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MORFOLOGIA URBANA
EDESENHO DA CIDADE
1º Volume
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Título: Morfologia Urbana e Desenho da Cidade I "
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INDICE
PREFÁCIO - CARlOS DOS SANTOS DUARTE 11
PARTE I INTRODUÇÃO 17 ~
I
• FORMA ECONTEXTO 46
• FORMA E FUNÇÃO 48
• FORMA E FIGURA 54
-
2.3 PRODUÇÃO E FORMA DA CIDADE EPRODUÇÃO EfORMA DO
TERRITÓRIO 63
• O SOLO - O PAVIMENTO 80
• O QUARTEIRÃO 88
• A PRAÇA 100
• O MONUMENTO 102
7
PARTE III fORMA DAS CIDADES EDESENHO URBANO AT~ AO PER(ODO MODERNO 131
• AS MURALHAS 152
• AS RUAS 152
• OS ESPAÇOS PúBLICOS - A PRAÇA EO MERCADO 154
• AS FORTIFICAÇÓES 170
• A RUA 172
• O TRAÇADO RECTICULAR - A QUADRICULA 174
• A PRAÇA 175
• A FACHADA 177
• O MONUMENTO 184
• O QUARTEIRÃO 188
• OUTRAS TIPOLOGIAS
BIBLIOGRAFIA 581
10
PREFÁCIO
A redacção deste prefácio foi para mim ocasião de relembrar uma relação de ami
zade e colaboração profissional já longa de anos, iniciada na Faculdade de Arqui
tectura de Lisboa, onde eu e José Lamas éramos docentes, e continuada depois na so
ciedade que formámos. Os Planos da Trafaria - Vila Nova - Costa da Caparica, do
Martim Moniz, de Ponta Delgada e, mais recentemente, da EXPO 98, entre outros, e
um número considerável de projectos de arquitectura, cobrindo programas tão varia
dos como os de instalações escolares e centros de cultura, habitação e turismo, foram, e
são, o dia-o-dia de uma relação de trabalho que se prolonga habitualmente num dis
correr sem fim sobre arquitectura, que é, de resto, o «vfcio» conhecido da generalidade
dos arquitectos.
Curiosamente, esta proximidade diária não impediu uma certa sensação de surpre
sa quando li este livro pela primeira vez. Surpresa misturada com familiaridade, porque
muitas ideias ali expostas, e agora ordenadas num todo coerente, tinham sido objedo
de conversas e discussão ocasional entre ambos.
O livro surge numa altura em que se verifica um novo interesse dos arquitectos pelos
problemas do Urbanismo e pelo estudo de matérias que lhe são próprias, manifestado
na realização de colóquios e reuniões de vária fndo/e e na publicação, aqui e ali, de
textos e projectos recentes.
Neste renascer de interesse pela cidade e o urbanismo em Portugal, este livro é um
acontecimento de relevo a assinalar. Ele trata do desenho da cidade do Ocidente euro
peu ao longo da História, e, nesse processo, José Lamas vI a cidade como lugar carre
gado de marcas, sinais e sfmbolos de culturas do passado e do presente que exigem co
nhecimento e reflexão séria por parte daqueles que hoje intervêm na sua construção.
Por isso, este livro se inscreve numa linha de pensamento que tem os seus antecessores
ilustres em homens como Camillo Siffe, Geddes, Mumford ou Marcel Poête. O que é di
zer muito.
Mas, como arquitecto, o que lhe interessa prioritariamente investigar é a morfol,'gia
da cidade e a história da forma urbana, onde pretende encontrar razões e justificações
últimas para as concepções que perfilha. «A cidade não é um produto determinista de
contextos económicos, polfticos e sociais», afirma, em certa altura, e, nesta perspectiva,
acentua a contribuição especrfica dos arquitectos através do desenho urbano. Eisto é
feito num estilo vivo, directo, e de fácil leitura, mas não isento de paixão nas posições
que assume.
11
o livro foi amadurecido e rédigido numa altura em que a prática do urbanismo ra
cionalista tinha atingido a ex~ustão e em que se verificavam 'eituras revivalistas dos
modelos passados do Renascimento, do Barroco e do Neoclássico, na generalidade
dos casos em termos de grande superficialidade e ligeireza.
Consciente disso, José Lamas procura explicar o porquê da actualidade de determi
nadas tipologias urbanas do passado e filia a sua permanência em razões de cultura e
vivência social no mundo de ho;e. O que consegue com razoável êxito. Mais controver
sa será a sua análise da contribuição do Movimento Moderno para a forma da cidade,
apesar da ob;ectividade de que se reclama. Mas será posslvel ser-se completamente
ob;ectivo em matéria como esta'
O livro dirige-se a toda a gente, mas, naturalmente, os mais interessados serão os
arquitectos e estudantes de arquitectura, que aqui encontrarão larga matéria de infor
mação e discussão te6rica. Ele contribuirá de certeza para torná-los mais conscientes
do seu papel na construção da cidade. Eda alta responsabilidade de que se reveste es
sa intervenção.
Carlos Duarte
Prof. Arquitecto
12
A 2° edição deste livro, ocorrida mais de 10 anos após a sua escrita, levanta
algumas quest6es de oportunidade que não desejaria esconder.
Em primeiro lugar, a larga procura que a primeira edição terá tido em Portugal,
essencialmente nos meios universitórios, nas Escolas de Arquitectura e Urbanismo,
sem que pra'ticamente tivessem sido feitas recens6es, criticas, referincias escritas
ou publicidade. Os 3.000 exemplares da primeira edição esgotaram-se em apenas
3 anos (de 1995 a 1998). O que para o autor seró gratificante, é também uma
inquietação pela maior responsabilidade no confronto com a opinião e formação
dos leitores. Neste contexto é também de constatar o apoio bibliogrófico que o
trabalho tem constituído nas disciplinas de Desenho Urbano ou às dissertaç6es de
Mestrado e DO.utoramento em problemas afins nas Universidades Portuguesas.
13
Usboa., AbriV1999
15
PARTE I
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INTRODUÇAO
17
«Les lois
dê I'architecture
peuvent ,ir.
comprile$
d. tout I, motlde.,
INTRODUÇÃO
V,OLllT.Lf.Duc
Entretiens lur I'architectvre (1) Comecei este trabalho em 1974, no quadro do Douto
ramento efectuado no Institut cJ'Aménagement Régional
d'Aix~en·Provence. Atesé então apresentado (2) aborda
va as mesmos questões cujo enunciado é por de mais sin..
gelo: como desenhar a cidade e qual a intervenção e o papel da arquitectura (e do ar..
qultecto) no desenho urbano e no processo de produção da cidade.
Corno é natural, o trabalho de Aix-en..Provence seria influenciado pelo ambiente
tultural e profissional desse período. Estava-se no início da década de $etenta e a insa
tisfação crescente pelos resultados da cidade moderna motivava estudantes e profissio
nais a procurarem uma saída paro a crise da urbanística e do pr6pria arquitectura.
Uma quinzena de anos passou e os trabalhos e as experiências da minha vida pro
fissionat permitiram encontrar resposta para muitas interrogações, desde então. Os
anos como docente de Planeamehto Urbano e Projecto no Departamento de Arquitec
tura da ESBAL e no Faculdade de Arquitectura da UTl serviram também pora aprofun.
dare amadurecer ideias e aprender muitos coisas sobre a cidade. Nao é novidade que
se aprende ensinando e que o arquitecto preciso de ultrapassar alguns anos de ttaba~
lho paro atingir as suas melhores capacidades.
Também muitas experiências, realizações e acontédmentos se sucederam entretan
to, através das quois muito se aprendeu. Mas também novas questões surgiram.
Assim, desde 1974 até hoje, fui reflectindo sobre a mesma questão, ainda (e tolvel
sempre) em aberto - O DESENHO DA CIDADE. Fui acumulando memórias, investiga
ções, leituras, próticas e experiências pessoais e alheias. O temo, tão vasto quanto mo
tivante, não cansoria. Quis falar balanço do que aprendi e reflecti.
Recordo que, hó mais de vinte anos, os estudantes aprendiam a desenhar a cidade
dispondo vias, edifrcios e manchas verdes no terreno, usando critérios de equilrbrio vo
lumétrico nas regras abstractas do Plan Mosse. Sobre a folha de papel, traçavam vias e
faziam volumes com sombras até encontrarem uma solucão I
de bom efeito gróflco.
Aqualidade residia na originalidade das formos, na inovaçõo das soluções, através
de regras um tonto abstractas, tantas vezes mais escult6rios, gráficas ou até ilusórias do
que urbanísticas e espaciais...
Exagerol As coisas não eram assim tão simples ou ligeiras...
Havia regras de desenho e composição urbana para os volumes e os seus equilí
brios; havia horror à simetria e aos eixos de composição; evitavam-se as formas que
19
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evocassem qualquer cidade antiga, dássica ou barrocai exacerbava-se a imaginaçao
para descobrir formas ainda não experimentadasl Cada qual exprimia, também, a sev
temperamento e estados de alma. Etambém se copiavam os mestres modernos, se fo..
lheavam exemplos em revistas e publicações, e se estudavam as realizações da époco.
Hoie, na mesma Escola, agora Faculdade, Qvtros estudantes lançam de imediato no
papet formos geo.métricas de gran~e semelhança com ruos, praços e quarteirões, trQ.~
çam eixos e simetrias, organizam os edifrcio$ segundo regras da cultura urbana aduot
num retorno evidente às composições tradicionais. .
Entre estas duas práticas, processou-se umo importante mudança na maneira de
entend~ O desenho urbano.
Asimples constatação destas duas atitudes. implito uma profunda reflexão sobre (IS
bases culturais que as apoiam - ou deveriam apoiar. Em ambos os casos não se trote::.
de modas ou de virtuosismos superficiais, de feitios ou de caprichos no «pronto a V~.$tirlt
dClt formas urbanas.
Em primeiro lugar, devo ter presente que o detenho urbano exige um dominio pro,.
fundo de duas áreas do conhecimento: o processo de forlTl(Jçao da ddade, que é histó
rico e cultural e que se interliga às formos utilizadas no passado mais ou menos longín
quo, e que hoie estão disponíveis como mater~is de trabalho do arquitecto urbemisto; e
a reflexão sobre a FORMA URBANA enquanto obiectivo do urbanismo, ou melhor., en..
quanto corpo ou materialização da cidade capaz de determinar o vida humano em co~
munidade. Sem o profundo conhecimento da morfo~ogiQ urbana e da história da forma
urbano, arriscam-se os arquitectos a desenhar a cidade segundo práticas superfidais"
usando .feitios» sem conteúdo disciplinar.· .
A reflexão e investigação sobre a forma urbana, pretendo dar o contrrbvto deste
trabalho. Contributo de um profissional empenhado na s.ua prótica, dscando soluções e
vivendo os problemas que hoje se colocam ao arquitecto urbanista - um prc.mssional
que interroga e questiono o suo pratica, métodos e resultados do seu trabalho.
Contributo também de um docente cuio cIJltura e formação constitui um corpo de
conhecimentos que deve transmitir na Escola, corno o local da reflexão disciplinar.
Mos, antes do mais, esta dissertação é um trabalho de arquitectura, o que quer di
zer que Q arquitectura é um campo diiciplinar preciso, racionalmente construrdo e com
um significado bem definido. Aarquitectura sempre teve como obiectivos o criaçao do
mais propkio ambiente à vida humana, e o seu contributo coloca-se (I diferente$ níveis
- do interior de um café, às grandes composições urbanas -, sendo por isso mesmo,
de difícil delimitação. Aarquitectura aparece na mais simples habitação rural, na ala
meda de árvores alinhadas, nas grandes infra-estruturas ou em todos os factos cons
trurdos quando as necessidades espadais do homem interpretam o sítio e procuram a
harmonia ou a intenção estética. Aarquitectura é a arte de construir e u~rapassa a sim
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pies assemblagem lógica de elementos construtivos para traduzir a realidade humana
como força criativa e voluntória. Nasceu com os primeiros assentamentos humanos, in
separóvel da vida humana e da sociedade, como obra colectiva que tem a sua plena
dimensão como facto urbano. Todavia a construção da cidade e a resotução da com
plexidade dos problemas do ambiente humano exigem actualmente numerosasquali
dades, múltiplos conhecimentos e a acção de indivíduos que, pelo seu saber e criativi
dade, se tornam executantes de uma vontade colectiva, explicitando os espaços para
essa vontade.
O arquitecto faz da cidade um problema pessoal, para o qual contribui com as suas
qualidades: o desenho e a sensibilidade ao sítio e ao contexto; a· criatividade e imagi
nação; a capacidade de síntese, a visão global dos problemas. Contribui com um méto
do de trabalho, uma técnica de concepção e de comunicação de ideias em relação com
os processos de construção. Mas o arquitecto traz também uma experiência ligado ao
presente e ao passado, os quais conhece da vivência da cidade, onde o material da
História é uma fonte inesgotóvel de aprendizagem e de reflexão. A História ou o recur
~.
so a ela estó sempre presente no estirador e no processo de desenho, sem o rigor dos
métodos históricos ou o sentido que da História tem o historiador, mas como realidade
viva e campo de experiências nas quais se apoia a prótica profissional.
A arquitectura à escala urbana, enquanto desenho de cidade, defronta-se hoje com
toda uma série de interrogações e até de dúvidas, de que são exemplos as diferentes
alternativas surgidas do pós-guerra até aos nossos dias, em que ainda não se chegou a
total acordo quanto às morfologias urbanas mais adequadas e a um consenso generaU
zado sobre a forma ~a cidade. Estas dificuldades arrastam ainda as sequelas da ruptu
ra criada pelo urbanismo moderno em relação à cidade tradicional e a dificuldade ou
incapacidade que os arquitectos modernos revelaram em definir formas urbanas ade
quadas à sociedade a que se destinavam.
Adependência maior que o urbanismo e o desenho revelam em relação aos siste
mas políticos e económicos, e o fracasso das tentativas de controlar a cidade como ob
jecto finito - ou peça de arquitectura - concorreram também para a crise da urbanís
tica, em parte desmotivando as energias criativas do desenho urbano e dando ao
objecto arquitectónico isolado um excessivo grau de autonomia e importância no deba
te profissional. .
O reacender do interesse pela dimensão urbana da arquitectura, pelas relações en
tre arquitectura e cidade, e pelo modo de formar cidades, tem sido um dos temas mais
fecundos do debate arquitectónico dos últimos quinze anos.
A alternativa hoje presente entre objecto arquitectónico e desenho urbano colo
ca a questão de saber se a organização do espaço urbano se pode resolver pela
simples intervenção arquitectónica ou se exige um nível específico e autónomo de
24
.
25
projecto. Por outras palavras, poderá ainda existir autonomia da composição urbana'
. Aprodução da cidade não pode ser entendida como um mero processo de distribuir
edifícios no território, resolver problemas funcionais, ou criar condições para o investi
mento económico. Antes do mais, o espaço habitado e construído pelo homem é maté
ria de competência da arquitectura, e não de um somatório de disciplinas, de técnicas e
de outras preocupações também necessárias. Assim sendo, como se' poderá introduzir
no urbanismo a visão arquitectónica, estética e formal'
Parto do prindpio de que a forma (física) do espaço é uma realidade para a qual
contribuiu um conjunto de factores socioeconómicos, políticos e culturais. Sem dúvida
que a economia, ou as condições sodoeconómicas de produção do espaço, se reflec
tem profundamente na sua forma. Isto é muito importante. Mas a forma urbana é
também, ou deverá ser, o resultado da produção voluntária do espaço. Entendo por
voluntário um processo que, tomando em conta os objectivos de planeamento (econó
micos, sociais, administrativos), os organiza e resolve utilizando os conhecimentos cul
turais e arquitectónicos sobre esse mesmo espaço e materializando-os através da sua
FORMA.
Tal objectivo é mais ambicioso do que o mero funcionamento (mesmo que perfeito)
da cidade e pretende criar um ambiente humanamente válido, através da expressão
estética do espaço urbano.
Esta atitude só pode provir da correcta intervenção da arquitectura na produção do
meio urbano. Tenho implrcito que a natureza da concepção arquitectónica (e urbanísti
ca) é essencialmente formal. As noções de Forma Urbana e Forma do Território são
eminentemente arquitectónicas. Aarquitectura introduz no planeamento e no urbanis
mo um objectivo fundamental: a construção da FORMA DO ESPAÇO HUMANIZADO.
Éno processo de planeamento, que deverá ser contínuo, desde os objectivos e pro
gramas até à construção de edifícios e infra-estruturas, que importa clarificar a inter
venção da arquitectura e, por corolário, do arquitecto que a introduz. Seria demasiado
contraditório que a disciplina sobre a qual vão desembocar desde o início todas as de
cisões de planeamento se limitasse a só intervir no final do processo para formalizar ou
desenhar os programas e decisões anteriores.
Aprodução do espaço não pode ser unicamente resolvida pelos níveis da planifica
ção regional e ur.bana e das realizações das construções. Aetapa intermédia do dese
nho urbano é indispensável. De resto, tal etapa inicia-se nas opções de planificação e
prolonga-se até à realização do edificado, constituindo um dos momentos essenciais da
arquitectura. Trata-se, antes do mais e sem qualquer prejuízo dos outros objectivos do
urbanismo, de contribuir com um método e disciplina de trabalho que permitirá melho
rar e tornar esteticamente válido o produto do planeamento.
Convirá ter presente a crítica sociológica e a demonstração de que nem todas as
26
1·5. Plano de Olivais Norte, 1955·1958. GEU - Gabinete Estudos de Urbanização - CML.
Pormenor do Plano de Olivais Sul. Arq.os Carlos Duarte e José Rafael Botelho - 1960. Os
dois planos estão à mesmo escala
27
formas urbanas, têm igual potencial ou simplesmente o potencial tout court de engen
drar a vida social.
As formas não têm apenas a ver com concepções estéticas, ideológicas, culturais ou
arquitectónicas, mas encontram-se indissociavelmente ligadas a comportamentos, à
apropriação e utilização do espaço, e à vida e comunitária dos cidadãos.
Esta questão coloca-se com grande acuidade na utilização das formas urbanas (se
jam estas de blocos, torres, quarteirões ou contrnuos construrdos) e, na medida em que
qualquer dessas formas influenciará diferentemente a vida social, no comportamento e
bem-estar dos cidadãos.
Nos últimos quinze anos, assistimos a uma profunda reviravolta no desenho da ci
daqe, modificação profunda na produção arquitectónica, modificação [las metodolo
gias de intervenção, nos temas e nos programas.
As propostas desenhadas actualmente nas_Escolas, nos ateliers de arquitectos mais
protagonistas, nada têm a ver com o que se passava nos anos sessenta. Aparentemen
te, foi retomada a tradição da urbanrstica formal através da recuperação de elementos
da cidade tradicional como a rua, a praça ou -o quarteirão, que, há duas décadas, pa
reciam esquecidos e esmagados pelas proezas tecnológicas das megaestruturas, do ur
banismo do plan masse e da planta livre.
Efectivamente, a partir do inkio da década de setenta, o urbanismo e o desenho ur
bano sofreram uma profunda revisão. Diga-se em boa verdade que, desde os anos ses
senta, se iniciou a agonia da «cidade moderna. com as suas perversões posteriores.
A preocupação com a FORMA URBANA - tanto estrutura física como funcional
passou a constituir o elemento dominante do projecto' urbano, enquanto, paralelamen
te, novos conceitos, métodos e programas surgiram na prática urbanística.
Todavia esta rejeição da cidade moderna foi tão apaixonada e emotiva quanto fora
onos antes a condenação da cidade tradicional e da rue corridor feita por Le Corbusier
e pelos CIAM. Quero com isto dizer que tanto num caso como no outro tais condena
.ções não se apoiaram em reflexão crítica profunda. Recordo a frase de Fernando Mon
tes «Aujourd'hui, la seule forme qui nous reste d'être modernes est d'appliquer à /'ar
chitecture modeme les mêmes remedes qu'elle appliqua à /'académisme» (31.
Parece-me algo inconsequente a condenação sem o juízo e a investigação. Posso
aderir ao novo urbanismo, mas necessito de reflectir tanto sobre as propostas moder
nas como sobre as tradicionais de cidade. Nessa ordem de ideias, longe de ter simplifi
cado as coisas, «separando o bem do mal., ainda torno mais complexas as interroga
ções...
Hoje, desenhar a cidade e nela intervir é também compreender e conhecer a cidade
antiga e a cidade moderna, as suas morfologias e processos de formação. Assim, fala
rei de cidade antiga e de cidade moderna como modelos disponíveis na vasta gama de
28
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~ Via pedonal
Espacol públicos 5. Centro Cultural 10. Electricidade Nacional
1. CÂmara de Deputadol 6, Piscina e patinagem lobre gelo 11. Ajuda r..iliar
2. Complexo administrativo 7. Cinemas e centros comerciais 12. Correios
3. Câmara Municipaf 8. Reparticão de Desenvolvimento 13. Palácio de exposições
4. Armazóns (centro comercial) 9. Reparticio de Se9uranca Social 14. Parque (jarda)
29
1·7. Urbanismo operacional e o território sem forma. Cidade nova de Champigny
sur Mame. Região de Paris. Vista aérea, 1968·1970
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1-9. Plano de Renovação Urbana do Martim Moniz - Lisboa. Arq.os Carlos Duarte e José la
mas, 1980
33
e das morfologias urbanas. Tanto mais que sobre esta matéria são necessários estudos
que ultrapassam a divulgação de opiniões pessoais ou o tratamento particular e disper
so de variadas questões. ~ também meu objectivo que este trabalho possa ser acessível,
didáctico e orientador da aprendizagem, académica e profissional. Porque se as meto· .
dologias e técnicas do desenho urbano permitem traçar naturalmente quadrrculas,
quarteirões, ruas e praças, não parece seguro que a tal desenho corresponda a ade
quada reflexão disciplinar que a fundamente.
Temos todos de saber porque riscamos e como riscamos, dentro de um campo disci
plinar comum e global, que, por ser comum e global, permita, aqui e ali, os rasgos par
ticulares da imaginação e da invenção. No mais, haverá que atingir um determinado
grav de consenso, de unidade metodológica e cultural no desenho da cidade. .
Tarefa bem difícil, na medida em que o desenho é também espelho e produto da
cultura e da visão pessoal dos seus autores. Mas, por isso mesmo, necessita de assentar
em alicerces comuns. Tarefa importante, porque se trata, afinal, de reflectir sobre o
meio próprio do homem, a cidade, ou seja, a maior criação da humanidade.
Para finalizar, não resisto à amarga tentação de registar a enorme distância entre
as preocupações deste trabalho e a prática profissional no nosso País, onde os proble
mas de urbanismo são encarados de modo disléxico e desinteressado. A urbanística
portuguesa, parente pobre e distante da arquitectura (ela também não muito bem
tratada), não tem estatuto, e pouco preocupa responsáveis, autarcas ou Governos.
Quanto muito, é encarada como um mal necessário a que se recorre para organizar
exigências de programas económicos, legitimar compromissos e permitir jogadas políti
cas, especulações imobiliárias ou sórdidos negócios. Assim, pareceriam descabidas es
tas questões na triste e feia realidade portuguesa, se não fora pensar na formação dos
jovens arquitectos, nó inserção da cultura arquitectónica portuguesa e, finalmente, em
nós, arquitectos, e em mim próprio, e na impossibilidade intelectual de escorraçar o sa
ber e a cultura.
Espero sinceramente que o produto deste trabalho possa frutificar na prática urba
nística e no ensino, quanto mais não seja para permitir o debate, recordar factos, ligar
hipóteses.
34
PARTE II
AMORFOLOGIA URBANA
35
37
• A morfologia (urbana) é o estudo da forma do meio urbano nas suas partes físicas
exteriores, ou elementos morfológicos, e na sua produção e transformação no tem
po. Todavia, é necessário sublinhar que um estudo morfológico não se ocupo do pro
cesso de urbanização, quer dizer, do conjunto de fenómenos sociais, económicos e
outros, motores da urbanização. Estes convergem na morfologia como explicação
da produção da forma, mas não como objecto de estudo.
• Um estudo de morfologia urbana ocupa-se da divisão do meio urbano em partes
(elementos morfológicos) e da articulação destes entre si e com o conjunto que defi·
nem - os lugares que constituem o espaço urbano (61. O que remete de imediato pa
ra a nêCessidades de identificação e clarificação dos elementos morfológicos, quer
em ordem à leitura ou análise do espaço quer em ordem à sua concepção ou produ
ção.
38
• Um estudo morfol6gico deve necessariamente tomar em consideração os nfveis ou
momentos de produção do espaço urbano. Nfveis esses que possuem, dentro da dis
ciplina urbanrstico-arquitect6nica, a sua lógica pr6pria, articulada sobre estratégias
polrtico-sociais. Um estudo morfológico deve também identificar 05 níveis de produ
çõo da forma urbana e as suas inter-relações.
39
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2-1. FORMA URBANA: Tavira no séc. XVI, segundo uma gravura da época, e planta da cidade
no séc. XVIII
40
2.2 A FORMA URBANA
o conceito mais geral de forma de um objecto refere-se à sua aparência ou configu
ração exterior. Conceito que se pode apreender com facilidade e que faz parte da
experiência quotidiana do Universo. Conhecemos os objectos e a sua forma. Mas tal
conhecimento refere-se fundamentalmente a um instrumento de leitura - visual - ex
terior que não revelará certamente todos os conteúdos da forma. A descoberta de ou
tros conteúdos implica outros instrumentos de leitura.
À morfologia urbana interessam, em primeiro lugar, os instrumentos de leitura ur
banísticos e arquitecturais - partindo do princípio de que as disciplinas de concepção
do espaço têm instrumentos de leitura que lhes são próprios: a leitura da cidade como
facto arquitectural.
Esta posição implica aceitar que a construção do espaço físico passa necessaria
mente pela arquitectura (7). Então, a noção de «forma urbana» corresponderia ao meio
urbano como arquitectura, ou seja, um conjunto de objectos arquitectónicos ligados·
entre si por relações espaciais. A arquitectura será assim a chave da interpretação cor
recta e global da cidade como estrutura espacial. Refiro o importante contributo de
Rossi, particularmente esclarecedor das relações entre arquitectura e cidade:
«A forma da cidade corresponde à maneira como se organiza e se articula a sua ar
quitectura. Entendendo por 'arquitectura da cidade' dois aspectos: 'Uma manufactura
ou obra de engenharia e de arquitectura maior ou menor, mais ou menos complexa,
que cresce no tempo, e igualmente os factos urbanos caracterizados por uma arquitec
tura própria e por uma forma própria'. Este é também o ponto de vista mais correcto
para afrontar o problema da forma urbana, porque é através da arquitectura da cida
de que melhor se pode definir e caracterizar o espaço urbano.» (8)
Neste contexto, a arquitectura não pode s~r compreendida senão como uma parte
da cidade, como um acontecimento submerso num sistema complexo de relações (es
paciais e outras) com o resto do espaço urbanizado.
A forma física é um dado real que predomina em qualquer descrição de uma cida
de: Aix-en-Provence é diferente de Paris ou de Lisboa. O Cours Mirabeau é diferente
dos Campos Elíseos ou da Avenida da Liberdade. A noção de «forma» aplica-se a todo
o espaço construído em que o homem introduziu a sua ordem (9) e refere-se ao meio ur
bano, quer como objecto de análise quer como objectivo final de concepção arquitec
tónica. «O objectivo final da concepção é a forma.» (10)
O urbanismo assumirá na concepção da forma do meio urbano todos os contributos
41
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2·3. Diferentes organizações espaciais do mesmo terreno, com diferentes densidades e ocupa
ções do solo, segundo o FULHAM STUDY. 1e 2 - a mesma densidade de 260 hab/ha, com dife
rente ocupação do 5010. Em 1, à maior libertação de solo corresponde maior altura de edifícios.
3 e 4 - o mesmo terreno estudado respectivamente poro 380 hab/ha e 560 hab/ho
43
das diferentes disciplinas e ciências que lhe estão ligadas. Aforma urbana é o resultado
final dos problemas postos às disciplinas urbanística e arquitectónica (11 ).
É necessário ter sempre presente que tanto a arquitectura como o urbanismo são
disciplinas criativas cujo fim é uma intervenção no espaço, transformando-o.
Aconcepção arquitectural é essencialmente formal (121, ocupando-se não s6 da con
cepção dos diferentes factos construídos, mas também da definição das ligações que
podem existir entre as edificações e os lugares por elas definidos. O seu domínio
caracteriza-se fundamentalmente pela concepção do meio que o homem habita.
A «forma» surge como resposta a um problema espacial (retomo Alexander):
«A forma é a solução do problema posto pelo contexto.» (13) Ou seja, a forma física
a
torna-se o prQduto de uma acção e solução de um problema. .
Chegado a este ponto, poderei definir a forma urbana como: aspecto da realidade,
ou modo como se organizam os elementos morfológicos que constituem e definem o es
paço' urbano, relativamente à materialização dos aspectos de organização funcional e
quantitativa e dos aspectos qualitativos e figurativos. Aforma, sendo o objectivo final
de toda a concepção, está em conexão com o «desenho» (141, quer dizer, com as linhas,
espaços, volumes, geometrias, planos e cores, a fim de definir um modo de utilização e
de comunicação figurativa que constitui a «arquitectura da cidade».
Esta noção é mais vasta do que a que tende a reduzir a forma apenas às caracterís
ticas dos objectos que podem ser perceptíveis; e só pode ser totalmente compreendida
utilizando a arquitectura como disciplina de análise, e concepção do espaço.
Antes de continuar, devo clarificar certas noções utilizadas:
• Aspectos quantitativos - Todos os aspectos da realidade urbana que podem ser
quantificáveis e que se referem a uma organização quantitativa: densidades, superfí
cies, fluxos, coeficientes volumétricos, dimensões perfis, etc. Todos esses dados quan
tificáveis são utilizados para controlar aspectos físicos da cidade.
• Aspectos de organização funcionai - Relacionam-se com as actividades humanas
(habitar, instruir-se, tratar-se, comerciar, trabalhar, etc.) e também com o uso de
uma área, espaço ou edifício (residencial, escolar, comercial, sanitário, industrial, .
etc.), ou seja, ao tipo de uso do solo. Uso a que é destinado e uso que dele se faz.
• Aspectos qualitativos - Referem-se ao tratamento dos espaços, ao «conforto» e à
«comodidade» do utilizador. Nos edifícios, poderão ser a insonorização, o isolamen
to térmico, a correcta insolação, etc., - e, no meio urbano poderão ser característi
cas como o estado dos pavimentos, a adaptação ao clima (insolação, abrigo dos
ventos e das chuvas), a acessibilidade, etc. Os aspectos qualitativos podem também
ser quantificáveis através de parâmetros (os decibéis que medem a intensidade de
conforto sonoro, o lux, como medida do conforto da iluminação, etc.) 1151.
44
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2·4. Bairro de Alvalade, Lisboa - medição de parâmetros urbanlsticos, segundo o estudo For
mas e Foctores do Crescimento Urbano de Lisboa, do Arq. o Isobel Costa, 1978
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FORMA E CONTEXTO
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C. Evolução dos aglomerados D. Coeficientes de ocupação do solo nos quarteirões da Trafaria
2·5. Plano Geral de Urbanização do Trafaria - Vila Novo - Costa de Caparica, 1980. Análise
dos formos urbanos no órea do plano: A- número de fogos e número de prédios. B- Tipolo·
gias habitacionais. C - Evolução dos aglomerados. O- Coeficientes de ocupação do solo nos
quarteirões do Trafaria
47
o contexto das formas arquitectónicas, ou urbanas, pode englobar tanto critérios
funcionais como económicos, tecnológicos, jurídico-administrativos (por exemplo, as
relações entre o parcelamento e as formas urbanos) ou critérios de natureza estética,
arquitectónica. A multiplicidade de critérios e a sua natureza heterogénea desaconse
lham uma sistematização, a qual pouco adiantaria às questões aqui abordadas. .
A«forma urbana» deve constituir uma solução para o conjunto de problemas que o
planeamento urbanrstico pretende organizar e controlar. Éa materialização no espaço
da resposta a um contexto preciso. Desde sempre o desenho da cidade teve de equa
cionar o contexto a que deveria responder, e através da arquitectura.
Ao longo da história do urbanismo, a variação dos contextos originou diferentes
propostas de desenho urbano, mesmo utilizando elementos morfológicos idênticos.
Entre as formas urbanas renascentista e barroca existem diferenças fundamentais
que resultam de diferentes contextos históricos e culturais e das respostas fornecidas.
Entre a perspectiva central, estática, da Renascença e d perspectiva dinâmica - do·
efeito cénico teatral - do Barroco, existem dois mundos profundamente diferentes;
Todavia os elementos morfológicos são semelhantes: rua e praça, edifrcios, facha
das e planos marginais, monumentos isolados. As diferenças result~m do modo como
esses elementos se posicionam, se organizam e se articulam entre si para constituir o es
paço urbano. Neste caso preciso, as diferenças são ditadas antes do mais por diferen
tes atitudes culturais. Esta será parte da explicação das formas. Amudança do contexto
vai mudando as formas pela necessidade de resposta a situações diferentes.
FORMA E FUNÇÃO
Entre os critérios do contexto, as funções têm um relevo particular. Não seria sensa·
to negar as relações entre forma e função (19) que existem em toda a concepção arqui.
tectónica e que se podem observar na arquitectura e na 'cidade. Aforma terá de se re
lacionar com a função de modo a permitir o desenvolvimento eficaz das actividades
que nela se processam. Neste sentido se percebe facilmente que uma fábrica seja dife
rente de uma habitação, ou um copo de uma garrafa.
Adiscussão das relações entre a forma e a função é muito antiga e tem acompanha
do a teoria da concepção arquitectónica. Ao longo da história, a importância e o grau
de determinismo dessa relação tiveram variações profundas.
Alberti (20), ao formular os prindpios da arquitectura, enuncia: a commoditas, rela
cionando a função ligada a um programai afirmitas, a estrutura que depende da técni
cai a voluptas, ou a qualidade formal, ou seja, a intenção estética. Posteriormente,
48
2·6. Antigas formas usadas paro novos funções. OM. Ungers - Museu de Arquitectura
Frankfurt. Fachada e axonométrica/corte. O temo do edifício dentro do edifício
49
Mies Van der Rohe define a especificidade da arquitectura pelo «que é possrvel con'stru
tivamente, o que é necess6rio à utilização e o que é significativo como arte. (2 11.
Mas se os três prindpios básicos da arquitectura - a função, a construção e a arte
- estão sempre presentes na arquitectura e na cidade, j6 o peso que cada um deles as
sume no processo criativo pode sofrer variações entre duas posições extremas:
Uma posição «funcionalista., segundo a qual uma forma frsica que corresponda lo
gicamente aos problemas funcionais do contexto é bela, uma vez que a beleza é uma
qualidade inerente a todo o sistema bem resolvido. Na prática, o significado expressi
vo encontra-se na adequação da forma à função: FORM FOLLOWS FUNCTION (22)
a célebre expressão de Sullivan - resume com ênfase esta posição.
O «antifuncionalismo» aceita que a concepção da forma seja ditada de modo inde
pendente .por outros objectivos (nomeadamente estéticos), para criar a emoção ou o
embelezamento da estrutura.
Para o antifuncionalismo, as funções têm menor ou igual importância que outros cri
térios do contexto. Exacerbando esta posição, Peter Blake escreveria FUNOION FOL
LOWS FORM (23), ou seja, a pr6pria função também se adapta à forma - ou a mesma
função pode coexistir e processar-se em formas diferentes.
Em boa verdade, ambas os atitudes não são desprovidas de intenção estética. Mui
to pelo contrário, significam processos diversos de atingir a perfeição arquitectónica.
As atitudes do funcionalismo e do antifuncionalismo poderiam parecer bizantinos,
se se esquecesse que têm dominado de modo explícito ou implícito o debate arquitectó
nico e urbanístico nos últimos cinquenta anos.
Até há cinquenta anos, a arquitectura e o urbanismo tinham sabido encontrar um
equilíbrio sensato entre o utilitário e o artístico no relacionamento entre as formas e as
funções.
Todavia o Movimento Moderno contava no seu seio com muitos arquitectos funcio
nalistas, para quem a função deveria assumir uma «feroz ditadura» sobre a forma.
Uma tal atitude adaptava-se bem à estrutura intelectual racionalista. Funcionalismo e
racionalismo combinavam na reacção contra as Beaux-Arts. Arte Nova e Artes Deco
rativas. Estes três períodos estéticos, admitiam não s6 o ornato e a decoração, mas
também que a organi~oção do edifício e da cidade fosse determinada por regras estéti
cas como a simetria, o equilíbrio, métricas, ritmos e proporções, os efeitos cénicos e vi
suais - todo um conjunto de manipulações que profanavam o despojamento ideológi
co e formal defendido pelos racionalistas e funcionalistas.
No cidade antiga, existia a mistura e a promiscuidade funcional. Haussman, em Pa
ris, organiza os edifícios com utilizações diferentes por pisos - comércio no rés-do
chão, a casa do comerciante na sobreloja, a famma burguesa nos primeiro e segundo
andares, e assim por diante, até aos empregados nas águas-furtadas. O quarteirão al
50
2·7. Adaptaçao de antigos formos o novos Funções. Restauro e adaptação do Colégio dos Jesur
tos o Biblioteca Público e Arquivo de Ponto Delgado. Axonométric:a do novo conjunto
51
52
53
que em edifrcios projectados de raiz para o mesmo programa (271. De resto, a reutiliza
ção de edifícios é já por si uma atitude não funcionalista.
Os espaços em que tudo se encontra programado para cada função têm-58 revela
do extremamente limitadores e pouco versáteis na utilizaç60, e tantas vezes de grande
pobreza formal.
Nas cidades, a fragilidade do funcionalismo é mais evidente. As funções dos centros
urbanos evolurram, passando de lugares de defesa e de poder a lugares de cornércio,
serviços e trocas culturais. Os seus espaços foram recebendo essas diferentes funções,
sobrepondo-se com complexidade e dinâmica, bem permitido pela capacidade de res
posta de traçados e formas urbanas à modificação funcional.
O entendimento destas questões posso certamente por um equilrbrio de bom-senso.
A função é um dos critérios do contexto, entre tontos outros, com o importância e a
hierarquia própria dada pela visão cultural subjacente à concepção arquitectónica e
urbanística. Tem certamente um estatuto de necessidade, mas nõo de suficiência, dado
que também pode ser manipulada com maior ou menor liberdade.
A concepçõo da forma não se esgota na correspondência a uma ou mais funções.
Tem também motivações mais complexas e profundas - culturais e estéticas.
Como Scrutton, diria que «a ideia de função de um ediBcio está longe de ser clara, nem
está claro como é que determinada função deve ser transferida para uma forma arquitec
tural. O que podemos dizer - declinando alguma teoria estética mais adequada - é que
os edifícios têm usos e nõo deviam entender-se como se os nõo tivessem» (28).
A cidade e o espaço urbano têm usos e não deviam entender-se como se os nõo ti
vessem - acrescento eu.
FORMA E FIGURA
(Aspectos estéticos do urbanismo)
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57
ção do solo» e «arte urbana». Épela «figura», ou através da mensagem figurativa, que :\-
a arquitectura e a arte urbana se revelam.
Toda a acção que humaniza a paisagem pode conter objectivos e valores estéticos
que se comunicam através dos sentidos ou da percepção. r
Apesar da forma não se resumir aos espectos sensoriais - portanto perceptíveis-,
estes são determinantes na sua compreensão.
Sem querer abordar a teoria da percepção, citaria Aristóteles: «Nada existe no es
prrito que não tenha passado pelos sentidos.» O homem urbano está sujeito a sons,
r
cheiros, calor, luz, estímulos visuais, climáticos, e outros, que actuam sobre os seus sis
temas perceptivos, através dos quais passam para mensagens organizadas e tratadas
rr.
pelo cérebro, produzindo o conhecimento do meio urbano. Não é objectivo aqui de
senvolver a teoria da informação (30) nem discutir as acções entre o transmissor (meio
urbano) e o receptor (o homem), através de mensagens.
Basta registar o importância dos sentidos e da cultura na leitura fazer da cidade. r'
f
Resumindo, direi que os valores estéticos só são comunicáveis através dos sentidos e
que, apesar de as características da forma não se resumirem aos aspectos sensoriais
(portanto perceptíveisL estes são determinantes na sua compreensão. Um breve enun :; '
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Sistema de orientação
A sua importância é grande no conhecimento da cidade, embora tenha sido «es
quecido» por Jratadistas e geógrafos urbanos. Respeita, em primeiro lugar, ao equilí
brio vertical e também a noções de acima/abaixo, esquerda/direita, horizontal/verti
cal, alto/baixo, longe/perto, etc., que permitem ao homem orientar-se na cidade.
Será como que um «sexto sentido», e numa cidade dependerá fundamentalmente
dos sistemas de referência: marcos ou monumentos, zonas ou bairros, traçados, nós.
As análises de K. Linch (31) sobre a imagem da cidade constituem um importante contri
buto para o esclarecimento deste problema. Lynch distingue o categoria a que chama
de «imagibilidade», relacionando-a com a possibilidade de orientação.
Atrevo-me a dizer que, nas civilizações ocidentais, o sistema de orientação está de
um modo geral ligado aos sistemas de referência da cidade tradicional.
A cultura ocidentàl sedimentou o conhecimento das cidades através dos eixos das
ruas e dos cruzamento e nós. A analogia é evidente com a formação matemática dos
eixos que permite localizar um ponto num plano. O jogo da «batalha naval» será uma
das mais singelas aplicações, que qualquer crionço aprende com facilidade; assim co
mo qualquer criança aprende a orientar-se na cidade se tomar os sistemas viários orto
gonais, os quarteirões, os monumentos e otJtros sinais de referência.
58
Sistema visual
Ésem dúvida o sistema que foi mais estudado no conhecimento do meio urbano,
porque sem dúvida é através da visão que se constrói a parte mais importante da ima
gem da cidade (33). No entanto, o sistema visual de observação do espaço urbano,
pressupõe o movimento e a apreensão do espaço em sequência visual. Aeste tema vol
tarei mais tarde.
Sistema táctil
Pode parecer menos importante, se não se considerar que no sistema táctil se in
cluem todas as percepções térmicas e de fricção com a atmosfera: o vento, as correntes
de ar, o calor, o sol e o frio, que também são importantes na vivência, compreensão e
caracterização da cidade.
Sistema olfactivo
Em certas cidades norte-africanas ou asiáticas, os cheiros são muito mais intensos e
profundos do que no Ocidente e são pertença indissociável do espaço urbano: odores
de suor humano, excrementos, especiarias, comidas e esgotos pertencem aO espaço e
ao conhecimento desses lugares, como de resto o cheiro a forno de pão e a lenha quei
mada evoca o mundo rural português. Não imagino as ruas das cidades da índia ou
certos bairros de Macau sem os seus cheiros caracterrsticos. Os cheiros e odores carac
terizam os lugares e são partes do meio urbano. O sistema olfactivo pertence à expe
riência da cidade, embora seja um factor de menor controlo e incidência no desenho
da forma urbana, tal como tem sido analisada.
Do enu nciado dos sistemas de percepção, verifica-se, grosso modo, que 'a cada sis
tema vai corresponder uma caracterrstica da forma, que poderá ser perceptível.
Todavia as condições em que se realiza a comunicação com o ambiente são essen
cialmente visuais e constituem um momento determinante na experiência de estética
urbana, porque os aspectos figurativos se manifestam predominantemente pela comu
nicação visual.
Para estudar a imagem urbana, não se podem ignorar os trabalhos de Kevin Lynch,
de Kepesh e dos seus colaboradores do MIT (34), trabalhos que incidem sobre.uma análi
se da forma urbana e que desenvolvem contributos fundamentais para a actividade do
arquitecto urbanista como criador de formas e de imagens. «A imagem da cidade» é
um meio de comunicar a sua forma física. Cito a tese de Lynch - «Seremos agora capa
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zes de desenvolver a imagem do nosso ambiente, agindo sobre a sua forma frsica exte
rior e também desenvolvendo um processo interno de aprendizagem.»
O grande interesse do trabalho de Lynch repousa sobretudo no regresso à leitura
ou experiência colectiva. Ao estabelecer a «média» das imagens apercebidas por cada
indivrduo, obter-se-á a imagem colectiva. E é justamente essa imagem colectiva que
Lynch propõe que seja procurada na composição urbana. Lynch demonstrou também a
importância do ambiente visual para o bem-estar do cidadão e para o seu comporta
mento sociopsicológico. Por exemplo, num percurso, é fundamentalmente a visão que
determina a orientação e as sequências visuais que são essenciais para o conhecimento
da forma urbana (35).
Do que acaba de ser dito, sobressai que os elementos visuais serão determinantes
em toda a concepção e produção do espaço. Para que exista imagem (como em todo o
fenómeno correlacionado com a percepção), é necessária uma relação entre objecto e
observador. A forma urbana poderá ter uma multiplicidade de «imagens» que corres
pondam a outros tantos observadores. No entanto, apesar de a imagem depender do
observador, depende primeiramente das características da forma. Se a problemática
da imagem visual é muito importante para o arquitecto urbanista, mais ainda é o co
nhecimento dos elementos morfológicos, que são mais significativos visualmente, pois é
através desses elementos que se processa no essencial a comunicação figurativa.
Recorro de novo a Gregotti quando adianta a possibilidade de «qualquer forma
conter níveis de comunicação estética ainda que degradados», (36) ou seja, desde que
tenha existido a intenção estética, ainda que culturalmente alienada, a forma terá cer
tamente níveis de comunicação estética.
O objectivo do desenho urbano e, por extensão, do urbanismo não será apenas or
ganizar o território para acolher actividades, mas também actuar na forma para que
exista comunicação estética e significação. O que equivale a negar os modelos exclusi
vamente funcionalistas - ainda que se possam encontrar estratos de comunicação es
tética na correcta correspondência da forma à função. fi. própria forma, ou a imagem
urbana, pode ser organizada com relativa independência para atil'\gir a comunicação
visual; no fundo, trata-se de retomar os problemas da arte urbana e de embelezamen
to da cidade com o objectivo de contribuir para um ambiente mais estimulante.
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2·11. O território como suporte dos formas urbanos. Horto - Faiol - o cidade e o paisagem
vistos do mar. Porto Pim - Horto - visto do praia
62
2.3 PRODUÇÃO E FORMA DA CIDADE E PRODUÇÃO
E FORMA DO TERRITÓRIO
63
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Rossi refere-se ao «sítio» designando-o pelo /ocus. Mas o /ocus não é propriamente
o sítio geográfico. Éa «relação singular que existe entre certa situação local e as cons
truções que estão nesse lugar». A escolha do lugar, tanto para uma construção como
para uma cidade, tinha um valor proeminente no mundo clássico; a situação, o sítio, es
tava governado pelo genius /oeil pela divindade local que presidia a tudo o que se de
senvolvia nesse mesmo lugar. «O conceito de /ocus sempre esteve presente na tratadís
tica clássica, embora já em PaI/adio e depois em Mi/izio o seu tratamento adquirisse
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Os limites da cidade
Actualmente é difícil ou quase impossível determinar os limites espaciais da «cida
de». A distinção entre cidade e território considera o território como envolvente da su
perfície terrestre onde o homem exerce a sua acção transformadora, e a cidade como
o meio geográfico e social formado por um conjunto de construções e cujos habitantes
trabalham em maioria no seu interior (41).
A antiga cidade era geralmente pequena (42). A sua forma ligava-se estreitamente a
um sítio e a limites (defensivos, administrativos e de fiscalização) que estabeleciam uma
barreira entre espaço «construído» e não construído (espaço rural).
Com a evolução das técnicas militares e com a industrialização, a cidade transbor
dou esses perfmetros, diluindo-se a separação entre construído e não construído. Os
consumos de áreas para novos hábitos e necessidades das populações produziram a
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2-13. ilho de Moçombique. A regloo,
67
factor cultural. Emoção estética que pode existir de igual modo perante uma paisagem
ou um quadro de Picasso: um pôr do sol, um campo verde, uma aldeia, podem ser per
cebidos como objectos estéticos de modo semelhante que os objectos manufacturados
ou as formas de arte. Valor que provém também de que a paisagem humanizada, a ci
dade e o território são fenómenos culturais.
A beleza dos sítios tem justificado o próprio ordenamento do território para a defe
sa e preservação do ambiente e a sua fruição: miradouros, vias panorâmicas, áreas de
protecção, parques e reservas naturais são exemplos.
A paisagem humanizada e o ambiente arquitectónico são patrimónios colectivos.
Os cidadãos têm direito a viver em ambientes esteticamente qualificados. O direito à
qualidade da paisagem e da arquitectura é um direito social e, noutro sentido, funda
mento da intervenção do arquitecto.
A defesa da paisagem é uma noção recente que surge justamente da ameaça cre~'
cente sobre a integridade dos sítios que se vão tornando um bem raro, logo precioso, e
quando, a partir do século XX, o uso e exploração do território se sobrepõem a qual
quer processo harmonioso da sua utilização. A defesa da paisagem significa, implícita
ou explicitamente, o reconhecimento da existência de aspectos figurativos. Por outras
palavras, permite considerar que as operações sobre a paisagem (conservação ou
transformação) são também do domínio arquitectónico-urbanístico (43).
Uma outra ordem de questões prende-se com a construção da própria paisagem,
entendida como arte de jardinaria ou «arquitectura paisagística». O seu ponto de parti
da é bastante antigo: desde os «jardins suspensos» da Mesopotâmia aos traçados clás
sicos do fim dos séculos XVII e XVIII que se ultrapassaram as simples noções de jardim
de Versailles a Fontainebleau, aos parques românticos, aos traçados das florestas de
caça, a construção da paisagem processou-se como extensão do meio edificado, pro
pondo ao domínio arquitectónico novas organizações do território com novos «mate
riais». No século XVIII, o alargamento da noção de «jardim» a uma vasta paisagem,
alargando as concepções estéticas da arquitectura à grande escala, perfila duas atitu
des: a concepção naturalista inglesa e a racionalista, geometrizada, cartesiana, fran-'
cesa.
A arte de jardinaria inglesa desenvolve-se a partir da época dos Tudor até atingir o
seu apogeu no sécul.o XVIII, coniugando a arquitectura dos edifícios com o desenho da
Natureza, relacionando a casa senhorial com o verde dos campos exteriores. Arte e
Natureza fundem-se numa síntese. O «horizonte» do jardim alarga-se até incluir toda a
paisagem, auscultando o «espírito do lugar», e respeitando os elementos existentes: a
irregularidade do solo, os prados e os cursos de água, são organizados para criar ima
gens pictóricas. São estas mesmas paisagens trabalhadas ao «natural» que os pintores
exaltam, reproduzem e inventam. Pelo contrário, a racionalização francesa da paisa
68
69
Pelo que ficou exposto, e alargando a noção de dorma urbana» a todo o território,
poder-se-á utilizar a noção de FORMA DO TERRITÓRIO (44).
O campo de estudo do morfologia será então a totalidade do território como lugar
de transformações produzidos pelo homem, ou, por outros palavras, todo o território
como lugar de intervenção da arquitectura.
Com efeito, a organização formal do território não se faz exclusivamente pela or
ganização de actividades humanas: situa-se também a dimensões e escalos que ultra
passam a área ocupada por edificações utilizando outros elementos morfológicos.
Assim, quando o Plano da Área Metropolitana de Marselh-a propunha a salvaguar
da das montanhas de Sainte Victorie e da Étoíle/ ou quando o mesmo plano desenhava
um conjunto de «cidades novas» em redor da lagoa de Berre e distribuía os eixos de
crescimento de Marselha desenvolvia uma acção formal-arquitectónica cujas escala e
dimensão são territoriais.
Os interesses, ou melhor, o «território» da arquitectura alargou de escala, dimensão
e conteúdo e, naturalmente, a «arte de construir»viu constituirem-se disciplinas comple
mentares ou específicas como a "paisagística».
Adoptando estes pontos de vista, poder-se-á falar indistintamente de produção
morfológica do cidade ou de produção morfológica do território, de morfologia urba
na ou de morfologia do território. Os seus conteúdos são idênticos. A metodologia de
trabalho (arquitectónico), também.
70
2-15, Tavira - o território orgcnizado para díversas funções e activídades humanas: a cidade
e os servíços; a pesca e os portos; o campo e a agricuttura; as sa~na5 e a· indústria do sal;
as praias e o turismo
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Estas duas hipóteses relacionam-se quer com a análise das formas construídas quer
com as metodologias da sua concepção.
A compreensão e concepção das formas urbanas ou do território coloca-se a dife
rentes níveis, diferenciados pelas unidades de leitura e de concepção.
Nesta ordem de ideias, pode-se recortar o espaço em partes identificáveis. O crité
rio para esta subdivisão decorrerá quer do modo como se processa a leitura quer do
modo como o espaço é produzido.
A Baixa de Lisboa é composta por uma malha de ruas ortogonais que ligam praças
nos extremos. Mas a Baixa é identificável como um todo e subdivisível em ruas, praças,
quarteirões e edifícios.
No vegetal em branco sobre o estirador, o arquitecto tenderá a conceber o espaço
quer a partir das unidades estruturantes quer por adição de elementos.
Assim, pode-se estabelecer uma classificação das escalas ou dimensões da forma
urbana.
Será a mais pequena unidade, ou porção de espaço urbano, com forma própria.
Ébem ilustrada por uma rua ou uma praça. Para a sua apreensão quase nem será ne
cessário o movimento ou basta o movimento em circuito fechado. Num ponto, o obser
73
74
***
• .A escala da rua ou «parte da rua» (bout de rue), que corresponde ao espaço abran
gido por um observador num ponto qualquer da cidade.
• A escala de bairro, entendida como um conjunto de quarteirões de edifícios, ruas,
praças, etc.
• Aescala da cidade inteira, entendida como uma assemblage de bairros (49).
75
Parto do princípio de que a disciplina arquitectónica é antes do mais criativa e pro~
dutiva. A actividade analítica será um instrumento de suporte, porque a finalidade da
disciplina arquitectónico-urbanística não é a análise, mas a produção do espaço. Nesta
fronteira se situa a separação com a geografia, que tem o mesmo objectivo de estudo,
mas ópticas diferentes, essas, sim, fundamentalmente analíticas.
A leitura do espaço faz-se ao nível directo da percepção dos seus elementos morfo
lógicos, organizados em sequências. Eatravés da sucessão .e estruturação de formas
de dimensões sectoriais que compreendemos as formas à dimensão urbana, e pela arti
culação destas que passamos à dimensão territorial. A forma de um bairro será com
posta de diferentes unidades espaciais (ruas, praças, pátios, jardins, etc.). Ea forma de
uma cidade será composta de elementos cuja escala é diferente: bairros, vias, nós viá
rios, parques, etc. Adecomposição da forma é um processo que se relaciona quer com
a análise quer com a concepção do espaço. O desenho urbano - por necessidades dG
estrutura mental e operativa humana organiza a forma pela adição e composição dos
elementos morfológicos, ou formas de escalas inferiores.
A correspondência entre as escalas da forma urbana e a metodologia da concep
ção urbanística é extensível aos escalões de planeamento ou tipos de planos.
A metodologia urbanística hierarquiza os planos, diferenciando-os quer pela natu
reza dos problemas quer pela dimensão ou escala de intervenção. A prática portugue
sa consubstancia até agora três grandes grupos de intervenções: o Plano-Director Mu
nicipal, de acção territorial; o Plano de Urbanização, de acção essencialmente urbana
(a totalidade da cidade e a sua área de expansão); e o Plano de Pormenor, incidindo
sobre uma parte da cidade ou área urbana (5 1l.
Estes tipos de planos conservam, pela sua escala de intervenção, correlação estreita
com as divisões apontadas.
As disciplinas espaciais utilizam o método de aproximações sucessivas, começando
por conceber o objecto na sua generalidade, descendo em seguida por etapas até aos
diversos pormenores. A possibilidade de processos de feed-back (retorno) e de traba
lho simultâneo em várias escalas permite, em qualquer momento, repensar o trabalho,
enriquecendo-o. O processo de operações encadeadas vai saturando o trabalho com
pormenores, opções e intenções. No vegetal em branco, aparecem primeiro as gran
des manchas volum~tricas, distributivas e figurativas, finalizando-se pelos desenhos de
um pilar ou de uma janela. Mas estes podem também ser registados e pensados em si
multâneo, como reservas para o momento em que interferem na composição. A cada
escala de intervenção correspondem os seus próprios valores espaciais. Em cada mu
dança de escala, o produto enriquece-se pela introdução de novos valores e elementos
morfológicos cada vez mais próximos da realidade.
Ao retomar o nível seguinte, as decisões tomadas anteriormente deverão poder ser
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78
79
Recorrendo a analogias estruturalistas da semiologia e com alguma prudência, po
deria comparar a linguagem arquitectónica e os elementos morfológicos dos edifkios
com a linguagem literária (53), na qual existem o texto e as palavras. Estas articulam-se e
posicionam-se para formar frases e ideias. Para transmitir uma ideia num texto, existem
várias possibilidades linguísticas, literárias, de estilo e de forma, tal como o mesmo edi
fício ou programa pode ser organizado e construído com formas e «linguagens» arqui
tectónicas diversas.
Pode-se também verificar que, sendo os elementos morfológicos relativamente
constantes' na arquitectura, é através do modo como se estruturam e se organizam que
provém a comunicação estética do objecto arquitectónico.
Esta constatação é também extensiva ao espaço urbano. Na cidade, o sentido figu
rativo, como obra de arte colectiva, provém dos objectos - edifícios (ou construções)
- e da sua articulação com o espaço por eles definido.
O que disse sobre os edifícios é extrapolável para o espaço urbano. Todavia, desde
logo, existe a necessidade de estabelecer uma «escala de leitura», ou seja, estabelecer
quais os elementos mínimos na forma urbana!
«Sub-repticiamente» já o havia feito, quando, ao falar de portas, não mencionei as
dobradiças, as fechaduras e batentes, ou, ao falar de escadas, não referi o degrau, o
cobertor, o espelho, ou, ao falar do espaço urbano, não falei dos postes de iluminação
ou dos fios eléctricos, que também são importantes, mas certamente já em outro nível
de leitura.
o SOLO - O PAVIMENTO
ao
UlRTE f.':>D.UEM.lTf(J) Of TlUHDD DE íf.'JúURO
81
2.19. A formo urbano determinado pelo exasperação dos elementos morfológicos: os edifí·
cios. A especulação sobre o solo, e o dinheiro, determinam o formo do cidade: New York.
Vistas axonométricos do porte meridional de M(ll1holton. Des. em 1980
82
2-20. O edifício como elemento do formo urbano. O conjunto "Amoreiras» - Arq. o Tomás Ta
veira
83
Para definir qual o mínimo elemento morfológico identificável na cidade, há que es
tab~lecer uma hierarquia de valores e fazer uma selecção entre as colecções de objec
tos que povoam o espaço urbano.
Em primeiró lugar, há que mencionar os objectos «parasitários», (54) tão profusa
mente ilustrados nas cidades capitalistas: néons, anúncios, escaparates, montras, etc.,
sucedem-se em profusão, com variações que alteram a imagem da cidade. Aoutro es
calão, o mobiliário urbano: o banco, a bica, o quiosque e ainda a árvore, o canteiro ou
as plantas caracterizam a imagem do espaço urbano.
Estas colecções de objectos são, «elementos móveis», afectando diferentemente a
forma da cidade. Distinguiria, no entanto, a árvore, pela sua importância e papel qua
se idênticos aos dos edifícios. A esta questão voltarei mais tarde.
Éatravés dos edifícios que se constitui o espaço urbano e se organizam os diferentes
espaços identificáveis e com «forma própria»: a rua, a praça, o beco, a avenida ou ou
tros espaços mais complexos e historicamente determinados como as invenções dos ur
banistas ingleses do século XVIII: crescents, squares, circus, etc., ou, de outro modo, se
identificam os espaços urbanos modernos.
A Rue de Rivoli ou a Praça do Comércio seriam bem diferentes se os seus edifícios
não tivessem as arcadas e expressão arquitectónica que as caracterizam.
Os «telhados de tesouro», em Tavira, sendo apenas partes dos edifícios, contam de
modo determinante na forma da cidade.
As varandas de «pato bravo» (com balanços de cerca de 1,50 metros) constituem
particularidades agressivas em cidades antigas. Romperam a lógica do espaço urbancI,
constituída por edifícios de fachada plana ou com ligeiras saliências, destruindo os en
fiamentos visuais de ruas e perspectivas. Todos estes elementos são determinantes I"a
forma do espaço urbano, embora ao tratar de certas questões os tenhade secundari
zar. É uma necessidade interpretativa, como quando se se'micerram os olhos para me·
Ihor captar os traços essenciais do objecto. ~
Não seria possível continuar a abordar estCl questão sem referir os estudos de
Aymonino, Rossi e outros, da Faculdade de Arquitectura de Veneza, sobre as relações
entre a «morfologia urbana e a tipologia edificada» (55). Nesses trabalhos, os elementos
primários da forma' urbana são identificados com os tipos construtivos. Os edifícios
agrupam-se em diferentes tipos, decorrentes da sua função e forma, estabelecendo re
lações biunívocas e dialécticas com as formas urbanas.
Aquestão dos tipos edificados, tem sido abordada por vários autores: desde Palia
dio, em que os tipos se identificam com as vil/as residenciais, às propostas classificativas
de Quatremere de Quincy ou de Durand. Para este último, «o tipo é um esquema que
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•••••• 2·21. Variações arquitectónicas da utilizaçãa do tipo edificado. J. N. L. DURAND. Emem·
b/e d'edifices resu/lonl de diverses combinoisons horizonlo/es el verlico/es, d'oprés /e corre
divise en deux, en Iro is, en quolre, el porches ouverls por des enlrecolonnemenls. Segundo
o Précis des Leçom d'Archileclure Donnes ci /'Ecole Polylechnique. Editado em 1813
85
respeita as necessidades funcionais e permite elaborar um projecto», (56) distinguindo-se
do «modelo», que será a representação de uma outra realidade.
Das relações tipologia-morfologia, ressalta que o espaço urbano depende dos tipos
edificados e do modo como estes se agrupam.
A tipologia edificada determina a forma urbana, e a forma urbana é condicionado
ra da tipologia edificada, numa relação dialéctica. A evolução da arquitectura e do ur
banismo no período entre as duas guerras (1918-1939) revela inúmeros exemplos de
procuras tipológicas no habitat residencial: no quarteirão nos bairros holandeses, nas
Siedlungen sociais-democráticas alemãs, ou nas Hoff austríacas, e até exemplos mais
extremos, como a Unité d'Habitation, de Le Corbusier, é o tipo edificado que vai origi
nar e detrminar as formas urbanàs.
Esta interdependência é um dos campos mais sólidos em que se colocam as relações
entre a cidade e a arquitectura. Pode ser observada ao longo da História, onde a for
ma urbana é resultado, produto, e simultaneamente geradora da tipologia edificada,
numa relação eminentemente dialéctica entre cidade e arquitectura, entre forma urba
na e edifícios.
o edifício não pode ser desligado do lote ou superfície de solo que ocupa. O lote
não é apenas uma porção cadastral: é também a génese e fundamento do edificado.
Não é sem razão que, na gíria do construtor, as expressões «lote» e «loteamento» subs
tituem as expressões «edifício» e «urbanização». O lote é um princípio essencial da rela
ção dos edifícios com o terreno. A urbanização implica parcelamento, quer subdividin
do os parcelamentos rurais quer impondo nova divisão cadastral.
Desde as mais antigas cidades até ao período moderno, a edificação urbana foi in
terdependente da divisão cadastral. Construir uma cidade foi também separar o domí
nio público do domínio privado.
A forma do lote é condicionante da forma do edHício e, consequentemente, da for
ma da cidade. Até aos anos vinte-trinta, o lote foi o lugar do edifício e um meio e instru
mento de planificação e separação entre o espaço público e o privado. A colectiviza
ção do espaço urbano veio conferir ao lote o estrito papel de assento das edificações,
retirando-lhe uma das suas principais características. Na unidade de habitação de
Le Corbusier, o lote deixa, por assim dizer, de existir, uma vez que o edifício não ocupa
o solo definido pela sua projecção vertical. Assenta em pilares que saem de um terreno
público, como público é todo o espaço circundante.
86
87
Esta é, de resto, uma importante ruptura provocada pela cidade moderna, num
quadro de relações diferentes dos elementos morfológicos com o espaço urbano.
Os estudos do Laboratório de Urbanismo de Barcelona sistematizam três etapas no
crescimento urbano: o Parcelamento (crescimento), a Urbanização (infra-estruturação)
e a Edificação (construção de edifícios), e, verificam que nem sempre as três existem ou
se encadeiam igualmente. Mas, na expansão urbana da cidade tradicional o parcela
mento precede a urbanização, enquanto no conjunto moderno a ênfase é dada na ur
banização e edificação, já que o loteamento não existe, embora se possa sempre iden
tificar como loté o terreno debaixo do edifício (57).
o QUARTEIRÃO
A definição do quarteirão tanto pode basear-se na sua forma construída como no
processo de traçado e divisão fundiária.
O quarteirão é um contínuo de edifícios agrupados entre si em anel, ou sistema fe
chado e separado dos demais; é o espaço delimitado pelo cruzamento de três ou mais
vias e subdivisível em parcelas de cadastro (lotes) para construção de edifícios. É tam
bém um modelo de distribuição de terra por proprietários fundiários. Como é também
o modo de agrupar edifícios no espaço delimitado pelo cruzamento de traçados.
O sistema do quarteirão é muito antigo. Éum processo geométrico elementar, e co
mo tal começou a sua existência. A partir desse processo elementar, foi adquirindo es
tatuto na produção da cidade, como unidade morfológica. Agrupa subunidades, mas
pode também constituir a parte mínima identificável na estrutura urbana.
Em muitas situações, o quarteirão subdivide-se num conjunto de edifícios e é delimi
tado por quatro vias. Os edifícios delimitados pelo lote constituem partes do quartei
rão, partes essas por vezes diferenciadas em altura, em profundidade, em programa.
Noutros casos, como na Baixa Pombalina, o quarteirão confunde-se com um grande
edifício ou grande parcela. No Plano do Martim Moniz, (58) as unidades-base da forma
urbana são quarteirões identificados com lotes ou os próprios edifícios, fornecendo uni
dades de edificação operativas no parcelamento do solo em «direito de superfície».
Todavia, se a marçação do lote se identifica com a delimitação do edifício, a marca
ção do quarteirão pressupõe uma hierarquia superior, identificando-se com a definição
do espaço urbano. O quarteirão não é autónomo dos restantes elementos do espaço
urbano - os traçados, ou as vias, os espaços públicos, os lotes e os edifícios. É simulta
neamente o resultado de regras geométricas de divisão fundiária do solo e de ordena
mento do espaço urbano, e um instrumento operativo de produção da cidade tradicio
nal. Esta dualidade confere-lhe um lugar determinante na cidade tradicional como
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da Rua de AIouche. Normalmente ao andar superior por escada. espaços rectangulares ligados entre si lem hierarquia
apresenta uma façhada e8treí.u (4-6m). :1ormalmente de cotovelo. aparente.
com porta e chaminé de escuta (às Ao distribuição é semelhante ã do caso
O lo piso é abobadado nos espaços maiore. definido. por
~eus mes,!"o ~e~ chaJllinél. O espaço anterior a, em certos C4S06, para
lnterior • dlVldido em dois obter espaçolS maiorps recorre-se a parede. meltras e o ace••o ao andar superior faz-se também
compartimento. no piso, que arcos estruturais. por escada como no tipo precedente.
correspondem i cozinha/sala e quarto. • Na fachada são 1ntrodudd46 molduras A cOClpollçio da fachada respeita o l\Odelo clássico e a
lonas de estar e dom!r. Quando se de vãos de desenho clássico e a cobertura é de duas águas paralelas ã rua.
t~rna necessário mais de um. quarto, cobertura é de dUAS áquas.
no feitas divisões por tabiques no Além do. elemento. já referenciados, caracterizam ainda a
ex! stente. As vezes é ainda morfologia tradícional o uso de lOCO e cunhais, ou
pilastras. definindo a frente construída; a utilizaçio de
acrescentado um meio piso. A cobertura
e de uma água (às vezes c1uas). Quase Janelas de peito na lo piso, alinhadas COP\. sacadas no 20
sempre existe um pequeno l09radouro piso e Mantendo um ritmo horizontal constante, eRl que a
nas traseiras. dimensio do vão é sempre Inferior ao pano de parede que o
separa do s~quinte.
2-23. Tipologias construtivos, segundo o anólise do Plano do Centro Histórico de Mouro (arq.OI
C. Duarte e José Lamas)
89
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articulado com OUtJ:OI, de 1
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• qrande profundidade. Cobertu
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ou de tesouro (2) ! Terraço(3l.
II - Viria. volumes' articulados,
1.8 2 pisos, cobertos oom
telhados de tesouro e terraço~
(4, 5, 6)
2-25. Anólise da volumetria das construções e ocupação do lote. Segundo Plano de Centro
Histórico de Tavira
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2-27. Recomendações sobre a organização dos qu~rteirães e loteamentos. Segunda Ed. Joyant
- Traité d'Urbanisme, Paris, 1929. Parcelamento na renovaçõo dos quarteirões da zona da Bal·
sa em Marselha, segundo o Plano Hebrard e Ramasso (1906), mastrando os alinhamentos, volu·
mes e redistribuição fundiária.
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2. Manuelino
3. Início Renascimento
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5. Séculos XVI e XVII
6.
7. Barroco· séc. XVIII
7 --- 8 8. Séc. XIX
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2·28. Análise do forma dos VÓvs e organização das fachadas no centro histórico de Tavira.
Plano do Centro Histórico de Tavira - C. Duarte· J. Lamas
95
estilo, a expressão estética, a época), em suma, um conjunto de elementos que irão
moldar a imagem da cidade. Éatravés das fachadas dos ediffcios (e dos seus volumes)
que se definem os espaços urbanos. Afachada é o invólucro visível da massa construí
da, e é também o cenário que define o espaço urbano.
Eugénio dos Santos, na Baixa Pombalina (1756); Percier e Fontaine, na Rue de Ri
voli (1819); Haussmann, nas renovações de Paris (1856); e também Wood (pai e filho),
em 80th (1728 e 1774) acentuaram ainda mais a relação da forma urbana com as fa
chadas dos edifícios, através de sistemas em que a fachada é desenhada previamente.
A fachada obedece aí a desenhos repetitivos. Por detrás das fachadas, os edifícios
construíam-se com relativa independência, segundo programas diferentes.
Este sistema evidencia outra «função» da fachada, a transição entre o mundo colec
tivo do espaço urbano e o mundo privado das edificações. A fachada assume em de
terminadas épocas concentração do esforço estético, procurando o aparato, a repre
sentatividade, a ostentação e o prestígio, moldando a imagem e a estética das cidades.
A partir do urbanismo moderno, o edifício, e consequentemente a sua fachada, dei
xa de ocupar no espaço urbano a posição que detinha na cidade tradicional, passando
a ser um objecto isolado em redor do qual existe espaço livre. Desaparecem as empe- .
nas, e os lados passam a ser vistos e a pertencer à imagem da cidade. Consequente
mente, a orientação dos edifícios deixa de ser determinada pela orientação dos traça
dos e deixa de existir a «fachada principal» para a rua. Neste contexto, modifica-se for
temente a posição e a importância da fachada na morfologia urbana.
Em paralelo, as regras de organização e desenho dos edifícios também se modifi
cam. Até ao Movimento Moderno, a fachada admitia graus de autonomia em relação
ao interior do edifício, obedecendo a leis de simetria, repetição, equilíbrio, hierarquia e
enfatização de alguns elementos mais significantes (a porta principal, o andar nobre, o
eixo de simetria e a parte central, etc.), evidentes nas arquitecturas eruditas e tantas ve
zes nas arquitectura populares. Tais regras eram aplicadas em função de uma imagem
exterior pretendida, a que por vezes se subordinava o interior dos edifícios.
Aarquitectura moderna vai «moralizar» esta situação, pela obrigação de traduzir o
espaço interno e as funções do edifício na imagem exterior. À planta deve correspon
der a fachada. A leitura dos textos de Bruno Zevi 159) evidencia o esforço moderno de
relacionamento entr.e o interior e o exterior dos edifícios.
Essa atitude teria no limite algumas perversões nos anos sessenta, em que os edifí
cios se organizavam como se de «organigramas» com paredes se tratasse.
Por via das regras modernas, a importância da fachada é eliminada pela diferente
posição do edifício na estrutura urbana e o volume e a massa edificada vão absorver o
esforço de comunicação estética entre o edifício e o espaço urbano, substituindo a mé
trica, ritmos e a estética das fachadas.
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2-29. Aimportôncio das fachadas no espaço urbano. 1. Os desenhos de Percier e Fontoine poro
,
o Rue de Rívoli (1800). 2. Os desenhos de Eugénio dos Santos e Carlos Mordei poro o Baixo Pom
balino. 3. Fachadas dos palócios sobre o rio Gilão em Tavira (sécs. XVI, XVII, XVIII e XIX)
97
Como se pode concluir, a fachada tem uma importância e significado diferentes na
morfologia urbana da cidade tradicional e na cidade moderna.
Para finalizar, direi que, ao identificar a fachada como um elemento morfológico, a
entendo como um elemento determinante na forma e imagem da cidade, elemento ao
qual desde sempre se atribuiu um alto significado no projecto arquitectónico. O reen
contro com a arte urbana terá de assumir de novo o cenário urbano - não desligando
o desenho das fachadas dos problemas de urbanismo - e através desta questão 'esta
belecer também um elo de continuidade e integração entre desenho urbano e projecto
arquitectónico.
o LOGRADOURO
o logradouro constitui o espaço privado do lote não ocupado por construção, as
traseiras, o espaço privado, separado do espaco público pelos contínuos edificados.
O logradouro foi, também, na cidade tradicional, um resíduo, ou resultado dos
acertos de loteamentos e de geometrias de ocupações dos lotes.
Teve várias utilizações ao longo das épocas, desde a horta ou quintal até à oficina,
garagem ou anexo, ou utilização colectiva em situações mais recentes, em sistema de
condómino. É, em boa medida, na utilização do logradouro que se torna possível a
evolução das malhas urbanas: densificação, reconstrução, ocupação. O logradouro
vai oferecendo solo às modificações e intensificações de usos acolhendo numerosas ac
tividades que não encontram outro lugar na cidade.
É através da utilização e desenho do logradouro que se faz parcialmente a evolu
ção das formas urbanas do «quarteirão» até ao «bloco».
Todavia não creio que o logradouro constituísse um elemento morfológico autóno
mo. É, fundamentalmente, um complemento residual, um ~spaço que fica escondido:
não é utilizado pela habitação nem contribui para a forma dos espaços públicos. Este
lugar modesto na morfologia da cidade tradicional é justamente o seu maior atributo,
permitindo-lhe jogar um papel relevante na evolução da cidade.
É através da utilização e desenho do logradouro que se faz parcialmente a evolu
ção das formas ur~anas do «quarteirão» até ao «bloco» construfdo.
O TRAÇADO/A RUA
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2·30. Os traçados: 1. Projecto de urbanização da parte ocidental de Lisboa, por Eugénio d~s
Santos e Carlos Mardel (1756); 2, Traçado de Brasília, por Lúcio Cosia (1956), esboço inicial
99
te, regula a disposição dos edifícios e quarteirões, liga os vários espaços e partes da ci
dade, e confunde-se com o gesto criador.
As antigas cidades romanas, de assentamento militar, provinham da disposição de
dois traçados ortogonais principais (cardus e o decumanus maximus), eles próprios na
sua orientação e posição recíproca revestidos de atributos c6smicos e religiosos. Dois
mil anos mais tarde Lúcio Costa explica assim o «traçado» de Brasília:
«Nasceu do gesto inicial com que qualquer um localiza um lugar e dele toma posse.
Dois eixos que se cruzam em ângulo recto, formando o sinal da cruz. Este sinal
adaptou-se depois à topografia, à inclinação natural do terreno e à melhor orientação:
os extremos de um dos eixos curvaram-se, formando um sinal que pode inscrever-se
num triângulo equilátero que limita a zona a urbanizar» (60).
O gesto do traçado - quase fenómeno c6smico enraizado na humanidade - é en
contrado também nos assentamentos coloniais, nas cidades militares e, de um modo
geral, em todas as cidades planeadas.
Para Poete, Lavedan e Tricart (61), o traçado tem um carácter de permanência, não
totalmente modificável, que lhe permite resistir às transformações urbanas.
Assim, encontramos o traçado romano ainda visível em muitas cidades.
O traçado estabelece a relação mais directa de assentamento entre a cidade e o
territ6rio. Na análise de M. Poete, a rua ou o traçado relaciona-se directamente com a
formação e crescimento da cidade de modo hierarquizado, em função do importância
funcional da deslocação, do percurso e da mobilidade de bens, pessoas e ideias. É o
traçado que define o plano - intervindo na organização da forma urbana a diferentes
dimensões. É também de importância vital na orientação em uma qualquer cidade.
Para finalizar, diria que o traçado, a rua, existem como elementos morfológicos nos
vários níveis ou escalas da forma urbana. Desde a rua de peões à travessa, à avenida,
ou à via rápido, encontra-se uma correspondência entre a hierarquia dos traçados e o
hierarquia das escalas da forma urbana.
A PRAÇA
Nas cidades islâmicas, a praça não existe. Quanto muito, o cruzamento de ruas
produz uma área mais larga no ponto de confluência. A praça é um elemento morfoló
gico das cidades ocidentais e distingue-se de outros espaços, que são resultado aciden
tai de alargamento ou confluência de traçados - pela organização espacial e intencio
nalidade de desenho. Esta intencionalidade repousa na situação da praça na estrutura
urbana no seu desenho e nos elementos morfol6gicos (edifícios) que a caracterizam.
A praça pressupõe a vontade e o desenho de urna forma e de um programa. Se a rua,
100
101
o MONUMENTO
Os dicionários definem o monumento como «construção, obra de arquitectura ou es
cultura destinada a transmitir à posteridade a recordação de um grande homem ou feito;
ou obra de arquitectura considerável pela sua dimensão ou magnificiência; ou constru
ção que recobre uma sepultura».
102
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2-32. A Praça do Plano Director da EXPO 98 apresentado pela Candidatura Portuguesa ao
B. E.I. (1991/1992) (arq.O\ Carlos Duarte e José Lamas) como exemplo de espaço individualizado
à dimensão sectorial
103
o monumento é um facto urbano singular, elemento morfológico individualizado
pela sua presença, configuração e posicionamento na cidade e pelo seu significado.
Para Poete, é um dos elementos que fundamentam o princípio das permanências - um
dos factos urbanos que melhor persistem no tecido urbano e resistem a transformações.
A sua presença é determinante na imagem da cidade. A imagem de Roma, Paris ou Lis
boa é também a imagem dada pelos seus monumentos, sejam eles marcos sem 'finalida
de de uso, mas com significação social, histórica ou cultural (a coluna de Traiano, o
obelisco da Concorde ou a estátua equestre de D. José), ou edifícios utilitários com va
lor social e importância cultural. Poete identifica também no monumento um dos ele
mentos de maior potencial na composição da cidade, mesmo após a perda do seu sig
nificado utilitário: «O edifício público ou o monumento como individualidade e como lo
calização devem intervir em primeira mão na composição da cidade. Não se localizam
em qualquer ponto. Têm o seu lugar marcado. Servem para compor a fisionomia urba
na.» (63)
Rossi é mais peremptório ao afirmar que os «os factos urbanos persistentes se identi
ficam c~m os monumentos, são persistentes na cidade e efectivamente persistem fisica
mente (excepto, finalmente, em casos bastante particulares)>> (64).
O estudo dos monumentos permite também questionar as teorias funcionalistas so
bre a cidade. A existência do monumento situa-se muito para lá do desempenho de
uma função e assume significados culturais, históricos e estéticos bem precisos, mesmo
quando a sua função primitiva já não existe.
O monumento desempenha um papel essencial no desenho urbano, caracteriza a
área ou bairro e torna-se pólo estruturante da cidade. Nas «urbanizações operacio
nais», a ausência de monumentos representa, de certo modo, o vazio de significado
destas estruturas e o vazio cultural das gestões urbanísticas contemporâneas.
A ampliação do conceito de monumento desenvolvida nas últimas décadas partiu
do elemento singular arquitectónico ou escultório para abranger conjuntos urbanos,
centros históricos ou as próprias cidades. A evolução destes conceitos e um novo olhar
sobre a cidade do passado como «cidade do presente» alteraram a «maneira de pensar
o urbanismo», recolocando o património edificado na vida da sociedade.
A distância é grande de atitudes como a do Plan Voisin, para Paris, ou as enuncia
das na Carta de Atenas e referentes ao património edificado. As áreas históricas e as
áreas antigas vão assim constituir permanências nCl cidade como os monumentos, mui
to embora o seu uso e função possa ser completamente diferente. As atitudes de Six
to V, ao traçar a Roma barroca sobre as ruínas da Roma Imperial, ou de Haussmann,
ao destruir/reconstruindo o casco histórico da Paris medieval, ou de Le Corbusier, pro
pondo a renovação do ilôt insalubre no Plan Voisin, já não são defensáveis nem deve
riam ser possíveis.
104
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2-33. O monumento. Desenho de Eugénio dos Santos poro a estátua equestre de D. José no
Praça do Comércio e máquina para transporte e colocação no pedestrai (1757). O chafariz no
Rua do Junqueira, em Lisboa (1826). O monumento 00 25 de Abril, em Lisboa. Concurso (1985)
- proposto do Arq. A. Marques Miguel
105
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A ÁRVORE E A VEGETAÇÃO
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2-34. Árvores e mobiliório urbano no Plano de Renovacõa Urbano do Área do Martim Moniz.
As órvores estõo alinhados e plantados em caldeiros nos faixas centrais do boulevard. Quiosques
e bancos desenhados pelo pintor Daciana Costa no equipo Carlos Duarte-José Lamas
107
Retomo aqui o que disse antes sobre a existência de arquitectura de intenção estéti·
ca tanto nas estruturas rurais como nas urbanas, tanto no jardim como na cidade.
O desenho do espaço não tem duas áreas ou níveis de trabalho - o do edificado e o
das estruturas verdes. São ambos elementos da mesma actuação, porventura exigindo
alguns conhecimentos disciplinares diferenciados.
Os exemplos da História são a este respeito concludentes. No Alhambra de Grana
da, construção e vegetação confundem-se num todo coerente.
Haussmann, em Paris, compreende a importância da árvore nas avenidas e boula
vards. Para evitar o crescimento das árvores, que retardaria por dezenas de anos a
contemplação e efeito da nova obra, desenvolve sistemas de transplantação de árvo
res já adultas. A inauguração dos boulevards dá-se assim com as suas estruturas ver
des totalmente desenvolvidas e acabadas, ou seja, com a sua imagem já sedimentada.
Nas transformações recentes em Barcelona, Sevilha ou Madrid, também árvores adul
tas são plantadas, dando ao espaço recém-construído o seu aspecto final. E, de facto,
o alinhamento de árvores plantadas em caldeira é tão fundamental na cidade tradicio
nal como é nas propostas actuais de novo urbanismo.
o MOBILIÁRIO URBANO
Deliberadamente, é no final que refiro o mobiliário urbano, constituído por elemen
tos móveis que «mobilam» e equipam a cidade: o banco, o chafariz, o cesto de papéis,
o candeeiro, o marco do correio, a sinalização, etc., ou já com dimensão de constru
ção, como o quiosque, o abrigo de transportes, e outros.
O mobiliário urbano situa-se na dimensão sectorial, na escala da rua, não podendo
ser considerado de ordem secundária, dadas as suas implicações na forma e equipa
mento da cidade. Étambém de grande importância para o desenho da cidade e a sua
organização, para a qualidade do espaço e comodidade. Durante anos, terá sido des
curado em muitos arranjos e intervenções.
Hoje voltou de novo à cena profissional, apoiando a requalificação da cidade e
acabando por interessar à própria produção industrial.
Também se pod~ria referir esse conjunto de elementos «parasitários» que nas socie
dades de consumo invadem e se colam às estruturas edificadas, como elementos posti
ços e móveis: anúncios, montras, sinais, reclamos, luzes, iluminações, etc.
Por simplificação de, exposição, não se conferiu a estes elementos a mesma impor
tância e relevo dados aos elementos da morfologia urbana. Etambém por razões que
se relacionalizam quer com a mobilidade (sendo portanto efémeros, em constante mo
dificação) quer com as suas características de elementos «postiços» e adicionais. Ven
108
2-35. O desenho dos espaças verdes: a órvore e vegetação. 1. Jardins da V,71o d'Este em Tívolí
(séc. XVI). 2. Plano do Parque de Bercy - projecto vencedor do cancurso. Arq.O\ M. Fernand e
I. le (aisne (paisagista)
109
turi, em Learning from Las Vagas, demonstra o grau de impacte e comunicação que es-
tes elementos levados à exacerbação e saturação podem assumir na imagem da cida-
de. A imagem de Las Vegas é constituída em boa parte pela presença dos elementos
parasitários e móveis: anúncios e letreiros, luzes, etc. Mas este é, sem dúvida, um caso
extremo, que não pode ser generalizado.
***
Chegado a este ponto, resta clarificar as relações dos elementos morfológicos com
as dimensões ou escalas do espaço urbano.
110
2.6 EVOLUÇÃO DO TERRITÓRIO
«Le vieux Paris n'est plus; la forme d'une ville change plus vite, hélas, que le coeur
d'un morte/.»
BAUDELAIRE, c., Les fleurs du mal
Tableaux parisiens LCXXXIX - LE CYGNE
111
2. A segunda questão tem a ver com a reutilização das partes da cidade. As políticas
de recuperação, reabilitação e restauro de áreas urbanas pressupõem diferentes
usos e consequentes modificações da imagem e da forma: dos comércios que se ins
talam, das habitações que são recuperadas, dos pavimentos refeitos, da população
que varia, etc.
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2-36. Evolução do cidade de Aix-en·Provence. 1. Depois do séc. II d.e. 2. Até 00 séc. XII. 3.
Cerco de 1380. 4. Cerco de 1580. 5. Cerco de 1680. 6. Cerco de 1780
113
o espaço já não pode ser construído sem planos e projectos e a sua implementação.
Se em momentos históricos de lento crescimento, o bom~senso, o consenso e o
tempo eram suficientes para controlar a forma urbana, com os ritmos actuais é cada
vez maior a necessidade de planos e de vontade político-administrativa de os cumprir.
O controlo da cidade pressupõe a intervenção, a par e passo, em todas as transfor~
mações: desde as fachadas das lojas e mobiliário urbano, ao andar recuado e ti cércea
dos edifícios, até às grandes infra-estruturas e operações imobiliárias. Não basta con
trolar os aspectos gerais, negligenciando os elementos particulares e vice-ver~a. O que
pressupõe a realização de planos, projectos, ideias, uma metodologia de trabalho co
mum, organismos de controlo e implementação, e a presença dos arquitectos no pro
cesso e nos vários níveis em que se trabalha na morfologia da cidade.
114
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2-37. A forma do território: Aix-en-Provence. A cidade e os seus bairros, o centro antigo e peri.
ferias modernas e imagens do território
115
ção do território. É assim que os traçados foram evoluindo - caminhos rurais
tornaram-se vias urbanas, ruas, avenidas, etc. Éassim que muitos traçados foram reto
mados em sucessivas intervenções por um denominador cultural comum que interpreta
o território, o sítio, o locus, (73) com expressões formais idênticas.
Recordo a expressão de Georges Meye-Heine «C'est inscrit sur le site» (74), para
aquelas soluções evidentes, quase imediatas, sugeridas pelo terreno e pelo «sítio».
No estado actual do urbanismo, a teoria das permanências deverá também nortear
a integração dos elementos físicos preexistentes nas intervenções urbanas.
Qualquer arquitecto terá de saber que não trabalha sobre tábua rasa, mas sobre
um território que já existe. Isto é tão válido para o edifício que substitui num lote a cons
trução degradada, para a modificação de uma construção, como para os novos bair
ros ou novos edifícios. Há que procurar no território os elementos estimulantes e gera
dores do partido arquitectónico, e também os elementos que deverão ser mantidos.
O que significa trabalhar com conhecimento do mecanismo de transformações mor
fológicas, interligando o conhecimento da cidade à produção do espaço.
Para a escala da rua, as transformações são facilmente detectáveis e podem ser
muito rápidas: desde as montras das lojas, cada dia renovadas, ao mobiliário urbano,
aos pavimentos, à arborização e a tantos outros elementos. Quotidianameryte, dão-se
modificações infinitesimais que vão transformando a imagem da cidade. A pedoniza.
ção de uma rua transformará a sua forma, adaptando-a a uma nova função pela au
sência do automóvel, pelo arranjo de pavimentos, etc.
À dimensão urbana - escala do bairro -, o tipo de modificações é mais lento, e de
maior profundidade. Novas ruas, novos edifícios, arborização, etc., modificações que
se sentem mais nas periferias urbanas do que nos centros das cidades.
Na dimensão territorial, as modificações mais significativas ligam-se ao crescimento
da cidade: novas zonas urbanas, infra-estruturas, serviços, equipamentos e grandes in
tervenções. Serão, mais percepHveis quando corresponderem a um elevado número de
elementos transformados e à dimensão da intervenção. Determinadas regiões, metro
politanas, turísticas, submetidas a fortes pressões de construção alteram a sua forma a
um ritmo demasiadamente rápido que não permite um «encaixe» natural dessas modifi
cações, necessitando por isso de maior de planeamento e controlo.
As transformações territoriais implicam também uma visão cultural.
A paisagem humanizada e a cidade são o resultado de centenas de anos de activi
dade do homem; constituem uma herança cultural que não pode ser delapidada. Co
mo tal, o controlo das transformações do território assume a maior importância na dis
ciplina arquitectónica e urbanística. Implica a existência do plano (a ideia) e do planea
mento (a acção de concretização e implementação do plano).
116
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2·38. Evolução do Proço de São Marcos em Venezo. 1. A praça no séc. XIV 2. No séc. XVI. 3.
No séc. XIX, depois do reestruturoção napoleónico. 4-5. Vistas da proço actualmente
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2-39. Permanência e transformação das formas urbanas. A Praça do Comércio, antes e depois
do terramoto de 1755, segundo gravuras do época. A adaptação islãmica de uma rua romana
com arcadas, em Damasco
118
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2-41. Evolução do território por factores não humanos: a linha da Costa de Trafaria-Cova do
Vapor de 1843 a 1974. Adaptação da forma da cidade à forma do território: a ocupação urba
na de Lisboa relacionada com o relevo
120
2.7 NívEIs DE PRODUÇÃO 00 ESPAÇO
A prótica do planeamento organiza-se em níveis de actuação determinados pela
pr6pria natureza dos métodos, objectivos e conteúdos, e escala dos problemas e
dimensão geogrófica das intervenções. Níveis de intervenção que são observáveis
nos processos de produção do espaço urbano e correspondem às escalas de leitura
do territ6rio e aos níveis de concepção da forma urbana. Correspondência que
deveró ter em conta que as acções sobre o territ6rio se processam em simultâneo em
diferentes escalas e por mecanismos complexos, simultaneamente diferenciados e inter
ligados.
Parto do princfpio de que qualquer nível de planeamento tem implicações morfo
lógicas. O ambiente frsico é interdependente das condições e sistemas (geográficos,
econ6micos, sociais, administrativos, políticos, culturais e outros) através dos quais se
efectua a acção do homem no territ6rio, sendo do foro do planeamento organizar es
sas forças com o objectivo de transformar o territ6rio.
Todo o planeamento é uma acção que fica gravada no espaço. Mesmo níveis não
físicos, como a programação econ6mica ou demográfica, desembocará sobre transfor
mações espaciais, na medida em que será necessário construir espaços para as activi
dades, os serviços, as infra-estruturas.
Quer isto dizer que qualquer escalão de planeamento tem componentes físicas ar
quitect6nicas explícitas ou implícitas.
Interessa, portanto, clarificar as etapas da prática arquitect6nica desde o estabele
cimento dos programas até ao pormenor da «janela» num edifício.
Tentando sistematizar, distinguiria três níveis de produção do espaço:
121
2. Nível Urbanístico - O Plano
Trata~se seguidamente de precisar os objectivos no espaço e no tempo e de espacia
lizar com maior pormenor a execução dos propósitos anteriores.
Este nível implica já a definição das morfologias urbanas e a consideração das pos
sibilidades frsicas do território. É a fase do plano e do desenha, do trabalho sobre a
«forma urbana». Pressupõe que estejam definidos ao nível precedente os objectivos de
ordem económica, social e política e que sejam posteriormente desenvolvidas e porme
norizadas (no nível seguinte) as indicações do plano.
Este nível assume no desenho urbano a transcrição e resolução de todas as outras
questões postas à disciplina urbanística. O plano não pode ter dois vectores distintos
nem contraditórios o espacial e o socioeconómico e administrativo; é no desenho urba
no que todas estas questões devem estar integradas e resolvidas.
Estas vários operações têm uma finalidade comum que é organizar o território paro
que posso suportar as actividades humanas. São três níveis interligados e autónomos,
que se articulam sobre estratégias políticas, sociais e morfológicas diferentes. Cada ní
vel tem o seu domínio próprio, que não pode ser substituído pelo nível seguinte nem de·
finido anteriormente. Mas todas têm um denominador comum que envolve por aproxi
mações sucessivas a formo do território e de cidade. Desde o inicio que qualquer acção
de planeamento, cada decisão vai comprometendo essa forma: desde as diferentes so
luções espaciais que cada programa permite até ao potencial expressivo de cada sítio,
até às opções de menor escalo, de carácter meramente construtivo.
Seria errado determinar as escolhas socioecon6micas e os politicas territoriais no
campo dos organizÇJções exclusivamente espaciais, e admitiria que, para planificar, é
necessário fixar previamente os objectivos de ordem económica, social e politico. Toda
via a definição espacial desses objectivos é igualmente necessária - é o cimento que
colará os programas e decisões ao território e aos factos construídos.
Ao nível da programação e da planificação, não será possível determinar uma úni
ca solução urbanístico-arquitectónica. A formo do território vai sendo determinada
através das quantidades, das áreas a construir e a libertar, do traçado das infra
122
2-42. Hong Kong. A ocupação do molho urbano reticulado novecentista por um conjunto des
mesurado de construções modernos isolados. Visto do cimo do PEAK, e perspectivas oxonométri·
cas do zona do Hong Kong ond Shongoi Bonk e do península de Kowloon
123
-estruturas em articulação com a paisagem preexistente (rios, lagos, montanhas, flores
tas, praias, etc.), assentamentos humanos e espaços jó modificados. '
Em contrapartida, a intervenção arquitedónica deve começar desde que se trate de
localizar no território as intenções e programas de planeamento. No processo de pro
dução do espaço, os problemas de morfologia e arquitectura situam-se a diferentes ní
veis. Desde a planificação à realização da obra. O encadeamento das operações torna
a hierarquização complexa, mas irreversível. As decisões tomadas a um determinado
nível (ou a uma determinada dimensão) comprometem inexoravelmente as interven
ções a um nível e a uma dimensão inferior... pelo que não é lícito imaginar que um bom
projedo possa salvar um mau programa ou que o projecto arquitectónico possa corri
gir e salvar erros urbanísticos anteriores.
124
125
126
Trata-se de reflectir sobre a prática da arquitectura nos diferentes nfveis de produ
ção do espaço, num processo encadeado a vários nfveis: desenho urbano e desenho
de edifícios não são mais que dois momentos de uma mesma disciplina: a arquitectura,
intervindo em diferentes momentos e com distintos processos (plano e projecto), mas
com um único instrumento fundamental: o desenho. Eserá especificada por um espe
cialista - o arquitecto - que pode intervir a diferentes níveis e dimensões espaciais
como arquitecto planiflcador, arquitecto urbanista e arquitecto construtor -, mas com
um objectivo comum: o domfnio da forma ao território e da cidade como estruturas ffsi
caso Porque é nessas estruturas físicas que vivem os cidadãos e é a estrutura física o que
resta das cidades na sua evolução e transformação no tempo.
127
2.9 EPÍLOGO
Ao longo desta segunda parte, abordei as questões relacionadas com a morfologia
urbana que julguei mais relevantes para compreender a forma da cidade e o processo
da sua formação, mantendo-me na área disciplinar urbanrstico-arquitectónica. Área
que julgo ser de reivindicar como' campo espedfico de trabalho, com os seus conteúdos
e métodos próprios, de grande importância na investigação sobre a cidade. Implicita
mente, fui avançando com convicções e posicionamentos pessoais em numerosas ques
tões, tais como o funcionalismo, a visão estética da arquitectura e da cidade e tantas
outras. O arquitecto não é nem pode ser um espectador neutro das questões que lhe
dizem respeito e nas quais se vai envolvendo e posicionando diariamente no exerdcio
profissional, no estirador e na actividade docente.
Reivindica-se assim o estatuto especffico da arquitectura e da urbanrs,tica como es
trutura e campo disciplinar de bases sólidas. Bases essas que assentam, entre outras, na
Morfologia Urbana e na História, para além de outras ferramentas técnicas e cientr
ficas.
Creio - e esse era o objectivo desta parte - que a discussão sobre a forma da cida
de e, sobretudo, a polémica entre a cidade moderna e a cidade tradicional podem sair
clarificadas pelo que disse. O objectivo fundamental é permitir que o desenho urbano
assente em bases sólidas de conhecimento da cidade e do território, das suas estrutu
ras, espaços e formas, e dos seus processos de formação.
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133
134
135
mum para a produção urbana até ao período moderno. Quaisquer que tenham sido os
processos de crescimento urbano, as regras morfológicas foram constantes e serviram
a diferentes objectivos culturais, estéticos, programáticos e funcionais.
Preparando a argumentação que se segue, tentaria resumir os denominadores co
muns que caracterizam o desenho urbano até ao período moderno:
Este dois aspectos são observáveis nas cidades tal como se formaram até ao primei
ro quartel do século XX e serão abandonados e abolidos na cidade moderna, para se
rem retomados parcialmente nos últimos vinte anos, no «novo urbanismo».
136
137
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A B
138
3.2 A MORFOLOGIA URBANA NA GRÉCIA E EM ROMA
A FORMA DAS CIDADES GREGAS
Falar das cidades gregas implicaria referir a organização social e política da Grécia
e as suas consequências no espaço urbano. As cidades gregas foram inicialmente o lu
gar de concentração de proprietários que organizaram a estrutura urbana a partir das
necessidades de espaço.
O poder dos proprietários será cobiçado por outras camadas sociais em ascensão,
até se atingir o poder dos «tiranos», mais ou menos protectores do povo, e, finalmente,
no século de Péricles, o amadurecimento e consolidação do sistema social e político da
democracia. No século de Péricles, consubstancia-se também a racionalização do es
paço com a organização funcional das cidades e a sua repartição por zonas de activi
dades a que também correspondem características morfológicas diferenciadas, com
particular importância no posicionamento dos edifícios públicos.
Decorrente destas razões político-sociais, não se encontra na Grécia o tratamento
espacial da cidade para a glória e enaltecimento de um poder, uma família ou um rei.
Os espaços públicos significantes estão ligados à religião e ao poder «democrático».
A lógica da formação do espaço urbano apresenta aspectos e princípios que interes
sa reter:
A prioridade dos espaços, edifícios e lugares públicos sobre o tecido residencial de
corre certamente do sistema social. Enquanto os lugares públicos são cuidados e con
centram grande esforço colectivo e artístico, uma regulamentação minuciosa condicio
na o tecido residencial, contendo-o numa grande modéstia. Em Esparta, os regulamen·
tos de edificação chegam a impedir ornamentos nas portas das residências ...
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J-4. Reconstituição da Acrópole de Atenas (lado noroeste) e vistas sequenciais do acesso à Acró
pole. Perspectivos centrois e em escorço dos monumentos
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1. Agor~ norte
2. Delp~inion
3. Agor~ sul
4. Teatro
5. Ginállio
6. Estáttio
7. Agora oeste
8. Huralha-primi iva ~
Templo de Ate as
wn.Mura ha helen stica antiga
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-- Mura ha helenística posterior
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3·5. Plano de Mileto - Ásia Menor em 479 a. C. A quadrícula regular é cortado bruscamente
pelo relevo e murolhos. Os monumentos, edifícios e lugares públicos do centro ignoram a quadrí
cula regular, que se destino à habitação
142
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3·6. Reconstituicão do cidade de Priamo, organizado segundo plano regular A - Agora. B - Tem
plo de Zeus. C - Ginásio. D - Teatr:J. C- Templo de Ateneia. G - Entrado principal. Acrópole de
Pérgama, organizado segundo um esquema orgânico irregular. A - Templo de Trajano. B - Templo
de Ateneia. C - Agora superior. D - Armazéns. E - Quarh~is. F - Palócio. G - Porto principal
143
Pérgamo, requintados efeitos cénicos. São estes exemplos da Ásia Menor que os roma
nos vão copiar, transportando para Roma essas concepções urbanísticas, monumentais
e espectaculares e de grande integração entre o desenho urbano e a arquitectura.
Em Pérgamo, são introduzidas modificações importantes no esquema:.base das ci
dades gregas. O ágora, de espaço público e político, torna-se espaço simbólico. O lu
gar do Poder desloca-se para o palácio, e a rua adquire um valor decorativo.
Desenham-se colunadas e pórticos ao longo das ruas, como elementos decorativos, e
no eixo das perspectivas são introduzidas esculturas e até arcos. É o início da perspecti
va axial monumental, que os romanos utilizariam mais tarde e o Barroco interpretará
de modo singular. Em Pérgamo, a colunada é também cenário.
Estas referências às cidades gregas permitem evidenciar algumas características
desse período: a relação dos monumentos como peças fortes da estrutura urbana com
o tecido habitacional envolvente, regular e uniforme; a utilização da combinação de
geometrias orgânicas com quadrículas regulares; os efeitos de monumentalidade sem
recurso às perspectivas axiais e a valorização do monumento através da leitura em es
corço, perspectiva oblíqua e o seu posicionamento em cota superior à do observador.
Facilmente se verifica que alguns dos pressupostos que dominarão a composição
europeia até aos nossos dias já existiam na Grécia de modo evidente ou embrionário.
144
2 3
3-7. Timgod. Plano do assentamento romano, escavado pela Direcfion des Anfiquifés (Gov. do
Argélia). Fora do perímetro da cidade, vêem-se os subúrbios irregulares posteriores. 2. Planta
tipo de castro romano. 3. Plano de Dogontyo, instalação romana fortificada na Jordânia.
145
fundiárias - a divisão do terreno pelos colonos - quer pela facilidade de construção e
utilização de mão-de-obra, nem sempre qualificada nem inventiva, e à qual se fornece
um esquema predeterminado de fácil assimilação e adaptação às necessidades de
infra-estruturas de sistema viário, de abastecimento de água, esgotos e drenagens plu
viais. A perfeição técnica tem também um substrato religioso na utilização de regras
matemáticas e geométricas: o triângulo de ouro, o número de ouro (o que, de resto, se
repetirá, como em le Corbusier e o «Modulor»).
Éem Roma que se coloca pela primeira vez, e com pleno sentido, a regulamentação
urbanístiéa. Afalta de espaço e de água, as necessidades de defesa e a grande dimen
são obrigam a minuciosos regulamentos que o aparelho jurídico romano codifica e or
ganiza: regras, posturas, interdições e obrigações, produzem um controlo apertado
sobre demolições e construções, circulação, distribuição de água ou crescimento urba
no. Após o incêndio do Campo de Marte, em 64 a. c., é realizado um plano que pro
põe a intervenção do Estado e da iniciativa privada, estabelecendo taxas, isenções e
direitos de construção numa antecipação aos processos de gestão urbanística (7).
O poder imperial faz-se representar através de grandes obras, monumentos e gran
des infra-estruturas. Éa partir do poder político que se operam as grandes transforma
ções urbanas. Em Roma é o imperador que dirige pessoalmente as novas construções,
arcos do triunfo, equipamentos como o mercado de Traiano, ou a residência imperial.
O «zonamento» é já consequência de hierarquia social e de técnicas de organiza
ção urbana. Aprocura de espaço e a necessidade de expansão induzem a construir em
altura: as insu/ae atingem os seis andares e substituem os domus - de um único piso.
A organização da cidade tinha também em conta a preparação dos lugares públi
cos para multidões: o Circus Maximus contem 400 000 lugares; constroem-se os tea
tros, as termas, os mercados, os circos, numa escala e dimensão antes desconhecidas,
que desaparecem com o Império Romano e s6 voltam a existir com as exposições uni
versais, os estádios olímpicos e os grandes equipamentos públicos nos séculos XIX e XX.
É aos romanos que se deve a invenção da «obra de arte» ou inrra-estrutura utilitá
ria: a ponte, o aqueduto, o canal, são os exemplos mais evidentes. Estas obras de ar
quitectura e engenharia fazem o sítio, constroem a paisagem e, com o tempo, tornam
-se monumentos no sentido pleno do termo.
Nos Gregos, a procura de integração entre a arquitectura e a natureza comanda o
acto de construir. O sentido do grandioso e do monumental na arquitectura é romano.
~raduz o Império e a forte organização político-social, capaz de colonizar o mundo.
A delicadeza e subtileza da arquitectura e urbanismo gregos contrapõe-se a monu
mentalidade romana, demonstrativa de força, capacidade técnica e realização. Gre
gos e Romanos representavam já no essencial os modelos possíveis de diálogo do edifí
cio com o sítio: por integração ou por afirmação.
146
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3-8. Reconstituição do centro de Roma - maquetá e plano de localização dos conjuntos monu
mentais e edjfkios públicos. Aorientação da maqueta e do plano é idêntica para permitir a com·
paração
147
Algumas categorias de espaços e de elementos morfológicos são já utilizadas com
significado próprio na Grécia e em Roma: a rua, lugar de comércio, de circulação; a
praça - lugar de encontro cívico-social, lugar nobre e de prestígio, quer se chamasse
ágora ou forum; o monumento, a obra de «engenbaria», de infra-estrutura - como
elemento morfológico preponderante na estrutura e na imagem da cidade.
O espaço romano é concentrado e maciço. A monumentalidade é obtida pela satu
ração de construções pela sua dimensão excepcional. É o crescimento por «acumula
ção» (8) de volumes, de edifícios que comprimem o tecido urbano, sem a ideia prévia de
relações espaciais dialécticas, como na Grécia. A utilização sistemática de formas cir
culares - meios cilindros, cilindros completos, círculos, esferas - produz imagens de
grande intensidade arquitectónica, mas que não dialogam por continuidade. A Roma
Imperial quase resulta num caos de grandes e monumentais edifícios ocupando o terri
tório e comprimindo-se mutuamente.
148
149
150
Destas diversas origens decorrem modelos urbanos diferenciados, mas cuja morfo
logia tende, com o tempo,' a assemelhar-se. O crescimento e a instalação de novas fun
ções, como as ordens militares e religiosas, conduzem a uma sobreposição de traça
dos: aos restos do traçado ortogonal romano vai sobrepor-se o traçado radiocêntrico
da Idade Média. Mudanças funcionais, falta de espaço dentro do perímetro amuralha
do, dificuldades na obtenção dos materiais de construção, levam a cidade medieval a
utilizar os restos das antigas cidades romanas: pedras de templos e edifícios.
Asobreposição de traçados e de construções realiza-se sem uma ordem predefinida
e com pontos de apoio nos eixos que ligam as cidades, estradas de passagem, portas
das muralhas, pontes sobre os rios, etc.
Assim, a formação da cidade medieval vai processar-se organicamente por desen
volvimento das antigas estruturas romanas ou pela fundação de cidades novas organi
zadas segundo um plano regulador.
No primeiro caso, a estrutura original romana perde-se durante séculos de abando
no e não é totalmente retom.oda na reocupação, porque 'a quadrícula se revela de pou
ca utilidade. O aspecto final· é de aparente desordem, muitas vezes favorecida pela to
pografia do terreno, que desaconselha os traçados geométricos.
Adisposição dos traçados medievais também corresponde à divisão do terreno em
loteamento que se vai sobrepor às ruínas e restos dos assentamentos anteriores. Aope
151
AS MURALHAS
Quase todas as cidades possuíam as suas defesas, compostas de muros, torres, fos
sos e muralhas. As muralhas são o seu perímetro defensivo e, simultaneamente, sepa
ração com o campo e o mundo rural. Por razões de espaço, a cidade concentra-se até
ser necessário alargar o seu limite e construir novas muralhas que englobam as expan
sões. Assim se formam os anéis sucessivos de construções e de sistemas defensivos. A
muralha delimita a cidade e caracteriza a sua imagem e forma.
AS RUAS
A rua é o elemento base do espaço urbano medieval e vai preencher quase todo o
interior do perímetro urbano. São concebidas para se andar a pé ou com animais de
carga. Servem a circulação e o acesso aos edifícios. A pa:,imentação é já utilizada fre
quentemente a partir dos séculos XI e XII. Ligados aos sistemas de rua, encontram-se os
edifícios com as suas fachadas de grande valor comercial, já que os pisos térreos são
ocupados por lojas. A rua é também extensão do mercado e nela se negoceia, compra
e vende. As ruas delimitam quarteirões, que se subdividem em logradouros e em edifí
152
153
OS EDIFíCIOS SINGULARES
O QUARTEIRÃO MEDIEVAL
154
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3-11. Braga medieval, 1594 - extraída da livra Cívitates Orbis Terrarum de Georges Braun
(1542-1600). Vistas de Castela Branca, Idanha-a-Nava e Penomocor, segundo Duorte d' Armas
155
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PORTAS:
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te demolida, da fundaça
2. de O. Manuel I - ostent
do Rei, terá sido abert
3. da Afeição - de origem,
de beneficiação em 1273
de Afonso III. Foi demo
Um dos torreões foi dem
mente com o ediflcio da
nos anos 30 do nosso sé
4. do Buraco - apesar do n
também de origeml
5. 00 postigo, ou dos Mour
seguramente na época Ar
constituido apÕs a reco
porta de acesso princip
6. Porta Nova - junto ao t
extremo poente da mural
mente tapada no seu lad
aterros sucessivos e no
edificações, serviria d
fonte do cano e áreas a
anexas;
7. Porta da Vila Fria - Da
horta da Bela Fria, foi
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8. Porta dos Pelames - loc
ao rio, na Calçada de O
ainda hoje vestlgios de
9. Porta de S. Brás - Na m
da do rio, teri sido co
séc. XV ou XVI, sendo d,
1862.
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construido no reinado di
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muralhas em 1883, sendo
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analise
3 evolução, histórica e
3- 12. Reconstituição dos muralhas árabes e medievais de Taviro, segundo o estudo do Plano do
Centro Histórico - atelier Carlos Duarte-José lamas
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3-13. 1. Planta actual de Serpa, com o núcleo medieval a tracejado, As muralhas medievais deli
mitam o anligo castro romano. Aos traçados romanos do Cardus e Decumanos Maximos, mais ir
regulares devido à topografia, sobrepõem-se os distorções medievais. 2. Aosta - plano do anti·
ga cidade romana e da cidade medieval sobreposta ao traçado romano. Desenho de Stübben re
produzido por Unwin
157
•*.
Sobre estes elementos morfológicos da cidade medieval muito haveria para dizer,
mas basta registá-los pela importância que tiveram na formação do espaço urbano eu
ropeu. Com efeito, a forma urbana medieval vai permanecer nas cidades europeias e
servir de referência na medida em que irá «simbolizar» a estrutura orgânica.
Adiversidade de formas e imagens assim obtidas produzirá efeitos cénicos,volumé
tricos e visuais muito diversificados, os quais Sitte designaria de «pitorescos» (10).
Todavia há que esclarecer se o planeamento urbano medieval terá sido fruto do aca
so ou pe prindpios de urbanismo aplicados ao crescimento orgânico.
Vários autores são contraditórios sobre esta matéria. Para Morris, exceptuando as
«decisões colectivas tomadas ocasionalmente e para os grandes problemas urbanos»,
existem escassos documentos que possam comprovar um planeamento e decisões sobre
traçado e estética no dia-a-dia do crescimento urbano medieval. Terá sido, de resto,
nas cidades medievais italianas que as preocupações estéticas mais se fizeram sentir.
Contrariando esta tese, Mumford (111 escreve com entusiasmo que já na Idade Mé
dia se prolongaria uma rua para embelezar a cidade ou descobrir uma nova perspec
tiva, exemplificando o interesse dos cidadão~ pela arquitectura e pela cidade, ao esco
lherem os pilares da catedral de Florença.
A questão só tem resposta nos resultados espaciais e visuais da cidade medieval,
que apresentam grande riqueza na organização e sequência de percursos e nas vistas
e perspectivas das massas construfdas.
158
3·14. Óbidos. Planta com o núcleo medieval, as muralhas e a expansão posterior. Vista tirada
das muralhas para o castelo. Planta da praça da igreja, e mercado com o muro de suporte
159
Quero com isto dizer que me parece de excluir o «acaso» no urbanismo, quando os
resultados são estética e formalmente válidos. Admitiria que não existiram regras estéti
cas (no sentido definido a partir do Renascimento) que determinassem o desenho urba
no. Mas existiram, sem dúvida, outras regras, aplicadas ao modo de colocar edifícios,
aos processos construtivos, à unidade de materiais e formas. Esse conjunto de regras
aplicadas diariamente como prática de construir conduziria a qualidade estética e ar
quitectónica, garantindo a coerência da imagem da cidade medieval.
O espaço e morfologia urbanos medievais serão uma referência importante em al
guns períodos da história do urbanismo, servindo de modelo para a diversidade espa
cial e animação em novas urbanizações.
Camillo Sitte, em 1889, terá sido dos primeiros a interessar-se pelo desenho urbano
medieval ao publicar Der Stadtebau nach seinen Kunst (12), Criticando o desenho urba
no dos planos alemães e austríacos seus contemporâneos, que acusa de excessiva su
bordinação aos problemas técnicos e de tráfego e de desatenção pelos resultados am
bientais e estéticos, as propostas de Sitte partem da análise da cidade medieval para
revalorizarem a composição orgânica. Sitte recusa o edifício isolado, as linhas rectas,
as grandes perspectivas, a uniformidade geométrica dos planos, e os regulamentos
ubanísticos abstractos. Em contrapartida, baseia-se na exploração das particularida
des topográficas, nas relações de escala e de assimetria, na volumetria diversificada
no fundo, aquilo que «tendenciosamente» procura ver na cidade medieval.
Pela sua sistematização, quase receituário de fórmulas espaciais, as propostas de
Sitte aplicavam-se, sem dúvida, à pequena escala, à rua e ao bairro, mas tornavam-se
inoperantes ao afrontar os problemas da grande cidade novecentista.
Anãs mais tarde, Unwin, em Town P/anning in Pratice (13), recoloca noutros moldes al
guns valores espaciais da cidade medieval - a perspectiva fechada, a variação volumé
trica, a escala humana -, que seriam introduzidos nos espaços de Letchworth e We/wyn.
A «tentação medieval» - identificada com a urbanística orgânica - surge em di
versos períodos, servindo a recusa do racionalismo e do traçado geométrico.
Além do mais, a conservação até aos nossos dias de muitos centros históricos medie
vais torna-os elementos disponíveis para a reflexão sobre o desenho da cidade.
Assim, a morfologia da cidade medieval não pode ser esquecida no estirador da
prática profissiona.!, como um dos «modelos» de composição do espaço. Porém modelo
difícil de utilizar, na medida em que será difícil recriar só pelo desenho a complexidade
visual e formal construída por sedimentação e acumulação durante séculos.
Como escreve Zevi (14), «a partir do final da Idade Média perdeu-se o gosto pela li
berdade geométrica - que coincidirá simbolicamente com o gosto pela liberdade tout
court. Um edifício como o Pa/azzo Vecchio, em Florença, ou a Praça do Campo, em
Sienna, parecem actualmente pertencer a outro planeta.
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3·16. Análise do espaço urbano medieval de Bults/ed/ por Unwin no Town Plonning in Proc/ice
162
3-17. 5ienna. Planto do cidade no $éc. XVI e planto do Praça do Compo e vi$to aéreo
163
164
3-18. Desenhos de Zevi em II Linguaggio Moderno deli Archifeffura. 1. Com a régua e o esqua·
dro, o estirador e máquina de desenho, é difícil e extenuante reproduzir um episódio urbano co
mo a Piazza dei Campo, em Sienna. Com esses instrumentos. concebem-se apenas arquitecturas
escatológicas, facilmente representáveis com o mecanismo do sistema prospectivo. 2. Armado de
régua e T, o arquitecto já não pensa arquitectura, mas apenas o modo de a «representar•.
Demonstra-o a linguagem prospectiva, constringindo-o a projectar em termos de prismas e or
dens prismáticos sobrepostas, quer sejam os dos palácios renascentistas ou do horrendo e grotes
co Coliseu Quadrado da EUR em Roma
165
3·19. Cenórios urbanos dos pinturas do Renascimento. Pinturas em tóbuo atribuídos o Piero dei·
lo Francesco
166
167
dades sempre existentes nas realizações urbanas. Aparecem numerosos tratados de ar
quitectura, de desenho e de construção de cidades (18},
Do século XV em diante, o desenho de arquitectura, as teorias estéticas e os princí
pios de urbanismo irão obedecer a ideias semelhantes - sendo a principal O desejo de
ordem e disciplina geométrica. Énítido o contraste com a irregularidade urbana medie
val, mesmo quando esta procede de um plano regular. Em «discursos., tratados, es
quemas, projectos e realizações, a forma da cidade é subordinada à unidade e racio
nalidade. Para Alberti (19), a cidade deve constituir-se com o objectivo do p"razer auste
ro da geometria. A forma radioconcêntrica consubstancia esta perfeição geométrica,
como na proposta de Filarete (20), em que radiais ligam as portas da cidade ao seu
centro-praça - lugar dos edifícios públicos. Aforma radiúconcêntrica é objecto de nu
merosas especulações renascentistas que a perfilham para o traçado da «cidade ideal».
Aintegração entre arquitectura e urbanística existirá desde o início do Renascimen
to até ao século XIX. Todavia a arquitectura absorve primeiro as novas ideias nas reali
zações, enquanto o urbanismo se desenvolve apenas em termos teóricos, desde a con
cepção da cidade ideal aos tratados de arquitectura e desenho de cidades (21).
Aaplicação dos princípios renascentistas à urbanística foi condicionada pelo cresci
mento demográfico, e transformações de renovação e intervenção no casco urbano.
O tamanho contido da cidade medieval não oferecia de início possibilidades de in
tervenções em grande escala.
No início do Renascimento, a Europa não necessitava de novos núcleos, dada a ar
madura territorial urbana que se havia constituído e completado na Idade Média. Só
do Renascimento (1500-1600) se criaram novas cidades por razões militares, como Pa/
ma Nuova, Neuf-Brisach e Almeida, ou de poderio e prestígio como Ville-Riche/ieu, aí
se aplicando os princípios urbanisticos renascentistas.
A urbanística renascentista vai de início manifestar-se em alguns campos específi
cos: construção de sistemas de fortificações; modificação de zonas da cidade com a
criação de espaços públicos ou praças e arruamentos rectilíneos; reestruturação de ci
dades pelo rasgamento de nova rede viária; construção de novos bairros e expansões
urbanas, utilizando quadrículas regulares (o Bairro Alto, em Lisboa).
Benevolo situa na expansão renascentista de Ferrara, «desenhada» por Biaggio
Rossetti, a primeira manifestação de «urbanismo moderno» (22). Outros autores conside
ram a Via Nuova; em Génova, em 1470, a primeira obra de urbanismo renascentista,
pelo ordenamento consciente de edifícios, ao longo de uma rua rectilínea.
A partir de finais do século XVII, todas as realizações serão influenciadas pelo Re
nascimento. AEuropa entra em definitivo numa nova era cultural e estética cujos princí
pios no campo urbanístico e arquitectónico só seriam definitivamente abandonados no
século XX, com o Movimento Moderno.
168
3-20. Cidades ideais renascentislas. 1. Cidade ideal por Vitruvia (descrito, mas não desenhado)
- reconstituição. 2. hlarete- Sfarzinda no Tralado d'ArchiteHvra, 1457-1464. 3. Pielro Cato
neo - ArchiteHvro, 1554, 4, Donieli Barbado - Oieei Libll del/'ArchiteHvra, de M. Vitruvio,
1567. 5. Buonoiuto Lorini - Delle Fortificazione Libra Cinqvi, 1592. 6. Vicenzo ScamoZZl -
L'Ideal del!'ArchileHvro Universole, 1615. 7. Scamozzi -- Palmo Nvovo, 1593, a única projecta
da e realizada (desenho de Scomozzi e vista aerea)
169
Todavia será errado assimilar um tão longo período a uma unidade estética e cultu
ral contínua, e só por comodidade de apresentação de ideias será lícito agrupar perío
dos tão distintos como o primeiro Renascimento e a segunda metade do século XIX.
Entre a arquitectura e o urbanismo do primeiro Renascimento e o Barroco e o Clás
sico dos séculos XVIII e XIX existem diferenças profundas, embora existam também uma
interligação e um fio condutor.
Wolfflin sintetizou com grande vivacidade a diferença entre o Renascimento e o
Barroco:
«... Em contraste com a arte do Renascimento, que tende à permanência e imobili
dade de todas as coisas, o Barroco manifesta, desde o seu início, um grande sentido
de direcção e movimento (...). A arte do Renascimento é a arte da calma e da bele
za ... as suas criações são perfeitas; não revelam que nada foi forçado ou inibido,
nem inquietação ou agitação. Não estamos equivocados se vemos nesta calma e sa
tisfação celestiais a mais alta expressão do espírito artístico desta época. O Barroco
propõe operar de outro modo. Recorre ao poder da emoção para comover e subju
gar com a força do seu impacte; tende a dar uma impressão instantânea, enquanto
o impacte de uma obra do Renascimento é mais suave e lento, e também mais dura
AS FORTIFICAÇÕES
Seria restritivo falar apenas de muralhas. A evolução das técnicas militares e a ge
neralização do canhão tornam obsoletas as muralhas medievais. As estratégias de de
fesa vão apoiar-se em muralhas e na distância entre o sistema de fortificações e a cida
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3-21. Almeida: a fortificação cidade medieval fortificada no séc. XVII. Vista aérea e plano.
Mouro: as fortificações do séc. XVII. O desenho do modelo teórico e plano da adaptação à situa
ção real, segundo desenho de 1657
171
de que deveria obrigar o assaltante a parar antes que os seus canhões pudessem atin
gir a cidade. Assim se criaram complexos sistemas de fossos, rampas, baluartes e mura
lhas, segundo técnicas que Vauban desenvolveria e sistematizaria no século XVII (24).
Aeficácia destes sistemas defensivos altera a estrutura urbana. Enquanto a muralha
medieval podia ser substituída em anéis concêntricos, o sistema de fortificações renas
centista é estático, custoso e pesado, impede o crescimento da cidade e comprime-a,
com consequências na elevação das densidades.
Aforma da cidade renascentista é muito condicionada pelas fortificações, que assu
mem grande importância física e visual. Elvas ou Almeida demonstram esta questão.
A importância das fortificações vai estender-se até ao século XIX, embora com siste
mas e processos diferentes. No cerco de Paris, em 1871, os prussianos são detidos por
linhas defensivas... quase no final do século XIX.
Mas nessa época já os sistemas defensivos são transformados, enquanto a evolução
das estratégias militares irá transferir as batalhas do cerco às cidades para o campo
aberto e tornando as muralhas obsoletas.
A outro nível, a concentraçõo humana motivada pelas necessidades de defesa irá
condicionar os modos de vida dos habitante\ favorecendo a urbanidade e a vida so
cial.
A RUA
172
173
identidade entre o traçado e as fachadas dos edifícios que o marginam. Através do de
senho das fachadas, que em muitos casos se repetem com ordem e disciplina, o traçado
adquire grande unidade e intensidade estética. Torna-se o elemento gerador da forma
das cidades, hierarquizando-se pela sua importância funcional e perfil.
As árvores passam também a ser utilizadas no traçado por razões funcionais, climá
ticas e estéticas.
O grande traçado barroco que une pontos da cidade é delimitado pelas fachadas
dos edifícios e integra arborização, sendo pontuado pelos monumentos.
A PRAÇA
174
3-23. Praças em Paris, segundo os desenhos em perspectivo do P/an de Turgot. 1. P/ace Vend6
me, projecto de Jules Hardouin - Mansart, 1689 (e planto do época). 2. A P/ace Dauphine orga·
nizada .no interior de um quarteirão•. 3. A P/ace Rora/e (P/ace des Vosges) , realizado em
1605·1612. 4. A P/ace des Victoires, desenhado por J. Hardouin Mansard em 1687
175
A praça é entendida como um recinto ou lugar especial, e não apenas um vazio na
estrutura urbana. É o lugar público, onde se concentram os principais edifícios e monu
mentos - quadro importante da arte urbana. A praça adquire valor funcional e
político-social, e também o máximo valor simbólico e artístico. É a praça o elemento
básico da energia e criatividade do desenho urbano e da arquitectura. A praça é tam
bém cenário, espaço embelezado, manifestação de vontade política e de prestígio.
As praças podiam ser delimitadas por edifkios públicos, por igrejas ou edifícios
religiosos, por filas de habitações ou palácios. Eram lugares de cenário urbano e deco
ração, suporte e enquadramento de monumentos (obeliscos, estátuas ou fontes), e
também lugares de vida social e de manifestações do poder. Tinham por vezes rázões
meramente estéticas: A P/ace A/bertas, em Aix-en-Provence, ou o caso das praças na
Rua do Século (27), no Bairro Alto. A P/ace A/bertas foi desenhada para servir de enqua
dramento e «respiração» ao palácio do mesmo nome, e é apenas uma «fachada» que
recobre edifícios cuja profundidade nalguns pontos atinge só 2 a 3 metros.
As praças da Rua do Século são também cenários para os palácios fronteiros.
A P/ace des Vasges (inicialmente P/ace Raya/e) é outro exemplo da conjugação de
fins utilitários com a arte urbana: resolveu um programa habitacional e teve logo fun
ções recreativas, sendo afastada do tráfego, num exercício de desenho notável (2 8l,
A FACHADA
A necessidade de ordem visual no espaço urbano terá nascido em Itália, como uma
das primeiras manifestações do Renascimento, ou, se se quiser, da influência do passa
do romano. Sabe-se que, em Sienno, após a conclusão da Câmara (1310-1344), se de
cretou que as restantes construções na Praça do Campo deviam ter janelas semelhan
tes. Retomava-se uma preocupação que os romanos já haviam manifestado ao unifica
rem o forum de Pompeia com uma arcada igual que sustentaria edifícios diferentes.
Essa preocupação, esquecida na Idade Média (pelo menos fora da Itália), é reto
mada com o Renascimento. A fachada dos edifícios vai autonomizar-se como elemento
do espaço urbano, quer pelo cuidado no seu desenho e organização (como símbolo de
prestígio, nobreza e poder) quer como elemento da própria composição urbanística.
Os princípios arquitectónicos renascentistas são aplicados às fachadas como obras
pictóricas, na busca do equilíbrio, desenhado através da simetria, proporção e ritmo.
A fachada ostentará uma ordem intelectual abstracta e métrica no primeiro Renas
cimento, sensorial e exuberante no Barroco e no Rococó, autonomizando-se em rela
ção ao próprio edifício, justificando sacrifícios interiores, para que a construção não fu
ja aos cânones de beleza, proporções e ritmos de estética clássica.
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OS EDIFíCIOS SINGULARES
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3·26. Posicionamento dos igreios açorianos na estrutura urbano. Ribeiro Grande. 1. Igreja do
Espírito Santo. 2. Igreja de S Francisco e hospital. 3. Motriz. 4. Igreja da Conceição
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3-27. Roma Barroco. O plano dos arruamentos de 1748, e gravura do séc. XVII mostrando o
troçado que conduz à Praça de S. Pedro. Desenho do Praça de S. Pedro, segundo Comillo Sitte
no Stadtebau
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3·29. Angra do Heroísmo. Acidade constituído nos séculos XVI e XVII, segundo os princípios re·
noscentistas. Troçados regulares e colocação dos monumentos. 1. Angra, segundo levantamento
do séc. XIX. 2. Planto actual do cidade com o localização dos principais monumentos - igrejas e
conventos
183
o edifkio singular torna-se peça do sistema urbano e autonomiza-se até ser ele pró
prio gerador da forma urbana.
Recordo as igrejas açorianas, situadas em pódio/praça com escadaria, em escorço
e recuadas em relação ao traçado, num efeito de grande monumentalidade.
Esta característica irá perdurar em todo o período clássico até à urbanrstica formal
do século XX, mergulhando ainda no Movimento Moderno.
o MONUMENTO
Peça individual, arquitectónica e escultórica, com posicionamento destacado e ge
rador de forma urbana, o monumento é, de certo modo, uma invencão renascentista.
Situação semelhante já havia existido na Grécia e na Roma antiga, o que é lógico,
se considerarmos a continuidade que o Renascimento pretende estabelecer com esses
períodos. São, de resto, algumas esculturas romanas que os homens do Renascimento
irão utilizar como monumentos: a estátua equestre de Marco Aurélio, na Praça do
Campídoglío, a coluna de Troiano, e outros.
A escultura, o obelisco, a fonte, o arco do triunfo, serão utilizados como meio de
embelezamento urbano, por vezes unindo-se a uma necessidade utilitária - como a
fonte e o chafariz -, ou apenas com significações religiosas, sociais, políticas e cultu
rais.
Mesmo quando o ponto de partida é utilitário, como na fonte ou no chafariz, a obra
realizada transcende largamente essa função. Poete e Rossi (29l, dão-nos o entendimen
to que o Renascimento e o Barroco têm do espaço urbano, como lugar de obras signifi
cantes e simbólicas. Esta atitude, que se desenvolve após a Idade Média, jamais será
abandonada pela urbanística e pela arquitectura.
Todavia o que distingue a atitude do Renascimento e do Barroco é o carácter confe
rido ao monumento na determinacão da forma urbana. O monumento não se destina a
«mobilar», completar o espaço ou'encher um vazio. É gerador do próprio espaço urba
no, sem o qual perderia boa parte da sua razão de ser. As praças são pontuadas com
monumentos, ma~ estes fazem parte integrante da praça e da sua significação.
A partir do Renascimento e do Barroco, a forma da cidade europeia será desenvol
vida e aperfeiçoada até hoje. A cidade não será apenas o lugar de vida e abrigo dos
hubitante, mas também o campo de actuação político-social, o lugar de significações e
da ostentação do poder.
Nesses objectivos, o monumento desempenhará um papel da maior importância co
mo elemento autónomo e com importância própria na forma urbana.
184
3·30 Cidades coloniais portuguesas 1. Planta do Recife, segundo carta do séc. XVII. 2.
Projectos de fortificação da cidade de Belém do Pará executados no final do séc. XVII
185
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3·32. Cidades coloniais portuguesas. Desenho do cidade de Diu e fortificações no séc. XVII.
Perspectivo aéreo e visto
187
o QUARTEIRÃO
A partir do Barroco, o quarteirão vai atingir maior refinamento. Torna-se uma figu
ra planimétrica delimitada por vias e que se subdivide em lotes e edificações - cum
prindo a divisão fundiária do solo - e organização geométrica do espaço urbano.
O quarteirão vai assumir formas, dimensões e volumes diferentes, consoante o seu po
sicionamento na estrutura urbana, em duas situaçãoes: a primeira, como resultado in
tersticial ou resíduo «ocasional» dos traçados, assumindo formas irregulares; a segun
da, corresponde à utilização do quarteirão como elemento morfológico-base, gerador
do espaço urbano, por repetição e multiplicação.
No primeiro caso, situaria os quarteirões das cidades ideais dos arquitectos renas
centistas, de Filarete a Cataneo (30), e as suas concretizações mais aproximadas, como
as cidades novas (Naarde, Almeida ou Palma Nuova); os quarteirões do Bairro
Alto; os quarteirões resultantes dos traçados barrocos em Roma; ou, mais tarde, os
quarteirões da Paris de Haussmann. Neste exemplos, o quarteirão adquire formas
irregulares para organizar espaços regulares no tecido urbano, como as praças e
as vIas.
No segundo caso, situaria realizações como a Baixa Pombalina, as cidades novas
de colonização anglo-saxónica e francesa na América do Norte, ou de colonização
portuguesa e espanhola na América do Sul. O quarteirão é aí um elemento da quadrí
cula repetível com a mesma geometria e dimensão - seguindo a tradição de Mileto.
É uma unidade-base elementar que, por repetição e extensão, formará a cidade.
Em ambas as situações, o quarteirão será sempre ocupado na periferia por constru
ções, embora possa variar na capacidade e espaço livre interior. Consoante os casos, o
interior permanecerá livre ou ocupado por hortas e jardins (como no Bairro Alto), con
tinuando a tradição medieval de espaço semipúblico; ou quase desaparece para dar
lugar a um «saguão», como na Baixa Pombalina, em que o quarteirão quase se identifi
ca com o edifício, embora dividido em partes cadastrais. Noutras situações, é o próprio
quarteirão que serve para gerar espaços urbanos - como na Place Dauphine, em Pa
ris -, uma praça dentro de um quarteirão; o quarteirão pode também ser ocupado
por um único ediHcio, palácio, equipamento ou igreja.
O quarteirão torna-se um elemento de composição da cidade, um sistema a três di
mensões, mais complexo e figurativo do que o simples loteamento.
Quadrícula e quarteirão organizam o cadastro e a forma urbana; tornam-se um
meio universal e experimentado de desenho urbano e adptam-se às mais variadas si
tuações morfológicas e topográficas.
188
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3-33. Bairro Alto - Lisboa. Planto actual indicando troçados, quarteirões e lotes. A escuro, os
duas praças de «aparato» no Ruo do Século
189
OS QUARTEIRÕES DO BAIRRO ALTO
Realizado no século XVI por loteamento de uma propriedade fora das Muralhas
Fernandinas, o Bairro Alto é a primeira realização urbanística renascentista em Lisboa.
Éum bairro geometrizado, com uma estrutura reticular, só de traçados/ruas e sem pra
ças (certamente pela sua situação fora de portas).
Éhabitado pela nobreza, burguesia e homens do mar. Perto do porto, desafogado
em relação à labiríntica Lisboa medieval, torna-se lugar de prestígio habitacional.
O traçado renascentista desenvolve-se numa malha ortogonal N/S e E/O, a qual se
desfaz perante os grandes declives e diferenças de cotas e barreiras a Este.
A regularidade dos traçados define um conjunto de quadriláteros subdivididos em
lotes e com logradouros no interior. Ainda hoje, estes espaços livres servem de descom
pressão às estreitas ruas, dando respiração à estrutura habitacional. Na sua simplici
dade de traçado, a estrutura do Bairro Alto é já diferente da Lisboa medieval e repre
sentou, para a época, um grande progresso nas regras de composição espacial.
190
3·34. O Plano de Eugénio dos Santos e Carlos Mordei escolhido paro a reconstruçõo da Baixa
de Lisboa. Praço do Comércio em 1878 com o orca da Ruo Augusto ainda em construçõo
191
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3-35. Desenho dos fachadas normalizados poro os edifícios do Baixo, segundo desenhos de Eu
génio dos Santos e Carlos Mordei
192
3·36, Visto aéreo do Praca do Comércio - Lisboa e aspectos dos edifícios e ambientes do Baixo
193
surgir mais tarde no século XX. O quarteirão da Baixa é, antes do mais, o elemento da
composição urbana, no volume, cércea, dimensão e estrutura arquitectónica, eviden
ciando a orginalidade do plano de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel.
ESPAÇOS VERDES
Finalmente, não poderei deixar de referir a árvore e o espaço verde, desde a ala
meda ao jardim e ao parque, como elementos de composição da cidade.
A evolução e o requinte no modo de viver introduzirão a árvore na cidade, propor
cionando a invenção de novos tipos espaciais: o recinto arborizado, o parque, o jar
dim, o passeio e a alameda, como espaços de recreio e novas práticas sociais.
Éno período clássico barroco que se estrutura a arte da jardinaria como um campo
específico de arquitectura da paisagem e de organização territorial. Com os elementos
vegetais - a árvore, os canteiros, as plantas e os prados -, apoiados em elementos
construídos - muros, balaustradas, esculturas - realizam-se grandes composições de
domínio da Natureza que atingem uma qualificação nunca mais conseguidos.
A urbanística adquire novos instrumentos na utilização dos elementos vegetais e na
ampliação do seu território de intervenção dos jardins e parques, ao interlond palacia
no e urbano, às florestas de caça e ao ordenamento do espaço não construído. Como
referi, esta atitude vai imprimir à Natureza os mesmo atributos culturais e estéticos que
à cidade, dando-lhe forma e conteúdo cultural e estético, e está na génese da manipu
lação da paisagem como objecto estético.
OUTRAS TIPOLOGIAS
194
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3-37. Versailles. O plano de Le Nôtre. no final do reinado de Luís XIV, com os troçados dos jor
dins e florestas. Gravura de Pierre le Pautre
195
3-38. Troçados de jardins portugueses.
1. Planto de jardins do Palácio Fronteiro. S. Domingos de Benfica - Lisboa (séc. XVII). 2. Planto
do Quinto dos Laranjeiras - Lisboa (séc. XVIII). 3. Jardins do Marquês de Pombal em Oeiros
(séc. XVIII). 4. Planto dos jardins do Poço Nocional de Belém (séc. XVIII) - Lisboa
196
3-39. Etapas do desenho urbano clássico em Aix-en-Provence. 1. Quartier Mazarin - bairro do
nobreza e da burguesia mondado troçar pelo Cardeal Mazorin. 2. O Cours Mirabeau - como
espaço de transição entre o Quartier Mazarin e a cidade medieval, já com as muralhas destruí
dos. 3. A formação do Rotunda no final do séc. XIX
197
básica é semi-elíptica, de 155 metros no eixo maior, abrindo-se sobre um prado e um
pequeno bosque mais adiante. Uma via, no limite do prado serve as fachadas, enquan
to, outra, nas traseiras, assegura o serviço dos bens.
Os edifícios, o prado e a zona verde são os elementos compositivos do crescent.
O circus é um recinto espacial de forma rigorosamente circular. Porém é um recinto
com jardim central.
O square é também uma inovação do século XVIII. Não é uma praça propriamente
dita, mas um jardim ou pequeno parque delimitado por construções nos quatro lados.
Poder-se-ia encontrar as origens do square na Place des Vosges, construída em Pa
ris no final do século XVI. Asua utilização no urbanismo anglo-saxónico do século XIX e
na Paris de Haussmann propiciará uma resposta a necessidades de conforto ambiental
e formas de vida urbana, atenuando as densidades excessivas.
O crescent, o circus ou o square serão sistemas complexos de construção e áreas
verdes ligados à burguesia e aristocracia inglesa, a que o estilo clássico e a utilização
das lições de Palladio vêm emprestar um notável requinte arquitectónico.
Poderia situar aqui o início da «destruição» do quarteirão, não fora a persistência
das relações entre edifício/fachada/espaço urbano, e não fora a falta de continuidade
e evolução destes modelos.
***
198
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3·40. Novos formas urbanas - 80th em 1810 - o crescent e o circus, o square, e os traçados
dos finais do séc. XVIII. O crescent e o circus de 80th à mesma escala, segundo Auzelle. O traça
do de Regent's street em Londres por Jonh Nash, em 1813. Uma estrutura mais complexa do que
o traçado barroco rectilíneo une o Regent's Park ao st. James Park
199
Em quase todas estas situações, a composição da cidade irá atender a alguns princí
pios de desenho essenciais para a determinação da forma urbana:
• A simetria que condiciona a distribuição funcional do programa e das massas cons
truídas, de modo a constituir uma composição equilibrada em relação a um ou mais
eixos e planos.
• A subordinação da composição urbana aos efeitos espaciais e às perspectiva. Esta
será mais do que um elemento técnico de representação espacial- tornando-se ob
jectivo da própria concepção, comandando o desenho urbano.
• A perspectiva fechada através do monumento ou edifício isolado. Sixto V, em Roma,
marca os pontos de fuga das vias - e assinala o centro de praças e espaços públicos
com obeliscos e monumentos. O monumento deixa de ser apenas um marco social,
político e cultural, para constituir tombém parte integrante do desenho urbano.
• Integração e subordinação dos edifícios a um conjunto urbanístico projectado como
um todo. Cada edifício subordina-se à regra do conjunto, embora possa conservar a
sua individualidade.
Este conjunto de princípios irá perdurar no urbanismo europeu até ao século XX.
O período barroco será o mais marcante, já pelas suas vastas realizações, já pela in
fluência decisiva que terá na cidade burguesa dos finais do século XIX, como na Paris
de Haussmann ou na Barcelona de Cerdá. Mais tarde, na Urbanística da escola france
sa do início de Novecentos, se encon'trarão fortes heranças do Barroco. Até hoje na ac
tualidade muitos arquitectos detêm fortes referências desse período. Ainda aqui são
inegáveis as contribuições do Barroco para as cidades onde vivemos, nelas propician
do benefícios de uma estética e cenário urbanos inigualáveis.
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3-41. Evolução de Turim até final do séc. XIX. 1. A cidade medieval construída sobre o traçado
romano [A). 2. As muralhas renascentistas no séc. XVI (B). 3. Aexpansão dos séculos XVI-XVII e
as fortificaçães c1óssicas e a cidadela (C, D). 4. No final do séc. XVII com o expansão barroco e
os fortificações estrelados. 5. Depois do demolição dos muralhas, em 1819, e o abertura dos
boulevards. Planto desenhada por Stübben no final do séc. XIX
201
3-42. A formoçõo do Ring de Viena. 1. A cidade medieval fortificada nos séculos XVI e XVII,
contra as invasões turcas. Fortificações poligonais e em campa aberto de 600 metros separam
-na das expansões periféricas. As muralhas destruídas por Napoleõo I, em 1809, dõo origem,
cinquenta anos mais tarde, ao desenvolvimento de um anel verde e equipamentos: o ring
202
3.5 DESENHO E FORMAS URBANAS NO SÉCULO XIX
203
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3·43, 1, PUGIN. Gravuras representando uma cidade cristã de 1440 a 1840, 2. Shinckel - es
boço de viagem: as óreos industriais e portuórias de Londres, 3. Área periférica de Londres, lo
teada segundo as regras das bye lows. 4, Sistemas de ocupação dos logradouras e quarteirões
nos bairros de Manchéster, segundo desenho de Engels
205
acções nas cidades da Europa. O ring de Viena ou de cidades mais pequenas como 8e
sançon ou Aix-en-Provence constitui um dos melhores exemplos.
A cidade «intramuros» prolonga-se pela cidade da periferia, sem descontinuidade
construtiva.
Em lugar das muralhas, realizam-se avenidas, que facilitarão a circulação em anel,
e a construção de novos bairros. Acidade estende-se e fragmenta-se pelo território en·
volvente; a periferia cresce como cintura habitacional e industrial.
Este" período de euforia destrutiva das velhas muralhas retira às cidades um impor
tante marco físico e histórico.
A imagem das cidades entendida como um todo construído, delimitado, como no
desenho de Pugin, tem o seu ponto final.
o SUBÚRBIO E A PERIFERIA
As primeiras realizações de subúrbio datam dos finais do século XVIII. São bairros
construídos no tempo de Jorge II, nos arredores de Londres (36), com habitações de
qualidade em meio de jardins e parques. Correspondem à ideologia da conciliação do
campo com a cidade, da habitação no meio da Natureza, com loteamentos privados,
de baixa densidade e utilizando as tipologias do crescent e circus: com habitações que
se abrem sobre grandes espaços verdes, relvados e bosques.
Estas primeiras realizações são, por assim dizer, pioneiras. Na segunda metade do
século XIX, a fuga aos males da cidade industrial, as possibilidades oferecidas pelos
transportes e a disponibilidade de espaço vão permitir a localização de empreendimen
tos habitacionais de baixa densidade na periferia da cidade. Baixa densidade e casas
unifamiliares, com extensão territorial da urbanização, constituirão um dos figurinos
urbanos da expansão a partir do século XIX.
Os novos meios de transporte vão permitir a ligação dos centros urbanos e locais de
emprego à periferia, onde o solo barato permite o subúrbio como alternativa à concen·
tração urbana.
O subúrbio gerou a proliferação e extensão do solo construído com modificação
dos modelos espáciais e urbanísticos. A rua passa a ser um mero percurso. A «praça»
deixa de ser um espaço reservado ao encontro, à vida social e, pela falta de utilização,
transforma-se num simples largo. O quarteirão é abandonado, enquanto a baixa den
sidade e a casa unifamiliar se revelam sem força nem estrutura para constituir verda
deiro «espaço urbano». Aarborização e a vegetação substituem as relações do edifica
do com o espaço urbano. A caracterização cuidada do espaço colectivo é substituída
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3·44_ .lIhas. no Porto. 1. Planto do zona do Ruo Anselmo-Ruo D. João IV com os ilhas em cin·
zento. 2. Planto do Ruo dos Antas 00 nível do rés·do-chão com os .ilhas» interiores. 3. Formos de
ocupação dos logradouros pelos .ilhas> e tipos construtivos. 4. Alçado do Ruo das Antas com os
entradas poro os .ilhas.
207
pela qualificação do espaço privado. O edifício vai situar-se no meio do lote. Éindivi-
dualizado e envolvido por jardins e deixa de contactar directamente com a' rua.
A membrana de separação do espaço público com o espaço privado deixa de ser a
fachada do edifício e passa a ser a vedação do lote, o muro. Numa primeira fase, o lo-
te mantém a sua individualidade como espaço privado que recebe um edifício. Numa
fase posterior, já no século XX, com a desprivatização do solo, o próprio lote tenderá a
desaparecer, pela implantação livre de edifícios no terreno.
O subúrbio e a cidade-jardim constituirão um momento de ruptura na morfologia
urbana tradicional e um entendimento diverso do habitar, preparando e antecedendo
as rupturas morfológicas da cidade moderna.
Éneste período que surgem grandes extensões de loteamentos que repetem quadrí-
culas até à exaustão, sem preocupações urbanísticas ou estéticas. As bye laws (37) ingle-
sas alastram em mancha de azeite, produzindo um tecido habitacional monótono, de
extensas ruas, desprovido de intencionalidade estética. Os interiores dos quarteirões
são densificados. Aparecem as «ilhas» e as «vilas» (3B) como aproveitamento do solo, pa-
ra construção de casas para as classes operárias mais, desfavorecidas. A cidade
desenvolve-se por extensão de loteamentos e de construções, e não pela organização
do espaço urbano. São também estas urbanizações e a situação social e sanitária da
população que motivam o pensamento urbanístico e higienista no século XX.
Desde então, os urbanistas terão de se bater cada vez mais pela realização dos pia-
nos contra as dificuldades de implementação e falta de vontade político-administrativa.
A questão é de resto já anterior: o plano de Wren para Londres, em 1665, não é posto
em prática por falta de vontade e autoridade face aos intereses individuais...
Também Cerdá, em Barcelona, não consegue realizar totalmente o plano nas suas
propostas de maior generosidade espacial e oferta de área pública face aos interesses
na rentabilidade do solo. Paralelamente, as teorias do liberalismo económico (/aissez
faire, laissez passer), na gestão da cidade, vão agravando estas questões ao defende-
rem a passividade do controlo público sobre o investimento privado.
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209
A partir deste período, o urbanismo assume cada vez mais explicitamente a media-
ção de conflitos entre interesses públicos e privados. A luta contra a especulação fun-
diária passa a ser um dos objectivos urbanísticos, face às dificuldades de conciliar os in-
tereses económicos com a arte urbana. A especulação fundiária vai investir na constru-
ção e aproveita a perda de controlo público para comandar o desenvolvimento urbano
e assim vai modificar substancialmente a produção das formas urbanas.
UTOPIAS SOCIAIS
EXPERlMENTAÇÃO URBANÍSTICA
210
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3-46. Complexos habitacionais poro trobolhdores: 1. Le Grond Hornu (França). 2. Solfoire (Rei·
no Unido). Cidades de lazer poro ricos: 3. Vichy. 4. Aix-Ies-Bonis. (Os desenhos nõo estõo à mes-
mo escola)
211
dos de vida. São os bairros ou cidades especializadas para os trabalhadores, ou o la-
zer e o recreio (42). As primeiras, promovidas pelos industriais mais «esclarecidos» e sen-
síveis às condições de vida dos trabalhadores; as segundas, como resposta à evolução
dos modos de vida, em que o recreio e as férias ocupam as classes mais favorecidas.
Em ambas, as morfologias encontradas aproximam-se das realizações suburbanas, da-
das as disponibilidades de solo que permitem a apropriação de óreas livres.
Surgem também inovações tecnológicas e espaciais, como a cidade linear, de Soria
e Mata (43), que articula o caminho-de-ferro com o desenvolvimento urbano e que terá
tido influência em propostas análogas de Le Corbusier ou dos construtivistas soviéticos.
. As propostas de Eugene Henard conjugam a adaptação da cidade aos novos meios
de transporte e às novas infra-estruturas. Prenunciam a evolução que se processou nas
cidades europeias e americanas com os meios de transporte motorizado, as grandes
infra-estruturas viárias e de abastecimento e as transformações decorrentes.
No seu conjunto, a experimentação urbanística da segunda metade do século XIX
representará a resposta às transformações sociais, económicas e demográficas da re-
volução industrial. Significa também a insatisfação com a urbanística barroca e clássica
na sua resposta aos novos problemas.
212
3-47. Mapa das intervenções de Haussmann em Paris, A traço cheio as ruas; a quadriculado,
as novos expansões, e, o tracejado, os novos parques e jardins. A estética de Haussmann: Av.
Campos Elíseos e a Av. de lena
213
lo XVIII, nomeadamente algumas propostas já definidas no Plan des Artistes de
1793-1797 (44), e seria possível encontrar paralelismos com a actuação de Sixto V, em
Roma, no modo de lançar as vias unindo pontos da estrutura urbana. Mas Haussmann
trabalha a cidade existente numa sucessão de intervenções que, embora sem plano
prévio, revelam grande coerência final.
Se não fossem as inovações tecnológicas e o sentido do futuro, a expressão da Paris
de Haussmann seria mais barroca do que oitocentista (45). Os elementos utilizados são:
o traçado em avenida - o boulevard - que une pontos da cidade; a praça como lugar
de confluência de vias, e placa giratória das circulações, quase sempre em rotunda,
que organiza o cruzamento de vários traçados; o quarteirão, que é determinado como
produto «residual» de vários traçados, e não como módulo da composição urbana.
Tem forma irregular, poligonal, rectangular, triangular ou vai aproximar-se da forma
do «bloco», sendo então compacto, e apenas com um «saguão» no seu interior.
A estrutura interna do quarteirão corresponde a uma lógica de reparcelamento ca-
dastrai, segundo regras simples:
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o quarteirão torna-se um elemento dotado de grande complexidade interna, fun-
cionai e espacial, moldando a vida social e a imagem de Paris.
No entanto, é necessário ter presente que a Paris de Haussmann é um caso específi-
co de trabalho sobre uma cidade existente. Noutras expansões oitocentistas, o quartei-
rão segue a lógica de quadrículas mais regulares. A importância de Paris decorre dos
resultados extraordinários obtidos e da influência que exerceu em outras cidades fran-
cesas e europeias e no urbanismo em geral. Não é possível abordar o século XIX sem
referir a construção da Paris de Haussmann.
BARCELONA DE CERDÁ
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3.49. Ildefonso Cerdó - O plano de Barcelona, 1864. Gravura da época e esquemas exemplifi-
cativos das formas dos quarteirões propostos por Cerdó
217
eixos do ensanche. As diagonais são desenhadas sobrepondo-se ao plano quadricula-
do e fazendo surgir quarteirões irregulares e outros largos ou praças.
Preparado para 800 000 habitantes, o plano de Barcelona contém uma escala pou-
co vulgar na Europa do século XIX. Aproxima-se mais das grandes expansões america-
nas da mesma época; como Nova Iorque e Filadélfia, em que os planos organizam a
rápida expansão, a construção das infra-estruturas, o loteamento e a divisão fundiária,
bem. como o investimento económico nas novas construcões..
É na malha quadriculada que o plano apresenta as mais importantes inovações:
Cerdá rompe com o sistema tradicional da construção contínua na periferia das qua-
dras: é no interior destas que, de modo ordenado pelas viás, se vão dispor os edifícios.
Para a ocupação da malha quadriculada são propostas duas hipóteses:
A primeira corresponde à ocupação periférica do quarteirão em apenas dois dos
lados, formando ruas de 20 metros, semelhantes às que existem hoje. A construção
não excederia dois terços da superfície do quarteirão, os blocos seriam paralelos e, no
espaço entre estes, criar-se-iam «corredores» arborizados e com equipamentos. Na se-
gunda hipótese, os edifícios adquiriam maior liberdade na implantação e podendo
dispor-se em Le com quatro LL formar uma praça no cruzamento de duas vias. A rua
tradicional seria substituída por grandes avenidas arborizadas.
Estas hipóteses definem as regras de construção da cidade, permitindo enorme di-
versidade de espaços. Os quarteirões organizar-se-iam com centros cívicos próprios,
contendo igreja e escola, de certo modo antecipando as «unidades de vizinhança». Os
equipamentos de escalão mais elevado distribuir-se-iam pelo tecido urbano sem criar
zonas privilegiadas na cidade.
No plano de Barcelona, a quadrícula é suporte geométrico para um «jogo combi-
natório» de composição urbana. As peças do jogo - edifícios e equipamentos -
podem-se dispor nesse tabuleiro segundo formas múltiplas, ou «lances» diferenciados.
Aquadrícula não aparece como um mero processo de loteamento ou divisão cadas-
trai, mas como espaço da cidade onde se localizam edifícios e equipamentos.
Deste modo, ultrapassa-se o relacionamento entre quarteirão, edifrcio e rua, ou se-
ja, o perímetro do quarteirão deixa de ser o limite do espaço público.
Embora conter:nporâneas, as visões de Haussmann e de Cerdá são diametralmente
diferentes. Uma primeira distinção é evidente: num caso trata-se de reordenar e adap-
tar a cidade existente; no outro, de organizar o crescimento em expansão - o ensan-
che. O interior do «quarteirão», que em Paris é espaço privado, ou semiprivado, em
Barcelona pode tornar-se espaço público.
O plano de Cerdá vai quebrar também regras de composição clássico-barrocas. Os
espaços-tipo identificáveis - a rua, a praça, o parque, a avenida - ainda permane-
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3·50, Ildefonso Cerdó - plano de Barcelona, Os espaços construídos. Os espaços e sistema de
circulação automóvel. Quarteirões tal como imaginados por Cerdó, e tal como foram realizados
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cem mas não se organizam obrigatoriamente a partir do perímetro dos quarteirões, já
que os edifícios se dispõem livremente no interior das quadrículas.
Cerdá antevê as potencialidades decorrentes da independência entre ruas, espaços
urbanos e planos marginais dos edifícios. Todavia, o estado da teoria e experimenta-
ção urbanística da época não permitiram prosseguir estas ideias. As propostas de Cer-
dá eram demasiado avançadas ou demasiado antiespeculativas. Permaneceu o traça-
do viário principal, enquanto as quadras iriam ser ocupadas na periferia e no logra-
douro, progredindo no sentido do quarteirão tradicional.
o crescimento de Lisboa no século XIX dá-se mais tardiamente que em outras capi-
tais europeias. A Lisboa da segunda metade do século XIX enfrenta também necessida-
des de crescimento e criação de uma imagem de modernidade adequada ao papel de
capital europeia e de um império colonial.
Interessava também canalizar o investimento imobiliário e criar novas zonas resi-
denciais. Seria ocioso negar a influência que os exemplos de Paris e Barcelona exercem
em técnicos e políticos. Neste contexto, o clima municipal, encontrava-se sensibilizado
para a necessidade de novos planos que se concretizariam com o eng. Frederico Ressa-
no Garcia (1847-1911) na chefia da Repartição Técnica da Câmara de Lisboa. Enge-
nheiro, construtor, humanista e racionalista, Ressano Garcia diplomara-se em Ponts et
Chaussés pela Ecole Polytechnique de Paris, onde permaneceu até 1871, trazendo con-
sigo as ideias de Haussmann e o conhecimento de técnicas e processos necessários ao
crescimento ordenado de uma cidade. Com estas ideias e formação, organiza, a partir
de 1888, a expansão de Lisboa, através de vários planos que se articulam entre si. Ca-
da plano corresponde a uma área definida pela topografia e pela configuração de um
futuro bairro. A identidade de cada zona, ou cada plano, ainda hoje é visível, pela uti-
lização de malhas ortogonais, com quarteirões de diferentes dimensões. As bases do
crescimento serão. a «avenida» de gosto haussmanniano e o quarteirão regular, os
quais se adaptam bem à configuração topográfica e escala lisboeta.
A influência de Paris é quase natural, dada a irradiação cultural da «cidade das lu-
zes» e a formação que Ressano Garcia aí recebe (48).
Mas Lisboa não vai renovar o seu casco antigo, como Paris, mas organizar a expan-
são. A influência haussmanniana é sobretudo técnica e processual, já que a morfologia
urbana combina com equilíbrio o traçado viário em estrela, a praça circular confluC 1-
221
LISBOA 1897
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AVeNI DA DA LIBERDADE
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3-52. Frederico Ressono Garcia. Os planos das Avenidas em Lisboa. Planta de 1897, mostran-
do as intervenções em Lisboa. Vistas de Lisboa: o parque do Campo Grande (em 1915). o Av.
Fontes Pereira de Melo (1905-1908), a Av. António Augusto de Aguiar (1920)
222
3-53. F. Ressano Garcia - Planos das Avenidas em Lisboa, 1888-1900. 1. Planto da zona entre
a Praça Saldanha e o Campo Grande. 2. A mesmo zona na planto de 1911 da CM. L.
223
cia de avenidas, e uma quadrícula regular que muda de orientação e dimensão em ca-
da bairro. Os grandes traçados seguem a expressão barroca: a Avenida da Liberdade
que rematará no Parque Eduardo VII (a analogia com os Campos Elíseos/Bois de Bou-
logne é evidente), a Avenida Fontes Pereira de Melo, a Avenida da República, as pra-
ças em convergência de eixos viários como o Marquês de Pombal, o Saldanha. Mas o
perfil das avenidas introduz modificações sensíveis em relação ao boulevard parisien-
se, a arborização passa para as faixas centrais, criando passeios pedonais, melhor
adaptados às condições locais e à estrutura habitacional.
A forma urbana organiza-se à base de quatro princípios: o traçado, a praça con-
vergente, o quarteirão e a malha reticulada. Estes elementos criam uma nova imagem
estética para Lisboa. A iniciativa privada realiza os edifícios. Todavia, o quarteirão
apresenta algumas particularidades. Admite ocupações pontuais deixando espaços in-
tersticiais de penetração entre duas empenas; subdivide-se segundo uma lógica geo-
métrica em lotes que podem receber diferentes tipologias habitacionais: moradia-
residência burguesa ou prédio de rendimento. Eestas tipologias distribuem-se na ofer-
ta de lotes hierarquizando-os pela importância das ruas e dos sítios, mas criando um te-
cido urbano com descontinuidades na volumetria e na ocupação do solo.
O plano baseia-se nos processos de expropriação e preparação do solo, e divisão
em parcelas para construção. O quarteirão subdivide-se de modo geométrico e regu-
lar em seis lotes, cada qual ocupado por um edifício e um logradouro. O interior do
quarteirão é privatizado em logradouros, jardins ou hortas ligadas aos baixos dos edi-
fícios, dando-lhes compensações em espaços verdes. São criadas penetrações entre
empenas cuja utilidade se justifica nas práticas sociais da habitação burguesa: a entra-
da nobre e a entrada de serviço, a frente e as traseiras, estas últimas para os emprega-
dos e o abastecimento.
Os quarteirões das avenidas evoluem já na segunda metade do século ,XX por in-
tensa renovação e densificação imobiliária. Lote a lote, parcela a parcela, as avenidas
suportaram e suportam ainda a mais estúpida, ignorante e desastrada evolução. Os
edifícios foram demolidos e novos prédios cresceram com ocupação máxima do lote e
sem qualquer integração de conjunto nem contrapartida pública.
A excessiva terciarização e a medíocre arquitectura, desenquadrada de lote para
lote, completam o ~spectáculo de degradação!
Das avenidas traçadas por Ressano Garcia ficou essencialmente o perímetro dos
quart~irões, os traçados é a arborização (esta última também objecto, nas vias mais im-
portantes, de corte e degradação).
Pode-se dizer que os elementos mais fortes da estrutura urbana foram permanecen-
do, mas do equilibrado desenho inicial pouco já resta, tantas e tão monstruosas reno-
vações foram executadas.
224
3-54. As "Avenidas" de Lisboa. Fotografia aérea da zona da Av. Fontes Pereira de Melo -
Anos 30. A Avenida da República antes de 1910, segundo fotografia da época
225
2
Planta pareioi da cidade, entre a Praça do Comércio e a Campo Grande, com todos os mel-
horamentos aprovados e em via de execusão a norte do Parque Eduardo VII, para justificação
dos estudos que se lhe seguem. Desenhada em 1903; 2 - Planta de arborização do Av. da
Liberdade. 3 - Corte da Av. do Liberdade marcando arruamentos, passeios a arborização
226
3.6 SÍNTESE - APRENDENDO NO PASSADO
Muito ficou certamente por dizer sobre as formas urbanas até ao período moderno.
Deliberadamente, não pretendia que esta parte fosse um trabalho de História, ain-
da que sintético e abreviado.
Os exemplos aqui apresentados são referências poro chegar às constatações e con-
clusões que pretendia. Tais conclusões podem resumir-se a um ponto essencial: até ao
período moderno, mas sobrefudo a partir do Renascimento, o desenho da cidade e a
composição urbana foram utilizando as mesmas ferramentas, O'U seja, o me'Smo sistema
de relações entre os elementos morfológicos, ou partes da cidade, e o espaço urbano.
Nestes períodos, os elementos morfológicos serão, invariavelmente, o traçado ou a
rua; o quarteirão subdividido em lotes, edifícios e logradouros; a praça e os recintos; os
prédios com as suas fachadas; os edifícios singulares; os monumentos; as fortificações;
outros elementos como as árvores e os jardins, é, acessoriamente, o mobiliário urbano.
Certo é que as utilizações destes elementos foram diferentes na intencionalidade es-
pacial e estética e funcional - e por isso produziram resultados diferentes -, que dis-
tingue as formas urbanas em cada período histórico. Mas mantêm-se os aspectos essen-
ciais da morfologia urbana porque se mantém no essencial o sistema de
relações entre os elementos morfológicos da cidade. Será o modo de combinação e jus-
taposição desses elementos e os suaS particularidades que diversificarão as formas ur-
banas. Tudo se passa como num iogo, com as SUas regras definidas, invari'óveis, e que,
ao ser jogado, admite inúmeras variações em cada lance, de jogada para jogada.
As variações decorrem de infençõei espaciais, estéticas" de estílo e de gosto, de
condicionantes preexistentes, topogróficos ou terrifor'iois, mas, no fundo, são secundá-
rias, face ao que pretendo demonstrar.
Isto é essencial para compreender a morfologia urbano tradiciond, poro ajuizar da
sua utilizaçãÇ> e para nelo se poder intervir criteriô'samente.
Servirá também poro compreender a~ rupturas e trcnsfórmações produzidas pela
urbanística moderna, e a evolução que a urbCHlísiíca formal seguio na primeira metade
do século XX e, finalmenfe, ponderar com objectividade os pressupo~tos do retorno à
forma urbana pelo «novo urbanismo>" nos últimos vinte anos.
O passado também fornece pistas paro o desenho da cidade. Assim, ao longo desta
parte III, fui procurando os dados e razões paro o compreensão da cidade e o conjun-
to dessas regras que produziram inúmeros e notáveis espaços urbanos, ainda hoje ver-
dadeiras lições para o eterna problema: como dispor ediHdos no terreno e com eles
produzir arte urbana, espaço, e dar forma Q cidade.
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228
PARTE IV
I
I
AURBANISTICA FORMAL
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229
«En el reflujo dei urbanismo funcionalis-
ta, mientras las periferias de las grandes
ciudades muestran los fracassos de los
4.1 INTRODUÇÃO
bloques residenciales, la edificación en
altura y los grandes vacios de suelo in-
tersticial descuidado e inútil, vuelven a
A DISCIPLINA URBANÍSTICA: DO INÍCIO AO URBA-
plantearse algunas de las perennes NISMO FORMAL DE ENTRE AS DUAS GUERRAS
cuestiones que ya preocuparon a Ray-
mond Unwin, y que de manera explícita
No final do século XIX e até à guerra de 1914-1918,
se situaron en el centro de su frabajo.»
as cidades europeias submetidas a profundas dinâmicas
Manuel de Solá Moralas i Rubió sociais, económicas e urbanística~ atingem já grande
complexidade estrutural e morfológica, com todas as ino-
Introdução a vações em infra-estruturas, serviços e equipamentos, e
La practica deI Urbanismo
novas tipologias espaciais.
de R. UNWIN
Nesta mesma época, se constitui o urbanismo como
disciplina autónoma, síntese artística e técnica, do conhe-
cimento e intervenção na cidade.
Em boa verdade, o urbanismo existiu desde sempre, como nos exemplos romano e
grego, nos momentos altos europeus, desde Biaggio Rosseti, em Ferrara (li, ou Eugénio
dos Santos, em Lisboa. Mas os exemplos de urbanismo até aos finais do século XIX es-
tão mais ligados ao desenho urbano como actividade empírica ou arte urbana do que
à visão integrada e pluridisciplinar que a urbanística, vai ter da cidade.
De início, o urbanismo foi o alargar da arquitectura a novos conhecimentos.
Deliberadamente, resisto à tentação de historiar o aparecimento do urbanismo e
dos fenómenos que o originaram. Desde as profundas transformações industriais ao
crescimento demográfico, às utopias sociais, aos problemas de higiene e salubridade,
um conjunto numeroso de questões converge para criar a necessidade de um campo
autónomo e muito vasto de estudo e intervenção na cidade.
De início, o urbanismo adquirirá autonomia em relação à arquitectura, embora
conservando estreitas relações quer pela importância do desenho urbano quer por ser
obra de arquitectos, cuja formação académica provinda das Beaux-Arts não diferen-
ciava, senão pela escala, a composição urbanística da composição arquitectónico.
Nos primeiros t~mpos, existe continuidade entre os processos da jovem disciplina ur-
banístico e as realizações anteriores do século XIX. Mas as cidades entõo projectadas já
não serão simples repetições das cidades oitocentistas, quer pela busca de novas solu-
ções espaciais quer pela atenção ao conjunto de problemas urbanos e socioeconómicos.
Tais problemas colocam a necessidade de respostas estruturadas em moldes científi-
cos e espaciais. A organização das áreas habitacionais e do alojamento - fornecendo
casas a todos -, a criação de condições de higiene e salubridade, a organização das
231
4·1. Oito Wagner. 1. Ordenamento da Karl Platz - Viena 1909. Vi"J aéreo de conjunto. 2.
Perspectivo aéreo do centro do Distrito 22 do Plano Regularizador do Grossfadf (Viena) 1911
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235
focagem dos monumentos e, sobretudo, na relação estreita entre o traçado urbano e a
arquitectura: o palácio do governador, os Ministérios e o centro na Conaught Place,
com a sua rotunda, interpretação monumental dos circus de Bath.
Pondo de parte a questão colonial no modo como é imposta uma cidade europeia,
numa cultura milenária que lhe é totalmente estranha, Nova Deli consubstancia um dos
melhores momentos da urbanística inglesa nas suas colónias. Outros exemplos pode-
riam ser referidos desde Hong-Kong até Cabul e cidades do Egipto, como Heliópolis.
A urbanística italiana seguirá os mesmos princípios, na Itália e nas colónias da líbia
e Eritreia, ao proceder à renovação dos centros e expansões das cidades.
A Alemanha e a Áustria contribuem com grandes urbanistas e investigadores, desde
Stübben e Camillo Sitte a Otto Wagner, e com metodologias particulares nas suas reali-
zações habitacionais: as Hoff, as Siedlugen. Posteriormente, o nazismo irá impor o re-
gresso a uma tradição urbana mais discutível.
Classificando a corrente funcionalista de «judaico-bolchevique», e não alemã, o na-
zismo adopta um primarismo clássico e um conservadorismo arquitectónico pesado e
pouco inovador.
A ideologia do poder, imporia a monumentalidade, enquanto a arquitectura ofi-
ciai, que se reclamava de Shinkel e dos clássicos, torna pesada e monótona a forma ur-
bana. Todavia, como nota Lars Anderson no seu livro A. Speer e os Planos para Ber-
lim (5), os arquitectos dos anos trinta-quarenta, sob o III Reich, «abordavam igualmente
questões de arquitectura e urbanística, embora sob pontos de vista diferentes».
Pese embora a dificuldade de se esquecer a ideologia nazi, haverá que considerar
a urbanística alemã no debate sobre a forma urbana, na medida em que constituiu um
dos períodos de produção urbana na primeira metade do século XX.
Verifico também que formas idênticas podem ser utilizadas em contextos diferencia-
dos. As transformações para Berlim propostas por A. Speer são monumentais e desme-
suradas, sem dúvida, mas ocupam-se inequivocamente da forma da cidade.
A urbanística portuguesa será nessa época influenciada fortemente pela a Alema-
nha e a Itália (favorecidos pela aproximação dos regimes) e sobretudo pelos contactos
com a França, quer pela influência da cultura francesa quer pela permanência de urba-
nistas franceses em Portugal, como Forestier, Agache e De Groer, em Lisboa (6).
Agache deixará- no ordenamento da Costa do Sol algumas propostas de grande
qualidade, como a ressistematização do Parque do Estoril, hoje em dia em curso de
destruição pela especulação imobiliária e o adensamento abusivo das construções.
De Groer trabalha prolongadamente em Portugal, nos planos de Lisboa, Almada e
Costa do Sol, Coimbra, Évora e Vila Franca de Xira, entre outros.
Será em Lisboa que, nos anos quarenta e cinquenta, se constrói um dos mais interes-
santes exemplos de urbanismo: os bairros de Alvalade e do Areeiro, planeados por Fa-
236
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PETIT JEAN
. -
f EC:'U. VJUM.·
237
ria da Costa, e que analisarei mais adiante. Alvalade e Areeiro, apesar dos «maus tra-
tos», testemunham ainda hoje as qualidades do seu traçado.
Outras cidades e bairros dessa época, e algumas cidades coloniais, como Lourenço
Marques, Luanda ou Macau, foram organizadas pelos mesmos princípios, com traça-
dos que durante muitos anos iriam organizar e modelar a sua forma.
Convirá referir que se produzem as primeiras e importantes legislações urbanfsticas
em todos os países europeus, que imporão a realização obrigatória de planos, com no-
táveis consequências no reconhecimento do papel dos urbanistas. Definiram-se regras
de higiene, salubridade, equipamentos e serviços que constituirão suporte legal e
administrativo à prática urbanística, com efeitos sensíveis no desenho das cidades até à
Segunda Grande Guerra.
Étambém no mesmo período que são escritos e publicados alguns importantes tra-
balhos sobre estética e desenho urbano como A Arte de Construir as Cidades, de Ca-
mil lo Sitte, ou A Prática do Planeamento Urbano, de Unwin (7), tratados que tiveram
enormes repercussões e influência na primeira metade do século XX.
Os textos legais, os tratados teóricos e as realizações, dão um panorama completo
do modo de entender a cidade pela urbanística formal de entre as duas guerras.
Tenho para mim que este período do urbanismo se relaciona de modo inequívoco
com o debate actual sobre a forma urbana.
Na realidade, é grande a proximidade morfológica entre muitas propostas actuais
e os desenhos dos urbanistas da primeira metade do século XX. Por razões que se expli-
cam, todo esse período foi praticamente esquecido da memória disciplinar, prejudican-
do a confrontação com as questões actuais e a própria cidade moderna.
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4-5. 1- Saigôo, Indochina. O plano europeu de 1878 2· O plano de Herbrard, 1921 para Hanoi
239
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Em primeiro lugar, pelo silêncio dos principais historiadores dos pós-guerra, como
Gideon, Zevi e Benevolo (8), nos seus trabalhos de história da arquitectura e do urba-
nismo. A razão é simples: os seus autores, todos próximos do Movimento Moderno ou
nele protagonistas, naturalmente calaram adversários e o pensamento a que se opu-
nham. O que se pode compreend~r pelo seu envolvimento pessoal na arquitectura mo-
derna, e pelo interesse que a cultura moderna foi dedicando à inovação, à diferença e
ao valor do novo contra o tradicional, da vanguarda contra o academismo, e à cono-
tação pejorativa que atribuiu à tradição. Além do mais, regimes conservadores, totali-
tários e fascistas haviam utilizado esses modelos urbanísticos nas realizações oficiais -
como Portugal, Espanha, Itália e Alemanha nazi -, o que conduziu, no rescaldo do
pós-guerra, à natural identificação de formas urbanas com ideologias políticas e sociais
e ao repúdio moral de umas e de outras. Nesta ordem de ideias, a urbanística moder-
na, de conteúdo democrático e social inequívoco, aparecia como a urbanística da li-
bertação e da democracia.
A acção desses historiadores teve profundas repercussões na formação dos arqui-
tectos a partir dos anos quarenta. Ao registar obras e autores, esquecendo uns, promo-
vendo outros, obedeciam a determinações culturais e ideológicas, influenciando decisi-
vamente o ensino, as escolas e os arquitectos pelas referências e críticas que forneciam.
Os principais meios de comunicação e difusão da cultura urbanística, como as revis-
tas de especialidade, iriam também alinhar nas teses modernas, e, desinteressando-se
de referenciar a urbanística formal, remetê-la-iam ao esquecimento.
De igual modo, as escolas de arquitectura e a administração do urbanismo iriam
progressivamente ter dirigentes mais jovens, entusiasmados pelos ideais modernos, o
que provocaria o afastamento dos urbanistas tradicionais. O vasto terreno conquista-
do pela urbanística moderna irá em definitivo tornar a urbanística formal «obsoleta»,
antiquada e pejorativamente académica, face à sedução dos novos métodos.
Os poderes públicos aderirão, a partir dos anos cinquenta, inequivocamente, à ur-
banística moderna, oficializando-a e institucionalizando-a até à banalização.
No seu conjunto, estes diversos vectores contribuíram para que se afastasse o urba-
nismo formal da memória profissional. Não admira, portanto, que o debate sobre a
forma urbana nos anos setenta tenha de início tomado como referência a cidade anti-
ga. Num certo sentido, os autores do «regresso ao urbano» cometia-m o mesmo lapso
dos historiadores dá arquitectura moderna, (a quem deviam a sua formação). De res-
to, só recentemente se vai dispondo da informação necessária ao estudo desse perío-
.
do. A reedicão das obras de Marcel Poete, Lavedan, Unwin ou Camillo Sitte, ou o
aparecimento de trabalhos sistematizados como a História do Urbanismo, de Sicca (91,
permitem avaliar com extensão e profundidade os contributos da «urbanística formal»
e verificar o grau de elaboração e maturidade a que esta havia chegado.
240
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NEW DELHI
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4-6. Sir Edwin Lutyens. O plano de Nova Deli - 19'11 Vistas aéreas da zona da Palácio dos
Vice-Reis e grande avenida, e do Conaughth Cicus - anos trinta. A grande avenida com os
Ministérios e o Palácio dos Vice-Reis ao fundo.
241
2
4·7. Albert Speer e o GBI. Plono de Berlim 1934-1945. 1. Desenho de Speer poro o Grande Ave- '
nida, 1936.2. Plano definitivo do Grande Avenida, ligando {de cimo poro baixo} o Estação Nor-
te, Câmara Municipol, Reichstag (com o grande cúpula), o Chancelario, OKH, o Memorial do
Soldado, AEG, Ópera, e Ministérios, o praça octogonal, o Arco do Triunro e o Estaçâo Sul. 3.
Maquetas dos zonas residenciais de expansão. Sectores norte e sul de Sudsstadt
242
4-8. Albert Speer e o Plano de Berlim. Maqueta do Grande Avenida com o Arco do Triunfo e
o cúpula do Reichstog, 1940.
243
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r
A metodologia seguida pela urbanística francesa e europeiâ, da primeira metade
do século XX utilizará o desenho como síntese da resposta aos problemas urbanos e co-
mo comunicação de uma imagem e ideia da cidade, comprovando a eficácia dos traça-
dos em diferentes ambientes e territ6rios. Não tratava apenas de «estética urbana» -
como faria supor a palavra «embelezamento» titulando os planos -, mas da verdadei-
ra estrutura das cidades. Para essa estrutura, contavam igualmente questões de natu-
reza tão diferente como controlo demográfico, as deslocações, percursos e trânsito, a
configuração de unidades urbanas como o bairro e suas forma de vida, etc.
A urbanística formal Filtra e integra diversas análises e contributos de outras áreas
disciplinais que possam melhorar a cidade, e integra também experiências desenvolvi-
das pelo Movimento Moderno. Assim não é de estranhar que em Agache ou Faria da
Costa (e outros da mesma escola) surjam ideias relacionadas com a 'unidade de vizi- .
nhança, alguns princípios funcionalistas na organização distributiva das actividades e
equipamentos - o zonn;ng e a observação de regras de urbanismo, higiene e salubri-
dade -, compartilhadas com os arquitectos modernos, ou a aplicação de teorias como
os green belts (anéis verdes) e as cidades-satélite, a desprivatização do solo e tantas
outras. Neste campo, a morfologia tradicional aceita evoluções profundas como a des-
privatização do interior do quarteirão e a sua utilização como espaço público ou semi-
público, introduzindo maior diversidade nas formas urbanas.
Todas estas questões continuaram integradas num entendimento morfológico da ci-
dade que atinge grande complexidade e elaboração, já não apenas em ordem a efei-
tos cénicos, visuais e físicos, mas também sociológicos, funcionais e estruturais.
Neste contexto, o arquitecto urbanista é entendido e aceite como o especialista da
cidade, detentor de uma formação complexa, de grande seriedade e..notoriedade, e si-
multaneamente maestro de uma orquestra de diversos contributos disciplinares que se
integram e sintetizam no desenho. É assim que algumas Administrações chamam gran-
des nomes do urbanismo para tratar das suas cidades, demonstrando o reconhecimen-
to da sabedoria do urbanista e da importância do desenho. (Arrisco a comparação
com a situação portuguesa actual, em que qualquer executivo municipal em exercício
se sente investido de poderes e conhecimentos para decidir sobre a cidade.)
Todavia, se a Figura do arquitecto urbanista era prestigiada, tal se devia também à
acção dos pronssionqis, à unidade das suas acções e à seriedade na execução dos pia-
nos. Etambém à eficácia dos métodos de planeamento, aos traçados regulares capa-
zes de definir uma imagem da cidade.
No seu conjunto, a «urbanística formal» representa um vastíssimo campo de realiza-
ções e propostas continuadoras da cidade tradicional que não podem ser esquecidas.
Além do mais, interessa avaliar e compreender a sua semelhança com numerosas
propostas surgidas nos últimos vinte anos.
244
4-9. Sabaudia. Plano da cidade nova na região dos pântanos Agro-Pontinos, Itólia, 1931
Arq.os Cancelloti, Montuori, Piccinato, Scalpelli. Solução escolhida em concurso
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4·12. Josep h Stübben.
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Porme
desenvolvimento e Brupropostos poropoublicados
"nn. Desenhos por Unwln
''''Mlroçoo , em Tow" Pio"",",
.
mgs berg e poro
in Practice
248
4.2 os TRATADISTAS DO INÍCIO DO SÉCULO XX
E A VALORIZAÇÃO DO DESENHO URBANO
249
I
4·13. Camillo Sitte. Página do manuscrito original do Stadtebau, A Arfe de Construir Cidades, o
Urbanismo, Segundo Princfpios Arffsticos, capftulo II
250
A.PI.cu.
L, II., IV. PIacet ,rojeú•• ,nl dt
l'fcIiM VodY..
III. Amuai dt l'fcIiM Vodn.
V. P1ace de 1'UlÚttnlú.
VI. P1ace dt 1'H6w ele VIIk.
VII. Grandt,\aQe dll Nitre.
VIII. 'ctile pu du Nitr•.
IX. !I,1enadt dll ,.mment.
x. P1ace dant 11 Volbtamn.
XI. 'lace dll ,aIaIt de Jlllrice.
Dj '~
XII. NO_II hfrpIaez.
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'\I B.Ed/fku.
V ~. li. Laborltoln d. chilnle.
. ." b. !cliac Votlve.
I c. I!m,lacemmr d'un arand mo-
numene.
ti. Uninniú.
I. H6cel de ViIIc.
f. Jlurttbclcer.
I. AiJe projerée dll ButJtheater.
h. Temple de Tb~lée.
j. Emplatemenr du monument
de Gcetbc.
.. NOllvel idifice Ron d~terminé.
L Palais de JIlltÍce.
m. NOllvel1e alie de la Holbllfl.
". kc de Triomphe projeú.
251
terpretação medieval, relega para segundo plano questões como o zonamento, as
infra-estruturas, densidades, índices urbanísticos ou o funcionamento da cidade.
Sitte domina com à-vontade a pequena escala, mas revela incapacidade para con-
r
trolar o organismo urbano e a grande cidade, a qual exigiria certamente outros méto-
dos tais como elementos estruturantes e grandes traçados. O seu receituário ~erve pa-
r
ra pequenas sequências, mas torna-se de impossível utilização a grande escala.
Não resisto a estabelecer um paralelo com Gordon Cullen no Townscape (13), tam-
bém este preocupado pelas sequências espaciais, com igual predomínio dos espaços
r
medievais e da pequena escala, e raras referências às quadrículas, malhas ou sistemas
ortogonais e extensivos. Cullen, à sua maneira, retomou alguns ensinamentos de Sitte, r
ou, se se quiser, a paixão de Sitte pela morfologia medieval.
A vasta obra de Sitte e os seus escritos influenciaram fortemente os urbanistas den-
tro. da Alemanha, onde se formou uma escola que aprofunda e aplica os seus ensina-
r
mentos e, fora desta, por toda a Europa, marca a jovem disciplina urbanística.
Até o próprio Le Corbusier, nas suas primeiras reflexões sobre a arquitectura, terá
sido influenciado por Sitte (14).
r
O Movimento Moderno assimilou tanto os trabalhos de Stübben como os de Sitte
mais superficialmente aos seus aspectos de revivalismo medieval do que ao seu conteú-
r
do essencial - a arte de desenhar a cidade, ou a composição da forma urbana.
De novo haverá que reflectir sobre Sitte (a reedição do seu livro já o permite) (15),
pelas inúmeras pistas que fornece para a actuação na cidade histórica e para interven-
r
ções pontuais de cicatrização de tecidos urbanos.
r
UNWIN - A PRÁTICA DO URBANISMO E DO DESENHO URBANO
r
Em 1909 o Parlamento Inglês aprova a primeira lei sobre planeamento urbanístico
e é publicado o Town Planning in Practice (16), que, no dizer do autor, serviria, «entre
outros objectivos, para melhorar e estimular a aplicação da lei do urbanismo face ao
r
I
empobrecimento estético e qualitativo das cidades e à sua uniformização».
Apesar da apresentação modesta, o livro adquire grande repercussão em Inglater- r-
I
ra e ressonância internacional. A primeira edição esgota-se rapidamente; a segunda,
aparece meses mais farde; a terceira, já revista, em 1911, e outras se sucedem entre
1919 e 1932. Ernest May, discípulo de Unwin, traduz o livro para alemão em 1922;
Léon Jaussely prefacia-o e tradu-lo para francês em 1924; Clarence Stein e Henri
Wright difundem-no nos Estados Unidos, e seguem-se edições em russo e italiano.
O objectivo principal do Town Planning in Practice são os métodos de projecta.r a ci-
dade e os seus bairros - a «boa forma da cidade» (17), Este objectivo domina todo o tra-
I~
252 II~
I
4-15. Barry Parker e Raymond Unwin. Plano de Letchworth - cidade-jardim, 1903, publicado
no Town Planning in Pactrice
253
balho. Mas os exemplos que Unwin retira da experiência de Letchworth e Hampstead
terão provocado uma associação excessiva com a cidade-jardim, em detrimento do
Unwin urbanista talentoso e investigador, inventor de novas tipologias urbanas e ca-
paz de abordar o projecto da cidade em toda a sua complexidade morfológica.
O Town Planning in Practice pouco tem de teoria da cidade-jardim, sendo, pelo
contrário, um verdadeiro tratado de desenho urbano. Escrito vai para mais de oitenta
anos, readquire hoje grande actualidade, atestada pela reedição em várias línguas (181.
Revela, desde logo, a influência de Sitte e a continuidade com a obra do mestre, di-
vulgada vinte anos antes na Stadtebau de Viena. Todavia a influência de Sitte é mais
marcada nos dois primeiros capítulos - Da arte pública como expressão da vida comu-
nitária e Da individualidade das cidades - do que nos restantes.
No terceiro capítulo - Da beleza do regular e do irregular -, Unwin afasta-se já
claramente de Sitte, ao confrontar o formalismo (<<o regular») dos traçados clássicos e
em retículas que favorecem o tráfego, com outro tipo de urbanismo que nasce do res-
peito pela individualidade do sítio e da valorização do contraste e da surpresa, carac-
terística dos espaços medievais (<<o irregular»).
Neste confronto do REGULAR com o IRREGULAR, Unwin evidencia as vantagens e
inconvenientes, de ambos, e os casos em que um se justifica, e outro, não, e explora,
com eclectismo, as contribuições de ambos os sistemas. Tal como hoje se oferece aos ar-
quitectos a utilização de morfologias modernas ou tradicionais, Unwin reflecte sobre a
problemática (ainda hoje em aberto) do «irregular» e o «regular».
O seu método apoia-se tanto em exemplos criteriosamente escolhidos como em tra-
balhos pessoais. Os exemplos reais são completados e comparados com esquemas grá-
ficos explicativos e com as experiências realizadas em Letchworth, Hampstead e Earths-
wick, permitindo reflectir sobre as soluções conseguidas. Aí, como se verá, dá-se um
dos primeiros passos na ruptura da cidade tradicional, pela reformulação das relações
da rua com o lote e o edifício. Problema complexo, na medida em que não é a vontade
de destruir a cidade tradicional que conduz Unwin nessa ruptura, mas apenas a conse-
quência lógica do «material» com que trabalha: a casa unifamiliar, a baixa densidade e
a máxima recuperação do solo livre para o verde da «cidade-jardim».
O discurso de Unwin é preciso e sistemático, libertado do empirismo dos seus antecesso-
res, e procura o equilíbrio entre as necessidades funcionais eos objectivos estéticos na cidade.
A este respeito, o capítulo VIII, sobre a organização viária, é exemplar. Para Unwin
as vias são canais de tráfego, e esta é a sua primeira razão. Mas são também o lugar
de implantação dos edifícios e pretexto para evidenciar as suas características volumé-
tricas visíveis e as suas fachadas, assim formando a imagem, mais relevante nos cruza-
mentos e nos nós. Posição que seria retomada por Lynch (19).
Para exemplificar estas pesquisas, Unwin reflecte sobre perfis e larguras de traça-
254
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4·16. Raymond Unwin - Town Planning in Pac/rice, Estudo de diferentes soluções para o con·
iunto de vias, intersecções, vias curvas e impasses, obtendo diferentes efeitos visuais, .lIustrações
do Tawn Planning in Pac/rice
255
dos e seus cruzamentos, preocupa-se com a arborização das vias, numa dosagem equi-
librada entre o funcionalismo e a autonomia estética do desenho urbano.
Aborda também o problema da estrutura fundiária: a dimensão, a forma das par-
celas, a sua ocupação e modo de agregação, e a posição face aos arruamentos consti-
tuem a base da edificação e alicerce do desenho urbano. Para os cruzamentos e as es-
quinas, as partes mais complexas do sistema viário e edificado, Unwin desenvolve hipó-
teses de colocação do lote no terreno e no esquema urbano de modo a atingir objecti-
vos volumétricos e construtivos da «boa forma da cidade». Parcelamento e edificação
(ou arquitectura) constituem sistemas interdependentes de construção da cidade.
Outro princípio básico refere-se à necessidade de subordinar cada edifkio a um tra-
tamento unitário do conjunto.
Mesmo com tipologias residenciais de baixa densidade e de vivendas unifamiliares,
os edifícios subordinam-se ao conjunto e só assim se obtém um adequado controlo do~
espaços públicos resultantes. Apesar da baixa densidade, Unwin oferece um conjunto
muito amplo de soluções e hipóteses que produziram forte influência nos seus continua-
dores e no urbanismo tradicional, ao longo da primeira metade do século XX.
Unwin propõe também que o controlo da cidade seja exercido simultaneamente na
escala geral (organização dos traçados principais, dos equipamentos e funções) e na
pequena escala (o bairro, o quarteirão, a rua).
A primeira designa de town planning, e a segunda, de site planning.
Entre as opções gerais de traçados, equipamentos e funções e o desenho das ruas e
residências deverá existir correspondência e continuidade.
Projectadas as vias principais, os terrenos deverão ser urbanizados de modo a se
obter o melhor partido para os edifícios, através da metodologia do Site Planning.
Esta dualidade entre o «plano geral» e o «plano de pormenon>, entre a escala terri-
torial e a escala urbana, é confrontada com o «regular» e o «irregular». Receita para a
escala de pormenor, maior variedade e liberdade, e até aceita graus de «acaso» e a in-
tervenção de vários urbanistas, tentando recriar os processos orgânicos de formaçã9
das cidades - retomando a nostalgia da cidade medieval.
Ao revalorizar a cidade medieval, Unwin coloca também uma questão ainda hoje
insuficientemente resolvida: a cidade histórica, com a sua complexidade espacial,
formou-se, por sedi~entação e contributos de várias épocas e períodos, materializados
em sobreposição de malhas viárias, sistemas espaciais e construções. Deste processo
resultou um ambiente a muitos títulos fascinante, rico de surpresas e de variações. Mas
um processo de acumulação será difícil, senão impossível, de recriar no estirador - e
as realizações tentadas resultaram em pálidas imagens, da a riqueza e complexidade
das cidades históricas. Mas esta é uma questão que há que ponderar, aceitando a ne-
cessidade do tempo na conclusão da cidade. De resto, o próprio Unwin sistematiza o
256
que o urbanista apreende na leitura da cidade e as repercussões desses ensinamentos
na prática do seu ofício, transpondo-as em linguagem e formas contemporâneas.
Numa altura em que o desenho urbano já havia passado por um conjunto de expe·
riências muito ricas e diversificadas e atingido a maturidade, o tratado de Unwin dá os
contributos metodológicos necessários à prática cada vez mais complexa do urbanista
e do arquitecto - prática projectual por excelência, essencialmente' morfológica.
Se influências de Unwin poderão ser encontradas em Agache, Groer, Prost ou Faria
da Costa, e nos urbanistas franceses de entre guerras, verifica-se também que Unwin
desenvolve princípios e modelos que rompem com o sistema de quarteirão fechado, in-
fluenciando as pesquisas habitacionais holandesas dos anos vinte-trinta. Os sistemas de
impasses o c e, etc., também serão retomados pelos seus seguidores americanos -
Claren e Stein, q e aperfeiçoa o «impasse» no modelo de Radburn, ou Taut, Berlage,
Klein, o próprio Gropius'ou até o Le Corbusier dos seus primeiros tempos. Fica também
de Unwin a influência exercida no urbanismo anglo-saxónico, que nunca aderiu total-
mente ao racionalismo moderno, e vem eclodir, sessenta anos mais tarde, com Cullen,
Nairn e Wolfe, no Townscape, ou na Imagem da Cidade, de Lynch.
As recentes edições da obra de Unwin permitem também descobrir alguma «bato-
ta» cometida por teóricos recentes do novo urbanismo, ao recorrerem às cidades euro-
peias dos séculos XVIII e XIX como fontes de inspiração, esquecendo contributos a este
e outros autores, afinal bem mais actuais. Por sucessivos lapsos da História (do «lapso»
dos historiadores modernos ao «lapso» dos teóricos antimodernos dos últimos anos),
autores como Unwin têm sido aparentemente ignorados. Hoje, o debate sobre a mor-
fologia urbana e a revalorização da cidade tradicional permite um enfoque diferente.
Depois de oitenta anos sobre a edição original, reler o Town Planning in Practice é
reencontrar a possibilidade do planeamento da cidade a partir das variáveis físicas,
morfológicas, no interior de uma dimensão intelectual e científica dos problemas.
Estas referências são talvez insuficientes para situar a obra de Unwin no seu verdadei-
ro contexto e lugar na história do urbanismo e do desenho urbano: dou-me conta da for-
te actualidade do Town Planning in Practice, em relação ao qual muitos textos e manuais
posteriores pouco ou nada acrescentaram, senão uma apresentação gráfica diferente.
A obra de Unwin apresenta-se hoje como se tivesse sido escrita por alguém prota-
gonista da polémiGa dos últimos vinte anos sobre o desenho e a forma da cidade.
Alguém sereno, profundo conhecedor dos mecanismos de produção da cidade, das
particularidades do território e dos sítios, e das formas urbanas, e manejando com ex-
periência as técnicas do desenho. Alguém com experiência do «ofíci~ de urbanista» -
que é o do arquitecto que trabalha no desenho da cidade.
Tenho para mim que o estudo do texto de Unwin deveria constituir um dos manuais
de desenho urbano das escolas de arquitectura.
257
4-17. Léon Joussely: plano de Angoro - Turquia 1925. Desenho original, escalo 1:4 000 no ori-
ginai
258
4.3 A ESCOLA FRANCESA: URBANISMO FORMAL
E TRADIÇÃO PARISIENSE
A França conhece, na primeira metade do século XX, uma intensa actividade urba-
nística, de que retenho alguns momentos importantes. O primeiro, a constituição em
1913 da Société Française des Urbanistes (SFU), formada a partir da secção de Higiene
Urbana e Rural do Museu Social. Eugene Henard é o primeiro presidente da
S. F. U. (20), que conta com D. A. Agache, J. C. N. Forestier, Jaussely, Prost, Parenty,
De Sousa e Tony Garnier, entre outros. Três anos antes, em 1910, a nova ciência da or-
ganização dos assentamentos humanos no território era baptizada por Urbanisme (21).
A lei Cornudet, de 14 de Março de 1919, modificada em 1924, constituiria a primei-
ra Carta do Urbanismo, impondo a obrigação de um plano a todas as cidades com
mais de 10 000 habitantes. São os Planos de Extensão e Embelezamento - designação
que admitia também o interesse pelo aspecto estético e ordenamento visual da cidade.
Sob a lei Cornudet, são realizados planos, instituindo-se uma prática decisiva para
o desenvolvimento da urbanística francesa. O trabalho determinado pela lei orientou-
se para a reconstrução dos estragos da guerra, organização do crescimento, renova-
ção dos centros, controlando as transformações e dando formas às cidades.
Através do plano e numa visão integrada, eram coordenadas questões de natureza
diversa: das infra-estruturas e arruamentos à habitação e equipamentos, com um forte
senl'ido estético do ordenamento urbano.
Em 1919, Marcel Poete e outros criam a Éco/e Pratique d'Études Urbaines et d'Ad-
ministration Municipa/es, que sucedia à Éco/e Supérieure d'Art Publique, e que, em
1924, se torna o Institut d'Urbanisme de /'Université de Paris. Uma das primeiras esco-
las de urbanismo, o Instituto teve enorme prestígio e a ele acorreram estudantes de to-
do o mundo, futuros urbanistas em seus países, como Faria da Costa em Portugal.
Através do Institut d'Urbanisme, a França estabelecia o ensino do urbanismo, codi-
ficava e definia a metodologia de composição urbana.
A escola francesa seria caracterizada pela utilização de traçados clássicos, de qua-
drículas, praças e perspectivas - trabalhadas a aguarela e carvão, em impressionan-
tes desenhos que fixavam o ordenamento visual. Estas características fariam do urba-
nismo um artigo de exportação, prestigiando a irradiação da cultura francesa.
Seria simplista reduzir a escola francesa à aparência visual dos seus planos e reali-
zações, na medida em que o urbanismo era encarado como ciência - «ciência da ob-
servação» -, no dizer de Marcel Poete, para o qual cada cidade seria «um organismo
com vida própria que não a soma das vidas particulares». (22)
259
Assim, a urbanística francesa estabelecia a metodologia da realização dos planos.
Abordava matérias pluridisciplinares, preocupando-se com o «ser» (/'êfre urbain) (23),
que considerava distinto da forma - mas aceitava a «forma» como o produto final do
urbanismo, privilegiando o desenho como método de trabalho.
Os planos seriam iniciados por inquéritos e análises até atingirem as propostas, tra-
balhando a diferentes escalas territoriais, do geral ao particular, da cidade ao bairro,
numa metodologia cartesiana que deixou até hoje prindpios universais, como a neces-
sidade de observação e compreensão da cidade antes de nela intervir.
Nesse processo pluridisciplinar o urbanista-arquitecto deteria o papel do maestro,
coordenador das várias intervenções e único capaz da síntese, porque único apto a
«desenhar».
O urbanista é «não aquele que, tendo outra preparação, considera a cidade como
tal no seu campo de actividade, mas aquele para quem a cidade, na sua unidade orgâ-
nica própria, forma o centro de pesquisas e que só considera as outras ciências na me-
dida em que têm relações com a cidade» (24), ou, como refere V. Deznai (25), «a fim de
ser tratada como convém, esta ciência (o urbanismo) requer aptidões que não são o
simples somatório dos conhecimentos do arquitecto, do engenheiro, do sociólogo, do
urbanista, do administrador, do higienista, do geólogo, do climatólogo, do geógrafo,
do naturalista, do historiador, do etnógrafo, etc. O urbanismo, embora enformado
por todas essas ciências (suas auxiliares) no que se refere à cidade, compõe por si mes-
mo um conjunto orgânico cuja essência não se situa nos pormenores, mas nas relações
vivas entre esses elementos». Éeste o ponto de vista que é novo: a cidade já não é con-
siderada do ponto de vista da arquitectura, das técnicas, ou da sociologia ... mas sim-
plesmente do ponto de vista «cidade».
A escola francesa teve papel preponderante pelo debate teórico, realização de pIa-
nos, e pela irradiação internacional. Exportou saber e formação e os seus urbanistas
trabalharam na organização de muitas cidades pelo mundo, conferindo-lhes determi-
nada homogeneidade cultural, técnica e distributiva, ainda hoje reconhedvel.
Muitos desses arquitectos urbanistas foram distinguidos pelos sucessos do seu tem-
po: os Grands Prix de Rome, os primeiros lugares em grandes concursos internacionais,
grandes encomendas no estrangeiro, (26) planos para cidades como S. Petersburgo, Is-
tambul, Rio de Janeko, e também, nas colónias e nações em desenvolvimento da Amé-
rica do Sul, num conjunto de obras que foram o campo laboratorial da nova disciplina.
Apesar da realização de inúmeros planos em França, entre os quais o Plan d'Amé-
nagemenf de la Région Parisienne, executado nos anos 30 sob a direcção de Henry
Prost e notável pela dimensão e métodos, será nas colónias francesas e no estrangeiro
que se encontrarão as mais interessantes realizações da escola francesa.
Léon Jaussely ganha, em 1903, o concurso para o Plano de Barcelona (na sequên-
260
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261
4-19. Henri Prost durante o governo de Liautey. Plano de Fez, Marrocos, 1914-1916. A cidade
europeia e os relações com o cidade antigo muculmona. Desenho publicado por Auzelle no Ency-
clopédie d'Urbonisme
262
PARIS
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4-20. Léon Joussely: plano de ordenamento e extensão de Paris, 1919. Proposto escolhido em
concurso
263
,
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cia do Plano Cerdá): Henri Prost, já citado, realiza os planos das cidades marroquinas
e de Istambul, onde trabalha durante quinze anos; Jacques Gréber, em 1917, ganha o
concurso para o Plano de Filadélfia e depois Otava e Montréal; Forestier desenha os
planos de Buenos Aires e de Havana; Hebrard reconstr6i Sal6nica, em 1918, e traba-
lha nos planos de Dalat, Hanói, Saigão, Hai Phong e Phnom Penh; Agache e De Groer
trabalham em Portugal (Planos de Lisboa, Costa do Sol, Coimbra, Évora, Almada,
etc.), orientando De Groer os Serviços de Urbanização montados por Duarte Pacheco.
Agache elabora também o Plano do Rio de Janeiro, e ganha o concurso para o PIa-
no de Camberra. Mais recentes são ainda os casos de Auzelle e Georges Meyer Heine,
que elaboram, respectivamente, os Planos de Porto e Lisboa (1963-1974).
Faria da Costa, formado em Paris, nos anos quarenta, foi um dos pioneiros e talvez
um dos maiores urbanistas em Portugal, seguido, anos mais tarde, por João Aguiar,
também formado na escola francesa e autor de numerosos planos de vilas e cidades.
Retenho também deste conjunto de exemplos o caso particular dq obra realizada
em Marrocos pelo Governo do general Liautey, que chama Henri Prost para dirigir a
equipa que, entre 1914 e 1930, planeia e levanta as cidades europeias em Casablan-
ca, Fez, Marrákech, Tânger e a capital administrativa em Robot.
Pela exemplar união entre a visão política e administrativa do governador e a urba-
nística de Prost, o território é organizado e as cidades existentes são dotadas de gran-
des expansões à europeia.
As «cidades novas» de colonização europeia são realizadas ao lado das cidades
marroquinas sem as destruir. Inovadoras para a época são as relações entre a expan-
são por traçados, afrancesada, e a cidade marroquina, respeitada como um todo, sem
qualquer atravessamento viário, vindo a constituir uma unidade urbana, numa atitude
que só teria equivalente no respeito actual pelos centros hist6ricos.
Liautey expõe, em 1921, em Robot (27), a síntese das teorias de planeamento urba-
nístico no protectorado marroquino: a necessidade de respeito pela cidade indígena,
justapondo-a à cidade eLlropeia, equipada e especializada funcionalmente. Justaposi-
ção que não produz danos a ambas as partes, permitindo-lhes conviver social e fisica-
mente. Uma articulação que contém a salvaguarda dos espaços tradicionais marroqui-
nos, embora aceitando a segregação racial e econ6mico-social entre as duas áreas.
A expansão europeia é essencialmente um esquema de traçados, de localizações
funcionais e de disposições edificadas segundo as regras e regulamentos que definem a
construção ao longo desses mesmos traçados, como, por exemplo, a determinação
obrigatória de arcadas no piso térreo, determinada pelo clima norte-africano.
Nos capítulos seguintes, são apresentados alguns autores referenciáveis. Tony Gar-
nier, Marcel Poete, Agache e as suas obras, que de certo modo, exemplificam o con·
teúdo e dão conta da influência que a escola francesa teve no mundo. O perlodo de in-
264
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4-22. Auguste Perret: plano de reconstrução do Havre. Esquema e imagens do época,
1944-1950
266
4·23. Fernand Pouillon: C1imat de France. Conjunto urbano de habitação social em Argel .-
3500 habitações. Maqueta do conjunto e vista da grande praça dos 200 Colunas. A evolução
da urbanística formal integrando propostas modernos e sentido da tradição urbano em
1956.
267
fluência e duração do urbanismo formal acaba sensivelmente com o fim da Segunda
Guerra Mundial, com o advento do «urbanismo moderno», que traz novas ideias.
Atrevo-me a afirmar que, quando foi interrompida e abandonada, a urbanística
formal encontrava-se em plena maturidade e apetrechada para responder aos proble-
mas e desafios da organização da cidade. A evolução em França é sintomática. Du-
rante o período entre as duas guerras são ainda os arquitectos urbanistas da SFU que
orientam o planeamento das cidades. Para a reconstrução, a partir de 1945, a ideolo-
gia moderna ir-se-á apoderando do aparelho de Estado até se tornar dominante. Atra-
vés da acção do ministro Claudius Petit (o mesmo que encomenda as unités d'habitation
a Le Corbusier em Marselha e Lyon), os urbanistas da SFU responsáveis pela reconstru-
ção das cidades irão ser substituídos por jovens arquitectos modernos e funcionalistas.
Esta substituição técnica entre 1945-1950 marcará a evolução do urbanismo francês e
a definitiva adopção do urbanismo e da arquitectura modernos.
Garnier desenvolve a sua obra mais notável - a Ville Industrielle - como tese de
bolseiro Prix de Rome, que expõe ao público, quando, em 1904, regressa a França. A
segunda fase da sua actividade processa-se em Lyon como urbanista da cidade, onde
também projecta e constrói obras importantes.
A Cidade Industrial terá sido ponto de referência para aqueles que, sem visionarem
a ruptura com a cidade tradicional, propunham a sua evolução e adaptação; ponto de
referência pela metodologia utilizada, pelo carácter científico com que os problemas
são tratados e pelo sentido morfol6gico-arquitectónico das propostas.
Realizada em 1904 e publicada no mesmo ano na revista La Construetion Lyonnai-
se, A Cidade Industrial quase que permanecerá ignorada até 1917 (28!, ano em que é
divulgada em livro. Os Grands Travaux de la Vil/e de Marseil/e dão outra publicação,
em 1920, conjuntamente com os trabalhos já realizados por Garnier, em Lyon.
Enquanto os seus colegas actuam iunto da opinião pública e dos poderes, Tony
Garnier remete-se a um trabalho solitário, em Lyon. O impacte prometedor da Cidade
Industrial não terá -seguimento no seu trabalho posterior, que tem de afrontar um caso
real e problemas diários de uma cidade em desenvolvimento. .
Garnier não escreve, não viaja nem participa muito nas polémicas de vanguarda.
Não tem o entusiasmo combativo e militante que lhe permitiria tornar influentes as suas
ideias. Por estas razões e por falta de divulgação, permanecerá num plano «secundá-
rio», embora pertença ao grupo fundador da SFU.
Com o início do Movimento Moderno, Garnier será quase esquecido até aos anos
268
·.....'.
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I. u,ine hydro'éleclrique
2 filalu,e,
3. mine'j
4. u,ine mélallu,gique
5. u,ine de produi" ,elradai,.,
6. champ, d' ."ai de, mol.u"
7 uhlizatioo d., déchel'
8. abaNai"
9. gare de I'u,ine
10. ,'o.ioo de la ville
11. viII. anc:iellne
I2. gare cent,al.
IJ quar'ie" r.,idenhel,
14. celllre de la ville
15. école, pr,maire,
16. écal", pro/euioonelle,
J 7. éloblissemenh sonita;re~
18. vieux chÔICOU el pare pubhc
19 címelrê(p,
4·24. Tony Garnier: a cidade industrial (1904). Plano geral de apresentação - desenho origi-
nai e esquema explicativo, segundo Ostrowski em L'Urbonisme Conlemporain
269
sessenta (29), altura em que a sua obra é «redescoberta» por historiadores que o envol-
vem na génese da cidade moderna ...
Sem negar a evidente aproximação de Garnier às inquietações que precedem a
cidade moderna e o carácter inovador das suas propostas, parece-me mais acertado
integrá-lo na urbanística formal da primeira metade do século XX.
As propostas da Vílle Industrielle apontam uma via simultaneamente de continuida-
de e inovação. Continuidade, porque se interligam aos sistemas de fazer cidade por
traçados, eixos e quadrículas, de reforma e inovação, porque indicam organizações
funcionais e físicas diferentes e que seriam incorporadas na cidade moderna.
Precisa organização distributiva e das actividades tipologia construtiva sistematiza-
da e relacionada com a morfologia urbana; permanência da relação traçado/rua/lo-
te/edifício, são, entre outras, as propostas de Garnier. Deixa livre a velha cidade, que
não entra no desenvolvimento urbano (antevendo o que será tema constante na urba-
nística moderna), transpondo no terreno o princípio do zonamento funcional, que per-
mite à cidade fragmentar-se por áreas distintas. O sector residencial é atravessado por
uma via central e organiza-se em «quarteirões» regulares. Cada quarteirão mede
150 x 30 metros e subdivide-se em lotes de 15 metros de lado, ocupados por casas ge-
minadas, que, na segunda versão, terão dois pisos). Cada lote tem sempre um lado pa-
ra a rua. Entre a fachada do edifício e a rua existe um pequeno jardim que envolve a
construção. O quarteirão é fragmentado e utilizado por verde público, do qual emer-
gem as edificações. Quase seria subvertido, se não se mantivessem a direcção dos ei-
xos viários e o alinhamento entre edifícios, lotes e arruamentos. É a partir da arquitec-
tura que se define a organização do espaço urbano. Garnier projecta os edifícios e os
ambientes urbanos por estes criados. Apresenta, numa sequência narrativa, um mode-
lo urbano, possível de utilização, afrontando com objectividade os sistemas político-
administrativos, técnicos, sociais, jurídicos e económicos que tal acção envolve, numa
demonstração da organização urbana para o século XX.
270
~i·~l . ±"'J~,n.'
. ,~-.. )j ..U-f] .
4-25. Tony Gornier. A cidade industrial. Pormenor dos bairros habitacionais: planto dos
edifí-cios e perspectivo aéreo do conjunto. Perspectivo do gore ferroviória e do siderurgia
no zona industriol.
271
A obra de Poete já foi abundantemente referida a propósito da forma urbana, e
por aí se poderá julgar a sua metodologia de conhecimento da cidade, da qual me
aproximo.
Retenho a utilização da análise histórica comparada. O seu método histórico de co-
nhecimento decorre do estudo das cidades existentes ou passadas. Étambém científico,
pelo recurso ao conhecimento global e à explicação pluridisciplinar dos factos urbanos.
Para Poete, o urbanismo deve assentar no profundo conhecimento da história urba-
na e na evolução da cidade como facto construído. Procura o futuro da cidade no seu
passado e no presente.
Poete terá sido o «urbanista» no sentido do estudioso global da cidade, praticando
a pluridisciplinaridade do conhecimento do objecto urbano.
Aobra de Poete é prosseguida por outros autores como Henri lavedan (31), historia-
dor e seu discípulo.
Anos mais tarde, o próprio Mumf9rd continuará esta investigação, embora os tra-
balhos de Mumford, centrados essencialmente na história das cidades, sejam mais dis-
tanciadas da prática urbanística. O trabalho de Poete, mais centrado sobre a morfolo-
gia urbana, permite formular respostas mais directas para o desenho urbano.
Recordo os estudos sobre a origem e evolução dos traçados das ruas e praças, do
parcelamento e das estruturas fundiárias, a «teoria das permanências», o lugar dos mo-
numentos na estrutura urbana, e tantas outras considerações de grande validade e
actualidade para o estudo da cidade.
Poete trabalha na perspectiva do urbanista que, antes de traçar o plano, exige co-
nhecer o objecto da intervenção. Institucionaliza uma prática que se inicia com a análi-
se e finaliza na proposta. Através da investigação introduz no estirador a lição das ci-
dades antigas, que representam, no fundo, grande parte da experiência do presente.
O recurso à História como instrumento de aprendizagem fará parte integrante da
urbanística formal e particularmente da escola francesa. Desde Stubben, Camillo Sitte
ou Unwin, esta atitude é bem contrária ao anti-historicismo (ou corte com a História)
dos arquitectos modernos. Embora continuada por outros autores, a obra de Poete vai
ser confrontada com a polémica da cidade moderna, acabando por cair em desuso,
votada ao esquecimento pelos arquitectos, teóricos e historiadores modernos. O esgo-
tamento das edições, a sua idade e envelhecimento, a dificuldade de encontrar seus li-
vros nas bibliotecas, 'colocam-no na prateleira dos autores esquecidos; reduzindo-lhe a
influência progressivamente. De tal modo que, em 1965, quando Rossi, no trabalho (já I
hoje clássico) L'Architettura della Cittá, retoma e desenvolve algumas teorias do «ve- -'
272
cidade. A recente reedição das obras de Poete, como a Introduction à l'Urbanisme (32),
permite agora retomar as fontes originais e os ensinamentos que nos transmite.
Esta redescoberta irá de par também com o reencontro da urbanística com a arqui-
tectura e com a História - a lição da «presença do passado» - e, nesse campo, Poete
terá sido dos que melhor compreenderam a história urbana.
Tenho como certo que o estudo dos trabalhos de Poete deveria constituir de novo
objecto de formação arquitectónica e urbanística, leitura obrigatória para a compreen-
são dos processos de formação da cidade e do seu desenho.
Seria, além do mais, uma falha cultural só conhecer Poete através de Rossi, já filtra-
do pela «tendência» interpretativa do grande arquitecto italiano.
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4-26. Oonnat Alfred Agache: Plano do Rio de Janeiro, 1928-1930 - o Rio de Janeiro Maior.
Pormenor do zona central (Parlo do Brasil) e relação dos enfiamenlos com os elementos do
terrilário (Pão de Açucor) Praça do Porto do Brasil, perspectivo aéreo de noite. Marcação dos
lraçados no Esplanada do Castelo.
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275
e a possibilidade de examinar o «confronto» com o «gigante» do Movimento Moderno
- Le Corbusier -,de passagem pelo Rio em digressão pela América do Sul, no momen-
to em que Agache trabalha no seu plano.
Diante de Agache e da Associação dos Arquitectos Brasileiros, Le Corbusier dá, em
, 929, uma conferência sobre a unidade do sistema moderno e das suas propostas - os
esquisses famosos para o Rio de Janeiro -, em que a gigantesca composição arquitec-
tónica assenta na grandiosa paisagem e com ela se relaciona de igual para igual. A
macroestrutura de Le Corbusier é sugerida pela escala da paisagem, assentando em
dois elementos principais: o «arranha-céus» e a auto-estrada. A natureza da proposta
de Le Corbusier é autónoma. Não é um plano, é um projecto; não é urbanismo, é ar-
quitectura, e como arquitectura se confronta com o território monumental do Rio, os
seus morros, o Pão de Açúcar, a costa e o mar. Na paisagem vista de avião, grandiosa
e monumental, encontra Le Corbusier o suporte para as suas ideias.
Desta confrontação e das conferências pronunciadas no Rio, deixa Le Corbusier o
fermento que marcaria a arquitectura e a urbanística brasileira moderna, de Niemeyer
a Lúcio Costa.
A comparação das propostas de le Corbusier com o plano de Agache exemplifica
com ênfase (apesar do caso extremo e paradigmático de Le Corbusier) o distanciamen-
to que o separa da urbanística formal.
Agache desenvolve um método e uma técnica operacional que assentam na estrutu-
ração da cidade a partir do zonning e do plano-director.
a zonning é a repartição racional das necessidades da vida urbana: habitação, tra-
balho, lazer, permitindo regulamentar o mercado fundiário, bloqueando a sobredensi-
ficação, definindo o bairro e controlando o crescimento urbano.
Fixa também a densidade e os tipos de habitação predominantes em cada bairro,
assim contribuindo para a definição da sua forma.
A conjugação entre morfologia urbana e tipologia habitacional é esquissada, como
dois instrumentos que vão definir a forma da rua, do bairro e da cidade. O sistema de
zonning proposto por Agache recusa o desenvolvimento da cidade em anéis concêntri-
cos, que considera caótico, optando pelo crescimento em estrela, que permite criar es-
paços livres no interior da mancha urbana.
A macroestrutwa da cidade é uma alternância de áreas construídas e zonas livres,
como ao nível urbano, a morfologia será a alternância de cheios e vazios, nos quartei-
rões, arruamentos e praças.
a plano-director define a estrutura urbana e os elementos funcionais da cidade,
hierarquizados nas suas posições no território. Os perímetros urbanos definem os limi-
tes das áreas a construir e são determinados pelas distâncias ao centro e pelos trans-
portes. É a «distância prática», medida em tempo de transporte, mais do que em quiló-
276
4-28 Agache. Plano do Rio de Janeiro. Projecto dos jardins poro o Ponto do Calabouço -
perspectivo. A Praça do Costela, centro de negócios
277
metros, que se conjuga com a unidade de vizinhança. Para Agache, a «unidade de vizi-
nhança» «ultrapassa a noção de bairro e define-se como associação de famílias ou indi-
víduos criada por ligações de vizinhança, sem as quais não é possível subtrair as rela-
ções económicas, como a troca de produtos, a prestação de trabalho e de serviços, as
relações indispensáveis em certas circunstâncias tristes ou alegres da vida, ou por servi-
dões, que são obrigatórias em vista do bem comum» (34).
Os bairros correspondem à ideia de «unidade de vizinhança», não sendo, contudo,
separados pelo anel verde «vazio», que faria receita no urbanismo anglo-saxónico, mas,
pelo contrário, estruturados numa continuidade urbana, como na cidade tradicional.
Para Agache, o urbanismo é também a arte da composição.
«Numa aglomeração importante, os diferentes bairros devem acusar a sua fisiono-
mia própria e diferenciarem-se uns dos outros, combinando-se numa harmonia ge-
rai» (35). A arte da composição deve traduzir a imagem coerente da cidade, tal como es-
ta se representa sobre o território. «A harmonia da cidade procura realizar plastica-
mente o quadro adequado à existência de uma colectividade organizada.» A corres-
pondência do plano com os valores institucionais, económicos e políticos dominantes
passa pela força imprimida ao desenho dos traçados e perspectivas monumentais e pe-
lo valor simbólico das massas construídas nos pontos principais: o centro de negócios, a
praça principal, as grandes funções comerciais e terciárias. A significação urbana esta-
belece a relação entre as formas e as funções. O centro é dominado por torres de escri-
tórios e comércio. «Esses edifícios de negócios dão à capital a fisionomia urbana de um
conjunto de silhuetas que as cidades antigas evidenciavam por meio dos seus numero-
sos edifícios religiosos, necessários à afirmação do poder urbano.» Agache transporta
essa significação para as funções contemporâneas. «Em vez de deixar os elementos ca-
racterísticos da nossa vida moderna espalharem-se aos ventos do acaso e perderem to-
da a expressão simbólica pela sua dispersão num conjunto caótico, é desejável
reagrupá-los (... ); é este, parece-nos, o verdadeiro lado do problema artístico da gran-
de cidade, cuja solução depende mais da organização de bons conjuntos do que da
construção de monumentos ou edifícios mais ou menos conseguidos (... ). Os edifícios,
se são bem estudados para se integrarem no quadro geral do conjunto, contribuirão
para o cenário geral; o seu porte, a sua massa, o fundo de perspectiva que ocuparão,
serão tantos elementos contribuindo para o embelezamento do organismo urbano e a
expressão de génio civil. É, portanto, necessário que o urbanista se ocupe não apenas
da disposição dos edifícios em plano, mas imagine igualmente o seu volume.» (36)
Agache, no Rio de Janeiro, em 1929-1930, utiliza com à-vontade e sabedoria a
composição clássica, o traçado e quarteirões para a definição do espaço, jogando com
todas as ferramentas do urbanismo barroco-haussmanniano: avenidas, boulevards,
praças, valorizações dos sítios, traçados geométricos e quarteirões.
278
Éo desenho urbano que comanda a arquitectura, ao mesmo tempo que o projecto
arquitectónico já transparece no desenho urbano. Plano de urbanismo e projecto de
edifícios são para Agache dois momentos de um processo único marcadamente ar-
quitectónico - tanto mais porque Agache foi também um arquitecto de grande sensibi-
lidade e invenção, como o testemunham alguns equipamentos realizados (37),
A relação da cidade com a Natureza (outro tema) passa pela interpretação do ter-
ritório numa relação dialéctica em que o sítio será o suporte interpretativo da cidade,
como que um «edifício natural» integrado na gradação arquitectural. Contrariamente a
Le Corbusier, em que a Natureza permanece independente da arquitectura (planos de
Argel, Rio ou Montevideu), para Agache, a Natureza é integrada na relação entre
cheios e vazios ou servindo de cenário a traçados e espaços públicos.
Para concluir, repito alguns aspectos das propostas de Agache que sintetizam a ur-
banística formal.
Esta rápida síntese do trabalho e teorias de Agache evidencia o requinte a que che-
gara a urbanística formal europeia e a escola francesa antes da Segunda Guerra Mun-
dial. Certamente que tal urbanística necessitaria de um poder político, voluntário e em-
penhado, capaz de levar por diante o controlo da cidade, o que, de resto, também foi
necessário para manter a coerência de cidades modernas como Brasília.
279
4-29. O Porque do Estoril e o Casino, segundo desenho de 1914, pelo arquitecto francês J. Mor-
tinet, no empreendimento de Fausto Figueiredo. Em baixo, o ressistemotizocào do parque e do
casino proposta por Agache em 1933
280
4.4 A URBANÍSTICA FORMAL PORTUGUESA
DE GROER, AGACHE E GASTON BARDET
281
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282
4-31. Cristino da Silva. Projecto para o alto do Porque Eduardo VII - Lisboa, 1963.
Perspectiva aéreo
283
da urbanística francesa prolongam-se também na personalidade de Faria da Costa,
talvez o maior urbanista português nestes últimos cinquenta anos.
284
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285
ção do interior dos quarteirões para espaço colectivo, as zonas livres e arborizadas.
São também reconhecíveis os ensinamentos de experiências urbanísticas como as
habitacionais holandesas dos anos trinta, os estudos de Unwim no Town Planning, ou
os conceitos de «unidade de vizinhança».
Todo o bairro se organiza através de tipologias urbanas precisas: as vias, que se
hierarquizam em avenidas, ruas, impasses e caminhos de peões; as praças e largos lo-
calizados no cruzamento de vias; os quarteirões, lugar de disposição dos edifícios, são
utilizados no seu interior como zonas de jardim, estacionaménto e equipamentos; os
passeios de dimensão hierarquizada que, ao longo da Avenida de Roma, reinterpre-
tam e adaptam a imagem dos redents de Le Corbusier; contínuos arborizados e verdes
de canteiro e filas de árvores em caldeiras; edifícios repetitivos, de fachadas controla-
das em ordem e unidade arquitectónica, só enfatizados nos cruzamentos e gavetos,
marcando as intersecções com praças e espaços mais significantes.
Faria da Costa rejeita a antiga cidade, com os quarteirões de interior desaproveita-
dos. Propõe outro modelo adaptado à modernidade - que recorre à utilização da rua
tradicional e à continuidade edificada, mas (grande inovação para Lisboa) acaba com
a privatização do miolo dos quarteirões, quer pela disposição dos contínuos construí-
dos quer pela organização interna do quarteirão, destinando-o a locais de recreio,
equipamentos, áreas verdes e livres destinadas às relações de vizinhança e ao estacio-
namento. As habitações passam a dispor de uma fachada para a rua e de outra,prote-
gida do movimento, voltada para o espaço público no interior do quarteirão. Terá sido
neste aspecto (e arrisco a comparação com Barcelona de Cerdá) que as propostas do
plano foram menos seguidas, já que muitos interiores de quarteirão, não tendo sido ar-
ranjados, acabariam por ser «privatizados» pelos moradores.
Éevidente a introdução das inovações urbanísticas modernas, e só na aparência a
estrutura de Alvalade se assemelha à de outros bairros reticulados de Lisboa.
A primeira diferença reside na utilização de princípios da unidade de vizinhança
adaptados ao sistema proposto.
Os equipamentos de utilização diária localizam-se de modo a não distarem mais de
500 metros da habitação. A organização em células habitacionais com um centro de
equipamentos e uma escola primária permite que alunos e peões se movimentem em
percursos seguros, 'confortáveis, e não atravessem as grandes vias de tráfego.
Estas organizam os alinhamentos de comércio e serviço e delimitam as células com o
seu centro cívico-social. Pequena indústria, artesanato e armazéns vão complementar
a área habitacional e estabelecem a integração funcional do bairro com a cidade.
Alvalade nunca seria um bairro-dormitório, já pela mistura e complementaridade
de funções, já pela densidade habitacional e conjunto de equipamentos e serviços, já
pelas formas urbanas adoptadas.
286
4-33_ Fario rio COllo: Plano no bairro de Alvalade (zona o ,ul do Avenida Alferes Molheira) --
1945
287
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4-34. Faria da Costa: Plano do bairro de Alvalade - 1975. 1. Planta das tipologias habita-
cionais. 2. Planta dos espaços livres, edifícios públicos e transportes colectivos. 3. Planta do
zonamento. 4. Pormenor do planto de trabalho com topografia, cadastro e sobreposição dos
novos troçados 00 terreno existente
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4·35. Faria da Costa: Bairro de Alvalade: perfis viários-tipo aplicados no desenho do bairro
289
Os caminhos apontados por Alvalade e Areeiro à urbanística portuguesa não iriam
ter continuidade, pela incapacidade demonstrada pela Administração pública em do-
minar os processos de crescimento urbano e pelas políticas seguidas posteriormente.
A partir dos anos cinquenta, dá-se em Portugal a ruptura com a urbanística formal e
o alinhamento cultural dos arquitectos pelas teses modernas, as quais já influencia;am
os bairros como Olivais ou Cheias.
Por isso, Alvalade e o Areeiro não foram os exemplos para a geração seguinte, que
os foi procurar à Carfa de Atenas, ao Movimento Moderno, ao funcionalismo, ou às
experiências nórdicas e onglo-saxónicas.
A urbanística «moderna» surgiria já no próprio bairro, em partes que ficaram para
o fim, como nas construções da Avenida dos Estados Unidos da América, em que os
blocos se dispõem obliquamente (41). No Bairro das Estacas, desenhado em 1954 pelos
arquitectos Formosinho Sanches e Rui Athouguia para uma zona de Alvalade, serão já
seguidos princípios do Urbanismo Moderno e da Carfa de Atenas: os edifícios
constituem-se em blocos, paralelos e orientados a sul e perpendicularmente aos eixos
viários. Não existem contínuos construídos, e entre os blocos são realizados jardins e
impasses de parqueamento. Os edifícios assentam em pilotis e o piso térreo é vazado.
Nesta realização de grande qualidade e um dos melhores exemplos modernos em
Portugal, é já a morfologia urbana moderna que é adoptada, substituindo o desenho
de Faria da Costa.
Alvalade e Areeiro, na sua força e dimensão, aguentariam e encaixariam com rela-
tivo à-vontade este tipo de modificações (de resto projectadas com grande qualidade)
- e até mesmo outras determinadas pela burocracia municipal em anos posteriores.
Alvalade-Areeiro têm vida própria e aguentaram o envelhecimento!
Passados quarenta anos e perante os sucessivos desastres urbanísticos a que Lisboa
tem sido sujeita, forçoso é reconhecer que estes bairros constituem o que de melhor e
mais qualificado permanece, conjuntamente com o casco antigo, a Baixa Pombalina e
áreas do Séc. XVIII, as Avenidas, Campo de Ourique e posteriormente os Olivais.
Todos estes exemplos foram realizados sem mesquinhez e com recurso ao melhor
saber das suas épocas.
O Plano de Alvalade poderá ser de grande estímulo ao actual debate urbanístico
pelos profundos ensinamentos que contém nesse casamento equilibrado entre postula-
dos modernos e a cidade tradicional. Tenho para mim que existe neste bairro, pelo seu
traçado e pela prova de quarenta anos de vida, um teste que comptova profundas
qualidades e virtudes e uma interessante referência para o «novo urbanismo»,
Seria da maior importância iniciar o processo de reflexão e análise sobre a urbanís-
tica formal portuguesa dos anos trinta-quarenta, de que Alvalade é um bom exemplo.
290
4-36. Bairro do Areeiro: Av. de Paris - Av. Joõo XXI. Desenho urbano de Faria do Costa (1938)
e edifícios projectados por Alberto Pessoa, R. Chorõo Ramalho, José Bastos, Licínio Cruz, José
Segurado, Joaquim Fereira, Filipe Figueiredo e Guilherme Gomes
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4.5 DA URBANÍSTICA FORMAL AO NOVO URBANISMO
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A discussão actual sobre o desenho urbano será incompleta sem a adequada aná-
lise e referências à urbanística formal de entre as duas guerras. Muito do que ultima-
mente tem sido produzido se situa na proximidade ou continuidade dessa urbanística, e
tal semelhança não é superficial. Significa uma filiação estética, conceptual e formal
idêntica. Significa também identidade de meios e respostas à complexidade dos proble-
mas do desenho da cidade.
Com efeito, a produção urbanística actual, que adiante designo por NOVO URBA-
NISMO, tem centrado a sua atenção em torno das questões da fORMA URBANA, re-
cuperando para a cidade espaços tão simples quanto tradicionais: a rua ou a praça, e
elementos morfológicos de desenho como a árvore alinhada ou a continuidade dos vo-
lumes construídos e das suas fachadas.
O que não é apenas coincidência. O «novo urbanismo» tem de comum com a
«urbanística formal» a mesma vontade de continuação com os espaços da cidade anti-
ga, reconhecendo o valor do desenho na produção da cidade, aí recolocando a arqui-
tectura como disciplina no complexo sistema de produção do espaço.
Por outro lado, as formulações teóricas e o conjunto de realizações da urbanística
da primeira metade do século XX constituem vasto material de reflexão, até porque
muitos dos problemas aí abordados são já problemas actuais.
Há também que ultrapassar a questão ideológica da identificação da arquitectura
moderna com a democracia, e da urbanística formal, com as ideologias totalitárias que
dela se serviram.
O regresso à forma urbana poderá encontrar um elo de continuidade na urbanísti-
ca formal sem recurso tão obsessivo às referências históricas dos séculos XIX, XVIII e
anteriores.
A recuperação da rua, do quarteirão, da praça e dos traçados não precisaria de ir
tão longe nas referências históricas, quando dispõe da experimentação e das realiza-
ções de entre as duas guerras para reatar o percurso interrompido. Ecom nítidas van-
tagens, na medida em que estas continham já respostas aos problemas contemporâ-
neos.
Em ambos os casos se trata de princípios da arte urbana como «arte pública», arte
da rua e do jardim, e da componente estética como elemento essencial do urbanismo.
Este campo é justamente um dos campos de debate do «novo urbanismo», e a vertente
formal do século XX é muito rica em hipóteses, experiências e realizações de desenho
urbano, o que redobra o seu interesse no momento actual.
293
Além do mais, não se podem ignorar os períodos menos conhecidos da História,
quando estes perfilam relações directas com o presente.
Dou-me conta de que o processo de conhecimento e de criatividade urbanística é de
acumulação, progredindo sobre estratos sedimentados. Não corresponde à descober-
ta espontânea de novidades. A concrel·ização das novas ideias faz-se tantas vezes por
ressaltos no passado, caminhos sinuosos e hesitações, mas raramente pela descoberta
iluminada. Muitos dos caminhos propostos ou linhas interrompidas acabam por ressur-
gir e frutificar noutros lugares e tempos mais tarde.
Por estas razões, me pareceu importante trazer aqui referências a este período, co-
mo meio de confrontação e enriquecimento do debate sobre a forma urbana.
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