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Arquitetura

Urbanismo

Gordon Cullen
Paisagem Urbana

EèihsmjShóa
Introdução ............................................................................................................................................. 9
Introdução à Edição de 1971 15

DEFINIÇÕES
Visão serial ........................................................................................................................................... 19
Local ...................................................................................................................................................... 23
Conteúdo ................................................................................................................................................ 59
A tradição funcionalista ..................................................................................................................... 89

APLICAÇÕES
Pracetas para todos os gostos ............................................................................................................ 99
105
Delimitação ........... 108
Linhas de força . . . 113
Pés e Pneus ........... 123
Restrições ................ 125
O Pavimento ......... 130
Desurbanismo 134
A «regra geral» . . . 142
Iluminação pública 146
Publicidade de rua . 153
A parede .................. 157
O clima inglês 164
Precedentes ilustres 166
Integração da árvore 170
177
Aqui e Além ......................................................................................................................................... 184
Imediaticidade ....................................................................................................................................... 191
Posfácio .................................................................................................................................................. 195
índice Remissivo .................................................................................................................................. 199
Do projeto ao edifício, do habitat ao espaço envolvente,
do campo à cidade, do funcional à vanguarda, do piroso ao estético,
da utopia à realidade — o campo de análise é im enso.
A razão de ser desta coleção reside na abordagem ,
sob os ângulos mais diversos, das questões fundam entais
da arquitetura e do urbanism o. M as isso não im plica,
naturalm ente, a exclusão de estudos referentes
a outras épocas, sobretudo quando eles contribuem
para m elhor com preenderm os a nossa.
& Arquitetura
Urbanismo

1 — Paisagem Urbana de Gordon Cullen

A publicar:
Formas Urbanas de Jean Castex, Jean-Charles Depaule e Philippe Panerai
Paisagem Urbana
Gordon Cullen
Paisagem Urbana

tfJUaitinsJinitpsMmjEH*.
Título original: Townscape
® Architectural Press, 1971
Tradução de Isabel Correia e de Carlos de Macedo a partir da edição de 1983
Revisão de Carlos de Macedo
Capa de Fernando Camilo
Direitos reservados para todos os países
de Língua portuguesa por EDIÇÕES 70
LIVRARIA MARTINS FONTES
Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 — São Paulo
IN T R O D U Ç Ã O

Há uma série de vantagens a considerar na reunião de pessoas para form ar uma


cidade. Uma fam ília isolada no campo não terá m uitas hipóteses de ir ao teatro,
ao restaurante ou a uma biblioteca, enquanto que na cidade tudo isto passará a
estar ao seu alcance. Os reduzidos meios de cada agregado fam iliar m ultiplica­
dos por dezenas ou centenas de m ilhar permitem im ediatam ente a criação de
equipam entos colectivos. Efectivam ente, uma cidade é algo mais do que o
somatório dos seus habitantes: é uma unidade geradora de um excedente de
bem -estar e de facilidades que leva a m aioria das pessoas a preferirem
— independentem ente de outras razões — viver em com unidade a viverem
isoladas.
Considere-se, agora, o im pacto visual da cidade sobre os seus habitantes ou
visitantes. O propósito deste livro é m ostrar que assim com o a reunião de pessoas
cria um excedente de atracções para toda a colectividade, tam bém um conjunto
de edifícios adquire um poder de atracção visual a que dificilm ente poderá
alm ejar um edifício isolado.
Uma construção isolada no meio do campo dá-nos a sensação de estarmos
perante uma obra de arquitectura; mas um grupo de construções im ediatam ente
sugere a possibilidade de se criar uma arte diferente. Num conjunto edificado
ocorrem fenóm enos que não se verificam nunca em relação a um edifício
isolado. No caso do conjunto, im aginem os o percurso do transeunte: ao
afastar-se pouco a pouco dos edifícios depara, ao virar de uma esquina, com um
edifício totalm ente inesperado. É normal que fique surpreendido ou até mesmo
espantado; mas a sua reacção deve-se mais à com posição do grupo do que a uma
construção específica. Im aginem -se agora os edifícios colocados de m aneira a
perm itir o acesso ao interior do conjunto; então o cam inhante sentirá que esse
espaço delim itado tem uma vida própria, que a sua existência é independente das
construções que o originam e envolvem e pensará: «Estou Aqui» ou «Estou a
entrar Aqui». Suponha-se ainda, em relação ao m esm o grupo de edifícios, que
um deles não se enquadra, pela sua função, no conjunto: o caso de um banco, um
templo ou uma igreja, no meio de casas de habitação por exem plo. Se apenas
surgir diante do observador, por hipótese, o tem plo, todos os aspectos relativos à
sua dim ensão, com plexidade, cor, e outros serão bem evidentes. Se, pelo
contrário, este se encontrar entre o casario, o contraste entre as duas escalas fará

com que pareça mais real e maior: em lugar de um tem plo grande aparecerá
com o um tem plo m onum ental. A diferença de significado entre grandeza e
m onum entalidade dá-nos a m edida desta correlação.
Existe, sem dúvida algum a, um a a r t e d o r e l a c i o n a m e n t o , tal com o existe uma
arte arquitectónica. O seu objectivo é a reunião dos elem entos que concorrem
para a criação de um am biente, desde os edifícios aos anúncios e ao tráfego,
passando pelas árvores, pela água, por toda a natureza, enfim , e entretecendo
esses elem entos de m aneira a despertarem em oção ou interesse. Um a cidade é
antes do mais uma ocorrência em ocionante no m eio-am biente. Senão, atente-se
na pesquisa e nos esforços dispendidos para a tom arem um a realidade: ]
contingentes de dem ógrafos, sociólogos, engenheiros, peritos de tráfego, etc., |
em penhados no concerto de uma infinidade de factores que possibilite a criação
de uma organização funcional, viável e saudável. É um trem endo em preendi­
mento humano!
Porém , se ao cabo de todo esse esforço a cidade se apresenta m onótona,
incaracterística ou am orfa, ela não cum pre a sua missão. É um fracasso. É como
em pilhar lenha para uma fogueira e esquecer de lhe deitar fogo.
Prim eiro que tudo há que afastar a ideia de que a em oção e a anim ação que
procuram os nas cidades surgem autom aticam ente das soluções científicas
fornecidas pelos hom ens da Técnica (ou a parte técnica do cérebro). A ceitam -se,
naturalm ente, essas soluções, mas sem perm itir que actuem com o vínculo.
A liás, nem isso seria possível, já que qualquer solução científica se baseia no
aproveitam ento óptimo de factores médios: há m édias de com portam ento
hum ano, m édias clim atéricas, de segurança, etc., seu carácter flutuante, não
poderão nunca fornecer soluções taxativas — tanto podem ser acom odatícias
como antagónicas.
Pode portanto concluir-se que de entre várias soluções científicas preconizá­
veis para uma cidade se pode adoptar indiferentem ente qualquer um a com igual
êxito: é aqui que reside a cham ada flexibilidade da solução científica, e é
precisam ente no modo c o m o é u t i l i z a d a e s s a f l e x i b i l i d a d e que entronca a arte do
relacionam ento. Com o adiante se verá, não se pretende ditar um a form a para o
aglom erado urbano ou o m eio-am biente. Apenas se deseja descobrir m eios que
perm itam m a n o b r a r d e n t r o d o s l i m i t e s d e t o l e r â n c i a . O que significa que há que
procurar mais além do cam po estritam ente científico, novos valores e novos
critérios.
Atente-se prim eiro no sentido da vista, pois é quase inteiram ente através dele
que apreendem os o que nos rodeia. Quando abrim os a porta a alguém , não é raro
que deixem os entrar para além do visitante, uma rabanada de vento que faz
esvoaçar tudo e causa um reboliço geral.
Em certa m edida, é o que se passa com a visão: quando olham os para uma
coisa vemos por acréscim o um a quantidade de outras coisas. Se olham os para o
relógio para ver as horas não podem os deixar de reparar no papel de parede, na
talha de mogno da m oldura, na m osca que se passeia pelo vidro, e nos ponteiros
em ponta de florete. É um m otivo que até Cézanne poderia ter aproveitado.
A liás, para além da sua utilidade, a visão tem o poder de invocar as nossas
rem iniscências e experiências, com todo o seu corolário de em oções, facto do
qual se pode tirar proveito para criar situações de fruição extrem am ente intensas.
São aspectos paralelos com o este que nos interessam pois se realm ente o
m eio-am biente suscita reacções em ocionais — dependentes ou não da nossa

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r

vontade — tem os de procurar saber com o isto se processa. Há três aspectos a


considerar:

1. ÓPTICA. Im agine-se o percurso de um transeunte a atravessar um a cidade.


Uma rua em linha recta desem bocando num pátio e saindo deste outra rua que a
seguir a um a curva, desem boca num m onum ento. Até aqui, i.é — no que
respeita à descrição nada de invulgar. Mas siga-se o percurso: o prim eiro ponto
de vista é a rua; a seguir, ao entrar no pátio, surge novo ponto de vista, que se
mantém durante a travessia na segunda rua, porém , depara-se uma imagem
com pletam ente diferente; e, finalm ente, a seguir à curva, surge bruscam ente o
monum ento. Por outras palavras, em bora o transeunte possa atravessar a cidade
a passo uniform e, a paisagem urbana surge na m aioria das vezes com o uma
sucessão de surpresas ou revelações súbitas. É o que se entende por VISÀO
SERIAL.

Vejamos o que significa: o objectivo que nos propusem os inicialm ente é o de


jogar com os elem entos da cidade por form a a que exerçam sobre as pessoas um
impacto de ordem em ocional. Uma rua que se prolonga à nossa frente sempre em
linha recta tem um impacto relativam ente pequeno, porque o panoram a inicial é
rapidamente assim ilado, tornando-se m onótono. O cérebro hum ano reage ao
contraste, i.é, às diferenças entre as coisas, e ao ser estim ulado sim ultaneam ente
por duas im agens — a rua e o pátio — apercebe-se da existência de um contraste
bem m arcado. Neste caso a cidade tom a-se visível num sentido m ais profundo;
anima-se de vida pelo vigor e dramatism o dos seus contrastes. Quando isto não
se verifica, ela passa despercebida é uma cidade incaracterística e am orfa.
Há ainda um aspecto a considerar no que diz respeito à VISÃO SERIA L. Se
ao nível científico ou com ercial a cidade constitui um todo, num a perspectiva
visual tem os dois pontos de vista a considerar: a imagem existente e a imagem
emergente. De um modo geral aparecem ao transeunte com o uma sucessão de
acontecim entos fortuitos, e a sua ligação não passa de m era coincidência.
Contudo, tal ligação deve ser tom ada com o m ais um aspecto da arte do
relacionam ento a colocar ao serviço da imaginação hum ana, com vista a fazer da
unidade um todo coerente e dram ático. Pelo processo de m anipulação a que já
nos referim os, terem os conseguido criar a partir da realidade inerte um a situação
intensam ente em otiva.

2. LOCAL. Este segundo ponto diz respeito às nossas reacções perante a nossa
posição no espaço. É fácil de exemplificar: quando entram os num a sala
pensamos «Estou cá fora», depois «Estou a entrar Ali para dentro» e finalm ente,
«Estou Aqui dentro». Este tipo de percepção integra-se num a ordem de
experiências ligadas às sensações provocadas por espaços abertos e espaços
fechados que nas suas m anifestações m órbidas são a agorafobia e a claustrofo­
bia. À beira de um precipício de 150 m etros tem -se uma percepção de
localização bem definida enquanto no fundo de uma caverna se experim enta
certam ente uma sensação de clausura.
Uma vez que o nosso corpo tem o hábito de se relacionar instintiva e
continuam ente com o m eio-am biente, o sentido de localização não pode ser
ignorado e entra, forçosam ente em linha de conta na planificação do am biente

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(tal com o para o fotógrafo qualquer fonte de luz, por mais inoportuna que seja).
A liás, na nossa opinião, trata-se de um factor que ganha até em ser explorado.
Im aginem os, por exem plo, o percurso de um visitante num a vila de m ontanha
do Sul da França: sobe penosam ente uma ladeira íngreme e tortuosa para chegar
à terreola do cimo da m ontanha. Cheio de sede, dirige-se a um restaurante para
tom ar uma bebida no terraço. Ao acercar-se deste, porém , verifica deslum brado,
ou horrorizado, consoante o caso, que o terraço se projecta sobre um precipício
de 350 metros: os elem entos de limitação (rua) e a revelação súbita (terraço)
conferem ao factor altura um carácter mais dramático e real.
Se, de um modo geral, na cidade não surjem contrastes tão m arcados, o
princípio m antém -se. Há uma reacção em ocional típica quando nos encontram os
muito abaixo do nível médio do terreno ou muito acim a dele. Há uma outra
perante o encerram ento — num túnel, por exem plo — e outra ainda perante a
abertura da praça pública. Tudo isto nos faz supor que, se os nossos centros
urbanos forem desenhados segundo a óptica da pessoa que se desloca (quer a pé,
quer de autom óvel) a cidade passará a ser uma experiência em inentem ente
plástica, percurso através de zonas de com pressão e de vazio, contraste entre
espaços am plos e espaços delim itados, alternância de situações de tensão e
mom entos de tranquilidade. Essa sensação de identificação ou sintonia com o
m eio-am biente, esse sentido de localização perante a posição que se ocupa numa
rua ou num largo que faz pensar: «Estou Aqui» ou «vou entrar para A li», ou
ainda «vou sair Daqui», m ostra claram ente que ao postular-se a existência de um
Aqui se pressupõe autom aticam ente a de um Além , pois não se pode conceber
um sem o outro. Alguns dos m ais belos efeitos urbanísticos residem , justam ente
na form a com o é estabelecida a interrelação de am bos. G ostaria de referir o caso
concreto do percurso entre Central Vista e Rashtrapathi Bhawan ', em Nova
Deli, onde me encontro presentem ente a escrever esta Introdução: um pátio
enorm e, lim itado de am bos os lados por edifícios m inisteriais e ao fundo pelo
Rashtrapathi Bhawan; sendo o conjunto ligeiram ente sobre-elevado e o acesso
feito por uma rampa.
Ao fundo da ram pa um gradeam ento alto separa o transeunte do edifício
central. Eis o cenário geral. Porém , ao iniciar-se o trajecto em Central Vista,
apenas se vêm integralm ente os dois M inistérios, já que o Rashtrapathi Bhawan
se encontra parcialm ente encoberto pela ram pa, apenas oferecendo à vista a sua
parte superior. Com tal efeito de truncagem aparece isolado e mais rem oto. Fica
protelada a visão com pleta do edifício, definindo-se assim a sua posição com o
Além , por oposição à do observador, situado Aqui. À m edida que se sobe a
ram pa, o Rhastrapathi Bhawan vai sendo gradualm ente revelado, só se desvenda
por com pleto o m istério quando se está bem na frente do edifício e ao mesmo
nível deste. E já neste ponto depara-se agora com um gradeam ento de ferro
forjado, cortina que mais um a vez se entrepõe ante o Aqui e o Além . Uma
sequência verdadeiram ente extraordinária, conquanto tenha sido objecto de certa
controvérsia 2. ,

1 R esidência do Presidente, recentem ente V iceregal Lodge.

2 Está na origem de uma polém ica entre Lutyens e Baker.


Lutyens, S ir E dw in (1 8 6 9 -1 9 4 4 ), arquitecto de N ova D eli (V iceroy's H ouse, 1913)
B aker. S ir H erb ert (1 8 6 2 -1 9 4 6 ), arquitecto, projectou os Secretariat Buildings e L egislative B uildings
(Secretarias e E difício L egislativo). (N . d o T .)

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3. CONTEÚD O. Relaciona-se este último aspecto com a própria constituição
da cidade: a sua cor, textura, escala, o seu estilo, a sua natureza, a sua
personalidade e tudo o que a individualiza. Se se considerar que a m aior parte
das cidades é de fundação antiga, apresentando na sua m orfologia provas dos
diferentes períodos de construção patentes nos diferentes estilos arquitectónicos
e nas irregularidades do traçado, é natural que evidenciem uma am álgam a de
materiais, de estilos e de escalas.
Contudo tem -se a sensação de que, se fosse possível reconstruí-la por inteiro
se faria desaparecer toda a confusão e surgiriam cidades novas mais belas e mais
perfeitas. Criar-se-ia um quadro ordenado, arruam entos de traçados direitos e
edifícios de alturas e estilos concordantes. Se houvesse inteira liberdade de acção
provavelmente criar-se-ia sim etria, equilíbrio, perfeição, concordância, conven­
cionalismo. Não é essa a concepção popular da finalidade do planeam ento
urbano?
E o que é convencionalism o? Tentem os explicá-lo através de um a imagem.
Imaginemos uma reunião social numa casa particular, com m eia dúzia de
pessoas que não se conhecem entre si. A prim eira parte da noite passa-se em
conversa de circunstância sobre temas de carácter geral: o tem po, as notícias do
dia, etc.. Passam -se cigarros entre os convidados, que insistem cerim oniosa­
mente em acender os cigarros uns dos outros, m as, no fundo, tudo isto é apenas
um jogo de boas m aneiras, uma exibição da m aneira com o as pessoas deveriam
com portar-se... É extrem am ente maçador! Eis o que entendem os por convencio­
nalismo. T odavia, à m edida que se vai dissipando este form alism o com eçam a
emergir do espartilho da boa educação ortodoxa seres hum anos autênticos. Então
descobre-se, por exem plo, que a ironia benevolente da senhora X é o contra­
ponto perfeito da exuberância algo ingénua do M ajor Y, e o serão tom a-se
divertido e anim ado. O conform ism o inicial deu lugar a uma aceitação tácita por
parte de todos da disparidade, dentro dos limites da tolerância e da convivência,
como é evidente.
Do ponto de vista do urbanista é difícil evitar o convencionalism o; mas tentar
escapar-lhe com artifícios é, concerteza, pior do que a m onotonia que se
procurava inicialm ente evitar. Considere-se com o exem plo um program a de
realojamento para 5.000 pessoas. Todos os indivíduos são tratados de modo
idêntico, todos recebem o mesmo tipo de casa. Se assim é, com o diferenciar?
Numa perspectiva mais geral é óbvia a diferença entre a habitação tropical e a de
climas mais tem perados; entre o tipo de construção que se encontra em zonas
argilosas e, em zonas onde abunda a pedra; constata-se até que a religião e as
convenções sociais fazem variar o tipo de construção. E quanto mais se estreita o
campo de observação, m aior deve ser a sensibilidade aos parâm etros locais. Há
uma grande falta de sensibilidade na construção de cidades, uma tendência
generalizada para recorrer a tanques e carros blindados onde apenas faz falta uma
espingarda telescópica.
Dentro de um enquadram ento geralmente aceite, que tenha por objectivo criar
lucidez e não anarquia, é possível jogar com todos os cam biantes de escala,
estilo, textura e cor, e conjugá-los por forma a criar um todo que beneficie a
com unidade. Se isso acontece o m eio-am biente não será um produto do
conform ism o mas sim da interacção entre o Aqui e o Além .
Facilm ente se verifica que um contraste de cores bem conseguido não só põe
em evidência a consequente harm onia, com o tam bém a m aior intensidade que

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daí advém para cada cor. Existe numa tela de Corot (cujo título não me ocorre de
m om ento) uma paisagem quase m onocrom ática onde, no meio de verdes
som brios se vê uma pequena figura vermelha. No entanto essa pequena m ancha é
talvez a coisa mais verm elha que eu já vi.
As estatísticas são coisas redutivas. Arrancadas ao universo real e convertidas
em projectos e estes por sua vez em edifícios, ficam sem vida, m eros esquem as
tridim ensionais que se pretende fazer habitar por pessoas. A m aior dificuldade ao
tentar colonizar um tal deserto e transform á-lo, não em paisagem para estôm agos
am bulantes, mas sim num habitat para seres hum anos passa por descobrir como
ponto de aplicação, a entrada para o castelo. Descobriram -se três entradas: a do
m ovim ento, a da localização e a do conteúdo. A visão perm itiu constatar que o
m ovim ento não é apenas progressão facilmente m ensurável e útil para a
planificação, mas se divide em duas com ponentes distintas: o ponto de vista e a
imagem em ergente. O hom em tem em todos os m om entos a percepção da sua
posição relativa, sente a necessidade de se identificar com o local em que se
encontra, e esse sentido de identificação, por outro lado, está ligado à percepção
de todo o espaço circundante. O convencionalism o é uma fonte de tédio
enquanto que a aceitação da disparidade se revela uma fonte de anim ação.
Finalm ente, no meio da aridez estatística da cidade-esquem a, descobriram -se as
duas facetas de uma m esm a realidade, quer para o m ovim ento (pontos de vista
imagem em ergente) quer para o local (Aqui - Além) quer para o conteúdo
(Isto - Aquilo). Há apenas que reagrupar tudo isto num padrão novo, nascido do
ardor e vitalidade da im aginação hum ana.
Eis as regras do jogo, os seus parâm etros. Falta o mais difícil: a A rte de Jogar.
Como em qualquer jogo, podem os recorrer a uma série de lances e jogadas
ditadas pela experiência adquirida. Nas páginas que se seguem , procurám os
sistem atizar esse conhecim ento em três categorias fundam entais e analisá-lo a
partir de exem plos concretos.

N ova D eli, 1959

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INTRODUÇÃO À EDIÇÃO DE 1971

Ao escrever a Introdução a esta edição de Paisagem Urbana, verifico que


pouco ou nada há a alterar em relação à atitude que exprim i ^inicialmente, na
Introdução original, escrita há mais de 10 anos.
Tem sido apontado que a nova edição de Paisagem Urbana deveria basear-se
no panoram a actual, i.e ., estruturar-se em exem plos m odernos, em lugar de ir
buscá-los ao passado. Não se fez isto por duas razões.
Em prim eiro lugar porque recolher exem plos entre a construção do pós-guerra
seria como procurar agulhas num palheiro im enso, revelando-se pouco provei­
toso e pouco económ ico, o que nos leva à segunda questão, a da dificuldade de
tal tarefa. A meu ver a m ensagem inicial da prim eira edição não foi devidam ente
transmitida. Tem -se vindo a observar um tipo de decoração urbana superficial,
com base no uso de ‘pilones’, da calçada, no recurso a zonas reservadas a peões
e numa preocupação crescente com questões de conservação histórica.
No entanto nada disto constitui a essência da paisagem urbana. É lamentável
que estes aspectos superficiais se tenham tom ado m oeda corrente, enquanto os
elementos nucleares deste Jogo do M eio-A m biente continuam trancados no seu
cofre de ouro e púrpura.
É possível que esta situação se tenha vindo a agravar ao longo dos últim os 10
anos, pelas razões que passam os a referir.
O hom em é colocado perante o am biente. Pode achá-lo bizarro, chocante,
anódino ou sim plesm ente feio, consoante a sua personalidade. O problem a não é
novo; mas será que os seus efeitos não estão a pesar dem asiado sobre a actual
geração? Parece que sim. E porquê? Na m inha opinião porque a rapidez com que
hoje se operam as m udanças veio perturbar o equilíbrio norm al entre quem
projecta e aquilo que é projectado. As razões são conhecidas: há cada vez mais
pessoas, mais casas e mais equipam entos; com unicações cada vez m ais rápidas,
métodos construtivos ainda mal dom inados.
O ritmo a que se processam hoje as m udanças im pede os urbanistas de assentar
e aprender em piricam ente a hum anizar a m atéria em bruto que se lhes depara. O
ambiente é mal digerido. Londres sofre de indigestão. Os sucos gástricos, neste
caso os urbanistas, não têm conseguido transform ar os pedaços enorm es dessa
refeição engolida à pressa num alimento em ocionalm ente nutritivo. Fazemos
muitas coisas que os nossos avós não faziam , mas não podem os digerir mais

15
O ponto crítico,
em que a
coluna m aciça
termina para dar
lugar à coluna
esguia.
f€ * S

16
depressa. Q uer se trata do estôm ago, quer do cérebro, as coisas processam -se
dentro dos limites da condição hum ana. Terem os, pois, de proceder a determ i­
nadas alterações organizativas por form a a conciliar da m elhor m aneira a
aceleração do progresso com a noção de escala hum ana.
A prim eira coisa a fazer é popularizar o mais possível a Arte do M eio-Am-
biente, partindo do princípio que uma m aior participação em ocional das pessoas
conduzirá necessariam ente ao aperfeiçoam ento do jogo: este é o cerne da
questão. O problem a que se põe é o de a opinião pública identificar planeam ento
adm inistrativo com algo de insípido, técnico e inacessível, e «bom urbanismo»
com ruas largas e direitas ladeadas por filas alinhadas de árvores de copas
arredondadas. E pronto! Ora é precisam ente o contrário! A m aneira com o se
constrói o ambiente é potencialm ente, uma das fontes de prazer mais generaliza­
das e mais estim ulantes. De nada serve insurgirm o-nos contra a fealdade se não
nos aperceberm os de que os sapatos que parecem apertados são, na realidade,
botas de sete léguas.
Exem plificação? O exem plo que passo im ediatam ente apresentar é o da
catedral de Sées, perto de Alençon, p. 16. Os construtores do gótico davam
extrema im portância à questão do peso, à form a de apoio do ponto culm inante
das estruturas — a abóbada — sustentando com segurança o seu peso até ao
solo. Nesta construção, o peso divide-se em duas partes distintas. As paredes são
sustentadas por grossas colunas cilíndricas enquanto a abóbada, isto é, o orgulho
de toda a estrutura, parece apoiar-se em colunas tão extraordinariam ente
delgadas que dir-se-ia actuarem com o pára-raios da sua força de gravidade,
descarregando-a em terra firme. Se as paredes são sustentadas pelo hom em , a
abóbada é certam ente sustentada pelos anjos. «Com preendo o peso, sou forte»,
«transcendo o peso, sou etérea». «Nascemos juntas da m esm a terra, apoiamo-
-nos m utuam ente». E têm vivido lado a lado, ao longo dos séculos, em perfeita
harmonia.
Quando se com preende este jogo, este diálogo, fica-se de tal modo envolvido
nessa harm onia que pouco interessa saber nom es de pessoas ou o que fizeram e
quando o fizeram . Basta saber que foi alguém com um certo atrevim ento.
Eis o Jogo do M eio-A m biente, o jogo que se processa continuam ente à nossa
volta. Com o se vê não falo de valores absolutos, de beleza, de perfeição, de arte
com «A» grande, ou de moral. O m eio-am biente que procuro descrever é como a
conversa am ena entre pessoas vulgares falando em linguagem sim ples. Aparte
algum as excepções notáveis, a terra parece estar a encher-se de loiras apatetadas,
feitas em série, e a ser tem perada de «confetti».
Só quando se estabelecer o diálogo o público saberá deter-se para ouvir. Mas
enquanto não chegar o dia feliz em que as pessoas m anifestarão perante o
urbanista o m esm o entusiasm o que hoje m anifestam perante os jogadores de
futebol ou as «estrelas» da canção popular os risos escarninhos que porventura se
ouçam são indício do grau de alienação a que se chegou, e é preciso tom ar
m edidas preventivas de dois tipos.
A prjm eira consiste em decom por o am biente. É mais difícil lutar por um
princípio geral do que defender casos particulares. Através da divisão do
am biente nas suas partes constituintes, o ecologista poderá lutar pelos parques
nacionais, os municípios pelas zonas verdes e as entidades com petentes pela
conservação do patrim ónio. Em certa medida isto já com eça a verificar-se.

17
A segunda passa pelo escalonam ento no tempo de todos esses aspectos De um
™ geral ^ a j e i t a a ser encarada com d e s a g u o m esm o
perante a evidencia de que se trata de uma m elhoria. Nas cidades a continuidade
e uma característica desejável. Por conseguinte, enquanto num a zona em
xpansao o licenciam ento pode ser autom ático, nas zonas históricas mais

ST:
que^vocês estão aí.^ ^ em eSPec,áculos *Eu bem *

18
DEFINIÇÕ ES: VISÃO SERIAL

O percurso de um extremo ao outro


da planta a passo uniforme, revela
uma sucessão de pontos de vista,
conforme se procura exemplificar
através desta série de desenhos
(leia-se da esquerda para a direita).
Na planta, cada seta representa um
ponto de vista. A progressão
uniforme do caminhante vai sendo
pontuada por uma série de
contrastes súbitos que têm grande
impacto visual e dão vida ao
percurso (como a leve cotovelada
que se dá ao vizinho que está
prestes a adorm ecer na missa). Os
meus desenhos não correspondem
ao local indicado na planta
— escolhi-a porque me pareceu
bastante sugestiva. Repara-se que
os mínimos desvios ao
alinhamento; as pequenas variações
nas saliências e reentrâncias, em
planta, têm um efeito dramático
não proporcional na terceira
dimensão.

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20
WESTMINSTER Estas três sequências, Oxford, Ipswich
e W estminster procuram captar, no
meio limitado e estático da página
impressa, um pouco da emoção e da
sensação de descoberta que
experimentamos ao atravessarmos uma
cidade. Oxford: o cubo (1), o
cilindro (3) e o cone (4), vão surgindo
sucessivamente aos nossos olhos como
o desenrolar de um drama de
geometria de sólidos. Temos a
sensação de estar a desvendar um
mistério, de poder vir a descobrir
sempre mais alguma coisa se
continuarmos a andar. Ipswich: um
modesto arco funciona como elemento
de separação no terreno que estamos a
explorar. De um lado a parte da rua
em que nos encontramos; para lá do
arco, o espaço aonde iremos
desem bocar, transitando então para
uma nova ambiência. Westminster: a
complexidade das sucessivas
contraposições de torres, pináculos e
mastros, a multiplicidade de
alinhamentos e agrupamentos sempre
diferentes e a súbita convergência de
enfáticas verticais num nó intrincado,
são apenas algumas das recompensas
que se oferecem a um olhar crítico e
v.v.Yâ sempre atento (não a um olhar
!ife | preguiçoso, bem entendido).

Planta de W estm inster com indicação dos


6 . ‘ pontos de vista

21
Esta sequência de Nova Deli (leia-se
da esquerda para a direita) mostra
claramente a função dos desníveis e
dos elementos de separação com
características de transparência na
visão serial; neste caso o que poderia
ser uma única fotografia reproduzida
quatro vezes, sendo, de cada vez,
ampliada a parte central para se obter
um plano cada vez mais próximo do
edifício terminal é, na realidade, uma
sequência de quatro pontos de vista
absolutamente distintos e diferenciados
(veja-se descrição respectiva, na
Introdução).

22
LOCAL

Apropriação do espaço também o exterior se encontra


ocupado para fins sociais e
Num mundo de conceitos bem comerciais. A ocupação de
definidos as estradas determinados espaços ou linhas
destinar-se-iam ao trânsito de privilegiadas no exterior, os
pessoas e coisas e os edifícios às recintos, pontos focais, paisagens
relações sociais e de trabalho. Mas interiores, etc., são outras tantas
como a maioria das pessoas faz formas de apropriação do espaço,
exactamente o que lhe convém e que procuraremos ilustrar nas sete
quando lhe convém, verifica-se que páginas seguintes.

23
24
T e rritó rio ocupado (Página oposta)
Abrigo, sombra, conveniência e um
ambiente aprazível são as causas mais
frequentes da apropriação de espaço, as
condições que levam à ocupação de
determinados locais. O facto de se
assinalarem esses locais com elementos de
carácter permanente pode contribuir para
indicar os tipos de ocupação que existem
na cidade e criar um meio-ambiente que
não seja fluído e monótono, mas sim
estático e equipado. Para exemplo,
vejam-se as fotografias da página oposta,
mostrando como uma ocupação periódica
(momentos de convívio à saída da missa?)
se insere de uma forma permanente no
tecido urbano através do recurso ao
pavimento. Como mobiliário para esta
apropriação tem os, por exemplo,
desenhos no pavimento, postes de
iluminação, abrigos, enclaves, pontos
focais e recintos. Ainda que o grau de
ocupação do território seja relativamente
fraco, o facto de haver no mobiliário
sinais permanentes dessa ocupação
confere à cidade um carácter mais
humano e diverso, da mesma maneira que
as persianas nas janelas enriquecem os
edifícios a nível de textura e proporção
mesmo quando não recebem luz do sol.

A p ro p riação pelo m ovim ento


A ocupação estática, porém, é
apenas uma das formas de
apropriação do espaço exterior.
Uma outra consiste na apropriação
pelo movimento. A alameda de
acesso à igreja, na fotografia da
esquerda, é algo de definitivo, com
princípio e fim bem definidos e um
carácter próprio. Pode ser ocupada
pelas pessoas em movimento, tal
como podem ser ocupadas as
escadas do pelourinho pelo aldeão
que nelas se senta.
Privilégio

Verifica-se, igualmente, que há lj.


nhas privilegiadas susceptíveis de
ocupação: a linha ao longo da guarda
de uma ponte, por exemplo, parece
constituir um local de eleição, pela
qualidade imediata da vista que pro­
porciona sobre a paisagem. (V. D.
linhas de força, pág. 113).

V iscosidade

Quando um local é simultaneamente


objecto de uma ocupação estática, !
pelo equipam ento, e de uma ocupa­
ção pelo movimento, surge aquilo a
que poderemos chamar viscosidade:
pequenos grupos de pessoas conver­
sando aqui e acolá, transeuntes na­
morando as montras, vendedores de
jornais e flores, etc. Os toldos corri­
dos, o espaço delimitado f5elo pór­
tico, e o carácter sinuoso da rua (em i
baixo, à esquerda) constituem o ce- j
nário ideal. Em contrapartida, repa­
re-se como o espaço inóspito e ven- j
toso da fotografia da direita acentua a j
segregação entre exterior e interior.

26
r

Enclaves

O enclave, ou espaço interior aberto para


o exterior, e que permite acesso livre e
directo entre ambos, apresenta-se na
figura de cima como um recinto ou
compartimento que pode ser alcançado
com facilidade, embora se encontre
desviado do movimento principal. Local
tranquilo, onde os passos ressoam e a
luminosidade é atenuada, onde se fica
apartado do burburinho da rua e se
disfruta, simultaneamente, o exterior, de
um ponto de observação bem situado e
seguro.

Recintos

O recinto é uma síntese da polaridade


entre pés e pneus, i.e ., entre a circulação
de pessoas e a de veículos. É a unidade
base duma certa morfologia urbana. Fora
dele, o ruído e o ritmo apressado da
comunicação impessoal, vai-vem que não
se sabe para onde vai nem donde vem; no
interior, o sossego e a tranquilidade de
sentir que o largo, a praceta, ou o pátio
têm escala humana. O recinto é o
objectivo da circulação, o local para onde
o tráfego nos conduz. Sem ele, o tráfego
tom ar-se-ia absurdo.

27

I
Ponto focai

Associado com o recinto e, com


este, designando a ocupação dum
determinado espaço, o ponto focal
é o símbolo vertical da
convergência. Nas ruas mais
animadas e nos largos dos
mercados de vilas e cidades, o
ponto focal (seja coluna ou cruz)
define a situação, surge como uma
confirmação: «É este o local que
procuravam Páre. É aqui.» Em
muitas povoações possui ainda esta
clareza deslumbrante, mas em
muitas outras foi-lhe retirada essa
função primordial pelas exigências
do trânsito, que o isola,
transformando-se, assim, num
elemento indiferente, próprio dum
«camet» de antiquário.

28
Unidades urbanas

Na fotografia da esquerda pode


ver-se claramente o padrão de um
conjunto urbano, tal como era
antigamente e, até certo ponto,
ainda é hoje em dia. Interiormente,
a edificação compacta duma cidade
de peões, com os seus recintos e,
sem dúvida, as suas áreas de
viscosidade, os seus pontos focais e
os seus enclaves. Na periferia,
auto-estradas para automóveis e
camiões, via férrea e docas,
servindo e vitalizando a área
urbana. Este é o padrão tradicional,
na sua expressão mais clara. Em
baixo observa-se a desorganização
de alguns dos elementos anteriores,
numa combinação caótica de casas
e veículos da qual resulta uma
desvalorização, quer em relação ao
tráfego, quer aos peões.

29
Paisagem Interior e
Compartimento Exterior

Eis a linha de separação, a


charneira. Até agora temos vindo a
descrever o ambiente como o
território ocupado pelo homem,
para satisfação das suas
necessidades sociais ou comerciais,
território colonizado e irrigado
pelas suas redes viárias.
Consequência natural dessa
realidade, também o exterior é
colonizável; e os agentes dessa
colonização tentarão humanizar o
mais possível a paisagem, à
semelhança do que já fazem em
relação aos interiores. Chegados a
este ponto verificamos que é bem
pequena a diferença entre «dentro»
e «fora» e têm razão de ser os
termos Paisagem Interior e
Compartimento Exterior. Na
fotografia observe-se a decoração
(paisagem) do pavimento, as
arcadas, a singular estrutura onde
se encontra o homem, coberta
apenas pela abóbada do céu, a
alameda da direita prolongando-se
até aos montes longínquos; estamos
perante um interior que tem todas
as características espaciais duma
paisagem. No desenho inferior,
pelo contrário, as pessoas jantam e
passeiam-se sob um «tecto» de
luzes e os edifícios do Parlamento
que delimitam a imagem ao fundo,
parecem miniaturas colocadas numa
prateleira.
Não se pode voltar atrás. Se
aceitarmos que o exterior pode ser
ocupado, a arquitectura não é, em
si, o suficiente. O exterior não
pode ser apenas um salão para
expor peças individuais como se
fossem quadros numa galeria. Terá
de ser um meio destinado ao ser
humano na sua totalidade, que o
poderá reclamar para si,
ocupando-o quer estaticamente quer
pelo movimento. Ao homem não
bastam as galerias de pintura; ele
necessita de em oção, do
dramatismo que é possível fazer
surgir do solo e do céu, das
árvores, dos edifícios, dos desníveis
e de tudo o que o rodeia, através
da arte do relacionamento.

30
Compartimentos e recintos
exteriores

Esta secção relaciona-se com a


nossa sensação de posição ou seja,
a maneira como reagimos perante a
posição que ocupamos no
meio-ambiente, pensando, por
exemplo: «Estou Aqui dentro» ou
«estou por cima Disto, por baixo
Disto, fora Daquilo» ou ainda,
«estou encerrado» ou «estou
exposto». Estas sensações estão

intimamente ligadas com o


comportamento humano de um
modo geral mas podem atingir
níveis mórbidos, manifestando-se,
então, sob a forma de claustrofobia
ou agorafobia. O recinto, ou
compartimento exterior, constitui,
possivelmente, o meio mais eficaz
e mais imediato de provocar nas
pessoas essa sensação de posição
ou de identificação com aquilo que
as rodeia. Engloba todas as
componentes da noção de Aqui
(que, nas cinco páginas seguintes,
se verá incluir também os recintos
múltiplos e outros tipos de
delimitação espacial). Nas duas
fotografias superiores, as duas
saídas da mesma praça em Bordéus
ilustram de forma bem objectiva
aquilo que se pode fazer para criar
uma atmosfera de recinto ou,
inversamente, para que a sensação
de Aqui se dilua na distância. Em
baixo, à esquerda, temos um
exemplo quase perfeito do
compartimento exterior, forrado a
papel de parede a três dimensões.

31
Recintos múltiplos

O recinto simples constitui um fértil


ponto de partida para outras
variações espaciais, derivadas desta
forma. Na fotografia superior
vêem-se dois pátios, aquele em que
se encontra o observador, e outro,
mais além, correndo um terceiro
espaço, entre os pátios, definido
pela arca do claustro. Há, assim,
três recintos distintos, que se
interpenetram num todo
harmonioso.

Edifício-barreira

Neste caso as curvas dinâm icas do


movimento ficam suspensas,
detidas pelo edifício rectangular que
bloqueia a saída, estabelecendo
assim, momentaneam ente, o
equilíbrio entre espaço delimitado e
espaço fluido. Note-se, contudo,
que o edifício-barreira não impede
o tráfego de veículos ou pessoas,
funcionando apenas como elemento
de pontuação ou delimitação
(vejam-se estas rubricas, nas
páginas 47 e 49).

32
O Espaço Intangível

Pela interposição de cortinas,


espelhos ou quaisquer outras formas
de ilusão, pode dar-se a ideia de
que as paredes se dissolvem, dando
lugar a um espaço intangível que
parece recuar à medida que
avançamos e simultaneamente,
fechar-se nas nossas costas. Neste
caso, a sensação de espaço não se
encontra particularizada pelas
paredes do recinto mas paira, como
um cheiro, sobre toda a atmosfera.
É, talvez, a expressão mais aguda
dessa força emotiva. Os exemplos
que apresentamos — um bar
londrino e o Museu de Oxford —
não necessitam, certamente, de
explicação, bastando apenas
acrescentar que a presença de
esqueletos didácticos no museu,
contribui para acentuar ainda mais
o clima de interpenetração espacial.

33
'

Delimitação do Espaço

Os meios que se utilizam para


delimitar um espaço ou um recinto
são, muitas vezes, de uma
fragilidade extrema. Um arame
esticado, como um risco, entre duas
paredes, um faixa de lona armada
em toldo. Em Chandigarh tive
ocasião de ver um grupo de
palhotas (habitações de adobe com
tecto de palha) à sombra de três
grandes árvores isoladas na
planície. O espaço cercado pelas
árvores havia-se transformado no
centro cívico da minúscula
comunidade. Veja-se nas
fotografias opostas, da Riviera
Francesa e de um restaurante do
Festival da Grã-Bretanha, como se
tom a possível obter a delimitação
de um recinto utilizando apenas
cana de bambu, e como esta
adquire um certo encanto evocativo
pelo facto de encerrar um
determinado espaço ao mesmo
tempo que deixa entrever o que está
para além.

34
Vista para o exterior de um
recinto

Tendo-se determinado a existência


de uma sensação de Aqui. i.e.. de
identificação com um determinado
local, tom a-se evidente que não
pode deixar de existir a sensação
oposta de Além e é precisamente
na forma como se estabelece a
relação entre estas duas qualidades
que reside o dramatismo das
relações espaciais. Com estes dois
exemplos para demonstrar a nossa
primeira reacção perante aquilo que
vemos para além dum recinto. No
caso de Bath, à esquerda, o
panorama exterior ao recinto surge
como uma dimensão extra,
enquanto as árvores no jardim
sueco, em baixo, não parecem ter o
mesmo carácter bravio da que se
encontra fora do espaço murado:
essa está Além.
vu

35
Além

Estas duas fotografias destinam-se a


ilustrar o que pretendemos
significar por «sensação de Além»:
é a qualidade, de certo modo lírica,
de algo que está ao mesmo tempo
presente e sempre fora do nosso
alcance: está Além. No muro da
estrada marginal de Aldeburgh
estão projectadas as sombras das
casas, impregnando-o de risos e
calor humano. Para além fica
apenas um imenso espaço vazio.
No meio da paisagem agreste da
Escócia (em baixo) a distância
adquire para nós uma certa
intimidade graças ao muro caiado,
fina linha branca que orienta o
olhar para fora, pois, pelo
significado que lhe atribuimos
(percurso possível) ela projeda-nos
para além dos seus limites.

36
Aqui e Além

Em primeiro lugar abordaremos o


tipo de relações que existe entre um
Aqui conhecido e um Além
igualmente conhecido.
(Focalização, desníveis,
perspectivas, estreitamentos,
delimitação, etc.) A partir da p. 51
trataremos de uma segunda ordem
de relações, entre um Aqui
conhecido e um Além
desconhecido do ponto mais alto do
Regent’s Park de Nash (fotografia
ao lado, em cima) o arco confere
uma maior estatura e complexidade
a todo o conjunto: a julgar pela sua
altura desm esurada, destina-se
certamente a orientar o olhar para
fora do pequeno pátio, levando-o a
concentrar-se na imponente fachada
principal. Esta contraposição
intensifica o efeito geral produzido
pelo conjunto, jogando uma parte
da composição contra a outra. A
minha visualização (figura ao lado,
em baixo) do projecto de
Hawsksmoor para Cambridge,
inclui este ponto de vista: uma
versão reformada da rua Trinity, a
partir de Great St. M ary's.
Olhamos aqui do grande fórum de
Hawksmoor para outro local, cuja
individualidade, orientação e
carácter se encontram
inequivocamente definidos pelos
dois monumentos. Em
contrapartida, a actual rua Trinity
passa muito discretamente pela
Senate House e desaparece numa
curva quase sem se dar por isso.
(não se pretende que isto seja
considerado como uma alternativa,
mas apenas que sirva para
demonstrar o impacto visual do
projecto de Hawksmoor.)
Neste conjunto residencial em
Comwall nota-se uma vibração
linear enlre duas entidades, o
arruamento ladeado de árvores, por
um lado, e o conjunto de casas
atrás do talude, por outro. Se
compararmos este exemplo com o
conjunto residencial típico, disposto
ao longo da beira da estrada e
aberto para esta, verificamos que
tem vantagens evidentes: para além
de existir uma separação de facto
entre a estrada e as casas, tal
separação é bem visível. A estrada
constitui um elemento da paisagem
e as casas outro, completamente
distinto, embora possam estar lado
a lado, como neste caso.

Vista para o interior de um


recinto

Tudo o que possa ser ocupado,


quer por nós próprios, quer pela
nossa imaginação — que nos leva a
penetrar neste baldaquino de
Valência — adquire, por tal facto,
a intensidade de uma cor quente no
meio da gama de cinzentos que
revestem os espaços inóspitos.
Pórticos, varandas e terraços,
possuem, todos eles, essa
capacidade de comunicação:
orientam-nos para o exterior.

38
Focalização

O ponto iluminado, na parte central


do edifício, guia o olhar para fora e
para cima. Qual será, afinal, o
mistério do trivial? Pelo menos,
obriga-nos a despegar os olhos das
pontas dos pés. Até o mais vulgar
dos objectos pode servir para
despertar em nós a sensação de que
estamos perante algo que nos é
exterior: poderá ser um foco de luz
ou o acto de apontar com o dedo.
Não é a coisa para a qual se aponta
mas o acto evocativo de apontar
que suscita as nossas emoções.

Truncagem

O primeiro plano corta a


perspectiva, alterando-se. desta
forma, o efeito normal da recessão.
Em vez de contemplarmos o
edifício na totalidade do seu alçado,
recuado mas situado ao mesmo
nível em que nos encontramos, há
uma acentuação muito marcada do
primeiro plano e, deste para o
edifício, um salto brusco, uma
súbita ruptura visual, dado que o
relvado intermédio (pontuado por
objectos que ajudam a sublinhar o
efeito gradual de recessão) está
truncado, o que dá origem a uma
justaposição dramática do primeiro
e último planos. Temos, assim, não
uma cena em que se transpõe pouco
a pouco, a distância que nos separa
do edifício longínquo, mas uma
justaposição perfeita do próximo e
do remoto, devido ao efeito de
truncagem. Os dois exemplos que
apresentamos, Versalhes, e uma
rua holandesa, demonstram

39
suficientemente o encanto desse
imediatismo. Observa-se um efeito
algo semelhante quando, entre uni
determinada estrutura e o
observador, existe um plano
intermédio incaracterístico, uma
vasta extensão que não cativa o
olhar, como é o caso desta vista
sobre Horse Guards a partir do
parque de St. Jam es, ou da
perspectiva sobre o Supremo
Tribunal, em Chadigarh, visto da
margem oposta do lago.

Desníveis

Uma descrição das nossas reacções


emotivas perante a posição que
ocupamos num determinado espaço
deverá, forçosamente, incluir a
questão dos níveis. De um modo
geral, abaixo do nível médio do
terreno, temos sensações de
intimidade, inferioridade,
encerramento ou claustrofobia
enquanto que acima desse nível
podemos ser tomados de grande
euforia, ou por sensações de
domínio ou superioridade ou,
ainda, sentirmo-nos expostos ou
com vertigens. O acto de descer
significa baixar ao encontro daquilo
que conhecemos enquanto que o de
subir implica ascender ao
desconhecido. Entre níveis
semelhantes, mas separados por
uma fenda muito profunda,
estabelece-se uma singular
correspondência; a sua proximidade
tem um carácter remoto. Os
desníveis, por sua vez, podem ser
utilizados de maneira funcional,
para unir ou separar a actividade
dos diversos utentes duma via
pública. A ilustração mostra o
cemitério, situado um pouco abaixo
da Catedral de Liverpool: um
caminho tranquilo, passando
serenamente aos pés da imensa
massa de rocha e pedra.

40
Entrelaçamento

Serve, tal como o processo de


truncagem, para interligar o espaço
próximo e o espaço remoto. Assim
como uma rede de borboletas
manejada com destreza apanha a
borboleta distante, também o
entrelaçamento aproxima de nós a
distância, insere no nosso espaço
próximo uma cena longínqua,
particularizando-a, obrigando-nos a
uma observação detalhada daquilo
que, através da sua tram a, coloca
mais perto de nós. As suas
aplicações são evidentes: aproxima
de nós a paisagem ou a cidade
longínquas, e permite seleccionar
ou rejeitar imagens com uma
determinada finalidade. Neste
contexto, vem-nos logo à ideia a
vista da coluna do duque de York,
com as torres de W estminster por
detrás entretecida pelos arcos de
Regent’s Street conjunto, que está,
todo ele, um pouco abaixo do nível
dos olhos. Neste caso, como em
casos sem elhantes, a ideia central é
que o ambiente constitui um todo
integrado, e os meios que temos
vindo a referir inserem-se na arte
da união e ligação desse todo dum
padrão coerente, evitando assim
que se transforme numa amálgama
caótica e trivial. Nos exemplos que
apresentamos pode ver-se a faixa
costeira de Hove convertida em
pintura mural, e uma gravura
alegórica italiana, na qual essa ideia
central se encontra expressa na
ligação que as colunas estabelecem
com os barcos, capturando-os, por
assim dizer entre elas.

41
Silhueta

Pode avaliar-se a importância deste factor


a partir de certos exemplos clássicos de
refinamento e graciosidade, como esta
vista de Oxford (em cima) mas
restar-nos-á ainda determinar a função
subjacente a exemplo tão perfeito. Hoje
em dia já todos nos habituámos
razoavelmente à ideia dos grandes blocos
edificados, com a sua linha de cobertura
inevitavelmente em terraço, e reconhecemos
que essa linha constitui uma separação
demasiado brutal entre as estruturas
edificadas e terrenas e a leveza dos
volumes celestes; em contrapartida, os
rendilhados, as filigranas e os
coroamentos servem para capturar o céu,
entrelaçando-se com ele e ligando-o,
assim, à terra. Este efeito de
interpenetração resulta particularmente
interessante num país de nevoeiros e
neblinas como a Inglaterra. Entre os
exemplos que apresentamos, a cobertura
deste edifício de Le Corbusier (em baixo,
à esquerda), e a de Golden Lane (ao
centro, à esquerda), podem considerar-se,
até certo ponto, versões contemporâneas
dos rendilhados e da graciosidade das
estruturas clássicas, na medida em que
procuram capturar o espaço celeste com
bastante mais convicção que o im óvel.de
escritórios de Upper St. M artin’s Lane,
na fotografia abaixo.
Perspectiva grandiosa

Entre os meios que podemos


utilizar para tirar partido do AQUI
e do ALÉM, há evidentemente a
considerar a perspectiva, como um
dos mais populares. A Perspectiva
Grandiosa Versalhes da fotografia
oposta produz exactamente o
mesmo efeito que o muro caiado
que ladeava a estrada escocesa, na
página 36, em bora, no caso
presente, os meios utilizados sejam
mais luxuosos. A ligação do
primeiro plano com a paisagem
longínqua induz uma sensação de
domínio e de omnipresença.

Divisão de espaços

Quer no caso da perspectiva, quer


no de qualquer outro tipo de
extensão linear, é importante fazer
notar que a divisão entre o aqui e o
além se estabelece pela bissecção
do ângulo de visão em duas partes
sensivelmente iguais e não pela
divisão dessa extensão em duas
partes de igual comprimento. A
este respeito, veja-se a
istração no esquema abaixo.

Uma divisão da distância em duas partes


iguais resulta numa discrepância no ân­
gulo de visão

Õ edifício estende-se atcTcio meiò da àis


tância linear, mas efectivamente prolon-
até ao último plano.

Uma divisão do ângulo de visão em duas


partes iguais aproxima do observador o
ponto de transição.

Perspectiva Velada

Este sistema opera da maneira


habitual, mas a sensação de Aqui

43
toma-se mais intensa devido a uma
cortina de folhagem que tom a mais
remoto o mundo para além dela. A
Catedral de St. Paul's, vista de
Cheapside, dá-nos outro exemplo
de uma perspectiva velada, em que
se utiliza a folhagem para ,ocultar a
catedral até ao momento em que
transpomos o arvoredo e
deparam os, subitamente, e de muito
perto, com a sua imensa fachada
encimada por uma cúpula. O
carácter dram ático deste efeito
deve-se unicamente ao facto de
depararmos, inesperadamente, com
algo que até ao momento nos havia
sido ocultado.

Iniciativa local

Uma vez que uma parte tão


considerável da paisagem urbana
consiste na pequena rua tranquila e
na simplicidade do trivial e do
quotidiano, há que aproveitar
plenamente todo o talento local. É
o que nos ocorre mostrar através
desta modesta imagem, em que
uma requintada tabuleta de letras
douradas — ou, pelo menos, assim
o espero — é o suficiente para
animar a ruazinha estreita.

44
Perspectiva delimitada

Provavelmente o mais vulgar dos


recursos do sistema Beaux Arts, a
«Perspectiva Delimitada», situa um
edifício e convida-nos a recuar a
fim de o contemplarmos. Embora
seja de algum modo uma atitude
inorgânica e puramente
arquitectónica, a «Perspectiva
Delimitada» é ainda susceptível de
uma infinidade de adaptações. O
exemplo que apresentamos é o
esboço proposto pelo autor para o
desenvolvimento das imediações da
Catedral de Liverpool, mostrando
uma perspectiva limitada pela
própria torre do monumento; mas o
segredo desta imagem encontra-se
no enorme arco de transepto,
envolto na escuridão c no qual o
olhar do peão mergulha como um
mistério.

Deflexão

Uma variante da perspectiva


limitada é a deflexão, que consiste
em desfazer o edifício ligeiramente
em relação ao eixo duma
implantação ortogonal, de modo a
criar no observador a expectativa de
que isso é feito intencionalmente,
ou seja, que ao fim da rua existe
algo que ele ainda não vê mas do
qual o edifício faz parte integrante.
Esta expectativa só muito raramente
é confirmada, mas a deflexão
invariavelmente sugere-a.

45
Saliências e reentrâncias

Esta rua de Rye mostra-nos o


encanto de corpos construídos,
salientes e reentrantes. Em lugar de
se apreender de uma só vez toda a
rua, o que aconteceria se as
fachadas estivessem perfeitamente
alinhadas, o olhar fica embrenhado
numa complexidade e sinuosidade
que ajudam o espírito a deter-se
tranquilamente, o que, aliás, é
desejável, visto tratar-se de uma rua
residencial e não de uma via para
tráfego rodoviário.

Acidentes

A importância de acidentes numa


rua — torres, campanários,
elementos que criem um efeito de
silhueta, cores vivas, etc. — reside
na sua capacidade de prender o
olhar, impedindo-o de deslizar para
longe, e evitando, desta forma, a
monotonia. A disposição estratégica
de acidentes vem dar sentido às
formas essenciais duma
determinada rua, dum determinado
local. Pois, apesar de existir um
padrão, as pessoas não se apercebem
dele devido às preocupações do
quotidiano, tom ando-se, assim,
necessário chamar a atenção para
ele. Creio que é principalmente
devido à ausência de acidentes que
muitos projectos falham, não
obstante uma elaboração meticulosa
— uma vez convertidos em três
dimensões.

46
Pontuação

Se compararmos uma perspectiva a


uma frase gramatical com sujeito e
predicado, podemos utilizar o termo
pontuação para designar
determinadas formas de demarcação
do espaço no seio dessa frase,
como mostra a figura de cima. Ao
longo do percurso narrativo da rua,
ç.

tanto a função como o padrão


variam dum ponto para o outro, e
essas variações devem ser
V

assinaladas por um sinal físico.


Uma igreja, por exemplo, que é um
edifício específico, é como uma
intersecção no alinhamento da rua,
o fim de uma frase e,
simultaneam ente, um meio de
ocultar a frase seguinte pela
introdução de uma pausa.

Estreitamentos

A aproximação de dois grupos


compactos de edifícios resulta numa
espécie de pressão, numa
proximidade inevitável do
porm enor, que contrasta
directamente com as características
da praça, do largo, ou das grandes
avenidas dum modo geral; os
estreitamentos permitem manter
uma atmosfera de recinto mas não
impedem o trânsito dos veículos
nem dos peões, ajudando, assim, a
estabelecer a articulação da cidade,
pela sua divisão em zonas bem
definidas e claramente
diferenciadas. Em relação aos peões
têm, ainda* um efeito muito
específico, provocando sensações
de pressão e constrição pouco
habituais.
Flutuação

Numa cidade, que é um local


habitado, a disposição dos espaços
onde se movimentam as pessoas
tem, como já dissemos, um
impacto directo sobre as suas
emoções. A racionalização de todos
os espaços unicamente em ruas ou,
pior do que isso, numa grelha
ortogonal uniforme de m as, parece
ser contrária à natureza humana, e
fundamentalmente ilógica uma vez
que parece não se basear no
carácter intrínseco das cidades ta!
como as conhecem os. A cidade
típica não é um padrão uniforme de
ruas, mas sim uma sequência de
espaços criada pelos próprios
edifícios. A flutuação é algo que
decorre implicitamente deste
conceito, conforme se vê na
imagem de Abingdon, em cima —
o nosso sentido de posição é
estimulado pelo facto de
transitarmos de um espaço amplo
para um espaço estreito e, daí,
novamente para um espaço amplo.

Ondulação

Ondulação não é apenas uma linha


sinuosa e sem objectivo, mas sim o
desvio obrigatório a um eixo ou
norma invisíveis, com vista a
proporcionar o prazer de coisas tão
elementares e vitais como luz e
sombra (o contrário da
monocromia), ou proximidade e
distância (o oposto do paralelismo):
e como a leve agitação da folhagem
ao sabor de uma brisa suave ou
como um mesmo pensamento
expresso de várias maneiras
diferentes. Qualquer que seja a
forma com que se apresente, revela
toda a gama de possibilidades
contida numa dada situação.

48
Delimitação

Num recinto, reagimos ao facto de


nos encontrarm os completamente
cercados. A reacção é estática: a
partir do momento em que se entra
para o recinto, e durante,a sua
travessia, o cenário mantem-se, e é
apenas à saída que se depara,
bruscamente, com novo cenário. A
delimitação, pelo contrário, consiste
numa quebra de continuidade que
obriga a olhar a deter-se, mas sem
bloquear a nossa sensação de
progressão como no exemplo de
Buckingham, em baixo, à esquerda.
A disposição dos anúncios na vila
francesa, em baixo, poderá ajudar a
compreender melhor esta ideia.

49
Recessão

A arte da recessão depara-se-nos muitas


vezes sob a forma de uma aparente
discrepância numa perspectiva. As leis da
perspectiva serão imutáveis e, em
princípio, quanto mais longe de nós
estiver situado um objecto, mais distante
ele nos parecerá... Todavia, não se deve
tomar isto como um dado, a menos que
se compreenda bem a arte da recessão.
Examinemos, por exemplo, os dois
edifícios da fotografia oposta, (uma
perspectiva de Sheffíeld). Se cobrirmos
com a mão, alternadamente, um e outro,
o edifício escuro, parecer-nos-à muito
mais distante que o seu vizinho moderno
e claro; isto deve-se à diferença de escala
entre ambos, e, através da utilização de
escalas diferentes, é possível criar a
ilusão de uma maior proximidade ou
afastamento de objectos em relação ao
observador (ou de maior ou menor
dimensão, como no caso de figuras
esculpidas nas fachadas de monumentos
cuja escala é muitas vezes inferior à da
figura humana para que estes pareçam
mais altos. No exemplo de baixo, no lago
do Parque de St. Jam es, obtem-se um
efeito de recessão pelo encobrimento do
extremo oposto do lago, escondido por
ilhas, o que nos deixa com um mistério,
em vez duma constatação.

50
r

Expectativa

Examinaremos seguidamente
aqueles aspectos do Aqui e do
Além em que o primeiro é
conhecido, mas não o segundo:
o Além é desconhecido, infinito,
misterioso, ou está envolto numa
escuridão insondável. Consideremos
primeiramente o caso da
expectativa: As duas imagens da
esquerda não podem deixar de
despertar a nossa curiosidade
quanto ao cenário com que iremos
deparar no tinal da rua.

51
Infinito ■

Infinito e céu são coisas


diferentes. Céu é aquilo que se vj
por cima dos telhados, como ;/
pequena fotografia de Pimlico, crn
baixo. Infinito é algo de muito
diferente. Existem, a meu ver, dojs
processos de transformar a solidão
e a imensidade remota do céu num;
experiência pessoal. O primeiro éj
truncagem, já anteriormente
referida, que consiste em suprimir
os planos intermédios justapondo o
primeiro plano e o céu, o que
elimina os aspectos mais
convencionais deste último,
permitindo realçar as suas 1
qualidades mais profundas, como &
duas imagens da esquerda nos vêm
recordar.
O segundo relaciona-se com o
percurso que se espera seguir, ou
seja, a ideia que a pessoa tem sobrt
a trajectória que poderá tomar. Se
em lugar da continuidade da rua
depararmos, bruscamente, com o
céu, o choque dessa substituição
inesperada fará com que este nos
pareça infinito (ver pág. 189).

52
Mistério

Do pavimento vulgar e banal do


mundo agitado em que vivemos
vislumbramos muitas vezes, num
relance, o desconhecido, o carácter
misterioso de uma cidade em que
tudo é possível; o sublime e o
sórdido, os rasgos de génio e a
loucura. Não se trata aqui, porém,
de W ithenshawe.

53
1
Vão insondável

Negro, imóvel e silencioso como i


um animal enorme e infinitamente i
paciente, o vão contempla os
transeuntes que passam
despreocupadamente, para um lado
e para o outro na praça inundada de
sol. Este é o elemento insodável
próprio da escuridão total.

54
Ligaçao e conexão: o pavimento

A última secção desta relação de


exemplos trata dos aspectos de
ligação e conexão a que já
anteriormente nos referimos no
capítulo «Entrelaçamento». Hoje
em dia o ambiente construído
encontra-se totalmente fragmentado
em zonas desconexas: casas para
um lado, árvores para o outro, i.e .,
zonas totalmente desligadas umas
das outras, como uma série
desarticulada de notas musicais
tocadas no piano com um único
dedo. O objectivo deste livro é
tentar integrar estes elementos que
compõem o ambiente numa relação
expressiva, por forma a que,
utilizando, embora, as mesmas
notas, surjam acordes e sequências
coerentes. E não obstante o facto
de se poder considerar que todo
este livro é em si um conjunto de
exemplos de ligação e conexão, de
momento examinaremos apenas os
seus aspectos mais simples:
pavimentação, caminhos para peões
e barreiras.
As construções ricas em texturas e
cores, assentam, necessariamente,
num pavimento. Se este não passar
de uma extensão asfaltada lisa e
uniforme, elas por sua vez
parecemos-ão desarticuladas,
separadas uma das outras, uma vez
que o pavimento não prende o
nosso interesse. Entre os diversos
factores que contribuem para a
unificação e coesão numa cidade, o
pavimento é dos mais importantes,
como claramente demostram as
duas imagens opostas.

55
Caminhos para peões

E a rede de caminhos para peões


que transforma a cidade numa
estrutura transitável, ligando os
diversos locais por meio de
degraus, pontes, pavimentos com
padrões distintos, ou por quaisquer
C :. outros elementos de conexão que
permitam manter a continuidade e
acessibilidade. Enquanto as vias
motorizadas são fluidas e
impessoais, os caminhos para
H L peões, insinuantes e ágeis,
conferem à cidade a sua dimensão:
humana. Umas vezes são
temerários (ousados) e
extrovertidos, acompanhando os 1
principais eixos rodoviários e as 1
zonas com erciais, outras, recatados
e tortuosos; mas, de qualquer
forma, devem formar um todo
coeso.

Continuidade

As fotografias de Shepton Mallet da


página oposta, ilustram de uma
forma muito simples como se
estabelece uma ligação directa entre
o campo e o centro da cidade
através de um caminho para peões.
Vejam-se as fotografias da esquerda
para a direita.

56
57
1

Barreiras

O processo de ligação e conexão


levanta o problema de saber se, o
facto de estabelecermos
determinadas ligações vantajosas do
ponto de vista visual, não irá
representar um inconveniente para a
fiscalização dos locais onde não
deve ser permitido o livre acesso a
pessoas ou animais. Justifica-se,
assim, o recurso a barreiras. Nos
desenhos, ao lado, podem ver-se
quatro tipos de barreiras:
gradeam ento, fosso, arbustos e
desnível. Todos eles permitem um
acesso visual, mas impedem o
acesso físico. Um dos tipos de
barreiras mais correntes é, talvez o
valado, ou fosso escondido, das
grandes propriedades rurais, que
não quebra a continuidade do
relvado — em relação a um
observador situado na casa
senhorial — mas impede o acesso
de animais aos jardins. Em baixo
temos um aspecto do Festival of
Britain que mostra a utilização da
água como meio de persuadir as
pessoas a pagar o que consomem.

58
r

CONTEÚDO

Categorias

Nesta terceira parte da secção de


definições examinaremos as
qualidades intrínsecas das várias
subdivisões da paisagem.
Consideraremos em primeiro lugar
as grandes categorias ou sejam:
metrópole, cidade, arcádia, parque,
zona industrial, zona rural e solo
virgem. Estas são as categorias
tradicionais, mas não há qualquer
certeza de que continuem a existir
na sua forma actual. Por outro
lado, qualquer que seja a sua forma
futura, o que parece bem assente é
o próprio princípio da
categorização, pois se não existirem
distinções entre as coisas teremos
uma mistura enjoativa que só será
suportável enquanto se resistir ao
desejo de a vomitar. Na situação de
transição que atravessamos, como
resultado do desenvolvimento dos
transportes individuais e colectivos,
esse padrão tradicional está em vias
de extinção: o centro das cidades
está moribundo, devido a uma
edificação demasiado compacta,
que não permite o acesso a
automóveis, e a necessidade da
concentração‘do comércio e dos
negócios numa única zona é cada
vez menos acentuada, devido aos
modernos meios de comunicação.
O processo de nivelamento dos
rendimentos tem vindo a provocar o
desmembramento das grandes
propriedades rurais, que estão a ser
utilizadas para alojar um excesso
sempre crescente de pessoas, cujo
bem-estar é cada vez maior.
Nada se assemelha tanto a esta
explosão como um formigueiro era
alvoroço, com uma infinidade de
formigas laçadas e vistosas
correndo febrilmente em todas as
direcções: pí-pí, pó-pó, cá vou eu!
Viva!

De Cima para baixo:

METRÓPOLE
CIDADE
ARCÁDIA

59
A categoria determinante é a última
de baixo, o solo virgem, ou
«hinterland». Quando há extensões
muito vastas desta última, a atitude
tradicional de «laissez-faire» face á
exploração e desenvolvim ento do
solo, não constititui grande
preocupação, uma vez que ainda é
possível manter o equilíbrio.
Mas quando o próprio «hinterland.,
está tomado, verifica-se uma
situação inteiramente nova: todos
retrocedem sobre si mesmos e a
expansão de uma categoria- só pode
fazer-se à custa das outras; Por
outras palavras, esgota-se a
possibilidade de livre expansão, e
tom a-se então, necessário encarar o
ambiente como um conjunto
integrado de actividades da mesma
maneira que o sufrágio universal
veio obrigar os políticos a encarar a
sociedade como uma interacção
permanente de relações, e não
como um sistema em que os
privilegiados exploravam as massas
incultas. Em relação à Inglaterra,
pelo menos, vimo-nos forçados a
desenvolver a arte do
relacionamento para podermos
sobreviver como nação civilizada.
Nas próximas três páginas dão-se
alguns exemplos das vantagens, e,
em certos casos, dos aspectos
negativos inerentes a este
fenómeno.

De cima para baixo

PARQUE
Z ONA IN D U ST R IA L
ZONA R U R A L
SOLO VIRGEM

60
Individualização da paisagem

Um exemplo muito simples do que acaba­


mos de referir é o carreiro da fotografia de
cima que, embora acompanhando a estrada
principal, está separado desta por uma sebe
espessa: de um lado temos o ruído ensurde­
cedor e os perigos do tráfego rodoviário, do
outro um caminho encantador e perfeita­
mente seguro, com uma bonita vista sobre
os prados. Neste caso tanto fica beneficiado
o motorista como o peão. O carreiro está
ligado à rede urbana de caminhos para pe­
ões. O elem ento chave é a sebe, que fun­
ciona como barreira de separação entre as
duas funções. Mudemos agora de escala e
situem o-nos, não no caminho para peões,
mas nas grandes extensões de paisagem
como a desta vista aérea sobre o vale do
Tamisa. Uma comparação entre os Sécs.
X VII e XX revelará que a mudança mais
radical diz respeito à mobilidade do indiví­
duo. Enquanto que anteriormente as deslo­
cações representavam um processo labo­
rioso e lento, hoje em dia reduzem-se ape­
nas ao aborrecimento de se entrar e sair dos
transportes. A distância é secundária em re­
lação à obtenção de um lugar sentado. A
antiga ordem resultava no já nosso conhe­
cido padrão de cidades compactas e vastas
extensões rurais, como consequência da
lentidão com que se efectuavam as desloca­
ções, o que obrigava as pessoas a gravitarem
para os centros urbanos. Hoje passa-se exacta­
mente o contrário: as pessoas parecem
querer fugir umas das outras — verifica-se
uma tendência para abandonar os pontos
nodais em favor de uma ocupação esparsa
de todo o território, em que pessoas, co­
mida, energia e divertimentos se misturam
num baldio universal. Se todos começarem
a correr em sentidos diferentes, o país in­
teiro acabará por se transformar num
amontoado caótico de elementos crom ados.
Mas vamos supor, a título de hipótese, que a
cidade tem um limite, e que a partir desse
limite começa o campo. Haverá alguma ra­
zão para que isto não seja assim? Não ultra­
passa, já, o homem de hoje, o problema da
distância? Se assim é. a cidade também
pode ter um limite, pois o facto de o urba­
nista colocar um obstáculo num determ i­
nado ponto apenas significa que nesse ponto
todas as pessoas começarão a saltar na
mesma direcção: é a criação de um aconte­
cimento a partir de um caos. É, de certo
modo. a utilização de grandes barreiras para
tornar a paisagem mais nítida e com preensí­
vel; não é de maneira nenhuma, um zona-
mento.

61
Justaposição

A imagem da esquerda é um dos


raríssimos exemplos de uma relação
directa entre duas categorias
distintas de paisagem: vila e
campo. O carácter inequívoco de
cada uma delas sai reforçado de tão
vivo encontro, não havendo lugar
para qualquer ambiguidade. De um
lado, o assobiar do vento por entre
as árvores, do outro o ressoar oco
de passadas na calçada. Oco é de
facto o termo apropriado.
A vila parece fechar-se sobre si
mesma, formando um recinto oco
que contrasta vivamente com a
natureza desabrigada. Na imagem
de Coleshill (em baixo, à esquerda)
nota-se o mesmo tipo de contraste
violento, opondo, desta vez, o rural
ao industrial. Esta imagem constitui
um bom exemplo do que deve ser a
categorização da paisagem,
enquanto que a pequena figura da
direita evidencia, pelo contrário,
uma sobreposição confusa de
elementos, que transforma tudo
num caos inexpressivo.

62
r

Imediaticidade

Existe uma preocupação constante


de prevenir e de preparar com
grandes avisos de «Atenção»,
«Cuidado», etc.. Por vezes
sentimos vontade de ultrapassar
todas estas convenções que se
atravessam à nossa frente
separando-nos da paisagem, e
ansiamos pelo contacto directo que
só o imediato pode proporcionar,
sob a forma de um confronto
directo com a água ou o abismo.
Este conceito de imediaticididade
está implícito no que dissemos
anteriormente acerca da
conceptualização de categorias e
sua justaposição em função de uma
maior expressividade e clareza,
aplicando-se ao conceito de
identificabilidade que iremos referir
em seguida.

63
1
Identificabilidade

Nesta página e nas quatorze qUe


lhe seguem tentaremos definir o
conceito de identificabilidade, ou|
seja a identidade inequívoca que
possuem determinadas coisas. Estí
parede de sílex, por exemplo,
apresenta uma textura específica e
caiada, adquire, um máximo de '
expressividade ao ser iluminada
pelo sol. Se compararmos a parte
caiada com a faixa de alcatrão da
base, verificaremos uma diferença
radical. A primeira exprime
afirmação e alegria, a segunda
negação e indiferença. Na montra
da cordoaria, em baixo,
encontramos novamente
concentração e exclusividade, num*
síntese deste conceito de
identificabilidade. As qualidades I
intrínsecas das cordas e fios
expressam-se aqui de maneira
intensa e, como veremos nos
próximos capítulos, são
enriquecidas pelos eleitos da
dissimulação, exposição, ilusão.

64
Pormenores

Se estivermos atentos ao detalhe, e


habituarmos o olhar a saber ver o
pormenor, o mundo construído
tom a-se mais interessante, e ganha
cm qualidade. Há pequenos
exemplos, como os que vemos na
imagem de cim a, que parecem ter
uma vida própria. As paredes, que
geralmente não têm grande
significado à primeira vista, podem
subitamente ganhar vida para um
observador atento.
Na imagem inferior, por exemplo,
a pintura destina-se expressamente
a pôr em destaque as qualidades
intrínsecas da parede. O pontilhado
disperso é simplesmente a
afirmação de que a parede tem
vida, que constitui uma superfície.
Nesta perspectiva, a presente
imagem deverá gradualmente
adquirir expressão.

65
Cidade secreta
Ao longo das próximas páginas
examinaremos os diversos tipos de
qualidades que individualizam uma
vila ou cidade. Trata-se de uma
selecção muito pequena, que se
destina unicamente a estim ular no
leitor o desejo de descobrir e
explorar por si próprio. Nesta
imagem de Birmingham,
coexistem, lado a lado, dois
mundos completamente diferentes:
a rua movimentada e ruidosa que
atravessa a zona do comércio e dos
negócios e que, em determinada
altura, segue até à ponte sobre o
canal, cuja bacia é silenciosa e
deserta como uma cidade secreta.
Urbanidade
M anchester Square pode
considerar-se uma síntese da
qualidade e do carácter da vida
urbana: proporção, elegância e alta
densidade, a par do requinte de um
jardim público com vegetação
exuberante.

66
Complexidade

Trata-se, talvez, da qualidade que


tem sido menos bem compreendida
(ou mais raramente posta em
prática) na construção
contem porânea, que parece não
ir nunca além do que é óbvio: o
painel modulado, os reticulados das
fachadas-cortina, a banalidade das
grandes superfícies em tons de
pastel, com a sua suavidade
exasperante. A complexidade, pelo
contrário, é um meio de cativar o
olhar. É uma dimensão extra que
apenas se manifesta como resultado
do reconhecimento e experiências
de um verdadeiro profissional, e
não através dos expedientes
grosseiros do amador.

Correcção

A correcção nasce do respeito


mútuo que deve existir entre os
membros de uma sociedade
evoluída, não significando,
portanto, o mesmo que boa
educação. O nosso exemplo é uma
tabuleta algo suipreendente que
11r a

poderia ser considerada deslocada


numa rua modesta, mas, como
exemplo do trabalho de um
serralheiro, mantém o sentido da
correcção. Este nunca é uma
imposição, mas sim uma
possibilidade de livre expressão
num enquadramento civilizado.

67
Rudeza e vigor

Nestas imagens apercebemo-nos de


uma força que se impõe apesar da
incompetência estilística do
construtor, ou que simplesmente a
ultrapassa. Construções deste tipo
são sólidas como rochas.

68
Extravagância

Ao passarmos nas ruas dc beirais


alinhados, paredes lisas e
fenestrações simples, o olhar
enreda-se subitamente num objecto
extravagante que o intriga e fascina
como uma adivinha visual. O poste
de iluminação de St. Neots, em
cim a, ou as hastes entrelaçadas dum
assento em Somerset, em baixo,
são imagens que recordamos por
muito tem po, como pequenos
cardos que encontramos, agarrados
à roupa dias depois de um passeio
pelo campo.

69
Nostalgia

Lá fora, o rumorejar da folhagem ç


o ondular da trepadeira luxuriante
ao sabor do vento; mas por trás do
•vidro, o silêncio e a luminosidade
ténue em que cresce, isolada, a '
planta solitária.

O pavão branco

Um local à beira do Tamisa que


nos aparece como encantado. A
folhagem densa é de um verde
opaco, a borda da cerca de madeira
de um branco lívido, não há
viv’alma. E a pequena abertura ao
fundo apenas conduz ao silêncio
que paira sobre vozes que nunca
mais se ouviram. '

70
Exposição e isolamento

Espaços vazios, grandes extensões


de céu, geometria: eis alguns dos
factores que contribuem para uma
sensação de exposição e
isolamento. As tempestades que
impuseram e deram forma a esta
construção retrocedem para nos
conceder, por um momento, a
liberdade de o visitar, embora o
local pertença, na realidade, ao
mar.

Intimidade

Vegetação exuberante, um recinto,


um pequeno rectângulo de céu, e o
calor da construção em tijolo,
conjugam-se aqui numa atmosfera
de interioridade, íntima e cordial. É
uma imagem transbordante de
vitalidade e calor humano.

71
Ilusão

Até agora temos vindo a examinar


as diferentes categorias do
meio-ambiente, os seus aspectos
emotivos, e a noção de
identificabilidade, ou Isto. O passo
seguinte é explorar as relações entre
Isto e Aquilo por forma a descobrir
novas situações expressivas e novas
emoções. O primeiro exemplo que
apresentamos, a ilusão, consiste em
simular que Isto é Aquilo. Todos
sabemos que a superfície da água
em repouso é perfeitamente plana,
e, no entanto, através de uma
gradação imperceptível das paredes
do tanque (cuja altura é,
geralmente, uniforme) criou-se a
ilusão de que o nível da água está
inclinado. Isto é Aquilo.

Metáfora

Sem o atrevimento da Ilusão, a


Metáfora apenas insinua que Isto
é Aquilo, deixando, assim,
grande margem para a sugestão.
Nos três exemplos que
apresentamos neste capítulo, as
possibilidades do poder de sugestão
não são tão amplamente exploradas
como se desejaria, mas transmitem
pelo menos a ideia de que as
granadas de artilharia (figura da
esquerda) dispostas em volta do
memorial à guerra, poderiam ser
pilones; a enorme estrutura circular

72
encarada como um Coliseu,
enquadra-se perfeitamente no
espírito de 1900, que levava a
preocupação de elaborar e
ornam entar ao ponto de conceber
estes gasóm etros em traje de rigor;
e a casa deste inglês (em baixo)
poderia perfeitamente ser o seu
castelo. Embora não sejam perfeitos
(e poderíamos apontar outros ainda
mais banais) estes exemplos
constituem, mesmo assim, uma
linha de orientação para o
«designer».
Por altura da preparação do Festival
of Britain foi-me pedida uma
solução decorativa para Whitehall
Court, edifício que confrontava
directamente — embora, da
margem oposta do Tamisa — a
zona de maior movimento do
festival. A parte superior da
construção formava um feixe de
torres, flechas e espigões, e
tratava-se, na realidade, de uma
estrutura romântica e heráldica.
Havia que tom ar essa interpretação
evidente, o que procurei fazer
colocando numerosas bandeiras e
estandartes por entre os intrincados
elementos do coroamento, e uma
iluminação que deixava no escuro a
base do edifício: à noite apenas se
destacava a silhueta de uma
estrutura heráldica pairando sobre o
rio.

73
Indício

Determinados objectos têm a


particularidade de ser ao mesmo
tempo evocativos e absolutamente
inconfundíveis. O barco da imagem
da esquerda, por exemplo, é uma
informação sobre a região que aqui
vemos apenas em parte. A
exploração deste fenómeno tão
conhecido para definir ou realçar o
carácter de cada local poderia ser
levada muito mais longe.

Animismo

Através do animismo, temos


novamente a afirmação de que
Isto é Aquilo. A sugestão de
que uma porta é um rosto (em
baixo, à esquerda) ou, mais
directamente, que uma janela é uma
boca (em baixo, à direita) pode
transmitir-nos uma sensação de
estranheza; mas certas
manifestações de animismo, por
serem inoportunas, causam apenas
irritação.

74
Omissão significativa

Nesta categoria incluimos os efeitos


que se verificam quando se omite o
objecto significativo, quer porque
isso reforça o seu significado, quer
porque ele não é estritamente
necessário, podendo a sua função
ser desempenhada por uma outra
coisa. No exemplo de cima, a
parede do campanário da igreja
substitui a cruz, embora esta esteja
implícita na situação. (Note-se
como a ausência da cruz — cuja
existência apenas se pressupõe —
libertou, de certo modo, o escultor
na sua concepção do Calvário.)

Objectos significativos

Há objectos vulgares que se


destacam frequentemente como
esculturas ou cores vivas, por
exemplo, devido à sua força
intrínseca. Aqui referimo-nos mais
ao mobiliário urbano, e àqueles
elementos estruturais que
geralmente não se evidenciam a
este nível, do que propriamente a
objectos de produção artística como
esculturas, cartazes, etc.

75
O edifício como escultura

Uma vez por outra, os edifícios


(que em geral observam as
convenções, integrando-se na
paisagem sob a forma de
arquitectura) aparecem-nos como
uma outra forma de arte, e na
medida em que isso acontece,
adquirem significados novos, que já

1.1
são regidos por novos padrões. O
farol da figura de cima ergue-se,
isolado, na vastidão da costa, coni
a sua base Ben Nicholson e os
volumes interpenetrantes da
estrutura superior.

I
I

76
Geometria

Também a geometria se liga com o


que temos vindo a dizer nos
últimos capítulos. Dir-se-ia que a
imensidão e a ordem Newtonianas
do céu se fazem sentir na
paisagem, inculcando-lhe na sua
escala, a sua independência e a sua
austeridade, da mesma maneira que
a entrada do Director na aula
transforma o burburinho de uma
classe irrequieta e turbulenta num
silêncio concentrado e atento.
Assim, tam bém , a tradicional
paisagem inglesa, das árvores
pequenas e vilas aconchegadas, se
transforma em algo de radicalmente
diferente, como resultado da
geometria que estas imagens
sugerem.

77
Sobreposição de usos
Ainda no âmbito deste tipo de
relacionamento, veremos agora que Isto e
Aquilo podem coexistir. Desde que se
começou a levar o planeamento urbano a
sério, uma das principais diligências tem
sido a do alojamento das pessoas em
casas arejadas e com sol, situadas longe
da sujidade, do ruído e do mau cheiro da
indústria. Mas apesar de ninguém se opor
seriamente a isto, o facto é que a
segregação e o zonamento continuam a
praticar-se, pondo em risco as grandes
unidades da nossa vida social. No West
End londrino há cada vez mais escritórios
e menos residências e teatros, verifica-se
uma comutação permanente de autênticos
exércitos de pessoas, e uma grande

oposição, por parte destas, à edificação de


uma igreja ou de um bar na rua onde
moram, por causa do barulho. Até há
juristas que afirmam ser uma violação da
lei permanecer-se imóvel nos passeios.
Uma vida social a sério, porém, aceita
com a mesma naturalidade as vantagens
da convivência e os seus inconvenientes.
O balanço final revela-se compensador.
Este esboço de um desenvolvimento
possível para Bankside, no Tamisa (em
cima) constitui um bom exemplo de uma
sobreposição de usos pela implantação de
residências numa zona de arm azéns,
enquanto, por outro lado, as duas imagens
de França (em baixo) são a síntese
perfeita dessa atitude, que considera o
espaço exterior como propriedade de
todos: dos jogadores de boules, mas
também do comboio, quando este o requisita

78
Contrastes

Na última parte desta relação de


exemplos tentaremos mostrar que o
mundo de inter-relações complexas
que temos vindo a descobrir, com a
sua diversidade de categorias,
climas ambientais, estilos e
materiais de construção, permite a
criação de situações urbanas
extraordinariamente expressivas
através do relacionamento de todos
esses factores. Enquanto que a
interacção entre Aqui e Além
produzia um determinado tipo de
tensão emocional, o contraste entre
Isto e Aquilo resulta numa forma
de tensão, que se manifesta a nível
de toda a estrutura espacial. Como
se verá ao longo das nove páginas
seguintes, poderá tratar-se de uma
questão de escala, distorção,
implantação de árvores ou
publicidade; mas o efeito de
contraste reside sempre na ilusão de
que Isto é Aquilo.
Na fotografia de Bath (em cima) o
conjunto de edifícios Vitorianos,
Clássicos e Góticos forma uma
imagem tão natural e amena como
a de uma sala de estar. Na
fotografia de Oxford (em baixo),
partilham a mesma rua o vasto
edifício Claredon e um grupo de
construções modestas e de aspecto
bastante doméstico. É possível que
em Inglaterra já estejamos
acostumados a este tipo de
contraste, mas se taparmos com a
mão, alternadamente, a parte direita
e a parte esquerda da figura,
poderemos ter uma noção mais
clara do inesperado da situação.

79
Relacionamento

Esta imagem da City exemplifica


determinado tipo de fluência rítmica
entre edifícios, neste caso o
resultado de uma repetição
acidental de ângulos, elementos
horizontais, escadas, cujo padrão
impõe, mom entaneamente, o seu
ritmo. Em baixo à direita,
verifica-se exactamente o contrário,
ou seja, a segregação total de um
edifício em relação aos que o
rodeiam. Não é tanto a separação
criada pela distância que nos choca,
mas a barreira formada pelas ruas
circundantes: se algumas destas
residências tivessem sido
implantadas no relvado, teria sido
possível estabelecer a ligação,
criando um sentimento de
comunidade. Em contrapartida, a
integração de um monumento
antigo na estrutura contemporânea
do exemplo de Canterbury, à
esquerda, resulta bastante feliz.

80
Escala
A escala, tanto em edifícios como
em estruturas e árvores, é dos
instrumentos principais na arte da
justaposição, e já anteriormente nos
referimos a este meio a propósito
de recessão. Escala não é
4 . - .. * Jg£ dimensão, mas sim a dimensão que
J ,-c . £ '&e sA' ^ S um edifício reivindica,
im plicitamente, aos nossos olhos.
Na grande maioria dos casos são
coisas inseparáveis, um edifício
grande tem uma escala grande e um
pequeno, uma escala pequena. É
nas fronteiras entre ambos e na
forma como as relaciona, que deve
intervir a perícia do arquitecto. Em
baixo, à direita, o edifício de
escritório aparenta ser mais vasto
devido à manipulação da escala.
Em cim a, à esquerda, a
justaposição de duas escalas
completamente diferentes — sólida
e maciça a da parede de silhar,
h w «" » • ■ mais m odesta, mas não menos
afirmativa, a da barraca — pode
considerar-se uma boa síntese desta
qualidade. Tanto a parede como a
barraca têm as suas escalas
próprias, ficando, no entanto,
valorizadas pelo facto de serem
vistas em conjunto; o que é grande
tom a-se maior, o que é pequeno,
mais pequeno. Verifica-se uma
situação semelhante em relação ao
projecto para as imediações da
Catedral de Liverpool (em baixo, à
esquerda) em que é patente uma
justaposição entre o doméstico e o
monumental.

81
Escala em mapas

Um outro aspecto de especial


interesse para o urbanista é a noção
de escala em desenho urbano. O
caso citado por Ebbe Sadolin (A
Wanderer in London)' que
transcrevemos, é extremamente
elucidativo, na minha opinião, para
todos os que se ocupam de novas
urbanizações,. São suas as palavras
e o desenho: «Este pequeno parque
situa-se mesmo à beira do Tamisa,
entre Chelsea Embankment e
Cheyne Walk. É um local
delicioso, cheio de árvores velhas e
frondosas, estátuas de personagens
famosas, bancos de jardim , um
jardim de pedras, e uma vista
directa sobre um antigo pub
denominado The King’s H ead and
Eight B ells.2 Um local, enfim , que
merece ser visitado, onde, aliado ao
prazer da contemplação da
natureza, disfrutamos também da
companhia agradável das pessoas
de Chelsea. Contudo, se quisermos
encontrá-lo no mapa, teremos sérias
dificuldades. Aonde ficará esse
pequeno parque, que não figura no
volumosíssimo e, a todos os
restantes títulos, mui fidedigno atlas
de Londres, obra em grande escala,
que se estende ao longo de 131
páginas!? Deveria estar neste sítio,
pois o Embankment está aqui, e
aqui... ah, cá está ele, um sinal
minúsculo, do tamanho de uma
cabeça de alfinete pequeno, junto
do canto inferior esquerdo, por
baixo da palavra «Walk». Apenas
um ponto a assinalar um parque
inteiro.»
Uma advertência para os
desurbanistas.

scalc o_
Continued («V agueando por Londres»)
«A Cabeça do Rei e O ito Sinos»

82
Distorção

A distorção intencional da escala


por meio do gigantismo pode ter o
impacto de uma violência súbita da
natureza ou de uma experiência
irreal, enquanto que a distorção
pela redução produz um efeito de
miniatura.

83
Escala em mapas

Um outro aspecto de especial


interesse para o urbanista é a noção
de escala em desenho urbano. O
caso citado por Ebbe Sadolin (A
Wanderer in London)' que
transcrevemos, é extremamente
elucidativo, na minha opinião, para
todos os que se ocupam de novas
urbanizações,. São suas as palavras
e o desenho: «Este pequeno parque
situa-se mesmo à beira do Tamisa,
entre Chelsea Embankment e
Cheyne W alk. É um local
delicioso, cheio de árvores velhas e
frondosas, estátuas de personagens
famosas, bancos de jardim , um
jardim de pedras, e uma vista
directa sobre um antigo pub
denominado The K ing’s H ead and
Eight B ells.2 Um local, enfim , que
merece ser visitado, onde, aliado ao
prazer da contemplação da
natureza, disfrutamos também da
companhia agradável das pessoas
de Chelsea. Contudo, se quisermos
encontrá-lo no mapa, teremos sérias
dificuldades. Aonde ficará esse
pequeno parque, que não figura no
volumosíssimo e, a todos os
restantes títulos, mui fidedigno atlas
de Londres, obra em grande escala,
que se estende ao longo de 131
páginas!? Deveria estar neste sítio,
pois o Embankment está aqui, e
aqui... ah, cá está ele, um sinal
minúsculo, do tamanho de uma
cabeça de alfinete pequeno, junto
do canto inferior esquerdo, por
baixo da palavra «Walk». Apenas
um ponto a assinalar um parque
inteiro.»
Uma advertência para os
desurbanistas.

1 («V agueando por Londres»)


2 «A C abeça do Rei e Oito Sinos»

82
Distorção

A distorção intencional da escala


por meio do gigantismo pode ter o
impacto de uma violência súbita da
natureza ou de uma experiência
irreal, enquanto que a distorção
pela redução produz um efeito de
miniatura.

83
T
Integração de árvores

Entre os diversos elementos naturais qUe


compõem a paisagem urbana, a árvore é
sem dúvida, o mais frequente, e a relaçgl
entre árvores e cidades tem uma longa e
respeitável tradição. A ideia de que, tal
como os edifícios, as árvores eram
verdadeiras estruturas, levava à sua
disposição segundo padrões
arquitectónicos e à sua interpenetração
com os elementos construídos; mas hoje
em dia aceita-se a árvore por si mesma,
considerando-a como uma presença viva
que habita entre nós. Isso possibilita
novas relações entre a nossa arquitectura
orgânica e as estruturas naturais. O
exemplo de cima mostra o volume criado
por um conjunto de árvores, o que tem
um significado muito particular, como
todos sabemos: há um contraste entre
recinto e espaço, espaço este no qual se
pode entrar e sair. A casa, estando
inserida nesse espaço, ajuda a criar um
volume estrutural semelhante ao do
pórtico clássico que se vê no esboço.
O paralelo entre a folhagem e os
rendilhados, nesta imagem de Espanha
(em baixo) traduz-se num sincronismo
fugaz que é notável na medida em que
nos impõe um envolvimento muito
superior ao normal. Há todo um campo
de estudo a explorar no que respeita às
texturas e hábitos de crescimento das
árvores, pois, se estas apresentam
diferenças características, podendo ser
fastigiadas ou pendentes, de linhas
geométricas ou curvas, e de aspecto
lustroso ou aveludado, também a sua
relação com os edifícios pode ser
extraordinariamente expressiva, quer
como extensão do seu conteúdo, quer
como uma definição por contraste.

84
Neste exemplo sueco (em cima), as
árvores são o papel de parede vivo
que decora a vasta geometria dos
silos de cereais.
O último exemplu, talvez o mais
corrente, é-nos proporcionado pelo
decorador de exteriores. A árvore
foi colocada no centro da vila
exactamente da mesma forma que
uma jarra de flores no centro de
uma mesa, e pela mesma razão:
porque é verde e fresca e contrasta
com a estrutura permanente que a
rodeia.

85
1

Caligrafia

É extremamente agradável desenhar


sobre papel ou superfícies brancas
com um lápis bem afiado. Nestas
duas varandas de Cheltenham a
graciosidade e leveza das guardas
em ferro forjado destaca-se com
nitidez do fundo branco das paredes
e a serpente do banco, mais firme e
robusta, desliza com o movimento
coleante de um sátiro sob as tábuas
rudes e utilitárias do assento.

86
Publicidade

A publicidade é uma questão


controversa no mundo urbanístico
porque envolve duas questões
fundamentais: a noção de
correcção, e a vitalidade específica
deste meio na paisagem urbana.
Para aqueles que encaram a
arquitectura como coisa sagrada, a
figura de cima assume, certamente,
as proporções de um sacrilégio.
Todavia, a publicidade é hoje aceite
como parte integrante da nossa
sociedade, e não têm assim
cabimento os aspectos morais da
questão. Aceitamo-la como um
dado, e é nesta perspectiva que nos
surge a fachada de cima,
inteiramente coberta de cartazes,
cujo encanto e vivacidade
enriquecem extraordinariamente a
rua. Em baixo sugere-se um
desenvolvimento de caracter
fundamentalmente noctumo para o
centro da cidade (Piccadilly Circus,
Times Square) em que o jogo
surrealista de formas, luzes, e
movimento transmite, para além da
mensagem publicitária, a sensação
de que a noite é de espectáculo, de
divertimento. Arquitectura? Não
poderiamos dispensá-la, e ter em
seu lugar uma sóbria estrutura que
servisse como base para as
variações da publicidade?

87
Integração discreta

— i. e ., a intromissão do homem
na natureza sem causar excessiva
perturbação. São de particular
interesse hoje em dia, em que até
os locais mais agrestes do país
estão a ser invadidos pela
construção, as duas fotografias que
apresentamos, e que ajudam a
sublinhar as dificuldades inerentes a
esta questão. A imagem da costa da
Córsega, em cim a, é notável na
medida em que as construções se 1
inserem perfeitamente na atmosfera
agreste da paisagem pela forma
compacta como estão dispostas e I
pela sua localização perigosa,
mesmo à beira dos penhascos. Se 1
estivessem uma centena de metros
mais atrás, tudo estaria perdido;
teríamos apenas um subúrbio
pretencioso e impertigado (o que se
nos afigura ser justam ente o erro de
algumas centrais nucleares em fase
de construção nos locais mais
isolados do país).

No exemplo de baixo está implícita


uma pequena advertência aos
paisagistas: eis um banco público
(em Bidston Hill) que nao transmite
de modo algum a ideia de que o
solo está ocupado ou digerido pela
Câmara local. Um banco, que
qualquer viajante podia ter deixado
ficar para trás.

88
A TRADIÇÀO FUNCIONALISTA
A quarta e última secção desta relação
de exemplos refere-se não tanto às
várias jogadas possíveis, como às
qualidades intrínsecas das c o is a s __
construções, pontes, pavimentos,
lettering, pormenores, etc., que em
conjunto constituem o ambiente
construído.
Vamos tentar explicar melhor. Vamos
supor que estamos num «pub» londrino
que encerra às 23 horas. A certa altura
o dono anuncia «última rodada», e,
pouco depois, «vamos fechar!». Neste
momento, poderá pegar no pano com
que esteve a limpar os copos toda a
noite, e estendê-lo sobre as torneiras
da máquina de cerveja. É este tipo de
gesto que melhor representa a tradição
funcionalista, é inequívoco, conciso, e
revela uma profunda economia de
meios; colocar sobre o balcão um
cartaz com as palavras «Desculpe,
demasiado tarde» seria recorrrer a uma
solução pretenciosa, ambígua e
complicada. A tradição funcionalista,
pelo contrário, está imbuída de uma
certa astúcia popular.

E stru tu ra s
Aqui, tudo o que é intrínseco às
coisas, fala por si. Na pequena ponte
sobre o Tam isa, a relação entre os
ângulos é inteiramente convincente, e
significativas placas de metal
destacam-se pintadas a negro. Oficinas
como as da figura da esquerda, que se
constroem desde o Séc. XVIII,
revelam bem a legitimidade da
tradição. O confronto destes exemplos
com o da ponte grosseira e pesada d;
fig. acima, destina-se a acentuar os
aspectos de singeleza, vigor e precisão
dessa tradição.

89
G u a rd a s

As guardas são utilizadas, antes


de mais e fundamentalmente, cornj,
avisos visuais colocados em sítios
potencialmente perigosos, e só em
segundo lugar como barreiras
físicas propriamente ditas; na
realidade, os meios mais simples
são suficientes para transmitir esse
aviso. A guarda em ferro desta
pequena ponte (em cima) apenas se
mantém enquanto a continuidade da
margem o justifica, e não é mais
que uma simplíssima estrutura. As
guardas metálicas das quatro
fotografias da esquerda são
delicadas linhas traçadas ao longo
dos pontos de maior perigo; não
são como as barreiras pretenciosas
e pesadas, das fotografias da
direita, que estão totalmente à
margem da tradição.

90
r

G rad eam en to s

O objectivo dum gradeamento é


delimitar a propriedade, excluindo
dela pessoas e animais indesejáveis.
A cerca de estacas, com os seus
topos pontiagudos e o aspecto
aprumado que resulta do contraste
entre o preto e o branco é, talvez, a
mais antiga forma de vedação, não
deixando, porém , de ser das mais
eficazes. Em baixo, à esquerda,
temos o exemplo duma barreira
compósita, constituída por blocos
de pedra maciços, que são o
suficiente para servir de aviso ao
tráfego, unidos por simples
correntes, que se destinam a alertar
o peão distraído. Isto são exemplos
de medidas directas e práticas que é
possível tom ar para evitar acidentes
e que nada têm a ver com a guarda
rebuscada e pomposa da figura
abaixo.

91
Degraus

Para aqueles que regressam do mar


em dias de tem pestade, estes
degraus surgirão, provavelmente
como um porto de abrigo. Em tod0
o caso, os que aqui vemos dão-n0!i
no seu contexto, uma ideia bastanic
clara da qualidade que estamos a
tentar isolar. As fotografias do
fundo mostram dois aspectos
distintos de uma mesma construção
(em que o directo — à esquerda
e o supérfluo — à direita, são
mostrados lado a lado) (ver também
Integração Discreta).

92
Preto e branco

A ornamentação na construção
recorre frequentemente à pintura a
preto e branco, processo que para
além da sua função própria confere
às estruturas mais nitidez e um
aspecto rematado.
Isto verifica-se sobretudo quando o
factor segurança tem uma
im portância capital, como, por
exemplo, nos portos ou na estrada.
Este porm enor do porto de Lyme
Regis mostra-nos a utilização de
paredes brancas como forma de
sinalização. A vivacidade e alegria
do preto e branco está bem patente
na pequena barraca de praia na
figura inferior. Na figura do meio,
os dois grosseiros quadrados
caiados no muro funcionam
também como sinal, e a sua
geometria, embora incipiente,
leva-nos a concluir que estão ali
com um fim determinado e não por
mero acaso.
Textura

Um número excessivo de
arquitectos tem andado demasiado
ocupado, nos últimos anos, com o$
projectos em grande escala —
planos directores, planos nacionais
planos cósm icos, etc., excluindo,
muitas vezes os interesses de
âmbito local e particular. Em
consequência disto, o arquitecto
começou a perder a capacidade de
ver directamente (as coisas) pois
apenas (as) vê mentalmente. Em
muitos aspectos é como uma
criança, que após o período inicial
de prazer desinibido que lhe
proporciona a experiência visual
directa, vê o seu interesse visual
atrofiado pela sua preocupação de
aprender (ou seja. pela sua
crescente capacidade intelectual)
com efeitos desastrosos para as suas
> . capacidades criativas. A
consciência dos aspectos técnicos
pesa grandemente sobre o
arquitecto, cuja noção de
responsabilidade pode assumir a
dimensão e as características de
uma imposição em vez de funcionar
como um estimulante. Uma
arquitectura verdadeiramente
expressiva e viril só poderá
florescer quando, na prática, os
imperativos de ordem social se
conjugarem com a satisfação
pessoal, com o prazer suscitado
pelo próprio processo criativo, para

94
além da consideração do objectivo
em vista. Não há qualquer motivo
para que essa alegria espontânea
seja tida como perniciosa, já que
sem o prazer sensual a prática da
arquitectura degenera
inevitavelmente numa rotina sem
sentido, ou, quando muito, num
exercício de mera agilidade
intelectual. Nesta perspectiva, os
exemplos de texturas que
apresentamos surgem-nos como um
estímulo a descobrir o panorama
quotidiano.

Lettering

A partir do momento em que o


pregoeiro deixou de se manifestar
oralmente nas cidades, e passou a
utilizar cartazes que todos podiam
ler, nunca mais os tipos de letra
pararam de se multiplicar, quer em
quantidade, q u erem variedade.
Não há, por assim dizer, um único
metro da paisagen urbana em que
não se veja o nome de uma casa,
uma tabuleta, um letreiro de
estrada, um placard publicitário,
um painel para afixação de
cartazes, uma placa indicando o
f trajecto dos autocarros, ou o nome
de uma rua. Os tipos de letra mais
r funcionais são os que, através de
um espaçamento adequado dos
! caracteres, transmitem claramente
> as suas indicações à distância a que
se pretende que sejam lidas. Poderá
f
tratar-se de um tipo grosso, preto e
bem destacado ou, alternativamente
grosso e branco, sobre fundo negro;
I ou poderá ser um tipo esguio leve e
> ■ bem delineado, se a indicação a
transmitir for secundária em relação
í à do mais encorpado. Muitos
cartazes de teatro novecentistas
i - exibem estes tipos, que até à data,
não parecem ter sido ultrapassados.
De um modo geral podem
considerar-se como modelos de
imitação muito superiores aos
contemporâneos e ainda hoje há
uma enorme variedade desses tipos
antigos, utilizados principalmente

95
pelos leiloeiros, autoridades
portuárias e pintores de montras e
tabuletas. Em contraste com a
selecção de indicativos robustos e
viris das figuras da esquerda e
página anterior, os dois exemplos
da direita constituem exactamente o
oposto. O tipo de letra bastonada

WIN] 2 S & que se vê no aviso e que hoje'em


dia se utiliza com demasiada
frequência, é de um funcionalismo
insensível, e mostra-se totalmente
despersonalizado e desprovido da
: ' -.f -:v; y ' V v : robustez do exemplo da página
r fHBWHFSKPr anterior. As letras da loja de
modas, por sua vez, apresentam-se
deformadas e debilitadas, e ignoram
o imperativo primordial da
legibilidade.

> «I

CAUTION.
MEN
WORKING
OVERHEAD

96
Clareza

Até mesmo os pormenores mais


insignificantes, na rua ou no espaço
público, devem estar integrados na
paisagem urbana ao
desempenharem as suas funções
individuais. Este banco circular ou
a chapa ondulada do canteiro (foto
imediatamente abaixo) são ambos
representativos da vasta
complexidade de pormenor que se
nos depara nos jardins e largos
públicos e que é frequente designar
por ornamental. Seleccionámos
estes dois exemplos pela forma
adequada como evitam essa
designação, proporcionando,
simultaneamente, e sempre dentro
do funcional, um enriquecimento
muito superior. Entre muitas
(outras) construções possíveis, estes
sanitários públicos parecem resumir
a expressividade do vigor
funcional. Os dois exemplos da
direita demonstram bem o que
acontece quando se perde essa
clareza de propósito.

97
A rua

A sinalização nas ruas deve ser


clara por forma a transmitir de
imediato uma indicação inequívoca
As letras brancas pintadas
directamente sobre a superfície das
vias, para além de não
representarem qualquer obstáculo,
situam efectivamente a sua
mensagem no local de mais fácil
leitura. As vias apropriam-se deste
modo, do preto e branco náutico
Os pilones, semáforos e candeeiros
são os elementos verticais mais

frequentes nas estradas. O seu


grande número põe exigências de
simplicidade e clareza,
justificando-se, assim, que a
sinibologia da estrada se tenha
inspirado tão largamente na tradição
náutica do preto e branco. Não
deve ser difícil separar o trigo do
joio (figuras da direita, por
exemplo) ao longo desta página.

98
a praceta privada: fechada

E S T U D O S G E R A IS : PRACETAS PARA TODOS OS GOSTOS

As pracetas (privadas), em tempos local de


privilégio, tornaram-se depois da guerra, em que
os seus gradeamentos metálicos foram retirados,
espaços públicos. (Isto é retirado dum trabalho
escrito em 1947.)
É pouco provável, e de resto indesejável, que
regressem todos à sua anterior função, mas não
foram por enquanto enunciadas propostas definiti­
vas no sentido de as adaptar às necessidades de
uma sociedade transformada. Estas páginas de­
monstram, com o auxílio de exemplos escolhidos
em Londres, algumas adaptações possíveis destas
pracetas de modo a poderem contribuir para a vida
tal como ela é actualmente nas cidades inglesas. As
pracetas específicas que são tomadas como exem ­
plo são simbólicas e usadas unicamente para efei­
tos exemplificativos. O nosso objectivo será o de
chegar a uma metodologia universal. Deixemos
claro, no entanto, que não propomos alterações nos
casos em que, logo à partida, continua a existir
uma consonância entre função e unidade arquitec­
tónica. Assim, e quando a praceta mantém um

99
a praceta privada: aberta

carácter predominantemente residencial, poderá no entanto, o progressivo desaparecimento das


bem guardar o seu carácter sem iprivado, delimi­ suas características. Se M ayfair é um local caro e
tada e protegida pelos habituais gradeamentos. exclusivo, então Grosvenor Square aparece-nos
A derivação em relação à praceta fechada é a definido no seu renascente carácter público. A
praceta semiprivada de carácter mais aberto (sem presença da Embaixada Americana e, durante a
gradeamento) e protegida apenas pelo recurso à guerra, do quartel general móvel das tropas ameri­
localização criteriosa de faixas vegetais, ou de canas em Inglaterra, levou as autoridades munici­
desníveis no pavimento. Em bairros relativamente pais a erguerem um monumento ao presidente
tranquilos, este género de pracetas não necessita Roosevelt, projecto que tem contado com um
geralmente de outros sistemas de protecção, e esta amplo apoio da população. Porque não fazer de
imunidade pode encorajar a experiências a nível de Grosvenor Square um verdadeiro recanto ameri­
desenho urbano, na procura de soluções menos cano? Não tanto a América no trivial, a que os
académicas. europeus se habituaram; o elem ento de referência
Poderemos ambicionar, uma forma de organiza­ seria preferencialmente a 5 .a avenida, e não a
ção da cidade, que conduza a uma distribuição Broadway. A melhor comida am ericana, cinema
mais equitativa de privilégios, o que em termos de qualidade, cisnes e fontes (mas não máquinas de
urbanísticos, se traduziria em pracetas arborizadas bebidas). Em ocasiões especiais a Embaixada
e reservadas apenas ao trânsito local. Americana poderia organizar garden parties no
Enquanto a praceta cosmopolita é um local que largo. Um recanto de Londres que seria americano,
não deve pertencer em exclusivo aos poucos que tanto para os habitantes de Londres, como para os
habitam os prédios circundantes, tal não implica, próprios americanos.

100
101
7

O Leicester Square oitocentista seria virtual,


mente impossível de reconciliar com o seu actual
aspecto, uma selva ruidosa de trânsito, semáforos
publicidade e cartazes gritantes. As tentativas qué
se esboçaram antes da guerra no sentido de 0
preservar como jardim vedado, em bora provas da
louvável boa vontade e determinação das autorida­
des, redundaram sempre num fracasso. Acabavam
por gerar uma sensação deprimente de impedi­
mento, a ideia de que se inibiam as pessoas por
motivos errados. Seria bem melhor obter a noção
de espaço e à-vontade eliminando a vedação^e
pavimentando o local na sua totalidade. Existe um
número suficiente de cafés em volta da praceta para
este espaço poder ser aproveitado com esplanadas,
à maneira francesa, e todos coloridos suspensos

102
a praceta quadrangular: praceta municipal

entre as árvores poderiam assegurar protecção da


chuva e dos pássaros. O que nos parece muito
importante, no entanto, é que o urbanista compre­
enda os mecanismos do encanto visual que espaços
desta natureza são susceptíveis de exercer. Embora
seja a expressão estética da taberna, não é segura­
mente razão suficiente para lhe virar as costas.
Essas actividades, para melhor ou para pior, fazem
parte integrante da vida urbana, e como tal têm
uma contribuição importante a dar para o enrique­
cimento da paisagem.
Numa política de arranjo de espaços públicos
que se pretenda completa, deverá haver lugar para
tudo, incluindo as manifestações de puro monu-
mentalismo. As construções existentes, e as pro­
postas, sugerem que o futuro carácter de Russel
Square deverá ser simultaneamente monumental e
à escala da cidade. Os edifícios que o enquadram
são francamente maciços e monumentais: London
University, os hotéis Imperial e Russell, e blocos
mais recentes de escritórios. Onde exista uma

103
/
a praceta quadrangular: a praceta local

mudança discemível na utilização e carácter dos equivale a dizer que no encontro entre um táxi e
limites do largo parece razoável sugerir uma alte­ um peão, o táxi não se meterá à frente do peão. A
ração generalizada de carácter de modo a recuperar tentativa de preservar alguns metros quadrados de
a intensidade que um trânsito de extrema densidade zonas pretensamente verdes, secas e cheias de
pode produzir. Ou seja , o monumentalismo deverá gatos, em largos públicos de menores dimensões,
invadir aquele espaço, com os seus recursos à não vale com certeza a pena. Parece mais com pen­
geometria e a sistemas axiais, a fontes, bancos e sador pavimentar toda a zona, como no caso de
esculturas, e assim produzir um efeito cosmopolita Temple Courts, o que sublinhará a atmosfera local
claro e indiscutível. e a propriedade aos peões; realçará igualmente o
facto de que estes largos se tornaram propriedades
Com a reorganização do trânsito e a fragmenta­ de todos. A praceta pública representa o suporte ou
ção da cidade em unidades funcionais identificá­ padrão neutro que variará de acordo com as condi­
veis, o movimento de veículos em cada zona ções do local. Poderá ser a escala da cidade como
limitar-se-à àqueles que de facto se justifica que aí no caso de RusselI Square, exclusiva como em
estejam, eliminando-se, em grande parte, os fluxos G rosvenor Square, popular com o Leicester
de atravessamento. Ainda assim, em determinados Square, ou sossegada e local como neste exemplo
largos, deverá ser dada prioridade ao peão — o que de Manchester Square.

104
PONIO FOCAL reunu. Em todas as épocas com excepção da nossa,
é isto . O Poultry Cross em Salisbury, que vemos
A noção de cidade como um local de reunião, de na figura 2, e em figuras nas páginas seguintes,
co n ta c to social, de ponto de encontro, foi assumida serve-nos como exemplo do tipo de processos que,
como incontroversa através da história da nossa nos nossos tem pos, podem pôr em perigo os
civilização até ao século XX. Essa reunião poderia tradicionais locais de reunião.
surgir tanto no Forum de Pompeia como à volta do A observação sugere que um objecto fixo pode
pelourinho, sem no entanto perder o seu carácter atrair objectos móveis: na figura 1, em Minehead,
de ritual próprio do homem; tratava-se simulta­ Somerset, as árvores atraíram para junto de si uma
n e a m e n te de um rito e de um d ire ito .1 Nem sequer, balança e uma placa gravada. Toma-se óbvio que
de uma maneira geral, se tomava necessário expli­ os motivos desta disposição se encontram no de­
car se os motivos dessa reunião eram litúrgicos ou sejo de ser am im ado e de não ocupar espaços livres
profanos. O homem é gregário e é natural que se com objectos isolados sobre os quais as pessoas
i N. T. (both a rite and a righl, no original). poderiam tropeçar.

105
No entanto, o objecto mais móvel numa cidade é pos, como se vê na fig. 3 da pág. anterior, em
o ser humano e, por razões possivelmente diferen­ Orvieta, Itália. Porque o homem é gregário, rrtas para
tes, ele próprio necessita de poder ancorar-se nas o ser totalmente necessita do pretexto, do incidente
várias actividades exteriores, comerciais, recreati­ ou duma âncora. No caso de uma árvore, poder-se-ia
vas e sociais. Prever unicamente espaços livres de dizer que ela providencia sombra e abrigo, e no caso
modo a que estas actividades possam simplesmente de um mercado coberto, poder-se-ia dizer o mesmo.
existir não é em si suficiente. O espaço livre como No entanto a âncora é mais do que uma atracção
elemento duma cidade é essencial, mas necessita unicamente de carácter utilitário. Por construção é
também de ser povoado com objectos de modo a imóvel, e logo, por tradição de uso, toma-se num
separar os fluxos dissociados de pessoas em gru­ ponto de encontro por todos aceite.

106
r
O Poultry Cross é uma construção interessante,
e também bastante antiga, e dadas estas duas
características, a feliz relação entre planeta e saté­
lite, entre âncora e pessoas, encontra-se em grande
perigo. O processo é o seguinte: cada vez mais
trânsito é forçado através das vias e os espaços
livres são cobiçados pelos engenheiros. Perante
isto apercebem -se de Poultry Cross, figura 5, e do
precioso passeio que a envolve. A única razão que
os impede de confiscarem imediatamente esse
espaço é a obstinada construção, que se descobre
ser uma valiosa peça arquitectónica, e que se deve
proteger. É então vedada, figura 6, e o trânsito
aproxima-se. Divorciada agora da sua função,
aguarda apenas a sua retirada final para um parque
público, enquanto que nas cidades as multidões
circulam , o trânsito aumenta um pouco de veloci­
dade, e mais uma fatia da cidade do peão é
arrancada, figura 7, e mais uma vez se perde uma
âncora num espaço livre. Felizmente nada disto
aconteceu ainda em Salisbury, mas poderá não
tardar.

O Poultry Cross em Salisbury vem ilustrar esta


opinião uma vez que, como se pode verificar na
figura 4, as bancas do mercado, montadas à sua
sombra, têm os seus próprios toldos, e não recor­
rem ao edifício êm si para protecção contra os
elementos. Recorrem sim, à sua imobilidade e
segurança, no meio da maré de trânsito e tran­
seuntes.

107
T

DELIMITAÇÃO

A noção de delimitação, como é indicada na


página 49, distingue-se da noção de recinto, página
27, contrastando «percurso» com «chegada». \
noção de delimitação corresponde à divisão do
sistema da cidade linear (ruas, passagens, etc.) em
porções coerentes e visualmente compreensíveis
retendo-se no entanto, a noção de percurso. Um
recinto, por outro lado, contém um mundo próprio,
íntimo, virado para si próprio, estático e auto-sufi.
ciente.
Assim, não se pretende que a noção de espaço
delimitado esteja associada ao rem atar de uma
perspectiva, como no caso de Buckingham Palace
ao fundo do Mall. Por aqui o sentido de percurso e
de continuidade está ausente, enquanto a noção de
delimitação é dada pela articulação do movimento
(a perspectiva delimitada vai recair no campo da
delimitação). Um edifício ou um muro que nos
transmite a noção de delimitação em geral, trans­
mite igualmente, uma ideia de antecipação.
O espaço delimitado é consequência de irregu­
laridades ou assimetrias de traçado, em que o
trajecto do ponto de partida ao ponto de chegada
não é automaticamente oferecido ao olhar, como
na malha ortogonal. Estas irregularidades dividem
o percurso numa sequência de propostas visuais
reconhecíveis, cada uma efectivam ente, e por ve­
zes surpreendentemente, articulada à seguinte, de
modo que o percurso a pé é enriquecido através
das subdivisões criadas, que são à escala humana
da proposta de incidentes
do sentido do desenrolar ou da revelação
da identificação

Um exemplo simples de «identificação» ob-


tém-se comparando os centros de G loucester e
Chester, à esquerda, ambos semelhantes em
planta. Em Gloucester as duas principais artérias
cruzam-se em ângulo recto por tal forma que o
visitante fica confundido, não encontra referên­
Gloucester
cias, uma vez que o cruzamento assume o mesmo
aspecto vindo de qualquer uma das quatro entra­
das. Em Chester, por outro lado, o cruzamento está
ligeiramente desfazado, ficando a perspectiva obs­
truída por elementos construídos que proporcio­
nam referências, clarificando a situação.
Isto por si só seria suficiente para justificar um
afastamento em relação ao «traçado lógico» e
linear mas poderá ainda fazer-se notar que o
edifício situado no desfazamento se encontra em
posição chave e, consequentemente, uma tal
localização poderia ser ocupada por edifícios que
geralmente acentuam o carácter urbano da cidade
Chester — edifício da Câmara Municipal, igreja, hotel,
grande armazém, etc., etc..

108
A fotografia acima, duma cena típica de aldeia Só pela comparação com casos em que estes
(East Chiltington), traduz a aplicação da noção de recursos não são explorados, como quando há total
espaço delimitado. A construção mais avançada conformidade com o traçado da via, (ver figura
contém eficazmente o olhar enquanto o percurso da acima), é possível apercebermo-nos da diferença
estrada continua. E no entanto, não tomamos entre a noção de espaço delimitado e uma simples
tantas vezes este tipo de recurso apenas como um mudança de direcção.
dado?

HOTEL CROWN

STOUR A sequência que a seguir mostramos, em


Blandford Forum, cobre em poucas centenas de
metros, nada menos que seis diferentes efeitos de
espaços delimitados, todos eles observados ao
longo da rua principal.

109
T

1 — O perfil quadrado e
maciço do edifício do
Crown Hotel está
voltado para a rua
principal do lado do rio
Stour. E o que nós
vemos não é um alçado
lateral, como poderíamos
esperar, mas o alçado
principal. Aqui está
exactamente o tipo de
entrada que uma cidade
mercantil deveria ter,
com uma construção
(hotel) que, obstruindo a
perspectiva,
simultaneamente nos
convida a entrar, e nos
enche de expectativa em
relação ao que se
encontra do outro lado.
A passagem estreita...

2 — ... alarga-se à
medida que a rua
continua em direcção ao
centro e a perspectiva é
bloqueada pela inflecção
súbita da rua principal
para a direita. A noção
de delimitação
transforma uma linha
numa superfície, uma
estrada num local, largo
ou praça.

3 — Um local, contudo,
que é despretencioso e
humano na escala, e que
não é estático. O largo
propriamente dito cria
um recinto estático, cujo
efeito imediato é
convidar o transeunte a
acomodar-se, nem que
seja num banco de*
jardim ; a delimitação
cria também um recinto,
que o olhar (e o corpo),
é forçado a percorrer, e
logo a transitar para o
seguinte. À medida que
este se materializa, o
último desintegra-se.

110
4 — À medida que se
circula, a cidade é-nos
revelada; não toda de
uma vez, mas com
coerência. (A letra A é
um ponto de referência
para a fotografia a
seguir, em baixo. Aqui o
próximo tema é
introduzido na qualidade
de um novo elemento
cénico aparecendo
obliquamente.

5 — E temos agora um
exemplo claro do tipo de
sequência tomada
possível pela utilização
da noção de delimitação.
O súbito alargamento e a
inflecção na estrada,
produzem mais uma
sensação de superfície,
do que de linha, e o
olhar toma-se consciente
da chegada através do
súbito aparecimento dos
paços do município. Na
realidade, no entanto,
não há um largo. Tudo
isto se passa na ma.

111
6 — E à medida que a
nossa imagem do local
se com pleta, a torre da
igreja, como climax, é-n^
finalmente revelada.
Graças à inflecção na
estrada, ela actua como
derradeiro elemento de
recinto antes d e ...

7 — ... entrarm os na
larga rua principal em
que tudo nos é revelado.
Esta é a conclusão da
sucessão de espaços
delimitados que
formavam uma série de
acontecimentos visuais
dramáticos numa
sequência coordenada
que nos oferece, numa
deliciosa escala
doméstica, um troço
exemplar de paisagem
urbana. Acidental ou
premeditado? Àqueles
que invariavelmente
respondem acidental,
deveremos recordar que
os irmãos Bastarei
arquitectos,
reconstruíram a cidade
na sua totalidade, após
um incêndio que a
devastou no século
XVIII.

112
Sul inglesa são utilizadas para demonstrar o tipo de
LINHAS DE FORÇA
acção que pode ser empreendido pelo urbanista
A função essencial de uma cidade deve tomar-se consciente do significado dessa relação, de modo a
evidente, após uma simples vista de olhos pela criar ou a preservar um ambiente urbano de quali­
planta. Isto resulta obviamente porque a organiza­ dade.
ção dos seus elementos reflecte certas linhas de Começaremos com Brixham, um local onde o
força que representam igualmente uma combina­ encontro entre mar e terra forma um anfiteatro
ção de circunstâncias que estiveram na origem da natural contendo o porto, e a morfologia da cidade
cidade. Inversamente, quando uma cidade se re­ não pode evitar seguir a sua linha de força domi­
vela incaracterística e amorfa, este fracasso pode, nante — neste caso a organização de uma comuni­
em geral, ser localizado em qualquer falha na dade em tom o da navegação, a qual justifica a sua
relação entre forma e função, em que as linhas de existência. Nisto reside o carácter de Brixham,
força se tomaram confusas, ou desapareceram. Isto carácter esse que se encontra já expresso de forma
explica o carácter amorfo de tantas cidades recen­ inequívoca e vigorosa. Tudo o que resta ao urba­
tes, mas indica também a oportunidade oferecida nista é intensificar visualmente o resultado, por
ao urbanista. Uma vez que a sua missão é de, em forma a extrair um máximo de dramatismo e de
qualquer caso, resolver conflitos e localizar fun­ lógica.
ções vivas, e uma vez que a metodologia que segue Em Fowey, o nosso segundo exemplo, a linha
é inevitavelmente uma de particularização, o êxito de força tem ainda como carácter dominante a
com que ele identificar e interpretar visualmente as actividade intensa ao longo da costa mas, aqui, as
mais significativas linhas de força determinará em construções e penhascos descem directamente para
grande parte se a cidade irá ser morfologicamente a água, e na ausência dum cais contínuo, uma
caracterizada e inteligível. barreira nasce entre a população e aquilo que
Esta oportunidade surge mais facilmente em representa de facto a verdadeira linha de força, a
relação à cidade, por exemplo uma cidade tipica­ costa. Escadarias do interior ocasionalmente dão-
mente marítima, em que as linhas de força têm -lhe acesso, mas não existe um paredão marginal
uma relação óbvia e imediata com as linhas de contínuo. Aqui aparece-nos unicamente como ne­
demarcação no sentido geográfico. A verdadeira cessária, a articulação entre estes vários pontos de
«raison d ’être»1 da cidade costeira é a linha ao acesso, e surgiria então o verdadeiro carácter de
longo da qual se encontram terra e água, e isso Fowey, e claro estmturado.
explicará talvez que nas cidades costeiras a perso­ Looe é um caso mais complexo, em que várias
nalidade resista melhor do que em quaisquer ou­ linhas de força operam simultaneamente, e a tarefa
tras. Nas páginas seguintes três cidades da costa do urbanista será de as separar e assegurar a cada
uma a sua expressão topográfica própria, enrique­
1 N .T . em francês no original. cendo desta forma o carácter da cidade.

113
114
Brixham

Um excelente exemplo
de animação e carácter
que surgem quando as
linhas de força naturais,
decorrentes da origem e
função do aglomerado,
encontram um eco
imediato na sua
topografia. O porto (pág.
anterior) é o centro real
do aglomerado,
construído em socalcos
ao longo da enseada que
forma um anfiteatro
natural. É
simultaneamente um
centro social e laborai;

115
os visitantes passeiam ao em relação ao porto, de
longo do cais e encaram modo a que a paisagem
a lota como um resplandescente da
espectáculo aberto; velas beira-mar não seja
coloridas e alegres obstruída por filas
pavilhões combinando-se escuras de viaturas
com os reflexos do sol estacionadas. O urbanista
nas asas das gaivotas pode, contudo, trabalhar
criam o efeito ao nível do conjunto
estimulante duma construído, procurando
animada atmosfera obter a máxima
industrial coerência visual. Uma
perm anentemente en fête- das estratégias possíveis
Nestas circunstâncias não é através da sua criação,
resta mais ao urbanista uma vez que
que manter um olhar presentemente a maioria
atento certificando-se das construções
que a presente faixa envolvendo o porto de
compacta e contínua de Brixham é em tons de
construções envolventes castanho e de cinzento
não é alterada; e (pág. anterior). O efeito
providenciar o fomento unificante da criação é
de lugares de mostrado na figura de
estacionamento ocultos cima.

116
Fowey

Como em Brixham, a
configuração topográfica
de Fowey reflecte de
maneira assaz
aproximada a «Raison
d ’ê tre-do
aglomerado: uma faixa
construída ao longo da
beira-mar. Mas no
presente caso, em lugar
duma linha de enseada
acompanhada por uma
linha de construção,
temos antes uma faixa
construída ao longo da
margem de um estuário.
A grande virtude de
Brixham, e que lhe
confere muita da sua
vitalidade, é o facto da
linha onde mar e terra se
encontram, ser uma linha
arquitectónica assim
como social; uma linha
co m o e ao longo da qual se
misturam marinheiros e
camponeses. Fowey, por
outro lado, falha no
sentido em que a faixa
construída, actua como
uma barreira, não
admitindo o acesso á
água num ou noutro
ponto isolado.
A primeira tarefa do
urbanista será então criar
uma linha contínua de
acesso, de modo a
revitalizar a linha da
beira-mar — ver
propostas nesse sentido
nas páginas seguintes. O
princípio que ele deverá
seguir é o de uma única
linha física ao longo da
beira-mar (como por
exemplo a estrada no
topo da encosta, que na
figura acima se encontra
oculta por um muro) não
é o suficiente; deverão
pelo contrário, existir
contactos vivos e íntimos
ao longo dessa linha,
como se propõe na
figura ao lado.

117
A arquitectura ril
Fowey m ergulha, com lógiCa
dramatismo, directamente no
estuário; em muitos casos o
paredão prolonga-se e constitUl
a parede da própria habitação
Mas só em alguns pontos é 1
permitido o acesso público à
água, com o resultado de que
Fowey perde a oportunidade
de captar o máximo de
vitalidade e carácter uma vez
que o ponto socialmente mais
intenso se localiza justamente
ao longo da margem.
O objectivo do urbanista
deverá ser o de garantir uma
margem excitante sem no
entanto destruir a continuidade
arquitectónica. Uma maneira
de o conseguir seria
construindo um caminho de
peões, acompanhando as
sugestões da própria
topografia, articulando os
acessos já existentes de modo
a constituir um passeio
contínuo. As fotografias
mostram como este passeio
apareceria a diferentes níveis
em que o acesso é
presentemente inexistente.
Semelhante passeio
integrar-se-ia perfeitamente na
actual estrutura de Fowey, que
funciona essencialmente
voltada para o peão.

Looe

Uma situação mais complexa


do que em Brixham ou em
Fowey, já que essa linha em
determinada altura se
subdivide em duas,
acompanhando uma delas o
rio, e seguindo a outra ao
longo do m ar (ver o mapa da
página seguinte). Tanto o rio
como o mar têm a sua *
individualidade específica e
exprimem bem que a vida
social se processa basicamente
ao longo dessas duas linhas,
cada uma com o seu carácter,
mas responsáveis em conjunto
co m o podia ser pela existência de Looe.

118
Na frente para o mar há
uma praia (n.° 1 na figura
em cima) protegida num
dos lados por um pontão
artificial e no outro por
um prolongado braço
rochoso. Na frente para o
rio funciona a lota (à esq.
n.° 2a) semelhante à de
Brixham. A zona de Looe
que consideramos
mediocre é a extensão da
beira-rio situada antes de
High Street se afastar para
a margem para penetrar
no interior do aglomerado
e em direcção à praia.
Seria neste ponto que o
carácter linear da margem
deveria estar mais
acentuado, onde a
população devia ter
maiores oportunidades de
viver uma vida de
beira-rio, tanto física
como materialmente. Mas
de facto aqui a linha da
margem perdeu-se
deixando uma «terra de
ninguém», usada pelas
autoridades locais para
prover estacionamentos.

119
120
'■* '**: > í,

O que de facto aqui faz falta é


um largo passeio
acompanhando o rio, uma rua
comercial formando um
prolongamento do centro
principal de comércio, ao
longo da base da encosta, e
em que os habitantes poderiam
passear-se à sombra das
árvores, conscientes de
partilhar a vida do rio.
O esboço da página anterior
sugere como o carácter deste
troço capital de Looe poderia
ser recuperado, alterando a
localização dos
estacionamentos e em seu
lugar instalando um passeio
como legítimo local de reunião
de pescadores e não
pescadores. Sob as árvores,
bancas de peixe e restaurantes
dominam o rio, perto da lota.

Um conto moral. Em
cima: a idílica paisagem
do rio imediatamente a
montante de Looe;
bosques cerrados até à
borda da água. Ao lado:
o aglomerado
propriamente dito;
simultaneamente virado
para o rio e para o mar,
mas denso e compacto, o
que nos parece muito
importante nestas
situações. Tanto ao
longo do rio, como do
mar, a ocupação da
encosta faz-se por
terraços, plataformas
sucessivas. Em baixo: o
princípio linear
abandonado: as encostas
próximas arruinadas com
construções isoladas,
com influências
negativas sobre a própria
vila de Looe; nas
encostas por trás da vila,
a ocupação em terraço
foi abandonada,
perdendo-se assim o
ênfase sobre a linha à
quai Looe, obedecendo à
atracção invisível da
beira-mar, devia toda a
sua personalidade.

121
122
PÉS E PNEUS imperativos técnicos do contacto entre o pavimento
e o pneu do automóvel.
^ vida na rua é enquadrada por paredes, estrada O movimento no interior de um edifício é
céu. O céu, em permanente m udança, as empe- sobretudo pedestre, sendo os choques ocasionais e
velhas e esboroadas, ou novas e brilhantes; as tragédias ainda mais raras. No impasse ou no
variedade de estilo e de perfil, de textura, cor e pátio exterior, esta relação é ainda aceitável, pois o
carácter. O pavimento: monotonia asfaltado. carro só ocasionalmente aí penetra e não interfere
Encabeçado pelo carro de bombeiros e pela com o peão. Mas à medida que o universo do peão
anibulância, penetrando por toda a parte, o auto­ se vai reduzindo a estreitas faixas de passeiodum
móvel tem-se insinuado nas nossas cidades, traves- lado e doutro duma grande artéria, ele que tome
jas, jardins e praças. A riqueza e variedade do cuidado; a segurança e intimidade que encontra no
aviniento foi submersa num fluxo automóvel e os interior transforma-se com demasiada rapidez no
habitantes aventuraram-se a sair dos prédios por desespero dos acossados.
sua conta e risco, avançando de ilha em ilha, Temos assim duas consequências da invasão
procurando passadeiras, semáforos e faixas sepa­ geral das nossas cidades pelo automóvel:
radoras. a) o desaparecimento da diversidade e da perso­
Se considerarmos que os arruamentos ocupam nalidade das superfícies pavimentadas;
cerca de um terço da superfície dum quarteirão b) a invasão das zonas reservadas a peões.
normal, ficamos com uma ideia do desperdício a O ponto a), todavia, não está de modo algum
que esta idade mecanizada nos obriga. Em lugar implícito na existência do trânsito automóvel, uma
duma harmonia entre paredes exteriores e pavi­ vez que se a eficiente organização do mesmo fosse
mentos, em que o pavimento faria a articulação ou estudada, uma solução poderia ser encontrada que
distinção entre elementos arquitectónicos e seria a contemplasse a utilização de diferentes materiais
expressão dos diferentes espaços entre edifícios, de pavim entação, consoante o uso que se lhes
fica-se com a ideia de que os edifícios são maque­ pretende conferir. Um lápis de cor é mais facil­
tas escarrapachadas sobre uma ardósia. mente encontrado no interior da sua caixa se o
Existe uma vasta gama de materiais possíveis de exterior do lápis corresponder à cor da mina, em
aplicar, na revitalização das superfícies pavimen­ vez de ter simplesmente o nome da cor lá escrito.
tadas da cidade, na imposição do cumprimento do Da mesma maneira, um código universal de
código de circulação automóvel e, porque indicam cores e padrões indicando ruas de sentido único,
afectação a diferentes usos, na adopção de com ­ estacionam entos, atravessamento de peões, etc.,
portamentos padrões. permitiria uma leitura mais fácil da rua, introdu­
Lages de pedra ou de betão demarcando zonas zindo simultaneamente uma nova estética funcio­
unicamente para peões, calçada, mosaicos, tijo­ nal na paisagem urbana.
leiras, saibros, relvados. Podem ser claros ou Em primeiro lugar, um sistema de prioridades
escuros, irregulares ou lisos, simples ou complica­ para dirigir e enquadrar os fluxos motorizados. Em
dos. As possibilidades para o desenho são imensas. seguida, um código para impôr este sistema, ao
No entanto actualmente são todas sacrificadas aos qual as convenções fariam parte integrante da rua e
serviriam para enaltecer os edifícios à sua volta.
Por exemplo, uma rua ou um largo reservado a
Reservado a peões faixas de calçada peões poderia ser protegido por uma faixa de
delimitando crs acessos calçada delimitando os seus acessos. O código
Por vezes há ocasiões no meio das quais um seria: nenhum veículo pode atravessar a calçada.
em que é desejável lajedo assegura a Os desenhos das páginas anterior e seguinte vêm
garantir absoluta passagem de peões (uma ilustrar essa intenção.
prioridade ao peão, por vez que a calçada
exemplo em tom o de irregular, não facilita o
catedrais, e em casos movimento de peões). A
especiais como escolas, calçada é>aqui
largos e alojamentos para considerada como
a terceira idade. No alternativa ao relvado.
entanto é essencial No interior destas faixas
garantir o acesso a de protecção o urbanista
ambulâncias e a carros tem a liberdade de
de bombeiros, o que escolher o material e o
elimina a hipótese de padrão. O código seria:
barreiras físicas. O para veículos
desenho da página motorizados, a calçada
anterior ilustra um significa CIRCULAÇÃO
código adequado — PROIBIDA.

123
aos que têm algum motivo
para lá estar.
Existem dois pontos a realçar
neste caso: (a) A escassez de
movimento automóvel terá
como consequência o sublinhar
do carácter essencial doméstico
e residencial de toda a zona.
(b) Os condutores que de facto
penetrarem na zona, estando
«em casa», terão o cuidado e a
admitindo esta situação, atenção que dificilmente
Prioridade a peões admitimos igualmente qualquer surgem quando se está em
trânsito. Desta forma, uma rua território estranho, isto é,
Ninguém nega o direito à que teria o movimento de uma quando não tememos ser
existência do trânsito rápido dúzia de autom óveis, dos seus reconhecidos e fazemos o que
corno parte integrante da vida habitantes, passa a estar bem nos apetece. O çódigo
urbana. É no entanto a invasão ocupada durante todo o dia seria: a área a pavimentar com
generalizada deste tipo de com trânsito de atravessamento lajes significa prioridade a
trânsito, a sua apropriação que a utiliza como atalho, ou peões. Demarcações no
arrogante de todas as vias de para contornar um cruzamento pavimento, no caso de
circulação, que nos leva a importante. O exemplo acima existirem, seriam deixadas ao
protestar. Parece-nos muito (em que o ponto de vista critério do urbanista. No
humano e compreensível a corresponde à seta do mapa), desenho, é utilizada uma
vontade de levar o automóvel mostra-nos uma rua, ou largo, estreita faixa de calçada (0,5
até à porta de casa, mas em que o movimento é restrito m), com marcos intervalados.

124
RESTRIÇÕES ções, não absolutamente indispensáveis, se tradu­
ziu como que no eliminar das restrições; abri­
ram-se perspectivas dum mundo de circulação
Os materiais à disposição do urbanista, pedras, mais livre. Actualmente, e à medida que as restri­
cimento, madeira, metal, alcatrão, relva, em vá­ ções se acumulam de novo, as autoridades munici­
rios estados, protegida ou não, e elevações, água, pais começam novamente a lembrar-se — entre
pessoas, são afinal os materiais de que este mundo outras coisas — das suas vedações, e isto tom a o
é feito. A sua missão urbana é dispor e seleccionar momento oportuno, para o enunciado do que
estes blocos de matéria de maneira a, preenchendo poderia ser chamado uma teoria das restrições. A
as necessidades da raça humana em termos de vedação é uma maneira de criar uma restrição, mas
abrigo e comunicações, lazer e ritual, criar uma as restrições são de muitos tipos. Por vezes são
paisagem urbana à escala humana; uma paisagem unicamente de ordem moral, como no caso de um
urbana humanizada. Embora muitos problemas se relvado delimitado por um lancil de pedra, que é
possam situar ao nível das grandes opções, como como uma ordem implícita de «não pisar a relva».
por exemplo a localização de artérias principais, na Aonde o espaço e o distanciamento são considera­
verdade a sua concretização depende frequente­ dos desejáveis, esta parece ser uma solução aceitá­
mente de ligeiros pormenores de traçado, o que vel, embora a aceitação de restrições de carácter
talvez os arquitectos, por entre as várias formações moral pressuponha uma sociedade disposta a cum­
cuja actividade concorre para a imagem final da prir este tipo de convenções.
cidade, sejam os únicos com a percepção total do Expedientes de carácter mais operacional são o
seu significado. Chamada aqui como ilustração fosso escondido e a água, mas há casos em que os
deste princípio, a RESTRIÇÃO é uma situação imperativos tanto paisagísticos como funcionais
reduzida pela maioria dos urbanistas a uma mera exigem um obstáculo visual ou uma sensação de
questão de vedações, gradeamentos, sebes ou cer­ delimitação, e nestes casos gradeamentos ou muros
cas. Assim perspectivado, o problema parece de poderiam eventualmente contribuir positivamente
simples resolução, mas a sua aplicação na cidade para a resolução do problema. Os apontamentos
pela mão insensível dos engenheiros dos serviços que se seguem tentam, não tanto enunciar princí­
municipais, resulta num dos casos mais flagrantes pios gerais, como explorar os recursos visuais da
do crime visual. Uma das consequências interes­ restrição encarada como uma das muitas cartas na
santes da guerra foi que o retirar de muitas veda­ manga do arquitecto.

125
Gradeamentos
Desde a guerra, altura em que os largos perde,
ram quase na totalidade os seus gradeamentos em
ferro fundido, muitas alterações ocorreram . Come.
çou pelos abrigos, à superfície ou semienterrados
e em seguida a relva cedeu o lugar a grandes
lamaçais. Com o fim da guerra as forças da ordem
impuseram-se uma vez mais sob a forma de veda-
ções de arame e cercas de madeira. Acontecia com
frequência, no entanto, que embora as proprieda-
des não tivessem sido alienadas, as pessoas a quem
estes privilégios se destinavam, tinham sido subs­
tituídas por escritórios, em baixadas, clubes, esco­
las ou outros moradores. Muito raramente conse­
guiram até hoje os proprietários satisfazer as novas
exigências introduzidas por uma sociedade em
mudança e as consequentes movimentações da
população urbana. Uma vez satisfeitas as novas
exigências postas às pracetas, determinadas ques­
tões irão surgir quanto ao seu traçado e manuten­
ção. Nas páginas seguintes são enunciadas pro­
postas que dizem directamente respeito a ambas
estas questões.

126
Plantio

O aspecto importante do arbusto e da sebe como


forma de restrição, está em que devem constituir
um obstáculo físico inapelável. Permitir que se
apresente ralo ou rente ao chão é o mesmo que
admitir que os cães, de quem não se pode esperar
respeito pelo aspecto moral deste tem a, possam
devastar as boas intenções do paisagista. Em pri­
meiro lugar é necessária uma criteriosa escolha das
espécies vegetais, e em seguida uma manutenção
atenta e cuidadosa. As espessas sebes verdejantes
funcionarão eficazmente de modo a ocultar um
interior de tal maneira que os prazeres que o
paisagista aí depositou, constituirão de facto uma
surpresa, o que de resto constitui um componente
importante da técnica paisagística inglesa.

Na fotografia à direita,
Belgrave Square após o
retirar dos gradeamentos
e antes da colocação
duma vedação mais
austera. Esta sebe
espessa e arbórea, cujo
alinhamento é garantido
por estacas, e mais altas
que um homem, teria
constituído adequada
garantia de salvaguarda
dos prazeres interiores
do jardim , desde que
convenientemente
cuidada e mantida.
Constitui na época uma
contribuição real à
paisagem urbana
envolvente — densa
vegetação, transbordante
e inatacada pela
concepção ornamental do
jardineiro municipal.

À esq. um troço do
gradeamento corrido de
Bedford Square. Um
bom exemplo duma
restrição física, bem
desenhada, e, neste caso,
valendo muito a pena
manter.

127
R estrições ocultas

Este sistema de passado ilustre tem sido quase


totalmente ignorado no séc. XX. Concebido para
permitir o desfrutar duma paisagem contínua sem
barreiras, o fosso escondido, substituindo o muro
ou sebe de limite do jardim , revelou-nos que toda a
Natureza era um jardim e que, muito lisonjeira­
mente, se tratava dum jardin a n g la is'. O facto do
fosso, seco ou com água, ser igualmente eficaz
para uma perspectiva próxima ou longínqua, não
tem, no entanto, sido devidamente reconhecido e
utilizado. É, contudo, particularmente apropriado
para resolver muitos dos problemas que se põem ao
paisagista. Para um largo sem vedações, em que
não é desejável a sebe ou o cômoro como guardas
do segredo, o fosso revela-nos o essencial, en­
quanto simultaneamente o valoriza, tom ando-o de
acesso relativamente difícil.

1 Em franeês no original (TV. d o T.).


Desníveis

O falso ouleiro constituiu-se num recurso muito


utilizado no séc. XVIII para* fomentar pontos
adicionais de interesse em paisagens planas. Em­
bora quando utilizado pelos discípulos de Capabi­
lity B row n1 acabasse por redundar numa monoto­
nia, os parques de St. Jam e’s e Green em Londres
têm alguns bons exemplos de desníveis imaginati­
vos. O falso outeiro tom a-se particularmente útil
para evitar o aspecto ornam entado do «jardim
municipal». Como sistema de restrição, os desní­
veis serão talvez o mais subtilmente persuasivo,
guiando o olhar e o andar no sentido da vontade do
paisagista, e substituindo a placa do «não pisar a
relva» por um talude, de que a maioria das pessoas
na cidade fogem como da peste.

1 Lancelot Brown ( 1716-83)paisagista e arquitecto


inglês, conhecido pela alcunha de «Capabilitz» Brown
pela sua prática de avaliação das «capacidades de um
local». (N. do T.)

c!L U iA

129
Woodstock

o PAVIMENTO Já aqui foi referido que o pavimento poderia


constituir uma superfície de ligação por entre e à
volta dos edifícios, mas nesse caso deveria recu.
O caminho-de-ferro quando surgiu, construiu o
sar-se a ser apenas uma faixa neutra de asfalto
seu próprio percurso perm anente, ligando as cida­
limitada por passeios. Deverá ser considerada em
des entre si, ao passo que o veículo de combustão
sociedade com os edifícios e, pela natureza dos
interna usou caminhos e ruas já existentes e ao
seus desníveis, escala, textura e qualidades gerais, Aventura
fazê-lo assegurou para si próprio um acesso privi­
produzir como efeitos a sociabilidade e a homoge­
legiado através de todas as cidades inglesas. À
neidade. A justificação desta
primeira vista isto poderia parecer um desenvolvi­
Mas não se pode fazer nada disto se não tiver secção é chamar a
mento natural. Os habitantes de cidades e aldeias
previamente o poder de alterar as emoções (porque atenção para a
continuam a poder fazer as suas compras, ou a
doutro modo continuará em terra de ninguém, um expressividade do
visitar a casa uns dos outros. Mas o mar de
espaço morto numa paisagem encantadora; é inútil pavimento como
veículos prejudicou a qualidade da vida urbana
lançar uma placa de betão como pavimento entre paisagem e revelar a sua
num dos seus aspectos menos óbvios mas mais
edifícios e, só porque é contínua, pensar que daí existência independente e
importantes — restringiu severamente o direito à
resultará homogeneidade). O pavimento deve con­ própria. Não se trata
livre reunião. A liberdade de se poder parar para
tribuir com o seu próprio carácter e personalidade. exclusivamente de uma
conversar, de reunião, de se sentir em liberdade no
Em que propriedade específica poderemos encon­ coisa sobre a qual
exterior, podem não parecer muito importantes ao
trar o segredo e singularidade do pavimento-paisa- edifícios se erguem e
lado dos imperativos do transporte, mas é uma das
gem? carros circulam , uma vez
razões porque as pessoas vivem em cidades e não
Será que reside, como alguns defendem , unica­ que tem personalidade e
isoladamente — para poderem gozar os prazeres
mente nos encantos do desgaste e erosão? Ou vitalidade próprias,
do social. Enquanto a distinção entre interior e
residirá na variedade de materiais a empregar, embora esquecidas há
exterior deveria ser de grau e não de género,
muitos dos quais são hoje em dia obsoletos para as muito.
tom ou-se no presente a diferença entre santuário e
suas funções tradicionais? Na minha opinião, o
exposição. Os edifícios agrupam-se mas não cons­
essencial não se encontra nestas duas hipóteses.
tituem cidades; só nos falta construir casas viradas
para uma linha de caminho-de-ferro.
Existem dois aspectos muito relacionados com o 1) Em oposição ao e d ifício , cuja volum etria e confi­
direito de reunião: o primeiro aplica-se aos habi­ guração é sobretudo de natureza geom étrica, a modula­
tantes da cidade, e o segundo aos edifícios que a ção dum pavim ento é muito mais prim itiva e possivel­
compõem. Do ponto de visa (do) visual, a maior mente mais subtil. Trata-se dum «folheado» em material
perda sofrida é a neutralização do pavimento, do resistente que cobre o elem ento m ais natural e forte da
espaço entre construção, que deixou de constituir paisagem urbana: a m odelação da superfície terrestre.
uma superfície de ligação para se transformar Isto transmite ao pavim ento uma certa austeridade e uma
numa superfície de separação. Transformou-se irreverência inconsequente. Padrões funcionais
também duma superfície particularizada numa su­ 2) Um a vez que existe sim plesm ente com o superfície,
perfície genérica. todo o seu trabalho é desen volvido a duas dim ensões. Ele As dificuldades da
A primeira reacção de quem se apercebe do con ven ce, segrega, acentua, reune e/ou divide através de condução sobre calçada
valor do pavimento como um cenário potencial é padrões superficiais. Poderíam os encontrar um mais fazem dela uma
de o ornamentar. Assim, as rotundas floridas, e perfeito constraste para o cubism o rigoroso do ed ifício, superfície óbvia para
também o uso de certo modo arbitrário da calçada do que o pavim ento pintado ou texturado com «padrões estacionam ento, óbvia,
em padrões decorativos, o que, embora não tão de m ovim ento» sobre a sua decepcionante superficiali­ não para o urbanista,
bonito, tem no entanto origem no mesmo desejo dade? mas sim para o condutor
ornam ental. Os padrões distintos formados por 3) M ais do que qualquer outro elem ento da paisagem do veículo, que não ó
diferentes materiais nascem da sua utilização. urbana, possui o s recursos de expansão e extensão. Esta tentado a usá-la. Eis o
Imaginemos os utentes do pavimento agindo de qualidade podem os encontrá-la não só na vasta praça princípio do padrão
modo instintivo ou predestinado, e em seguida pavim entada, com o também no pequeno troço ornamen­ baseado na função.
registemos os seus movimentos. O resultado seria tado com m otivos, que é p ossível surpreender no passeio,
um «padrão de movimento» em que o uso do ao dobrar a esquina. N o primeiro caso trata-se de uma
pavimento é traduzido por padrões constituídos por afirm ação, no segundo de uma sugestão.
cores ou texturas indicando as diferentes activida­ 4) Finalm ente, m encionarem os o s materiais, assina­
des. Estas variarão, desde o recurso a sistemas de lando que a sua função exige-lh es peso e residência.
restrições (superfícies rugosas), até símbolos con­ Im põe-nos uma certa disciplina na concep ção de um
vencionais (passagens de peões em zebras), pas­ pavim ento, e é este factor que confere ao pavim ento o seu
sando por gradações que podem ser transgredidas carácter final.
em segurança se exceptuarmos certas funções pe­
riódicas. E mais, se estabelecessem consenso, As páginas seguintes confirmam os conceitos
esses padrões poderiam fornecer a duas dimensões atrás enunciados. As imagens são todas do mesmo
tudo o que presentemente ainda exige três. local, Woodstock no Oxfordshire.

131
130
In stitu in d o
o código
V *
O passeio atravessa a
rua, e um bom aviso,
tanto para o peão como
para o condutor, é dado
pela faixa de calçada,
entre o betuminoso e as
lages do passeio. Apenas
um exemplo de como
vários m ateriais, se
codificados, poderiam
ser instituídos,
contribuindo para um
códido visual da estrada,i,
estabelecendo
convenções,
comportam entos e
limites.

M ateria is

Uma imagem coerente,


composta por sete
elementos diferentes,
articulados por uma
superfície comum e pela
clareza de funções. A
calçada cede o lugar a
lages, junto à entrada
dos edifícios na zona
comercial, permitindo
maior elasticidade de
movimento e de uso.
Articulação

Articulação do
movimento, através de
um contraste mais
intenso entre superfícies
e da introdução de
técnicas direccionais. A
rua é a mesma, mas as
lojas cederam o lugar à
habitação, de modo que
a calçada regressa
marginando as lages do
passeio. O resultado
confirma a
independência do
pavimento em relação ao
edificado.

Descontracção

Uma imagem não muito


urbana, na qual podemos
ver os dois aspectos do
livre encontro, para
pessoas e para edifícios.
A faixa estreita do
passeio é utilizada como
moderador; os tubos de
queda ocasionais, as
árvores à beira da rua,
exprimem claramente a
natureza doméstica e
informal do bairro.
Compare-se isto com a
solução da monotonia,
que se traduz em
traçados standardizados
para todos os
arruamentos, urbanos ou
não, intolerantes e
redutores das variações
urbanas, até à
uniformização.

133
134
DESURBANISM O

Se me fosse pedido para definir o conceito de


paisagem urbana, diria que um edifício é arquitec­
tura, mas dois seriam já paisagem urbana, porque a
relação entre dois edifícios próximos é suficiente
para libertar a arte da paisagem urbana. As rela­
ções entre os edifícios, e o espaço entre eles, são
questões que imediatamente se afiguram impor­
tantes. Multiplique-se isto à escala de uma cidade e
obtém-se a arte do ambiente urbano; as possibili­
dades de relacionação aumentam, juntamente com
as hipóteses a explorar, e os partidos a tomar. Até
um pequeno grupo de edifícios pode assumir uma
expressão própria, e ser espacialmente estimu­
lante. Mas através da observação da cidade cons­
truída pela especulação ou pelas autoridades locais
é-se forçado a constatar que esta concepção de
paisagem urbana não tem sido respeitada (no
melhor dos casos). Continuamos ainda numa fase
primitiva em que o edifício isolado é por si a
totalidade e finalidade do urbanismo. Se pensar­
mos os edifícios como letras do alfabeto, repara­
mos que elas não são utilizadas para formar pala­
vras coerentes, mas sim gritos monótonos e deso­
lados de AAAAA! ou OOOOO! E quanto às novas
cidades desenhadas por arquitectos contemporâ­
neos para quebrar o velho jugo do AAAA-OOOO?
Vamos aqui avaliá-las, recorrendo a esta imagem.

Página anterior: uma vítim a da desurbanização traça o


seu próprio protesto pú blico, a m em ória de um
aglom erado na justa densidade.
O verdadeiro objectivo da vítima da m iséria industrial é
o cam po, com a sua moradia ideal, fig . 1, enquadrada
por árvores que vêm beijar a pequena horta, ao som
4 dos acordes de «D eus abençoe esta casa».
A rquitectura... im pecável conquanto tradicional.
V em os aqui a g én ese de uma rua cheia das tais
moradias. Na fig . 2, Sish Lane, em Stevenage, tal
com o era e ainda é , para além dos lim ites construídos.
Na figura 3, surge o novo alin ham ento... e com e le ,
desvanece-se o encanto, à m edida que as casinhas de
sonho se multiplicam até ao horizonte. A A A A ...
O O O O ... que se passou? ( 4 )

135
O ambiente resultante do isolacionism o pode ser suficientem ente largos para conter as m ultidões que
analisado na perspectiva aérea parcial de A deyfield, em fazem compras em Oxford Street; M as a dez xelins a
H em el H empstead N ew T ow n, (fig . 5 ), que revela uma jarda quadrada'? Seguramente que não. Plantar relva
tão generosa ocupação do so lo , ou antes, não então? Mas a relva tem que ser cortada. Plantar flores?
ocupação, que a infeliz dona de casa se vê reduzida a Também exigem manutenção. (Fig. 8, H em el).
fazer as suas compras em lojas itinerantes, (fíg. 6). A
utilidade do com ércio deste tipo nas planícies
canadianas é com preen sível, mas encontrá-lo numa
pequena cidade inglesa só vem demonstrar que se
perdeu totalm ente o c ontrolo da esca la do
desen volvim ento. Outro problem a derivado deste
m esm o gigantism o de escala é a questão de saber o que
fazer com todo o so lo que não é ocupado com 1 Um xelim , ao câm bio em Julho 79, equivalia
construção (fig. 7, Stevenage). Fazer ruas? Basta aproximadamente a 5 escudos; 1 jarda = 0 ,9 1 4 metros.
fazê-las relativamente estreitas. Fazer passeios então? N ão esquecer que a 1 .a edição deste livro data de
Se a rua é estreita, o s passeios deverão ser largos, 1961. (N . do T.)

136
9

Seja com o for, a impressão principal da desurbanização som brias, sujas e asfixiantes que sejam as cidades mais
é a do descam pado, a sensação que os pequenos antigas, na sua maioria mantêm esta virtude, que
ed ifícios de 2 p iso s são de longe dem asiado representa o elem ento essencial sem o qual uma cidade
insignificantes e temporários para poder com petir com não será cidade, e com o qual a falta de ar é um mal
a monum entalidade dominante dos esp aços. A quilo a m enor cham em os-lhe a «essência» do urbano. Onde se
que m enos convida é a um passeio a pé; o pobre peão encontra nas novas cidades? Ou será que as novas
enche-se de desespero perante uma infinidade terrível cidades são concebidas com o negativo das cidades
de exten sões ritmadas por grandes lagos de cim ento. tradicionais, e portanto com o negativo da «essência»
D eve ser deixado claro, que o carácter fortemente urbana? N ão encontram os nelas traços d isso. Em seu
crítico destas observações não é dirigido aos lugar, constatam os o crescim ento de um n ovo ideal,
arquitectos, uma v ez que na sua maioria, o s edifícios que poderia ser descrito com o da «baixa-mar»; o culto
em si são bem conseguidos; pena é , que no Plano do isolacionism o. É com o se o m ovim ento para fora da
Geral o s arquitectos sejam vítim as das suas próprias cidade se realizasse por pessoas evitand o-se
com issões qu e, inexplicavelm ente, alim entam esta cuidadosam ente um as às outras, e fazendo de conta que
febre de dispersão, juntamente com a ideia de que não estão sozinhas. O resultado é um paradoxo, o paradoxo
é m uito agradável ter vizinhos, e de que a cidade ideal do isolam ento concentrado, a antítese directa da
seria aquela que ocupa — ou desocupa — um «essência» do urbano, que resulta com o consequência
descam pado (fig. 9 , Stevenage). do im pulso social. M udando do isolacion ism o físico ,
Uma das características essenciais de um aglom erado para aquilo a que se poderia chamar de isolacionism o
traduz-se num encontro de pessoas e serviços tendente p sico ló gico, encontram os um exem p lo esclarecedor no
a gerar um «calor cív ico » . Por muito sobreocupadas, tratamento dado a uma velha igreja em Harlow N ew

137
• * t im
2,1 4

138
fow n (cidade nova de H arlow, fig. 10). Os urbanistas
eSforçaram-se claramente por tirar partido desta
^ .existên cia, mas pensar-se-ia que uma construção
jesta natureza seria tomada com o um centro para
jstimular o desen volvim ento, im pondo-se com o local
j e reunião, papel que as igrejas sempre
desempenharam no urbanismo em Inglaterra. Pelo
contrário, foi rodeada por zonas verdes, quando m esm o
peus não ex ig e m ais que um a cre1; e todas as
habitações têm as traseiras viradas para ela. D e tal
maneira que m esm o os pontos de vista mais
interessantes sobre a igreja (embora interrompidos
abruptamente, f ig . / / ) , parecem involuntários. Noutro
exemplo, uma rua com ercial, em Stevenage (fig. 12),
mostra-nos com o se lançou aos ventos um outro
possível centro ou local de reuniões. É claramente
auto-apagado, na sim ples continuação do alinhamento
das habitações. Ern lugar de servir c o m o um local de
congregação, tranforma-se num alinham ento
prolongado, em que os edifícios fazem bicha uns atrás
dos outros. Ainda outro aspecto da desintegração pode
ser encontrado nas moradias em H em el, fig. 13.
Quando se registam variações de tip ologias, tendem a
surgir relações entre os elem entos edificad os que
podem ser utilizados de forma eficaz para animar o
conjunto. A qui, pelo contrário, fica-se com a ideia de
que os ed ifícios desconfiam uns dos outros, que a
colaboração mútua é assaz imprecisa,
pelo contrário, quando os ed ifício s são idênticos, sem
preocupações de alinham entos e de cotas, não se obtém
uma variedade mas sim uma m onotonia, lam entável e
triste. A A A ... O O O ...
... O nosso últim o exem plo é o centro cív ico de
Adeyfield, H em el Hem pstead, fig. 14, onde tem os a
grata ilusão de um largo contendo, sensatam ente lojas,
cafés, cinem a e igreja. N o entanto, em lugar de um
largo com o clím ax do bairro, o seu ponto central e
principal, este é relegado para um lado, evitando, na
medida do p ossível, uma relação directa com as
habitações que em princípio deve servir, (fig. 15.).

Interlúdio em Blanchland
As novas cidades aqui referidas estão em oposi­
ção absoluta com toda a tradição do urbanismo
inglês, ou, de resto, com qualquer urbanismo. O
urbanismo inglês tem sido tradicionalmente mais
«aberto» (no passado), que o urbanismo europeu2,
mas este tipo de espaços descobertos contradiz e
compromete toda a ideia de cidade. Pelo contrário,
Blanchland no Northumberland, embora não passe
de uma aldeia, apresenta características urbanas
muito evidentes. Com base na fotografia aérea
(página seguinte), foi esboçada a seguinte sequên­
cia de pontos de vista de modo a ilustrar as suas
características essenciais.
(fig. 16), aproxim ação da entrada. A abertura revela
uma existência urbana, na paisagem rural.
(fig. 17), entrada, com o percurso bloqueado, à frente,
por uma construção, o que sugere a noção de recinto, a
espaços ainda por descobrir.
(fig. 18), ao virar a esquina, o espaço alarga 1 U m acre = 0 ,4 0 5 hectares. G od’s acre (o acre de
surpreendentemente, terminando numa garganta escura D eus) é o cem itério. (N . d o T. )
e convidativa. 2 Entenda-se «do resto da Europa. (N. do T. )

139
(fig. 19), neste recinto encontram os o com ércio a
lado e um p asseio, largo, que se enche de bancas cnj
dias de mercado.
(fig. 20), enquanto que, se nos voltarm os, o recinto
d om éstico é-nos revelado.
(fig. 21), a saída. Ainda aqui, não nos é apresentada
uma perspectiva interm inável, mas sim uma perspectjy
enquadrada pelo edificado.

C om parem -se as perspectivas aéreas da página


seguinte, a de Blanchland. fig. 22, e a da proposta do
centro para a cidade nova de C raw ley, fig. 23. As
abordagens ao planeam ento parecem ser
diam etralmente opostas. N a primeira, o centro é tratado
com o um esp aço essencialm ente urbano, em oposição
ao espaço essencialm ente rural que o rodeia; é
pavim entado e não arborizado. Im põe-se com o produto
humano e com o ordem. Para além disto, o edificado
foi concebido para transmitir uma noção de recinto, de
aconchego, e de expressividade na progressiva
descoberta do esp aço e do uso. São estes os elementos
com que se constroem cidades. Para um exem plo mais
recente o leitor é remetido para o W ell Hall Estate,
Eltham. construído em 1915 (pág. 166). A abordagem
em C rawley, por outro lado, parece resultar em
exclu sivo do repúdio pelas con d ições que geram
engarrafamentos e sobreocupação nas m etrópoles. E
nesta perspectiva será provavelm ente um êxito. E no
entanto é vazia de tensão, expressão, recintos ou
surpresas. T odos os elem entos estão lá presentes, mas
o ênfase no isolam ento é de tal ordem que acabamos
por ficar com aquilo do qual partimos: um conjunto de
ruas, árvores e edifícios. Em lugar de paisagem urbana
tem os o culto da arborizaçao; em lugar de ruas
ritmadas, A A A A , O OOO, e em lugar de uma
concepção de cidade com o um lugar aconchegado e
viv o , em que o s cidadãos se podem reunir para beber,
jogar, conversar e envelhecer, enquanto participantes
no maior dos privilégios da civilização, o da vida
social, não tem os quase nada; ou m elhor, ficam os com
a ideia de que todos os outros cheiram mal e por isso,
convém que nos afastem os deles o m ais p ossível.
Traduzindo para o vocabulário urbanístico, este vazio
transforma-se numa zona residencial de baixa
densidade — os resultados são deploráveis — donas de
casa com os pés doridos, operários cansados de
ciclism os forçados, ruas interm ináveis e insípidas, a
sensação deprimente de se ser um provinciano ou
suburbano numa paisagem que não pertence nem à
cidade nem ao cam po, e a im possibilidade de alguma
vez se chegar ao verdadeiro cam po, que esta invasão
suburbana liquidou. R esultado final — com ércio
itinerante, e orçam entos elevados a pagar por hectares
de passeios desnecessários.
Em sum a, as cidades novas, à parte uma p ossível
m elhoria nos projectos das habitações, avançaram
muito pouco em relação às antigas operações
residenciais. E , no sentido em que acabam por ocupar
uma extensão maior de precioso terreno, representam
m esm o um retrocesso. Na perspectiva do que o seu
nom e lhes e x ig e , cidades novas, apesar de toda a
energia administrativa, publicidade e dinheiro que nelas
se gastou, o que poderia ter sido uma importante
aventura resultou em nada, e m enos que nada — e , por
enquanto, sem qualquer protesto.

140
22,23
geral» nas compras não é substituído para compras
A «REGRA GERAL >
criteriosas; da mesma maneira o sistema da «regra
E m In g la terra , o p ro p rietá rio a u s e n te é a m a io r geral», em urbanismo não é um substituto eficaz
m a ld iç ã o d a p a is a g e m rural. O a n tig o p r o p r ie tá r io , para a prática de uma arte da paisagem. Felizmente
o h o m e m q u e a c r io u , fo i e x tin t o à fo r ç a d e o espaço rural não foi ainda inteiramente abando­
im p o s t o s , e o s n o v o s p r o p r ie tá r io s , a s a u to rid a d e s nado. Ainda sobrevivem aquelas aldeias que e s tu ­
m u n ic ip a is o u c e n tr a is, h a b ita m na c id a d e o u n o s dam humildemente o seu pedaço de campo e que
s e u s a r re d o r e s. C o n s e q u e n te m e n t e , o s e n tid o d a estão preparadas para o defender contra o bulldozer
p róp ria r e s p o n s a b ilid a d e , q u e n a s c e d o c o n h e c i­ desenfreado do urbanismo da «regra geral». Ire­
m e n to e d o a m o r a u m a d e te r m in a d a p a r c ela mos descrever aqui um desses casos.
r ú s tic a , n ã o e s tá p r e se n te , e é s u b s titu íd o p o r um Bingham’s Melcombe, a casa de campo da
c o n tr o lo g e r a lm e n te b e n é f ic o , m a s rem o to : é a família Dorset, é confortável e aconchegada. Tem
d ife r e n ç a e n tr e um pai e um p a d ra sto . (É fr e q u e n te em si própria um certo «charme» e encontra-se
e n c o n tr a r -s e u m a a ld e ia q u e p e lo s e u ar arru m a d i- aninhada informalmente num vale espaçoso. 0
n h o e c u id a d o , im e d ia ta m e n te s e d e m a r c a d o facto de ser um edifício classificado2 é uma indica­
p a n o ra m a g e ra l d e d e c a d ê n c ia , d e sa r r u m a ç ã o e ção do seu reconhecido valor. O vale em si, é de
d e s c u id o e v ir -s e a d e s c o b r ir q u e a in d a é da uma grande beleza, e, tanto quanto sabemos,
r e s p o n s a b ilid a d e d e u m a fa m ília ). encontra-se proposto para classificação como
A isto se acrescenta que as autoridades, quase sendo do «mais alto valor paisagístico». Mas não
por definição, estão mais interessadas na arte de se trata aqui de duas entidades separadas, edifício e
governar que na arte de urbanizar, e o que acontece vale. Se se destrõi o enquadram ento, atinge-se o
à paisagem será a resultante política das várias edifício, e pela mesma ordem de ideias, se se
forças em presença. Por um lado há pressões que substitui o edifício por uma central de energia, o
nascem das necessidades em habitação, estações vale é atingido. Nas terras do proprietário, ao
eléctricas, electrificação ferroviária, instalações fundo, a rematar a perspectiva sobre o vale, era
militares, aeroportos, estradas e parques de esta­ claramente visível um alinhamento totalmente in­
cionam ento, transmissores de rádio, exploração de congruente de moradias. O proprietário plantou
minérios, etc.. E por outro lado há pressões prove­ uma faixa de castanheiros que funcionam como
nientes de grupos que tentam preservar a paisa­ cortina, de modo a ocultá-las e a preservar a
gem, como o C .P .R .E .1. unidade do vale.
Não é portanto supreendente que as autoridades, A ameaça seguinte, a qual de resto nos diz aqui
na sua tentativa para conciliar estas pressões numa mais directamente respeito, surgiu quando se des­
única resultante, recorram a grandes princípios cobriu que a Central Electricity Authority3 se
que, duma maneira geral, ou funcionam ou tentam propunha fazer pelo vale uma nova linha de Alta
fazer do mal o menos: a «regra geral» em urba­ Tensão já que acontecia estar no caminho entre
nismo. Poole e Yeovil. Como resultado de reuniões entre
Isto no entanto não pode passar dum alibi para o as três partes interessadas, o proprietário, o Gabi­
paisagista imaginativo. É executado por proprietá­ nete de Planeamento da Autarquia, e a Central
rios ausentes que têm apenas um conhecimento Electricity Authority, concordou-se num trajecto
marginal da arte da paisagem. É natural que tudo alternativo que evitava o vale e atravessava terras
isto acabe por conduzir a abusos e escândalos. aráveis com uma cota mais alta e escassos habi­
Talvez possamos esclarecer esta situação com um tantes. Acordo esse que foi posteriormente rescin­
pequeno exemplo. A família Smith, de uma ma­ dido e, na altura em que estas linhas foram
neira geral, come o carneiro assado ao domingo. A escritas, a situação era essa.
sr.a Smith, no entanto, como boa dona de casa, se Não faz sentido! Pelo menos, não faz sentido
não encontra um carneiro com bom aspecto, com­ enquanto não nos apercebermos de que a Autarquia
pra outra coisa qualquer. A sr.a Smith adoece e o está a tentar preservar o valor de Dorset, e que tudo
sr. Smith vai às compras. Ele não sabe quase nada indica que a «regra geral» a aplicar aqui é que se os
sobre como fazer compras, mas sabe que geral­ postes de electricidade agridem, devem permane­
mente ao domingo comem carneiro. De tal maneira cer escondidos. Consequentemente devem evitar o
que insiste em comprar uma perna de carneiro, que horizonte e, custe o que custar, atravessar os vales.
acaba por ser um desastre. O sistema da «regra É preciso com er cameiro assado aos domingos

1 C ouncil o f the Preservation o f Rural England, orga­ 2 Scheduled building, no original, o que significa que
nização privada fundada em 1926, v isa a protecção da se encontra entre o s cerca de 170 0 0 0 «listed buildings»,
paisagem rural contra a realização de certas obras (estra­ ou seja ed ifícios de reconhecido interesse arquitectóni­
das, explorações m ineiras, redes eléctricas), mas assum e cos. (N. do T.)
igualm ente um papel actuante no esforço de preservação
de pequenas cidades e aldeias, e d os seus ed ifício s e 3 Empresa pública distribuidora de energia eléctrica.
m onum entos históricos. (N. do T.)

142
r

mesmo que nos envenene. Parece evidente que a


linha A. T. deveria evitar o vale e seguir o trajecto
alternativo. Se assim acontecer, ficará entendido
que a imposição acrítica da «regra geral» não mais
será tolerada, mesmo quando aplicada com a
melhor das boas vontades.

Nota: A «regra geral» perdeu esta batalha. A


linha A. T. actualmente encontra-se 5 km mais a
norte, passando portanto ao largo de Bingham’s
Melcombe e do seu vale.

À e sq ., a situação presente. Próxim o de nós,


B ingham 's M elcom be. A nossa perspectiva sobre a
propriedade encontra-se bloqueada ao fundo por uma
linha distante de moradias e construções rurais. N a fig.
à direita, em cim a, o proprietário plantou um
alinhamento de castanheiros o s quais, com o tem po,
ocultarão estes ed ifícios e contribuirão para preservar a
unidade do vale. M as estaria tudo perdido se a linha A .
T. prevista (fig. à esq . em baixo) fosse concretizada. A
alternativa proposta tira sim plesm ente partido da
topografia de m odo a proteger o ed ifício e o vale do
escândalo dos fios. A alternativa a um trajecto ao
longo de um vale não passa necessariam ente ao longo
de uma cumeada; é a alternativa à «regra geral», e
trata-se de explorar as possibilidades da topografia e do
relevo com algum a destreza e sabor.

143
«REGRA GERAL.»

Perspectiva do jardim de
Bingham’s Melcombe,
mostrando como os
postes de A. T. viriam
desfigurar o
enquadramento dum
importante e classificado
solar.

Os postes de A. T.
acompanhando a estrada
do vale. A imposição da
«regra geral» assegura
que seriam vistos pela
maioria das pessoas, a
maioria das vezes.

Perspectiva do vale
mostrando como a
paisagem bucólica seria
estilhaçada pelos'postes
de A. T ., os quais
incidentalmente, devido
à necessidade de seguir
em linha recta sempre
que possível, teriam
tendência a cortar curvas
e a provocar, portanto, o
abate de árvores.

144
a d a p t a b il id a d e

Os postes de A. T.
afectariam esta casa
isolada, mas já que se
trata da escolha de um
mal menor, poucas
pessoas poderiam
seriamente sustentar que
este é um mal maior.

A estrada, durante
grande parte do seu
percurso, é protegida por
uma sebe alta que oculta
a linha de A. T. que a
acompanha por trás.

Nos pontos em que a


e stra d a
sebe se interrompe, a
linha de postes seria
escondida pela inclinação
da vertente, como mostra
este diagrama. É este
tipo de paisagismo
cuidadoso que nos faz
falta, em lugar do
paisagismo da «regra
geral-.

145
ILUM INAÇÃO PÚBLICA nando os edifícios ridículos e miniaturizados 0u
como em Kingsway, p. 148, falha como contributo
Nesta secção vamos dirigir a nossa atenção mais para a complexidade da paisagem (que uma rede
para o impacto provocado pela instalação de siste­ decente tem obrigação de fazer por ser demasiad0
mas modemos de iluminação pública urbana do tímida e insignificante.
que, propriamente, para o desenho das peças e dos Unidade cinética: Ou seja, a unidade do movj.
candeeiros. É, evidentemente impossível dissociar mento. A maioria das redes, encontram -se, claro
estes dois aspectos, já que, como em qualquer em vias que de uma maneira geral transmitem uni
outro aspecto da paisagem urbana, há duas facetas movimento linear. Mas, e os estudiosos da paisa­
que nos dizem respeito: primeiramente, o desenho gem urbana sabem-no bem, há muitos outros tipos
em si, e, em segundo lugar, a relacionação ou de recintos urbanos: praça, «croissant»3, rotunda
montagem dos elementos desenhados. No entanto, espaços delimitados, etc., que representam espa­
e de mom ento, devemos louvar o trabalho do ços de algum modo estáticos. Nesses locais tor­
Council O f Industrial D esign1 no aperfeiçoamento na-se importante que as redes, sobretudo de dia,
do desenho das peças, e concentrarmo-nos no não venham interferir e destruir esta qualidade
efeito global da montagem das instalações. estática, envolvendo monumentos no seu próprio
Há dois lados a considerar nesta questão: as movimento.
normas técnicas de instalação, e as exigências Rigor: há alturas e lugares em que é difícil
paisagísticas. reconciliar sequer uma rede ortodoxa com um
Instalações recentes (pós-guerra) na Grã-Breta­ determinado espaço. Pense-se numa ponte recente,
nha baseiam-se no princípio da «visão em silhueta» uma peça esculpida em betão arm ado, e por muito
ou da luminosidade da superfície das ruas. Uma que se tente, o sistema tradicional de iluminação
vez que é economicamente impossível simular a através de fontes de luz colocadas sobre postes,
luz do dia, em que a superfície da via e os objectos vem contrariar as qualidades próprias dessa estru­
que se encontram sobre ela são vistos tridimensio- tura. Vêm também à ideia certos lugares como o
nalmente e com cor, a alternativa é usar uma conjunto de Radcliffe Camera em O xford, e volta a
intensidade mais fraca de luz, de modo a fazê-la parecer difícil reconciliar a prática profissional
reflectir sobre a superfície da via de maneira habitual, com o caso particular. Por outras pala­
uniforme, de tal modo que qualquer objecto sobre vras, e como os nossos exemplos virão demons­
ela seja visto como uma silhueta que o olhar pode trar, de quando em quando tom a-se necessário
interpretar como sendo homem, cão, carro, obstá­ recorrer a soluções que fogem às regras, mesmo
culo, etc. (como vem descrito no British Standard que isso signifique algum sacrifício, e um desafioà
Code o f Practice CP 1004:1952).2 inventividade. Se, por conseguinte, o urbanista
O sistema baseia-se numa iluminação uniforme avançar estes pontos como essenciais para a cria­
da superfície da via; não deverão existir zonas de ção e preservação de valores urbanos, e simulta­
escuridão. Para se obter este^efeito, as fontes de luz neamente o engenheiro electrotécnico sustentar
devem ser localizadas com um certo rigor umas em que a «iluminação eficiente» vem em primeiro
relação às outras, sobretudo em curvas. A altura, lugar, e não for possível qualquer compromisso,
inclinação e localização começam a assumir uma teremos então chegado a um impasse. Felizmente a
certa inevitabilidade. Juntem-se a isto as recomen­ situação não é estática. Mesmo assumindo a vali­
dações do Code O f Practice no tocante às cotas dade permanente da visão em silhueta, uma insis­
(das fontes de luz) para vias do Grupo A (7,5 m) e tência do «Code o f Practice», em 7,5 m e 4,5 m,
do Grupo B (4,5 m), e tem os, em toda a sua respectivamente para vias dos Grupos A e B,
autoridade e inevitabilidade um modem o sistema aparece-nos como a enunciação forçada de uma
de iluminação pública, que desfila através da regra que nem sempre poderá ser aplicada.
cidade como um exército de formigas guerreiras. Parece evidente que o essencial está em atin­
Observemos agora o outro lado da questão, o gir-se uma iluminação superficial uniform e, e não
lado da paisagem urbana. Uma instalação rígida e em especificar como se pretende atingir tal ilumi­
sem escrúpulos, e a realidade das cidades e vilas, nação. O sistema, no entanto, encontrou o seu
são obviamente incompatíveis. Duma maneira ge­ Waterloo em Malborough (W ilts) onde se criou um
ral há três exigências que o urbanista coloca ao
engenheiro electrotécnico.
Obter: unidade de escala
unidade cinética ’ O rganism o criado em 1944 com a finalidade de
rigor introduzircfes/g/JÉ7\s qualificados na indústria, e estabelecer
standards aprovados em design industrial (N. d o T .). |
Unidade de escala: a rede deve acompanhar a 2 C ódigo que reúne o conjunto de normas inglesas em
escala da via ou do recinto. Transgredir este vigor para cada actividade sectorial. (N . d o T .).
princípio acabará por resultar numa rede que ou 3 v. d. Royal C rescen t. em Buxton C r e s c e n t ; o edifício
chama atenção sobre si própria como consequência disposto ao lóngo dum alinham ento em c r o is s a n t (N. do
da sua altura ou envergadura esm agadora, tor­ T .).

146
r
cedente. Embora High Street seja uma via do a luz. Porque ninguém melhor do que ele sabe a
Grupo A, as fontes de luz foram montadas a uma flexibilidade que as suas soluções podem assumir.
cota relativa de 6,00 m de modo a preservar a Encarar o projecto de uma instalação eléctrica
unidade de escala, após insistência nesse sentido como uma ciência exacta, parece-nos forçado, e
■a „R oyal Fine Arte C om ission.1 Tanto mais que a conduz a opções dogmáticas. Encarar uma instala­
visão em silhueta» é em si, uma forma pouco ção eléctrica como um elemento desligado do
"atisfatória de iluminação. Se uma silhueta estiver tecido urbano, conduz inevitavelmente a abusos,e
atrás de uma segunda silhueta, só será visível uma oportunidades perdidas, e considerar a luz como
delas, e estaremos então perante o perigo dos sendo de uma outra natureza, em relação à luz das
motoristas serem incapazes de localizar a tempo montras, dos projectores de iluminação de facha­
neões que surjam por trás de autocarros. Actual­ das, ou da iluminação de casas particulares, vem
mente, no entanto, já se encontram em fase de contribuir para a esterilidade da paisagem. O que
comercialização fontes de luz mais potentes, que se tom a necessário fázer, então, é integrar a
asseguram uma maior aproximação à visão tridi­ iluminação pública no tecido e na personalidade
mensional normal. Com a implantação destas própria de cada aglomerado, tanto de dia como de
novas fontes mudará seguramente toda a compli­ noite, manipulando a luz e as suas fontes com
cada disposição das actuais fontes de «visão de inteiro conhecimento e dedicação a esses mesmos
silhueta», já que quanto mais abundante for a luz, aglomerados e cidades.
maior flexibilidade se pode esperar do conjunto da
rede.
A moral de tudo isto começa a tom ar-se óbvia.
Nós limitamo-nos a fazer um apelo à flexibilidade. 1 C om issão com carácter consull iv o .cria d a em 1924, para
0 engenheiro electrotécnico, mal tenha a compre­ assistir a D epartamentos do Estado através de parecer sobre
ensão da paisagem urbana, responde, manipulando questões de ■•importância artística p ú b lica-. (TV. d o T.).

«Code o f Practice»
t A L .60T
# O T fL A visão silhueta, na qual a
i w u í / «e> superfície iluminada das
vias nos transmite, como
silhuetas, os objectos que
sobre ela se encontram, é
inequivocamente a pior
alternativa. Conseguir uma
iluminação em que não se
perca a noção do
tridimensional foi
considerado como pouco
plausível. A Fig. 1, mostra opções de iluminação cor
o absurdo de se tentar obter escassa sensibilidade, ou
uma visão normal através da mesmo brutais, num
iluminação artificial; daí o universo (fig. 3) em que
«Code of Practice», baseado tudo se rege pelas suas
na «visão silhueta» (fig. 2), próprias leis, deixando
que nas nossas cidades, pouco espaço para uma
resulta frequentemente em visão de conjunto.

147
As unidades
na paisagem:
escala

Todos queremos uma boa


iluminação, e estamos em crer
que o respeito pela paisagem
não a exclui. Há três
exigências que o urbanista
deve impor ao electrotécnico.
A primeira é conservar o
sentido da escala. É uma
noção razoavelmente simples;
exemplos de instalações com
uma escala adequada à
situação encontramo-los em
Hatfield (fig. 4), Dulwich
(fig. 5), e Pimlico (fig. 6).
Em baixo encontram-se
registados três fracassos, dois
deles (figs. 7 e 8) em que a
6 ,7 instalação é excessivamente
grande, e um, em Kingsway
8 ,9
(fig. 9), em que a instalação é
demasiado pequena e
insignificante.
Unidade cinética

A unidade cinética é
talvez mais difícil de se
analisar, mas não deixa,
no entanto, de ser
essencial para a
paisagem. Na fig. 10, à
esq., temos uma aldeia,
em que a rua de
comércio transmite uma
noção de recinto, dada
pelos edifícios recuados,
e, para além da ponte, a
nossa perspectiva é
obstruída por
arborização. A paisagem
é estática, enquanto que
a rede de iluminação,
adaptada na fig. 11, a
atravessa de um lado ao
outro. A unidade cinética
é estilhaçada.

10

11

149
Rigor

Há situações em que uma


instalação tradicional não é de
todo precisa, e em que, em bora a
luz seja necessária, uma rede de
iluminação nunca contribuirá para
a pureza da paisagem. Na Pont du
Carrousel, em Paris, a iluminação
é conseguida através de fontes de
luz montadas sobre postes
telescópicos, que sobem ao cair
da noite. Na fig. 12, ao alto, na
ponte sobre o Meuse, em Dinant,
as fontes de luz estão construídas
na própria guarda (ver corte
transversal). Na Radcliffe
Camera, em Oxford (fig. 13),
seria agradável ver posta em
prática a única solução possível, a
iluminação com projectores
(fig. 14). Todas estas soluções
custam de facto um pouco mais,
mas espera-se vivamente uma
certa flexibilidade em relação a
esses 5% adicionais.

150
Para uma maior
flexibilidade

Mal se aprende a avaliar


devidamente a paisagem
urbana, está dado o
primeiro passo no
sentido da flexibilidade.
Marlborough instalou
recentemente uma
instalação de iluminação
pública em que as fontes
estão à distância de
_ 6,00 m do pavimento
5 (fig. 15), contrariamente
ao Code o f Practice, que
recomenda uma distância
de 7,5 m — fig. 16). As
figs. 17 e 18 mostram
qtoe a superfície das vias
pode ser iluminada de
maneira uniforme, apesar
das variações na altura
das fontes de luz.

Iluminação experimental
junto a St. Pancras
utilizando fontes mais
potentes, vem sugerir
que nos afastamos da
* m
teoria da «visão
silhueta».

" 1 ____________ 19, antes

20, após
Flexibilidade

Apresentamos em baixo, com o maior prazer,


uma maquete preparada por dois engenheiros
electrotécnicos, C. R. Bicknell, M. C ., B. Sc.
A. K .C ., F. 1. .E ., e J. T. Grundy, para ilustrar
uma sua palestra sobre iluminação pública à
«Association o f Public Lighting Engineers».
Acreditando que o impacto visual, da rede de
iluminação pública, tem, de dia como de noite,
tanta importância como as suas virtudes
científicas, usaram esta maquete para nos
transmitir esta ideia.

C itam os o Dr. Leopold Fink, de V iena, sobre a


localização exacta das fontes lum inosas, na
fig. 2 1 , à esq.: a sombra sob a entrada, e nos
degraus, introduz o elem ento form al, enquanto
a luz sobre a floreira sugere o elem ento
21 sim pático desta figura. Qualquer m udança na
localização da fonte de luz arruinaria esta
sensação. A pessoa encarregue da ilum inação,
com a sua experiência, deverá saber localizá-la,
de m odo a obter efeitos com o e ste, e sabê-lo-á
se amar a sua cidade, e a sua profissão.

As figuras 22 e 23 (em baixo) mostram a mesma largo do município iluminado por fontes
cena com diferentes efeitos de iluminação. Da colocadas em postes, a 7,50 m, e iluminação em
esq. para a direita: uma via com as fontes a consola na paragem de autocarro. Publicidade
6,00 m de altura, de modo a conservar a iluminada com projectores, bem como um bloco
arborização. Perspectiva obstruída por vitral de de apartamentos. Monumento à Guerra iluminado
igreja. Uma lanterna vertical, a 10,50 m por projectores colocados dentro da água que o
funcionando como farol para condutores nos rodeia. Edifício com fachada — cortina contendo
principais cruzamentos. Iluminação em consola já o sistema de iluminação do espaço público
no pequeno edifício recuado. A torre da igreja envolvente, iluminando-se interiormente ao cair
iluminada por lâmpadas de nevoeiro, de sódio. O da noite.

22. 23

152
portante do séc. XX para a paisagem urbana. De
PU BLIC ID A D E DE RUA
noite veio criar uma paisagem inteiramente nova.
Estranhos padrões pairam nos céus, imensos anún­
Os anúncios e publicidades nas ruas, embora cios transmitem as últimas notícias, luzes brilham,
quase totalmente ignorados pelos urbanistas, cons­ sobem e descem , deixando o citadino perfeita­
tituem uma contribuição (bastante óbvia e fre­ mente fascinado, enquanto o urbanista, aparente­
quente) para a paisagem urbana. Toma-se muito mente, se mantém imperturbável. Toma-se quase
difícil, folheando os desenhos de perspectiva de desnecessário referir que toda esta publicidade
possíveis cidades novas, encontrar qualquer refe­ deve ser cuidadosamente controlada, e que o tipo
rência à publicidade. E no entanto esta parece ser, de obscenidade das figs. em cima se devem evitar a
no meio de tanta coisa, a contribuição mais im­ todo o custo.

Em cima: rigorosamente a evitar. Em baixo: Broadway, mau gosto e vitalidade; a ser


tomada m ais com o estím ulo do que com o m odelo (ver
pág. 87).

153
Mas pôr de parte toda a publicidade, aquando do sentativos de grande parte das objecções levanta­
arranjo urbanístico das novas cidades, seria um das à publicidade exterior, no campo ou na cidade.
pretenciosism o, reminiscente dos tempos em que o Argumento 1. O cavalo branco de Uffmgton e o
projectista ignorava tudo o que escapasse ao seu Gigante de Ceme Abbas são incongruentes.
gosto pessoal. Quando, pela primeira vez os vemos, são chocan­
Os quatro grandes argumentos utilizados geral­ tes. E no entanto não vêm desfigurar a paisagem,
mente para contrariar a publicidade de rua, são os pelo contrário, justificam -na pela incongruência de
seguintes: escalas. Mas se o Cavalo Branco anunciasse uma
1. Os anúncios são incongruentes e portanto marca de W hisky, e o valoroso Gigante um pro­
contrários ao bem-estar das populações. duto para tornar as pessoas mais jovens», seriam
2. Invadem os espaços públicos, e os habitantes incongruentes num outro sentido. Temos assim
não têm outro remédio senão reparar neles. dois tipos de incongruências, uma visual, e outra
3. Banalizam o ambiente e vêm degradar o ética. Voltando à cidade: em Vanity Fair, com as
gosto popular. suas lojas e ruas cheias de gente, teatros e salões de
4. Distraem os condutores e os utentes das vias. dança, o segundo tipo de incongruências desapa­
rece como por encanto. As pessoas continuam a
Vale a pena analisar estes argumentos um por gostar de comprar e vender, de anunciar e reparar.
um, uma vez que podem ser considerados repre­ Faz parte da nossa civilização. A publicidade é

154
págs. 154 e 155
A decoração de edifícios
airavés da publicidade
escrita ou desenhada, pode
jer mais organizada ou mais
informal, mas de qualquer
forma traduz-se num
acréscimo de riqueza em
cor e forma, que pode
resultar encantador.

* è z .

aceite como um factor normal da vida nas cidades. gosto popular, que já de si, não é particularmente
Resta-nos assim, apenas a incongruência visual e educado, mas tem um grande mérito, a sua vitali­
aí está algo que seguramente o urbanista se deveria dade. Encerrar a publicidade numa camisa de
apressar a aceitar como uma importante ajuda. Se forças, restringi-la, não virá beneficiar o gosto
for possível ao leitor encarar a cidade como uma popular, e por outro lado, retira-lhe a sua vitali­
paisagem construída pelo homem, podemos tentar dade. A saída está seguramente em deixar que
transpor os cavalos brancos e os gigantes das todos se manifestem, já que a expressão é em si
montanhas para um tipo de publicidade de pedra e uma forma de educação. Desta maneira, a popula­
cal, sem perda de integridade. ção e a publicidade evoluirão em conjunto.
Argumento 2. É inteiramente verdade que a Argumento 4. Os anúncios vêm distrair os
publicidade invade espaços públicos, mas parece condutores. Quando tal acontece, são de facto
também difícil encontrar outros locais onde se prejudiciais, e o urbanista deve tomá-lo em consi­
possa convenientemente localizar. deração, mas estes perigos são frequentemente
Argumento 3. A publicidade vem degradar o exagerados pela facção antipublicidade.

155
utilizadas durante a guerra em algumas
exposições para tirar partido de situações e
locais. A dramática mudança de escala do
gigante de Cerne Abbas encontra-se aqui
transposta para o tecido urbano.
Em baixo, à direita: mudança de escala; a
modesta moradia transformada em bijou pelo
imenso lettering. Por vezes um falhanço, mas
sempre cheio de possibilidades visuais.
Em baixo, à esq.: Pano de fundo para a vida do
dia-a-dia.

•V .' Já

156
A PAREDE

Qualquer actividade conforma-se, de alguma dade, uma tentação, aos que têm a construção no
maneira, com os limites do mais apropriado, e neste sangue, tal como uma folha virgem de papel
caso o tratamento que se dá às paredes é seme­ representa uma aventura para o artista. O controlo
lhante. No entanto, o primeiro aspecto deste trata­ adequado parece residir no ênfase que se quer dar,
mento que nos ocorre é a tentativa de tirar o máximo ou na reavaliação que se pretende fazer, de uma
partido, dentro dos mencionados limites. Assim, e função. Os padrões geométricos repetitivos (azu­
para tomar um exemplo tradicional, é frequente lejos, por exemplo), foram provavelmente evoca­
encontrar-se uma parede de sílex*, as pequenas dos pela representação lírica, embora dramática,
pedras arredondadas constituindo-se numa textura da estrutura tradicional. Mas actualmente, a varie­
agradável. No que diz respeito a esta parede, o dade de métodos construtivos, de que dispomos
aspecto principal é o da textura, e neste sentido ela permite encarar o desafio do vazio sob perspectivas
é caiada, não é cinzenta, ou vermelha ou azul, mas diferentes e mais apropriadas. O meandro tem tido
branca, porque deste modo se extrai o máximo um certo êxito no presente; é não direccional e
partido dos contrastes luz/sombra na textura. Den­ ambicioso de espaço e pode ser aplicado nos
tro destas limitações, no que respeita aos materiais grandes blocos nos quais reforça o sentido do porte
do construtor local, e da arquitectura popular, no e homogeneidade.
que respeita ao «mais adequado», este é o máximo A pintura mural tal como é habitualmente aceite,
partido que é possível obter. Parece-me possível isto é, uma versão ampliada da pintura de cavalete
afirmar, em última análise, a presença deste não se encontra no âmbito desta análise, embora se
derradeiro efeito, duma maneira ou doutra, em considere que o tratamento de uma parede é
qualquer situação de desenho urbano bem conse­ sempre, num certo sentido, uma pintura mural.
guido. Será este então o primeiro aspecto de Mas, para sermos claros, o tratamento de uma
disposição; o segundo, que pode eventualmente parede, no sentido em que aqui o entendemos,
não passar de uma faceta do primeiro, diz respeito nasce do intrínseco na construção, seja ele reflexos
ao que se poderia chamar o desafio do espaço num vidro, o padrão de uma estrutura metálica, ou
vazio. Trata-se de uma concepção extremamente uma simulação na construção.
simples, mas difícil de explicar, porque sujeita a Uma descrição visual destes argumentos, com­
interpretações erradas. O perigo está em ser-se pilada a partir de exemplos tradicionais e moder­
tomado como adepto da ornam entação, na qual o nos, encontra-se nas páginas seguintes.
verdadeiro significado de uma estrutura é camu­
flado através de um tratamento irrelevante das
superfícies. Mantém-se, no entanto, como certo,
que uma superfície vazia oferece uma oportuni­ * N. do T.: wall built of flints.

157
Olhar em pormenor

Isolemos uma parte de


parede (fig. da esq.)t
retiremo-lo do seu texto
e consideremos esse
fragmento como um
desenho. Ao utilizar este
processo podemos tentar
livrar-nos de muitos dos
preconceitos em relação
ao tratamento de
paredes, próprio do
urbanismo e da
construção, preconceitos
esses que nos impedem
de a considerar como um
pintor o faria. Quais são
as características do
desenho? São
características de cor e
de textura, sombra e
motivo, e a noção da
estranheza inerente de
formas estruturais e
mecânicas. Uma parede
especialmente preparada
para receber o nosso
olhar, coberta com
tapeçarias ou pinturas
murais, é geralmente
considerada de forma
admirativa e atenta. Se
olharmos para as paredes
como para desenhos
(como nas figuras ao
lado), elas tomam-se
desenhos, abstractos
seguramente, mas não já
triviais ou vazios.

158
Cativar o olhar

Uma fotografia curiosa,


representando
obviamente uma
maquilhage bastante
indiscreta, mas incluída
aqui para sublinhar o
elemento essencial da
disposição cénica no
tratamento de grandes
superfícies. Tudo se
passa como se as
qualidades plásticas
tivessem decidido que
queriam ser vistas —
admiradas — e tivessem
ultrapassado os seus
limites tradiconais,
oferecendo-se à rua.
Nos exemplos seguintes
o tema da superfície
como pintura ou
baixo-relevo é
desenvolvido com
exemplos que procuram
demonstrar a natureza
afirmativa de um
tratamento adequado da
superfície. Encontrar
uma palavra concisa,
para isto, afigura-se
difícil. Ostentação,
contém já uma pesada
carga de significado,
enquanto imagem,
aparece demasiado
tímida, face à
inventividade e às
afirmações a serem
vistas.

1, o oposto da
vulgaridade — preto e
branco, soleira em
bronze polido,
enriquecida com uma
faixa de azulejo. É um
gesto para com a rua,
desenhado para ser visto,
composto por elementos
estruturais, dos quais se
tira o maior partido.

159
2, 3
4, 5

2 , o contraste entre o luz, nada mais simples


cuidado e a indiferença. (para quem pensa neste
3, em lugar de um sentido) do que espetar
tratamento uniforme, a um pau no reboco
fachada é obrigada a húmido e tirar partido do
brilhar, acentuando sol.
texturas contrastantes. 5, a parede como
4, numa inundação de tapeçaria.

160
Tirar partido das
superfícies

Dois exemplos de
padrões inventados
(figs. 6 e 7), um beiral
trabalhado, e uma
entrada. Utilizando
recursos mobilizados
para um determinado
espaço/tem po, foram
criadas imagens que nos
retêm o olhar — um
beiral, um soco, uma
moldura de porta e um
pilar saliente. A intenção
é clara: parafraseando
motivos funcionais, o
espaço nu foi reanimado.
O olhar não escorrega,
mas, pelo contrário,
6 delém-se, intrigado, e
neste caso não pela
„ textura, mas pelo motivo
‘ inventado. Podem-se
encontrar mais exemplos
nas páginas seguintes.
Esta faceta do tratamento de
superfícies implica um mais
elevado grau de talento visual.
Aqui, o ênfase recai sobre o
desejo primitivo de preencher
vazios, embora a definição de
vazio tenha variado
obviamente através dos
tempos.
Dada uma superfície virgem, a
maneira mais fácil de a
preencher será com uma linha
contínua, cursiva, reminiscente
dum garatujo infantil. Não é
surpreendente que o exemplo
da fig. 8 , onde se vê uma
faixa de reboco pintado,
represente uma antiga arte
rural. Na tig. 9, encontramos
as 8, 9 (na exposição de Paris de
to 1937) uma versão
1°> 11 contemporânea desta mesma
ideia.
Duas variações tendo a pedra
como motivo. Na fig. 10,
desatentos ao realismo, e de
ânimo leve, utiliza-se o trompe
l’oeil para simular a pedra e
para a tornar um elemento
poderoso no tratamento da
superfície. Na fig. 11,
encontramos um exemplo a
meio caminho entre a textura e
o padrão inventado, uma vez
que as juntas, exageradas,
formam um desenho linear que
se impõe como o motivo
dominante.

V irar o m a io r parV\do

PEDRA: Pertencem ao passado os


dias em que a pedra era utilizada de
uma maneira generalizada, como
material resistente; actualmente é
muito mais frequente a sua utiliza­
ção como revestimento. Na fig. 12,
encontramos uma empena nessa
condições, sem fenestração ou des­
vios do rectângulo. Um outro as­
pecto da pedra na construção actual
é a sua utilização em oposição à
estrutura, uma oposição nobre e
rica, o arquétipo da qual se pode
encontrar na fig. 13, um exemplo
tradicional demonstrando dois tra­
tamentos distintos. Ambos se cons­
tituem em padrões animados, um
em que a pedra surge como inci­
On dente no reboco, e o outro em que o
U) reboco se constitui em motivo por
entre a pedra.
14,15 TIJOLO: Esta construção (fig. i 4 )
atinge um efeito de
s monumentalismo pela repetição
insistente duma pequena unidade —
o tijolo — e por efeitos muito
ligeiros de avanço e recuo ditados
pela escala dessa unidade.
TINTA: Talvez melhor do que
qualquer outro acabamento, a tinta
presta-se àquilo a que chamámos a
possibilidade de ostentação no
tratamento de superfícies. Uma das
delícias de Londres é o encontro
com terraços estucados,
recém-pintados a óleo, que brilham
fulgurantes ao sol primaveril (a
fig. 15 está de acordo com esta
tradição).
T

exterior, onde é privilégio do homem da rua


sentar-se e contemplá-las — o que contém quase
todo o sentido daquela palavra mágica, continen­
tal. A razão para isto encontra-se não na personali­
dade do inglês, mas no seu clima, e pouco f0j
possível fazer a esse respeito, até à idade cia
tecnologia, excepto transpor o exterior para o
interior, como por vezes foi feito durante a época
georgiana (Ranelagh e Leicester Square Rotunda).
Hoje em dia, no entanto, não há praticamente nada
que não se possa fazer em relação ao clima. 0
significado disto está ainda para ser inteiramente
compreendido. Um pouco de imaginação nos es­
quemas de combate ao mau tempo e mudaríamos
rapidamente, de viciados no muito mau tempo,
O CLIMA INGLES para viciados no melhor dos tem pos, já que chuva,
nuvens e raios de sol — para não mencionar o
O desejo de transportar para as actividades nevoeiro e a neblina que Monet e os seus amigos
normais do dia-a-dia a Natureza é um romantismo: impressionistas trouxeram precipitadamente para
piqueniques, acampamentos e bailes ao ar livre. Londres, para mergulhar nos seus efeitos — se
Apesar das suas barbas, o cavalheiro da fig. acima, transformariam em prazeres espantosos a partir do
que se parece com Ramsés, mantém um coração de momento em que se estivesse liberto da obrigato­
rapazinho. A cidade, por seu lado, transborda com riedade de se recolher a casa para procurar abrigo.
beleza e dram a, tráfego, multidões, o rio, e uma Este é um problema especificamente inglês; não
série de outras coisas. Mas quando é que se tem vale de nada ficar à espera que um qualquer
uma oportunidade de estar sentado a olhar para americano surja com uma ideia brilhante para o
estas maravilhas? Embora pareça contraditório, a resolver. Aquilo que se pretende é uma ofensiva
maioria das cidades estão viradas para si mesmas, (lançada por especialistas) em matéria de equipa­
e não para o exterior; cada pequena célula está mentos de exterior que transformem num prazer o
contida em si própria nas cidades inglesas, e inverno inglês. As sugestões que se seguem não
poucos ingleses se apercebem do abismo que existe esgotam as possibilidades; pelo contrário, a inten­
entre as suas próprias cidades, viradas para o ção foi produzir esboços que estim ulem os criado­
interior, e as cidades europeias viradas para o res de mobiliário urbano.

O s protótipos a, b e c são A brigos naturais. Num


sistem as tradicionais clim a temperado os grandes
ingleses para desfrutar o inconvenientes de se estar
exterior, sob condições no exterior são a chuva e o
atm osféricas adversas. O vento. M esm o durante o
sistem a a é en g en h o so , mas inverno, as temperaturas
tende a im obilizar-se era nem sempre são tão baptas,
consequência da ferrugem, que tom em im p ossível
ou de plantas trepadeiras. O estar-se sentado ao ar livre.
sistem a b sai caro, tanto em Levanta-se então esta
dinheiro com o em espaço. questão, porque não
O sistem a c é encantador construir um abrigo que
mas pouco prático, já que o exclua o vento e a chuva,
vento e a chuva o inutilizam embora assegurando a
durante grande parte do ventilação? A engenhoca da
ano. fig. d possui um lem e que a

164
orienta de acordo com o
vento, de m odo a
dim inuir-lhe o s efeito s, e o
sol que houver poderá
aquecê-la por irradiação. É
feito em p e rs p e x ' m oldado,
com o lem e de alum ínio, e
montado sobre uma calha
de bronze: mostra-se
adequado para jardins,
coberturas em terraço,
p asseios, pon tões, ou, na
realidade, para qualquer
sítio. N a fig . e vem os esta
m esm a ideia, um pouco
mais desen volvid a, com
aquecim ento solar através
da cobertura. Tanto a
cadeira reclin ável, mais
íntima (fig. g ), com o o
com partim ento (fig. f), são
em p e rsp e x e alum ínio. A brigos
com ar condicionado.
Podem ser de vários tipos,
o m ais sim ples dos quais
resulta duma m odificação
do abrigo natural, pela
introdução de aquecim ento
solar através da cobertura
(fig . f), e duma ventilação
eficaz. N um pontão, num
parque, na South Bank, em
g
Leicester Square ou nos
f Prince’s Gardens, uma
m oeda de sixpence na
ranhura dará direito a duas
horas de sol sintético, e a
chuva nas ruas
providenciará o espectáculo
grátis no exterior. A brigos
m ecânicos. Qualquer janela
pode ser considerada um
abrigo m ecânico, uma vez
que se pode fechar quando
o tem po está m uito frio, ou
de chuva.
Há muitas actividades,
com o com er e dançar, que
se podem perfeitamente
desen volver ao ar livre,
quando o tem po a isso
convida. Estruturas rotativas
ou deslizantes, já utilizadas
em alguns cafés com o o
C olisés nos C am pos E lísios,
tiram o m áxim o partido do
tem po. Por exem p lo, um
salão de baile com paredes
deslizantes (fig s, h e i); um
restaurante e um bar com
paredes deslizantes (figs, j e
k), em que xxx indicam em
planta as zonas em que as
paredes deslizam , as riscas
* p e rsp e x com piexiglass, a zona de bar ou de serviços,
resina acrílica transparente, o ponteado a zona de estar,
tinta ou incolor, com e as setas indicam rampas.
espessuras variando entre 1
e 25 m m . (N . do T .)

165
PRECEDENTES ILUSTRES Beaufoy na Town Planning Review, é o Well Hall
Estate, em Eltham, construído em 1915. O se­
gundo destes exemplos, construído em 1953, é
Embora não ainda uma arte popular, poder-se-ia Redgrave Road em Basildon. Embora pequeno, é
chamar legitimamente à paisagem urbana uma um caso exemplar de como se pode fazer unia
nova arte, no sentido em que nunca até agora tinha revolução pacífica no meio de uma selva de regu­
sido aplicada à escala nacional. O que, todavia, lamentações e posturas através de uma acentuada
não quer dizer que não tenha sido aplicada neste política visual. Um arquétipo não serve só para
século, individualmente, por arquitectos de grande aferir o desenho, surge também como um inespe­
sensibilidade e visão. Uma análise cuidadosa do rado mas agradável estímulo ao urbanista que pode
desenho de conjuntos residenciais urbanos e su­ imaginar estar a trabalhar isolado. Estes exemplos
burbanos traria à superfície o trabalho de urbanis­ funcionam exactamente como arquétipos, e como
tas de outro modo desconhecidos. Aqui ficam dois tal, terão sempre lugar em qualquer antologia de
exemplos. O primeiro, já apontado por S. L. G. desenho urbano.

1915 W ELL HALL EST A TE , ELTHAM

A rquitectos
Mr. (m ais tarde SIR FR ANK) B A IN E S A . J. PITCHER, G
E. PHILLIPS, J. A . B O W D EN E G. PA RKER.
Aqui a densidade varia desde a zona verde urbana à rua
com pacta e densa produzindo súbitos contrastes. Este
esb oço mostra o desenrolar de sucessivas persp ectivas... a
antecipação... surgindo do traçado sinuoso do arruamento.
Uma clareza adicional surge na m aneira co m o a rua está
articulada. O tema é a empena; ( a da direitaj avança
acentuando a curva no arruamento, en quanto por trás uma
outra retém o olhar, de m odo a que a ffep etiçã g} crie um
dim inuendo geom étrico evitando sim ultaneam ente a
m onotonia da rua-padrão

166
A franca utilização de (desníveis! acentuando a sinuosidade da linha, oferece
uma variedade à rua, (em op osiçãõjaos taludes suaves do ajardinado). Eni certas
zonas, a construção é trazida até (m esm o junto à rua, uma heresia chocante na
perspectiva da esco la « isolacionista>s) mas que paga grandes dividendos em
termos de personalidade urbana.

[STAgKEYS

Esta operação falha, todavia, a o / nível dos usos nao residenciais. Há uma
carência im ensa de lojas ou umf p u b j , algum a indicação de que as pessoas levam
uma vida social. Procura-se por todo o lado o toldo ou a tabuleta da loja que nunca
aparece.

O cam inho de peões é não só o espaço entre dc muros


para permitir a passagem de p essoas, mas tam bém i a série
de o p o sições, de diferenças entre o (e x te r jõ v e ofinterior.
despertando a curiosidade e a antecipação. /

N ão foram retiradasY árvores do local, e este esboç


mostra-nos com o uma (arvore) foi utilizada para criar uma
noção de recinto na zona em que a rua a contorna.

Nota
Se o s estatutos podem ser descritos co m o abstrac-
ções jurídicas construídas sobre vários preceden- ||g
tes. então podem os dizer que tanto nesta operação l j
com o em Redgrave Road o s arquitectos co n seg u i­
ram repor a variedade nas abstracções, uma vez
que em am bos os casos foram permitidas ex cep ­
ções a alinham entos, sem as quais o s conjuntos
não teriam resultado.

167
I 9S3 , HD. S A S i L O o N T O W N

Arquitecto ch efe, NOEL T W ED D ELL


Arquitecto assistente. JOHN GRAHAM
C onsultor paisagístico, SY L V IA CROWE

O local, à chegada dos arquitectos, era uma malha (ortogonal^) típica de


uma operação de promotores, com arruamentos já lançados, com excepção do
sector aqui representado. O contraste entre a proposta d os prom otores, e a
dos arquitectos, é-nos mostrado(aqu i^ Pode também im aginar-se a disposição
das c a sa s... c o m o é que elas aparecem )aos utentes?

O loteam ento dos promotores, em cim a, produz uma perspectiva infindável


sugerindo que não se pare. Em baixo, a proposta dos arquitectos... As
construções avançadas sugerem recintos e o sentido do individual: igual-
«Eu vivo aqui».
a realçar são, em primeiro lugar o tratamento
em segundo o uso dos esp aços ajardinados e em
terceiro, o uso da cor. (V er desenhos na pág. seguinte).

168
Embora toda a rua seja abrangida com o uma unidade pelo
olhar, isto é , é sim ples e facilm ente com preensível, pode
no entanto ser comparada a um acorde com posto por
várias notas diferentes. Por um lado a diferenciação entre
rua e p asseio, em que este último e sco lh e o seu próprio
[percurso) e não se encontra inapelavelm ente ligado ao
trânsito. N este esb o ço vêm o-lo subitam ente abandonar o
arruamento em direcção às habitações.

Para fazer isto, atravessa o segundo e le m e n to ... o espaço


ajardinado. A sebe foi mantida, resultando num elem ento
adicional a que o arquitecto pode recorrer. Repare-se co m o o
passeio atravessa a seb e, num prazer menor
passeio muda de carácter uma vez
Pequenas coisas que se somam
numa saborosa com plexidade.

traçado, pintando-se os ed ifícios m ais avançados com cores


diferentes dos corpos principais.

A paisagem urbana é vista aqui não com o decoração, nem com o um estilo ou
estratagem a para preenchimento de esp aços vazios com calçada; é vista com o a arte de
M ORAL utilizar materiais «em bruto» — ca sa s, árvores e ruas — de m odo a criar um ambiente
v ivo e humano.

169
Nesta sequência de três fotografias observamos o encontro do vegetal e do
construído. A verticalidade nua...

INTEGRAÇÃO DA ÁRVORE iluminação pública. A paisagem tom ou-se parte da


arquitectura. A necessidade de enriquecimento
A árvore e o edifício sempre mantiveram entre si tom a-se clara a partir da introdução pelos arqui­
uma relação especial, uma vez que convencional­ tectos de paredes em cantaria, de mosaicos, mu­
mente são as duas maneiras geralmente aceites de rais, de policromia, e também através do uso de
pontuar a paisagem; e como tal chegaram a um plantas de interiores e exteriores, e evidentemente,
entendimento. As árvores, à parte mudanças pas­ da árvore. Hoje em dia a arte de combinar edifício
sageiras da moda, continuam as mesmas, enquanto e árvore baseia-se numa relação em que a árvore
os edifícios continuam a alterar-se com novas cede a sua riqueza ao edifício, e em que o edifício
tecnologias e funções. Estas alterações atingiram faz realçar as qualidades arquitectónicas da árvore,
uma dimensão que pede uma reavaliação da rela­ de modo a constituírem um conjunto.
ção entre ambos. No passado, os edifícios eram
concebidos como completos em si mesmos, e A primeira observação a relações árvore-edifício
continham em volumetria e alçados uma variedade fazer no estabelecimento diferentes.
de modelação, incidentes e texturas que os tomava duma relação deste tipo
obras de arte auto-suficientes. Hoje em dia o diz respeito à forma da Fig. à direita, edifício
arquitecto tenta reduzir a estrutura ao mínimo, e o composição. Nem todas alto e árvores baixas. O
corolário desta tendência é que pouco mais resta efeito de truncamento*
as árvores são
para intrigar o olhar do que um diagrama. Esta pode ser usado para
esverdeadas, esponjas de
mudança podemos observá-la nas figs. em cima, à dissociar.
banho espetadas sobre
esq.: tudo o que era ancilar em relação ao edifício, um palito, mas, pelo Fig. da extrema direita,
incluindo a escultura, foi empurrado para o exte­ contrário, apresentam edifício baixo e árvores
rior — Adão e Eva expulsos do jardim (ou melhor, variedades espantosas. altas. O pássaro na
de casa). Conclusão: a paisagem exterior toma-se Nas figuras ao fundo das gaiola dourada, um
muito mais importante para o arquitecto, o seu páginas 171-172 contraste de horizontais e
pequeno mundo, sobre o passeio e o candeeiro de encontram-se quatro verticais.

170
171
... verticalidade eminente: o fantástico candelabro é como um símile das
leis estruturais da vegetação.

À esq. em baixo,
edifícios e árvores
baixas. Um efeito
construído à medida,
pequeno em escala e
íntimo no carácter.
À direita, edifícios e
árvores altas. Efeitos de
movimento e de ritmo
produzidos pelo acentuar
do elemento vertical.

172
Sombra

Talvez o exemplo mais


directo e óbvio de
tratamento de superfícies
seja o da parede na
sombra, quando a árvore
e o edifício parece
sobrepor-se no mesmo
plano.

Filtro

Aqui o efeito da
folhagem é muito
importante, e de toda a
variedade de folhas,
desde a penugem da
tamargueira ao eucalipto
polido. Folhas
translúcidas ou opacas,
gigantes ou mínimas.
* T

173

Papel de parede é
gratuitamente fornecido a
esta casa de vidro na
qual a parede
desapareceu, no sentido
em que actua como
superfície que reflecte as
árvores próximas.

174
f
Traço

A c a lig r a fia d o traço


varia en tre a s in u o s id a d e
d o p lá ta n o e o a r a b e sc o
d o o lm o .

Geometria

De maior aplicação em
paisagens tropicais, em
que árvores e plantas
expõem uma estrutura
mais directa; mas a
geometria da construção
combina-se com a
geometria mais fantástica
da biologia.

175
T
Mobile

O efeito de correntes de
ar sobre ramos e folhas
isoladas, pode ser
assemelhado a um
mobile, sobre uma parede
banal.

d e s n ív e is

A arte de jogar com diferentes níveis é uma parte Como fazê-lo? Recorrendo a um desnível, mas a
importante da arte da paisagem urbana. Variações determinação do plano a elevar ou a baixar deverá
no nível do terreno podem ocorrer quer directa­ depender do efeito psicológico, já mencionado, de
mente, resultantes do perfil do local quer artifi­ se estar acima ou abaixo do nível de referência.
cialmente, surgindo das solicitações que o urba­ Haverá então outros aspectos com respeito ao
nista deve satisfazer. Mas seja qual for a sua nível, para além dos aspectos funcionais e psicoló­
origem, as nossas reacções aos níveis são acentua­ gicos? A resposta é sim, e o terceiro aspecto diz
das antes de mais pela sensibilidade particular que respeito às qualidades objectivas e puramente vi­
sentimos em relação à nossa posição no mundo. suais inerentes a um mundo que por muitas razões
Qualquer local tem o seu nível de referência, e se recusa a ser plano.
pode-se estar sobre ele, para cima ou para baixo. A mais simples de todas consiste em ver, em
(Será preciso atender também a que cada pessoa estar consciente, da ondulação do terreno — o
transporta habitualmente o seu próprio nível de cultivar do olhar do escultor. Quantos lugares, à
referência). Estar acima do nível de referência primeira vista planos, revelam após mais cuida­
produz uma sensação de autoridade e privilégio; dosa inspecção o ondular subtil que dá vitalidade a
estar abaixo, uma sensação de intimidade e protec­ uma imagem? Isto pode ser mais facilmente aper­
ção. cebido se houver um nível que lhe sirva de referên­
Estas sensações pressupõem uma relação muito cia, em relação ao qual possa ser medido ou
directa entre o observador e o seu meio ambiente. comparado, ou um indicador— uma guarda (v. d.
O prazer da sensação de autoridade e privilégio é Guardas, pág. 182) que nos revela o que acontece
de uma natureza bastante diferente do prazer de para além do horizonte imediato.
outros efeitos da paisagem urbana — o brilho da O facto de uma superfície inclinada estar em
Escultura
textura de uma parede, ou o perfil de uma letra no maior evidência do que uma superfície horizontal
anúncio de uma loja. No primeiro caso o observa­ pode ser aplicado de forma útil para criar uma
Aqui temos de novo dor está comprometido; no segundo caso, pode noção de espaço, sobretudo aonde há multidões.
âmbito para a espécie, considerar-se como mais distanciado. E no entanto Os visitantes à South Bank Exhibition lembrar-
seja ela de um ou de ambos são efeitos legítimos e desejáveis que valem -se-ão das encostas relvadas que funcionavam tão
outro tipo. Pode ser a pena explorar. bem em oposição às superfícies pavimentadas, e
escolhida como se Os objectos adquirem significados através da que permaneciam verdejantes justam ente porque
escolhe um objet d ’art. sua relação com níveis. O edifício pseudomonu- não eram pisadas. Esta questão introduz outra
mental é colocado no alto de uma encosta, tal maior, a da elegância do desnível. A transição é
como a estátua é colocada no pedestal. Daí a frequentemente acompanhada por uma confusão de
dificuldade de desenhar edifícios em encosta: não acessórios desnecessários — frisos, guardas e se­
há nível de referência, e resultam frequentemente bes — que obscurecem as virtudes reais da sua
na ambiguidade. Para além das relações óbvias, geometria e homogeneidade. Considerar uma en­
entre edifícios e níveis há muitas subtilezas a que costa como um espaço vazio, um vácuo visual que
se pode recorrer na prática; encontramos como se deve tentar embelezar, denota precisamente o
exemplo a utilização de um duplo lance de escadas mesmo espírito daqueles que procuram enfeitar as
em St. Paul’s Cathedral, o que permite ao edifício rotundas com pedrinhas.
usar a skyline* londrina como pedestal. Os desníveis devem dar um contributo positivo à
O recurso a desníveis, tem, como é evidente, paisagem urbana. Já se acentuou aqui que o terreno
usos puramente funcionais (v. d. «restrições», é uma unidade na qual se introduzem rupturas com
pág. 125), mas mesmo nas múltiplas utilizações excessiva frequência, e parece apropriado começar
funcionais do desnível, casos há em que se pode a nossa digressão pelos desníveis com a ideia de
escolher entre soluções alternativas, em que a que embora os níveis possam variar, não teremos
questão não poderá, honestamente, ser resolvida necessariamente de ser seus escravos.
exclusivamente com referências a requisitos utili­
tários. Assim, por exemplo, pode ser desejável
separar um espaço com cadeiras e mesas, de um
espaço de circulação, num parque ou numa praça. * Linha do horizonte construído. (N. do T.)

176 177
Acima do nível

Embora a terminologia
política situe a posição de
uma pessoa em termos de
esquerda, direita ou centro
uma classificação mais
habitual e natural é a de estar
acima ou abaixo. Situamos
certas pessoas acima de nós
próprios, consideramos outras
como tendo uma mentalidade
baixa. A consciência da
estatura relativa encontra-se
enraizada na natureza humana.
Abaixo do nível

Quer o seu significado


derive da caçada
primitiva ou da estratégia
guerreira, ou ainda da
doutrina do inferno e do
paraíso, não se pode
negar que, no próprio
interior da cidade
contemporânea, a
consciência do nível
estimula o cidadão.
Altura equivale a
privilégio, profundidade
a intimidade: o
argumento é traduzido
pelas fotografias
presentes.

179
Acima do nível uma simples plataforma pela sua localização. O
sobre elevada, mas largo sobreelevado em
Não é somente a vista suficientemente marcada, Agde (em baixo à esq.),
que se tem «de cima», como no molhe de surge-nos de imediato
mas também a noção de Minehead (em cima à como algo de singular,
vantagem, a sensação de esq.). Haverá um local que merece
que se está numa posição seguramente um uma visita, e as
de privilégio, uma boa elemento lúdico e edificações •
posição instintivo em tudo isto, despretenciosas de
independentemente de se porque é exactamente Salamanca (em baixo, à
olhar ou não para a como a paixão infantil dir.), localizadas numa
vista. Pode ser muito de trepar aos muros. As encosta suave, são
excitante e estimulante, duas figuras de baixo evidenciadas pelo
como nos miradouros de mostram-nos que tanto tratamento de canais e
South Bank (em cima, à locais, como edifícios, escadas que vêm
dir.), ou mais modesto, assumem significado exagerar os desníveis.

180
Abaixo do nível

Em contraste com as
superfícies
sobre-elevadas, as zonas
situadas a um nível
inferior assumem um
aspecto de intimidade e
aconchego, que pode ser
aproveitado
funcionalmente para
transmitir uma noção de
privacidade, como nesta
rua em França (desenho
ao lado); ou socialmente,
como na experiência que
dá pelo nome de South
Bank exhibition, (fig.
em cima). Como isto nos
parece correcto — o
pequeno local urbano,
tom ado amigo e conciso
pela superfície
rebaixada!

181
\A

/
/

|b í
X

Indício ligeira inflexão ou, como na exemplo, em St.avoren, na


figura de cima em Lyme Holanda (na pág. seguinte
Descrevemos o efeito Regis, um corrimão que em cim a), demonstra-nos
psicológico que diferentes segue um limite e nos que não há necessidade de
níveis nos provocam; aqui, revela aquilo que acontece camuflar esta mudança; o
estaremos ocupados para além do nosso vigor geométrico,
unicamente com as suas horizonte imediato. Esta é a juntamente com a coesão
implicações visuais. E entre perspectiva do escultor. que emerge da uniformidade
estas, a primeira é a de materiais, indica-nos a
observação da ondulação, virtude da solução directa,
da vitalidade que transmite que atinge a dignidade do
à paisagem. Até o Elegância monumental. Um outro
pavimento de um pátio tratamento, em Dartmoor
ganha interesse com a O plano inclinado que une (fig. ao lado) vai buscar o
existência de drenos. Mas dois desníveis, seu charme à modelação
justam ente porque os funcionalmente inútil, é orgânica da terra e do muro
desníveis são muitas vezes geralmente considerado um de suporte, que é avivado
subtis, tom a-se muito ponto morto na paisagem, e com tinta branca justam ente
interessante colocar guardas, é muito frequente nos sítios adequados. Nada
o elemento verdadeiramente fazerem-se tentativas para o de especial? Será apenas
horizontal que revela uma embelezar. Mas este uma parede tosca?

182
183
AQUI E ALÉM

Numa planície é construída uma casa; é um


objecto que se destaca sobre a superfície plana. No
interior há divisões, volumes: mas do exterior não
são óbvios. Tudo o que vemos é o objecto. Muitas
casas construídas em conjunto formam ruas e
praças. Delimitam espaços e assim aos volumes e
espaços interiores junta-se um novo factor... os
espaços exteriores. Enquanto os volumes e divi­
sões interiores, são justificados no sentido pura­
mente funcional da construção e do abrigo, não há
uma justificação tão directa para o espaço/volume
exterior. Será acidental e marginal? Num universo
de pura materialidade o nosso ambiente asseme­
lhar-se-ia ao leito dum rio cheio de pedras, sendo
as pedras o edificado e o rio o tráfego, tanto
motorizado como pedestre, que por entre ele se
escoa. Na realidade, esta concepção de fluxo é
falsa, uma vez que as pessoas são, por natureza,
possessivas. Um grupo de pessoas reunidas, con­
versando no passeio, colonizam aquele lugar, e
obrigam o transeunte a desviar-se. A vida social
não está limitada ao interior do edifício. Aonde
quer que as pessoas se reunam, no mercado ou no
rossio, surgirá sempre uma expressão do social, a
identificar a actividade. M ercado, ponto focal,
definem claramente passeio, e por aí fora. Por
outras palavras, o exterior é articulado em sucessi­
vos espaços, tal como o interior, mas por motivos
próprios. Podemos consequentemente postular um
ambiente articulado, em oposição àquele que é
apenas uma parte da superfície da terra, sobre o
qual pessoas-formigas e veículos se agitam perm a­
nentemente, e o edificado se encontra distribuído
ao acaso. Consequentemente, em lugar de um
ambiente informe e fluido, teremos um ambiente
articulado resultante da partição dos fluxos em
actividade e lazer, em rua-corredor, e praça-mer-
cado, viela e largo (e todas as suas variante^).
O resultado prático desta articulação da cidade
em partes identificáveis está em que, mal se cria
um Aqui, temos logo que admitir um Além, e é
justamente no tratamento e jogo destes dois con­
ceitos espaciais que surge grande parte da expres­
sividade urbana. Nos desenhos das páginas se­
guintes há alguns argumentos relevantes para este
uso do espaço na paisagem urbana.

184
Aqui e além

O recinto construído,
mesmo que elementar,
divide o espaço em
Aqui e Ali. Deste lado
do arco, em Ludlow,
encontramo-nos num
universo presente,
directo e não complicado
— no nosso universo.
O outro lado é diferente,
mantendo de algum
modo uma vida própria
(algo que é retido). E
assim como a popa dum
barco, visível ao dobrar
de uma esquina, nos
indica a proximidade do
mar (vasto, permanente),
também o torreão da
igreja transforma um
simples recinto, (à esq.
em baixo), no jogo do
Aqui e Além (à dir.
em baixo).

185
O corolário de tudo isto
encontra-se na expressão
exterior de volumes interiores.
No caso de um edifício
público, em baixo, o
alinhamento das fachadas da
rua é interrompido por um
corpo mais avançado, que
traduz aquela função.
Igualmente, no corte
transversa] de uma rua de
comércio (em baixo, à esq.),
observamos como, de um
lado, à esq., temos apenas as
montras das lojas, enquanto do
outro, à dir., os toldos e os
carrinhos dos vendedores
delimitam um recinto que Continuidade espacial
transforma a rua, dum discurso
árido de interior/exterior num De uma forma semelhante, embora numa escala
expressivo mercado linear. superior, esta perspectiva do mercado de
Greenwich, em cima, traduz uma continuidade
espacial, uma interligação complexa de volumes
em que as qualidades da luz e dos materiais negam
o conceito de exterior e interior.
Público e privado
Sublinham estas
diferenças as várias
características ligadas a
sectores do ambiente,
características de cor,
carácter, escala, etc...
Neste caso, a mudança
será entre um Aqui
(Victoria Street) e um Ali
privado ou semiprivado
(W estminster Cathedral).

C o rte tra n s v e rs a l
de u m a m a de c o m é rc io

M o n tra s d as lo ja s

T o ld o s
C a rrin tia s _ s
d os v e n d e d o r»

186
Exterior e interior

Um outro aspecto do espaço


é-nos mostrado num
mercado de Kingston, em
que dois sistemas espaciais
semelhantes existem lado a
lado. Primeiramente o largo
do mercado, ao qual vão
dar várias pequenas
transversais, vai alargando
até ao centro de comércio,
engrandecido com torres e
estátuas. O céu é a
cobertura deste salão ao ar
livre. Muito perto do
Mercado encontra-se a
pensão Wheatsheaf, que tem
igualmente uma zona central
movimentada, o acesso à
qual se faz através de um
estreito corredor. Esta zona
central tem o seu próprio
céu, uma cúpula
envidraçada. No Verão a
casa está aberta dum lado e
doutro, e ao atravessá-la,
tem-se a percepção nítida da
unidade desta sequência de
£SpaÇOS- RUA

187
InnmE

I n f in it o

Espaço e infinito

A sensação do infinito
não é normalmente
aparente no céu que se
vê sobre os telhados.
Mas quando subitamente
se vê céu aonde
normalmente seria de
esperar que se andasse,
isto é, ao nível do chão,
surge então uma situação
de choque, e uma
sensação de infinito.

Espaço capturado

As madeiras trabalhadas
erguem-se para agarrar o
espaço, as esbeltas
colunas e a vedação
enquadram-no, as
aberturas nas paredes
expõem-no. Por trás, as
entradas com gelosias
revelam-nos a camada
seguinte de espaço
interior obscurecido, e as
janelas completam-no.

188
Projecção
O espaço, sendo ocupável, provoca a colonização.
Pode tirar-se partido desta reacção, delimitando
espaços de modo a obter os resultados desejados.
Nesta perspectiva do Banco de Inglaterra, o pórtico
grandioso, à esq., impressiona muito mais do que
qualquer edifício majestoso e maciço.

Espaço funcional

Não há melhor maneira de sublinhar um facto


urbano, como por exemplo um teatro, do que
ceder-lhe o seu próprio espaço (fig. em baixo),
Deflexão
que ganha vida e se anima com encontros,
Quando uma perspectiva é rematada por uma
conversa, tensão e movimento.
construção perpendicular ao seu eixo, o espaço
do recinto completa-se. Mas uma mudança na
orientação desse edifício final, como neste caso
em Edimburgo, em baixo, cria por associação
um espaço secundário. Um espaço que não se
vê, mas se sente deverá lá estar, em frente ao
edifício.
190
1MEDIATICIDADE

Poderá ser mais prudente ter mil escudos no preconizava a cidade como um museu com exposi­
banco que na algibeira, mas tê-las no bolso é mais ções separadas, uma palestra acompanhada de
excitante. Água, céu e edifícios não são afectados slides. A chave para o nosso conceito actual de
por considerações de prudência. Estão lá para paisagem urbana reside num argumento simples
serem apreciados aqui e agora, ou nunca mais. Não mas surpreendente que nos diz que os vários
há um Banco de Depósitos Visuais. Ao contacto componentes da paisagem não podem ser dissocia­
visual directo entre homem e ambiente chamare­ dos. E ainda, que os resultados da justaposição são
mos aqui de Imediaticidade, uma qualidade que se em si (pelo menos) tão excitantes como os próprios
assemelha à prática Victoriana de Aberturas. A objectos justapostos — e frequentemente são-no
diferença entre ambas reside obviamente em que a ainda mais. É nesta óptica que tentamos revestir a
paisagem urbana aspira a práticas mais orgânicas palavra Imediaticidade do seu significado próprio e
do que as possíveis no urbanismo victoriano, que distinto.

À esquerda. Blakeney: em baixo. Iseo

191
Água deveria ser apreensível do maior número
possível de locais na cidade (o que não
A água fornece-nos o exemplo mais óbvio, significa um horizonte perm anentemente
porque a transição entre esta e a terra constitui coberto de água, mas talvez o brilho da
o maior contraste psicológico. Cidades à rem iniscência, ou a indicação do abism o, ao
beira-m ar deveriam viver sobre o mar, no fundo de uma rua).
sentido em que a presença visível do oceano Para a cidade do litoral, o mar é a sua razão

192
de ser, e mesmo quando os seus habitantes à superfície da água. Estivesse tudo em
vivem em casinhas aconchegadas com o seu segurança, protegido por guardas e canteiros, e
aparelho de rádio, como qualquer família do a água perderia a sua profundidade e brilho, as
interior, nunca é uma cidade do interior; montanhas recuariam, e o vento sopraria
encontra-se à beira do abismo, face a um doutra forma.
horizonte constante mas enigmático. Mas há outras combinações possíveis, a íntima
O mesmo poder-se-á dizer do indivíduo num interpenetração entre jardim e oceano em
cais, só que para este a tensão principal estará Limone, Itália (em cim a), em que os dois
concentrada na linha de demarcação entre terra elementos jogam um com o outro ao longo
e água. É a experiência emocional desta tensão duma linha de demarcação recortada, com
que transmite o sentido da imediaticidade. Esta promontórios, e também através de desníveis:
condição visual e emotiva pode ser melhor o leito do mar sobe, a superfície em terra é um
conseguida omitindo guardas ao longo da linha terraço; todas as perspectivas são exploradas.
de demarcação, como em Norfolk, pág. 190, Mais perto da concepção inglesa está a relação
onde se pode estar junto ao limite, ou mesmo visual directa com o mar, mais violento, e que
debruçado sobre a água, espreitando os barcos se tom a indispensável manter fisicamente
em baixo, apoiado nos postes de amarração. A afastado do edificado. Mas a superfície
imediaticidade poderá ser definida como um pavimentada, e a ausência de guardas, dá-nos
debruçar mental. Uma grande parte do impacto um acesso psicológico imediato ao abismo, em
da imediaticidade surge do grau de contraste, Limone, à esq. Aqui, a calçada reproduz a
como podemos observar em Iseo, em Itália, pequena ondulação, tanto na forma como no
pág. 191. O limite da construção urbana brilho, mas é tão sólida quanto a onda é
(definida como urbano pela presença de líquida, um oposto que reforça a sensação da
candeeiros e árvores), geométrico e proximidade.
infinitamente prolongado, opõe-se directamente

193
Cúpulas

Dos mais óbvios


exemplos da Natureza,
aos exemplos mais
óbvios da arquitectura —
da água ao monumento.
Para onde quer que se vá
em Florença o Duomo é
o Monumento Inevitável.
Está sempre presente,
rematando perspectivas
com a grandiosidade do
seu volume. É uma
personalidade
arquitectónica, uma
presença tão jovial como
um homem gordo e
bonacheirão, tão
magnética e
desproporcionada como
um balão que tenha feito
uma aterragem forçada
no nosso próprio quintal.

194
P O S F Á C IO

A mensagem deste livro é que há muito divertim ento e m uita vida a encontrar
na paisagem construída. O leitor poderá retorquir, «sim, mas você córreu mundo
para encontrar exem plos. Venha ver onde eu vivo, nos subúrbios de Liverpool
ou de M anchester, nos novos subúrbios de Paris ou nas m alhas ortogonais das
cidades am ericanas. Veja o que se poderá fazer com tudo isto».
De acordo. Mas não andei a correr mundo só para fazer um livro com
ilustrações, que pode ser lido e esquecido. Os exem plos foram m ontados com
um objectivo, objectivo esse que tenta expor a arte da paisagem construída, a
qual se tivesse sido com preendida e levada à prática, teria evitado os desastres
acima referidos. A razão de ser deste livro é tentar m ostrar a pessoas com o o
leitor aquilo que têm andado a perder, e de tentar criar um ponto de partida para
aquilo que poderá vir a ser. M esmo que o leitor viva na mais bonita das cidades,
a m ensagem continua a ser igualm ente necessária: existe uma arte da paisagem
construída. Este é o argumento central da paisagem urbana mas perdeu-se pelo
caminho, foi abafado por «certos urbanistas», que o tentaram desvirtuar e
tipificar. A sua prática tem -se resum ido por um lado ao em prego da calçada, e à
conservação, e por outro lado tem resultado em ultrajes e poluição visual. Nada
disto, se me é perm itido apontá-lo, diz respeito à arte do am biente. E
consequentem ente, dez anos volvidos, torna-se necessário recom eçar. Agora é a
altura de conceber um instrum ento muito mais realista. Graças aos referidos
«urbanistas», o assunto já não é desconhecido. Mas encontra-se associado a
limitações e exortações. O poder gerador central continua ausente. A arte de
com por o ambiente deverá agora ser mais claram ente definida, as suas regras
enunciadas, e os seus produtos típicos tornados fam iliares para um a grande
m aioria da população. Este será o tema do meu próxim o livro.
Há uma certa corrente de opinião que evita a sistem atização estética,
convencida de que um pássaro no ar nunca será o mesmo quando apanhado. Há
uma outra corrente que tem tendência para acreditar que se não foram definidas
notas, e estabelecida uma gram ática m usical, não se conseguirá nunca tocar uma
sim ples m elodia, para não falar já de um M ozart. Isto parece-m e evidente. Sob o
risco de nos repetirm os deixem os bem definido o campo desta actividade.

A. O am biente é construído de duas m aneiras. Em prim eiro lugar, objectiva­


m ente, através do senso com um e da lógica baseada nos princípios benevolentes
da saúde, am enidade, conveniência e privacidade. Isto pode ser com parado a
Deus criando o m undo, com o alguém exterior e superior à coisa criada. A
segunda m aneira não se opõe a esta. É a execução da criação em pregando os
valores subjectivos daqueles que habitarão o m undo criado. Sem desrespeito,
podem os com parar a Deus enviando o seu Filho para viver sobre a terra com o um
hom em , descobri-la, e redim i-la. Mas estas atitudes são com plem entares. Para
tom ar um a simples analogia, as latitudes do bem -estar público que são paralelas
quando observadas sobre um m apa, reduzem -se e desaparecem para pontos de
fuga, quando observadas pelo indivíduo isolado. Não há aqui qualquer distinção
m oral, am bas as observações são verdadeiras. A verdade está onde você estiver.
Neste estudo não nos preocuparem os com valores objectivos, que aparentem ente
estão florescentes. Preocupar-nos-em os sim com a inquietante situação subjec­
tiva.

195
Somos testem unhas da extrem a dificuldade de m udança de uma ordem de
verdades para outra, isto é, da objectiva benevolência das câm aras municipais
para a resposta e experiência pessoal especialm ente quando, neste mundo
enlouquecido, há tão pouco tem po para adaptações.
A principal reivindicação da PAISAGEM URBANA é ter contribuído para o
levantam ente da estrutura do m undo subjectivo. Porque se não estiver registada,
a que é que nos podemos ajustar? A opiniões, m odas, ou à m oralidade pessoal?
Que difícil que é ajustarm o-nos à am biguidade, e que perda de tempo!

B. Qual é o nosso ponto de partida? O único ponto possível será seguramente


traçar os cam inhos pelos quais o ser hum ano se relaciona com o que o envolve;
registar as suas afirmações. Não as opiniões grandiloqüentes sobre a Arte ou
Deus ou o Com putador, mas as afirm ações m orais sobre as nossas próprias
vidas. A observação das reacções hum anas à vida em si poderá ajudar. Uma
criança nasce, chegou, tem fom e, chora, dorm e. Está inteiram ente indefesa e
arrogante. M ais tarde a criança em crescim ento com eça a discernir coisas fora de
si própria, coisas que são quentes e outras que são frias, por vezes há luz e por
vezes escuridão, há coisas grandes que se movem cantando. O jovem cresce na
fam ília e aprende os direitos e deveres da vida em família. Quando não se devem
fazer perguntas ou ficar acordado até mais tarde, com o ganhar o consentim ento
do pai, e por aí fora. Ainda m ais tarde, com o adulto, decide seguir a sua própria
vida, casar e tom ar-se responsável pela organização da sua fam ília.
As nossas reacções ao am biente são muito sem elhantes e podem ser expressas
em quatro afirmações:

1. Eu estou Aqui, estou neste quarto, agora. C onsciência do espaço.


2. Eles estão Ali. Aquele edifício é encantador ou feio. C onsciência de
tem peram entos e de carácter.
3. Eu com preendo com portam entos. Andamos num a teia de perspectivas que
se abrem à nossa frente e se fecham nas nossas costas; há uma estrutura
tem poral.
4. Eu O rganizo. Posso m anipular Espaços e Tem peram entos, conhecendo os
seus com portam entos, para produzir a residência hum ana. Tudo m uito bem e
muito bonito. Mas o que se passa se sim plesm ente afastarm os tudo isto, e nos
propuserm os com eçar a desenhar?

anti 1. Não há nada a que se pertença, unicam ente um deserto. Não-habitações


que se m ultiplicam até ao horizonte e um vazio contínuo. A Expulsão do Paraíso.
anti 2. Não há nada com que com unicar. Vivamos para este ou para aquele
lado mas é tudo incaracterístico e despersonalizado. Ninguém chora ou ri.
Estendem os uma m ão, mas não obtem os resposta do exército silencioso.
anti 3. Um am biente tão ignorante e tão desajeitado com o um a caixa de
em braiagem estragada, uma paisagem tão catastrófica com o uma casa de
correcção para meninas.
anti 4. Batatas fritas com o único acom panham ento.

C . A nossa prim eira acção para criar um sistem a deverá seguram ente ser a
organização deste campo de m odo a que os fenóm enos possam ser classificados
logicam ente num Atlas do am biente. Até aqui, temos uma coluna de afirm ações,

196
à esquerda. Na linha superior podem os registar as diferentes escalas do ambiente
a que nos vamos referir. Em prim eiro lugar, há o mundo físico do com prim ento,
largura e altura. Em seguida, a dim ensão tempo e em terceiro lugar a ambiência.
Com estes dois vectores, horizontal e vertical, podem os construir um a grelha ou
Atlas elem entar, que, com pressupostos sólidos, deverá poder crescer im ensa­
mente.
Tendo chegado ao conceito de Atlas, consideram os então a quarta afirm ativa,
a que diz respeito à organização ou m anipulação. Se considerarm os o Atlas como
um ficheiro de palavras (visuais), então a organização será a arte de juntar uma
palavra a outra de modo a construir um discurso lúcido, que seja inerente ao
problem a específico do desenho. E é este glorioso sentido da com unicação que
nos faz a todos falta. Por am or de Deus, digam algum a coisa!
Pode-se constatar que não é mais com plicado que um livro de receitas: em
prim eiro lugar faz-se uma lista dos ingredientes, em seguida descrevem -se as
suas reacções ao calor ou à água, e em seguida juntam -se e pronto, aí está uma
forma de pão.
A única diferença está em que aparentem ente a m aioria das pessoas tem um
desejo por com ida que justifica o aparentem ente inesgotável fornecim ento de
livros de receitas enquanto que o m eio-am biente não suscita de momento
qualquer desejo. Não é, na realidade, surpreendente. O dialogo parou quando as
virtudes am bientais da arquitectura Victoriana foram substituídas por outras
virtudes mais pessoais com o a verdade, honestidade e auto-expressão. Vê-se
aonde isso nos levou, está tudo aborrecidíssim o. Perdem os o nosso público.
Tem os de juntar, separar, dividir, ocultar, revelar, concentrar, diluir, prender,
libertar, atrasar e acelerar. Jogar a bola de um lado para outro, com eçar a m exer
os m úsculos entorpecidos. Há muito que fazer.
À parte a vida hum ana, há poucas coisas mais com oventes do que o
nascim ento de uma ideia no cérebro hum ano. Subitam ente, no húm us rico do
pensam ento uma ideia afirma-se à luz da com preensão. O telefone entretanto
toca, não, não temos grãos de antracite, só tem os nozes. E a ideia perdeu-se.
Muito frequentem ente perdida para sempre. Os deuses que deitaram os dados
tremem de frustração. O nosso mundo produz continuam ente conceitos, ideias e
soluções, mas uma grande parte murcha e morre enquanto o restante vai juntar-se
à m ontanha de papéis. O que se tom a indispensável é um quadro de referências
em que estas ideias sem residência possam morar; um equivalente am biental para
a «Shelter», a organização privada inglesa que tenta atacar o problem a da
habitação. Na minha opinião, há uma imensa perda de fertilidade que deveria ser
contrariada criando uma agência de coleccionam ento, classificação e recupera­
ção de ideias.
Acabam os assim por ter uma caixa de conceitos e um a gam a de jogadas
possíveis, um todo tão coordenado e internamente autojustificável com o um
cristal. Uma arma com a qual podemos arrancar-nos ao isolam ento e entrar em
contacto com os educadores, com os mass-m edia e, finalm ente, com o público.

197
Aberturas — 191
v.d. exposição, desurbanismo, perspectiva
Abrigos — 164-5, 238, 275
v.d. enclaves, apropriação
Acidente — 46
A daptabilidade— 145, 151
v.d. sobreposição de usos
Adro — v.d. igreja
Agricultura — 60
v.d. zona rural
Água — 26, 41, 50, 58, 63, 66, 70-72, 74, 78,
89, 90, 93, 101, 113-21, 150, 183, 190-193
v.d. litoral
Alamedas — v.d. desníveis, imediaticidade,
linha vitral, caminhos para peões, litoral
Além — 36
v.d. Aqui e Além
Alpendres, átrios, pórticos — 26, 41, 81, 84,
110, 172-3, 186-9
Animismo — 74
Anúncios — v.d. publicidade
Apropriação (do espaço) 23-30
Aprumo — v.d. nitidez
Arcadas — 23, 27
Arcádia — 59
Arcos — 1 9 ,2 0 , 31, 35, 37, 52, 56, 167, 185-7
A rticulação— 133, 184-9
Árvores — 24, 27, 28, 34, 38, 43, 58, 69-60,
62, 66, 72, 80, 82, 84-5, 99-105, 120, 124,
127, 129, 167-8, 170-76
Aqui — v.d. Recinto
Aqui e Além — 20, 36, 54, 184-9
Assentos, bancos — 24, 25, 27, 30, 46, 86, 88,
97, 102-3, 164-5, 168

Bancos — v.d. assentos


Barreiras — v.d. Restrições
B eira-m ar— v.d. litoral

Cafés — v.d. restaurantes


C aligrafia— 86, 175
v.d. traço 175
Caiação — 36, 64, 93, 98, 115-6, 157-163, 183
v. d. superfície
Caminhos — 45, 56-57, 71, 94
v.d. caminhos para peões
Caminhos para peões — 56, 57
v.d. pavimento
Categorias (da paisagem)— 59-63
Categorias urbanas — 59
Centro da cidade — 57

1
ÍNDICE REMISSIVO

Centros — v.d. centro da cidade


Céu — v.d. infinito, telhados
Cidade — 59
Cidades novas — 134-41, 166-69
Cidade secreta — 66
v.d. recinto, aqui e além
Clima inglês, O — 164-5
Colonização (do espaço) — v.d. apropriação (do
espaço)
Comércio — 44, 64, 67, 120, 136, 138, 153-4,
186-7
v.d. «lettering»
Compartimento e x terio r— 30-41
v.d. jardins, praças
Complexidade — 67, 154-5
Conexão — 55-7, 80, 117-8
v.d. pavimento, caminhos para peões, ruas
Conjunto residencial — v.d. Residencial
Conteúdo — 59-88
Continuidade — 57, 186
Continuidade espacial — 186
Contraste — v.d. preto e branco, contrastes,
justaposição
Contrastres — 79-88, 155, 170-179
Cor — 75, 81, 87, 154-5, 157-63, 169
Correcção — 67, 146-52, 157
Cúpulas — 20, 44. 187, 194

Deflexão — 45, 110, 189


v.d inflecção 110
D e g r a u s , escadas — 92, 94, 117-8, 152, 178,
182-3
v.d. desníveis
Delimitação — 32, 47, 49, 108-12, 139-40
Delimitação do Espaço — 34
Densidade — v.d. residencial, desurbanismo,
urbanidade
Desníveis — 22, 39-40, 45, 52, 56, 72, 74, 77,
8 3 ,9 2 -3 , 117-8, 128-9, 166-9, 177-183
Desurbanismo — 134-41
D ispersão— 134-141
Distorção — 83, 156
Divisão de espaços — 43
v.d. perspectiva

Edifício-barreira — 32
v.d. delimitação
edifício como escultura, O — 76
Espaço e infinito — 188
Expectativa — 51

Biblioteca Universitária - UNASP


E d ifíc io s p ú b lic o s — 49, 68, i 10, 167, 186-7 Imediaticidade — 190-94
E le c tr ic id a d e — v. d . p o s te s d e e le c tr ic id a d e Indício — 74, 182
E n c la v e s — 27 Iniciativa local — 44
v .d . r e c in to s Indústria — 60, 62, 73, 78, 85, 162
E n c o sta — v .d . d e s n ív e l v.d. zona industrial
E n tr e la ç a m e n to — 34, 41, 188 Integração discreta — 88
E sc a d a s — v .d . d e g r a u s , d e s n ív e is
Interpenetração — 33, 186
Escala — 81-83, 146-8, 156, 171-72 Intimidade — 71, 179-81
E sc r itó r io s — 42
v.d. recinto
Escultura — 38, 72, 74-5, 76, 83, 101, 103,
Isolamento — v.d. exposição e isolamento
156, 170, 176
v.d. ponto focal, objectivo significativo
Espaço funcional — 189
Espaço intangível — 33
Jardins — 35, 37, 43, 66, 70-71, 76, 82, 97,
Estacionamento — 98, 116, 119-21, 131 99-104, 125-9, 175-6, 193
Estreitamentos — 45, 47, 48, 111, 122 v.d. pardes, árvores
v.d. arcos Justaposição— 62, 88, 171-72
Estruturas — 89 v.d. contrastes, imediaticidade
Exposição e isolamento — 71, 180, 190-92
Exterior e interior — 187
v.d. aqui e além
«Lettering» 95-6, 153-6
Extravagância — 69
v.d. complexidade 67 Ligação e conexão — 80, 117-20, 124
v.d. caminhos para peões, ruas
Limitação — v.d. edifício-baneira, unidades
urbanas
Linhas de força — 113-21
Fenestrações — 30, 64, 68, 70, 74, 83, 84, 158,
Local — 23-58, 177-83
163, 174
Flores — v.d. jardins
Fluidez 26, 32
Flutuação — 48 Marcos — v.d. pilones
v.d. ondulação Metáfora — 72-3
Focal ização — 39 Metrópole — 59
v.d. pontuação Mistério — 53
Fontes — 56 Mobiliário urbano — 40, 43, 52, 69, 72, 75, 76,
v.d. ponto focal 85, 86, 88, 97
v.d. assentos, ponto focal
Monumento inevitável— 194
Movimento — v.d. caminhos para peões, visão
Geometria — 2 1 ,7 1 ,7 7 , 175 serial, tráfego
v.d. arcos Muros — v.d. paredes
G igantism o — 83, 156
Gradeamentos — 90, 99, 117, 126, 175, 193
v.d. restrições
Nitidez — 38, 57, 58, 63, 70, 77, 97, 177, 183
v.d. restrições
Nível — 177-83
Identificabilidade — 64-78 v.d. privilégio, desníveis, intimidade
v.d. pormenores, objecto significativo, Níveis — v.d. desníveis
paredes Nostalgia — 70
Igreja — 19, 21, 27, 40, 42, 44-45, 47-8, 57,
68, 75, 79, 81, 84, 85, 112, 124, 128, 138,
141, 152, 153, 186, 194
Omissão significativa — 75 .
Infinito — 52, 71, 188 Ornamentação — 33, 44, 46, 65, 67, 69, 71,
Iluminação — 39, 73, 87, 98, 146-52, 153 83, 85, 87, 153-6, 157-63, 171-73
Iluminação com projectores — v.d. iluminação v.d. escultura, parede, iniciativa local,
Iluminação pública — 146-52 «lettering», correcção, publicidade,
v.d. iluminação paredes
Ilusão — 33, 72

200
Objectos significativos — 75 Rampas — 22. 93. 82-3. 192
Recinto — 27, 29, 31, 32, 34. 35, 37-54,
Olhar em pormenor v d. pormenores 99-11)4, 139-40, 104-5. 179. IXI. 1X4-9
Ondulação — 48. 167. 177-X1
Reentrâncias — 40, 49-50
Ostentação — v.d. ornamentação
v.d. saliências e reentrâncias 40
Rede eléctrica — 60, 142-5
Regra geral — 142-5
Relvado — 35, 38, 80, 99-101, 136
v.d. jardins
Residencial — 59. 88, 121. 123-4, 134-41,
Paisagem — 36, 37, 38, 40, 50, 57, 59, 63, 66, 166-9
77, 84-5, 88, 121, 142-5 R estaurantes— 30, 58, 102. 120. 165
Paisagem interior — 30 v.d. edifícios públicos
Paisagem rural — v.d. zona rural 60 Restrições — 58. 9 0 -1. 125-')
Paisagem urbana — 135 Rotundas — v.d. ponto focal, tráfego
Paredes, muros — 24, 33, 35, 36. 51, 53, 57, Rua — 29, 47, 55, 78, 80. 108-12, 134-41
64, 65. 77, 81, 84-5, 86-7. 93. 94-5, 157-63, v.d. pavimento
165, 176, 180, 183 Rudeza e Vigor — 68, 75
Parques — 43, 50, 60, 72, 99-104, 125-9
v.d. jardins
Passagens — v.d. arcos, estreitamentos,
caminhos para peões

Saliências — 19, 46, 109, 166-9, 189


Pátio - v .d . recinto, caminhos para peões. Saliências e reentrâncias — 46
unidades urbanas v.d. saliências
Pavimento — 25. 30. 38, 40, 51, 55, 56, 71, Sanitários públicos — 97, 181
77, 99-104. 122-4. 130-34. 136 Sebes — 61, 127
v.d. caminhos para p e õ e s v.d. restrições
Perspectiva — 22, 43, 44, 45, 145 Segregação — v.d. pontes, restrições, caminhos
v.d. delimitação para peões, unidades urbanas, praças, tráfego.
Perspectiva delimitada — 45 Silhueta — 42, 147
v.d. perspectiva Sobreposição de usos — 78. 114-20
Perspectiva grandiosa — 43
\ .d perspectiva Solo virgem — 60
Perspectiva velada — 43-4 Subúrbios — v.d. categorias (de paisagem),
v.d. perspectiva categorias urbanas, residencial, desurbanismo
Superfície — v.d. cor, textura,
identificabilidade, parede, caiação

Pilones — 40, 43, 52-3, 78, 98. 101, 122, 124,


183, 190-1
v.d. marcas Telhados — 42, 76, 165
Ponto focal — 28, 105-7 Terraços — 26, 34. 58. 77. 86, 115-6, 138.
Pontuação — 28, 32, 37, 47 180,
Pormenores — 65, 158 v.d. privilégio, residencial, caminhos para
v.d. olhar em pormenor peões
Portas — 45. 54. 74. XI. 159, 161 Território ocupado — 25
Portões — 19, 22, 31. 35. 37, 52, 54, 80
v.d. apropriação do espaço
Posição (relativa) — 23-58, 177-83
Postes de electricidade — 60, 142-5 Textura — 94-5
Praças — 43, 58, 59, 66, 79, 81, 99-104, v.d. pavimento, identificabilidade, parede
180-91, 185-8 Toldos — 26, 94, 34
v.d. recinto, ponto focal, restrições, caminhos tradição funcionalista, A — 77, 89-98
para peões, unidades urbanas Torres — 39, 40, 47, 57, 75, 103. 171-72,
Precedentes ilustres — 166-9 185-6
Preto e branco — 93, 98 Traço — 67, 84, 175
v.d. cor, criação Tráfego — 29. 61-62, 78, 106-7, 122-4, 169,
Privilégio — 29, 77. 177-83 184
Prolongamento do interior para o e x te rio r— 186 Trucagem — 39. 40, 52
Público e privado — 186
Publicidade W, 153-6

201
Unidade cinética — 149 Vigor — 68, 75, 153
Unidades urbanas — 29, 81, 122-4, 181
v.d. recinto, caminhos para peões, praças
Viscosidade — 26
Urbanidade — 59, 66, 139-41, 191

Visão serial — 19-22, 57, 108-12

Vão — 45, 54, 81 Zonamento — 29, 122-4


Vedações — 90-91
v.d. categorias (da paisagem), categorias
v.d. restrições
urbanas
Verticalidade — v.d. ponto focal, pontuação,
torres Zonas recreativas — v.d. recinto, jardim ,
intimidade, praça

202
Gordon Cullen

Paisagem Urbana
Paisagem Urbana é um conceito que (rordon Cullen trabalhou em duas empresas
exprime a arte de tornar coerente e de arquitetura, em Londres.
organizado, visualmente, o em aranhado de Foi ilustrador e diretor artístico de
edifícios, ruas e espaços que constituem o exposições na Grã-Bretanha e nas índias
ambiente urbano. Tal concepção foi Ocidentais, antes de se tornar subchefe de
primeiramente Ibrmulada por Gordon redação da rev ista The Archileclural Review,
Cullen em The Archireciural Review, vindo logo após a Segunda Guerra Mundial.
posteriormente a dar forma ao presente Os seus desenhos e artigos acerca de
livro, em 1961. projetos urbanos atraíram nesse período
Esta obra tem exercido profunda influência largo interesse, quer pelas ideias quer pelo
em gerações sucessivas de arquitetos, estilo de apresentação. Na prática, desde
projetistas e outras pessoas particularmente 1956, tem atuado como consultor paisagista
envolvidas no aspeto que as cidades devem junto de numerosas instituições britânicas,
apresentar, (bastará referir que. só de 1975 assim como da Fundação Ford
a 1983, teve oito reim pressões). Todavia, relativamente a projetos urbanos em Nova
trata-se de uma obra que ultrapassa a I)elhi e Calcutá. É membro honorário do
esfera profissional, atingindo um público Real Instituto dos Arquitetos Britânicos
que se interessa em termos gerais pela desde 1970.
estética, pela arte e pela história da
arquitetura.
Outro elem ento importante do livro são os
excepcionais desenhos, com que o autor
ilustra o cenário urbano.

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