeto 48 (em projeto mencionado abaixo, que não destina a totalidade do
terreno para moradia)
custo estimado aquisição lance mínimo do último leilão R$ 890.000,00, em 2000
histórico e situação atual Edifício foi ocupado por moradores de rua, que depois enfrentaram
problemas quando o proprietário resolveu vender o imóvel. Houve
uma aproximação com a ADM através da liderança e de um dos
moradores que é advogado; foram orientados pela ADM a procurar o
Fórum de Cortiços. Enfrentaram problemas como o corte de água,
mas negociaram junto à Sabesp, com participação do movimento e
do deputado Henrique Pacheco, e conseguiram que o abastecimento
fosse restabelecido.
André Luiz Teixeira dos Santos elaborou um projeto de reciclagem
do edifício com espaço para moradia e trabalho, com participação
dos moradores, apresentado como trabalho de conclusão de curso na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em fevereiro de
2001. Este projeto será reformulado a partir de novas discussões com
os moradores, e está sendo utilizado nas negociações com órgãos
públicos para viabilizar a realização das obras. O projeto inclui um
núcleo de serviços de atenção à população de rua e área para coope-
rativas, uma de reciclagem e outra de pequenos reparos. Estas coope-
rativas devem começar as atividades antes da execução da obra e
podem contribuir para viabilizar o acesso dos futuros moradores ao
financiamento, através da geração ou elevação de sua renda. A asses-
soria técnica Integra, da qual André agora faz parte, está elaborando
com os moradores um projeto de melhoria das condições atuais do
imóvel.

dados fornecidos por Integra Cooperativa de Trabalho Interdisciplinar, Fórum de Cortiços

Comissão de estudos sobre habitação na área central 71


Joaquim Murtinho

endereço Rua Joaquim Murtinho, 252


proprietário Particular
uso original Residencial
data da ocupação Cortiço que passou a ser acompanhado pelo movi-
mento em agosto de 2000
movimento responsável Fórum de Cortiços assessora
assessoria técnica Fábrica Urbana
número de famílias 34
histórico e situação atual Este cortiço era acompanhado pelo Centro Gaspar
Garcia de Direitos Humanos, que entrou com ação
de usucapião. O juiz indeferiu e determinou o des-
pejo. A pastoral da moradia e o movimento negoci-
aram mais não conseguiram impedir o despejo. No
entanto, os moradores conseguiram retornar ao
imóvel devido a negociação com os proprietários.
Atualmente estão em negociação para compra atra-
vés da CDHU.
dados fornecidos por Fórum de Cortiços

Baronesa

endereço Rua Baronesa Porto Carrero


proprietário Prefeitura Municipal de São Paulo
uso original Edifício de uso misto, comércio no pavimento
térreo e
habitação nos superiores
data da ocupação Famílias moram no terreno há mais de 17 anos
movimento responsável Fórum de Cortiços
assessoria técnica Ambiente
histórico e situação atual A Prefeitura entrou com ação de reintegração de
posse em 1997. O Fórum de Cortiços negociou e
impediu a reintegração. Atualmente, está em discus-
são com a Sehab e Habi para projeto em parceria
com CDHU. A Prefeitura está realizando discussão
sobre como viabilizar projeto de locação social no
local.
dados fornecidos por Fórum de Cortiços e Ambiente

72 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Sessão 4, em 26 de junho de 2001

Política urbana e política habitacional no centro: progra-


mas e recursos existentes
Mesa

Vereadora Ana Martins (PCdoB); Vereador José Laurindo de Oliveira (PT); Vereador Nabil Bonduki
(PT); Vereador Ricardo Montoro (PSDB); Paulo Galli, Gerente de Apoio ao Desenvolvimento Urbano
no Estado de São Paulo da Caixa Econômica Federal; Helene Afanasieff, Superintendente de Gestão do
Programa de Atuação em Cortiços – PAC, da Companhia do Desenvolvimento Habitacional e Urbano do
Estado de São Paulo – CDHU; Helena Menna Barreto Silva, Vice-Presidente da Coordenadoria de
Programas de Reabilitação da Área Central – PROCENTRO, representando o Secretário de Habitação e
Desenvolvimento Urbano da Prefeitura do Município de São Paulo, Paulo Teixeira; Erminia Maricato,
professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Paulo Galli Caixa, tanto que além desse primeiro projeto, en-
tregue agora, já se tem mais duas obras contrata-
Paulo Galli iniciou sua exposição afirmando a das, uma terceira a ser proximamente contratada e
existência de uma determinação, uma vontade mais cinco projetos em andamento, que têm como
política de viabilizar habitação no centro de São objetivo a transformação de imóveis comerciais
Paulo. Apresentou as tentativas da Caixa Econô- em habitação popular.
mica Federal de investir através de produtos de O primeiro projeto entregue é o Fernão Sales,
que já dispõem e a partir de um trabalho conjunto na rua Fernão Sales esquina com a rua 25 de Mar-
com a Prefeitura de São Paulo para identificar ço, na região do Mercado Central, onde foram
investimentos que poderiam ser feitos. utilizados recursos do PAR. O PAR, para muitos,
Foi possível discutir seriamente este processo é a esperança de uma residência melhor, um con-
no seminário realizado em agosto de 2000 “Habi- ceito novo. Com ele, a Caixa pretende fazer a re-
tação no Centro de São Paulo – Como viabilizar cuperação de cortiços e favelas. Nas áreas centrais,
esta idéia?”, proposto por Ermínia Maricato e ele basicamente será conduzido junto com os mo-
Helena M. Barreto Silva. vimentos sem-teto e moradores de cortiços e fave-
Dentro das propostas de revitalização de al- las, com a intenção de não afastar o morador de
guns centros urbanos e de áreas degradadas, en- onde ele está ocupando, para que ele passe a mo-
contram-se Olinda e Salvador/Pelourinho (água, rar na região em que ele vive.
esgoto, drenagem e iluminação pública) na década Foi mostrado também o edifício da rua Maria
de 80, e outros mais recentes. Paula, com 75 unidades que vão ser reformadas
Galli apresentou algumas experiências de reabi- nos próximos meses, mediante contratação com o
litação de centros urbanos: São Luiz, Salvador, Rio movimento de moradia.
de Janeiro e São Paulo: Um projeto importante, em análise, é a requali-
Salvador – transformação “ruínas e cascas”, ficação do quadrilátero da Sé. 90% dos imóveis no
estudo em andamento para reabilitação de imóveis quarteirão são propriedade da Caixa, que está ana-
em moradias, convênio de cooperação técnica lisando e brevemente poderá contemplar parte dos
Caixa, Governo do Estado e IPHAN, e revitaliza- prédios para moradia, no programa PAR, e o res-
ção da área do comércio, em negociação convênio tante das unidades requalificadas para uso da Cai-
Caixa e Prefeitura; xa, e provavelmente um Centro de Cultura. Tudo
São Luiz – em estudo, imóveis desocupados isso tem sido discutido com vários técnicos da
pertencentes ao Estado serão transformados em Prefeitura, com o Procentro e, brevemente, será
habitação popular; viabilizada a proposta de revitalização de todo o
São Paulo – numa primeira experiência realiza- quadrilátero.
da, destacou o fato inédito, para a Caixa, um ban- No programa Monumenta BID, a Caixa foi se-
co público: trabalho com movimentos organizados lecionada como agente financeiro e vai atuar em
de sem-teto, relação direta com o movimento Há três questões cruciais para o entendimento do
como um ator capaz de propor soluções para o problema da moradia na área central da cidade de
próprio problema, relação enriquecedora com a São Paulo. A primeira diz respeito ao número de
participação do movimento e de assessoria técnica. moradias necessárias para atender a população
Descreveu o processo como muito discutido e moradora em cortiços, enfatizando a magnitude da
interessante com um resultado animador para a oferta necessária e os custos envolvidos. O segun-

Comissão de estudos sobre habitação na área central 73


do ponto refere-se ao difícil problema de formular Valor de Compra e Venda: Limitado ao valor da
a questão da moradia conjuntamente à proposta avaliação
de qualificação da área central. Por último, men- Valor de Financiamento: Limitado ao valor da
ciona-se a questão dos moradores de rua, parte avaliação/compra e venda (o que for menor)
integrante da população da área central. Renda Familiar: Sem limite
Na tabela Price, inicia-se com uma prestação me- Prazos:
nor e termina com uma prestação maior. Na tabela de construção: até 24 meses
SACRE, a partir da 1a prestação já há amortização, de amortização: Até 240 meses
assim começa-se a pagar uma prestação mais alta e Sistema de Amortização: SACRE
já há redução a partir dos primeiros anos. Hoje o Taxa de Juros: 10,5% a. a.
SACRE já tem a preferência do mercado.
O PAR, Programa de Arrendamento Residen-
Recursos da Caixa Econômica Federal cial, foi criado para minimizar o problema de mo-
radia para a população de baixa renda. Para isto,
1 – CARTA DE CRÉDITO INDIVIDUAL foi instituído um fundo de arrendamento residen-
1.1 – AQUISIÇÃO DE IMÓVEL cial, que tem por agente gestor a CAIXA, com o
RESIDENCIAL objetivo de adquirir imóveis para arrendamento
Modalidades: Imóvel Novo ou Usado e Lote residencial à população alvo. Os imóveis são ar-
Urbanizado rendados aos beneficiários do programa, por 15
Valor de Avaliação ou Compra e Venda: Sem anos, quando, então, estando o arrendatário em
limite dia com suas obrigações, poderá efetivar a compra
Valor de Financiamento: Limitado a R$ do referido imóvel, com os valores já pagos duran-
180.000,00 te o prazo do contrato.
Renda Familiar: Sem limite O Programa de Arrendamento Residencial
Prazo de Amortização: Até 240 meses conta com R$ 800.000.000,00, para investir no
Sistema de Amortização: SACRE Estado de São Paulo, tendo sido contratado até o
Taxa de Juros: 12% a a. momento, 33 empreendimentos, num total de
1.2 – CONSTRUÇÃO 5.000 unidades, que somam um investimento a-
Modalidades: Construção em terreno próprio, proximado de R$ 106.000.000,00. Na cidade de
aquisição de terreno e construção e conclusão, São Paulo, existem seis contratações, com 14,5
ampliação ou reforma milhões investidos, 673 unidades, sendo 3 em
Valor de Venal: Sem limite reforma no centro.
Valor de Financiamento: Até R$ 180.000,00 O FAR – Fundo de Arrendamento Residencial
Renda Familiar: Sem Limite é composto de recursos subsidiados, sendo 2 bi-
Prazos: lhões e 400milhões do FGTS e 600 milhões de
de construção: Até 18 meses (construção em fundos diversos não onerosos, que subsidiam a
terreno próprio ou aquisição de terreno e taxa de juros. A prestação é 0,7% do valor total
construção) investido na unidade. Nas regiões metropolitanas
Até 12 meses (ampliação ou reforma) de São Paulo e do Rio, o valor de uma unidade do
de amortização: Até 240 meses (construção em PAR é de, no máximo, R$ 25.000,00.
terreno próprio ou aquisição de terreno e
construção) Helene Afanasieff
Até 60 meses (ampliação ou reforma)
Sistema de Amortização: SACRE Inicialmente Helene apresentou o conceito de
Taxa de Juros: 12% a.a áreas centrais utilizado pela CDHU para a con-
1.3 – CONSTRUCARD formação do programa. Não se trata do centro
O financiamento destina-se à aquisição de material histórico das cidades, mas do centro expandido
de construção a ser utilizado em imóvel residencial que inclui os antigos bairros industriais, como Pari,
urbano. Brás, Mooca. O programa tem abrangência esta-
Valor de Financiamento: Limitado a capacidade de dual., pois a CDHU trabalha em todo o Estado de
endividamento do proponente São Paulo, no entanto nestes dois anos foram
Renda Familiar: Sem limite priorizados setores encortiçados de São Paulo e
Prazos: Santos.
de obra: Até 6 meses As áreas centrais, de acordo com a definição do
de amortização: Até 24 meses (incluindo-se o programa, são aquelas totalmente servidas de infra-
prazo da obra) estrutura. Na cidade de São Paulo considera-se o
Sistema de Amortização: SACRE centro expandido, e não apenas o centro histórico.
Taxa de Juros: 1,90% ao mês O PAC, Programa de Atuação em Cortiços te-
2 – IMÓVEL NA PLANTA rá um desenvolvimento previsto de 12 anos. O

74 Comissão de estudos sobre habitação na área central


primeiro módulo é de 4 anos no qual serão atendi- sem garagem, de 1 dormitório com garagem, de 2
das 5.000 famílias moradoras em cortiços. A coor- dormitórios sem garagem e 2 dormitórios com
denadora enfatizou que se trata de um programa garagem.
dirigido para uma transformação de realidade dos Todas essas questões levam a uma discussão de
cortiços, ou seja, não é um programa aberto como revisão de legislação, porque se chegou à conclu-
o da Caixa Econômica Federal, no qual grupos se são que a Lei de HIS pode ser apropriada para
organizam para buscar um financiamento. É, sim, áreas específicas, mas é totalmente inapropriada
um programa que tem uma vertente muito forte para construção em lote urbano, na medida em
de própria transformação urbanística do entorno e que exige estacionamento descoberto e garagem e
dos imóveis encortiçados. outras questões que não se adequam de maneira
O programa possui dois objetivos: por um lado alguma às necessidades de um programa habita-
há oferta de unidades novas e por outro há erradica- cional em áreas centrais.
ção ou reforma dos cortiços existentes. Envolve Na formulação do programa também foram
discussões com os movimentos e organizações por identificadas áreas industriais, ZUPI (Zona de Uso
moradia. O objetivo é transformar esta realidade e Predominantemente Industrial) e Z8 que impedem
não apenas atender famílias que moram em qualquer a construção residencial. As áreas com Z8 são as
lugar da cidade de São Paulo em ações pontuais. que mais aparecem e elas apresentam uma interfa-
Em 12 anos a CDHU com o aporte de recur- ce com o patrimônio histórico que deve ser equa-
sos do BID poderá investir até1 bilhão de reais nas cionada.
áreas centrais. No primeiro módulo, de quatro As reformas previstas no programa são de dois
anos, 175 milhões estão previstos. Este recurso é tipos – reciclagem para unidades autônomas e
composto de uma parcela de orçamento do Esta- melhoria de cortiços para unidades coletivas. Pen-
do e de recursos do ICMS, US$ 36.000.000 e sa-se em um produto intermediário para atender
34.000.000,00 de empréstimos do BID, cuja nego- famílias de menor renda ou indivíduos e idosos
ciação está na etapa final. que poderiam estar morando nessas unidades. É
É um programa desenhado por fases, no qual uma novidade para CDHU e para outros órgãos e
são identificadas estas três fases principais. No que este programa está tentando realizar.
entanto, pretende ser perene, para ser implantado Do ponto de vista financeiro e de como ele se
ao longo do tempo. realiza, junto ao empréstimo do BID, foi formula-
A demanda, só no município de São Paulo, é da uma proposta de operacionalização financeira.
de cerca de 600 mil pessoas morando em cortiços, Para o programa existem basicamente dois tipos
o que poderia significar 150.000 famílias. Portanto de mecanismos de gestão: mecanismos de atribui-
a primeira fase é pequena porque serão atendidas ção de unidades com transferência de propriedade
5.000 famílias. Isso é um corte e a CDHU está e mecanismos de atendimento sem transferência
organizando-o de uma maneira que o programa de propriedade. A CDHU está introduzindo sub-
tenha uma característica indutora e exemplar. sídios antecipados , de forma diferenciada de ou-
Na oferta de novas unidades é importante tros programas em andamento na empresa. Este
focalizar a questão física da tipologia da atuação. A subsídio será direto, pessoal e intransferível e será
nova unidade será construída de acordo com a colocado na frente da operação. Por exemplo, a
legislação vigente, será trabalhado o lote urbano e CDHU, que sempre trabalha com desconto, no
não glebas como tem sido a característica dos caso do PAC, vai assumir um subsídio explícito
programas habitacionais até hoje. que vai ser um desconto na operação como um
Tanto o Município como o Estado e o Gover- todo. Um exemplo citado pela coordenadora: se 1
no Federal sempre atuaram implantando grandes unidade custa 20.000 será assumido um subsídio
conjuntos habitacionais. Hoje os recursos estão de 10.000, a família pagará apenas 10.000 em 25
sendo redirecionados para uma atuação em menor anos com 7% de juros ao ano. Permite uma maior
escala, para lotes urbanos e a CDHU está enfati- diversificação de produto atendendo a um espec-
zando a necessidade de parcerias para a execução tro maior da demanda encortiçada, que apresenta
desses programas com os municípios e com os grande heterogeneidade sócio – econômica.
órgãos federais de financiamento. Outro conceito importante a apresentar não é
Para as novas unidades, existe um acervo técni- o valor da prestação e sim o encargo real mensal
co de tipologias arquitetônicas que a CDHU vai que a família vai ter de disponibilizar como com-
por em prática. Em sendo em lotes urbanos, será prometimento de renda(30%)com moradia, apro-
aproveitado o potencial desses terrenos, partindo priando este valor real nas análises de viabilidade
para uma verticalização quase que inevitável. Exis- econômica. Ou seja, sabe-se que a manutenção da
te uma forte discussão entre a CDHU e os movi- habitação em média é R$ 100,00 para além da
mentos, já que pela tipologia e pelo preço, será prestação da própria moradia. Assim, é isso que
necessário fazer cortes na demanda. Serão quatro será considerado para a verificação da viabilidade
tipologias básicas: apartamento de 1 dormitório econômica. Por isso introduziu-se a tipologia de

Comissão de estudos sobre habitação na área central 75


unidades coletivas (condomínios horizontais) no dor colocou a disposição do programa áreas da
qual esses valores de manutenção deverão ser FEPASA no Pari com 4.000 m² onde já foram
menores e, portanto pretendem atender famílias edificadas 2 torres de 10 andares com 160 unida-
com renda de 1 a 3 salários mínimos. des de 2 dormitórios, com e sem garagem, e mais
Outro ponto fundamental é a questão de está- 2 torres estão planejadas somando no total 320
gio operacional do programa. O programa no unidades novas no Pari. Mas há outros empreen-
município de São Paulo, por exemplo, foi desen- dimentos que não foi possível iniciar por proble-
volvido para a área do centro expandido. Este mas fundiários desses imóveis.
corte é obrigatório para atender as 5.000 famílias Outras desapropriações: esquina Av. São João
nos primeiros 4 anos. Isso é parte de um projeto com Rua Ana Cintra que é um projeto de reforma
setorial no qual foram desenhados vários períme- para unidades autônomas. São 36 apartamentos
tros, onde a pesquisa da FIPE de 94, atualizada em que serão transformados em 70, com uma tipolo-
96, demonstra o maior adensamento dos cortiços. gia bastante peculiar, um grande dormitório, no
São nestes perímetros que se vai fazer um amplo lugar de 2 pequenos em razão de adequação da
estudo de viabilidade física e social. planta .
Isso significa uma análise urbanística global ve- Adquiriu-se o hospital na rua 21 de Abril, que
rificando todas as possibilidades, tanto as constru- foi desapropriado por indicação dos movimentos.
ções novas em terrenos vazios como as reformas Seu projeto original era fazer uma reforma mas
para unidades autônomas e para as coletivas, bem duas questões impediram a CDHU de realizá-la: o
como ampla pesquisa sobre a demanda dos deno- estudo de viabilidade mostrou que a reforma seria
minados “cortiços de origem” do setor. Este con- muito mais cara que construir um novo edifício e a
junto formata um estudo de viabilidade física e própria ocupação existente hoje – há mais de 100
social que se pretende implantar nesta 1a fase dos famílias morando no local.
4 anos. Um dos instrumentos que será muito útil é o
Na medida em que isto se mostrar suficiente e da Carta de Crédito Individual. Nestes estudos de
mostrar seu papel indutor, nos próximos 8 anos viabilidade este será um dos instrumentos iniciais,
do programa se estará voltando para os mesmos para que a família procure as unidades existentes
perímetros ou ampliando-os. no mercado. Pesquisa no perímetro do setor Pari,
Foi uma estratégia necessária e indispensável, demonstrou que existem moradias a preços com-
para otimizar os esforços e traduzir esta necessi- patíveis com os do programa o que permitirá um
dade em projetos diversificados. “desadensamento” imediato possibilitando uma
Como complementação a coordenadora citou a intervenção mais ágil.
transferência de propriedade. A CDHU possui O Programa de Intervenção em Cortiços, ape-
vários estudos e análises sobre programas de loca- sar de seu longo período de maturação, apresenta
ção social, inclusive em conjunto com missões um conjunto de mecanismos inovadores quanto à
técnicas francesas, e que, por vários motivos não atuação do Poder Publico em Políticas Habitacio-
foi implantado. Hoje se trabalha com um modelo nais. Abriu a discussão e a reflexão dentro da
que se considera viável, que é o da concessão one- CDHU de aproveitamento dos lotes centrais ,
rosa de uso com ou sem opção de compra. produção de unidades adaptadas à demanda e de
Com opção de compra, a concessão é parecida modelos de gestão mais próximos dos mutuários
com o PAR, se caracteriza como um aluguel na buscando o aprimoramento das ações publicas
primeira etapa com taxa mensal , que após 5 anos voltadas ao interesse social.
o mutuário terá a opção de prosseguir com o con-
trato para aquisição. Este período inicial permite Helena Menna Barreto Silva
verificar a real condição e vontade do mutuário em
participar de um financiamento habitacional de Nesta administração, merecem destaque os ob-
longo prazo. jetivos do programa habitacional no centro ligados
A coordenadora mostrou também exemplos a duas questões principais: a política de reabilita-
dos empreendimentos em andamento, ao longo ção do centro, dos bairros centrais, que inclui não
dos últimos anos. O programa foi oficialmente só os limites da administração regional da Sé, mas
iniciado com a publicação de um decreto em julho de outros bairros próximos, e também à compre-
de 98. É importante citar o fato porque os movi- ensão de que a habitação terá um papel estruturan-
mentos consideram que a CDHU está sendo lenta, te nesse processo de reabilitação, ao permitir um
e que o programa “não sai do papel”. Na verdade grande número de investimentos que vão colabo-
a fase anterior a esta data foi uma fase de desen- rar com ela e garantir a sustentabilidade dos inves-
volvimento técnico sem que houvesse o empenho timentos que se façam nas áreas públicas, nos
político para transforma-lo em realidade. edifícios de prestígio, nos equipamentos, etc. As-
A partir daí foram realizadas varias desapropri- sim, o programa habitacional aparece mostrando
ações e algumas doações importantes: o Governa- uma mudança radical em relação às concepções

76 Comissão de estudos sobre habitação na área central


anteriores de reabilitação do centro, com um papel de áreas de uso da comunidade moradora. Isso
realmente importante. conduzido de maneira conjunta com outras inter-
Essa reabilitação do centro é também uma venções, como a reabilitação das fachadas e da
perspectiva de repovoamento de uma região que área construída, de programas sociais de geração
está perdendo população, apesar de possuir uma de renda articulados com a proposta feitas pelos
infra-estrutura capaz de receber um adensamento movimentos de moradia e pelas assessorias técni-
muito maior e, assim, de se contrapor a um pro- cas. É um programa preferencial atuando concen-
cesso de A locação social é um programa prioritá- tradamente no sentido de reduzir custos, conseguir
rio e há todo esforço para 'deslanchar' um certo uma qualidade de projeto e uma ação social e cul-
número de unidades ainda neste ano. Os estudos tural adequada. Nessas quadras, conforme suges-
estão sendo coordenados por Luiz Kohara. Há tão dos movimentos de moradia, serão definidas
três aspectos nesse projeto: as quadras e a partir daí serão conduzidos estudos
expansão contínua e de empilhamento na peri- de avaliação de setores e de vetores preferenciais,
feria, como o que está acontecendo hoje, paralelo definindo as áreas e depois o programa de inter-
a esse processo de esvaziamento das áreas dotadas venção nessas quadras.
de infra-estrutura. Espera-se também nesses perímetros uma in-
O programa que está sendo definido se baseia tervenção de diferentes agentes, como a CDHU, e
no programa Morar Perto, iniciado já na campa- programas para outras faixas de renda. Em relação
nha da prefeita, e aproveita muitos debates anteri- à modalidade de atribuição de unidades, junto com
ores sobre a questão da habitação no centro, a CEF, por exemplo, neste ano, basicamente, as
inclusive o seminário promovido pelo LabHab- ações vão no sentido de apoiar e aumentar as con-
FAUUSP (Laboratório de Habitação e Assenta- dições de viabilidade e agilidade de aprovação de
mentos Humanos da FAUUSP) e a Caixa Econô- projetos com financiamentos da CEF. Há a ques-
mica Federal no ano passado. tão do arrendamento residencial mas também
Em relação aos tipos de programas que estão existem possibilidades como a modalidade 'com-
sendo desenvolvidos, pode-se apresentar, em pri- pra', a partir de linhas que já existem da CEF e de
meiro lugar, alguns produtos em estudo. Nesse outras que estão sendo definidas pelo FMH (Fun-
caso, são incluídos programas de produção de do Municipal de Habitação) e pelo programa de
novas unidades habitacionais, que poderá se reali- locação social.
zar a partir da reforma e reciclagem de imóveis A locação social é um programa prioritário e há
existentes ou vazios ou subtilizados e da melhoria todo esforço para 'deslanchar' um certo número
das construções existentes. Em segundo, lugar de unidades ainda neste ano. Os estudos estão
estão as formas de intervenção urbana. Estão con- sendo coordenados por Luiz Kohara. Há três
templadas tanto intervenções de projetos isolados aspectos nesse projeto:
em lotes, construções novas, quanto de reforma e – a criação de um parque público, de um con-
reciclagem. É necessário dar atenção especial ao junto de unidades em prédios públicos que per-
tipo de projeto de construção nova, propor uma manecem como locação e são atribuídos a famílias
discussão com os outros agentes que atuam no que têm intenção de morar de aluguel e que não
centro sobre questões como a relação que deve possam em determinado momento assumir a
guardar os projetos novos com o tecido tradicional compra com as linhas de financiamento disponí-
do centro, o problema das tipologias de uso misto, veis ou em situações provisórias. Será um progra-
a volumetria, a relação com o tecido existente e ma em edifícios públicos em que o investimento,
com o patrimônio histórico, a qualidade dos novos em um primeiro momento, será na reforma do
projetos, que devem dialogar com o patrimônio, e prédio para adequá-lo ao uso habitacional e, de-
a qualidade do ambiente no centro. pois, o custo de gestão e manutenção, definido por
Essa intervenção isolada tem também o papel um valor de aluguel ou permissão de uso. É fun-
de marcar essas quadras e trazer diversidade social damental a precisa definição do estatuto jurídico,
e de uso, um ou dois projetos, mesmo um projeto de maneira que dê garantia tanto aos organismos
ou um edifício em uma quadra já contribuem para locadores quanto aos moradores pois se eles não
a reabilitação dessa quadra. Alguns desses objeti- tiverem garantias, não vão apoiar e adotar esse
vos são os esperados, inclusive de uma certa inter- programa.
ferência no mercado. - há também programas baseados na questão
Outro tipo de intervenção seria em conjuntos do arrendamento ou a possibilidade de uma aqui-
de quadras, em grupos de quadras formando pe- sição depois de um certo tempo.
rímetros nos quais vão se concentrar esforços do - a terceira linha desse programa seria a inter-
tipo reforma, melhoria de unidade com produção venção na questão dos cortiços no sentido de
de novas unidades, seja por reciclagem seja por desenvolver um conjunto de acordos e pressões
construções novas com possibilidade de reorgani- no mercado de cortiço para que possam melhorar
zação dessa quadra para a criação de áreas livres e minimamente.

Comissão de estudos sobre habitação na área central 77


Outro estudo que está sendo desenvolvido pela BID, ao introduzir de maneira mais objetiva recur-
Secretaria é a criação de um instrumento de garan- sos destinados à habitação, em especial de interes-
tia bancária, que torne possível uma locação for- se social.. No caso desses recursos, mesmo os
mal para grande parte da demanda que precisa ir destinados à infra-estrutura e a equipamentos es-
para cortiços e não tem condições de apresentar tão sendo propostos direcionados às áreas priori-
instrumentos de garantia. Dessa maneira, interfere- tárias de intervenção. Esses perímetros e com-
se no conjunto do mercado de locação. No centro juntos de quadras serão os locais onde se pretende
de São Paulo existem imóveis melhores para serem integrar os tipos de intervenção.
alugados e grande parte das famílias está pagando Em relação aos recursos, as questões centrais
preços exorbitantes em unidades absolutamente para serem fixadas são as que dizem respeito ao
precárias. A idéia é de reduzir o parque público e subsídio e ao custo de produção na área central.
interferir no mercado de locação por um conjunto Não se pode separar a discussão de recursos da
de outros instrumentos. discussão do subsídio bem como a questão do uso
Por último, um processo de produção de uni- desses recursos com custo de produção na área
dades e conjuntos passa, em parte, pela linha de central. É necessário interferir nessas duas pontas.
contratação direta de empresas construtoras e, em Por um lado, o custo de produção ainda está alto e
parte, por convênios de autogestão, quando os vai ficar mais alto pois, paralelamente ao processo
recursos estiverem ligados ao FMH. Tudo isso de reabilitação, haverá um processo de valoriza-
atende ao objetivo de diversidade social. É eviden- ção. Na verdade se não se interfere nesse custo,
te que a área central não pode se transformar em relacionado ao problema do aproveitamento dos
um grande conjunto de habitação de interesse recursos existentes, corre-se o risco de entrar em
social. Só é preciso verificar qual a melhor maneira um beco sem saída. A intervenção sobre o custo
em que possa haver equilíbrio e harmonia nesses de produção no centro está ligada a duas questões:
dois setores que vão disputar terreno. A questão o problema da aquisição de terrenos e imóveis
não é simples pois quando se fala na questão do vazios e o dos custos de reforma, adaptação e
mix e da diversidade é preciso ver que há setores reciclagem desses imóveis. No caso de edifícios
que precisam ser mais protegidos senão não têm para uso habitacional de interesse social, em rela-
condições de competir com outros usos e mesmo ção ao preço da base fundiária, que é o terreno
dentro do uso residencial não têm condições para vazio, tem-se como interferir de duas maneiras,
que haja habitação de interesse social. Senão, cor- uma é através da legislação urbanística incidente,
re-se o risco de se falar em diversidade mas, no que tem a ver com o preço que está sendo pedido,
momento em que todos os usos começarem a ser e a outra, a estratégia de obtenção que os diferen-
estimulados, os empreendimentos que têm finan- tes agentes que estarão atuando no centro podem
ciamento maior vão conseguir pagar mais pelos ter. Sobre a estratégia de obtenção, há três atores
terrenos tirando competitividade da habitação de que estão com recursos ou podem vir a ter recur-
interesse social. sos para atuar: a CEF, a CDHU e a prefeitura. São
Neste momento, o orçamento municipal não esses agentes os únicos compradores para uso
tem recursos para unidades novas. O pouco de habitacional na área central. Ou se entra em acor-
recursos que havia está comprometido na retoma- do para dialogar com os proprietários, para deter-
da dos projetos de empreendimentos da primeira minar o preço, ou senão estarão todos a reboque
gestão do Partido dos Trabalhadores. Na proposta do mercado. Há uma proposta da secretaria para
de orçamento para os próximos três anos, há re- trabalhar com isso.
cursos importantes para esses novos programas. É Paralelamente a essa discussão, há a questão
necessária uma produção importante e significativa dos instrumentos urbanísticos, que podem atuar
na área central, não só um projeto piloto, criando mas que estão inócuos. Claramente, quem deter-
possibilidade tanto da produção para venda, com mina o preço é a demanda, é o morador. Existem,
associações e vendas individuais, quanto para a nesse momento, edifícios que não são viáveis para
modalidade locação social. qualquer outro uso. É necessária uma estratégia
Por outro lado, o Procentro está participando em comum, um compromisso dos agentes promo-
de todo o processo de revisão das operações ur- tores tanto para empreendimentos isolados quanto
banas existentes e colocando o problema dos re- para empreendimentos em conjunto.
cursos nessas operações destinados à habitação e Outra questão fundamental é trabalhar a tecno-
do problema da habitação dentro das operações logia da reforma para adaptar a indústria brasileira
urbanas. Como dar garantia para permanência e para atuar massivamente nessa questão. A profes-
não expulsão e o estímulo da habitação de interes- sora Ermínia Maricato tem alertado para a questão
se social dentro das operações urbanas são algu- da oportunidade de juntar recursos para isso ser
mas questões que são feitas pelo Procentro. feito.
A outra fonte possível de recursos é a redefini- A questão do subsídio é central e deve-se de-
ção do pedido de financiamento pelo Procentro ao senvolver a proposta de subsídio às famílias e não

78 Comissão de estudos sobre habitação na área central


ao produto. Pode-se pensar em recursos carimba- financiamento, sem lei, sem recursos técnicos, sem
dos para esse subsídio ou em carimbar parte dos assessoria, avançando sobre os mananciais e ocu-
recursos para o subsídio e não a produção. Caso pando córregos e várzeas.
contrário, corre-se o risco de sempre estar produ- "Diante de um quadro que já configura um de-
zindo imóveis mais baratos para poder entrar no sastre gigantesco, é urgente que façamos um es-
financiamento, para poder utilizar este ou aquele forço na área de habitação na cidade de São Paulo.
edifício etc. Deve-se passar a discutir isso nos Muitos financiamentos da CEF estabelecem como
recursos da CDHU, do BID e da CEF. exigência uma renda de pelo menos 12 salários
mínimos, quando 60% da população recebe me-
DEBATEDORA DA MESA nos de 10 salários mínimos. Isso significa que mais
da metade da população da cidade está fora do
crédito da CEF. É verdade que existem outros
programas, mas eles também exigem condições
que as pessoas não conseguem atender. A carta de
crédito e até a modalidade material de construção,
por exemplo, exigem a legalidade do terreno. Exis-
te, portanto, um dilema a ser superado na questão
fundiária.
"O que fica evidente é que sem reforma fundi-
Nabil, Ricardo Montoro, Laurindo, Erminia e Helena
ária e imobiliária nós não vamos avançar. É neces-
sário mexer nos lucros imobiliários especulativos e
Erminia Maricato construir uma aliança entre os que querem demo-
cratizar o acesso à moradia e os representantes do
“Nós tivemos oportunidade de ouvir impor- setor de construção. Me parece que o Estatuto da
tantes exposições dos participantes deste debate. Cidade não vai ser suficiente para atingir esses
Se existem agentes públicos capazes de reverter os objetivos. Ainda precisamos ver qual interpretação
rumos da questão habitacional, eles estão aqui desse Estatuto vai prevalecer. Mas é bom perceber
representados. O que ouvimos deles mostra muita que ele pode até aprofundar a segregação e a ex-
vontade de resolver o problema e condições para clusão já existentes. Mesmo porque os instrumen-
tanto. Uma delas – a mais lembrada – é a disponi- tos que podem possibilitar o combate à segregação
bilidade de recursos. Efetivamente, a CEF tem 800 também estão travados, pois só com o Plano Dire-
milhões de reais e a CDHU tem ainda mais. Isso tor vai ser possível começar a aplicá-los.
mostra que temos hoje condições financeiras "Antes de abordar a questão da moradia na área
absolutamente excepcionais na história da cidade. central, queria lembrar que tivemos na década
Entretanto, percebemos nos relatos – muito bem passada uma bolha de investimentos em moradias
feitos – que há problemas na operacionalização de classe média baixa, especialmente de 1996 a
desses recursos. Eu separaria a Prefeitura de São 1999, como está registrado na tese de Carolina
Paulo desse contexto, porque o atual governo Castro. Essa bolha de investimentos foi promovi-
municipal herdou uma estrutura institucional des- da pelas cooperativas habitacionais sindicais e
moronada, tornando impossível qualquer atuação pelas cooperativas de mercado. Em Santo André,
imediata nesse âmbito. De todo modo, temos com em Osasco e em São Paulo esses lançamentos
quem trabalhar, já que a CEF e a CDHU têm bons representaram 50% dos lançamentos privados
técnicos e propostas boas. destinados a uma faixa de renda de até 10 salários
"É importante, então, focarmos nosso olhar mínimos, sendo que as cooperativas sindicais al-
sobre as limitações desse processo que nos tem cançaram pessoas com rende de até 8 salários
impedido de ultrapassar as experiências pilotos, mínimos. Se isso indica as possibilidades de mer-
pontuais e de pequenas abrangência, para que cado, também devemos compreender porque os
possamos transformá-las em uma ação sistemática investimentos refluíram.
em escala compatível com o tamanho do desafio. "A reabilitação do centro de São Paulo é certa.
Não é difícil perceber que há um travamento desse Os setores públicos já investiram muito e a socie-
mercado. Também me parece claro que se as enti- dade civil está organizada em torna dessa propos-
dades, agências e órgãos governamentais continua- ta, com ONGs fortes, revistas e boletins. Os
rem atuando como já atuam, mesmo que agentes estão presentes e é liquido e certo que a
melhorem seu desempenho, o problema não será área central vai deslanchar com essa reabilitação.
resolvido. Basta considerar que somente 30% da O que pode estar atrasando um pouco essa inicia-
população brasileira participa do mercado privado tiva é a potencialidade de investimento ainda mui-
legal, como mostra dados da Cibrasec. Assim, a to alta na avenida Berrini. O capital privado de
maior parte das pessoas se vira como pode, sem ponta prefere uma situação onde a margem de
lucro é maior, como ocorre em torno do rio Pi-

Comissão de estudos sobre habitação na área central 79


nheiros, região onde os dois últimos governos "Entretanto, minha sensação é que, nos pro-
investiram cerca de 7 bilhões de reais. gramas públicos que existem, estamos nos desvi-
"Tratar dos entraves existentes na área central ando da questão fundiário-imobiliária. A CDHU
implica tratar da legislação urbana, que é o maior faz o Chamamento Empresarial, que transfere ao
deles. A operação urbana centro, por exemplo, dá empresário o custo da terra, para que ele entre no
subsídios para quem remembrar lotes. Assim, a pacote fechado do contrato, ou pede aos municí-
idéia de reciclar o que já existe fica diminuída, pios para apresentarem a terra e entra com recur-
quando o que tem que ser feito é exatamente o sos para a construção. No Cingapura, não há
contrário. No momento em que fizermos uma problema de terra, pois ele é levantado onde esta-
legislação para preservar os pequenos imóveis, va a favela. O Construbusiness também espera que
como foi feito em Lisboa na renovação de três outros providenciem a terra: “me dá terra onde
bairros históricos, estaremos seguramos a especu- você quiser que eu construo uma casa por R$ 10
lação imobiliária. Por outro lado, se fizermos a mil”. Mas se já se dispõe de terra urbanizada, com
cirurgia que o grande capital quer, estaremos transporte perto, água e esgoto, a casa poderá sair
apontando para a especulação imobiliária e a até mais barata que esse valor. O problema é dizer
expulsão de população. Por isso é preciso ver com em que pedaço de cidade onde vamos colocar a
clareza o que queremos para o centro. população que está indo, por exemplo, para os
"Outro aspecto fundamental é alterar a legisla- contrafortes da Cantareira ou para os mananciais.
ção para tornar mais ágil a aprovação de plantas. "Enquanto isso, o centro está aí, com enormes
Nesse plano, é necessário unificar os procedimen- imóveis vazios e perdendo população, mesmo
tos de órgãos estaduais e municipais. Muitos edifí- dispondo de toda a infra-estrutura e o melhor
cios históricos têm, por exemplo, sérios problemas serviço de transporte público existente. Sem dúvi-
fundiários. As questões fundiárias e de registro de da nenhuma, São Paulo precisa dirigir seu maior
imóveis são um grande nó em todo o país. No esforço de produção habitacional para o centro. O
Estado de São Paulo, há cartórios que registram problema é o seguinte: na medida em que o centro
propriedades privadas em parques públicos. O comece a se reabilitar e se valorizar, como a popu-
caos é tão grande que o governo paulista já chegou lação mais pobre vai se manter na região? Os pro-
a desapropriar duas vezes a mesma área. Então, no fissionais de classe média, como o bancário, o
caso das áreas centrais, onde existem muitos pro- professor secundário, o policial, a enfermeira, não
blemas de inventario e outras questões fundiárias têm acesso ao mercado. Então, temos de trazer
complicadas, temos que ter um núcleo especial, para o mercado legal toda essa população que esta
junto com o Ministério Publico, para operacionali- fora dele. Atualmente, quem ganha R$ 1.000 men-
zar as intervenções, se pretendemos que elas sejam sais, que não pode ser considerado de baixa renda,
sistemáticas e não pontuais. Nós temos que unifi- não consegue entrar no mercado. Por isso , é ne-
car a operação financeira, incorporando o mix de cessário abaixar o custo da produção. Quando
recursos disponíveis, e temos que trabalhar a ques- digo mercado não estou me referindo apenas à
tão da produtividade dos aspectos técnicos. Não produção privada. Para inserirmos essa população
tenho dúvida que a indústria de construção tem no mercado temos de fazer uma progressividade
know-how e competência para aumentar sua pro- de subsídio, como se faz em qualquer lugar do
dutividade a partir do instante em que nós destra- mundo onde o acesso à moradia é universal.
varmos os outros elementos. Se há terra, "Ampliar a influência do poder público sobre
oportunidade de construção e financiamento, a as oportunidades de ampliação do mercado habi-
produtividade deslancha, como já aconteceu na tacional exige a aplicação eficaz da legislação que
Europa e Estados Unidos. A única questão que define a função social da propriedade. Exige, por-
ainda não está resolvida é a tecnologia de refor- tanto, o Plano Diretor. E construir esse Plano
mas. Atualmente na Europa a renda gerada em Diretor, de preferência participativo, é demorado.
reformas é maior do que as de construções novas. Aprová-lo na Câmara também demora. A figura
Mas nós não estamos preparados para essa situa- do Estatuto da Cidade que permite aplicar a urba-
ção. Não temos, por exemplo, tecnologia para nização ou edificação compulsória aos imóveis
fazer rapidamente um orçamento de reforma que vazios vai merecer uma discussão na Justiça para
na Suíça ou França se faz em duas horas, com uma definir se ela será aplicável a imóveis edificados.
margem de erro 10%. Vamos ter que lutar para que o Estatuto da Cidade
"Para alterar esse cenário, a universidade pode- e a prevista função social se concretizem. Acredito
ria preparar técnicos para trabalhar em um esforço que o novo Plano Diretor pode nos abrir muitas
sistemático de aumento da capacidade de reforma. possibilidades.
Também é claro que a indústria terá de passar por "Queria lembrar que fizemos uma proposta pa-
transformações, adaptando-se para trabalhar em ra o Projeto Moradia, desenvolvida pelo Instituto
espaços exíguos, muitas vezes com parte dos edifí- Cidadania, que trabalha três eixos para melhorar
cios ocupada. edificação no país e que se aplica muito bem ao

80 Comissão de estudos sobre habitação na área central


âmbito municipal. O primeiro eixo é o do financi- mentos vão atrás dos mesmos imóveis e os pro-
amento, que deve considerar o problema na sua prietários começam a aumentar os preços. E os
magnitude e traçar uma proposta para 15 anos, agentes promotores atuam na mesma perspectiva.
adotando os cuidados necessários para que cada Essa ação coordenada é essencial, seja desse ponto
partido que se reveze no governo não destrua o de vista ou da definição de programas. O Projeto
que anterior fez e recomece tudo do zero. Nossa Moradia tem de ser aperfeiçoado, temos de supe-
proposta prevê a criação de um fundo municipal e rar idéia de que há programas na CDHU, na CEF
um fundo estadual, além de três fundos específicos etc. É necessário pensar para a cidade toda uma
a ele: fundo de subsidio, fundo de aval e fundo de ação de grande magnitude, com movimentos em
equalização de taxas. O segundo eixo do Projeto uma ação fundamental de coesão e participação do
Moradia é o institucional, no qual se propõe a usuário.
criação de órgãos operacionalizadores unificados
com conselhos de desenvolvimento urbano em
nível estadual e municipal, com a participação dos
agentes e a utilização de fundos com controle
social. E o terceiro eixo, relativo à política urbana,
sugere a elaboração de um Plano de Ação, que é
diferente de um Plano Diretor, porque não é nor-
mativo, apenas prevê a ação dos agentes operado-
res. Prevê, por exemplo, o controle do uso e
ocupação do solo, já que o atual modelo de fiscali-
zação não pode ficar como está. Desde o começo
do século passado há uma flexibilização do con-
trole quando se trata de população de menor ren- Ricardo, Helene, Paulo Galli e Nabil Bonduki
da, ou seja, permite-se a quem é pobre ocupar e
construir fora da lei. Mas a população sabe o DEBATE
quanto lhe custa morar ilegalmente, porque ela
não tem moradia de boa qualidade e prejudica a si Paulo Galli – A colocação da professora Ermínia
mesma e a toda a sociedade. Essa população, po- é muito pertinente. A questão fundiária tem im-
rém, não tem outra alternativa. Nesse sentido, é pacto muito grande na viabilidade dos empreen-
fundamental ter o Plano de Ação prevendo inves- dimentos e a questão que o Nabil discutiu agora,
timentos públicos em transporte, saneamento e que é o resgate do poder público local nas deci-
habitação e comprometendo com eles os futuros sões dos investimentos a serem feitos na cidade,
governos, nos próximos 12 ou 15 anos. também. A cidade, prioritariamente para os cida-
dãos e o poder público local e os poderes externos
Vereador Nabil Bonduki à cidade, tem que entrar num processo de discus-
são. A CEF está disponível para participar das
As questões que foram colocadas pela Ermínia discussões e continuar colaborando com a Prefei-
são importantes e lançam desafios para as conclu- tura de São Paulo, com a CMSP e o Governo do
sões desta comissão e para uma série de projetos Estado, com a CDHU no sentido de haver uma
de lei para elaboração, criação de ZEIS e de outros aproximação maior e uma convergência de pro-
mecanismos de regulamentação do Estatuto da blemas, programas, interesses e rotinas. Isso já
Cidade, que vamos ter de desenvolver na CMSP. vem sido tentado através de um trabalho iniciado
A Comissão não é fórum de debate, está voltada a na SEDU, em Brasília, junto com o Governo do
tirar conclusões para serem encaminhadas para o Estado e a Prefeitura. Estamos participando tam-
Executivo e para a CMSP. bém de um momento positivo de interação e de
A questão da Helena tocou na necessidade de discussão e tenho certeza de que vamos sair para
ação articulada dos três níveis de governo e na um processo mais aberto, democrático e efetivo
elaboração de um plano de intervenção conjunta visando o cidadão.
na área central na perspectiva de regular o preço
dos imóveis. Uma legislação que possa fazer valer Leonardo Pessina, CAAP (Centro de Assessoria
a função social da propriedade e a prioridade para à Autogestão Popular) – Na sessão de 22 de junho
uso habitacional em certas áreas do centro, de coloquei o seguinte: tão importante quanto a a-
modo a não entrar no mercado especulativo de provação do Estatuto da Cidade é a aprovação do
terras, são pontos fundamentais para o sucesso de Fundo Nacional de Moradia Popular, que trata de
programas. articular os financiamentos entre o Estado, o Mu-
Outro aspecto importante é a concorrência en- nicípio e a CEF, além de priorizar a população de
tre os vários promotores, que já é possível notar
entre os vários movimentos. Às vezes, os movi-

Comissão de estudos sobre habitação na área central 81


baixa renda e abrir um leque de programas condi- articulação para enfrentar o problema. A CDHU
zentes com a realidade habitacional do Brasil. tem um papel importante porque é o órgão central
Hoje nós temos um cardápio de programas hoje que tem mais estrutura e recursos conquista-
tanto na CEF quanto na CDHU, que são difíceis dos ao longo dos últimos 10 anos. Há críticas à
de compatibilizar. Então, com uma ação, com uma agilidade para esse programa, especialmente o
legislação federal que articule os financiamentos, PAC, que tem deixado a desejar em função dessa
que articule também a participação da sociedade disponibilidade de recursos e, embora tenha sido
civil organizada através de conselhos, vamos ter discutido durante muito tempo, só em 1998 ga-
uma forma de ação muito mais incisiva e eficiente. nhou alguma prioridade dentro do próprio órgão.
Quero reafirmar também que os movimentos Dez anos antes ele já vinha sendo discutido dentro
de moradia a partir de 1997 tiveram uma ação da CDHU. Essa dificuldade, penso, que está muito
muito importante colocando o tema do centro de ligada ao que a Ermínia falou: a CDHU trabalha
São Paulo na ordem do dia, na pauta. O programa fundamentalmente com terra doada pela prefeitura
Morar Perto-Centro é fruto dessa articulação e e investe seu recurso em construção. O interesse
temos muito orgulho dessa proposta que foi cons- da CDHU em construir é muito maior do que o
truída com enorme legitimidade pelos movimentos interesse em se pensar a questão urbana e de loca-
e assessorias técnicas. lização. Essa é uma interpretação possível para
Gostaria também de colocar que acompanho o isso, para a dificuldade que o programa tem em
trabalho da CDHU desde 1986 e trabalhei com a caminhar, porque na área central é necessário in-
Helene naquela época. Apesar da boa vontade, do vestir não em construção mas em localização, em
esforço, da qualidade técnica da equipe dela, eu planejamento e em reforma... Nossa indústria de
não vejo na direção da CDHU até hoje a vontade construção civil habitacional está estruturada em
política de intervir no centro da cidade. Eu parti- um modelo de produção de conjunto. A CDHU
cipei de várias reuniões com Goro Hama durante também atua no sentido de que esse modelo se
4 anos, desde 1995, argumentando que o centro reproduza e tem de se reestruturar para um outro
era prioritário e não houve nenhuma vontade polí- tipo de intervenção como reforma, intervenção no
tica por parte dele. Percebe-se uma pequena mu- nível do lote etc. De qualquer maneira, sem a
dança agora com o novo presidente mas ainda CDHU, será impossível um programa desse porte
muito insuficiente enquanto uma postura de poder em São Paulo. Daí a importância em debater para
público para atacar um tema tão complexo como é que se possa colocar problemas e legislação do
o centro da cidade de São Paulo. município que impedem que a ação possa ser feita
em maior escala.
Helene Afanasieff – A reflexão que a Ermínia fez
foi boa; a questão deve ser refletida de forma pro- Helena Menna Barreto Silva – Os instrumentos
funda e que envolva todas questões do mercado e urbanísticos não são bons nem maus em si. Pri-
da realidade internacional. Apesar das críticas que meiro, para aplicar os instrumentos em determina-
sistematicamente a CDHU recebe nessas audiên- da área, precisa-se saber quais são os objetivos
cias, eu gostaria de dizer que nós temos colocado daquela área. Por outro lado, eles devem conversar
o programa com transparência à disposição para adequadamente com o mercado. É preciso verifi-
todo mundo. Evidentemente, dentro de uma em- car como o mercado vai reagir em relação aos
presa estatal com todas as características que todos instrumentos, considerando a demanda por imó-
estão cansados de conhecer. Na verdade é o que veis e a oferta de financiamento. Caso contrário,
queremos, colocá-lo à disposição dos outros e a cada um dos instrumentos pode ou ser inócuo ou
parceria que estamos tentando é absolutamente prejudicial ao objetivo que se quer alcançar.
indispensável. Mas nós desenhamos um programa Por exemplo, a oferta de altos coeficientes de
com os nossos conhecimentos sobre essa realida- aproveitamento. Na Operação Urbana Centro é
de. Cabe aos demais nos procurar para um esforço um instrumento perverso, porque essa operação,
nesse sentido. A partir da assinatura com o BID, o ao concedê-lo a todos os tipos de empreendimen-
programa será divulgado com impressos e cartazes, to, acaba privilegiando aqueles que pagam melhor
programas de rádio etc. Mas essa divulgação que já pelos terrenos, ou seja, hotéis e grandes edifícios
estamos fazendo tecnicamente bastaria para pro- comerciais. Ninguém deixou de fazer HIS, ou
mover essa articulação. Peço para que, principal- moradias para outras faixas de renda, na área cen-
mente a parte política, faça agora essa articulação. tral, por causa do coeficiente de ocupação. Não é
preciso ter coeficiente 12 para fazer habitação na
Vereador Nabil Bonduki – Nosso relatório final área central. O coeficiente 4 esta ótimo, aliás, com
vai buscar incorporar todos os programas que as isenções todas (áreas condominiais, térreos
existem, um pouco nessa perspectiva de pensar o cobertos etc.) chega-se a 5. Também não seria
todo, o conjunto dos órgãos e saber o que está se preciso estimular o remembramento com toda
fazendo na cidade e até, se for possível, propor a aquela proteção (pode-se dobrar o aproveitamento

82 Comissão de estudos sobre habitação na área central


do lote, quando se remembram vários lotes) por- fazer nada, nem entregar nada de presente. A
que remembramento de lote é o que o mercado CDHU diz que, com terra, ela constrói. A Cohab
faz na cidade inteira, aliás, com efeitos perversos diz que, com dinheiro, ela constrói. Por que a
de destruir bairros consolidados, juntando dois ou CDHU não pode descentralizar os recursos que
três lotes, produzindo uma verticalização geral- vêm do ICMS que nós pagamos? Por que insiste
mente perversa, que expulsa os mais pobres. O em atuar igual a um agente do início do SFH, ab-
fato é que a OU Centro, apesar de oferecer gran- solutamente centralizador, mas que não faz plane-
des vantagens, não despertou o interesse do mer- jamento regional e urbano? A sociedade tem de
cado. Se, no período 1980-91 a taxa de exigir a mudança dessas coisas, mas para isso pre-
desocupação do centro foi grande, ela praticamen- cisa se organizar. Outra coisa é que, na hora de
te dobrou no período 1991-00 quando estava a- debater, a CDHU sempre manda pessoas bem
contecendo todo discurso de reabilitação das áreas intencionadas. Mas eu quero discutir com as pes-
centrais. Isso não aconteceu só na Sé e na Repú- soas que não deixam as coisas acontecerem.”
blica, que eram o limite do ProCentro, mas em "Para mim não interessa se a placa do empre-
todos os outros distritos. E isso é extremamente endimento é da prefeitura ou da CDHU. Quero
grave. Para reverter essa situação, precisamos de saber é quem vai fazer mais rápido, quem vai con-
instrumentos eficazes e de bem aplicá-los. seguir fazer a máquina funcionar. A sociedade não
Em relação ao Estatuto da Cidade: no meu en- pode aceitar que essa situação permaneça. As pes-
tender, o instrumento ZEIS não depende do Pla- soas têm que morar e metade delas simplesmente
no Diretor, pode ser votado separadamente. não tem alternativa. A ocupação de terra é admiti-
Sendo entendido como criação de uma nova zona da de uma forma hipócrita. Essa hipocrisia, refor-
na cidade, precisa somente de maioria qualificada. çada pela mídia, é tão grande que, quando a
Nessas zonas, poderá ser aplicada uma série de ocupação é de um prédio abandonado no centro
instrumentos que já existem e outros previstos no da cidade, trata-se como uma comoção, porque
Estatuto da Cidade, após a aprovação do Plano pobre no centro não pode. Mas lá na várzea do
Diretor. Deve ser estimulada a construção de bai- Tietê pode. Ocupar área frágil ambientalmente,
xo custo e que se faça rapidamente. Acho que protegida por lei, arriscando a ser levado pela en-
temos de usar ZEIS, maneira muito estudada, com chente a cada período de chuvas, isso é permitido.”
participação dos três agentes promotores (Prefei- "Seria bem interessante se alguma prefeitura con-
tura, Caixa e CDHU), discutindo como esse ins- seguisse fazer a fiscalização e cumprir a lei. Porque
trumento poderia permitir a construção de mais se, de uma hora para outra, a lei for efetivamente
HIS no Centro, introduzindo aspectos como qua- cumprida e a população for impedida de se instalar
lidade dos projetos e índices adequados. As ZEIS em favelas e de abrir loteamentos ilegais, nós va-
devem ser também um instrumento que obrigue o mos ter uma guerra civil e aí, quem sabe, a reforma
poder público municipal a investir, constando dos urbana acontece. Porque, na realidade, nem o
orçamentos anuais, e que comprometa no acordo poder público cumpre a lei e todo mundo finge
político os outros agentes. Assim, além do com- que não vê. Há tempos os urbanistas insistem em
promisso com relação à estratégia de negociação – não enxergar que a habitação é questão central no
proposto na mesa do dia 26 – também chamo para Plano Diretor. Isso está acontecendo de novo na
um compromisso dos partidos em participar dessa prefeitura de São Paulo."
discussão detalhada sobre o que deve ser projeto
de ZEIS. Vereador Ricardo Montoro – Sempre me per-
Sobre o projeto de moradia econômica do guntam o que penso do meu primeiro mandato
Construbusiness, lançado recentemente: não traz como vereador e sempre digo que a CMSP é uma
nenhuma grande novidade, é de extrema pobreza grande escola na qual se aprende todos os dias.
em relação ao Projeto Moradia. Continua colocan- Hoje, nesse dia de estudos, eu aprendi bastante.
do a questão fundiária como se ela não existisse, Gostei demais de ouvir todos os depoimentos e é
dizendo que com vontade política e “terrenos importante essa reciclagem
postos à disposição pelas prefeituras” nós vamos Foi comum na palavra de todos os oradores a
resolver o problema habitacional. É interessante necessidade definitiva de articulação entre os di-
saber que a indústria de construção está se preocu- versos agentes que trabalham com habitação na
pando em reduzir o custo de produção. Mas é pre- área federal, estadual e municipal. Está na hora de
ciso mostrar que, sem tocar na questão fundiária e ver a questão habitacional suprapartidariamente.
urbana, vamos avançar pouco. Não tem sentido um governo começar um proces-
so e outro governo terminar tudo, como se a ad-
Ermínia Maricato - “Decidi que não iria partici- ministração pertencesse a algum tipo de partido.
par do poder público neste momento, apesar de Fico também muito impressionado com essa
estar na universidade pública, porque acho que é grande questão que é a valorização imobiliária.
hora da sociedade civil se mexer. Ninguém vai

Comissão de estudos sobre habitação na área central 83


Como impedir que a coisa dê certo, que a pessoa urbanísticos em São Paulo que de fato viabilizem,
não venda seu imóvel depois para a especulação?. garantam a função social da propriedade, que ga-
rantam o espaço das várias classes sociais na cida-
Vereador Nabil Bonduki – Na CMSP teremos de urbanizada, área que estamos trabalhando aqui
uma grande batalha, que é a aprovação de instru- nessa Comissão. Vai ser importante também levar
mentos urbanísticos. Seja ZEIS, seja Plano Dire- as conclusões para os diversos órgãos públicos do
tor, são projetos que vão precisar de maioria município e do estado, da CEF e na Secretaria de
qualificada e por isso são mais difíceis de serem Planejamento do Município, que vai cuidar do
aprovados. Se conseguirmos um grau de coesão de Plano Diretor, na perspectiva de mostrar o posi-
vários partidos em cima das propostas que vão cionamento dessa casa mesmo que dentro de uma
sendo encaminhadas, será uma grande vitória. Comissão, um posicionamento no sentido do
Nossa Comissão de Estudos tem também esse interesse da cidade.
objetivo de formar opinião. É necessário avançar
inclusive nessa perspectiva, de criar instrumentos

84 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Sessão 5, em 29 de julho de 2001

Potencial de ocupação do centro e legislação urbanística


incidente
Mesa

Vereador José Laurindo de Oliveira (PT); Vereador Nabil Bonduki (PT); Vereador Ricardo Montoro
(PSDB); Eduardo Della Manna, Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração
de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo – SECOVI –; Ayrton Franco Santiago,
Superintendente da Rede Ferroviária Federal em São Paulo; Joel Felipe, Ação Direta Assessoria Técnica;
Helena Menna Barreto Silva, Vice-Presidente da Coordenadoria de Programas de Reabilitação da Área
Central – PROCENTRO – da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura do
Município de São Paulo – SEHAB/PMSP; Rosana Miranda, assessora da Federação das Associações
Comunitárias de São Paulo – FACESP; Miguel Reis Afonso, representante da União de Movimentos de
Moradia – UMM; Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC de
Campinas e pesquisadora do Instituto Pólis.

Ayrton Franco Santiago A São Paulo Railway Company construiu um


acesso da Estação do Pari até a rua Florêncio de
Todos sabem que a ferrovia é uma instituição Abreu, atualmente Rua Paula Souza.
centenária; a cidade de São Paulo cresceu ao longo Ao longo da ferrovia Railway, denominada
da mesma. O primeiro segmento ferroviário ini- SPR a mesma possuía vastas áreas que serviram
ciou-se em Santos e foi até Jundiaí, isto no nosso para o desenvolvimento de suas atividades, tais
estado, eixo este construído pela empresa inglesa como, pátios de estacionamento de trens, locais
São Paulo Railway Company, posteriormente E.F. para carga e descarga de vagões, construção de
Santos à Jundiaí e hoje denominada Rede Ferrovi- estação e oficinas etc., o que propiciou também a
ária Federal. Outros paulistas empreendedores chegada de industrias que, localizavam-se nas pro-
construíram a Companhia Paulista, a Sorocabana, ximidades da ferrovia, inclusive muitas delas pos-
a Araraquense, a Mogiana etc. suindo desvios ferroviários próprios.
A nossa Grande São Paulo desenvolveu-se ao A E.F. Sorocabana também chegava ao centro,
longo da ferrovia. Indústrias proliferaram ao longo na Estação Júlio Prestes; mas antes passava por
da ferrovia, notadamente entre os atuais bairros do seu grande terminal de cargas, localizado no bairro
Ipiranga e Lapa, atingindo posteriormente a região da Barra Funda, onde atualmente esta instalado o
do ABC. Memorial da América Latina e a estação terminal
Logo em seguida, as cidades do Rio de Janeiro da linha Leste-Oeste. Após a desativação deste ter-
e São Paulo foram unidas pela ferrovia Central do minal a E.F. Sorocabana (ex-FEPASA) deslocou-se
Brasil, chegando aqui através da Zona Leste e até para a localidade de Presidente Altino (próximo a
a região do bairro do Brás, na estação denominada Marginal do Rio Pinheiros) onde chegam e partem
atualmente de Estação Roosevelt. Nesta malha cargas para toda a região sul do país.
ferroviária, o forte eram os trens de carga e, não Os terminais ferroviários de São Paulo, ainda e-
os de passageiros. O desenvolvimento destes eixos xistentes, têm que ser preservados, porque ainda ser-
foi aumentando rapidamente, sendo que, até as vem e, poderão servir ainda mais a nossa cidade, no
décadas de 50 e 60, nossa periferia era composta tocante a desafogar o já caótico trânsito. Em qual-
por Pirituba, Jabaquara, Penha, Tucuruvi etc. Pra- quer debate sobre transporte público em nossa cida-
ticamente tudo se restringia à este círculo. de, só menciona-se o modal passageiros, não levando
O pátio central da ferrovia era o pátio do Pari, em conta o sistema de transporte de cargas que, mal
construído praticamente junto com a Estação da dimensionado atravanca todo o sistema viário, nota-
Luz no ano de 1901. Este pátio alimentava gran- damente na região central e adjacentes.
de parte da nossa São Paulo; as cargas ali saíam e São Paulo abandonou sua malha ferroviária,
chegavam do Porto de Santos. Já existiam alguns bem como suas ferrovias. A ferrovia foi e, ainda é
comércios no início do século, nas proximidades muito importante, podendo contribuir muito para
deste pátio, atualmente Ruas Florêncio de Abreu e que nossa cidade e a região metropolitana tenha uma
25 de Março, principalmente. melhor qualidade de vida. Deve a sociedade e nossos
políticos ficar atento para esta situação, pois sabendo

Comissão de estudos sobre habitação na área Central 85


utilizar a ferrovia, o resultado positivo para nossa vias. Acredita-se que qualquer ação, para dar
cidade e seus habitantes será fantástico. certo, terá que contar com a atuação de todos os
Estamos estudando, em conjunto com diversas cidadãos. Chegou-se a um momento em que
áreas da atual Administração Municipal, a possibi- devemos ir em direção a uma cultura de consenso.
lidade de utilização de áreas ao redor da ferrovia, Gostaria de comentar um número apresentado
onde poderão ser desenvolvidos locais para habi- pela Raquel Rolnik em nosso workshop, que está
tação. Na prática o assunto está iniciado, pois visi- cercado de uma certa áurea: a existência de 420
tas a diversos locais entre Perus a São Caetano, mil imóveis desocupados no município. Ele daria
bem como a Zona Leste já foram feitas. conta do déficit habitacional da ordem de 500 mil.
Enfatizamos neste final que, não podemos esquecer Se eles estão realmente desocupados, devemos ver
da malha ferroviária que corta a nossa cidade e região porque isso acontece e tentar desenvolver uma
metropolitana, para desafogar a já congestionada cidade política que dê uma destinação melhor a esses i-
de São Paulo que, tanto gostamos! móveis para cumprir sua função social.

Eduardo Della Manna Miguel Reis Afonso

O tema é certamente muito importante. No A União dos Movimentos de Moradia participa


workshop “São Paulo Minha Cidade”, sobre mora- deste evento com uma preocupação muito impor-
dia, concluiu-se que uma ação que privilegie a mo- tante no que diz respeito à defesa cidadania e de
radia certamente vai estar focada em três linhas: moradia digna para as pessoas que têm dificulda-
articulação institucional, revisão da legislação ur- des de acesso aos empreendimentos desenvolvidos
banística e ações e demandas localizadas. Uma na área central. Eu tinha muita dúvida com rela-
questão importante, quando se fala do potencial ção ao tema, pois discutir a legislação que incide
de ocupação do centro, é o momento de fazer a sobre a ocupação do centro é discutir teoria, no
revisão de uso e ocupação do solo, feita em 1972, mais das vezes as ações dos movimentos organi-
a qual favoreceu uma ocupação extensiva e gerou zados se dão fora da lei, fora da legislação, e com
exclusão social. A área central tem potencial cons- a construção de propostas alternativas aonde os
trutivo pequeno, comparativamente a outras cida- poderes públicos devem seguir estas iniciativas.
des. Um exemplo é o edifício Martinelli, que tem A UMM já existe há mais de 13 anos e, em to-
um coeficiente de aproveitamento de 18 à 22 ve- das as ações, sempre criou alternativas e política
zes a área do terreno. Isto quer dizer: é um poten- oficial: os empreendimentos hoje de Sapopemba e
cial comparável a outras capitais do mundo, numa Jardim São Francisco e da Nove de Julho são e-
região dotada de grande infra-estrutura. Seria mui- xemplos claros da intervenção vitoriosa, à despeito
to interessante partir para uma maior utilização da iniciativa oficial. O programa de financiamento
destes potenciais na região central, favorecendo da Caixa Econômica para habitação no centro
até o uso residencial. surgiu a partir da ocupação da Nove de Julho. Da
O potencial de ocupação do centro é enorme mesma maneira, o Governo do Estado teve inte-
mas as legislações não conseguiram apresentar resse em ocupar o prédio da Abolição com uso
soluções adequadas que focalizem o tema da habi- institucional a partir da ocupação do próprio pré-
tação. O SECOVI tem discutido isso em diversas dio. Ou seja, inúmeras situações mostram que
comissões, participou das discussões sobre o pro- temos que perseguir a legislação, uma construção
jeto de lei da operação urbana centro e que hoje de uma nova proposta. A alternativa para o mo-
passará por revisões para tentar incrementar o uso vimento, em razão até das circunstâncias de de-
residencial. O mercado imobiliário percebe o po- semprego e de condições de vida e de ocupação, é
tencial do centro e tem tido oportunidade de de- a criação de instrumentos para que isso possa vir a
senvolver alguns projetos. A grande dificuldade é ser regularizado.
de ordem jurídica, envolvendo a regularização dos Acho que a aprovação do Estatuto da Cidade é
imóveis. Muitos destes têm problemas de docu- mesmo importante, depois de 11 anos de tramitação.
mentos e isto, sem dúvidas, é um entrave. Uma Porém, o processo especulativo não vai ser resolvido
questão importante é a aprovação do Estatuto da pelo Estatuto da Cidade, se não tivermos nos muni-
Cidade, que apresenta instrumentos urbanísticos cípios pessoas que tenham capacidade e que possam
muito interessantes para o centro da cidade, o efetivamente tornar esta legislação aplicável, você vai
IPTU progressivo, as áreas de interesse social. tornar letra morta uma legislação que sempre foi es-
Mas todos eles dependerão de uma regulamenta- perada e nunca foi alcançada. É evidente que nós
ção futura e de como serão incorporados no nosso trabalhamos para que algumas coisas aconteçam.
plano diretor, que também deverá privilegiar a Não descartamos a possibilidade de que a legislação
ocupação de habitação na área central da cidade. somente aconteça a partir do momento em que se
Muito tem-se falado sobre a questão do apro- tenha o fato concreto a impulsionar a aprovação des-
veitamento do uso residencial ao longo das ferro- ta legislação. Eu acredito que a Câmara e o os gover-

86 Comissão de estudos sobre habitação na área Central


nos têm a obrigação de apresentar uma modificação Estamos vivendo um momento na cidade mui-
nesta legislação para que ela seja mais adequada ao to favorável de perspectiva de mudança com a
que existe hoje. Precisamos ter, na discussão dos no- nova gestão, de uma inversão das prioridades, de
vos instrumentos, uma visão muito mais objetiva e estar trazendo investimentos para as áreas mais
dentro da própria realidade, que está se colocando a pobres da cidade, tanto na área central quanto da
partir dos movimentos organizados. periferia da cidade. Neste sentido, existem forças
muito favoráveis e outras contrárias a uma política
Rosana Miranda de habitação no centro.
As favoráveis são as próprias características do
A área central exige várias abordagens do pon- centro; a própria degradação do centro acaba sendo
to de vista da questão habitacional. Isto porque um fator importante como potencial de transforma-
temos várias realidades, como o centro histórico e ção. É uma força motora para um processo de trans-
diferentemente dos bairros que circundam. Estes formação da área central. Por outro lado, existe uma
bairros possuem uma característica muito interes- estrutura fundiária caracterizada por um parcelamen-
sante. Ao mesmo tempo em que eles sofrem um to excessivo, com muitos proprietários, o que dificul-
processo de degradação intensa, possibilitam a ta negociações do ponto de vista da aquisição dos
preservação de características que marcaram um imóveis e negociação dos mesmos para poder inves-
momento histórico muito importante de definição tir em projetos habitacionais.
do perfil da cidade como cidade industrial. A grande contradição para se investir na área cen-
Devemos tratar esta visão da cidade como um tral é o conflito que se apresenta com a realização de
todo, o papel do centro no conjunto da cidade, projeto de renovação e investimento, que traz em si o
como um elemento de polarização. Também há risco de expulsar a população mais interessada nestes
características específicas em cada parte do centro, projetos, que vive em cortiços, empobrecida ou que
como para cada bairro, seja na área de habitação, vive em más condições na área central. Isso porque
na sua história, nas atividades comerciais e de ser- toda renovação acaba implicando num processo de
viço e na composição da população moradora. As valorização do solo urbano e de expulsão de quem
intervenções possíveis de habitação têm que in- vive nestas áreas. Este é um processo que acontece
corporar esta história, essa visão da estruturação na cidade como um todo. O centro corre este risco.
desses bairros. Há que se fazer uma mediação en- Não vejo perspectivas se não houver uma ação do
tre uma visão mais geral do que se pretende com poder público junto com a iniciativa privada, com
relação à cidade como um todo e o que cada bair- setores dos movimentos populares organizados na
ro destes tem de particular e de interesse, tanto área central, no sentido de discutir o estatuto do que
para preservação como para melhoria da qualidade se quer para a área central. Investir recursos maciços
de vida para a população. de recuperação destes bairros significa articular um
Os bairros em volta do anel central têm uma car- programa de revitalização com uma proposta de in-
ga histórica importante para a população que reside tervenção na área social. E esta proposta é a inter-
neles, assim como uma importância geral para a ci- venção de habitação de interesse social.
dade. A questão da relação da memória da nossa cul-
tura com a questão de projetos habitacionais é Joel Felipe
importante numa política pública para a área central.
É de interesse para a cidade e possui um caráter de- Desenvolvemos há cerca de dois anos vários
mocrático, pensar-se na mistura de várias tipologias estudos mostrando que este potencial de utilização
de arquitetura e a destinação de novos projetos habi- de imóveis vagos é indiscutível e, ao mesmo tem-
tacionais para diversas classes sociais. po, precisa ser cuidadosamente trabalhado. Temos
O foco do problema do centro, no entanto, é tentado entender e viabilizar os empreendimentos,
sua degradação e decadência. A raiz desse pro- chegando a algumas conclusões. Uma delas é que
blema está no empobrecimento da população, no para explorar este potencial é necessário viabilizar
desemprego e no deslocamento dos investimentos uma “cesta” de programas habitacionais de inte-
de maior monta para um determinado vetor da resse social.
cidade. A iniciativa privada fica à espera; se o po- Para provarmos a viabilidade deste potencial,
der público investir para valer ela investe naquele buscamos referências na Caixa Econômica Fede-
pedaço da cidade. Caso contrário, ela continua a ral, onde, atualmente, o programa que pode ser
investir no vetor de maior interesse. Isso é um utilizado, é o PAR - Programa de Arrendamento
problema para a cidade, porque toda vez que se Residencial. A princípio, este programa financiava
concentra todo o investimento econômico num um limite máximo de 20 mil reais para aquisição
determinado vetor, a tendência é que o restante de imóveis prontos para a execução de reformas,
dos negócios urbanos não tenha uma melhor dis- ou de terrenos vazios ou com baixo adensamento
tribuição espacial. para a construção de novas unidades. A dificulda-
de de se encontrar imóveis com custos compatí-

Comissão de estudos sobre habitação na área Central 87


veis em São Paulo, forçou uma ampliação do limi- estudos mostram que existem coeficientes baixos
te para 25 mil reais. Na simulação para os empre- no conjunto da cidade, mesmo na área central. Há
endimentos utilizamos edifícios de apartamentos elementos de flexibilização do zoneamento que
com uma tipologia habitacional que a CDHU vem favorecem certos tipos de produtos em detrimento
praticando para os chamados “pulmões”, no âm- de outros, como a forma de Adirom, que favorece
bito do PAC – Programa de Atuação em Cortiços. uma verticalização intensiva – boa para alguns
São unidades com áreas bastante reduzidas, oito bairros, mas não para toda a cidade – e a operação
unidades por andar e que permitem um grande interligada, que permitia compra de coeficiente
adensamento, pré-requisito para terrenos que são para aproveitar mais intensivamente os terrenos.
muito caros. Ultimamente, há também a transferência de po-
Nestas simulações, após a análise nos 10 distri- tencial construtivo que permite a aquisição de coe-
tos que compõem a Administração Regional da ficiente a ser utilizado em outra área da cidade.
Sé, vimos que, na Sé e República, a única opção Temos coeficientes completamente desligados
seria a reforma, uma vez que os custos dos terre- da questão do desenho urbano, da preservação do
nos são extremamente caros. Por exemplo, na Rua patrimônio e do tecido social. Esta é uma questão
do Triunfo, o terreno custaria 1.118 reais o m2, muito grave e que se acentua na área central. Por
inviabilizando a implantação em função do custo outro lado, existe a questão do direito dos coefici-
da cota reservada a cada unidade. A alternativa entes adquiridos, assumidos lote a lote, que em
aceitável seria a compra de edifícios de escritórios muitos casos deveriam ser considerados na qua-
sem uso. Por outro lado, a conseqüência do esfor- dra, procurando sempre levar em conta o que já
ço de viabilizar o uso dos recursos deste programa está construído e, em muitos casos, com relação a
é a baixa qualidade habitacional nestes distritos, um perímetro bem maior do que apenas a quadra.
uma vez que, no afã de resolvê-lo, provoca-se um Existe uma forma de tratar o problema da revisão
tal adensamento nestes projetos de reformas que da legislação urbanística na área mais central e nos
deveríamos colocar muitas unidades com 22m2, e, bairros centrais que pode ter uma grande influência
no máximo e raramente, de 30m2. Com estas ca- sobre os preços dos terrenos. A questão do subsídio
racterísticas, podemos dizer que é possível explo- é fundamental na política habitacional como um todo
rar este potencial com os programas existentes, e fundamentalmente no centro. É justo subsidiar para
porém com as unidades muito pequenas. que se venha a utilizar uma área já dotada de infra-
Nos oito demais distritos, observamos que, os estrutura. Contudo, na prática se faz subsídio em
projetos que deveriam utilizar a “cesta” de pro- zonas não dotadas de infra-estrutura e muitas vezes
gramas existentes não deslancham, são inviáveis, a subsidiando a infra-estrutura necessária.
menos que se aumente o limite de financiamento Deve-se levar em conta três elementos que são: a
do PAR, o que significa conseqüências negativas, questão da geração de trânsito, da proteção do patri-
uma vez que estaríamos favorecendo o processo mônio e da proteção do tecido social. A atribuição
de especulação imobiliária, já que nós não temos dos coeficientes deve ser levada em consideração
nenhum instrumento que controle o preço do i- sobretudo em função do uso que se quer dar.
móvel ou terreno. Ou a gente pressiona a Caixa O problema da reabilitação dos imóveis tom-
para aumentar ou tem que mudar de linha de fi- bados está ligado a um problema de tecnologia da
nanciamento, por exemplo, com a Carta de Crédi- reforma e do desenvolvimento da indústria da
to Associativo, que não é próprio para essa reforma para que se possa reduzir o componente
população. Ou a gente desiste. obra. As duas questões são importantes, mas há
Assim, a população vai acabar entrando em al- muito o que ser trabalhado no componente legis-
gum programa que seja altamente subsidiado, o lação urbanística, no sentido de evitar ou reduzir
que significa um custo social bastante elevado que preços em certas áreas e valorização em outras.
recai sobre todo o cidadão de São Paulo. Portanto,
é necessário resolver o controle do custo da terra, DEBATEDORA DA MESA
assim como criar instrumentos para, por exemplo,
acessar os terrenos que estão com problemas de Raquel Rolnik
débitos e dívidas com a Prefeitura, criando nego-
ciações para colocar no mercado de habitação de Eu gostaria de debater as falas que me antecede-
interesse social. ram, tentando encaminhar para questões mais gerais.
Em relação à questão dos trens, acho fundamen-
Helena Menna Barreto tal reconhecer o transporte de carga de ferrovia na
cidade de São Paulo, sabendo que os caminhos são
Eu gostaria de falar sobre o papel que o zone- elementos de complicação do trânsito da cidade. No
amento tem tido na cidade, em especial no centro. entanto, eu queria levantar duas questões que são
Três elementos precisam ser destacados: coeficien- importantes para pensarmos. Quando o Governo do
tes, taxas de ocupação e tipos residenciais. Vários Estado pensa em usar mais intensamente os trilhos

88 Comissão de estudos sobre habitação na área Central


dos trens para transporte de passageiros, a idéia que um investimento político e o estabelecimento de
está por trás é a de ruptura, de que os trens são hoje uma estratégia que aproxime a demanda com a
trens de subúrbios, se transformem em metrôs de oferta. E isso é questão clássica no problema de
superfícies. Portanto, a relação disso com o uso do moradia. Temos um descompasso absoluto entre
solo não é apenas a de trazer quem mora em Francis- o que é oferta e o que é demanda. Elas não batem:
co Morato para trabalhar no centro e depois devol- na área central, há um número de oferta de flats,
ver, mas a idéia de provocar toda uma reocupação de sobretudo na área em direção a Bela Vista, mais
todos os bairros ao longo da ferrovia, com moradia, voltada para os Jardins, sendo que a maior de-
com geração de emprego, comércio, serviço e indús- manda não é para flat. É incrível o descompasso.
tria. Até porque a grande indústria que usava a linha Com relação ao Estatuto da Cidade, eu gostaria
do trem com grandes galpões e grandes estruturas se de lembrar que os instrumentos que nele constam
deslocou do município de São Paulo e até da Região dependem unicamente do Plano Diretor do municí-
Metropolitana hoje. Mas uma nova indústria continua pio. Este necessita absorvê-los e definir como se dará
presente na capital, e é fundamental afirmar a voca- a implantação em nível municipal. Isso coloca para o
ção industrial do município de São Paulo, agora pe- Plano Diretor uma nova concepção de intervenção
quena e média indústria, muito mais misturada ao no território. Muda muito o perfil do plano, ele passa
tecido urbano. Isso seria um enorme potencial de a ter muito mais a função de indutor do que a de
renovação para essas áreas lindeiras da orla da ferro- apresentar um modelo geral de cidade. E coloca uma
via. Não acredito que essa proposta significaria obrigação para o Plano de definir como esses instru-
renunciar ao transporte ferroviário de carga, está aí a mentos podem ser aplicados.
proposta do ferroanel. Mas acho também que temos Em relação à questão do potencial e dos coefi-
de transformar a malha ferroviária que atravessa o cientes de aproveitamento: coeficiente alto não é
município em metrô de superfície, o que acrescenta- sinônimo de densidade demográfica alta. Aliás, de
ria 122 km para a nossa rede de metrô, mudaria to- acordo com as tipologias adotadas no município
talmente os potenciais de uso e ocupação do solo, e de São Paulo, é antônimo. Onde tem, com exce-
permitiria repovoar a cidade na sua área consolidada. ção da área central, pedaços da cidade com poten-
Com isso eu faço a ligação com o tema dos ciais altos (Z-3 por exemplo), diminuiu o número
imóveis vazios. Efetivamente o Censo 2000 trou- de população e não aumentou, despovoou. Eu
xe esse dado. São 420 mil imóveis residenciais acho que há o consenso de que deveríamos inter-
vazios, domicílios, apartamentos ou casas vazias. vir no zoneamento, mas é essencial repensar quais
Não é que esteja tudo em área consolidada, área serão os instrumentos que servirão para o controle
central. Há uma altíssima porcentagem de domicí- de uso e ocupação do solo. E eu considero que
lios que se encontram, por exemplo, no distrito de coeficiente de aproveitamento deveria ir para o
Sapopemba. É uma das mais altas taxas de imó- museu do urbanismo e não ser mais utilizado co-
veis vazios em relação ao próprio parque constru- mo estratégia de controle de densidade. Creio que
ído de domicílios em Sapopemba. Isso aparece em temos outras formas para controlar isso, por e-
todos os distritos com muita intensidade e não xemplo a própria densidade. E, outros municípios
somente na área consolidada. Na área central ex- já têm adotado isso. Temos que pensar numa nova
pandida, é muito grande sim o número de domicí- estratégia para intervir na cidade a partir de um
lios vazios, e isso nos leva a fazer uma reflexão objetivo e de uma estratégia. Normalmente,
muito séria sobre a questão da política habitacio- discute-se o instrumento e não o objetivo que se
nal. Historicamente, a discussão da política habita- quer ter. temos que inverter este raciocínio.
cional pensa na produção e construção. E estamos Para concluir, me parece que uma proposta de
numa situação no município de São Paulo em que intervenção na área central, no sentido de possibi-
o tema fundamental é o do repovoamento e da litar mais alternativas de moradia, através de re-
regularização. Isso porque temos um enorme par- forma ou construção nova nas áreas de renovação
que construído, uma parte dele obsoleto, sem ou ainda vazias, evidentemente vai carecer de uma
condição de uso. Neste conjunto de imóveis vazi- mudança da legislação urbanística, mas é muito
os, há imóveis degradados, caindo aos pedaços, importante que se faça uma avaliação do impacto
sem condição de uso; há herança “micada”, que da legislação urbanística atual nos processos de
não consegue se viabilizar, há uma parte que está constituição desses mercados para que possamos
em processo de transferência, além de imóveis que efetivamente desenhar uma legislação urbanística
estão sendo vendidos e alugados. Acho que é que possa estar atendendo os novos objetivos des-
preciso se debruçar mais sobre esses números e ta mudança. E, finalmente, parece absolutamente
entender mais. Contudo, uma parte do parque claro que esse é um dos temas estratégicos de um
imobiliário precisa ser repovoado, o que significa Plano Diretor para o município de São Paulo.

Comissão de estudos sobre habitação na área Central 89


Alguns dos participantes dos debates da Comissão de Estudos

90 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Sessão 6, em 6 de julho de 2001

Reforma e reciclagem de edificações na área central e legis-


lação pertinente
Mesa

Vereadora Ana Martins (PCdoB); Vereador José Laurindo de Oliveira (PT); Vereador Nabil Bonduki
(PT); Vereador Ricardo Montoro (PSDB); Claudio Bernardes, Conselho Consultivo da Construtora
Ingai Incorporadora S/A, Bruno Sandin; Caixa Econômica Federal; Manoel Rodríguez Alves,
professor da Escola de Engenharia de São Carlos e coordenador da Assessoria Técnica Fábrica Urbana;
Leila Diegoli, Diretora do Departamento de Patrimônio Histórico – DPH – da Secretaria Municipal de
Cultura; Luiz Kohara, Assessor da Superintendência de Habitação Popular – HABI – e Paula Maria
Motta Lara, Diretora de Departamento de Aprovação – APROV – da Secretaria de Habitação e
Desenvolvimento Urbano da Prefeitura do Município de São Paulo – SEHAB/PMSP.

Vereador Nabil Bonduki superá-la, como a revisão da legislação para facili-


tar a aprovação de projetos de reforma e recicla-
O objetivo desta sessão é discutir a legislação gem de edifícios e, também, debater alternativas
referente à reforma e reciclagem de edifícios, tema tecnológicas e de projeto, inclusive considerando a
de maior importância na área central em função da relação com áreas protegidas pelo CONDEPHAT
existência de um enorme conjunto de edificações e DPH, considerando o fato de que não temos
ociosas e que foram, originalmente, projetadas uma tradição de realizar este tipo de obra. A nossa
para escritórios e outras funções que não a habi- indústria de construção habitacional esteve, histo-
tação de interesse social. Hoje, em decorrência de ricamente, envolvida num processo de construção
estarem subutilizadas ou não utilizadas, elas têm de conjuntos habitacionais novos. É recente o tra-
que passar por um processo de reciclagem. Trata- balho com urbanização de favelas e outras formas
se de um problema de máxima importância para de construção alternativas, mas ainda não há uma
São Paulo, nesse novo milênio. Problema novo tradição de se construir habitação de interesse so-
porque a cidade, em nenhum momento até agora, cial, em áreas consolidadas, ao nível do lote, pois
havia passado por um processo tão acelerado de só existem apenas algumas experiências pontuais
obsolescência das suas edificações, principalmente e, em menor número ainda, experiências de re-
na área central. A cidade, já praticamente demolida forma e reciclagem de edificações. Conseqüente-
e reconstruída antes de ficar antiga, em outros mente, ainda não existe base de custo para esse
ciclos imobiliários e econômicos da cidade. O cas- tipo de empreendimento, mão de obra qualificada,
co colonial foi destruído no começo do século arquitetos especializados, etc. Nesta sessão buscar-
para construção da cidade eclética, que por sua se-á enfrentar esses problemas e propostas.
vez foi demolida em grande parte nos anos 30, 40,
50, quando permaneceram, apenas, alguns edifí- Claudio Bernardes
cios remanescentes. Esses foram, em certa medi-
da, também demolidos e destruídos para dar lugar Este tipo de iniciativa é de extrema importân-
aos chamados arranha-céus. Na situação de hoje, cia quando se está querendo fazer alguma legisla-
entretanto, não existe viabilidade econômica para ção que possa beneficiar o desenvolvimento da
a demolição dos arranha-céus, embora estejam cidade. Este é o caso na questão da revitalização
obsoletos. do centro urbano.
O problema da reforma e reciclagem de edifí- São Paulo vai passar por um processo pelo
cios é um problema urbano da maior importância qual outras cidades do mundo já passaram. Po-
que, se não for enfrentado adequadamente, vai rém, cada cidade tem a sua fórmula adequada e
gerar, como tem gerado, uma arquitetura da des- ideal, pois nenhuma é igual à outra e São Paulo é
truição, como por exemplo, o Edifício do antigo muito diferente de muitas outras. Assim, uma
Hotel São Paulo, totalmente vazio. São cascos sem fórmula utilizada em determinados países poderia
nenhuma utilização, que necessitam passar por um não servir para São Paulo, mas, talvez, com al-
processo de reciclagem. O objetivo desta sessão é gumas adaptações, sim. Dentro da cidade devem
discutir o problema da obsolescência das edifica- existir fórmulas diferentes de fazer com que a re-
ções na área central e as ações necessárias para vitalização aconteça.

Comissão de estudos sobre habitação na área central 91


Revitalizar é trazer vida de novo, e o meca- breposto às paredes, criando os shafts. A
nismo mais adequado seria trazer a habitação de substituição de pisos e azulejos também foi feita
volta. As regiões podem ter vocações diferentes, da mesma maneira, colando piso sobre as pastilhas
mas, de uma maneira geral, se não for possível existentes e novos azulejos sobre os antigos. A
trazer habitação de volta ao centro da cidade, não instalação e alimentação elétrica foi redimensiona-
se conseguirá revitalizar todas as outras atividades da para adequar a potência dos novos equipamen-
econômicas que vêm em seguida. Uma experiência tos. As esquadrias foram reformadas, em alguns
que tivemos enquanto empresários na questão de casos, trocadas as portas e janelas. Como antiga-
trazer habitação de volta para o centro da cidade mente as portas eram maciças, as que estavam em
foi a aquisição de dois prédios no centro, residen- boas condições foram simplesmente reformadas.
ciais originariamente, que haviam sido alugados Muitos apartamentos tinham armários embutidos
durante muito tempo. Como a lei do inquilinato com cupim e foi possível recuperá-los. A pintura
era inadequada, inquilinos se perpetuaram pagan- foi toda refeita. Também executou-se a remodela-
do aluguéis muito baixos e os proprietários foram ção completa no térreo do edifício com todas as
se desinteressando pelo imóvel. As edificações adaptações do Contru, o que levou um pouco
foram se deteriorando, o prédio encontrava-se em mais de tempo. A fachada de pastilha foi mantida,
situação inabitável e acabou sendo vendido. A com a necessária recuperação e limpeza, pois esta-
experiência foi um sucesso do ponto de vista téc- va toda pichada. O tempo total de reforma foi de
nico e econômico. São dois prédios na esquina da oito meses, desde a concepção até a conclusão das
avenida São João com a rua General Julio Mar- obras.
condes, de dez pavimentos interconectados, cons-
truídos em 1956. PROPORCIONALIZAÇÃO DE CUSTOS
Eram 80 apartamentos de dois dormitórios, Projetos 3,26 %
sem vaga de garagem, com taxa de ocupação de Equipamentos e transportes 0,89%
100% do terreno e apartamentos com área útil Administração da obra 4,35 %
entre 80 e 100 m2. Existiam sete opções diferentes Escritório da obra 3,00%
de plantas, com área total entre 105 e 118 m2, e Instalações 34,20%
mais sete lojas no pavimento térreo. Primeiramen- Alvenaria 1,18 %
te, foi feita uma avaliação do ponto de vista estru-
Telhados 0,43%
tural, concluindo que a construção era bem
Impermeabilizações 0,41%
concebida e construída. Depois, uma avaliação de
Esquadrias 14,20%
mercado, quanto podiam pagar e quanto iriam
gastar na reforma. A conclusão foi que, para mo- Revest. Internos/Azulejos 12,10%
rar no centro, era preciso um bom produto a pre- Pisos 4,38%
ço muito baixo. Partiu-se de um preço ótimo que, Ferragens 0,76%
acreditava-se, o mercado poderia pagar, imaginan- Pintura 12,69%
do que o público-alvo seria a pessoa que trabalha- Vidros 1,19%
va no centro da cidade e morava longe. A partir Aparelhos sanitários 3,66%
daí, a conta foi feita ao contrário para negociar um Complementação/Térreo 2,03%
preço que fosse compatível com o proprietário. Limpeza 1,27%
Com isso, chegou-se à conclusão de que não era Total 100,00%
possível mexer na divisão dos apartamentos. Em-
bora fossem apartamentos grandes que poderiam O custo maior foi o das instalações (esquadri-
ter sido otimizados, o custo não permitiria que o as, azulejos e pisos). Em alvenaria foram feitas
produto fosse colocado no mercado. apenas algumas adaptações na área de serviço on-
Passadas estas três etapas, chegou-se a um a- de não cabia, por exemplo, máquina de lavar rou-
cordo de preço, os imóveis foram adquiridos e pa, uma vez que o prédio não havia sido projetado
teve início a concepção da reforma. Foi um pro- para isso.
cesso novo, pois estávamos acostumados a cons- O prédio tem 40 apartamentos de frente para o
truir coisas novas. A reestruturação completa Minhocão, o que se colocava como dúvida de
levou muito tempo de estudo e alternâncias na mercado, principalmente no primeiro e segundo
concepção. Todos os projetos executivos foram andar, mas foram justamente os primeiros aparta-
realizados, assim como a instalação elétrica, hi- mentos a serem vendidos, pela definição de uma
dráulica, TV a cabo, interfone, gás, que não existi- política de redução de preços que induziu a isto.
am na edificação. O planejamento da execução O preço médio por unidade era de R$ 55.000,00 e
levou mais tempo que a execução em si. as unidades desses dois primeiros andares foram
Toda a instalação hidráulica foi reprojetada e vendidas por R$ 35.000,00.
refeita; como era impossível quebrar tudo, foi fei- O apartamento com dois dormitórios, quarto
to um novo projeto de instalação hidráulica, so- de empregada e área de serviço tem cerca de

92 Comissão de estudos sobre habitação na área central


100m2 de área útil. No térreo foram adaptadas as Pode também ocorrer de ser oferecido um i-
instalações de gás e executados acabamentos com móvel um lote ou uma construção existente pelo
tratamento especial com aço escovado e granito seu proprietário ou empresa, em iniciativa dissoci-
no piso. Nos elevadores, que eram bem antigos, ada de organizações de interessados, para fins de
da Atlas, colocou-se aço escovado. Parte dos enquadramento para o programa PAR.
hidrantes também foi refeita. As vendas Conforme o programa de necessidades, a ca-
começaram em outubro de 1999 e foram racterística do imóvel, a demanda e os valores pra-
concluídas em janeiro de 2000: cerca de dois ticados na região, será definido o melhor partido
meses foram necessários para a venda de todos os para o empreendimento, ou seja, será executada
apartamentos.
Os compradores foram o público-alvo que ha- uma análise para identificar qual a melhor solução
via sido pensado, ou seja, quem trabalha no centro para o imóvel que passará pela adequação. Esse
da cidade, com faixas de rendas variadas. Foram partido adotado deverá contemplar as necessida-
vendidos, por exemplo, para quem tem carrinho des e limitações dos agentes reguladores seguintes:
de hot-dog perto da Santa Casa, para uma secretá- Valores praticados em mercado: Conforme
ria do escritório da Ingá e proprietários com diver- a região da cidade onde o imóvel está localizado, o
sos padrões de renda. valor, conseqüência da relação de curvas de oferta
Com relação à iniciativa destes debates, de e demanda, tem um determinado comportamento,
colocar idéias para uma legislação que aprimore e e isso tem conseqüência direta no resultado da
facilite a utilização do centro, há outros projetos comercialização do imóvel e na viabilidade do
em andamento para o centro da cidade que devem empreendimento.
ser analisados, como o projeto Cristo Rei, da ar- Restrições de ordem construtiva: Muitas ve-
quiteta Cecília Azevedo. Este projeto está encon- zes as reformas em edifícios existentes, comerciais
trando dificuldades na relação entre Condephaat e ou residenciais, podem trazer certas dificuldades
Compresp e na tramitação. Talvez fosse interes- na recompartimentação, problemas estruturais, de
sante agilizar aqueles processos que estão se pro- custos, de ventilação e de salubridade da unidade
pondo a fazer alguma coisa em prol do centro da final.
cidade. Eles sabiam que iriam ter dificuldades na Restrições de ordem legal: Aqui existem di-
legislação e, por isso, optaram por não mudar a versos fatores atuando que serão abordados mais
compartimentação, executando apenas uma “ma- adiante.
quiagem”. Eles sabiam que se tivessem que rees- Parâmetros de custo: Envolvem desde o va-
truturar a compartimentação seria impossível lor inicial de aquisição do lote ou do imóvel já
garantir os prazos, e só foi possível viabilizar este edificado até os custos de adaptação, que vão ser
empreendimento com a margem de lucro necessá- decorrentes da natureza ou do tipo de edificação e
ria porque o prazo foi muito curto. Se tivesse que da proposta que se tem para o imóvel.
aprovar um projeto, o custo financeiro iria tirar a Análise da garantia operacional: Em se tra-
rentabilidade. tando de operação feita pela Caixa Econômica
Federal envolvendo recursos públicos, existe uma
Bruno A. Sandin análise da garantia porque, uma vez que um de-
terminado arrendatário se torne inadimplente, é
A discussão abrange o processo de implanta- preciso garantir o equilíbrio de valor em um novo
ção de habitações no centro de São Paulo, assim repasse ou até a garantia de que aquele imóvel
como a legislação pertinente, e a visão da Caixa recolocado em mercado tenha receptividade no
acerca desses processos. preço oferecido.
A implantação de um projeto de habitação de Valores praticados em mercado: O compor-
interesse social, dentro do processo da Caixa, se tamento de mercado na microrregião onde está
compõe das seguintes fases: a caracterização da situado o imóvel será verificado através de um
demanda, a caracterização do objeto, a análise da laudo de avaliação do bem pretendido. Este laudo,
viabilidade financeira do empreendimento, os pro- executado pela Caixa, contempla naquela região,
jetos e análises envolvidos no andamento proces- geralmente por laudos de precisão superior previs-
sual, a aprovação do empreendimento pela ta na norma brasileira, os valores praticados para a
Prefeitura de São Paulo, a contratação, após análi- venda do imóvel em condições verificadas naquele
se e aprovação da Caixa Econômica, e as obras momento. Existe uma diferença entre aqueles va-
civis de adaptação e posterior utilização. lores efetuados e os valores pretendidos na oferta.
A caracterização da demanda ocorre a partir de Por isso, a Caixa busca nos laudos de avaliação
iniciativa de associação representativa que se apre- obter os valores que representem aqueles realmen-
sente como interessada em um determinado imó- te praticados numa negociação efetiva, e esse valor
vel, lote ou edificação, para que nele seja edificado inicial é determinante para a viabilidade do pro-
ou construído ou adaptado ao uso residencial nos cesso, pelo enquadramento dos valores limites do
moldes do programa PAR. programa. Existe um valor limite para a unidade

Comissão de estudos sobre habitação na área central 93


pronta e reformada e, obviamente, ele tem que Parâmetros de custo: Vale lembrar que o
englobar o valor do imóvel adquirido, os custos PAR tem como limite o valor de 25 mil reais, que
de adaptação e a remuneração da construtora que deverá contemplar o custo de aquisição e o custo
for fazer este serviço. de reforma ou construção. Este é o nosso parâme-
Restrições de ordem construtiva: Como res- tro limite para a comercialização e esse valor deve
trições de ordem física, tendo em vista que os i- ser verificado e existir plena paridade com o valor
móveis serão adaptados com limite de área por do mercado. Não é porque o teto é 25 mil reais
unidade, considera-se determinante nos custos que ele pode ser colocado no mercado por esse
necessários às adaptações a conformação física preço. Isso somente pode ser feito se uma unidade
existente. Em construções antigas, nas quais os assemelhada em características naquela microrre-
cômodos eram grandes, ocorre por vezes a subdi- gião tenha um valor de imóvel de mercado asse-
visão de um imóvel em imóveis menores ou uni- melhado, caso contrário, aquele imóvel amanhã
dades menores, que resultam em compartimentos não terá mercado num eventual repasse.
grandes de área grande. Uma vez que se é ali pra- Também como parâmetro de custo, para
ticado um valor unitário de venda alto, um imóvel garantia da regularidade da operação, os valores
com limite de 25 mil reais pode chegar até a invia- envolvidos no processo de construção ou de
bilizar um determinado edifício, a menos que se reforma deverão estar coerentes com aqueles do
façam alterações grandes na fachada, o que, em sistema de custos da Caixa, o Sinapi. Vale lembrar
conseqüência, aumenta o custo da obra. que a Caixa está adaptando estes parâmetros para
Outra restrição de ordem construtiva na análise o sistema de reforma, tema relativamente novo
técnica é a que leva em conta o número de unida- para a Caixa, que seria uma adaptação
des e o impacto dos custos de reforma e manuten- eventualmente de um prédio industrial, comercial
ção futura, de responsabilidade dos futuros ou até residencial com uma subdivisão com custos
arrendatários. Como se trata de uma habitação de e valores que devem ser apropriados e são muito
interesse social, é importante que na análise do específicos.
Análise da garantia operacional: Toda ope-
projeto se verifique também os custos previstos de ração envolvendo recurso público deve procurar
manutenção, que serão adicionados ao custo de contemplar a garantia de retorno que será repre-
aquisição, da prestação que o arrendatário vai ter. sentada pelo valor da unidade assemelhada colo-
Se o custo de manutenção do bem correr o risco cada em mercado. Também nesta análise a Caixa
de ser maior que o custo da prestação, é preciso tem zelado para que os projetos, ainda que de in-
verificar se o arrendatário terá condições de hon- teresse social, mantenham na sua solução caracte-
rar o compromisso. Por isso, é necessário rísticas que os assemelhem àqueles existentes para
dimensionar bem o número de unidades, para que a mesma faixa de renda e mercado. Ou seja: aque-
exista um equilíbrio também no custo de le imóvel que for colocado no sistema PAR em
manutenção, que é um custo pesado num edifício mercado para uma quitinete ou apartamento de
de proporções mais avantajadas. quarto sala, não deve possuir características físicas
Restrições de ordem legal: Os imóveis a se- muito diferentes do que se demanda na região de
rem adquiridos com recursos do PAR devem, por entorno, até para que ele possa ser enquadrado em
preceituação legal, possuir regularidade documen- mercado. Daqui a 15 anos, por exemplo, o propri-
tal, o que é raro na área central. Muitas vezes são etário pode querer vender e passar para uma situa-
imóveis frutos de herança ou espólios mal- ção melhor e aquele imóvel deve ter características
resolvidos, com documentação duvidosa ou que que garantam sua atratividade. A análise da garan-
não podem ser regularizados para uma operação tia operacional também se preocupa com isso
envolvendo recursos públicos, com legalidade ou porque este valor somente se preservará a partir
titularidade apresentando restrições documentais. do potencial de atratividade desta unidade coloca-
Numa escala um pouco menor, também é co- da em mercado.
mum na área central encontrar restrições Todo este trabalho representa uma parcela da
decorrentes de proteção de imóveis de interesse, função social da Caixa. Através do PAR, a Caixa
seja por restrição em nível federal ou estadual, do procurar resgatar a cidadania de uma camada ra-
Condephat, ou até municipal, do Compresp. zoável da população que hoje vive em situações
Quando se trabalha com algum imóvel ao redor subumanas e vergonhosas. A meta é vencer o de-
do Condephat, deve-se primeiro aprovar nesse safio atingindo este objetivo, sem porém jamais
conselho. Observa-se também que a recuperação prescindir de conceitos básicos nestas edificações
de elementos estruturais do prédios como facha- de segurança, higiene, conforto e salubridade, que
das e esquadrias, são de um custo mais elevado: é é o que vão garantir a segurança e salubridade do
muito mais cara a recomposição das janelas de um usuário, o valor do imóvel hoje e no futuro, uma
prédio do final do século XIX, com 2,5 m de altu- vez adquirido pelo arrendatário, e a própria segu-
ra e em madeira, do que comprar no mercado uma rança da comunidade com um todo.
janela Sassazaki.

94 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Manoel Rodríguez Alves rem promovidas certas intervenções na área cen-
tral, devem ser questionados.
Quando se fala em intervir na área central, de- Cabe a todos os arquitetos que pretendam de-
vem ser considerados quais são os objetivos e senvolver qualquer intervenção considerar a tota-
quais são as condições. A habitação não significa lidade dos aspectos. Há uma questão ética de
apenas número de unidades, mas também os ser- responsabilidade profissional que se coloca na
viços públicos oferecidos e, conseqüentemente, a formulação de intervenções arquitetônicas – en-
necessidade de associação de uma política habita- volvendo da caracterização do espaço urbano ao
cional à uma política urbana. Os trabalhos em de- estudo das configurações e conformações espaci-
senvolvimento incorporam-se a uma operação ais das propostas.
cultural e política, objetivando uma alternativa ao Destacam-se também as dificuldades no equa-
processo hegemônico em relação à área central, cionamento do PAR na área central da cidade face
que se constitui, fundamentalmente, de uma ten- ao seu limite financeiro de R$ 25.000,00 e, em
dência de privatização de espaços públicos e espe- função das regras do financiamento proposto, do
culação imobiliária. desenvolvimento de uma diversidade tipológica
Portanto, qual deve ser o papel do poder pú- representativa – por exemplo com variações de
blico na formulação dessa política urbana? No área de 30 m2 a 40 e poucos m2. Portanto, as re-
desenvolvimento de intervenções e de projetos gras de financiamento do PAR deveriam ser me-
que compreendam uma visão de cidade, para que, lhor estudadas, com procedimentos e processos
a partir daí, seja possível estabelecer diretrizes para que permitam equacionar essas e outras questões.
estas intervenções, o que coloca uma primeira Dos trabalhos a serem apresentados, dois estão
questão que compreende a legislação em estudo e um já em obras.
Intervir na área central diz respeito a nossa pró-
pria identidade, diz respeito à memória e à história 1. Hotel São Paulo
que temos, conseqüentemente, engloba questões do Define-se não em função dos limites financei-
patrimônio e o que importa então é qual noção de ros do programa PAR, mas da análise de sua situ-
patrimônio está colocada, o que se entende por pa- ação de inserção urbana, de aspectos da memória
trimônio, qual o seu limite e o que se pretende. da cidade e de questões de referenciais como a rua
Dois aspectos são fundamentais em qualquer São Francisco e a Ladeira da Memória. Admite-se
intervenção na área central: a recuperação do teci- que ele seja integrante de uma intervenção urbana
do urbano e a recuperação do tecido social. Por e, por outro lado, piloto do papel do poder públi-
recuperação do tecidos social, falo dos distintos co na questão habitacional e na questão urbana.
grupos sociais que compreendem uma sociedade, Em função da abordagem, a proposta para o
ou seja, de procurar garantir que o centro seja re- Hotel São Paulo só é viável com o aporte de re-
presentativo destes distintos grupos sociais. Repo- cursos do poder público, em função do valor do
voar já seria uma reversão de uma tendência que imóvel, dos custos de obra e dos valores possíveis
ocorreu há alguns anos atrás. de serem auferidos pelo programa PAR. Assim,
Em relação à política habitacional, a história da uma questão que se coloca é como viabilizá-lo?
produção habitacional, salvo exceções, tem sido Os estudos desenvolvidos pela Fábrica reduzi-
basicamente determinada pelo aspecto quantitati- ram na ordem de 30% o número de unidades ha-
vo – ou seja, em número de unidades habitacio- bitacionais de outras propostas, tanto em função
nais. Nesse sentido, questiono qual é o papel do das características da proposta quanto em função
poder público, que diretrizes traça, que parâmetros de questões técnicas de habitabilidade das mes-
estabelece. Fundamentalmente, a associação da mas. A proposta que apresentou define que os
oferta habitacional à provisão de infra-estrutura e primeiros pavimentos sejam destinados a serviços
de serviços. públicos. Portanto, distingue-se de uma parceria
Nesse sentido, tratando-se da área central de com a iniciativa privada destinada à comercializa-
São Paulo, não basta apenas examinar a viabilida- ção de áreas comerciais. Portanto, uma proposta
de ou não de um empreendimento em função do que assuma a oferta de serviços públicos como
número de unidades, de parâmetros de densidade integrante de seu escopo.
ou de coeficientes de aproveitamento, mas é ne- O projeto, apresentado em anexo ao presente,
cessário sim considerar outros parâmetros de aná- formulado no contexto de sua inserção no tecido
lise que não só um dado limite financeiro. Não urbano, propõe também a ocupação de um terreno
existe correlação direta entre verticalização e den- contíguo, atualmente utilizado pela Limpurb, da
sidade; ou seja, uma maior verticalização não cor- Secretaria de Obras, destinando-o a áreas de lazer,
responde necessariamente a um aumento de sociabilização e recreação infantil. Nesse terreno,
densidade habitacional. Além do que, os níveis de com acesso atual pela avenida 23 de Maio, prevê-
densidade possíveis de serem alcançados, ao se- se a manutenção das atividades administrativas da
Limpurb em uma nova edificação.

Comissão de estudos sobre habitação na área central 95


No aspecto da oferta de serviços públicos, e vidas para os mesmos, que são distribuídas pelo
considerando-se o número de pessoas que diaria- projeto, não apenas em um único bloco ou setor,
mente circulam pela área, exemplifica-se a propos- de modo a evitar um gueto dos idosos e facilitar
ta pela definição de um centro de requalificação sua integração.
profissional, um pequeno centro de atendimento
médico, um posto telefônico e uma creche, alguns 3. Maria Paula
deles previstos para funcionarem 24 horas. O edifício atualmente está em obras e tem 75
A solução do pavimento térreo, ao buscar es- unidades. Algumas experimentações técnico-
tabelecer uma referência com a Praça das Bandei- construtivas estão em andamento no sentido do
ras, coloca a questão do patrimônio na definição reaproveitamento do material de entulho dentro
da intervenção proposta. da própria obra.
Procurou-se mostrar a possibilidade de uma al- Há muitas dificuldades em relação às diferen-
ta diversidade tipológica que compreenda distintas ças entre a planta disponível, a planta aprovada e a
configurações espaciais e diferentes áreas, com um planta real, o que coloca muitas vezes sérios pro-
número de soluções que possam responder à di- blemas projetuais. Por exemplo, a incompatibili-
versidade social pretendida. O número de unida- dade entre um estudo a partir da planta legal e a
des possíveis pode variar de 144 a 162. Essa realidade do imóvel, uma vez que, quando do le-
variação decorre do conceito de vilas interdepen- vantamento, encontram-se problemas que deman-
dentes para cada um dos andares e a existência ou dam a alteração do projeto.
não de uma área comunitária coletiva em cada um Em relação ao processo de aprovação do pro-
desses andares. Propõe-se essa abordagem tam- jeto em Aprov na Sehab, a postura da Prefeitura
bém em função de aspectos da gestão condomini- foi totalmente condizente com a situação de anali-
al, de instalações técnicas e outras. Esses e outros sar especificamente o projeto. A análise da equipe
aspectos procuram minimizar os riscos de se técnica buscou soluções que considerem um pré-
transformar intervenções em prédios deste porte dio construído para uma outra legislação. Apesar
em algo que possa permitir a lembrança, por e- disso, há algumas questões divergentes em relação
xemplo, do edifício São Vito. às normas de segurança entre os bombeiros e a
Em termos construtivos, propõe-se a localiza- própria Prefeitura.
ção das áreas molhadas lindeiras no corredor de No projeto, destacam-se enfim as áreas de re-
circulação, facilitando a manutenção e sem interfe- creação. Não importa somente o número de uni-
rências no andar imediatamente inferior. Outro dades, mas também o de espaços de
aspecto técnico-construtivo diz respeito às divi- sociabilização.
sões internas. Em função da sobrecarga da estru-
tura, o ideal é que elas sejam feitas com painéis DEBATE
leves, similarmente a empreendimentos de alto
padrão que empregam o conceito de obra seca. Cláudio Bernardes – Em relação à origem dos
recursos, a maior parte das unidades foi financiada
2. Semab pela Caixa Econômica Federal, através do Pro-
O projeto Semab incorpora outras questões. Na grama Carta de Crédito Associativo, um caso pelo
realidade, um terreno que demanda um acordo inter- Banco Itaú e, em alguns casos em que havia pro-
secretarial, a cessão do imóvel da Secretaria de Abas- blemas de comprovação de renda, foi realizado o
tecimento à Secretaria da Habitação, para o financiamento direto com a construtora. Esse foi
desenvolvimento do Programa de Locação Social. o único empreendimento realizado. Não foi possí-
Dois itens podem ser destacados: vel repetir a operação porque o preço de venda
– a questão da densidade, projetada em torno para a construtora de edifícios semelhantes estu-
de 1300 hab/ha; dados na área central, seria o mesmo que eles teri-
– a questão de legislação, de quais mecanismos am que vender para os compradores finais, devido
e quais aspectos legais são representativos para as a uma valorização de imóveis semelhantes naquele
características do empreendimento. Por exemplo, momento.
o número de vagas exigido pela legislação de HIS, Considero muito difícil que a deterioração o-
considerando-se a localização do projeto. corrida no prédio se repita pelo fato de anterior-
Pelo público que incorpora, idosos e catadores mente, o prédio ser de uma pessoa só e as
de papel, é um empreendimento a ser financiado unidades todas alugadas. Assim, os inquilinos não
pelo Fundo Municipal de Habitação. tinham o mesmo cuidado que os proprietários
No projeto elaborado, apresentado em anexo, teriam. O prédio permanece, um ano depois, mui-
destacam-se a área independente dos carrinheiros, to bem cuidado, as pessoas estão pagando as
o centro assistencial, a horta comunitária, o trata- prestações do financiamento e sentindo que têm
mento das áreas externas e a área coletiva dos ido- de tomar conta do que é deles.
sos, bem como as unidades específicas desenvol-

96 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Em relação ao fato do edifício não ter gara- linha, não se revitalizará o centro da cidade de São
gem, como o público-alvo eram pessoas que tra- Paulo.
balham no centro, o automóvel seria desnecessário
e até poderia ser vendido para dar entrada no a- Bruno Sandin – Esse resultado de valor de mer-
partamento. Porém, considerando que hoje todo cado é fruto de uma relação de curva de demanda.
mundo tem veículo, para minorar essa questão, foi Quando há uma maior intervenção na área central,
feito um acordo com um estacionamento em fren- aumenta a oferta de residências, independente da
te ao prédio, utilizado durante o dia e que perma- faixa de renda a que se destinam. Aumentará tam-
necia vazio à noite, fato que contribuiu para que bém o interesse em morar no Centro porque uma
se conseguisse uma condição muito boa para o área que estava abandonada, com edifícios degra-
contrato. Esse, entretanto, é um problema a ser dados, após uma reforma cria novos interesses nas
enfrentado. Devem ser desenvolvidas alternativas pessoas.
até de tecnologia executiva para prover de algum Concordo que implantar habitação de baixa
tipo de estacionamento os prédios reciclados do renda neste cenário é complicado, e caso o poder
centro. público não seja sério o suficiente para implantar
Respondendo à pergunta do vereador Laurindo o que for necessário, o processo de valorização vai
sobre a questão do mercado imobiliário estar tomar a área como um todo. Existem alguns itens
atento a essas reformas e iniciar um processo de específicos de mercado, como o Hotel São Paulo,
valorização da circunvizinhança, impossibilitando que é inadequado na região que se encontra para o
o barateamento da unidade habitacional refeita: o fim que se destinou originalmente, por isso ainda
processo de revitalização se baseia nisso, na va- está um pouco estagnado nesse processo de valo-
lorização que vai sendo induzida pelas readapta- rização. Se não houver serenidade e determinação
ções. Se houver condições de mercado para levar de se implantar determinados empreendimentos
habitação para o centro da cidade a preços convi- no local apropriado nesse momento, em curto ou
dativos, a iniciativa privada também o fará. A médio prazo até esses empreendimentos vão estar
partir do momento em que se leva habitação e inviabilizados pelo custo.
unidades de lazer para o Centro e se valorizam as
áreas, atraindo outro público, os valores vão ser Vereador Nabil Bonduki – Chamo a atenção
maiores. Então a utilização do centro não revitali- para um aspecto: a questão dos limites de financi-
zado para a solução de baixa renda teria um tem- amento na Caixa. Esses limites são um divisor
po de vida limitado. desse processo da valorização. Havendo uma pro-
dução de grande extensão, de grande quantidade e
Vereador Nabil Bonduki – Essa é uma das um limitador de um financiamento, isso seria
questões principais discutidas na comissão, que sempre um refreador do processo.
está sobretudo preocupada em evitar que os
segmentos de renda mais baixa sejam excluídos Cláudio Bernardes – O limite de financiamento
desse processo de recuperação do Centro. só aborda o valor, não a metragem a que ele cor-
Portanto, encontrar mecanismos que de alguma responde. Hipoteticamente, com um limite de fi-
maneira evitem essa valorização imobiliária, nanciamento de 50 mil reais num mercado
permitindo a manutenção de uma habitação para desaquecido, de pouco interesse, talvez se compre
renda mais baixa, uma habitação econômica, é um apartamento de três quartos. A partir do mo-
uma das principais questões. Evidentemente, não mento que a atratividade daquele local aumente, o
se tem bola de cristal de como evitar o processo valor do imóvel aumenta, e alguém vai estar usan-
de mercado, mas de alguma maneira é necessário do essa linha de crédito de 50 mil reais para com-
se preocupar com isso porque esse processo é prar um quarto e sala ou uma quitinete. Os
muito forte. valores de mercado infelizmente não são fáceis de
Cláudio Bernardes – É importante a tentativa de controlar assim como uma rédea e são vários fato-
que se faça isso mas igualmente importante é ter res que interferem nessa curva.
em mente que existem certas leis que são impossí-
veis de se revogar. É necessário verificar qual o Na seqüência, foram retomadas as apresentações:
processo de adaptação nesse mecanismo, porque
considera alguns fatos inevitáveis. Querer evitar Leila Diegoli
esse fato com uma lei, no meu ponto de vista, é
impossível e iria criar outros problemas. É preciso Em primeiro lugar, a partir do tema proposto
entender os mecanismos de mercado e dentro, para essa discussão sobre a legislação incidente, é
estabelecer fórmulas e soluções possíveis para a- importante esclarecer algo que muitas vezes as
tender à questão da habitação de baixa renda, mas pessoas confundem: é DPH e é Compresp. O
nunca esquecer que se for focada somente nessa DPH, Departamento do Patrimônio Histórico, é
um órgão criado em 1975. Vem, na sua origem,

Comissão de estudos sobre habitação na área central 97


do Departamento de Cultura, do Mário de Andra- O tombamento não interfere em nada na ques-
de, portanto é um dos mais antigos órgão de pre- tão da propriedade, inclusive no Estatuto da Cida-
servação desse país. O Departamento do de o tombamento é ratificado como um dos
Patrimônio Histórico, na realidade, trabalha com o mecanismos de preservação dos espaços e conjun-
patrimônio cultural nas suas várias modalidades tos de valor histórico cultural. Além disso, muitas
de suporte, ou seja, os patrimônios construídos, as vezes o tombamento é colocado como um proces-
edificações, o acervo documental de papéis pro- so, eu coloco entre aspas, de “congelamento dos
duzidos pela administração pública municipal, o edifícios” – “está tombado, então não é possível
acervo iconográfico, as imagens produzidas tam- fazer nada”. Eu discordo deste ponto de vista. As
bém pela administração pública. Nós temos sob obras de restauro realizadas no DPH desde o iní-
nossa guarda algumas casas históricas e agora, cio demonstram a fácil conciliação entre a questão
num momento mais recente, estamos tendo que da preservação com a necessidade dos novos usos.
pensar formas de preservação do chamado “pa- Não adianta nada tombar, não vamos preservar se
trimônio intangível”. Nesse, sentido a questão da aquele bem não estiver em uso. O abandono é o
construção da arquitetura entra como uma parte pior efeito para deterioração do nosso patrimônio
desse patrimônio. Ela é um documento de cultura, construído. A questão das formas de intervenção
vamos dizer assim, e obviamente tem as suas in- implica em critérios, métodos de projetos, assim
terfaces no processo de desenvolvimento e trans- como em diversos níveis de tombamentos. Exis-
formação da cidade”. tem níveis diferenciados principalmente no âmbito
Já o Compresp – Conselho Municipal de Pre- municipal. Conforme a representatividade e a im-
servação do Patrimônio Histórico – foi criado em portância de um determinado edifício ele pode ser
1985 e tem por atribuição primordial deliberar preservado integral ou parcialmente, ele pode ter
sobre o tombamento de bens culturais na cidade preservadas as fachadas e suas áreas de acesso. Ou
de São Paulo. A exemplo do que existe – o Iphan seja, o tombamento não inviabiliza a intervenção
na esfera federal, o Condepahat na estadual –, o em bem culturais.
Compresp tem por atribuição deliberar sobre esses Começamos a questionar o que tombar, pois
tombamentos e também estabelecer a política de grande parte dos pedidos de tombamento vem da
preservação desse patrimônio cultural em São própria população. Mas essa é uma forma de apa-
Paulo. Nesse sentido, e diferentemente dos outros gar incêndios: a população recorre ao Conselho na
órgãos, o DPH é o órgão de apoio técnico ao medida em que se tem notícia de algum empreen-
Compresp. O Compresp é um conselho formado dimento ou de alguma intervenção que vá desca-
por nove representantes, quer dizer, a lei original racterizar um bairro ou um edifício. Esse
pressupunha a constituição de um conselho de funcionamento deveria funcionar ao contrário,
aproximadamente vinte e cinco representantes , com uma política sistemática de reconhecimento
mas essa lei foi modificada em 1986, reduzindo do que deveria ser preservado e não sempre numa
para nove representantes. Ou seja, são nove pes- contramão, que muitas vezes nos causa sérios pro-
soas que devem opinar sobre o que deve ser pre- blemas no âmbito da prefeitura em geral.
servado na cidade de São Paulo. Uma das Além da legislação existente, é importante ser
questões que nós temos que levar adiante, que é a discutida a questão dos procedimentos administra-
nossa proposta de discussão, é a mudança nessa tivos burocráticos, pois há sempre uma dificulda-
lei, no sentido de tornar as suas decisões um tanto de, queixas e reclamações por parte dos munícipes
mais democráticas e tornar esse tipo de decisão no sentido da morosidade das aprovações. Outra
mais acessível à população. questão comumente colocada é o custo muito alto
O tombamento é colocado muitas vezes como da realização de uma obra de restauro. O custo
um empecilho à realização de obras, como um para a recuperação de uma edificação do século
provocador de deterioração de alguns imóveis da XIX, com caixilhos e esquadrias de madeira, é
cidade e, em outros momentos, é como a salvação sempre elevado.
para a preservação de áreas, principalmente de O que restou do patrimônio que está ainda em
bairros que apresentam qualidade ambiental. Mas pé, em especial na área central da cidade, é uma
antes de mais nada, o tombamento nada mais é do arquitetura remanescente do ecletismo e de uma
que um instrumento, um mecanismo jurídico onde arquitetura racionalista. É o caso, por exemplo,
se decide que um determinado bem, objeto ou daquela que nós vimos na Avenida São João, que
edifício não deve ser destruído porque ele é im- é na realidade uma arquitetura cujo sistema
portante para a memória social. Nesse sentido, nós construtivo ainda é de uso corrente.
temos que detectar quais são esses elementos físi- Um exemplo de obra de custo oneroso foi a res-
cos que devem ser preservados para que se consi- tauração do Teatro Municipal de São Paulo. Também
ga manter e recuperar a história. Muitas vezes, por são caros os restauros que utilizam uma técnica que
problemas de desinformação, o tombamento é foi sendo colocada em desuso e que hoje é desco-
considerado como uma desapropriação.

98 Comissão de estudos sobre habitação na área central


nhecida, causando dificuldade na sua restauração. Os pareceres e as aprovações são feitos a partir
Por exemplo, a arquitetura de taipa de pilão. do contido em resoluções de tombamento, ou se-
Também não se percebe nenhuma ação, ne- ja, o Conselho tomba, determina o nível de pre-
nhuma iniciativa no sentido da formação de mão- servação de um imóvel, o que deve ser
de-obra. A gente chama de restauro não só no conservado. A partir disso é que são emitidos os
sentido de ter o caráter de volta de um possível pareceres técnicos. Muitas vezes, nos projetos que
original, mas um restauro no sentido de estar en- entram no Patrimônio Histórico as pessoas sequer
tendendo, de conhecer o que é aquele objeto, estar conhecem as resoluções. Nós estamos estudando
intervindo. Ainda assim, muitas vezes esses edifí- formas de viabilizar, de disponibilizar informação,
cios mais antigos têm uma qualidade construtiva estamos pensando até em criar um escritório técnico
que torna sua recuperação muito mais barata que de assessoria para informação à população para que
a construção de um novo elemento. Associado a entendam e evitem essa série de papeladas.
isso, a possibilidade de conservação desses edifí- Atualmente, nós estamos com um procedimen-
cios antigos é muito menos onerosa do que a con- to em que os projetos de intervenção nesses bens
servação de novos edifícios que a gente vê protegidos estão sendo aprovados, estão sendo
construindo por aí. analisados pelo Departamento do Patrimônio His-
Quando eu falo dessa questão dos procedi- tórico conforme o disposto na legislação. Nos úl-
mentos no plano de isenção, no que diz respeito à timos oito anos, a aprovação final desses projetos
questão dos projetos de intervenção e dos custos, era feita pelo Compresp, pelo Conselho, o que
eu acho que recuperar edifícios antigos para uso muita vezes implicava em pareceres contrários aos
habitacional é factível, é viável. Acredito que nós pareceres emitidos pelo corpo técnico, mas, con-
não tenhamos uma tradição no Brasil, como falou forme a lei, cabe ao DPH a aprovação desses pro-
o Nabil, nesse sentido, não temos mesmo, ela é jetos. Isso porque a exemplo do que existe na lei
decorrente de uma falta de política de outras esfe- do Iphan, o corpo técnico tem competência e agi-
ras governamentais no sentido de viabilizar finan- liza esse processo de aprovação. O que é mandado
ceiramente linhas de crédito para a população de pelo Conselho exige discussão em reuniões, trans-
baixa renda. Não nos interessa obviamente fazer ferência de processo para relatores, demandando um
Puertos Madeiros em São Paulo; a obra do Pelouri- tempo maior. Nesses primeiros meses de nossa ges-
nho todos nós sabemos que foi uma intervenção tão, conseguimos reduzir o prazo para aprovação dos
que implicou na expulsão da população e nós es- processos, – que em média demandavam três, quatro,
tamos preocupados é com a inclusão. cinco meses –, para um mês ou até cinqüenta dias,
Não vejo porque não haver o processo de a- mas ainda não é o ideal.
daptação de um edifício tomado ou de valor histó- Por outro lado, há o problema de que, em al-
rico, mas não protegido legalmente, para fins de gumas situações, alguns projetos receberem pare-
uso habitacional. Sempre defendemos essa exposi- ceres contrários – esses sim são encaminhados ao
ção. Porém, a prática que se tem no Brasil, que Conselho, assim como também nas intervenções
nós vamos ver principalmente nos anos 70, é que de grande impacto na cidade é importante que
em qualquer intervenção de restauro, o edifício haja uma análise, uma avaliação pelo Conselho.
em si é transformado numa peça de museu e, por- Outra questão estudada, inclusive junto à A-
tanto, a preservação e o restauro estavam associa- prove, são as formas de procedimento. Atualmen-
dos ao uso cultural. Obviamente, também isso é te, o munícipe entra com a aprovação de um
resultado do fato de esses edifícios pertencerem ao projeto ou em Sehab – Aprove ou na Administra-
poder público e muitas vezes estarem ligados aos ção Regional. Hoje se faz um jogo paralelo de
órgãos públicos, às secretarias estaduais. plantas, com processos separados, na aprovação e
Em relação à questão dos procedimentos bu- junto ao DPH, causando demora. Estamos pen-
rocráticos e administrativos, que causam proble- sando em formas de procedimentos para poder
mas sérios para o Departamento do Patrimônio estabelecer aquilo que chamam balcão único com o
Histórico, estamos tentando identificar formas, objetivo de agilizar essas aprovações. Outra ques-
caminhos, alternativas para facilitar a vida do mu- tão que também é sempre levantada é o problema
nícipe. É importante que ele saiba também que, de alguns imóveis, no âmbito municipal. Atual-
para nós, funcionários públicos, não há nenhum mente, eles têm aproximadamente 3 mil imóveis
interesse, nenhuma intenção, nenhuma vantagem preservados. Alguns desses são tombados pelo
em retardar projetos, em dificultar a aprovação de Condephat e outros pelo Iphan e o munícipe tem
projetos. Para ver a cidade restaurada e para o tra- que aprovar nas três esferas. Estamos buscando
balho ser eficiente, falta um certo esclarecimento formas de unir a aprovação; e que ao menos não
por parte da população, que desconhece muitas haja diretrizes diferenciadas.
vezes a legislação de tombamento e o conteúdo Acredito que esse escritório técnico não tenha
das respectivas resoluções. sido instalado porque eles ainda não conseguiram
um imóvel em condições para ser utilizado. O

Comissão de estudos sobre habitação na área central 99


escritório técnico poderá ajudar muito a facilitar a Kohara dividiu sua fala em duas partes. A pri-
comunicação com o munícipe. Por outro lado, a meira tem como ponto de partida os projetos de
partir do mês de agosto, nós vamos estar tendo reformas de edifícios para serem transformados
uma nova atividade no Departamento do Patri- em unidades de habitação popular, do programa
mônio Histórico que vai se chamar ‘conversa so- PAR/CEF, que tiveram entrada na SEHAB, no
bre Patrimônio’– não são seminários, não são departamento de aprovação (APROV), e na sua
palestras –que seria uma oportunidade para rece- maioria já foram aprovados. As análises para a
ber a população e trocar idéias sobre a problemá- aprovação trouxeram contribuições importantes
tica do patrimônio histórico, não só do patrimônio para construirmos uma legislação específica sobre
construído, como eu já falei, mas também dos reforma. A segunda parte é sobre os imóveis “já
outros bens imóveis intangíveis, a história oral e reciclados”, que são os cortiços”.
outras coisas mais. “É importantíssimo que haja uma legislação
específica que trate sobre as reformas, que estimu-
Luiz Kohara le e favoreça as reformas dos edifícios existentes
para ampliar as ofertas de unidades habitacionais,
Kohara agradeceu a oportunidade de participar principalmente no centro da cidade. No Brasil,
da seção, pois acha importante estar discutindo as temos historicamente como única alternativa para
questões complexas como a habitação na área cen- diminuir o déficit habitacional a produção de no-
tral. Mesmo havendo avanços nas propostas de vas unidades e pouquíssimas experiências de ofer-
reabilitação do centro, são ainda acompanhadas de tar unidades habitacionais através de reformas de
alguns elementos de riscos para expulsão da popu- imóveis. Enquanto isso, atualmente, vemos nos
lação de baixa renda das áreas reabilitadas. A me- países desenvolvidos que o número de trabalhado-
lhoria do centro não é simples, porque sofre res na construção civil para as reformas é maior do
pressões de interesses distintos, em si ela provoca que o número de trabalhadores na produção de no-
resultados contraditórios, não caminha numa linha vas unidades”. O caminho da reforma de imóveis é
única. uma tendência, sendo necessário que haja uma legis-
Explicou que sua fala teria como ponto de vis- lação específica e que acumulemos experiências para
ta os trabalhos na Superintendência Popular – realmente podermos ter uma política adequada nesse
HABI–, onde a demanda é a população de baixa sentido.
renda. Intervir na realidade da população de baixa “A partir de alguns levantamentos preliminares
renda que vive no centro é bastante desafiador, em relação aos projetos para reforma apresentados
pois existem várias limitações como: “a renda da na SEHAB, acredito que a legislação para reforma
população, as conseqüências da política do desen- tem que ser bastante flexível. Não se deve ter mui-
volvimento urbano da cidade, as contradições da tas regras detalhadas, porque vamos encontrar
política do patrimônio histórico a ser preservado, imóveis, aqui no centro da cidade, com situações
a legislação e outras questões que são importantís- bastante diferenciadas, pois foram produzidos em
simas para o a implementação da política habita- décadas e sob legislações diferentes, e que estão
cional no centro da cidade”. sendo ofertados.” Essa realidade de diversas tipo-
Diante da carência habitacional, outro dado logias deve ser levada em conta na criação de uma
que merece destaque são os 400 mil imóveis vazi- legislação, para que esta não se torne um obstácu-
os na cidade de São Paulo, sendo que 40 mil estão lo às possibilidades de reforma.
localizados no centro. No entanto, não se pode É também necessário desburocratizar e facilitar
considerar esses imóveis simplesmente como um os procedimentos de aprovação, pois, atualmente,
estoque a ser utilizado no futuro para uso habita- estes dificultam e prolongam muito o tempo para
cional. “Eu acho que existem interesses em man- a aprovação e execução de uma reforma. “Sabe-
ter esses imóveis vazios e não será através de mos que a viabilidade da produção de uma unida-
decisões de órgãos públicos ou de legislações que de depende também do tempo de sua realização”,
mudará esse quadro. Há interesses econômicos em pois para o mercado “o que pode ser viável hoje
manter os imóveis vazios. Outra indagação é por- pode ser inviável amanhã”.
que não estão localizados somente na região cen- Outra questão é que “as exigências para as re-
tral, onde se tem grande número de imóveis formas não devem ser as mesmas da produção de
degradados, localizando-se também nos bairros unidades novas”, como já se disse. Por outro lado,
como Morumbi e outros. O “Direto à Proprieda- é essencial assegurar as condições mínimas de ha-
de” favorece a existência dos imóveis vazios, pra- bitabilidade, “não é porque queremos estimular a
ticamente inutilizados, em uma cidade com alto reforma que vamos perder esse referencial, princi-
índice de déficit habitacional, apesar de termos palmente na questão da insolação e da ventilação
também na constituição brasileira o artigo que fala natural”. É importante assegurar acessos mínimos
da “Função Social da Propriedade”. de moradias aos deficientes físicos, mesmo saben-
do que os imóveis antigos não tinham essa preo-

100 Comissão de estudos sobre habitação na área central


cupação. Quando não for possível tornar acessível Esses foram os elementos levantados que ele
todas as unidades de um edifício, deve-se tornar considera ser uma contribuição para uma legisla-
ao menos algumas. ção específica de reforma.
Mais um item enumerado: “reduzir as exigên- “Olhando, por outro ponto de vista, quando se
cias das áreas condominiais que hoje são de 7 m2 discute a reciclagem na cidade de São Paulo, ve-
por unidades, porque na maioria dos imóveis do mos que hoje já existe a reciclagem de uso nos
centro, não teriam nenhuma possibilidade de ser imóveis, cujo exemplo mais concreto na região
cumprida essa exigência, inviabilizando a recicla- central é transformação de muitas unidades que
gem para o uso habitacional. eram unifamiliares, onde habitava uma família,
Temos também, por exemplo, a situação das hoje habitam vinte famílias ou mais, ou alguns
escadas existentes, já que pelas exigências atuais imóveis que eram de escritórios e que hoje trans-
muitas delas não seriam aprovadas. formaram também em unidades coletivas de corti-
“Outra situação bastante complicada são os e- ços. E por que acontece isso? é um grande
difícios verticais nos quais existem elevadores, número de pessoas na cidade de São Paulo, de
como não se pode ou dificilmente poderia aumen- aproximadamente um milhão que vivem em imó-
tar o número de elevadores nos edifícios, e com a veis reciclados, que foram feitos reformas e que
reforma aumentaria o número de pessoas no edifí- foram adaptadas para esse uso de cortiços. Eu vou
cio, deveria se exigir a modernização desses eleva- passar alguns dados de pesquisas existentes, sendo
dores para que aumente a sua velocidade, algumas minhas, da FIPE e de outros”.
aumentando assim o número de viagens dentro de “Primeiro: o Centro continua sendo atrativo
um mesmo período de tempo para melhorar a cir- devido a grande oferta de emprego. Só aqui no
culação. A circulação vertical deve ser um dos distrito da Sé são 1.371 empregos por hectares, no
elementos limitadores da densidade – não ter so- distrito da República tem mais de 1000 empregos
mente a área do terreno como limitador, mas, por hectares e em muitos outros bairros essa rela-
também, utilizar a capacidade de circulação verti- ção não chega nem a 100, concluindo que a atrati-
cal. Isso garantiria a segurança e também não pro- vidade do emprego no centro é muito alta”: A
vocaria congestionamentos na circulação que região central é bem servida de transporte coleti-
prejudicaria a habitabilidade nessas moradias. Até, vo, sendo cortada por todas as linhas do metrô,
porque, temos visto proposta de projeto para vários terminais de ônibus e de trem. “No Diário
PAR/CEF que, em função das limitações do valor Popular, de terça feira, noticiava que algumas pes-
do financiamento, acaba se colocando um número soas despendem de seis horas na locomoção da
de unidades muito excessivos para viabilizar eco- sua casa até o trabalho entre ir e vir, enquanto
nomicamente. Se ficarmos submetidos a esse crité- 75% do encortiçados do bairro da Luz despendem
rio vamos produzir outros edifício São Vítor ou até meia hora entre a sua moradia e o trabalho,
edifícios precaríssimos”. sendo que 48% dos encortiçados vão a pé para o
“Outro limitador para as reforma, isso é se trabalho”.
considerarmos as exigências para as novas cons- “O Centro, apesar de sua deterioração, conti-
truções, é a relação da área da cota do terreno que nua sendo atrativo. O fato dele ser atrativo levou a
é de 18 m2 por unidade; você tornaria inviável a reciclagem de muitos imóveis para uso de cortiço.
aprovação de reforma. É importante que se tenha Porém, com um custo muito alto para as condi-
uma relação da dimensão do terreno com o núme- ções de habitabilidade.
ro de unidades, mas 18 m2 é um número bastante Dando alguns exemplos da realidade dos corti-
elevado, devendo ser menor, para edifícios que ços do bairro da Luz: os domicílios em cortiços
foram construídos sob outras exigências ”. têm em media a 12 m2. São áreas muito pequenas
Também, aponta como ponto importante para morando uma média de três pessoas, sendo que
a legislação de reforma urbana as exigências quan- 22% deles moram em áreas de até 6 m2 e 57%
to à segurança do edifício. Para ele, um imóvel deles entre 6 a 15 m2”. Dessa reciclagem que vem
construído para uma finalidade e adaptado para acontecendo, devido as necessidades da população
outra deve ter um dimensionamento estrutural e por interesses daqueles que os exploram, encon-
adequado e deve haver uma responsabilidade téc- tramos 34% das unidades domiciliares que não
nica desde a entrada para a aprovação, para que possuíam ventilação e iluminação natural, porque
não se coloque nada em risco. muitos dos quartos adaptados ficaram sem janela
Kohara aponta que hoje a legislação de HIS ou quando possuíam janelas estavam obstruídas
(Habitação de Interesse Social), que não é de re- por guarda roupas ou outros móveis; 36% das
forma, mas de produção, tem restrições a produ- moradias tinham goteiras quando chovia e 23%
ção de HIS em Z8-007 (centro tem várias áreas das moradias no cortiço tinham o pé direito infe-
com Z8) e também a exigência de garagens desco- rior a dois metros”.
bertas, que limitam, a produção ou reforma para “Temos que pensar em legislações que coíbam
novas unidades habitacionais nas áreas centrais. esse tipo de moradia bastante ruim. Só para exem-

Comissão de estudos sobre habitação na área central 101


plificar, a legislação vigente na década de 40, pre- ele. Ele teria que fazer um investimento se fosse
via porões nas habitações próximas ao rio Taman- locar esse imóvel, e depois de ter reformado ele
duateí devido às inundações, ocorre que os não teria o mesmo retorno do que locando para
cortiços (23%) que possuem o pé direito inferior a cortiço. “A pesquisa foi realizada há cerca de um
2m são aqueles localizados nos porões dos imó- ano e meio, mas na época o valor da locação do
veis na Avenida do Estado e das suas proximida- imóvel no mercado formal era 0,8% do valor ve-
des. Para quem não sabe o que é pé direito, é a nal do imóvel. Então para o imóvel que valesse
altura do chão até o teto da onde a pessoa mora. cem mil, o valor da locação no mercado era oito-
78% dos encortiçados moram num só cômodo – centos reais. Os proprietários de cortiços estavam
você dorme, cozinha, assiste televisão tudo num recebendo em relação ao valor venal do imóvel,
mesmo cômodo”. 1,5% nos imóveis pequenos; 1,25% do valor nos
Pensando nisso, Kohara reflete que há muitas médios, e 1,22% nos grandes. Cerca de 20% dos
questões a serem discutidas conjuntamente com proprietários recebiam até menos do que 0,75%.
outros setores. Neste caso, a discussão da reforma Eram esses os que estavam insatisfeitos. Isso por-
deveria ser vista junto com a do lazer. “Eu acho que o fato de locar para uma pessoa que ia ser
que investir em habitação para o centro é funda- intermediária rendia mais do que no mercado
mental, mas é necessário que tragam também e- formal. Além disso, os intermediários chegam a
quipamentos e atividades de lazer. Porque para a receber 2,11% do valor de imóvel. Então existe,
maioria das pessoas encortiçadas pesquisadas, tem em média, nos cortiços pequenos, 2,11% em rela-
como o lazer apenas a possibilidade de ir ao bar ção ao que eles recolhem do valor do imóvel, nos
ou assistir televisão”. médios 2,75% e nos grandes 2,94%”.
Também, citando um exemplo para ilustrar Para o expositor, os grandes cortiços são os
como os encortiçados são penalizados, agora bem mais precários, “e quanto maior a miséria maior a
recente, a Regina, educadora do Centro Gaspar exploração, maior o ganho. Os intermediários che-
Garcia de Direitos Humanos, contava que visitou gam a ganhar até 1,72% do valor do imóvel. Além
um cortiço que tinha três banheiros e que com o de não serem proprietários do imóvel, eles ga-
“Apagão” – Programa do Governo Federal de nham mais do que um proprietário que estivesse
Multas sobre o consumo além das metas previstas locando o imóvel no mercado formal”. “E eu te-
–, o intermediário fechou dois dos banheiros, com nho certeza também que se a gente perguntar para
a finalidade de diminuir o consumo de energia e qualquer proprietário se ele quer fazer uma refor-
assim, as vinte famílias ali residentes tiveram que ma ele não tem interesse nenhum”.
utilizar apenas um banheiro. Então, se vê como O expositor acha que a questão é muito com-
toda essa lógica é perversa para quem tem pouca plexa, não pode ser vista com euforia. “Eu acho
renda. Isso nos apresenta a lógica da reciclagem já que é necessário discutir a questão da função soci-
existente. As adaptações vêm ocorrendo, mas são al da propriedade. Não tem sentido as pessoas
adaptações do interesses de quem está ganhando manterem as unidades fechadas”. Kohara conclui:
com a exploração dos cortiços. Temos a Lei Moura – “acho que em termos de legislação é impor-
10.928/91 que traz algumas exigências mínimas de tantíssimo que a Câmara realmente ajude a produ-
habitabilidade, ocorrendo que essa legislação até hoje zir uma legislação de reforma que estimule e
não foi colocada em prática, já tendo sofrido ação de favoreça que as pessoas interessadas consigam ser
inconstitucionalidade e vai ser julgada no Supremo mais rápidas mesmo”. Relembra a lei Moura
Tribunal Federal. Essa lei é uma referência para que 10928 como forma de coibir o excesso, mesmo
pudesse coibir as situações extremas sem o mínimo sabendo que aquela lei ela é insuficiente, “pois é
de habitabilidade. É importante que a Câmara Muni- preciso que a população que está submetida a essa
cipal esteja discutindo a aplicação dessa legislação ou realidade saiba que tem algum parceiro”.
crie outra para evitar os excessos na exploração dos Por fim, Kohara afirmou “que a Prefeitura
cortiços”. Municipal de São Paulo tem uma responsabilidade
Após a pesquisa nos cortiços do bairro da Luz, muito grande nessa parceria para coibir toda essa
pode-se verificar que nem todos os envolvidos na exploração”.
questão de cortiços estão interessados na reforma.
Na exploração dos cortiços há três atores: o mo- Paula Maria Motta Lara
rador, o intermediário e o proprietário. O inter-
mediário explora da situação de precariedade, Minha presença enquanto diretora do Departa-
sendo ele próprio o produtor dessa reciclagem. E mento de Aprovação de Edificações neste debate
os proprietários, ao contrário do que possa pare- já demonstra uma mudança no relacionamento da
cer, não se colocam como vítimas dos intermediá- Prefeitura com os movimentos sobre a questão da
rios. Na pesquisa realizada, 77% dos proprietários moradia na área central. Concordo com o que já
disseram estarem satisfeitos com o fato de seu foi colocado tanto pelas entidades como pelo setor
imóvel ser um cortiço, assim ele dá um novo uso a privado e pela Fábrica Urbana em outros depoi-

102 Comissão de estudos sobre habitação na área central


mentos que avaliaram que, em São Paulo e no dio da década de 20 a prédio da década de 70,
Brasil, não temos a prática da reforma, da adapta- torna-se impossível que eles sejam totalmente con-
ção dos prédios para outros usos. Da mesma for- templados pelas exigências legais de hoje.
ma a Prefeitura e o Departamento de Aprovação Em relação à questão dos procedimentos, na
de Edificações também não tem essa prática, apresentação do projeto do Hotel São Paulo, por
principalmente na área de habitação. O que tem exemplo, está sendo proposta a utilização de um
sido aprovado em termos de habitação no lote que não é parte do imóvel onde está localiza-
APROV/Sehab são os novos empreendimentos do o prédio em si. Trata-se de um lote contíguo,
do mercado formal, que tem uma lógica bastante proposto para ser utilizado como uma área de la-
diferente da tratada neste debate. zer e como integração entre o empreendimento e a
Os processos de adaptação dos prédios para área em torno do mesmo, sendo que não existe
habitação de interesse social entram na rotina do nenhum dispositivo na legislação atual que con-
Departamento da mesma forma que os processos temple esse tipo de intervenção. Toda legislação é
de novos empreendimentos. Esta também seria tratada especificamente no lote, não sendo possí-
uma experiência nova dentro da Prefeitura, na vel criar áreas internas à quadra e fazer compensa-
parte de licenciamento. A questão da legislação já ção de área de lazer em outro lote, obrigando a
foi bastante comentada, mas reforço o fato de que tratar o lote como um todo, o que tem implicações
ela como um todo também não é voltada para a na questão da propriedade. Neste caso, deve-se
questão da reciclagem. Esse problema vem desde englobar todas as escrituras e transformar aquilo
o zoneamento, onde estão estabelecidas as regras tudo numa única propriedade para depois poder
de uso e ocupação do solo, as regras para altera- utilizá-las como compensação ou para área de la-
ções de mudança de uso, muito complicadas, tor- zer, ou para área de iluminação e ventilação, ou
nando quase impossível para uma edificação para qualquer outra exigência legal.
construída anteriormente a 1973-72 e, em alguns Esse é um dos problemas de algumas propos-
casos, até posteriormente à 1972, conseguir aten- tas que têm aparecido na SEHAB para análise. A
der a todas as exigências legais para se implantar Caixa Econômica está com um problema parecido
outra atividade. que envolve essa questão no complexo na Praça
Isso também se reflete, como já havia sido di- da Sé, onde estão sendo tentadas soluções que
to, no Código de Obras e Edificações, que tentou fogem ao limite estrito do lote. Nós não temos
de certa maneira, em 1992, possibilitar a recicla- respaldo legal para licenciar esse empreendimento.
gem das edificações existentes com mais de dez Da mesma forma, não tanto na questão do
anos de vida regular. Caso não tenha havido ne- centro, mas de uma maneira mais geral, existe um
nhuma irregularidade nessa edificação, é permitida distanciamento entre quem projeta e quem analisa
a mudança de uso sem ter que atender a todas as dentro da Prefeitura, que é outra dificuldade. Seria
exigências formuladas pela legislação de uso e o- muito mais fácil se o trabalho fosse feito em con-
cupação do solo. junto, durante a elaboração do projeto, e não que
No entanto, a legislação municipal de EHIS ele viesse já pronto, fechado, com a conta finan-
(empreendimento habitacional de interesse social), ceira feita, precisando apenas do sim ou não da
criada em 1992, não teve a preocupação da refor- Prefeitura ou ficar tentando exigir alguma adapta-
ma, pois não era uma questão em evidência na- ção às exigências legais.
quela ocasião. A legislação foi toda formulada Isso é uma questão de procedimento, mas
muito mais voltada para a questão de parcelamen- também é uma questão de alteração na lei, já que
to do solo e de edificação nova e de autoconstru- parte da maneira em que o trabalho deve ser de-
ção e mutirão, que era a realidade do final da senvolvido está estabelecida na lei, principalmente
década de 80. no Código de Obras e Edificações. A proposta de
Concordo com o que Luís já falou, assim co- alteração desse código está na Câmara e a Sehab
mo outras falas anteriores colocaram, que a legis- está encaminhando para a Comissão de Política
lação específica para empreendimentos Urbana algumas propostas de modificações nesse
habitacionais de interesse social é absolutamente sentido.
falha em relação à reforma. Ela não estabelece A questão da regularidade da obra ou da edifi-
parâmetros específicos assim como o Código de cação, citada pelo Manuel, é outro empecilho de
Obras e Edificações também não estabelece pa- ordem interna à Prefeitura, que passa pela mudan-
râmetros específicos para esse tipo de intervenção ça de procedimentos internos. Nesse início de ano,
e mesmo para outros usos diferentes da habitação estamos tentando mudar a forma de trabalho. A
de interesse social. regra que estabelece que a edificação não pode ter
Isso por si já é um problema dramático para a nada diferente do que está na planta registrada na
aprovação de projeto no APROV, porque pela Prefeitura, caso contrário é considerada irregular e
própria natureza da edificação já existente e, como necessariamente não pode ser licenciada, não leva
o Luís lembrou bem, esse existente vai desde pré- em conta toda a dinâmica que tem a cidade. Há

Comissão de estudos sobre habitação na área central 103


prédios já construídos há décadas e como não ti- Um destaque para os conflitos com o
veram nenhuma planta aprovada, sem uma forma- GRAPROHAB, especificamente com a questão
lização do ato, são considerados irregulares, do licenciamento, por que uma série de atribuições
embora sejam, em algumas situações, edifícios legais se sobrepõem. Por exemplo, um dos pro-
com mais de 40 anos de idade. A mudança deste blemas da legislação da Caixa para liberar financi-
procedimento deve ser objeto de alterações legais amento é a questão do uso misto, de permitir a
para que possa ser colocado em prática. utilização de parte do empreendimento para servi-
Nesse sentido, a Secretaria da Habitação e De- ços, o que a legislação municipal permite e estimu-
senvolvimento Urbano, especificamente o la que aconteça até para garantir a manutenção do
APROV, em relação ao tema da mesa de hoje, empreendimento no futuro. Esses prédios no cen-
está participando de diversos grupos de debates tro da cidade demandam custos de manutenção,
dentro da própria secretaria. O decreto de EHIS dos elevadores, de limpeza e também relativos ao
criou uma Comissão Especial para funcionar co- tombamento e à preservação. Também há alguns
mo um órgão de avaliação da aplicação dessa lei e problemas de conflito entre a legislação do Corpo
até dar conta de alguns problemas que estão sendo de Bombeiros e a da Prefeitura: ora a da Prefeitura
levantados no debate. Essa Comissão, no decorrer é mais restritiva, ora é mais amena que a dos bom-
desses oito, nove anos de existência da lei, acabou beiros.
se tornando um órgão deliberativo sobre casos Reforço o que Leila destacou sobre a impor-
específicos de projetos para resolver os casos pon- tância da aprovação conjunta dentro da Prefeitura
tuais na questão da legislação. Muito pouco foi que se tenta estabelecer, mudando um pouco essa
feito no sentido de utilizar os projetos que entram regra fixada há anos de que cada pedacinho da
na Prefeitura como fonte para rever as normas e Prefeitura cuida de um pedacinho e não conversa
oferecer novas alternativas e sugestões de mudan- com outro, e que ao final de todos os processos
ça. A Comissão hoje está empenhada em fazer gera conflito entre as análises envolvidas. Não é
essa análise, e o Luís já colocou alguma das con- raro receber um processo aprovado pelo
clusões alcançadas. COMPRESP e que o CONDEPHAAT não apro-
Especificamente sobre o centro da cidade, exis- vou, por exemplo, ou que fez exigências diferentes
te um grupo em que estão representados vários da do COMPRESP, ou ainda, em outros casos em
segmentos da sociedade, estudando essa questão, que o Departamento de Parques e Áreas Verdes
porque a legislação de EHIS engloba toda a cida- exigiu uma certa quantidade de terreno livre per-
de e também obras novas, prédios implantados em meável para que houvesse a arborização e a Com-
diversos tamanhos de terrenos; ela tem que dar panhia de Engenharia de Tráfego fez uma
conta de tudo. exigência de vaga no subsolo, na proporção utili-
E há um último fórum de debate a ser regis- zada para tentar mitigar o impacto viário.
trado, que se refere a um Termo de Cooperação A aprovação conjunta seria a solução para uma
Técnica assinado pela Secretaria Especial de De- série de problemas. Não gosto muito da proposta
senvolvimento Urbano ligada à Presidência da de “balcão único” porque significa apenas a en-
República, e pela Secretaria da Habitação do Esta- trada de processos, como funciona o
do, a SEHAB da Prefeitura e a Caixa Econômica GRAPROHAB. Minha sugestão é de uma análise
Federal, cujo tema é Empreendimento Habitacio- conjunta ou integrada, com a certeza de que pode-
nal de Interesse Social. Nesse convênio estão sen- ria melhorar a qualidade das análises técnicas, tor-
do tratados basicamente todos os temas que foram nar transparentes os procedimentos internos de
levantados aqui, como: fluxos de aprovação, de licenciamento de obra e, no final, encurtar o tem-
tramitação, de procedimentos, de formação de po na aprovação.
banco de dados unificados da demanda e da ofer-
ta; também abrange toda a questão da moderniza- DEBATE
ção de procedimentos e disponibilização da
legislação, na rede, Internet e outras formas. Vereadora Ana Martins – A primeira questão é a
A capacitação de recursos é outro objeto de espera da promulgação do Estatuto da Cidade.
trabalho desse convênio. A questão dos custos Essa lei, quinto substitutivo, tramitou durante 11
versus legislação, tema bastante levantado no de- anos na Câmara Federal e no Senado e foi muito
bate, é um assunto que está absolutamente em aperfeiçoada com todas as opiniões políticas, das
pauta dentro da SEHAB como um todo e especi- diferentes tendências, dos movimentos populares,
ficamente nesse grupo temático. Alguns dos con- dos especialistas, motivo de debate amplo das li-
flitos existentes entre Estado, Prefeitura e Caixa, deranças populares, especialistas e segmentos ins-
na questão da legislação e na questão dos proce- titucionais na primeira Conferência das Cidades.
dimentos, estão sendo trabalhados nesses grupos A terceira Conferência das Cidades, que está
temáticos, que são muito importantes. sendo preparada pela Comissão de Política Urba-
na e Desenvolvimento, Política Urbana e Interior

104 Comissão de estudos sobre habitação na área central


permitirá que lideranças populares do Brasil todo, brasileiros, como Milton Santos e Darcy Ribeiro,
dos diferentes movimentos de moradia, especia- que estudaram estes temas.
listas e urbanistas das universidades e os segmen-
tos institucionais possam aprofundar a Pedro Arantes, Usina, Assessoria Técnica – Pe-
regulamentação dos artigos 182 e 183, que é o dro fez uma observação em relação ao crescimen-
Estatuto da Cidade. É um grande ganho para o to do valor de terras e imóveis no centro, que
Brasil termos uma lei dando as diretrizes para a estaria inviabilizando uma política habitacional. O
política urbana e o Plano Diretor. projeto de reciclagem do Hotel São Paulo colocou
O atual secretário de planejamento, Jorge Wi- a discussão de reciclagem dos edifícios para usos
lheim, já está preparando o Plano Diretor, e de habitação de interesse social num outro pata-
espera-se que esse plano diretor não seja feito só mar de qualidade. Para ele, aquele é o patamar que
dentro da Sempla. O planejamento urbano tem deveria servir de referência nas políticas de habita-
que ser motivo de amplo debate com os especia- ção de interesse social no centro, não só pelas u-
listas, com os segmentos organizados da popula- nidades, mas pelo fato de contemplar áreas
ção, a sociedade civil, os técnicos que estão na coletivas de qualidade e uma abertura no térreo
Cohab, no CDHU, nas administrações regionais, para o espaço público. O projeto tem uma quali-
nas outras secretarias, para criar relações de dis- dade que os outros não tinham conseguido alcan-
cussão com profundidade. É preciso também levar çar, sem desmerecê-los, e nem mesmo o da Maria
em conta as diferentes experiências dos técnicos Paula havia alcançado. É a partir daí que deveria
que atuam em cada administração regional, na se estar pautando a discussão.
SAR, na secretaria de habitação, na SAS. A infor- O projeto do Hotel é difícil de ser realizado,
mação que se tem é que o secretário vai mandar o pelo custo, pelo valor que está sendo pedido pelo
projeto em agosto para a Câmara, mas ele precisa imóvel. Se não houver realmente uma intervenção
ser fruto de um amplo debate, antes até de mandar enérgica da Prefeitura dentro do mercado imobili-
o projeto de lei. A proposta preliminar deveria ir ário e de terras no centro de São Paulo vão estar
para todas as secretarias, para os movimentos po- cada vez mais inviabilizados, não só alternativas
pulares, para a Comissão de Habitação da OAB, como a do Hotel São Paulo, mas realmente qual-
Comissão de Meio Ambiente etc. quer programa de habitação social na área central.
Avalia-se que Planos Diretores sem participa- Pedro afirmou que aumentar o limite de financia-
ção não funcionam, ficam só no papel. O seminá- mento de programas como o PAR pode não ser
rio na cidade de Rio Claro teve cerca de 150 uma boa solução, porque as famílias teriam cada
participantes de mais de 40 cidades do interior e vez mais dificuldades em acessar esse financia-
foi feito ao nível do Mercosul. A Câmara de São mento.
Paulo precisa puxar essas iniciativas. Nas mesas Uma virada no mercado imobiliário, atento
do evento participaram pessoas da Argentina, do tanto aos recursos públicos que estão disponíveis
Paraguai, do Uruguai, do Peru, com um assunto para essas habitações, quanto aos interesses priva-
que vai ao encontro com o Estatuto da Cidade e o dos, está fazendo os preços subirem progressiva-
planejamento urbano. No período da manhã, foi mente. A discussão colocada por Paula sobre
discutido o tema espaço urbano na política urbana. A como começar a pensar uma nova legislação é
segunda mesa tratou da questão do Estatuto da muito interessante, mas pode ser uma discussão
Cidade e à tarde, o problema dos camelôs, que que irá por água abaixo se não conseguirmos se-
também brigam por espaço urbano. Experiências gurar o preço dos imóveis. Como é que a Prefeitu-
maravilhosas foram relatadas no evento – uma do ra e o Legislativo poderiam incidir rápida e
Paraguai, outra de uma cidade da América Latina agressivamente no Centro para não inviabilizar um
e outra do interior. programa de habitação social?
A subcomissão de paisagismo e propaganda da O PAR, por exemplo, que é a linha de financi-
Câmara ainda está muito pobre porque não fez amento que mais tem se aplicado no Centro tem
uma discussão da política urbana como um todo, dois grande limitadores. Primeiro na compra do
que o Estatuto da Cidade ajudaria a fazer. A co- imóvel, acaba muitas vezes privilegiando o propri-
missão, com os estudos que está produzindo, irá etário, que consegue “desencalhar” seu edifício ou
contribuir com a discussão do Plano Diretor se terreno sem ser pressionado por uma legislação
conseguir uma interlocução com os segmentos social que reduza o seu ganho. Com isso, a
interessados. Há uma publicação sobre uma expe- necessidade do proprietário de realizar a sua renda
riência que tem construído em 40 anos de luta o ali acumulada vai fazer com que ele queira vender
Movimento Popular sobre as questões das áreas o imóvel pelo maior preço possível. Em segundo
irregulares da cidade de São Paulo. lugar, o programa privilegia a obra realizada por
Uma reflexão de Raquel Rolnik: reflexão e a- empreiteiras e não por auto-gestão. As
ção. Não adianta ficar elaborando muita coisa e empreiteiras vão aplicar sua planilha e o BDI, tor-
não ir para a ação. Devemos nos apoiar nos nando a obra muito mais cara do que por auto-
brasileiros, como Milton Santos e Darcy Ribeiro,

Comissão de estudos sobre habitação na área central 105


gestão. Isso significa que, pressionado por um enos Aires e Montevidéu, percebe-se a necessida-
lado pelo proprietário do imóvel e por outro pela de de uma forte intervenção. No aspecto do uso
empreiteira, o que sobra do financiamento é muito misto dos prédios, é fundamental também pensar
pouco. Por isso estamos vendo projetos com áreas que no mundo inteiro se tem a classificação das
muito pequenas, sem iluminação e ventilação ade- funções, então nós teríamos que aprovar o uso
quadas. Enquanto não se romper esta dupla de- misto e, além disso, financiá-los, como existe na
terminação, a compra de edifício no mercado e a legislação uruguaia que, além de financiar habita-
execução por empreiteira, o resultado vai ser abai- ções, financiam também equipamentos comunitá-
xo do mínimo aceitável. Quem vai ganhar não é o rios. Sobre a questão da valorização na área
sem-teto, mas a empreiteira e o proprietário. central, volto a enfatizar a necessidade de uma
Por isso, é necessário que a Prefeitura segure a intervenção do poder público, tanto da CDHU,
ânsia de valorização imobiliária com a definição quanto da Prefeitura e da CEF para que além des-
de áreas de interesse social. Toda a parte de endi- sa valorização do mercado haja uma política que
vidamento do IPTU desses edifícios vazios deve- permita incluir socialmente os pobres que moram
ria ser agressivamente combatida; os edifícios hoje na cidade.
deveriam ser colocados a leilão e aí seria possível
realmente entrar com preço social e não com pre- Francisco, estudante de arquitetura e integrante
ço de mercado. Por outro lado, é preciso retomar do Fórum Centro Vivo – Perguntou se a Legisla-
a discussão de o PAR ser feito em auto-gestão ou ção de ZEIS contempla algum tipo de congela-
pelo menos dele comprar os edifícios que fossem mento do preço dos imóveis. Todos os serviços
feitos com auto-gestão da Prefeitura. Assim, seria públicos são regulamentados e têm um valor soci-
possível conseguir formas mais econômicas de al importante, como antes era a gasolina e outras
construção sem pagar o lucro das empreiteiras e coisas de importância social. A habitação,
seria possível fazer habitação de interesse social considerada como um direito social, deveria ser
com qualidade mínima, com áreas públicas, enfim, tratada do mesmo modo e seria compreensível o
tudo isso que o Hotel São Paulo nos permite vis- congelamento do preço dos imóveis, dentro das
lumbrar como uma outra alternativa. atuais colocações sobre a cidade.

Suzi Chispita, Centro do Trabalhador para a De- Joaquim, morador do centro – Perguntou se o
fesa da Terra Paulo Canarim, Guarulhos – Solici- Legislativo e o Executivo não podem intervir no
tou informações sobre o funcionamento das cartas funcionamento dos cortiços, exigindo das pessoas
de crédito da CEF, da proposta de aluguel social que lá usufruem, os locadores, melhorem as con-
da Prefeitura, a quem é destinado e como funcio- dições de vida das pessoas que pagam o aluguel, já
na. A recuperação do Centro não poderia também que este é muito caro. Lembrou que quando Jânio
passar por outros usos e classes? Destacou suas Quadros foi Prefeito, exigia que os bares melho-
preocupações, com a inclusão da população de rassem os banheiros públicos, o que para ele, fun-
baixa renda no centro como moradores da região, cionou devido ao uso de multas e intimações.
mas sem uma “inclusão social” e que poderia Acha que os bancos públicos no Brasil, como a
haver conflitos junto às classes mais abastadas que Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil,
já habitam a região. Falou do preconceito que a devem trabalhar no mercado, mas também com a
população de baixa renda que mora no centro so- parte social.
fre, e perguntou o que a mesa pensava a esse res- Um alerta para a questão da saúde nos corti-
peito, se existia também uma preocupação dos ços. Eu morava em um quartinho na rua Conse-
responsáveis desse projeto no sentido de incluí-los lheiro Carrão, vivia com problemas de saúde,
também socialmente, com maior educação, cultu- pneumonia, problemas respiratórios, devido à u-
ra, conjuntamente com os projetos habitacionais. midade. Quando eu comecei a me esclarecer, sa-
ber que eu poderia cobrar até na justiça aquela
Leonardo Pessina, CAAP (Centro de Apoio à minha doença, aí eu fui para cima. Fui então para
Autogestão Popular) – A Prefeitura tem que ousar uma pensão na rua Almirante Marquês Leão, onde
em matéria de legislação urbana e é preciso haver tinha 22 rapazes numa casa de três quartos em
uma forte intervenção nesse campo. Há exemplos cima e três embaixo e dois banheiros, muito cara e
no mundo inteiro, em várias cidades da América em condições muito ruins. Então eles se organiza-
Latina e espero que dessa Comissão saiam conclu- ram e melhoraram as condições de vida, reduzin-
sões no sentido de se orientar para ZEIS ou a do o atravessador e melhorando a situação para
AEIS na área central e que permitam que nós não todo mundo. Se as pessoas se organizarem acham
façamos Puerto Madeiros ou esses outros tipos de formas de intervir, inclusive se os vereadores se
intervenções que excluem a população pobre. unirem com a Prefeita que tem poder e com os
Sobre a reciclagem, há pouca cultura no Brasil órgãos daria para fazer coisas para contemplar
neste sentido mas, observando-se os casos de Bu- muita gente.

106 Comissão de estudos sobre habitação na área central


xibilização das exigências da Caixa no que tange
Lita, cidadã paulistana pois “tem trinta e cinco anos às questões cadastrais.
de São Paulo” – Indagou se o cidadão que precisa e No momento, existem quase dois milhões de
busca uma moradia quer mesmo morar em São desempregados em São Paulo e um grande conti-
Paulo ou quer apenas uma oportunidade de estu- gente de pessoas vivendo na informalidade e com
do e de emprego. Avaliou que São Paulo não tem emprego sem registro em carteira. É muito difícil,
mais emprego, e questionou se havia alguma se- em primeiro lugar, comprovar renda e, em segun-
cretaria pensando nisso. Por que tanto investimen- do, ter o nome limpo na praça, no Serasa, no SPC
to numa coisa que vai continuar na mesma? e nos cartórios a ponto de preencher os requisitos
Relatou que mora no centro porque veio de Minas de exigência da Caixa e do sistema financeiro co-
com um ideal: estudar. Foi difícil, mas sua filha mo um todo. Não se deve abrir mão de todas as
estudou com os recursos do centro, Lita trabalhou exigências, mas deve haver um grau de flexibiliza-
como empregada, faxineira, morando em cortiço. ção, já que o imóvel fica como garantia hipotecá-
E cursou a USP, que era o seu ideal e era a condi- ria da Caixa. Evidente que pode haver perdas para
ção que ela podia oferecer, pois nunca teve condi- a Caixa porque vai ter que retomar um imóvel
ções de pagar uma faculdade. Questiona se têm aqui e outro ali e repassar para outras pessoas que
um fórum de debate para isso, pois o cidadão a tenham condições de continuar pagando, mas esse
quem querem dar apartamento prefere ter prote- é o papel, digamos assim, social também da Caixa,
ção da comunidade, da sociedade de São Paulo na como representante nessa área da produção de
sua terra natal. Vir para São Paulo é um sonho. imóveis ou de promoção de construção e reforma
Ela veio para trabalhar e estudar, teve trabalho, de imóveis através do PAR.
sua filha aqui no centro teve um nível de escola Uma flexibilização poderia ser feita porque se
adequado. Hoje ela é uma cidadã de classe B, ela vê que um grande contingente de pessoas vai ficar
tem nível superior, bem empregada, fala duas lín- à margem desses programas já que, de um lado,
guas. O filho mora num cortiço, não tem escolari- não pode comprovar renda e, de outro, aqueles
dade, tem 16 anos, é formado em panificação e que comprovam renda têm problemas cadastrais
não tem serviço. Ela é diarista, faxineira, o que for na praça.
numa casa e também está desempregada. Pergun-
tou como pode, desta maneira, pagar um projeto Vereador Nabil Bonduki – É curioso notar o
da Caixa, do Banco ou do Fórum do Cortiço. quanto se paga nos cortiços, demonstrado na pes-
quisa que Luís realizou. Paga-se mais no cortiço,
Vereador José Laurindo – O representante da muito mais, do que numa prestação máxima do
Construtora Ingaí diz que as leis de mercado são PAR. Uma prestação máxima do PAR para R$
as que regem os negócios, mas deve haver um 25.000,00 é R$ 185,00 e um cortiço hoje na área
grande grau de regulação por parte da Prefeitura, central da cidade custa muito mais do que isso. Só
sobretudo, na gestão do PT e da Marta Suplicy, que esse morador do cortiço não consegue acessar
para que se possa regular a especulação imobiliária esse financiamento do PAR.
no centro, de alguma maneira. No centro de São A segunda questão, um desafio que temos:
Paulo encontram-se cerca de 10 ou 12 bairros. ninguém aqui quer revogar a lei de mercado por
Quando se pretende construir moradia de baixo decreto ou mesmo no plenário da Câmara, mas
custo para atender à demanda de baixa renda é temos claro que a legislação é uma clara interfe-
preciso que haja uma intervenção firme da Prefei- rência, ela deve interferir nas leis de mercado, e
tura e, evidentemente, com a participação do Le- tem de ser encontrados mecanismos para que se
gislativo, é preciso revisar as leis que impedem os viabilizem condições concretas para esse mercado
procedimentos, a rapidez e a fluidez dos processos imobiliário. A cidade como um todo vai melhorar,
em Sehab, Aprov ou em Habi. A Prefeitura tem o e esse é o nosso objetivo, é qualificar o centro e
poder de regular essa ânsia do capital imobiliário a outras regiões. Requalificar o centro, revitalizar,
partir dos projetos e linhas de financiamento que recuperar, todas essas questões irão melhorar a
surgem através da Cohab como agente promotor cidade.
ou no sistema financeiro da habitação, que geren- Melhorar a cidade significa melhorar sem ex-
cia o Fundo de Garantia dos trabalhadores brasi- clusão, isto é, melhorar a cidade sem gerar especu-
leiros. A Caixa é um banco e como tal vive lação imobiliária e nós temos que encontrar um
daquilo que investe. Mas a Prefeitura de São Pau- mecanismo para fazer isso. A nossa investigação
lo, o Estado e o Governo Federal, através do sis- sobre o mercado imobiliário é muito deficiente. É
tema financeiro, poderiam flexibilizar sobretudo as possível melhorar a cidade sem gerar valorização
exigências cadastrais das demandas por moradia imobiliária, desde que exista uma melhoria de uma
de baixa renda. É impossível falar de moradia de maneira mais ampla na cidade. É preciso recuperar
interesse social no centro se não houver uma fle- a área central qualificando urbanisticamente a pe-
riferia da cidade, porque a maneira de evitar que

Comissão de estudos sobre habitação na área central 107


esse processo especulativo aconteça é oferecer possam voltar aos seus donos. A CEF não é um
alternativas de melhor qualidade para o conjunto multibanco, um 'tio Patinhas' que tira do cofre e
da cidade. A melhoria do centro não deve estar aplica. Ela capta da poupança, remunera a pou-
desvinculada da reforma urbana da cidade. Marx, pança, e a remuneração da poupança é através do
quando estudou a renda da terra, colocou a ques- próprio sistema financeiro. Logo, deve-se ter um
tão da renda diferencial. Quer dizer, o centro vai equilíbrio de quem toma e de quem dá. O recurso
valer mais se ele tiver muito mais atributos que o tem de ser aplicado com sabedoria e muito cuida-
resto da cidade. Se as diferenças forem reduzidas, do porque são recursos públicos, do povo brasilei-
vamos ter uma queda na renda da terra no conjun- ro. A partir do momento em que se reduz o nível
to dessas áreas mais valorizadas. São questões que de exigência da comprovação de renda, não se
têm que ser melhor discutidas, importantes para estará fazendo muita coisa social porque se não
não se fazer desse processo de pensar o centro um houver comprovação ou se o eventual mutuário
processo de exclusão. não tiver a renda, ele vai entrar no apartamento,
vai se tornar inadimplente e, amanhã, o imóvel
Bruno Sandin – Essa situação dos cortiços, na será retomado, e ele vai ser colocado na rua, vai
qual se paga muito mais por uma vaga do que por gerar prejuízo, e aquele imóvel terá de ser conser-
uma quitinete na área central, se deve à questão da tado para ser colocado de novo no mercado. Isso
economia informal e da impossibilidade da com- gera prejuízo para a CEF e para o povo brasileiro,
provação de renda. Para alugar um apartamento porque a CEF é uma empresa pública.
com contrato formal sob a lei que é regulamenta- Sobre os programas existentes, são várias as re-
da no país, a lei do inquilinato, é necessário o lações de renda e a informação pode ser obtida na
cumprimento de uma série de precauções de quem hora mediante uma publicação interna da CEF. As
está alugando e um eventual despejo está subme- agências da CEF disponibilizam a qualquer brasi-
tido à ação da lei, o que é algo mais demorado e leiro essas informações e é possível ter acesso
depende de uma série de procedimentos. Já no também pela internet a informações sobre os vá-
cortiço, não. A lei que prevalece é a lei do tapa, lei rios programas e as várias faixas de renda a que
da faca: se a pessoa não paga, é colocada no meio esses programas se destinam, as taxas de juros que
da rua. Por isso, quem precisa se instalar e não variam conforme o pleito do adquirente etc.
pode comprovar a renda, acaba pagando mais. O O trabalho com avaliação de imóveis é feito
cortiço é um mercado, um mercado atípico, onde em cima de um conceito básico de mercado livre
existe uma demanda de pessoas que não podem sobre princípios constitucionais de direito de pro-
comprovar renda, que não podem se instalar numa priedade. Obviamente, qualquer valor de mercado,
habitação normal porque não conseguem com- e essa observação não precisa de muito conheci-
provar renda, não tem o nome limpo na praça, não mento, é mera observação. Por exemplo, se há um
consegue saldar uma série de dívidas anteriores, conjunto de casas numa área da cidade onde nin-
tem títulos protestados, não tem fiador. Por isso é guém quer se instalar porque existe um lixão ou
que existe cortiço. Ninguém é bobo, ninguém uma estação de tratamento de esgoto, quando esse
quer morar em um cubículo pagando o triplo do lixão, fator que inibe o interesse, é removido as
preço de uma quitinete no centro (que hoje custa pessoas vão querer se instalar ali. E aí os proprie-
R$ 120,00 o aluguel). Até a Prefeitura estaria, tal- tários daquelas casas vão tentar recuperar o valor,
vez, estudando isso. vão tentar especular. Qualquer um de nós vai es-
A própria Operação Urbana Centro pode fa- pecular, até no seu mercado de trabalho. Se você,
cultar, através de potenciais, transferência de po- um arquiteto, puder aumentar um pouco seus ho-
tenciais, muita coisa pode ser feita para que não se norários, você vai fazer, como eu faço, como
tenha que interferir numa economia de mercado qualquer profissional faz. É a luta por obter o má-
livre, baseada em princípios constitucionais de ximo de sua propriedade, ou do seu trabalho inte-
direito de propriedade. A Prefeitura tem instru- lectual, ou do fruto do trabalho industrial.
mentos e pessoas capazes, com disposição e norte Não foram minhas as palavras de incentivar
bem definidos, para viabilizar certas coisas que área de interesse social. A prefeitura deve estar
tornariam mais fácil a intervenção e a manutenção trabalhando nesses mecanismos que, talvez, consi-
de certos patamares de viabilidade. gam dar atratividade até por troca de valor e fazer
A CEF tem uma gerência de riscos, que cuida com que o imóvel consiga, por outros meios, se
de riscos e exige uma receita mínima de compro- tornar atrativo e reduzir o valor do imóvel por
vações. A CEF opera como banco público, com transferência de potencial ou outras ferramentas, a
recursos que são de todos, recursos do FGTS, dos menos que a prefeitura intervenha com legislação
trabalhadores ou até com recursos próprios advin- transformando o potencial de uso de uma região,
dos da poupança. Assim, a CEF tem de ser res- mas isso é uma posição pessoal, eu entendo que aí
ponsável na gestão desses recursos, até para terá certo ônus. Pois se tem certo lote, que tem
garantir que esses recursos a qualquer momento um certo potencial de valor e o poder público

108 Comissão de estudos sobre habitação na área central


chega e transforma aquilo em uma zona qualquer, muita pretensão. O que se buscou foi objetivar e
e restringe o potencial, a pessoa vai se sentir no colocar parâmetros em uma discussão e, quando se
direito de ingressar na prefeitura e pedir ação in- iniciou o próprio projeto do hotel, optou-se por pro-
denizatória por perda do valor que ela tinha na- curar colocar essa discussão nesse sentido. Os des-
quele bem. Isso é coisa que vemos comumente dobramentos e os desenvolvimentos que ocorreram a
acontecer. Então, é importante trazer habitação partir da formulação da proposta foram maiores do
social e explorar todo o potencial mas também é que o imaginado. Isso talvez devido a uma
importante estar atento para um fenômeno de “concretude” do projeto, porque desde o começo a
mercado que é muito difícil controlar, que é o va- mesma questão foi colocada: se houver intenção polí-
lor de mercado de alguém que vai e vende e é fru- tica e do poder público, e, no caso específico, enten-
to de demanda. A partir do momento em que essa da-se prefeitura municipal, acontece.
demanda aumentar, crescem a área de interesse da Um problema premente é a hipervalorização, a
região e forçosamente os valores, os preços prati- valorização artificial” do imóvel, que para ele fez
cados, vão aumentar. Ninguém quer um copo d'á- empacar toda a negociação em relação ao hotel,
gua na praia mas um copo d'água no deserto vale como empacou a negociação de vários outros i-
muito mais do que o próprio valor intrínseco dele. móveis dos quais temos conhecimento. A postura
São princípios básicos de avaliação de mercado. adotada sempre foi: não importa o número de u-
Sobre o limite dos financiamentos da CEF de 25 nidades, a conta tem de ser feita pelo valor do i-
mil reais, é complicado aumentar o seu valor pois móvel e pelo que está colocado. Não dá para o
os imóveis devem estar dentro do valor de merca- proprietário ver apenas o seu lado e com isso que-
do. Não vai se querer comprar um apartamento rer empurrar propostas inadequadas.
do programa PAR se ele custar mais caro que uma Quanto ao limite do PAR, ele tem de ser usado
quitinete do prédio ao lado. como limite para regulamentar o mercado. A dú-
Em relação ao custo da manutenção, é uma vida que existe é se, na prática, todo mundo está
preocupação assim como verificar a capacidade de fazendo a conta em termos de tantas unidades a
pagamento do futuro arrendatário para que não R$ 25.000,00, se quer contemplar distintos grupos
seja isso que inviabilize a concretização do sonho sociais, se quer promover uma determinada diver-
da casa própria desse indivíduo. sidade tipológica porque que o PAR não faz a
conta? Na realidade ele não faz isso, o valor má-
Leila Diegoli – Concordo com o que foi dito ximo tem de ser R$ 25.000,00. Conseqüentemen-
sobre a manutenção de preços de aluguéis, consi- te, se existir uma unidade de 50m2 ela custará R$
derando inclusive que um dos motivos por não 25.000,00; assim como as que têm 35m2 ou 36m2
termos uma tradição de intervenção no sentido de custarão algo menos. O que se sabe na realidade é
reabilitação de centros antigos é por conta de uma que quem fica com os apartamento menores, de
falta de uma política geral, federal e estadual que alguma forma, paga mais do que quem fica com
consiga estabelecer regras mais claras, de interesse os maiores. Fica uma questão para a CEF, a res-
coletivo no sentido da manutenção da população peito disso. Até porque é muito diferente intervir
nesses locais. no centro de São Paulo e intervir em João Pessoa
Em relação à questão da conservação dos edi- ou capitais do nordeste, onde com R$ 25.000,00,
fícios, no caso especifico dos edifícios tombados, está-se em outro nível, outro patamar de produção
não foi nenhuma lei do Jânio Quadros ou do Pitta habitacional, totalmente diferente.
que está garantindo a manutenção. Na realidade, o Por outro lado, a questão do PAR não é sufici-
que se percebe ultimamente, não só no caso dos ente para tratar de habitação de interesse social na
edifícios tombados que têm uso residencial, é que área central. O papel do poder público é funda-
uma parcela do mercado imobiliário está se dando mental; falar de habitação não é apenas produzir
conta que restaurar, revitalizar, reabilitar edifícios unidades habitacionais. Não se trata de viabilizar
tombados pode dar muito lucro. Porque infeliz- empreendimentos colocando lojas no pavimento
mente não se consegue fazer isso através de decre- térreo. Por que não o edifício não pode ser misto,
to e a lei de tombamento pressupõe essa obrigato- contendo escritórios e etc.? Como resolver isso
riedade de conservação. Existem vários mecanis- juridicamente é outra coisa. Se se quiser falar de
mos de incentivos mas efetivamente, na prática, uma política de repovoar o centro, de uma política
vemos poucos efeitos. Quando começarem a per- de inclusão, não se pode apresentar mecanismos
ceber que é possível, é viável e até lucrativo pode- que favoreçam a construção de guetos, que é um
remos mudar a situação. risco nos mecanismos efetivos que temos hoje,
para se falar friamente, um risco que pode ser co-
Manoel Rodriguez Alves – Não acredito que o locado e aí o poder público tem um papel funda-
Hotel São Paulo traga um outro patamar ou outro mental.
referencial de qualidade projetual na discussão Discordo de afirmações do tipo “é necessária a
sobre intervenção na área central. Acho que seria parceria com a iniciativa privada” para viabilizar,

Comissão de estudos sobre habitação na área central 109


por exemplo, a manutenção predial de um edifício alguns tipos de controle para que não haja tanta
de 150 apartamentos. Se houver qualquer serviço especulação.
público ali, haverá potencialmente a mesma capa- Outra questão colocada foi sobre as interven-
cidade de auferir renda equivalente que reverta ções serem somente com baixa renda. Ponderou
também para a manutenção condominial e predial que qualquer segregação é ruim e o centro deve
daquela edificação. Não se consegue dissociar isso ser habitado por todos que tem interesse, que mo-
da geração de emprego e renda ou mesmo da ram, que trabalham também, e devemos evitar ao
questão de se querer ou não morar no centro de máximo segregar porque não pode existir um pré-
São Paulo. Mas, independentemente dessas ques- dio marcado por algum tipo de preconceito.
tões e de outras que devem ser tratadas em parale- Comentou que toda a reflexão que HABI tem
lo, parece que existe uma demanda existente e desenvolvido vai no sentido de muito mais do que
efetiva de ocupação habitacional no centro da ci- recuperar um prédio. O que se quer é resgatar a
dade e que só faz sentido se falar em termos de cidadania das pessoas que vão morar lá. Na Sehab
uma ocupação que não seja de privatização de há um grupo que é responsável pelas ações sociais
espaços públicos, que não seja apenas para turistas dentro da secretaria e está acompanhando todos
ou para determinados grupos sociais. os trabalhos sociais, principalmente esses da pre-
feitura.
Nabil Bonduki – Nessa questão de limites está Em relação à questão de ZEIS, e sobre se o ci-
também o que significa para a cidade o prédio do dadão quer morar ou não no centro, todos temos
Hotel São Paulo estar no esqueleto e o que signi- de ter livre arbítrio para podermos escolher.
fica estar funcionando. Para além daquilo que a “Quero agradecer e ressaltar a metodologia in-
população vai pagar, o ganho para a cidade é im- teressante de participação de todos os ciclos de
portante, o projeto abre isso e incorpora o centro. interesse, diferenciados, nesta Comissão de Estu-
Essa questão é importante e devemos pensar nis- dos e colocar que se aprende muito aqui”.
so, nos ganhos que a cidade tem com habitação, o
que faz com que subsídio deixe de ser entendido Paula Maria Motta Lara – Em relação ao Plano
apenas como questão social e passe a ser entendi- Diretor, todos os setores internos da prefeitura já
do como investimento para cidade. estão participando da discussão e do início dos
Em relação ao ZEIS, se o cidadão quer morar estudos do Plano Diretor. Com certeza a agenda
ou não no centro, todos temos de ter livre arbítrio prevê a abertura desse debate para todos os seto-
para podermos escolher. res envolvidos no segundo semestre. Em relação à
legislação, algumas propostas audaciosas, como já
Luiz Kohara – Destacou a questão que o Pedro foi comentado, dependem da aprovação do Esta-
levantou é essencial para a problemática de como tuto das Cidades. Para se pensar na ação local no
intervir no centro. Pensando em discussões que sentido de regulador do custo dos imóveis da ter-
tem feito na Sehab, a proposta de levantamento de ra, alguns instrumentos hoje dependem da sanção
perímetro é uma das referencias para discutir as do Estatuto, caso contrário, torna-se inviável para
ZEIS. Sabe-se que não é uma legislação que vai se o município criar essa legislação e conseguir exer-
sobrepor à lei do mercado, mas podem ser feitos cer esse papel.

110 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Anexo à exposição de Cláudio Bernardes
Reforma de dois prédios antigos situados na Av. São João
Santa Cecília, São Paulo
fotos: Cláudio Bernardes

Lay-out do andar tipo: 8 aptos por andar

Vista geral da fachada

Aspectos do térreo, antes e depois

Vista da área de serviço antes e depois da reforma


Comissão de estudos sobre habitação na área central 111
112 Comissão de estudos sobre habitação na área central
Sessão 7, em 13 de julho de 2001

Esta sessão não estava prevista no programa inicial e foi resultado dos desdobramentos dos debates de sessões ante-
riores sobre programas sociais na área central. Além do programa Morar Perto e dos projetos sociais e moradia na
área central, foi feita também uma apresentação e discussão preliminar das conclusões dos trabalhos da Comissão de
Estudos, pelo Vereador Nabil Bonduki, presidente da Comissão. O resultado dessa discussão preliminar compõe as
conclusões do presente relatório.

Programa Morar Perto, projetos sociais e moradia na área


central
Mesa

Vereadora Ana Martins (PCdoB); Vereador José Laurindo de Oliveira (PT); Vereador Nabil Bonduki
(PT); Vereador Ricardo Montoro (PSDB); Ricardo Gaboni, Assessoria Técnica Ambiente; Armelindo
Passoni, assessor do Secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura do Municí-
pio de São Paulo; Regina Oliveira, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.

O Programa Morar Perto Organização:


Ricardo Gaboni UMM – União dos Movimentos de Moradia

Iniciou sua apresentação esclarecendo que o tra- A questão mais importante desse trabalho é a
balho foi feito por diversas assessorias técnicas, enti- proposta conjunta que se conseguiu articular e
dades e movimentos que atuam no centro. São eles: discutir com todos os integrantes estabelecendo
uma posição única entre esses atores. A região da
Assessorias Técnicas Multidisciplinares: proposta compreende os distritos de Freguesia do
AD, Assessoria em Habitação aos Movimentos Ó, Limão, Casa Verde, Belém, Tatuapé, Moóca,
Populares Ipiranga, Vila Mariana, Barra Funda e todos os
Ambiente, Trabalhos para o Meio Habitado distritos compreendidos na Administração Regio-
APROCOHAB, Assessoria Pró-Cooperativas nal da Sé: Sé, República, Santa Cecília, Brás, Bela
Habitacionais Vista, Consolação, Cambuci, Pari, Liberdade e
CAAP, Centro de Assessoria à Autogestão Popular Santa Ifigênia.
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos A situação da população que mora no centro e
Fábrica Urbana no centro expandido é bastante precária. A situa-
Integra, Cooperativa de Trabalhos Interdisciplinar ção urbana também demonstra certo abandono,
João de Barro Arquitetura com fábricas desativadas, terrenos vazios, imóveis
Norte Assessoria à venda há bastante tempo... Todos os distritos
Passo Assessoria para Ações Sociais objeto da proposta fizeram parte da discussão com
Peabiru, Trabalhos Ambientais e Comunitários os quatro movimentos de moradia e, em um pri-
Projeto Metuia meiro momento, alguns deles não fizeram parte da
Usina, Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado proposta, mas foram incluídos porque existe um
Politécnico di Torino trabalho desses movimentos além de serem distri-
tos com infra-estrutura consolidada. Percebe-se
Promoção e elaboração: também que a densidade habitacional é maior na
UMM – União dos Movimentos de Moradia periferia do que nas áreas centrais.
Fórum dos Cortiços e Sem Tetos de São Paulo Os dados de densidade utilizados para orientar
MMC – Movimento de Moradia do Centro o trabalho trazem informações impressionantes. A
MSTC – Movimento Sem Terra do Centro densidade habitacional do Pari é de 53,2 hab/ha, a
ULC – Unificação das Lutas de Cortiços do Brás, 76,2 hab/ha, já a densidade de distritos
periféricos como os de Sapopemba é de 188,8
Redação e apresentação gráfica (na primeira fase): hab/ha e a do Itaim Paulista, 150,6 hab/ha.Já os
AD Assessoria em Habitação aos Movimentos dados de uma pesquisa encomendada pela prefei-
Populares tura sobre Cortiços mostram que a população
Integra Cooperativa de Trabalhos Interdisciplinar encortiçada em São Paulo era de 600 mil habitan-
tes, segundo o levantamento de 1994. É preciso

Comissão de estudos sobre habitação na área central 113


pontuar que existe a necessidade da realização de ocupação nos projetos; Desenvolver trabalhos de
um censo para atualização dos dados. educação ambiental e sanitária com as comunida-
Os objetivos do programa são contribuir para des; Esses trabalhos serão desenvolvidos com
reabilitação do patrimônio histórico e arquitetôni- entidades que têm um trabalho mais centrado na
co com ações de caráter cultural para a população área social, que privilegiam essa área de atuação;
de baixa renda, especialmente a de cortiços. Mediação nos cortiços e organização social; Indi-
As áreas de atuação e os agentes do programa cação de demandas de famílias organizadas, mora-
estão divididos como se segue: doras de cortiços; Contribuição para a
identificação dos cortiços no bairro; Intermediação
Projetos Físico-Ambientais e interlocução nos cortiços; Identificação de de-
Construção de unidades novas e reformas mandas de famílias não-organizadas; Contribuição
(PAR/CEF e PAC/CDHU) para a formação, organização social e política dos
Construção de unidades novas em autogestão moradores; Identificação de cortiços no bairro.
(FMH/PMSP, PAR/CEF, PAC/CDHU) Integração intersetorial, estudos estratégicos,
Reformas e requalificação dos cortiços de origem monitoramento e avaliação das ações (parceiros
(FMH/PMSP e PAC/CDHU) nacionais e internacionais): Contribuição para
Criação de um programa especial PAR/CEF com gestão de programas de reabilitação urbana; Contri-
autogestão buição com métodos e procedimentos de integração
Produção, reformas e readequação de moradia e intersetorial das ações; Métodos e procedimentos
equipamentos para a população de rua para monitoramento e avaliação das ações; Inter-
(FMH/PMSP) câmbio com experiências internacionais;.
Estudos de viabilidade para programas e soluções Financiamento/Fontes de recursos: PAR/CEF
inovadoras como a locação social – Programa de Arrendamento Residencial da Caixa
Projetos includentes para idosos, portadores de Econômica Federal; Programa de Carta de Crédito
necessidades especiais, solteiros, profissionais do Associativo/CEF; FMH/PMSP – Fundo Munici-
sexo. A locação social foi demandada principal- pal de Habitação da Prefeitura do Município de
mente pelos movimentos. A idéia é tentar pensar São Paulo; União Européia – Fundo perdido (pro-
habitação para todos os grupos que estão na região jeto em fase de elaboração); PAC/CDHU – Pro-
central. grama de Atuação em Cortiços da CDHU;
É fundamental estimular o repovoamento da Pelos objetivos percebe-se que não é uma pro-
região central, já que a cidade está mais vazia no posta de planejamento e de construção de unida-
centro do que na periferia. Esse é um dos objeti- des apenas, mas que congrega o trabalho e integra
vos do programa. as várias assessorias, as que têm um perfil mais
Assessoria Jurídico-Legal: Estudo de viabili- técnico de arquitetura e engenharia com outras de
dade jurídica para a aquisição de imóveis de inte- caráter mais social, junto ainda com os movimen-
resse; Assistência jurídica com atuação judicial e tos organizados.
extrajudicial em causas coletivas relacionadas à A preocupação na montagem desse programa
moradia; Orientação jurídica na elaboração de foi a de integrar projetos que antes eram isolados,
documentos, estatutos e regulamentos; Elaboração eram trazidos pelos movimentos, como prédios
e aplicação de módulos (mini-cursos), esclarecen- isolados, nunca fazendo parte de um plano para a
do questões jurídicas de interesse dos diversos região, não relacionando com áreas sociais e jurídi-
grupos, propiciando o pleno exercício da cidadania cas, por exemplo. Assim, o desenho desse pro-
e Desenvolver formas de controle que desestimu- grama preocupou-se com uma proposta de como
lem a comercialização de unidades habitacionais encaminhar a moradia na região central, integran-
por mutirantes, moradores, mutuários e outros. A do todas essas áreas.
assessoria jurídico-legal é uma necessidade pre- A proposta de composição distrital do Morar
mente da população e deve fazer parte de um Perto – Centro é dividida em quatro: Centro-Leste
programa desse tipo. (Brás, Belém e Moóca), Centro-Norte (Barra Fun-
Trabalho sócio-cultural-educativo: Realizar da, Santa Cecília, Bom Retiro e Pari), Centro-
pesquisa para caracterização da comunidade; Rea- Oeste (República, Consolação e Sé), Centro-Sul
lizar levantamento dos serviços existentes na regi- (Bela Vista, Liberdade e Cambuci). Essa é apenas
ão nas diversas áreas: saúde, educação, cultura e uma proposta de divisão do trabalho dentro do
lazer e a sua capacidade de atendimento; Estabele- programa. O que levou à definição não foram só os
cer programa de trabalho a ser desenvolvido, con- cortiços mas a existência de demanda organizada.
siderando as características da comunidade; Já existem alguns projetos nas regiões demar-
Desenvolver atividades que propiciem a integração cadas e abaixo seguem-se as características de
dessa população no bairro e programas que auxili- alguns deles:
em na superação dos conflitos de convivência;
Elaborar plano de acompanhamento pós-

114 Comissão de estudos sobre habitação na área central


Centro-Leste O programa foi dividido nas seguintes etapas
Experiências recentes (Brás, Belém e Moóca) para sua execução:
A – Participantes: Assessorias multidisciplinares
Projeto Piloto de Cortiços “Casarão”, mutirão e (contratadas pela PMSP); Movimentos (contrata-
autogestão em conclusão (FMH-PMSP). dos pela PMSP);
End.: Av. Celso Garcia, 849 B – Participantes: Assessorias multidisciplinares,
Nº UHs = 182 Movimentos, Sehab, Cohab, ARs, CDHU, CEF,
5 pavimentos Associações de Bairro
Área média útil/UH = 31,50m2 C – Participantes: Assessorias, Movimentos, Se-
Financiamento: FMH-PMSP hab, Cohab, ARs, CEF, CDHU, Construtoras,
Início da obra: 14/11/1991 ONGs
As ações necessárias para viabilizar este pro-
Projeto de Reabilitação do Edifício Banespa, em grama Sehab/PMSP dentro do escopo do pro-
fase de aprovação (PAR-CEF) grama seriam as seguintes:
End.: Av. Celso Garcia, 787 Contratação de Escritórios ou Assessorias Mul-
Nº UHs = 84 tidisciplinares para os estudos dos distritos; Con-
5 pavimentos vênio Sehab/PMSP e movimentos; Convênios de
Área média útil/UH = 27m2 cooperação internacional – Comunidade Européia
Financiamento: PAR-CEF (Politécnico di Torino/Itália)
Início da obra: abril/2001 Convênios com universidades brasileiras
Outro ponto que normalmente é um entrave
Estudos “Rangel Pestana” PAR-CEF, em estudo a para vários projetos pontuais é a necessidade de
aquisição de imóveis privados (PAR-CEF) revisão da legislação urbanística e de edificações
End.: Av. Rangel Pestana Sehab/PMSP. São algumas delas:
Nº UHs = 98 Revisão do Código de Obras e da legislação de
10 pavimentos habitação de interesse social para viabilizar solu-
Área média/UH = 38m2 ções econômicas com qualidade
Início da obra: 2ºsemestre/2001 Criação de instrumentos urbanísticos que colo-
quem os atuais terrenos ociosos no mercado e
Projeto “Belém” (Cohab), projeto em área da pressionem para a baixa dos preços (criação de
Cohab-SPEnd.: R. Toledo Barbosa, 529 ZEIS).
Nº UHs = 160 Aceleração da análise e aprovação dos projetos
6 pavimentos por parte da prefeitura nos setores de Aprov, Par-
Área média útil/UH = 42m2 solo, etc.
Situação: paralisada em 1992 Projeto de lei de isenção de taxas ou emolu-
mentos, desonerando as famílias envolvidas.
Centro-Norte Uso de decretos de interesse social conforme o
Experiências recentes (Barra Funda, Santa Cecília, Bom caso.
Retiro, Pari) Elaborar legislação sobre herança vacante.

Projeto Pirineus Uma experiência importante foi realizada na ci-


End.: Rua Pirineus X Rua Brigadeiro Galvão dade de Santos, onde foi feito um trabalho de Identi-
7 pavimentos ficação, Caracterização e Desenvolvimento de
Área média útil/UH = 32m2 Metodologia para Intervenção nos Cortiços do Cen-
Financiamento: PAC/CDHU tro da Cidade. Essa metodologia incluiu:
Situação: demolição concluída – obra paralisada. Uso do solo na área de pesquisa, Levantamento,
Estimativa para retomar em 2 meses Cadastro, Implantação, Elevações, Características
Gerais
Um conceito fundamental para a compreensão Caráter integrado da intervenção no perímetro
das etapas é o conceito de perímetro. Perímetro é Habitação (de interesse social e outras)
o nome que foi dado para a delimitação de um Comércio e Serviços
conjunto de quarteirões que possuam um “pro- Lazer e Cultura
blema habitacional”, como os cortiços, e a “solu- Equipamentos e Mobiliário Urbano
ção habitacional”: galpões industriais, terrenos Educação, saúde e geração de emprego e renda
vazios, edifícios e cortiços com vocação para re- O período de execução dos serviços mencio-
forma. Os objetivos são identificar e definir con- nados acima foi:
juntos de quadra e sempre propor alternativas Levantamentos e identificação dos perímetros:
ligadas a demandas que existem, identificando os 2 meses
cortiços nas quadras.

Comissão de estudos sobre habitação na área central 115


Elaboração da proposta para um perímetro: A proposta para o Banco do Povo é começar a
3 meses funcionar em setembro e será implantado em 20
Área de intervenção: ± 400 hectares regiões da cidade. As sedes do Banco do Povo
(±150 quadras) nessas regiões devem atingir 500 mil pessoas. Essa
Custo da Intervenção: R$362,50/hectare é a média baseada nos 96 distritos da cidade de são
Esse trabalho foi feito a partir de contrato fir- Paulo. Essa proposta deve ser concluída ate o fim
mado pela CDHU com a assessoria técnica Ambi- de 2002. Neste ano, serão implementadas seis
ente e foi para toda a região central de Santos. Há agências, que estarão no chamado começo da peri-
semelhanças ao que se está propondo mas sem a feria como Santo Amaro, Tatuapé etc. Os agentes
participação e sem o levantamento social. Nesse de crédito dessas agências vão atender à cidade
trabalho, foi feita só a parte física mas não tem a como um todo, por isso teriam também condição
característica que tem o Morar Perto que seria a de atender cortiços e moradores da região central.
integração com o movimento organizado e o le- Em relação aos programas de economia solidá-
vantamento social da região para a melhor com- ria, já existem tratativas com a administradora
preensão da situação dos cortiços. Na proposta de regional da Sé, Clara Ant, para um projeto de ela-
Santos, muitos imóveis seriam mantidos com os boração de cooperativas de vassouras e uniformes
usos já consolidados, mas havia também a propos- para o centro. Existem outras em estudo sobre
ta de intervenção e desapropriação de áreas, man- reciclagem de lixo. Talvez essas iniciativas possam
tendo e criando novos prédios integrados aos que ajudar nesse trabalho no centro. Essas cooperati-
já existem. vas são prioridade para o Banco do Povo, para
todas as pessoas com iniciativas nessa região. A
Projetos sociais nas áreas centrais diferença do Banco do Povo para um banco co-
Armelindo Passoni mercial, é que as exigências nesse banco são soli-
dárias, são preocupações em relação ao projeto
Os projetos da Secretaria do Trabalho, Desen- que o solicitante tem e à relação entre sua condi-
volvimento e Solidariedade para a classe mais po- ção de pagamento e sua produção. Os parceiros da
bre da cidade são os seguintes: prefeitura para o Banco do Povo são CEF, Banco
– Projeto Banco do Povo (deve começar a partir do Brasil, Sebrae e um convênio também com o
de setembro) governo do estado.
– Renda Mínima O programa Renda Mínima tem outra caracte-
– Começar de Novo, para pessoas acima de 40 rística: pessoas de renda até três salários mínimos.
anos Os programas sociais, a não ser o Banco do Povo,
– Bolsa-Trabalho, para jovens a partir de 16 anos vão atender 309 mil famílias na cidade, principal-
– Programas de economia solidária, formação de mente o programa Renda Mínima, que atinge hoje
cooperativas e tudo que as envolve 9 mil pessoas. Um dos maiores programas sociais
– Requalificação profissional, para pessoas de 21 a do país atualmente é o de Belo Horizonte, que
30 anos, convênio com centrais sindicais, progra- atinge 7 mil pessoas. Somente nessa primeira fase,
ma que será implantado o programa vai atingir 10 distritos na cidade de
– Trabalho e desenvolvimento na cidade (progra- São Paulo. São 96 distritos: atingindo 10 distritos,
ma que será implantado) atinge-se 9 mil pessoas. A proposta é atingir, pelo
São Paulo, maior cidade da América Latina, já menos até o fim do ano, 60 mil famílias e, até o
gerou alto nível de emprego na indústria, foi o ano que vem, 120 mil famílias das 309 mil
estado que mais empregou pessoas no setor indus- inicialmente previstas.
trial e hoje já não são oferecidos empregos neste A Secretaria está gradativamente avançando no
nível. São Paulo adotou outro rumo econômico sentido de implementar bolsões regionais. Parai-
tornando-se uma cidade mundializada, que traz em sópolis, por exemplo, é um bolsão de pobreza em
si a desintegração do trabalho que é o desemprego. uma região mais desenvolvida. Os critérios para a
Além disso, a cidade sofre hoje todo tipo de escolha dos distritos para os programas foram a
degradação no perímetro urbano mais antigo. A taxa de desemprego, o índice de violência e a ren-
nova economia procura setores e regiões como da familiar. Na zona sul, escolheu-se Campo Lim-
Berrini, Tatuapé, parte da zona norte e Itaim. po, Capão Redondo, Jardim Ângela, Parelheiros,
Com o Banco do Povo, micros e pequenos Grajaú; na zona norte, Brasilândia e Anhanguera, e
empreendedores populares poderão acessar em- na zona leste, Lajeado, Tiradentes e Iguatemi. São
préstimos. O modelo é o Banco feito em Santo hoje 10 distritos atingidos. A idéia é sempre traba-
André, que fez empréstimos de R$ 1.500 a R$ lhar em bolsões de pobreza, em áreas atingidas
2.000. Os empréstimos são em média de R$ 5 mil pelo desemprego e pobreza.
para o próprio negócio, R$ 10 mil para pessoa Em relação à área central, tem-se, portanto, a
física e R$ 25 mil para cooperativas. instalação do Banco do Povo, que este ano estará
em seis regiões da cidade, e os programas relativos

116 Comissão de estudos sobre habitação na área central


à economia solidária, em tratativas com AR-Sé. morando em edifícios, é discriminada no bairro
Importante também lembrar que a Secretaria da como população encortiçada. O que fazemos para
Saúde está implantando 1.700 equipes de médico que isso não aconteça? Os movimentos estão fa-
de família e que seria interessante procurar a secre- zendo propostas sérias, junto com assessorias nas
taria da saúde para integrar o médico de família quais a proposta seria não atender apenas a moradia
nos projetos sociais. porque sabe-se que há outras coisas. Os movimen-
tos estão fazendo sua parte e a prefeitura tem de dar
Projetos sociais e habitação no centro respostas, o estado tem de dar respostas, o governo
Regina Oliveira federal tem de dar respostas, porque são eles efeti-
vamente que podem implantar as políticas.
Os programas apresentados pelo assessor da Se-
cretaria, seis projetos, são objeto de reivindicação Vereador José Laurindo de Oliveira
dos moradores do centro. Sabe-se da dificuldade
que é a viabilidade de programas habitacionais no O vereador apontou para o fato de ser essa a úl-
centro sem um suporte que possibilite o pagamento tima sessão e de se estar caminhando para as con-
para sustentação desses mesmos programas. O clusões do trabalho da comissão. Apontou para o
exemplo do mutirão do Casarão, iniciado em 1991, farto material produzido, que ajudará a compreen-
e as dificuldades que se encontram pela situação em der a problemática que envolve o centro velho de
que as famílias vivem. Os programas são suportes São Paulo e suas potencialidades. Certamente, o
para que as famílias consigam sustentar projetos produto desta comissão vai nortear a ação da admi-
habitacionais. Assim, é imprescindível que os pro- nistração no que tange ao reaproveitamento do
gramas sociais vão para centro. O Centro Gaspar centro de São Paulo, das áreas degradadas do centro
Garcia de Direitos Humanos assessora o Casarão. velho, buscando respeitar a vocação natural e a
De aproximadamente 800 moradores, 350 são cri- história do centro, mas procurando o reaproveita-
anças e adolescentes. Não há muita atividade para mento de toda infra-estrutura criada ao longo dos
eles. Com muita dificuldade conseguem-se imple- anos e que, em razão de um crescente esvaziamento
mentar alguns projetos como o Projeto Metuia. Mas econômico na área central, além de um grande grau
há idosos, mães chefes de família e adolescentes, de obsolescência, está inaproveitada.
que estão o tempo inteiro sujeito ao tráfico. Quem Esta comissão colheu material significativo das
mora em ocupação sabe bem disso pois o movi- múltiplas visões do problema, elemento fundamen-
mento social organizado exerce controle para que o tal para guiar e orientar a atividade legislativa no que
tráfico de drogas não entre na comunidade porque diz respeito às respostas do poder público munici-
seu apelo é muito maior. Enquanto o programa pal para políticas do centro.
Bolsa-Escola paga R$ 45, qualquer menino de rua E, em um curto espaço de tempo, segundo o
ganha R$ 50 por dia. É preciso refletir sobre esses vereador, pode-se ter a crítica da cidade e da opini-
programas. ão pública, disponibilizando o produto gerado nessa
Outra questão que destacou foi a do morador comissão a todo o público. A busca da compreen-
de rua, porque quando se fala em viabilizar progra- são melhor da problemática do centro, o maior
mas de habitação para morador de rua, quando se conhecimento de problemas que envolvem o cen-
pensa nos programas criados para a população de tro pelos legisladores permitem que a CMSP possa
rua, ainda se pensa em albergues e não em progra- melhor guiar as potencialidades do centro de São
mas de geração de renda que possam capacitar essa Paulo.
população. Em todos os fóruns, o que o morador
de rua quer é moradia e trabalho. Chega de albergue O problema da moradia no centro
e sopão, chega de paliativo. Políticas sociais sérias Vereador Ricardo Montoro
têm de ser implantadas e deve-se ter retorno disso.
A questão dos projetos sociais dentro dos progra- O intenso e desordenado processo de urbaniza-
mas habitacionais tem de ser pensada dentro de ção da cidade de São Paulo foi, em grande parte,
uma articulação entre os diversos atores sociais, alimentado pela falta de planejamento em setores
Prefeitura e Câmara, porque a população não tem essenciais da infra-estrutura social e urbanística, que
como ficar esperando, não dá para esperar quatro recebe o impacto direto das pressões de demanda,
anos. Quando chegam os projetos sociais para o construídas pelos fatores sociais e econômicos as-
centro? São eles que podem diminuir a vulnerabili- sociados às migrações de carências nacionais e à
dade da população e que podem dar subsídio a um perversidade do modelo econômico de concentra-
programa de habitação sério no centro. Não é pos- ção de renda.
sível pensar só em habitação, pois quando termi- Hoje, cerca de 56% da população da cidade de
nam os projetos, a população continua lá, continua São Paulo vive em habitações que, de um modo ou
sendo discriminada, continua sendo marginalizada... de outro, orbitam na insegurança legal ou na pro-
No Casarão, por mais que a população já esteja miscuidade social. São famílias inteiras vivendo sob

Comissão de estudos sobre habitação na área central 117


a violência, sem saneamento e sem infra-estrutura, intervenção nos cortiços terá que ser realizada.
que não podem oferecer a seus filhos, nascidos e Esperamos que esta Comissão de Estudos sobre
criados nesse ambiente de carências cumulativas, Habitação na Área Central, com um trabalho a-
perspectivas dignas de desenvolvimento pessoal. brangente, possa com uma ação integrada de go-
Concentrados nas áreas mais centrais e em pólos verno e sociedade superar o grande desafio, que é a
regionais, os cortiços abrigam uma população de questão da habitação nessa região. O trabalho reali-
aproximadamente 600 mil pessoas. Refletem o zado nas reuniões preliminares por todos os mem-
processo de degradação urbana imposto pela au- bros da Comissão, dos palestrantes, das
sência de políticas públicas de preservação e de organizações por movimentos de moradias, veio
desenvolvimento urbano, ao mesmo tempo em que nos mostrar as diferenças e desigualdades da cidade
se constituem alternativa de solução de moradia com de São Paulo, que hoje representam quatro grandes
redução dos custos de transporte, pois são viabiliza- desejos para a cidade, a partir dos padrões mínimos
das em área com alguma oferta de emprego. de cidadania:
São as mais perversas modalidades de submora- – Que São Paulo viabilize condições de auto-
dia pois, escondido atrás de fachadas, abriga-se um nomia econômica para se construir uma política
implacável controle do “senhorio”. urbana e habitacional, articulada nas diversas esferas
A cidade de São Paulo está marcada por pro- de governo: Municipal, Estadual e Federal, de for-
fundas desigualdades. Elas se revelam de forma ma suprapartidária;
dramática nas situações de exclusão social, de priva- – Que São Paulo assegure de modo crescente o
ção de direitos e de carências de condições básicas máximo de desenvolvimento humano a todos;
de vida. Conhecer como as desigualdades se mani- – Que São Paulo ofereça o máximo possível de
festam é um passo decisivo para transformar essa qualidade de vida a todos os moradores;
realidade. – Que São Paulo garanta eqüidade, isto é, uma
Todos sabemos que São Paulo está passando situação de igualdade, sem discriminação, sem ex-
por um processo lento de esvaziamento das áreas clusão e sem segregação entre as pessoas
centrais, com a saída de escritórios e, particularmen-
te, da classe média moradora. Esse processo não DEBATE
estancou, e São Paulo se transforma aos poucos
numa cidade só de serviços, com as grandes indús- Paulo de Tarso Witkowski Frangetto, Secretaria
trias abandonando o município. Tudo isso, ao de Assistência Social (SAS), Coordenação do Pro-
mesmo tempo em que é um problema, também cria grama de Atenção à População de Rua – Na Secreta-
uma oportunidade na medida em que temos um ria, temos a preocupação de uma demanda da
estoque de terrenos e de imóveis que deverão ser população de rua que está se organizando, está rei-
aproveitados para a habitação, porque a cidade é vindicando seus direitos e ajudando a mudar formas
feita prioritariamente por sua habitação e por seus de assistência, dos mecanismos clássicos de albergues
habitantes. Nesse sentido, sabemos que a nossa e de distribuição de alimentos. O importante é que
administração estadual está assinando vários convê- hoje estamos desenvolvendo um programa de eco-
nios com a Prefeitura de São Paulo, para que as nomia solidária para a população de rua, baseado no
ações sejam complementares. Tecnicamente, o decreto que a prefeita assinou no dia 2 de janeiro, um
PAC – Programa de Atuação em Cortiços, vai se regulamento da lei do povo da rua . Temos no artigo
dar nas áreas centrais e em diversos bairros dotados 5o, parágrafo oitavo, o incentivo à cooperativa. É
100% de infra-estrutura e equipamentos. Nesse diante dessa questão que podemos desenvolver junto
âmbito é que serão construídas e ofertadas as uni- à AR-Sé o projeto de uma cooperativa de catadores
dades habitacionais. de papel, hoje situada na rua Barão de Iguape, 950,
É preciso trabalhar nas duas pontas: do proble- primeiro projeto do núcleo de incentivo à economia
ma e da solução. Ao mesmo tempo em que a solidária. É importante que o banco do povo esteja
CDHU, com a Prefeitura, estiver realizando uma organizado para as cooperativas de catadores poderem
oferta de unidades habitacionais, também terá que financiar seus equipamentos e assim terem uma viabi-
fazer uma intervenção nos cortiços, porque não lidade econômica. Que não seja simplesmente um
basta atuar sobre a situação da oferta se não for projeto piloto, mas que possamos fazer um pool para
modificada a situação do cortiço. Hoje sabemos que a cidade de São Paulo em relação aos catadores e,
o cortiço apresenta-se como um problema pior que assim, ajudarmos na regulamentação desta profissão.
o da favela, tendo em vista a falta de privacidade e a
forte insalubridade.
Em estudos realizados recentemente chegou-se
à conclusão de que “é a pior habitação, no melhor
endereço”. Essa contradição tem que ser trabalha-
da, e usada a favor do programa. Novamente, ao
mesmo tempo em que se vai ofertar moradia, a

118 Comissão de estudos sobre habitação na área central


É importante colocar que a população de rua que existe de atendimento e, a partir daí, como é que
trabalha, e trabalha muito, e de forma desorganiza- essa ação pode ser articulada e integrada.
da, sob o ponto de vista sindical e de direitos traba- É necessário também resgatar a experiência de
lhistas. Os catadores são fundamentais para a Santo André, do programa integrado, que tem uma
população de rua e ajudam a dar resposta para essas diferença muito importante do que se está apresen-
questões apresentadas porque 50% da população de tando aqui. É mais do que pensar uma integração
rua trabalha na coleta do nosso lixo de forma in- do que já existe. Que está fazendo Santo André? A
formal. Apenas 30% da totalidade dos catadores partir de um convênio com o BID montou-se a
estão no centro da cidade, mas um catador que não coordenação do programa integrado. A prefeitura
tem direitos trabalhistas, que não se beneficia de fez uma experiência piloto que deu certo, foi premi-
nenhuma forma de assistência, nem tem como ada na Conferência de Istambul +5. A prefeitura
justificar renda para entrar nos projetos de moradia parte da questão habitacional: os programas sociais
– o que é fundamental. Mas se eles estiverem orga- têm de dar suporte para a habitação porque, senão,
nizados em cooperativas, poderão entrar nos proje- a população fica por um tempo mas acaba saindo já
tos de moradia. Um catador hoje, da maneira como que não tem condições de ficar ali. Então, o que faz
está, será um morador de rua no futuro, porque o programa integrado? Mantém a população com
quando ele perde a capacidade de puxar um carri- todas as outras ações, como por exemplo, o renda
nho, ele com certeza não tem formas de assistência mínima, a bolsa trabalho etc., todos agindo naquele
ou de direito previdenciário, desta forma será mais programa habitacional. Por exemplo, foi seleciona-
um morador de rua. da uma área onde vai ser feito um programa habita-
Não podemos mais permitir que, sem nenhuma cional. Todos os programas atuam juntos naquela
assistência, sem nenhum direito trabalhista, estes área. Todas as famílias são atendidas pelo renda
homens e mulheres que trabalham duro dia após mínima, pelo bolsa trabalho, pelas ações da assis-
dia sustentem uma indústria de papel que tem mais tência e pelas ações da educação. Assim, Santo
de 40 anos no país explorando esta mão-de-obra e André está mostrando como consegue passar de
necessita deste trabalho para ser viável economica- situação de exclusão para a de inclusão e acompa-
mente mas nunca apoiou a regularização deste pro- nhar as famílias nas ações. Em Santo André o pro-
fissional e, em última instância, é quem o leva à grama deu muito certo e agora estão ampliando
miséria e à exclusão. A indústria de papel só fun- para cidade inteira. O lugar de moradia é o ponto
ciona com a reciclagem e só é viável com essa estru- de partida, de onde se articulam as ações. Seria
tura e nunca forneceu nenhum direito a esses importante conhecer a experiência, ouvir as lideran-
trabalhadores, cabe ao poder público cumprir a ças da cidade. Além disso, montar um mapa das
constituição e apoiar as cooperativas destes traba- ações e uma primeira articulação e, a partir daí,
lhadores. tentar construir no centro um programa piloto de
ação integrada.
Rosangela Paz, Professora da Unisa e asssessora
do vereador Nabil Bonduki – Gostaria de fazer Suzi Chispita, Movimento Guarulhos de Moradia
algumas reflexões sobre os projetos sociais. Sabe-se – Abordei essas questões sociais de movimentos e
que hoje, na prefeitura, temos nas várias secretarias prédios ocupados pela população de baixa renda da
uma série de ações. Além de ações da Secretária do área central. Regina deu resposta bastante satisfató-
Trabalho, temos ações na SAS, na Secretaria de ria, Ricardo também, fiquei satisfeita com as respos-
Educação, na Saúde. Talvez seja exatamente aí, nos tas. Mesmo porque eu citei exemplos de alguns
programas sociais, em que se observa a maior frag- prédios ocupados no centro pela população de
mentação dessas ações.Várias falas vão no sentido baixa renda e que são vistos como cortições pela
de uma ação integrada, mas fala-se nisso muito no sociedade. Já morei nesses prédios e tenho experi-
ideal. É preciso começar a pensar como se enfrenta ência para contar a respeito. Não é só colocar a
a ação integrada. A SAS tem ações, assim como a população de baixa renda no centro e deixar que se
Secretaria do Trabalho, a saúde e a educação. virem. Não tem como se virar, pois questão cultural
Como se faz para avançar? O primeiro ponto é da baixa renda é uma questão muito difícil de se
ter um mapa e conhecer quais são essas ações. Exis- enfrentar e conviver. Programas sérios para ajudar
te uma rede direta da prefeitura, mas existe uma essas pessoas são necessários.
rede de ações conveniadas e de iniciativa da socie- Morei na rua General Osório, no edifício Júlia
dade. É necessário que se tenha conhecimento e as Cristianini, que é muito discriminado. Não foi pro-
ações têm de ser articuladas entre si. Esse é o ponto gramada a ocupação por moradores de baixa renda,
de partida. Seria muito bom para os movimentos e mas é terrível de se conviver. Em relação à fala do
para os grupos organizados saber quais são essas Nabil, sobre a valorização e que não se deve deixar
ações. Sabe-se que são precárias, debilitadas, não haver especulação, é preciso pensar também que os
atendem à demanda. Mas o ponto de partida é saber proprietários, na hora de vender seus imóveis, que-
o que existe na área central de equipamento social, o rem mais dinheiro e nós, menos.

Comissão de estudos sobre habitação na área central 119


É importante que exista também um projeto pa-
Silvestre dos Santos Ferreira, ex-coordenador da ra pessoas idosas. Porque os idosos vão para alber-
ocupação da Rua Brigadeiro Tobias – O prédio está gue, são tratados como indigentes e, no dia
em negociação final com a CEF, estamos todos seguinte, às sete da manhã, são jogados de novo na
felizes pois está na fase final para ser assinado pela rua. Albergue não constitui família e não é isso que
CEF. Mas também estamos tristes, pois há famílias queremos. Queremos uma casa, albergue não é
que fazem parte da demanda e outras 16 que não casa, é depósito de gente. Muita gente trabalha toda
fazem parte da demanda. Foi falado pela prefeitura uma vida e hoje é jogado na rua porque não tem
que essas famílias que fazem parte da demanda e onde morar. Aqui no Brasil não existe programa
não foram atendidas têm lugar para ir, após a cons- habitacional; é preciso muito boa vontade para não
trutora definir o dia para elas saírem. Outras que deixar famílias jogadas na rua. Nós confiamos na
não têm pra onde ir estão preocupadas, confiando prefeitura e esperamos que esses programas saiam.
no movimento.
O objetivo do movimento por moradia é orga- Elisângela Fátima da Silva, MSTC, Movimento
nizar a população de baixa renda, é tirar pessoas da de Moradia Sem Teto do Centro – Gostaria de
baixa renda para que futuramente você tenha mo- chamar atenção ainda para os projetos sociais, tudo
radia digna. Mas, mais tarde, depois do processo de o que os moradores de cortiços gostariam de estar
negociação e da compra do prédio, não é bem isso. falando. Quais são os critérios da Renda Mínima,
O que falaram não foi isso. O movimento é para do Bolsa Escola e outros? O morador de cortiço,
baixa renda e começa a reclamar. No estatuto, na no meu entender, está dentro desses critérios, mas
lei, todo cidadão tem direito à moradia, seja ele não estão sendo atingidos por esses programas, não
trabalhador, seja ele catador, não pode ficar de fora. chegaram no centro. É necessário um esclarecimen-
O mesmo direito vale para quem não tem renda, to sobre os critérios. Pelo que foi dito sobre crité-
porque essas pessoas acreditam no movimento, rios, nós estamos contemplados.
acreditam que futuramente ela vai ter um endereço
e condições de conseguir emprego. Quando se fala Lita, moradora do centro – Proponho que os corti-
que é do movimento e da ocupação, as pessoas se ços fossem comprados por entidades para ser alu-
acham na obrigação de ir para a periferia, de ser gado por pai ou mãe migrante que vem só
empurrada para ir para a periferia, pois o custo de acompanhar os filhos no estudo, que não precisa
vida lá é menor... comprar patrimônio permanente. Por outro lado,
importante que exista moradia pequena para estu-
Lisete Gomes das Neves, MSTC, Movimento de dantes. Os senhores podem sugerir a USP ou ou-
Moradia Sem Teto do Centro – Queria solicitar in- tros lugares. Só que, antes de ir para a USP, onde
tervenções em cortiço. Existe o proprietário, são vai ficar durante anos antes de entrar? Como estu-
despejadas famílias e, depois, o cortiço fica fechado dante, sai prejudicado. Vim para estudar, estou há
sem utilidade nenhuma. Na rua Guaianazes há uma 25 anos. O emprego não era adequado para estudar
empresa que não admite pobre morando ao lado: e investi na minha filha. Todos os migrantes lá de
chamam a polícia, que pode tirar em 24 horas. A fora gostariam que a cidade alojasse o cidadão estu-
empresa retira essas famílias e elas são jogadas na rua dante também. Vamos abraçar essa causa, o aloja-
por uma empresa particular. É necessário que haja mento estudantil.
uma intervenção da prefeitura perante proprietários
de cortiços vazios que não deixam jogar famílias na Agostinho Araújo, desempregado, morador no
rua, que não têm nada a ver com isso porque não Centro – São Paulo cresceu e precisa parar. Quem
querem pobres ao lado ou em frente. Deve haver nasceu em São Paulo, cresceu, se formou, precisa
uma multa para esse proprietário para quando o mudar.
cortiço ficar vazio. É necessário um fim social para
esses imóveis. Vazio, o imóvel não tem fim algum e Regina Oliveira – Por que não podemos pensar
mesmo quando é ocupado por famílias de baixa projetos junto com o movimento organizado? Tem
renda, quem mora lá dentro são ratos e baratas. É de levar para bolsões de pobreza mas trazer tam-
direito do proprietário ter imóveis, sabemos disso, bém para a população que já está organizada.
mas também é direito da população pobre morar.
Armelindo Passoni – Já tivemos uma primeira
reunião discutindo com pessoas do centro, ambu-
lante, a administradora regional e o secretário para
alguns projetos integrados no centro. No momento
não há condições de se integrar os projetos. A Se-
cretaria não tinha recursos para colocar nesse pro-
grama. Os governos anteriores não investiram, não
criaram nenhum tipo de programa e não tinha or-

120 Comissão de estudos sobre habitação na área central


çamento. Foi necessário tirar de outros programas aquele banheiro, a população que se vire! Aliás o
para obter no máximo 69 milhões de reais. Foi que se faz com leis que foram criadas e que não
discutido onde aplicar melhor e iniciar o programa. servem para nada? É necessário pensar o bairro
A partir de setembro, o Banco do Povo vai estar para não serem criados guetos. Porque as famílias
operando na cidade toda. São seis agências aten- tendem a ficar confinadas naquele bairro e isso eu
dendo a cidade como um todo e a prioridade é considero como um problema mesmo. Acho que
onde tem trabalho integrado, tanto de habitação ações integradas poderiam minimizar isso para que
como de cooperativas. Seria interessante ver a inte- a população pudesse ter acesso àquele bairro, ao
gração dessas cooperativas. Quando falei de coope- bairro onde ela mora.
rativas de vassoura, essas envolvem milhares de
pessoas... A população que trabalha com reciclagem Ricardo Gaboni – Em relação ao Morar Perto. É
vai vender para companhias de varrição de lixo. O uma proposta para nossa cidade! Por ser assim é
mesmo acontece com a questão do uniforme. que nós entendemos que deveria partir da prefeitura
para articular governos, mas talvez uma visão me-
Regina Oliveira – Hoje, quando se vai nos lugares, nos distante, independente dessa articulação gover-
vê-se que a saúde tem um mapa, a educação tem no federal-governo estadual, entende que, tendo
um mapa, a habitação tem um mapa, todos têm projeto para regiões centrais desenvolvido e viabili-
tantos mapas que não sabemos a qual recorrer. O zado, se consegue trazer recurso para nossa cidade e
grande problema da SAS é que trabalha na linha do para os projetos que existem já mas que estão soltos.
assistencialismo. Enquanto essa linha não for modi- Viu-se a quantidade de recursos que existem e que
ficada, vai ficar inviável porque eles não escutam a não estão disponibilizados. Não se consegue ter a
população de rua, as reivindicações da população. capacidade de trazer esses recursos para projetos da
Um outro problema é o da burocracia, que impede nossa cidade. Pelo programa Morar Perto, acredita-
o acesso de fato à informação. mos que poderia estar viabilizando esse também.
Quanto à Lei Moura, no Centro Gaspar Garcia Uma comparação: no projeto da rua Pirineus, o
está-se terminando um levantamento no Bom Reti- custo hoje seria R$ 25.000,00 incluindo a obra pron-
ro no qual constatou-se vários absurdos. Por exem- ta. Na mesma CDHU, está-se produzindo habitação
plo um cortiço com 21 quartos, 84 famílias, 3 na periferia sempre superior a R$ 30.000,00 a unida-
banheiros. Por conta do racionamento de energia de. Aqui na rua Pirineus, a duas quadras do metrô, o
dois banheiros foram fechados. Os 21 quartos fica- custo final é R$ 25.000,00 e construímos na periferia
ram com um banheiro apenas. O argumento utili- sempre acima de R$ 30.000,00. Alguma coisa está
zado pelo intermediário e pelo proprietário é o errada. Esses números assustam e mostram o quanto
seguinte: ‘nem adianta reclamar porque a prefeitura é importante estar ocupando o centro melhor do que
não vai vir aqui fiscalizar e o cortiço é meu; eu faço hoje tem sido feito.
nele o que bem entender’. A Lei Moura é complica-
da, mas seria um mecanismo para fiscalizar abusos;
sabe-se que acontece porque ninguém vai fazer
nada mesmo. No exemplo dado, se for fechado

Comissão de estudos sobre habitação na área central 121


122 Comissão de estudos sobre habitação na área central
Conclusões, recomendações e propostas

A Comissão de Estudos de Habitação na Área Sua viabilização enfrenta, entretanto, fortes


Central, após ouvir em sete sessões técnicas públi- constrangimentos tais como: preço da terra e dos
cas representantes do poder público municipal e imóveis, considerando a renda da população e os
estadual, Caixa Econômica Federal, movimentos limites das linhas de financiamentos existentes;
de moradia, ONGs, técnicos e professores univer- legislação urbana e edilícia ultrapassada e inade-
sitários, e visitar vários prédios ocupados por quada para a produção de habitação de interesse
movimentos de moradia na região, concluiu ser social na área consolidada da cidade; ausência de
fundamental a implementação de um conjunto de uma efetiva ação conjunta entre os três níveis de
ações executivas e legislativas objetivando estimu- governo; desarticulação entre os programas urba-
lar a implantação de empreendimentos habitacio- nos e sociais; inexistência de subsídio para atender
nais de iniciativa pública e privada na área central adequadamente a população de baixa renda; e a
e consolidada do município de São Paulo. falta de informações precisas sobre a dimensão e
No marco do Plano Reconstruir o Centro, é características da questão da moradia na região.
indispensável criar condições para compatibilizar Objetivando enfrentar estes e outros desafios,
o processo de recuperação da área central com o a Comissão sugere um conjunto de recomenda-
desenvolvimento de um conjunto de programas ções e propostas. Estas foram organizadas por
voltados para a população de baixa renda que assuntos, apresentando de modo articulado as
mora e trabalha na região, entre os quais se desta- diretrizes adotadas e as propostas sugeridas. Em-
ca a habitação de interesse social, na perspectiva bora tenha se buscado detalhar as propostas, as
de garantir a inclusão social. limitações próprias de uma Comissão de Estudos
A Comissão constatou o enorme potencial da do legislativo dificultaram este objetivo. Apesar
região para a função habitacional de baixa e média disso, julga-se que o resultado permite delinear
renda e a importância para a cidade de povoá-la, com clareza o caminho para equacionar a questão,
na perspectiva de reverter o processo de cresci- nos seus vários aspectos. Espera-se que o apro-
mento horizontal da cidade e dar melhor aprovei- fundamento desejado possa ser logrado a partir
tamento às áreas já servidas de infra-estrutura e das diretrizes e recomendações aqui apresentadas,
equipamentos sociais e urbanos. Ao aproximar a no desdobramento dos trabalhos da Comissão e
habitação social da zonas concentradoras de em- nas ações que estão sendo desenvolvidas pelo
pregos a necessidade de deslocamento na cidade poder público.
tende a reduzir, representando menor desgaste Assim, as recomendações estão organizadas de
físico e despesa financeira para o trabalhador bem acordo com os seguintes temas:
como a diminuição da demanda por transporte, § Política urbana, fundiária e legislação urbanís-
com evidentes ganhos urbanos. O impacto seria tica
assim extremamente positivo para a cidade e para § Legislação edilícia e procedimentos adminis-
os trabalhadores e moradores da área central que, trativos de aprovação dos projetos
historicamente têm sido excluídos da região nos § Plano habitacional e de inclusão social
processos anteriores de recuperação ou renovação § Gestão e participação popular
urbana, dando a esta proposta um ineditismo ex- § Ações voltadas para os cortiços e ocupações
tremamente importante. existentes
§ Outras recomendações

Comissão de estudos sobre habitação na área central 123


Diretrizes e propostas § Criar um Sistema de Planejamento Regional,
num processo de gestão participativa (como
1. Em relação a Política urbana, fundiária e nas demais regiões da cidade), que coordene o
legislação urbanística Plano Regional articulador de uma política
urbanística para região.
1.1. Legislação a ser revista, formulada ou
considerada 1.3 . Propostas

§ Estatuto da Cidade (referência geral); § Delimitar no Plano Diretor e leis dele decor-
§ Plano Diretor (PD) e leis específicas dele rentes as áreas que não cumpram a função so-
decorrente; cial da propriedade, considerando que na área
§ Lei de Zoneamento; central todo terreno deve ser utilizado, com
§ Zoneamento Industrial Estadual (ZUPI) adensamento compatível com a acessibilidade
§ Operação Urbana Centro; da região e a presença de equipamentos e in-
§ Plano Regional do Centro; fra-estrutura. Neste sentido, devem ser consi-
§ Leis específicas de concessão de áreas públicas. deradas áreas que não cumprem a função
social, ficando, portanto, sujeitas às penalida-
1.2 . Diretrizes: des estipuladas no Estatuto da Cidade, como
edificação e utilização compulsórias, IPTU
§ Incorporar no Plano Diretor e leis dele decor- progressivo no tempo e desapropriação com
rentes, os instrumentos de reforma urbana títulos de dívida pública, os imóveis localiza-
previsto no Estatuto da Cidade para fazer va- dos na área central que apresentem algumas
ler a função social da propriedade, de modo a das seguintes características:
combater a manutenção de terras e imóveis § terrenos ou eventualmente glebas, se
vazios, ociosos e subutilizados, de caráter es- houver, totalmente desocupados;
peculativo ou não, e baratear o preço da terra § terrenos não edificados ocupados por es-
e dos imóveis na região; tacionamentos, em um só nível;
§ Evitar que a recuperação da área central gere § edifícios totalmente desocupados há mais
um processo de valorização imobiliária, de de um ano;
modo a compatibilizá-la com a inclusão soci- § edifícios ou galpões subtilizados;
al e urbana da população de baixa renda que § terrenos ocupados com edifícios ou gal-
habita ou trabalha na região; pões subtilizados.
§ Incrementar o uso habitacional de baixa e
Os imóveis que apresentem interesse cultural ou
média renda na área central e consolidada da
ambiental, a critério dos órgãos responsáveis,
cidade, revertendo o processo de esvaziamen-
devem ser excluídos dessas penalidades. A Sempla,
to populacional e imobiliário da região e cri-
em conjunto com a AR-Sé, num processo que garan-
ando as condições para viabilizar moradia
ta a ampla participação social, deve iniciar imediata-
digna para a população de baixa renda que
mente, a identificação dos imóveis, terrenos e glebas
trabalha na área e que vive em cortiços, ocu-
nestas condições para incluí-los no PD, no Plano
pações ou, ainda, que mora em bairros distan-
Regional do Centro e na lei específica deles decorren-
tes;
tes, conforme determina o Estatuto da Cidade. Esta
§ Aproveitar melhor a infra-estrutura existente
lei deve estimular o prazo de um ano para apresenta-
para diminuir a necessidade de expansão hori-
ção do projeto de ocupação.
zontal da cidade, reduzindo custos e a neces-
sidade de deslocamento na cidade;
§ Alterar a Lei do Zoneamento, objetivando
§ Diminuir diferenças regionais no território
eliminar restrições e ampliar seu coeficiente de
para promover um melhor equilíbrio na loca-
aproveitamento mediante a concessão onerosa
lização das atividades e uma maior equidade
do direito de construir, a ser estabelecida, no
no acesso da população à cidade;
Plano Diretor, Plano Regional ou lei específi-
§ Implementar políticas públicas que democrati-
ca deles decorrentes, como determina o Esta-
zem o acesso aos serviços e equipamentos loca-
tuto da Cidade. A princípio, as zonas que
lizados no centro, em particular os culturais;
prioritariamente devem ser revistas são:
§ Definir uma política de utilização das áreas
§ Z 8-007, que corresponde à zona no en-
públicas, destinando-se algumas áreas de gran-
torno do Metrô Norte-Sul, aproximada-
de dimensão para projetos habitacionais de in-
teresse social; mente entre as estações Luz e Tietê, ao
§ Estimular a criação de empregos na região, longo da Av. Tiradentes entre a Rua
mantendo a função econômica e simbólica do Mauá e a Marginal do Tietê;
centro.

124 Comissão de estudos sobre habitação na área central


§ Z 8-060, Z-6 011 e ZUPI 1 110 e 139, ao § Definição de uma política para utilização das
longo da Av. Marquês de São Vicente e áreas públicas dominiais e de uso comum, de
da Orla Ferroviária; propriedade do município, revendo conces-
§ Z 2, que aproximadamente corresponde à sões, permissões e ocupações irregulares, as-
região do Canindé e Pari; sim como contrapartidas estabelecidas, no
Os recursos a serem obtidos com a concessão âmbito do Plano Diretor da Áreas Públicas,
onerosa do direito de construir devem ser dirigi- conforme vem sendo discutido na CPI que
dos a uma conta específica do Fundo Municipal trata do assunto.
de Habitação, destinada a aquisição de imóveis No que diz respeito à questão da habitação, desti-
destinados ao Plano Habitacional no Centro. nar no mínimo três grandes áreas municipais loca-
§ Delimitação das Zonas ou Áreas Especiais de lizadas na AR-Sé ou entorno próximo para
Habitação de Interesse Social, onde seriam es- grandes empreendimentos habitacionais de baixa
tabelecidas regras de uso que combinem estí- renda, de modo a criar condições para uma pro-
mulos à produção habitacional de interesse dução massiva de habitação de iniciativa munici-
social e usos complementares (equipamentos pal na área central, com financiamento da Caixa
sociais, comércio de caráter local, etc) com ou CDHU (de 5 a 10 mil unidades). Preliminar-
restrições a usos, índices e características dos mente são indicadas, para estudo, as seguintes
empreendimentos que impeçam a valorização áreas:
do solo urbano. Os critérios para a delimita- § Área de 110 mil metros, de propriedade mu-
ção destas zonas e áreas seriam os seguintes: nicipal, situada na Rua Santa Rita, atualmente
§ Áreas de forte concentração de cortiços, sob domínio na Secretaria Municipal de
habitações coletivas e edificações deterio- Transportes;
radas; § Área de 44 mil metros quadrados, de proprieda-
§ Áreas que apresentem um alto índice de de municipal, situada na Av. Marquês de São Vi-
imóveis desocupados, subocupados ou cente, concedida ao São Paulo Futebol Clube,
onde funciona seu centro de treinamento, sem
subutilizados;
uso público, nem mesmo aos sócios;
§ Áreas de baixa densidade de ocupação
§ Área de 48 mil metros quadrados, de proprie-
imobiliária. dade municipal, situada na Av. Marquês de
Estas áreas e zonas devem ser delimitadas de mo- São Vicente, concedida à Sociedade Esportiva
do a não configurar grandes zonas que possam Palmeiras, onde funciona seu centro de trei-
caracterizar guetos, mas estarem mescladas com namento, sem uso público, nem mesmo aos
zonas que permitam outros usos, de modo a criar sócios;
no conjunto da região um tipo de ocupação pre- § Outras áreas em estudo na CPI das Áreas
dominantemente mista. As áreas delimitadas como Públicas (como uma área sem utilização junto
AEHIS ou ZEHIS devem se tornar pontos focais ao Campo de Marte, áreas próximas à Favela
prioritários de intervenção e financiamento do dos Gatos em torno do Estádio de Beisebol;
setor público, a serem definidas no Plano Habita- área hoje ocupada pela Rádio Atual, próxima
cional do Centro. à ponte Freguesia do Ó etc).
Revisão da Operação Urbana Centro 2. Em relação a legislação edilícia
§ Foram apontados dispositivos da Operação
(como o incentivo ao remembramento de lo- Revisão da legislação edilícia referente à produção,
tes e à construção de estacionamentos, a con- reforma e reciclagem de edifícios habitacionais de
cessão não onerosa de potencial construtivo interesse social nas áreas centrais e consolidadas.
para atividades que não têm necessariamente
finalidade social) como conflitantes com o ob- 2.1 Legislação a ser revista:
jetivo fundamental desta Comissão de Estudo: § Decreto de Habitação de Interesse Social
incrementar a produção de habitação de inte- § Código de Obras e Edificações
resse social na região. Os problemas aponta-
dos indicam que a lei não deve ser mantida tal 2.2 Diretrizes para a revisão
como está e sugerem a necessidade de um es- § Introduzir na legislação de Habitação de Inte-
tudo mais aprofundado, incluindo a realização resse Social –HIS- formulada originalmente
de debates públicos, para verificar se uma re- para empreendimentos habitacionais relacio-
visão seria capaz de superar os conflitos apon- nados com o parcelamento do solo e a produ-
tados e incluir incentivos radicais à produção ção de conjuntos habitacionais – uma
de moradia popular. preocupação específica com a produção, re-
forma ou reciclagem de edifícios na área con-
solidada da cidade;

Comissão de estudos sobre habitação na área central 125


§ Garantir a flexibilidade da legislação para área construída (não deve ser exigida a
viabilizar os projetos em face da diversidade planta original e devem ser desconsidera-
de edifícios existentes, levando em conta a ne- das eventuais modificações internas);
cessidade de reciclar edifícios antigos de ou- § A nova compartimentação deverá atender
tros usos para o habitacional; os parâmetros mínimos exigidos para os
§ Garantir habitabilidade, acessibilidade do compartimentos e suas aberturas (áreas e
idoso e das pessoas com deficiências e boas dimensões), entretanto as condições de
condições de segurança; ventilação e iluminação naturais devem
§ Introduzir os dispositivos especiais previstos ser demonstradas, sem que para tanto as
na Lei dos Cortiços e na legislação de HIS aberturas necessitem estar voltadas para
§ Possibilitar o barateamento da produção, re- faixas A ou espaço I, desde que não a-
forma e reciclagem de edifícios para uso habi-
gravem a situação encontrada;
tacional;
§ As condições de segurança devem ser ga-
§ Agilizar o processo administrativo para a
aprovação dos projetos rantidas com adaptações e soluções alter-
§ Rever os procedimentos administrativos e nativas desde que aceitas pelo Corpo de
legais quanto à situação documental dos edifí- Bombeiros ou pelo Departamento de
cios antigos, adequando a realidade existente, Controle de Uso das Edificações
visto que o documento aprovado difere da re- (CONTRU), criar mecanismos ágeis de
alidade e, na sua grande maioria, considera i- comunicação com os responsáveis pelos
legais edifícios existentes há mais de 40 anos projetos para viabilizar estas soluções;
na cidade; § Considerar o desempenho e a capacidade
§ Criar exigências específicas para a legislação do elevador, segundo atestado do fabri-
de reforma e reciclagem de edifícios, que con- cante, como forma de dispensar a exigên-
siderando a realidade do parque construído, cia (impossível de cumprir na maioria dos
viabilizem as adaptações dentro de critérios de casos) de um segundo elevador.
habitabilidade e segurança; § Reduzir a exigência de área comum e a cota
§ Estimular investimentos para modernização de terreno por unidade, introduzida pelos de-
de elevadores, permitindo que sua capacidade cretos que modificaram o Dec. 31.601/92
e velocidade sejam consideradas e que seja (respectivamente 7m2 e 18 m2 por unidade),
dispensada a exigência do segundo elevador, restrições que inviabilizam a utilização de di-
tendo em vista o custo e as dificuldades técni- versos edifícios mais antigos;
cas desta intervenção em edificações antigas; § Agilizar os Procedimentos Administrativos
§ Compatibilizar as legislações das várias esferas através da ampliação da composição da
para evitar exigências diferentes dos vários CAEHIS, com a participação de todos os ór-
órgãos quando do exame do mesmo projeto; gãos técnicos que podem contribuir para uma
§ Criar instrumentos para viabilizar projetos de- análise integral dos projetos (por exemplo
senvolvidos em terrenos com proprietários dife- CONTRU, CASE e Corpo de Bombeiros),
rentes sem a necessidade de remembramento. com a adoção de rotinas e procedimentos, in-
formação e comunicação, para além da verifi-
2.3 Propostas cação técnica dos projetos, com o
compromisso de encontrar soluções alternati-
§ Eliminar na legislação de Habitação de Inte- vas, viabilizar e potencializar os projetos. Cri-
resse Social (HIS), a exigência de estaciona- ar subgrupos para acompanhar o projeto
mento, seja na produção de unidades novas, desde a definição das diretrizes e do programa
seja nas reformas e reciclagem de edifícios pa- em contato direto com os responsáveis pelo
ra o uso habitacional em áreas centrais, servi- projeto, funcionando de forma a reduzir os
das com transporte público em abundância; problemas de informação e os prazos para a-
§ Rever o Capítulo do Comissão Obras Edifica- provação.
ções (COE) que trata das edificações existen-
tes, prevendo condições flexíveis para os 3. Propostas relacionadas com a política habita-
projetos de reforma e adaptação para o uso cional a serem consideradas para a área central
habitacional, ou inclui-las no Decreto de HIS.
Neste sentido, propõe-se: O enfrentamento da questão habitacional na
§ Aceitar como prova de regularidade o área central exige a formulação de um Plano Habi-
Certificado de Regularidade ou a última tacional da Cidade para o Município, que organize
situação como “regular” que constar do os programas e projetos de habitação de interesse
Histórico do Cadastro das Edificações social promovidos por todos os níveis de governo
(CEDI), devendo ser verificada apenas (sobretudo município e Estado), os financiados

126 Comissão de estudos sobre habitação na área central


pela Caixa Econômica Federal e até mesmo pelo como equipamentos de educação, cultura, la-
setor privado. zer, esportes e saúde.
Este Plano deveria definir, em prazo previa- § Viabilizar a revisão da fórmula de cálculo de
mente definido (por exemplo, de 15 anos, como financiamento do PAR, uma vez que, atual-
propõe o Projeto Moradia) o equacionamento para mente é calculado com a multiplicação do
o problema da moradia na cidade, de maneira a número de unidades pelo limite de valor do
garantir progressiva redução das necessidades financiamento por unidade, o que tem estimu-
habitacionais. Neste Plano, a área central e conso- lado um adensamento para viabilização os
lidada da cidade deve ocupar um lugar de desta- custos de aquisição dos imóveis;
que, criando-se programas específicos, estabe- § Flexibilizar a comprovação de renda para
lecendo metas compatíveis com a dimensão do permitir o acesso dos trabalhadores da eco-
problema na região e formas de intervenção para nomia informal em programas habitacionais;
os cortiços e ocupações existentes. § Flexibilizar a avaliação financeira e de risco de
O Plano Habitacional deve estar integrado inadimplência;
com a política urbana para o município e portanto § Implantar instrumentos e mecanismos que prote-
com as diretrizes gerais do Plano Diretor, deve jam as famílias beneficiadas em situações tempo-
também contar com ampla participação da socie- rárias de desemprego e fragilidade familiar;
dade, deve ser aprovado num Conselho Municipal § Identificar as demandas da população de bai-
de Habitação e tornar-se referência para orientar xa renda a serem atendidas pelos programas e
as intervenções promovidas pelo setor público e elaborar cadastro uniformizado da demanda
privado. por moradia e das entidades que atuam na re-
gião, a ser utilizado pelo município, CDHU e
3.1 Propostas gerais para o Plano Habitacio- Caixa Econômica Federal, na perspectiva de
nal relacionadas com a área central coordenar o atendimento;
§ Articular Política Urbana, Plano Diretor e o § Elaborar cadastro unificado das famílias aten-
Plano Regional para o Centro; didas nos três níveis de governo, para evitar o
§ Articular com os demais programas sociais duplo atendimento.
(Bolsa-escola, Começar de Novo, Renda Mí-
nima, Saúde, Educação e de Assistência), prio- 3.3 Propostas referentes aos Programas Habita-
rizando as áreas concentradoras de cortiços cionais
para a implementação de novos programas § A curto prazo, estimular a aceleração dos pro-
criados pela Prefeitura; gramas existentes para a intervenção na área cen-
§ Garantir a continuidade dos programas e em- tral, como o Programa de Arrendamento
preendimentos, independentemente dos perí- Residencial PAR, da Caixa Econômica Federal,
odos de gestão administrativa do município e o Programa de Ação em Cortiço (PAC) do
do estado; CDHU e programas municipais;
§ Garantir a inclusão social, a sustentabilidade § No âmbito do Plano Habitacional, criar novos
econômica e o desenvolvimento social das programas capazes de viabilizar e estimular
famílias atendidas. empreendimentos habitacionais públicos e
privados para os setores de baixa e média ren-
3.2.Propostas referentes ao financiamento da, entre os quais:
habitacional § Implementar o programa de aluguel social
§ Unificar os sistemas de financiamento dos para atender as famílias sem privilegiar a ques-
governos municipal, estadual e federal para tão da propriedade;
demandas específicas, criando um mix de re- § Criar programa para estimular a ocupação de
cursos onerosos (FGTS) e não onerosos e es- unidades habitacionais vagas;
tabelecendo uma política consistente de § Viabilizar programas habitacionais baseados
subsídio que incorpore progressividade do na autogestão para intervenção em áreas con-
benefício à população de baixa renda; solidadas, ampliando inclusive os existentes,
§ Alocar recursos orçamentários do Estado (1% como no PAR da CEF.
adicional do ICMS) e do município e outros § Estimular as Cooperativas Habitacionais;
não onerosos (por exemplo, cobrança da con- § Criar programa específico destinado à reforma
cessão onerosa do direito de construir), para e reciclagem de edifícios antigos, vagos ou
viabilizar a política de subsídios; subtilizados;
§ Ampliar linhas de financiamento existentes § Criar programas específicos de intervenção
permitindo a implementação de projetos inte- nos cortiços existentes (ver item 4)
grados que contemplem os equipamentos so- § Implementar programa de assessoria técnica,
ciais e de serviços complementares à moradia, jurídica e social gratuita à população, entida-
des, grupos comunitários e movimentos;

Comissão de estudos sobre habitação na área central 127


§ Viabilizar programa integrado e territorializa- constitucionalidade, que aguarda votação de
do de políticas publicas, que articule os diver- recurso no STF);
sos atores que intervêm nas áreas centrais, § Desenvolver e implementar programas de
como proposto no “Programa Morar Perto”, emergência para situações que apresentem ris-
formulado pelos Movimentos de Moradia, As- cos para os moradores;
sessorias Técnicas e entidades que trabalham § Viabilizar a obrigatoriedade de cadastro dos
nesta área e que propõe a elaboração de diag- cortiços e de seus moradores feito pela Prefei-
nósticos físicos, sociais, ambientais e jurídicos tura: cadastro dos imóveis e censo populacio-
e projetos de intervenção em todas estas áreas. nal de moradores de cortiços;
§ Implementar programa de apoio e assessoria
3.4 Propostas referentes aos aspectos relacio- jurídica para os moradores de cortiço de for-
nados ao projeto e desenvolvimento tecnoló- ma a garantir aos moradores seus direitos con-
gico tra abusos.
§ Estimular o desenvolvimento tecnológico, § Desenvolver e implementar ações objetivas do
especialmente no que se refere à reforma e re- Poder Público municipal e estadual em rela-
ciclagem de edifícios; ção às ocupações existentes:
§ Avalizar a diversidade de projetos arquitetôni- § Reconhecer as ocupações de edifícios ociosos
cos e urbanísticos, com o intuito de valorizar como forma legítima de luta para fazer valer o
o desenvolvimento de estudo de morfologia direito à moradia e à função social da proprie-
urbana preservando especificidades regionais dade, que são direitos constitucionais;
do centro quando pertinentes e tipologias § Desenvolver ações contra a reintegração de
mais adequadas considerando o contexto ur- posse sem solução habitacional para as famí-
bano existente; lias, tais como ‘pulmão’ ou local provisório
§ Viabilizar, durante o desenvolvimento na para as famílias visando sempre a solução de-
elaboração dos projetos físicos, mecanismos finitiva da questão, através da inclusão das
de acompanhamento e consulta à legislação famílias em programas habitacionais;
entre projetistas e beneficiários com técnicos § Desenvolver ações visando coibir formas
da Prefeitura, de modo a minimizar os pro- violentas de reintegração de posse, e procedi-
blemas de incompatibilização da legislação; mentos irregulares na sua execução, como por
§ Realizar concursos públicos para as áreas exemplo intimidação e ameaça às famílias no
centrais e consolidadas, ampliando o debate e período que precede a execução, perdas e da-
a participação na proposição de projetos, fa- nos dos bens das famílias etc.
vorecendo a reciclagem de edifícios e a reno-
vação dos espaços urbanos; 5. Gestão e participação popular
§ Incentivar os trabalhos das assessorias técni-
cas, o mutirão e a auto-gestão; § Criação do Conselho Municipal de Habitação,
§ Incentivar convênios com universidades para que deve incluir representantes do poder pú-
pesquisa em desenvolvimento tecnológico de blico, dos usuários e do setor produtivo e téc-
reciclagem e reforma de edifícios. nico, num amplo processo de debate com os
movimentos de moradia e setores da socieda-
4. Ações voltadas para os cortiços e ocupações de envolvida com a questão habitacional. Esta
existentes instância deve se relacionar com os outros
Conselhos Municipais, Metropolitanos e Es-
§ Formular programas de intervenção em corti- taduais que discutem e definem a política ur-
ços existentes, objetivando: bana e ambiental da cidade, assim como com
§ Desenvolver e implementar programas que o Conselho do Orçamento Participativo, evi-
contribuam para regular a realidade dos corti- tando que se consolidem instâncias de repre-
ços garantindo condições melhores de habita- sentação de maneira desarticulada, ou isolada;
bilidade e estabilidade para os moradores; § Especificamente no que se refere à área cen-
§ Criar de instrumento legislativo que possibilite tral, garantir no âmbito do Conselho Munici-
a intervenção efetiva da Prefeitura nos corti- pal de Habitação um Comitê Regional de
ços existentes. Criar de instrumento legislativo Habitação na Área Central e um Comitê Seto-
para garantia de cobrança justa de contas de rial de Cortiços e Ocupações de Prédios;
água e luz, responsabilizar os proprietários em § Participar da discussão e estimular a formação
relação à segurança das edificações. (Obs. A do Conselho Estadual de Habitação e do
lei 10.928, lei Moura, que regulamenta as Conselho Nacional de Política Urbana, con-
condições de habitabilidade dos cortiços, está forme determina o Estatuto da Cidade, que
suspensa em virtude de Ação Direta de In- deverão ser constituídos num processo de
consulta e participação popular, possibilitando

128 Comissão de estudos sobre habitação na área central


a construção e gestão de uma política de habi- § Participação popular, gestão democrática,
tação integrada nos três níveis de governo. autogestão, políticas de inclusão social,
sistema de construção mais adequada e
6. Outras recomendações de menor custo, reciclagem de usos em
áreas históricas ou tombadas, etc.;
§ Utilização da administração da dívida ativa do § Envolver as entidades de ensino superior,
IPTU como um instrumento de políticas pú- públicas e privadas, das diversas áreas
blicas, estabelecendo prioridades. Nesse senti- (arquitetura, engenharia, sociologia, direi-
do a Prefeitura deve estudar as seguintes to etc.) na elaboração de levantamentos,
ações: proposta e prestação de serviços;
§ Cadastro dos proprietários de imóveis lo- § Democratizar a informação, garantindo o
calizados no centro e a situação fiscal de acesso da população às informações, pro-
seus imóveis; gramas, legislação e procedimentos dos
§ Levantamento dos imóveis no Centro órgãos públicos, apresentação dos recur-
dados em garantia em processo de execu- sos financeiros existentes, de modo a fa-
ção fiscal. Com o levantamento proposto vorecer a transparência dos processos,
é possível priorizar, na administração da garantindo assessoria técnica e jurídica
dívida ativa do Município, as execuções em todas as etapas do processo.
que comportem reversão de bens locali- § Realizar censo nos cortiços e outras formas de
zados na área central e recebimento de pesquisa que contribuam na formulação de
créditos que desestimulem a especulação uma política urbana e habitacional para a regi-
imobiliária nesta área; ão. Atualizar periodicamente os dados sobre
§ Priorizar execuções fiscais que impliquem os problemas da área central, como moradores
reversão de imóveis privados para o poder de ruas, favelas no centro, etc., disponibili-
público. zando publicamente as informações.
§ desestimular o alongamento de pendências
judiciais através de acordos que impliquem na 7. Propostas de continuidade do debate na
reversão de imóveis privados para o poder Câmara Municipal
público. Uma legislação que permita, por e-
xemplo, dação em pagamento, com algum es- Dar continuidade ao resgate do papel da Câmara
tímulo para que o devedor utilize-se deste Municipal enquanto espaço de debate e formula-
instrumento quando se tratar de imóvel que ção de políticas públicas, visando a melhoria da
tenha interesse social; qualidade de vida dos moradores de São Paulo,
§ Isentar do pagamento do Imposto de Trans- garantindo a realização de amplos debates públi-
missão de Bens Intervivos - ITBI os adquiren- cos, periódicos, para tratar dos temas relevantes da
tes de unidades produzidas por programas de cidade. Em particular, como continuidade dos
interesse social. debates realizados no âmbito da Comissão de
§ Isenção de taxas e emolumentos relativos à Estudo de Habitação na Área Central, estabelecer
aprovação de projetos de Habitação de Inte- uma agenda de temas relevantes relacionados com
resse Social. a questão urbana, habitacional e ambiental. A
§ Utilizar as heranças vacantes como recurso princípio, propomos os seguintes temas, relacio-
para a execução da política habitacional do nados com os assuntos tratados na Comissão de
município. Neste sentido, propomos: Estudos:
Adequar a estrutura administrativa com equi- § Estatuto da Cidade;
pe e infra-estrutura necessária da Procuradoria § Plano Diretor e Planos Regionais;
de Heranças Vacantes de Prefeitura de São § Zoneamento;
Paulo para agilizar processos existentes (atu- § Intervenção em Cortiços existente;
almente há somente um Procurador do Muni- § Operação Urbana Centro;
cípio que atua nesta área); § Zonas e Áreas Especiais de Interesse Social.
§ Fazer levantamento dos imóveis da região
central que já se incorporaram ao patrimônio Finalmente, propomos a realização, em agosto
do Município e agilizar os processos em an- de 2002, de um seminário ou debate de avaliação
damento. da ação poder do público relacionada com o tema
§ Estimular a troca de experiências de reabilita- da Comissão de Estudos e, em particular, para
ção urbana, em especial relacionada aos se- verificar os desdobramento das recomendações e
guintes aspectos: propostas apresentadas pela Comissão.

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Comissão de estudos sobre habitação na área central

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