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METODOLOGIA CIENTÍFICA

Prof. Ivan Balducci (ICT - SJC/ Unesp)

Ciência - Método Científico - Karl Popper – Método Hipotético Dedutivo

Esse texto é uma coletânea de considerações sobre aspectos da Ciência e do


seu Método. Os fragmentos aqui expostos não têm a pretensão de serem
inéditos, absolutamente rigorosos, ou enciclopedicamente abrangentes, mas
são corretos e instrutivos.

Introdução

I Ciência. Conhecimento factual e formal. Não Ciência. Pseudociência.


II.1 Método Científico. Os dois pilares. As etapas.
II.2 Breves considerações: raciocínio lógico, aproximação à verdade.
III.1 Galileu. Bacon. Descartes. Newton. As duas dimensões.
III.2 A matematização da Ciência.
IV Mudança de Paradigma.
V A Revolução Científica e o Iluminismo.
VI Como a Estatística revolucionou a Ciência no século XX.
VII A importância de Einstein.
VIII A revolução de Karl Popper.
IX O Método Hipotético Dedutivo.
X Limites à pesquisa científica.
XI Cientificismo e negacionismo.
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Introdução
A Metodologia Científica não deve ser vista como uma disciplina cuja ênfase é o
ensino de métodos e técnicas para planejar, conduzir e apresentar uma pesquisa científica,
mas sim como uma disciplina para elucidar o que são essas técnicas, a quais métodos da
ciência atendem e em que bases epistemológicas se fundamentam.
No novo contexto que se vislumbra, o conhecimento é como uma moeda de grande
valor que viabiliza transações e negociações essenciais. Saber manipular, desvendar,
apreender, expressar, construir e transmitir conhecimentos1 é imprescindível para não perder
inúmeras oportunidades. E sendo a pesquisa uma oportunidade de compreensão dos
múltiplos saberes, dos múltiplos textos e contextos, das múltiplas realidades e dos múltiplos
atores, não dá para renunciar à metodologia! (Elizabeth Teixeira. As Três Metodologias:
Acadêmica, da Ciência e da Pesquisa. 8ª ed. Vozes, 2005).
Um método, ou o método, para obtenção de conhecimento foi proposto no século XVI
de forma a criar outra ciência, a chamada Ciência Moderna; assim, quando se fala de
Metodologia Científica se subentende que estamos nos referindo à Ciência Moderna.
A importância da Ciência Moderna é mais bem compreendida quando se contrasta com
a ciência antiga, com a ciência apresentada pelo filósofo grego Aristóteles (384 – 322 a. C).
Ciência Antiga
Antes do século XVI, o homem se interessava em observar os fenômenos que ocorriam
à sua volta, bem como, tentar compreendê-los. Dentre eles, os fenômenos astronômicos que
foram classificados e sistematizados pela ciência mais antiga, a Astronomia.
Em geral, pode-se dizer que a ciência antiga começa com Aristóteles, pois deve-se a
esse filósofo a classificação e a sistematização do conhecimento existente até então.
Ademais, Aristóteles deixou como legado para a posteridade a lógica e a valorização do
conhecimento empírico para a obtenção de qualquer conhecimento prático sobre o mundo.
A ciência antiga carecia de um método de replicação e verificação de teorias, pois em
sua formulação só importava que fossem válidas logicamente, ou seja, no pensamento
formal; que partia de princípios estabelecidos e dogmáticos.
Em um processo de transição, e não uma ruptura radical, a partir do século XVI,
propriamente, na Europa, uma nova ciência propõe um modelo, que valoriza a observação e
o método experimental, unindo a ciência e a técnica, que conseguiu articular o método de

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A palavra scientia, derivada do latim, significa conhecimento
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observação e experimentação com o uso de instrumentos técnicos (sobretudo o telescópio e


o microscópio).
Essa nova ciência, deu os primeiros passos para a sua existência como instituição do
conhecimento humano, separada dos campos tradicionais da filosofia, da religião e da
literatura, assumindo um papel preponderante no mundo vindouro; pois, a partir dos séculos
XVI a XVIII houve o desenvolvimento de novos procedimentos de investigação, e, também,
a descoberta de novos fenômenos e novas teorias capazes de explicá-los.
A partir do século XVI, especialmente, o ser humano começou a questionar como as
coisas funcionam, ao invés de apenas aceitá-las passivamente. E, com este tipo de
conhecimento, o homem começou a entender o porquê de vários fenômenos naturais, e,
assim a intervir cada vez mais nos acontecimentos ao nosso redor.
A ciência antiga não contava com o desenvolvimento da técnica, ou seja, com a criação
de dispositivos, por exemplo, como o telescópio e o microscópio, com a finalidade de melhor
realizar a observação e a descrição dos fenômenos.
Ciência Moderna
A partir do século XVI, com a ciência moderna, o conhecimento a ser adquirido passou
a contar com a linguagem matemática, que está implicada nas fórmulas que decodificam os
fenômenos naturais, e a relação com a técnica, ou a produção de aparelhos tecnológicos
capazes de manipular a natureza.
Os pioneiros dessa nova ciência tinham a crença e ambição na capacidade humana de
compreender, construir e manipular o mundo, por exemplo, com o domínio científico da
natureza se prometia resolver o problema da escassez de alimentos e o domínio das
calamidades naturais.
A ciência moderna não resultou de um progresso da observação; mas de uma
predominância da razão sobre os fatos da experiência. Ela implica um afastamento prévio da
realidade empiricamente conhecida para substitui-la por modelos matemáticos.
Galileu Galilei (1564-1642) é considerado por muitos o pai da ciência moderna por
suas grandes descobertas, ideias e invenções; e, sobretudo, pela elaboração de um método:
o modelo mecanicista, experimentalista e matemático que teve influência em todas as
ciências.
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I. 1. Ciência
A) Noções gerais
A ciência é o conjunto de procedimentos e metodologias, adotado convencionalmente
por uma comunidade concreta de pesquisadores, numa época determinada, com o qual se
pretende alcançar um conhecimento rigoroso e controlado de fenômenos naturais
observáveis, seja direta ou indiretamente.
A ciência, assim como a filosofia, tem por objetivo fundamental conhecer a verdade.
O que distingue, grosso modo, essas duas formas de saber é que a primeira adota uma
perspectiva particular, isto é, busca explicações sobre um conjunto específico de fenômenos
— considera a realidade, não em sua totalidade, mas setorialmente — à luz de outros
conhecimentos particulares, ao passo que a segunda pretende explicar a mesma realidade de
uma perspectiva global, buscando suas causas primeiras e universais. Nesse sentido, a
ciência natural se divide em múltiplas disciplinas subalternas (física, química, biologia etc.),
cada uma das quais, fazendo um “recorte” do mundo, o considera do seu próprio ponto de
vista, deixando de lado aqueles aspectos que não lhe interessam e que podem ser estudados
por outra disciplina. Assim, por exemplo, a física se ocupa das leis a que todos os corpos
estão sujeitos, enquanto a biologia escolhe, dentro deste universo de objetos, apenas aqueles
que, além de serem realidades físicas, são também realidades vivas ou orgânicas. Já a
filosofia natural, por outro lado, busca “explicações que se refiram ao ‘ser’ e aos ‘modos de
ser’, das entidades e processos naturais” em geral, ou seja, não está interessada, por exemplo,
em saber quais são os componentes de uma célula nem as funções que nela desempenham,
mas em compreender o que é, no fundo, isto que chamamos de vida e que atribuímos, de
forma espontânea e irrefletida, às plantas e aos animais.
Trata-se de perspectivas autônomas, mas intimamente relacionadas: a filosofia deve
levar em conta o que a ciência pode dizer sobre o mundo, sob o risco de se tornar uma
especulação vazia, “de escrivaninha”; a ciência, por sua vez, seria impossível sem um aporte
mínimo de conhecimentos filosóficos, na medida em que toda concepção de ciência e do
método que a caracteriza baseia-se em pressupostos filosóficos, os quais nem sempre são
explícitos. Uma concepção puramente instrumentalista da ciência, por exemplo, supõe uma
tomada prévia de posição com relação a um problema filosófico (neste caso, epistemológico)
de capital importância para a ciência: pode o ser humano conhecer de fato o mundo que o
rodeia ou, pelo contrário, tudo o que nos dizem as ciências se reduz a modelos meramente
preditivos, que nada afirmam sobre como realmente são as coisas?
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Outra característica que a distingue da filosofia é que, embora ambas aspirem a


conhecer o mundo, a ciência é uma forma “autolimitada” de conhecimento. Isto significa
que a ciência, tanto por seu objeto (que, como dissemos, é um setor bem delimitado dos
fenômenos naturais observáveis) quanto por seu método, não pode alcançar senão um
conhecimento parcial, limitado e, além disso, provisório. Isso não significa que os
conhecimentos científicos que hoje possuímos careçam de consistência ou que não passem
de hipóteses injustificadas; significa, ao contrário, que estes conhecimentos, de um lado, têm
um campo restrito de abrangência (ou seja, explicam uma parte da realidade sob uma ótica
determinada) e, de outro, estão limitados pela própria natureza da metodologia científica,
que não pode chegar a formular leis e princípios universais de forma absoluta, mas apenas
hipotética, quer dizer, levando em conta a possibilidade de que se constatem no futuro novos
fenômenos que exijam uma reformulação — que pode ser mais ou menos radical — das
teorias atualmente aceitas.
A física, por exemplo, está por definição limitada àqueles fenômenos que podemos
observar e medir, quer a olho nu, quer por meio de sofisticados instrumentos. Ora, isso
implica que as pesquisas físicas têm muito a nos dizer sobre aquelas realidades suscetíveis
de observação e medição; mas escapa totalmente ao seu escopo e possibilidades determinar
se há ou não algo além dessas realidades. Além disso, mesmo dentro do domínio do
observável, o que a física pode conhecer tem sempre um caráter mais ou menos provisório,
já que nada impede que mesmo as nossas melhores e mais bem corroboradas teorias sejam,
num futuro talvez ainda distante, substituídas por explicações mais finas e ajustadas a novas
observações.
B) Algumas características
Objetividade e explicação. A objetividade supõe investigar o objeto com fundamento
nas evidências que ele fornece, disponíveis a qualquer observador, e não em crenças ou
impressões pessoais. Sem objetividade, a ciência perde seu caráter único e especial, frente a
outras formas de saber e ver o mundo como, por exemplo, a experiência subjetiva, a
impressão artística etc. Não haveria ciência sem objetividade. No entanto, a objetividade,
por si só, tem pouca importância. O objetivo básico da ciência é a explicação de fenômenos
naturais, e não apenas ser “objetiva”. A objetividade é importante, porque pode auxiliar a
fornecer explicações mais exatas dos fenômenos naturais. A explicação nas ciências naturais
consiste em mostrar como os objetos estudados estão proporcionados (relacionados) uns em
relação aos outros sob certa medida, condição, frequência, etc. Ser apenas objetivo não
significa ser científico. Um procedimento pode ser altamente objetivo e conter observações
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enganosas e conclusões falsas, que dependem mais do sujeito investigado que do objeto
investigado.
Objetividade não significa importância. Uma pessoa pode ser muitíssima objetiva
com problemas mais triviais do que com problemas mais importantes. Podemos, por
exemplo, estudar a relação entre o número de carteiras nas classes e o aproveitamento verbal
das crianças. Tanto o número de carteiras quanto o aproveitamento verbal podem ser
medidos com muita objetividade. Mas e daí? A objetividade, entretanto, é uma característica
indispensável e inseparável da ciência e da pesquisa científica.
A abstração e a ciência. A ciência investiga o objeto na sua generalidade (seu
potencial de abranger vários fenômenos), substituindo coisas concretas por modelos ou tipos
ideais. A abstração, parte do poder da ciência, está sempre distante das preocupações comuns
e do calor do relacionamento humano. Isto por definição; é parte da natureza da ciência. Sem
tal abstração, não há ciência. O mesmo quanto a objetividade, que também tende a fazer a
ciência parecer fria e distante. Parece distante e fria porque os testes das proposições
científicas são feitos "lá fora", o mais longe possível das pessoas e suas emoções, desejos,
valores e atitudes, incluindo os do próprio cientista. Mas é isto precisamente o que deve ser
feito. Deve-se obedecer ao cânone da objetividade, ou abandonar a ciência.

C) Visão comum
(fonte Silvio Seno Chibeni, O que é Ciência)
https://www.unicamp.br/~chibeni/textosdidaticos/ciencia.pdf)
A visão comum da ciência tem três pressuposições centrais:
(i) a ciência começa por observações;
(ii) as observações são neutras;
(iii) processo de indução, as leis científicas são extraídas do conjunto das observações
supor um processo supostamente seguro e objetivo, chamado indução.
O processo de indução consiste na obtenção de proposições gerais (como as leis
científicas) a partir de proposições particulares (como os relatos observacionais). Servindo-
nos de uma ilustração simples, a lei segundo a qual todo papel é combustível seria, segundo
a visão que estamos apresentando, obtida de modo seguro de um certo número de
observações de pedaços de papel que se queimam. A lei representa, pois, uma generalização
da experiência. O processo inverso, de extração de proposições particulares de uma lei geral,
assumida como verdadeira, cai no domínio da lógica, sendo um caso de dedução.
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D) Quatro aspectos consensuais da natureza da Ciência.

(1°) A ciência é mutável, dinâmica e tem como objetivo buscar explicar os fenômenos
naturais; e, vale enfatizar, que dentro dos fenômenos naturais, se inclui o homem como ser
que tem uma natureza!
A ciência não é um conhecimento definitivo. A ciência, em constante transformação,
tem sempre o objetivo de compor modelos explicativos para os fenômenos do mundo
natural. Nega-se, portanto, a visão de que a ciência é um conjunto de verdades absolutas a
serem aceitas cegamente. Pelo contrário, por ser conhecimento em contínua mudança, ela
está sempre se reformando internamente, revendo seus modelos e bases, o que implica que
nossa própria percepção dela também muda com o tempo.
(2°) Não existe um método científico universal. Há um consenso muito amplo a
respeito deste aspecto da natureza da Ciência. Ao contrário das visões de senso comum sobre
o método científico, os pesquisadores na área concordam que não existe um conjunto de
regras universais a serem seguidas para fazer Ciência. As metodologias podem ser variadas
e os resultados também, abrindo margem para os desacordos. Isso implica dizer que um
mesmo fenômeno pode ser estudado, e, ainda, compreendido de modos distintos. Todos
podendo ser coerentes dentro dos limites de validade dos métodos e concepções empregados
para estudá-lo.
(3°) A Ciência é influenciada pelo contexto social, cultural, político etc., no qual ela
é construída. Este aspecto evidencia a não neutralidade da Ciência e do pensamento
científico, isto é, nenhuma ideia científica ou cientista está envolta numa redoma
intransponível; pelo contrário, suas concepções, as questões da época, o local em que vivem
e as influências que sofrem podem desempenhar um papel importante na aceitação, rejeição
e desenvolvimento das ideias da Ciência. Embora a influência de fatores externos na Ciência
seja um tópico consensual, há um dissenso em relação à natureza e à força destes (...).
(4°) Os cientistas utilizam imaginação, crenças pessoais, influências externas, entre
outros para fazer Ciência. No senso comum, há uma noção de que o cientista está alheio ao
mundo ao redor, fazendo uma Ciência neutra e livre de influências. Entretanto, a análise da
construção da Ciência revela uma característica de todo cientista: eles são seres humanos
comuns, por isso, cometem erros, utilizam de suas crenças e expectativas para elaborar e
legitimar suas ideias, têm qualidades e defeitos etc. Isto nos leva a concluir que não há um
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modelo único de cientista; cada um se faz dentro de seu próprio contexto. O cientista de hoje
certamente não é o mesmo de ontem, e isso não necessariamente significa que o primeiro
seja melhor que o último, apenas que pertencem a contextos diferentes.
(fonte; Breno Arsioli Moura. O que é natureza da Ciência e qual sua relação com a História e
Filosofia da Ciência? Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 32-46,
jan - jun 2014)

E) Uma definição de Ciência.

Definir o que se entende por Ciência não é tarefa das mais fáceis. O termo foi e
continua sendo muito debatido por diversos pensadores de variados lugares e épocas. Uma
forma de tentar chegar a um conceito, portanto, é olhar para a ciência a partir da ideia do que
ela não é. Desse modo, podemos dizer que a ciência não é:
(i) a ciência não é uma crença inquestionável;
(ii) a ciência não é um argumento de autoridade;
(iii) a ciência não é o senso comum, ou seja, saberes adquiridos e transmitidos
socialmente – pelas nossas experiências de vida – que oferecem respostas prontas para
questões corriqueiras e frequentes no nosso dia a dia.
Dito isso, portanto, podemos tentar estabelecer uma definição nossa de ciência como
uma explicação possível de ser testada, racionalmente válida e justificável, que possa ser
replicada, e obtida por meio de estudos, observações e experimentações feitas sobre a
afirmação ou o objeto estudado. (fonte: https://www.politize.com.br/o-que-e-ciencia/)
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I. 2. Conhecimento factual e formal


(https://conceitos.com/ciências-factuais/)
O conhecimento científico está dividido normalmente em dois grandes blocos: as
ciências factuais e as ciências formais.
As ciências factuais se referem aos fatos empíricos.
As ciências formais são todas as disciplinas de tipo abstrato que não tratam dos fatos,
como a Matemática e a Lógica.
Ciências factuais. A Biologia, por exemplo, estuda a estrutura simples da matéria (a
célula) e a forma como esta unidade básica se desenvolve para formar organismos vivos. A
História se refere a algo concreto, ao conjunto de fatos históricos. A Química está focada
nos mecanismos moleculares que constituem a realidade.
A Biologia, a História, a Química, a Psicologia e a Geologia são disciplinas factuais
ou empíricas, pois todas elas estudam fatos ou dados concretos. A Psicologia estuda o
comportamento humano. A Geologia descreve os fenômenos que ocorrem nas diversas
camadas terrestres. Consequentemente, estas disciplinas são factuais porque seu objeto de
estudo é algo concreto, objetivo e mensurável. Possuem como referência algum tipo de
fenômeno real. Em outras palavras, os seres humanos, os animais e as moléculas são
realidades observáveis. Os fenômenos reais podem ser explicados, previstos, classificados
ou descobertos. Neste sentido, as ciências factuais estão sempre relacionadas à experiência.
Ciências formais. A Matemática, por exemplo, onde um fórmula matemática tem
validade independentemente da experiência. No entanto, toda fórmula matemática pode ser
aplicada a fenômenos reais. Um raciocínio lógico é um conjunto de axiomas e sinais que não
têm nada a ver com a realidade material ou com a dimensão temporal dos acontecimentos,
pois é uma estrutura formal que pode ser projetada sobre todo tipo de realidade.
As ciências formais (Matemática, Lógica) são aplicáveis ao mundo empírico e,
paralelamente, o empírico é explicável através de uma linguagem formal.
As hipóteses matemáticas são testadas a partir de demonstrações, enquanto as
hipóteses de qualquer disciplina factual são testadas a partir de algum dado empírico. O
critério de verdade da matemática é a evidência numérica ou quantitativa, a coerência interna
de um raciocínio ou teorema; já o critério de verdade de uma ciência empírica se baseia na
evidência dos fatos.
Enfim, nas ciências formais os raciocínios são demonstrados (por exemplo, o teorema
de Pitágoras) e nas ciências factuais as leis são confrontadas com parte da realidade, por
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exemplo, as leis da herança genética são aplicadas ao conjunto de organismos vivos. (fonte:

João Carlos Holland de Barcellos, Ciência Expandida http://www.genismo.com/logicatexto25.htm)

O conhecimento empírico segue dois postulados básicos da Ciência: a compatibilidade


com os fatos e de que o Universo é lógico.

(i) a compatibilidade com os fatos.


A verdade, em ciência, pode ser definida como: “toda informação compatível com a
realidade”. O termo “compatibilidade com a realidade”, nessa definição de verdade, deve ser
entendido como “estar de acordo com os fatos”, e nunca em contradição com eles. Dessa
forma “a compatibilidade com os fatos” fornece o caráter empírico da ciência, pois atrela a
verdade científica à realidade dos fatos.
(ii) o Universo é lógico.
Devemos também tomar como postulado científico que o nosso Universo seja lógico,
isto é, o Universo - definido como o conjunto de tudo o que existe – não apresenta
contradições lógicas entre seus elementos e/ou suas leis e deve, portanto, obedecer à lógica
clássica (aristotélica). Tal suposição é importante porque, primeiro, nunca se constatou um
único caso de evento ilógico no universo. Segundo, porque se permitíssemos a contradição,
a ciência seria “trivializada”, isto é, toda e qualquer tipo de afirmação, por mais absurda que
fosse, seria verdadeira, já que um sistema lógico com premissas incompatíveis implica,
necessariamente, que toda proposição seja verdadeira.

I. 3. Não Ciência.
O conhecimento científico é definido como uma aproximação crítica à realidade
baseada no Método Científico, que é um conjunto de passos ordenados, consistentes em (i)
observação sistemática; (ii) medição; (iii) experimentação; (iv) análise e (v) formulação das
hipóteses. E, ainda, está sustentado por dois pilares fundamentais: a reprodutibilidade e a
refutabilidade.
Não se pode considerar a Ciência como algo objetivo. Porque o Método Científico
consiste em um conjunto de práticas acordadas pela comunidade científica. Trata-se de um
acordo sobre o modo válido de estabelecer o conhecimento, que não é o mesmo que a
verdade. Assim, a Ciência é, portanto, um conjunto de teorias, que ainda não foram
refutadas; mas além disso, o Método Científico não é a única aproximação possível ao
conhecimento. O Método Científico é somente uma delas. Temos, por exemplo, o
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conhecimento filosófico, o empírico, o intuitivo, o religioso, o declarativo ou o


procedimental.
Repetindo. Apesar de o conhecimento científico ser importante, está longe de ser o
único tipo de conhecimento. Não se pode cair na tendência ao reducionismo científico - isto
é, à ideia de que a explicação de todos os fenômenos do mundo poderia se reduzir ao âmbito
da ciência – que tem como raiz em uma ideia sobre a ciência que começa na modernidade,
especialmente a partir do século XIX.
Existem ferramentas de obtenção de conhecimento que não são ciência, mas ainda
assim podem ser bastante válidas como formas de conhecimento.
Por exemplo, quando um professor está aplicando uma prova para avaliar os alunos. Ele está
usando um instrumento para medir o conhecimento dos alunos. Esse instrumento, frequentemente,
não segue o rigor necessário para ser usado em um experimento científico. Sabem-se como as provas
nas escolas são imperfeitas para avaliar os alunos. Ainda assim, as provas têm sua utilidade. Desde
que as provas e as notas não estejam sendo apresentadas como algo realmente científico, não seria
uma pseudociência. Um cientista pode até usar dados como notas dos alunos em seus estudos, mas
daí ele terá de fazer análises extras e ajustes para ver se esses dados podem ser considerados válidos
o suficiente para uma pesquisa científica.
Se você parar para pensar, muitas das coisas que conhece do mundo não são conhecimento
científico; mas ainda podem ser verdadeiras e úteis.
Um conhecimento sobre qual o melhor ônibus para se pegar para ir ao trabalho, por exemplo.
Não faremos um experimento científico para saber disso. Pode-se pesquisar na internet, perguntar
para o vizinho, ficar tentando diversos ônibus diferentes para chegar a alguma conclusão, ou algo do
tipo. Esse conhecimento não seria científico. Tem muito conhecimento que é empírico (baseado na
nossa interação com o mundo) ou senso comum.
A ciência muitas vezes não vai se preocupar em provar cientificamente algo que é óbvio. Por
exemplo, “provar que açúcar é doce”. Ou quando um estudo científico, embora siga o método
científico, não tem relevância, porque está apenas concluindo o óbvio.
A ciência normalmente só vai se dedicar a estudar o "óbvio", quando existirem evidências que
nos façam com pensar que, talvez, o óbvio não seja tão óbvio assim. Por exemplo, antigamente as
pessoas achavam óbvio que a Terra era o centro do universo. Mas, aos poucos, foram aparecendo
evidências que não confirmavam essa percepção; e, então, a ciência foi verificar se a Terra é mesmo
o centro do universo ou não.
A não ciência está relacionada a outros tipos de conhecimentos, que são obtidos através de
outros processos e não pelo método científico. Por exemplo, pelo conhecimento empírico, pelo
conhecimento filosófico, ou pelo conhecimento teológico. Que podem ser melhores ou piores, que
podem ter vantagens e desvantagens, apenas não são científicos. (fonte: autor: W. Shibya; site “Quora”).
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I. 4. Pseudociência
Não há linha clara que separe Ciência da Pseudociência, diz o professor de história da
ciência da Universidade de Princeton, Michael D. Gordin, em seu livro (On the Fringe.
Where Science Meets Pseudoscience) publicado pela Universidade de Oxford, em 2021.
A palavra pseudociência é usada para empregar algo que parece ciência, mas é uma
coisa falsa, enganosa, ou não provada. Muitos consideram que cabe dentro dessa categoria
a Astrologia, a Alquimia, a Frenologia, a Eugenia, o Criacionismo, a Ufologia etc.
Definir o que torna falsos esses campos de conhecimento, acima citados, é um tema
complexo. Tem-se visto como algo impossível chegar a um simples critério que nos permita
diferenciar a pseudociência de uma ciência genuína, autêntica.
Muitas vezes, as pessoas designam uma doutrina pseudociência não tanto devido ao
que, mas ao quando era. Por exemplo, a Astrologia:
A Astrologia é de longe a doutrina mais antiga sobre a natureza e
encabeça a lista de muitas pessoas quando solicitadas a nomear uma
pseudociência. Tanto a longevidade quanto a onipresença da astrologia podem
obscurecer em vez de revelar. Em sua forma mais geral, podemos definir a
Astrologia como a crença de que as posições dos corpos celestes têm efeitos na
Terra, colocada dessa forma, não apenas a crença é bastante inofensiva, como
também é verdadeira. a posição do sol no céu corresponde não apenas à
temperatura, mas também às estações, e - embora o mecanismo não tenha sido
bem compreendido até a virada do século XVIII - a lua obviamente afeta as
marés. Muito disso é observação básica. A partir daí, foi um curto salto para
incluir planetas e estrelas fixas... (On the fringes, p.16-17).

A Astrologia começou a cair em desuso durante o século XVII, em parte relacionado


ao desenvolvimento do sistema heliocêntrico. No final do século XVIII, a ciência chamada
Astrologia havia praticamente desaparecido, substituída por uma astronomia posicional
fundamentada na mecânica newtoniana. Não houve nenhuma arma fumegante que a
desacreditasse. A Astrologia simplesmente desapareceu das discussões eruditas em toda a
Europa.
Para as instituições científicas práticas, movimentos que se enquadram na categoria
das "pseudociências" são as doutrinas baseadas em fundamentos que seus adeptos
consideram científicas e, a partir daí, criam uma corrente que se afasta do que é normalmente
aceito pelo mundo acadêmico.
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Quando se aborda o tema de pseudociência tem-se de considerar que a ciência tem


muitos métodos e não um único método. Por exemplo, os geólogos fazem seu trabalho de
forma muito diferente dos físicos teóricos, e os biólogos moleculares dos neurocientistas.
Alguns cientistas trabalham no campo, observando o que acontece. Outros trabalham em
laboratório, sob condições controladas; outros fazem simulações; ou seja, a ciência tem
muitos métodos que são heterogêneos.
A ciência é dinâmica, e esse dinamismo dificulta a definição dessa linha de
demarcação entre ciência e pseudociência. Podemos tomar um exemplo concreto e dizer que
se trata de ciência ou de pseudociência. É fácil com um exemplo concreto, como vimos, com
a Astrologia que antes foi ciência, mas agora se considera pseudociência com o avanço do
conhecimento científico.
Repetindo. A linha de demarcação não é consistente e, quando se observam uma maior
quantidade de casos, haverá coisas que antes eram consideradas ciência e agora são
consideradas pseudociências, como a Astrologia. Existem temas como a deriva dos
continentes, que inicialmente era considerada uma teoria marginal e agora é uma teoria
básica da geofísica. Quase tudo o que hoje se considera pseudociência já foi ciência no
passado, que foi refutada com o passar do tempo e os que continuam a apoiá-la são
considerados lunáticos ou charlatães. Ou seja, a definição do que é ciência ou pseudociência
é dinâmica ao longo do tempo. Esta é uma das razões da dificuldade desse julgamento.
Seria genial afirmar que usar a matemática e apresentar gráficos é
ciência, mas a realidade é que quase todas as doutrinas marginais usam a
matemática de alguma forma. (Michael D. Gordin, entrevista na BBC News Brasil por
Carlos Serrano, 12/12/2021)

Segundo o historiador da ciência, Michael D. Gordin, em uma entrevista na BBC News


Brasil, a questão é que muitas coisas que consideramos inovadoras provêm dos limites do
conhecimento ortodoxo. O que quero dizer, afirma esse historiador, são basicamente três
pontos: primeiro, que não existe uma linha divisória clara; segundo, distinguir o que fica
de cada lado da linha de demarcação exige a compreensão do contexto; e, terceiro, que o
processo normal da ciência produz doutrinas marginais.
Não podemos descartar essas doutrinas, pois elas são inevitáveis. Elas são um produto
derivado da forma como as ciências funcionam. (...) Devemos observar as pseudociências
como algo inevitável e abordá-las de forma pragmática. Temos uma quantidade de recursos
limitado e precisamos escolher quais doutrinas podem causar danos e como enfrentá-las.
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Enfim, o conhecimento científico não é um repositório fixo de informações, como uma


prateleira de livros que enchem paredes de uma biblioteca. Ao contrário, uma das
propriedades mais notáveis da ciência é o seu tremendo dinamismo. Nenhuma compreensão
da ciência é razoável se não reconhece essa evolução, mesmo revolucionária, qualidade que
conta o conhecimento científico. (...) No futuro, haverá muitas doutrinas que serão
consideradas pseudociências, simplesmente porque existem muitas coisas que ainda não
entendemos. Existem muitas coisas que não entendemos sobre o cérebro ou o meio ambiente.
No futuro, as pessoas olharão para muitas teorias e dirão que estão erradas. Não é suficiente
que uma teoria seja incorreta para que seja considerada pseudociência. É necessário que
existam pessoas que acreditem que ela é correta, mesmo que o consenso afirme que se trata
de um equívoco e que as instituições científicas considerem que, por alguma razão, ela é
perigosa.
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PERGUNTAS SOBRE CONHECIMENTO CIENTÍFICO


(fonte: https://blog.mettzer.com/conhecimento-cientifico/)

1. O que é o conhecimento científico?


2. O conhecimento científico é diferente do conhecimento empírico?
3. A Ciência não é um argumento de autoridade?
4. A Ciência não é uma crença inquestionável?

RESPOSTAS
1. O que é o conhecimento científico?
A palavra ciência vem do latim e significa conhecimento. A ciência representa todos os
conhecimentos obtidos a partir de estudos e práticas, para encontrar solução de algum
problema. Para ser científico, o conhecimento deve ser validado e demonstrado através de
investigações e experimentações. O conhecimento científico é, portanto, aquele que é
passível de teste, racionalmente válido e justificável e que pode ser replicado e alcançado
através de estudos, observações e experimentações.

2. O conhecimento científico é diferente do conhecimento empírico?


O conhecimento empírico é o conjunto de saberes adquiridos e transmitidos no cotidiano,
que depende das experiências de vida e oferece respostas às questões frequentes do dia a dia.
É um saber transferido de geração em geração. Aquilo que você aprende na prática, através
de repetição. Por exemplo, colocar um pedacinho de algodão na testa do bebê para fazer
parar o soluço. É um conhecimento que a avó passa para a mãe e se espalha por toda família.
A avó, com certeza, aprendeu com a sua avó e aí por diante. Esse é um saber empírico, pois
não existe comprovação científica – nem mesmo pesquisa – que garante que utilizar o
algodão realmente resolve.

3. A Ciência não é um argumento de autoridade?


Para ser um conhecimento científico não basta que tenha sido falado por um cientista
reconhecido. Precisa ser comprovado cientificamente. Por exemplo, não bastou que Einstein
tenha falado sobre a Teoria da Relatividade para que ela fosse considerada científica. Ele
precisou comprová-la a partir de um método. Isto é, a ciência não é importante porque foi
dita por determinadas pessoas que são reconhecidas e consideradas importantes: - isso é um
mero argumento de autoridade -, mas porque é comprovada a partir de um método científico.

4. A Ciência não é uma crença inquestionável?


Essa é a grande diferença entre Ciência e Religião. Enquanto a Religião se baseia em um
dogma que é aceito pela fé e inquestionavelmente aceito, toda afirmação científica deve ser
fundamentada e passível de testes. Você pode comprar cientificamente a eficácia da
penicilina para tratar infecções bacterianas, mas você não pode comprovar a existência do
céu e do inferno.
16

II. Método Científico


“Uma publicação científica pode ser comparada a um pequeno tijolo que
depositamos na imensa parede da Ciência. É a nossa pequena contribuição ao
conhecimento da humanidade. Mas para que este tijolo se encaixe nos demais,
seja assimilado por todos e passe a fazer parte da parede, ele precisa ter uma
forma apropriada. A Metodologia Científica se encarrega de dar à pesquisa
todos os requisitos necessários para que ela seja reconhecida como científica.”
Prof. Dr. Paulo C. Razuk

Em continuação à frase acima: A Metodologia Científica se encarrega de dar à


pesquisa todos os requisitos necessários para que ela seja reconhecida como científica...
Apresento no sentido de um melhor esclarecimento, o pensamento de Gilson Volpato, em
seu livro “Publicação Científica”, sobre a relação entre o Método Científico e o
conhecimento científico:
O conhecimento científico é o arcabouço teórico que o cientista usa para responder
indagações e resolver problemas. Por exemplo, se apresentarmos certos sintomas de doença,
o diagnóstico vem da consulta a esse arcabouço de conhecimento, o que pode levar às
sugestões de cura. Quaisquer outros problemas que requeiram solução científica passam pelo
mesmo processo. Denominamos de conhecimento científico esse arcabouço teórico, mas os
nossos problemas não são resolvidos apenas com conhecimentos científicos, o que nos
impulsiona a melhorar esse conceito.
Então o que é exatamente conhecimento científico? Ele seria apenas o todo e qualquer
conhecimento obtido pelos vieses da Metodologia Científica? Certamente isso é necessário.
Porém, defendo que não é o suficiente. Minha sugestão adota uma perspectiva temporal:
“Conhecimento científico é aquele aceito por parcela significativa da comunidade
científica” (definição realista e não idealista. Trata-se do que ocorre na prática, e não do que
necessariamente do que gostaríamos que ocorresse...).
Nesse sentido o uso do método científico passa a ser um meio facilitador para que esse
conhecimento seja reconhecido e aceito, no mínimo, pelos principais cientistas da
especialidade. Afinal, essa metodologia reúne os critérios mínimos que essa sociedade
aprova e defende na ciência. Além disso, a publicação é o meio necessário para se pleitear
que o conhecimento produzido seja considerado científico.
A história da ciência contém vários exemplos de conhecimentos que, embora
produzidos por cientistas e pelo método científico, demoraram anos para serem aceitos pela
17

comunidade científica. Isso mostra que o método científico não é suficiente para convencer
os cientistas. Mais ainda, que a ciência mantém vivos apenas os conhecimentos aceitos no
momento, aos quais denomino de conhecimento científico.
Nesse contexto, a publicação científica é elemento necessário, mas não suficiente, para
produção de conhecimento científico. Notem que vários estudos publicados permanecem no
anonimato. Isso ocorre porque o cientista não teve clareza e robustez suficiente para
convencer outros cientistas. O fato de que alguns conhecimentos possam ser negados no
presente e aceitos no futuro, no entanto, é mais exceção do que regra. As bibliotecas e a
Internet estão abarrotadas de publicações que não são e nunca serão usadas pela comunidade
científica. E a principal causa disso não é a pesquisa equivocada, mas principalmente a
publicação inadequada ou a redação precária dos artigos.
Em resumo, devemos publicar para que o conhecimento produzido tenha chance de
ser reconhecido pela comunidade científica como solução válida para o problema
investigado. Em outras palavras, a publicação é um meio que pode tornar nossas ideias parte
do conhecimento científico da época. O quanto durará, no entanto, não saberemos... Esse é
um dos desafios estimulantes do fazer ciência. (Gilson Volpato. Publicação Científica. 3ª Ed.,
Cultura Acadêmica, São Paulo, 2008, p. 13-17)
Para Asimov: “a vitória da ciência moderna não foi completa até que estabeleceu um
princípio mais essencial, o intercâmbio de informações livre e cooperador entre todos os
cientistas. Apesar de que esta necessidade nos parece agora evidente, não o era tanto para
os filósofos da Antiguidade e para os dos tempos medievais. Os pitagóricos da Grécia
formavam uma sociedade secreta, que guardava zelosamente para si os descobrimentos
matemáticos. Os alquimistas da Idade Média faziam deliberadamente confusos seus escritos
para manter seus achados no interior do menor círculo reduzido possível. No século XVI, o
matemático Niclolas Tartaglia, que descobriu um método para resolver equações de
terceiro grau, não considerou inconveniente tratar de manter o seu segredo. Quando
Jerônimo Cardano, um jovem matemático, descobriu o segredo de Tartaglia e o publicou
como próprio, Tartaglia naturalmente, sentiu-se ultrajado, mas à parte a traição, agiu de
forma correta reconhecendo que um descobrimento desse tipo tinha de ser publicado.
Hoje, nenhuma descoberta científica é considerada como tal se for mantida em
segredo. O químico inglês Robert Boyle, um século depois de Tartaglia e Cardano, enfatizou
a importância de publicar todas as observações científicas com o máximo de detalhes. Além
disso, uma nova observação ou descoberta não tem realmente validade, mesmo que tenha
18

sido publicada, até que pelo menos outro pesquisador tenha repetido e "confirmado" a
observação.
Hoje, a ciência não é produto de indivíduos isolados, mas da "comunidade científica".
Um dos primeiros grupos, e sem dúvida o mais famoso, a representar essa comunidade
científica foi a "Sociedade Real de Londres para o Desenvolvimento do Conhecimento
Natural", conhecido em todo o mundo, simplesmente, pela “Royal Society”.
A “Royal Society” nasceu em 1645, de reuniões informais de um grupo de cavalheiros
interessados nos novos métodos científicos introduzidos por Galileu. Em 1660, a
"Sociedade" foi formalmente reconhecida pelo rei Carlos II da Inglaterra. Os membros da
"Royal Society" se reuniram para discutir abertamente suas descobertas. Eles escreveram
artigos, mais em inglês do que em latim, e eles continuaram com seus experimentos. No
entanto, eles permaneceram na defensiva até o século XVII. A atitude de muitos de seus
contemporâneos eruditos poderia ser representada com uma gravura mostrando as figuras
sublimes de Pitágoras, Euclides e Aristóteles olhando orgulhosamente de cima para baixo,
algumas crianças jogando bolinhas de gude e cujo título era: "A Sociedade Real". Essa
mentalidade mudou graças ao trabalho de Isaac Newton, que foi nomeado membro da
«Sociedade».
O método científico não é uma crença, mas se baseia em uma crença: a crença de que
podemos compreender a Natureza. Para compreender a Natureza, é essencial a observação
da Natureza, e é isso que o Método científico faz. Não é só se sentar em um banco da praça
e olhar a natureza passar. É observar com método. Quantas pessoas vêm da direita para a
esquerda? E vice-versa? Isso muda durante o dia? Dos que se sentam nos bancos, quantos
vêm de um lado e retornam para o mesmo lado? E a faixa etária de quem passa na praça,
qual é? A que horas vemos mais adolescentes? E a que horas os velhos aparecem? Diferentes
fenômenos meteorológicos (chuva, calor de rachar, neve, vento de agosto) têm efeito sobre
estes números?
Só fazemos estas observações porque achamos que, com isso, podemos compreender
alguma coisa sobre a praça e os humanos que a frequentam. Se achássemos que é alguma
coisa totalmente aleatória, ainda assim poderíamos fazer uma observação para refutar isso.
A ciência não se limita a observar a população de frequentadores da praça, queremos
entender mais. Queremos entender tudo: do movimento das galáxias, às maneiras que as
formigas fazem seus ninhos; desde a forma com a qual surgem novas espécies até a energia
necessária para separar um casalzinho de próton e nêutron; do tamanho do Universo ao
processo de fazer queijos, enfim, tudo.
19

II. OS DOIS PILARES DO MÉTODO CIENTÍFICO


Os dois pilares do método científico
O conjunto de regras com as quais a Ciência busca o conhecimento (informações
consideradas ‘verdadeiras’ ou altamente confiáveis) é reunido no que se costuma chamar de
“Método Científico”.
O método científico tem dois pilares fundamentais: reprodutibilidade e refutabilidade.
→ o primeiro pilar, a reprodutibilidade
Qualquer fato, que queira ser científico, deve ser reprodutível, isto é, ser possível
reproduzir. Qualquer observação que não possa ser reproduzida, por outros cientistas, não é
realmente um conceito científico.
A reprodutibilidade é importante porque é a única coisa que um pesquisador pode
garantir sobre uma pesquisa. Assim, se um experimento é repetido e não atende os resultados
esperados tem de ser revisada a teoria, pois seu resultado pode invalidar a hipótese de partida.
O método científico nos ajuda a distinguir os fatos científicos de fenômenos subjetivos.
No entanto, a Ciência Moderna às vezes fica em posições vulneráveis, como nas ciências da
saúde, onde muitos experimentos não são reproduzíveis devido às pessoas, ao meio ambiente
ou ao número de variáveis.
Além desse primeiro pilar, o da reprodutibilidade, tem-se de considerar a
refutabilidade, o segundo pilar.
→ o segundo pilar, a refutabilidade
Toda teoria científica deve ser refutável, capaz de ser refutada. Isto é, pode-se
descobrir que é falsa e, portanto, rejeitar a hipótese defendida.
Uma analogia
O Método Científico é, se me permitem, tão útil quanto o aplicativo Google
Maps/Waze. Um roteiro/manual para chegar ao destino a partir de um ponto de origem;
contudo é necessário que o usuário do aplicativo, no caso o pesquisador, tenha certas
qualidades: determinação, vontade de colocar os meios, condições financeiras, raciocínio
lógico (dedutivo, indutivo); e, ainda, ter tempo para poder se dedicar pacientemente sobre o
fenômeno observado com vontade de testá-lo/experimentá-lo; saber escolher o caminho
(vou de trem, de bicicleta, a nado, a pé, de carro, de avião, via drone etc.).
20

II. ETAPAS DO MÉTODO CIENTÍFICO

O Método Científico é um conceito que abrange três etapas:


(i) obtenção cuidadosa de um conhecimento;
(ii) justificação lógica /matemática desse conhecimento;
(iii) transmissão desse conhecimento.

A reprodutibilidade faz parte da transmissão; enquanto, a refutabilidade faz parte da


justificação lógica (falseabilidade) com destaque para o uso da matemática na justificação;
e o artigo científico faz parte da transmissão do conhecimento.
O artigo científico pode servir para qualquer uma das três etapas, pois o artigo pode
ser (i) uma descrição dos fenômenos (uma tabela com informações, uma descrição da
situação, testemunhos, relatórios de observação etc.); (ii) pode ser uma demonstração; (iii)
pode ser um texto com conclusões, previsões, hipóteses a serem desenvolvidas; (iv) ou pode
ser um texto introdutório àquele conhecimento, útil para aqueles interessados em adquiri-lo.
O método científico é o arcabouço teórico da investigação que, para ter forma
científica deve:
(i) enfocar um determinado problema explicitando-o de forma precisa e objetiva (tema
da pesquisa);
(ii) utilizar todos os conhecimentos válidos sobre o assunto (revisão da literatura) e
todo o instrumental disponível para a resolução do problema (material e técnicas);
(iii) propor hipóteses que sejam testáveis e que sejam relevantes;
(iv) conduzir um experimento que permita refutar ou não a hipótese proposta mediante
a coleta minuciosa de dados e análise adequada;
(v) inter-relacionar e discutir os resultados obtidos em face do que a literatura apresenta
e finalmente,
(vi) apresentar ao público o trabalho desenvolvido.
Para Isaac Asimov (1920-1992), escritor de ficção cientifica, as etapas do método
científico são uma versão ideal do método científico. Na prática, não é necessário que o
cientista passe pelas diferentes etapas como se fosse uma série de exercícios caligráficos, e
geralmente ele não o faz. Mais do que tudo, são fatores como intuição, sagacidade e sorte...
Que desempenham um papel predominante. A história da ciência está cheia de casos em
que um cientista, de repente, tem uma ideia brilhante baseada em dados insuficientes e
pouca ou nenhuma experimentação, alcançando assim uma verdade útil cuja descoberta
21

pode ter requerido anos através da aplicação direta e rigorosa do método científico. F. A.
Kekulé encontrou a estrutura do benzeno enquanto sonhava dormindo no ônibus. Otto Loewi
acordou no meio da noite com a solução do problema da condução sináptica. Donald Glaser
concebeu a ideia da câmara de bolhas para o estudo de partículas subatômicas enquanto
observava ociosamente o seu copo de cerveja.
Isso significa que, enfim, é tudo uma questão de sorte e não de intelecto? Não, não e
mil vezes não. “Esse tipo de “sorte” só ocorre nos melhores cérebros; somente naqueles
cuja “intuição” é a recompensa de longa experiência, compreensão profunda e pensamento
disciplinado”. (100 preguntas básicas sobre la ciencia. Isaac Asimov. 3ª Ed. cast.: Alianza Editorial,
S. A., Madrid, 1979, p. 10).
22

II. BREVES CONSIDERAÇÕES

II. 1 Raciocínio Lógico

Convém lembrar a diferença entre raciocínio e pensamento, porque são processos


mentais diferentes.
O pensar engloba toda a produção de pensamento que pode ser consciente ou
inconsciente; enquanto o raciocínio é limitado apenas à produção de pensamento consciente,
como por exemplo, a utilização da lógica.
O pensamento nem sempre é lógico e nem sempre é consciente.
O raciocínio lógico é uma organização ou estruturação de raciocínios que nos permite,
de acordo com determinadas normas, chegar a uma conclusão ou resolver um problema.
Há três tipos de raciocínio lógico ou três modos de raciocinar e de produzir
conhecimentos: o raciocínio Dedutivo (deduz), Indutivo (induz) e o Abdutivo (abduz).
Assim, temos três tipos de raciocínios lógicos: indução, dedução e abdução.

O raciocínio dedutivo.

O raciocínio dedutivo é o mais importante porque é a única lógica que alcança a


verdade. Entretanto, no mundo nem tudo pode ser deduzido, ou considerado verdade
absoluta, quando falamos da complexidade humana, da natureza, dos sentimentos, do
psicológico, da mente, do social, da cultura, da arte etc.
A lógica dedutiva busca analisar várias informações em busca de um único resultado,
partindo-se do geral para o específico. Por exemplo: temos que descobrir a cor de
determinado lápis que foi tirado da segunda gaveta de um armário. Na dedução, o raciocínio
parte da conclusão para chegar nos elementos particulares. Um exemplo: em uma casa é
encontrada uma pessoa morta (conclusão). Por dedução podemos identificar fatos que
levaram a ela ser morta, como a casa estar revirada, uma faca ensanguentada etc.
A dedução está relacionada ao pensamento analítico, também conhecido como
pensamento convergente. Que é o pensamento que busca analisar várias informações em
busca de convergir em direção a um único resultado, do geral para o específico. Este
raciocínio está relacionado ao viés da confiabilidade, porque acredita na estabilidade futura
e acredita que podemos prevê o futuro com base no passado.
23

O raciocínio dedutivo está relacionado a concluir algo a partir de informações que já


existem, portanto, a dedução não produz conhecimentos novos.
Exemplo. Todos os feijões daquela saca são brancos. Esses feijões são daquela saca.
Logo, esses feijões são brancos.

O raciocínio indutivo.

O raciocínio indutivo é aquele que se utiliza de fatos específicos para tentar provar
uma conclusão geral. É, basicamente, um método que se utiliza de verdades conhecidas até
o momento para criar uma regra geral que sirva para diversas situações. O raciocínio indutivo
é o processo inverso do dedutivo, parte do específico para o geral, embora também não
produza novos conhecimentos, a indução procura induzir o conhecimento já existente à uma
validação através de uma experimentação. Está relacionado ao método empírico que
significa obter conhecimento através dos cinco sentidos, que é a experimentação e a
observação, que tem como resultado uma possibilidade de ser verdade. A indução está
relacionada ao pensamento sintético, também conhecido como pensamento divergente, por
ser um pensamento que vai do específico para o geral. O raciocínio indutivo também está
relacionado ao pensamento intuitivo, que tenta prever o futuro com base em suas
experiências, por isso não produz conhecimentos novos. Este raciocínio está relacionado ao
viés da validez, porque sempre busca validar informações que já possui.
Exemplo. Esses feijões são daquela saca. Esses feijões são brancos. Logo, todos os
feijões daquela saca são brancos.

O raciocínio abdutivo

A abdução significa determinar a premissa. Exemplo. Todos os feijões daquela saca


são brancos. Esses feijões são brancos. Logo, esses feijões são daquela saca. É utilizado
quando não há informações suficientes para se chegar a uma conclusão, sendo necessário
formular uma hipótese plausível para explicar o fato observado. Outro exemplo: João está
com febre (conclusão), tosse e dor de cabeça (observação). Logo, João pode estar com gripe
(hipótese explicativa). A abdução consiste, assim, na adoção provisória de uma hipótese que
pode revelar seu desacordo com o fato, se desacordo houver. Enfim, a abdução faz uma mera
sugestão de que algo pode ser. A lógica da abdução é uma lógica da verdade procurada que
tem aplicação na prática jurídica. Associa-se este tipo de raciocínio aos médicos e detetives
etc.
24

A abdução possui caráter explicativo e intuitivo, procura concluir a melhor explicação,


também utilizando o seu conhecimento de fundo (repertório de conhecimento) e não a
melhor probabilidade matemática.
Exemplos práticos no dia a dia.
O interessante é que todos nós utilizamos o raciocínio abdutivo no nosso dia a dia.
Para ilustrar melhor, tem-se alguns exemplos:
Exemplo 1. Quando você vê algumas pegadas normais de uma pessoa na areia da praia,
a sua melhor conclusão é que essas pegadas são de uma pessoa normal andando sobre a areia
e não de duas pessoas abraçadas cada uma pisando com apenas um pé. Essa conclusão é uma
abdução e não uma dedução, porque torna inviável a comprovação e estudo detalhado para
chegar a uma conclusão, então nós utilizamos a que é mais provável.
Exemplo 2. Quando você olha para o telhado da casa do seu vizinho, com um campo
de visão limitado apenas a uma pequena parte do telhado, e percebe que o telhado está
molhado, e com isso, conclui que ontem à noite choveu. Você está usando a abdução para
chegar a melhor explicação desse fato, mas alguém poderia ter molhado o telhado do seu
vizinho.
Exemplo 3. Outro exemplo é você, de manhã ao acordar e ir para a cozinha, se depara
com uma louça suja na pia, você conclui que algum habitante da casa fez um lanche de
madrugada. Mas poderia ter sido um ladrão que, ao roubar a sua casa, aproveitou para fazer
um lanche. Por mais que essa não seja uma explicação plausível ela é possível. Mas sem
dúvidas a melhor explicação é a abdução feita anteriormente.
O raciocínio abdutivo é ampliativo, ele busca a validez; assim como a indução e busca
a melhor explicação possível; assim como a dedução busca a verdade. O interessante é que
a abdução é o único raciocínio que produz a criatividade e a inovação, por ser a única lógica
que introduz uma nova ideia.
Ao entender a falácia indutiva, que consiste em concluir a validez da confiabilidade,
percebemos que não é possível prever o futuro apenas olhando para o passado, sem ter como
validar o futuro até que ele chegue.
A abdução busca a validez, ao contrário de quem busca a confiabilidade, trata os
sucessos do passado como hipóteses a serem cuidadosamente testadas antes de usá-las para
gerar previsões que se esperam ser válidas.
Com isso, o raciocínio abdutivo não resulta em verdades absolutas que são
inquestionáveis, muito pelo contrário, busca novas ideias e conhecimentos que possam
validar algo. Ele não prova que algo é de algum jeito, apenas diz que é mais provável que
25

seja e busca a melhor explicação para isso. É também o único que projeta futuro, sem se
prender ao passado, é o único procedimento racional de aquisição de conhecimento;
enquanto o indutivo e o dedutivo servem para verificar ou comprovar a verdade de um
conhecimento já adquirido.

II. 2 Os caminhos para se aproximar da realidade e/ou verdade

As ideias básicas dos métodos científicos de pesquisa passaram a ser formalizadas pelo
pensador e filósofo francês René Descartes (1596-1650), e foi com o advento da ciência, a
partir do século XVII, que o conceito geral de método se consolida e populariza.
Na filosofia da ciência, muitos filósofos têm abordado o raciocínio lógico dedutivo e
indutivo. É importante observar que a maioria dos filósofos não se limita exclusivamente a
um tipo de raciocínio, pois ambos têm seu valor e são usados em diferentes contextos
científicos. No entanto, existem alguns filósofos que enfatizaram mais um tipo de raciocínio
do que o outro.
Aqui estão três exemplos de filósofos conhecidos por seguirem o raciocínio lógico
dedutivo: 1) René Descartes, que além de filósofo era matemático e defendia o uso do
raciocínio dedutivo como uma ferramenta fundamental para a obtenção de conhecimento
seguro e indubitável; 2) Gottfried Wilhelm Leibniz, conhecido por sua contribuição para a
lógica e a matemática, defendia a ideia de que todas as verdades poderiam ser alcançadas
por meio de um raciocínio dedutivo a partir de princípios fundamentais; 3) Baruch Spinoza,
que desenvolveu uma filosofia sistemática baseada na geometria euclidiana. Ele acreditava
que a verdade poderia ser obtida por meio do raciocínio dedutivo e da aplicação rigorosa de
princípios axiomáticos.
Aqui estão três exemplos de filósofos conhecidos por seguirem o raciocínio lógico
indutivo: 1) Francis Bacon, considerado um dos primeiros defensores do método indutivo
na ciência. Ele enfatizou a importância da observação cuidadosa, experimentação e
generalização indutiva na busca do conhecimento científico; 2) David Hume, que criticou
fortemente o raciocínio dedutivo como uma base segura para o conhecimento. Ele
argumentou que a indução, baseada na observação e na experiência, era a única maneira de
estabelecer inferências probabilísticas e leis causais; 3) John Stuart Mill, que defendeu o uso
do raciocínio indutivo como a base do método científico. Ele desenvolveu métodos para a
indução de leis gerais a partir de observações particulares e argumentou que a indução era
essencial para estabelecer conexões causais na ciência.
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Esses são apenas alguns exemplos de filósofos conhecidos por enfatizarem o


raciocínio lógico dedutivo ou indutivo em suas abordagens filosóficas.
É importante lembrar que muitos filósofos e cientistas usam uma combinação de
ambos os tipos de raciocínio em suas investigações e debates filosóficos. A título de
exemplo, temos o cientista Isaac Newton.
Newton empregou o raciocínio dedutivo ao formular as leis do movimento e ao derivar
as consequências dessas leis matematicamente. Ele utilizou o método dedutivo para deduzir
relações matemáticas precisas a partir de princípios gerais, como as leis do movimento e as
leis da gravitação. Ao aplicar esse raciocínio dedutivo, Newton desenvolveu uma descrição
matemática do movimento e da interação gravitacional que se tornou a base da física
clássica.
No entanto, Newton também utilizou o raciocínio lógico indutivo em seu trabalho
científico. Ele realizou extensas observações e experimentos para coletar dados empíricos
sobre o movimento dos corpos e a ação da gravidade. A partir dessas observações, Newton
formulou hipóteses e generalizações indutivas sobre o comportamento dos corpos físicos e
a natureza da gravidade. Ele usou essas generalizações para desenvolver suas teorias e
estabelecer relações causais entre eventos observados.
Portanto, a contribuição de Newton para a ciência envolveu uma combinação de
raciocínio dedutivo, ao derivar leis matemáticas a partir de princípios gerais, e raciocínio
indutivo, ao formular generalizações baseadas em observações e experimentos empíricos.
Essa abordagem mista de raciocínio lógico foi fundamental para o desenvolvimento da física
newtoniana e exerceu uma influência duradoura na história da ciência.

O Método Dedutivo
O método dedutivo foi empregado nos pensadores racionalistas Descartes,
Spinoza e Leibniz, tendo como pressuposto que apenas a razão pode conduzir ao
conhecimento verdadeiro. O método dedutivo parte de princípios tidos como
verdadeiros e inquestionáveis (premissa maior), para assim o pesquisador estabelecer
relações com uma proposição particular (premissa menor) e, a partir do raciocínio
lógico, chegar à verdade daquilo que propõe (conclusão). (...) “a dedução consiste em
tirar uma verdade particular de uma verdade geral na qual ela está implícita”.
Esse tipo de raciocínio é muito útil uma vez que parte do conhecido para o
desconhecido com pequena margem de erro, desde que se respeitem os princípios de
coerência e da não-contradição.
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O método dedutivo possui grande aplicação em ciências como a Matemática e a


Física, cujos princípios podem ser enunciados como leis. Pode-se citar como exemplo
a lei da gravitação universal, a qual estabelece que “matéria atrai matéria na razão
proporcional às massas e ao quadrado da distância”, podendo daí serem deduzidas
infinitas conclusões, das quais seria muito difícil duvidar. Entretanto, nas ciências
sociais, o uso desse método é bem mais restrito, devido à dificuldade para se obter
argumentos gerais, cuja veracidade não possa ser colocada em dúvida.
A dedução é o caminho das consequências, pois uma cadeia de raciocínios em
conexão descendente, ou seja, do geral para o particular, leva à conclusão. De acordo
com esse método, partindo de teorias e leis gerais, se pode chegar à determinação ou
previsão de fenômeno ou fatos particulares. Segue um exemplo clássico de raciocínio
dedutivo:

Todo homem é mortal: universal, geral;


João é homem; particular;
Logo, João é mortal; conclusão.

O método dedutivo leva o pesquisador do conhecido ao desconhecido com pouca


margem de erro, entretanto, é de alcance limitado, pois a conclusão não pode exceder
as premissas. Este método consiste, a seu ver, na racionalização ou combinação de ideias
em sentido interpretativo, isto valendo mais do que a experimentação de caso por caso.
Metodologicamente falando, é de suma importância entender que a necessidade de
explicação não reside nas premissas, mas na relação entre as premissas e a conclusão.
Várias críticas são feitas ao método dedutivo, uma delas é a de que essa forma de
raciocínio é essencialmente tautológica, ou seja, permite concluir, de forma diferente, a
mesma coisa. No momento em que se aceita a verdade da proposição de que todo
homem seja mortal, a afirmação de que João é mortal nada acrescenta ao raciocínio,
uma vez que a verdade da conclusão já se encontrava implícita no princípio geral a partir
do qual se elabora o raciocínio. Outra objeção ao método dedutivo se refere ao caráter
apriorístico de seu raciocínio, pois, a partir de uma afirmação geral é suposto um
conhecimento prévio. Em relação ao exemplo dado acima, como é que se pode afirmar
que todo homem é mortal? Esse conhecimento não pode derivar da observação repetida
de casos particulares, pois isso seria indução. A afirmação de que todo homem é mortal
foi previamente adotada e não pode ser colocada em dúvida. Por isso, os críticos do
28

método dedutivo argumentam que esse raciocínio se assemelha ao adotado pelos


teólogos, que partem de posições dogmáticas

O raciocínio pode induzir ao erro dependendo das premissas. Por exemplo:

Todo homem se locomove sobre duas pernas.


Henrique é homem.
Logo, Henrique se locomove sobre duas pernas.

Embora o processo lógico do raciocínio acima esteja correto, a teoria não


corresponde a uma realidade, pois Henrique é paraplégico (cadeirante), não
representando, portanto, uma verdade.

O Método Indutivo

No século XVI, Galileu Galilei iniciou o questionamento sobre o procedimento mais


apropriado para se atingir conhecimentos seguros dos fenômenos naturais. Assim, teorizou
o método denominado experimental, o qual infere leis gerais a partir de observações de
casos particulares, isto é, uma inferência indutiva.
O método indutivo foi proposto pelos empiristas Bacon, Locke e Hume, para os quais
o conhecimento é fundamentado exclusivamente na experiência, sem levar em consideração
princípios preestabelecidos. A generalização aqui não deve ser buscada aprioristicamente, e
sim constatada a partir da observação de casos concretos confirmadores dessa realidade.
Para o filósofo inglês Francis Bacon, o método de Descartes, na realidade, não levava
a nenhuma descoberta, apenas esclarecia o que já estava implícito. Na visão de Bacon,
somente através da observação é que se torna possível conhecer algo novo. O método
indutivo é assim fundamentado, onde nele se privilegia a observação como processo para se
atingir o conhecimento.

A indução pode ser definida como:

“[...] o processo pelo qual – a partir de um certo número de


observações, recolhidas de um conjunto de objetos, fatos ou
acontecimentos – concluímos algo aplicável a um conjunto
mais amplo ou a casos dos quais ainda não tivemos
experiência”.
A indução não é um raciocínio único, e sim compreende um conjunto de
procedimentos, uns empíricos, outros lógicos e outros intuitivos. Ela se realiza em três
etapas: 1) observação dos fenômenos a fim de se descobrir as causas de sua
29

manifestação; 2) descoberta da relação entre eles: aproximação dos fatos ou fenômenos;


3) generalização da relação entre fenômenos e fatos semelhantes não observados.
Exemplo: observamos que Pedro, José, João etc. são mortais; verificamos a relação
entre ser homem e ser mortal; generaliza-se dizendo que todos os homens são mortais.
A generalização como importante instrumento das ciências. “Como podemos
descobrir que todos os raios que incidirem em um espelho plano voltam com o mesmo
ângulo? [..] Será que teríamos que examinar cada fração de grau para testar a lei da
reflexão?”.
Duas das leis criadas a partir desse raciocínio são de que nas mesmas
circunstâncias, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos, ou, em outras palavras,
se em dadas condições, um determinado fenômeno, sempre que pesquisado, se repetiu,
em futuras verificações o mesmo sucederá. A outra consiste em afirmar que o que é
verdade de muitas partes suficientemente en0umeradas de um sujeito, é verdade para
todo esse sujeito universal. Logo, quanto mais representativa a amostra, maior a força
indutiva do argumento, sendo sua aplicação considerada válida enquanto não se
encontrar nenhum caso que não cumpra o modelo proposto. Assim, para descartar uma
indução basta que um fato a contradiga.
Com isso, pode-se afirmar que os dois métodos explicitados possuem diferentes
finalidades. O dedutivo busca explicar o conteúdo das premissas, enquanto o indutivo
procura ampliar os alcances do conhecimento. Os argumentos indutivos aumentam o
conteúdo das premissas, com sacrifício da precisão, ao passo que os argumentos
dedutivos sacrificam a ampliação do conteúdo para atingir a “certeza”.
A indução percorre o caminho inverso ao da dedução, isto é, a cadeia de
raciocínios estabelece a conexão ascendente, ou seja, do particular para o geral. Neste
caso, as constatações particulares é que levam às leis gerais. Exemplo de raciocínio
indutivo:

O calor dilata o ferro; particular;


O calor dilata o cobre; particular;
O calor dilata o bronze; particular;
O ferro, o cobre e o bronze são metais
Logo, o calor dilata os metais; universal, geral.
Se por meio da dedução chegamos a conclusões verdadeiras, já que baseadas em
premissas igualmente verdadeiras, no método indutivo as conclusões são apenas
prováveis.
30

O raciocínio indutivo teve grande influência no pensamento científico. Desde o


aparecimento no Novum organum, de Francis Bacon (1561-1626), o método indutivo
passou a ser visto como o método por excelência das ciências naturais. No positivismo
sua importância foi reforçada e passou a ser proposto, também, como o método mais
apropriado para investigação nas ciências sociais, uma vez que serviria para que os
estudiosos da sociedade abandonassem a postura especulativa, e utilizassem a
observação para atingir o conhecimento científico. A partir da sua influência foram
definidas técnicas de coleta de dados e elaborados instrumentos capazes de mensurar os
fenômenos sociais.
O primeiro a perceber o caráter incerto de conclusões indutivas foi Aristóteles,
mas o primeiro a formulá-lo de forma mais precisa foi o filósofo David Hume
(1711-1776). Ele questionou seriamente sua validade deste método, demonstrando que
ele não poderia ser justificado racionalmente. Pode-se argumentar: será que poderíamos
justificar logicamente a indução? Obviamente, ela não é um argumento dedutivo, como
são os argumentos lógicos. A lógica nos mostra que a partir do enunciado ‘todos os
cisnes são brancos’ podemos deduzir que alguns cisnes são brancos. Esta dedução é
válida logicamente. Mas a indução faz o raciocínio oposto, inferindo do enunciado
‘alguns cisnes são brancos’ o enunciado ‘todos os cisnes são brancos’. Este raciocínio
não pode ser justificado pela lógica. Aliás, em termos lógicos, ele não é válido.
A principal crítica ao método indutivo consiste no salto indutivo que ele propõe,
pois a partir de afirmações sobre o passado e o presente não podem ser deduzidas
prognósticos absolutamente seguros sobre o futuro.
A validade universal de uma hipótese científica não pode ser verificada totalmente
através de um número finito de observações, medições e experimentos, pois “o nível de
generalizações das leis e teorias cientificas não nos permite estabelecer sua verdade por
simples observação”.
Karl Popper (1902-1944), um filósofo não indutivista, acreditava que a indução
simplesmente não existia, se configurava como um mito, uma vez que ela não poderia
ser justificada e não desempenharia nenhum papel em relação ao método científico ou
ao conhecimento comum.
Embora Hume acreditasse que somente a inferência dedutiva é válida, o filósofo
concluiu que o método indutivo:
[..] fosse utilizado como forma de conhecimento mesmo por
pessoas sensatas. Isto aconteceria porque, através da
31

associação de ideias, as repetições geram expectativas,


crenças e hábitos importantes para a sobrevivência. Para
Hume, estas crenças geradas pelo hábito são irracionais,
mas isto é apenas um problema filosófico, que não interfere
em nossa vida prática.

A objeção colocada por Hume foi, parcialmente, contornada pela teoria da


probabilidade, a qual possibilitaria indicar os graus de força de um argumento indutivo.
A respeito desta teoria, se pode dizer:
[...] se os argumentos indutivos não garantem a verdade das
conclusões, eles podem ser usados, segundo os indutivistas,
para garantir uma probabilidade, às vezes elevada, para suas
conclusões. Portanto, da observação de que alguns cisnes
são brancos e de que o Sol nasce todo dia, podemos inferir
que é provável que todos os cisnes sejam brancos e que o
Sol nascerá amanhã”.
32

MÉTODO CIENTÍFICO – Teste de revisão

https://www.thatquiz.org/tq/previewtest?B/F/Q/C/90551352322409

1. What skill is a scientist using when she listens to the sounds that whales makes.
a) drawing conclusions
b) making a hypothesis
c) making observations
d) interpreting data

2. What is the correct order of the steps in the scientific method.


a) Ask a question, analyze results, make a hypothesis, test the hypothesis, draw conclusions,
communicate results.
b) Make a hypothesis, test the hypothesis, analyze the results, ask a question, draw
conclusions, communicate results.
c) Ask a question, make a hypothesis, test hypothesis, draw conclusions, analyze results,
communicate results.
d) Ask questions, make a hypothesis, test the hypothesis, analyze results, draw conclusions,
communicate results.

3. Which of the following hypotheses is written correctly?


a) If I freeze a tennis ball, then it will not bounce as high.
b) If I heat up a tennis ball it will bounce high.
c) Frozen tennis balls will not bounce as high.
d) If a tennis ball is frozen, it won't bounce as high as one that is not frozen.

4. The process of obtaining information by using the senses is called a/an


a) observation
b) inquiry
c) scientific method
d) conclusion

5. A series of steps designed to help you solve problems and answer questions
a) hypothesis
b) observation
c) scientific method
d) experiment

6. In science, an educated guess is called a/an


a) conclusion
b) question
c) observation
d) hypothesis

7. When you decide whether or not the data supports the original hypothesis, you are
a) drawing conclusions
b) forming a hypothesis
c) making observations
d) asking questions
33

8. When a scientist shares her findings with other scientists, she is


a) analyzing data
b) communicating results
c) experimenting
d) making a hypothesis

9. The final part; a summary of reasonable inferences is a/an


a) conclusion
b) question
c) controlled experiment
d) hypothesis

10. A scientific procedure undertaken to make a discovery, test a hypothesis, or demonstrate


a known fact is a/an
a) hypothesis
b) law
c) theory
d) experiment

11. A conclusion reached on the basis of evidence and reasoning is a/an


a) theory
b) hypothesis
c) inference
d) conclusion

12. A series of steps followed to solve problems is


a) experimental guidelines
b) the scientific method
c) standard procedures
d) investigations

GABARITO - Teste de revisão - MÉTODO CIENTÍFICO

1c 2d 3a 4a
5c 6d 7a 8b
9a 10 d 11 c 12 b
………………………………………………………………………………………………

34

III. Galileu. Bacon. Descartes. Newton.

A busca por um método científico adequado pautou a ação de grande parte dos
pensadores da Idade da Revolução Científica (séculos XVI e XVII), onde se destacaram:
Galileu Galilei, Francis Bacon, René Descartes e Isaac Newton. Eles, com suas
contribuições, foram decisivos para a estruturação daquilo que chamamos hoje de Ciência
Moderna.
Francis Bacon e Descartes, de forma especial, em seus estudos e pesquisas, estiveram
sempre preocupados em construir um método, o mais adequado possível, para o
entendimento da realidade, método este que fosse pautado na racionalidade.
Galileu Galilei (1564-1642) adotou um método que pode ser rotulado de indução
experimental, pois é a partir da observação de casos particulares que se propõe a chegar a
uma lei geral. As etapas propostas foram: observar os fenômenos, analisar seus elementos
constitutivos visando estabelecer relações quantitativas entre os mesmos, induzir hipóteses
com base na análise preliminar, verificar as hipóteses utilizando um procedimento
experimental, generalizar o resultado alcançado para situações similares, confirmar estas
generalizações para se chegar a uma lei geral.
Galileu, o primeiro físico-matemático da História das Ciências, italiano de Pisa,
sepulta de vez o mais importante dos dogmas aristotélicos: o de que corpos mais pesados
caem mais rapidamente. Após cuidadosas medições cronometradas (uma grande novidade
para a época), ele concluiu que o peso dos corpos nenhuma influência tem sobre a rapidez
de suas quedas. Com sua atitude, ocorre uma das mais importantes revoluções científicas de
todos os tempos. Enquanto a ciência medieval coloca as ideias acima de qualquer suspeita,
Galileu, porém, suspeita delas e vai cuidadosamente verificá-las para saber se estão de
acordo com as evidências experimentais e, se não estiverem, será necessário modificá-las ou
até abandoná-las. Isto era inconcebível em seu tempo, ainda dominado pelo pensamento
platônico, no qual as ideias predominavam sobre os fatos, estes sim, considerados meras
aparências. (...)
A revolução galileana é, assim, sobretudo metodológica e para muitos historiadores
Galileu é considerado o criador do método científico (...). Para Isaac Asimov: “A revolução
de Galileu consistiu em situar a “indução” por cima da dedução, como o método lógico da
Ciência. Em lugar de deduzir conclusões (como os gregos faziam) a partir de uma suposta
série de generalizações, o método indutivo considera como ponto de partida as observações,
das quais derivam generalizações”. [(p.17); livro: Introducción a la Ciencia - Isaac Asimov)].
35

Em Florença os acadêmicos não aceitavam o fato de que um simples instrumento, o


telescópio desenvolvido por Galileu no qual ele viu as manchas solares, pudesse refutar todo
o universo aristotélico, além de toda a ciência mecânica então vigente. Aliás, o mundo dos
sentidos e da observação pouco ou nenhum valor tinha para os escolásticos, e, ainda, para
Galileu, no entanto, deviam-se repelir quaisquer autoridades, fossem elas teológicas ou
filosóficas. Até mesmo as ideias propostas por Aristóteles, Agostinho ou Aquino, fundadores
da escolástica medieval, não deviam ser aceitas sem minuciosos questionamentos. Porque
os sentidos e a observação valem mais do que todos os tratados consagrados.
Para Galileu, a ciência deve ser escrita com o alfabeto matemático, representando a
verdade da natureza apreendida pelos nossos sentidos através da experiência. Esta nunca
pode se limitar a fatos sensoriais isolados, mas sim estabelecer entre eles conexões lógicas
mediante as quais poderá se chegar às leis matemáticas, estas sim, expressões da verdade.
Portanto, sucedendo-se à observação, ou alternando-se com esta, entra em cena a razão
lógica, formal, que é expressa matematicamente. É através da linguagem matemática que o
homem descobre os mistérios da criação divina, tornando-se um privilegiado interlocutor de
Deus.
No livro O Ensaiador, ele lança os fundamentos do moderno método científico com
a seguinte estrutura:
a) Definição de um problema com auxílio de experiências preliminares, excluindo-
se de antemão as hipóteses contrárias à observação.
b) Construção de uma teoria para predizer os fatos observados, na qual todas as
hipóteses, além de compatíveis com a observação, devem formar um sistema lógico auto-
consistente.
c) Variação gradual, e mais ampla possível, de um ou mais parâmetros da experiência
para a formulação de uma lei.
d) Teste da teoria (lei) confrontada com novos dados da experiência; caso a teoria se
revele verossímil é mantida e, em caso contrário, é modificada, retornando-se ao passo b.
Este método é diametralmente oposto ao método escolástico medieval no qual a
observação era mera aparência, não tendo o status para derrubar uma teoria criada com vistas
a cumprir uma finalidade. Para Galileu, ao contrário, o pensamento estático, que opera por
um ou mais conceitos invariantes, é sempre inexato, senão falso. As causas de um fenômeno,
postas pelo pensamento na forma de hipóteses (passo b), devem sempre ser verificadas pela
observação (passo d). O método galileano é, no entanto, racional, pois é a inteligência que
descobre as conexões lógicas necessárias à formulação de leis matemáticas, além de corrigir
36

e ampliar o alcance da observação sensível. Nesta, no entanto, está o veredito final sobre a
validade daquela. Razão e experiência sensível formam, no método galileano, um par
interativo e mutuamente variável. Com a ciência mecânica fundada por Galileu, aprimorada
por Descartes e que tem a sua plenitude com Newton, é decretada a falência da cosmologia
escolástica aristotélica. (“Origens e evoluções das ideias da física”; organizador: José
Fernando M. Rocha. Capítulo 1. “Da Bíblia a Newton”; p.84-85. Roberto I. Leon Ponczek,
EDUFBRA, 2002).
Galileu foi um dos primeiros pensadores modernos a afirmar claramente que as leis
da natureza são matemáticas. Em termos mais amplos, seu trabalho marcou mais um passo
para a separação final da Ciência, tanto da Filosofia quanto da Religião, um grande
desenvolvimento do pensamento humano. Galileu mostrou uma apreciação notavelmente
moderna da relação adequada entre matemática, física teórica e física experimental. Ele
entendeu a parábola, tanto em termos de seções cônicas quanto em termos da ordenada (y)
variando com o quadrado da abscissa (x). Ele afirmou ainda que a parábola era a trajetória
teoricamente ideal de um projétil uniformemente acelerado na ausência de atrito e outras
perturbações.
Resumindo.
Galileu Galilei (1564-1642) foi o primeiro teórico do método experimental. Ele
valorizou a verificação experimental de ideias. O método empírico defendido por Galileu
constitui uma ruptura com o método aristotélico mais abstrato, que busca a essência íntima
das substâncias individuais; devido a isso, Galileu é considerado o "Pai da Ciência
Moderna". Ele foi um dos responsáveis por introduzir ao método de observação de
Aristóteles (que foi o responsável por introduzir a lógica à ciência) uma característica
fundamental, a da experimentação metódica. Dessa forma, hipóteses derivadas da
observação precisariam ser testadas através de experimentos. E, assim, por exemplo,
diversas teses físicas de Aristóteles, como a de que corpos com maior massa cairiam mais
rápido, puderam, com isso, ser provadas falsas.
O objetivo das investigações, para Galileu, deve ser o conhecimento da lei que
preside os fenômenos, e não a essência íntima deles. Além disso, o foco principal da ciência
deve ser as relações quantitativas.
Enfim, o método de Galileu é conhecido como indução experimental e consiste nos
seguintes passos: observação dos fenômenos, análise dos elementos constitutivos do
fenômeno, indução de certo número de hipóteses, verificação das hipóteses, generalização
dos resultados, e confirmação das hipóteses.
37

III. FRANCIS BACON (1561-1626)


(https://aulazen.com/historia/a-revolucao-cientifica/)
O inglês Francis Bacon (1561-1626), contemporâneo de Galileu, destaca serem
essenciais: a observação e a experimentação dos fenômenos. Enfatiza que a verdade de uma
afirmação só poderá ser obtida pela experimentação.
Bacon propõe que sejam seguidos os passos:
→ realização de experimentos sobre o problema para que se possa observar e
registrar, de forma sistemática, as informações coletadas;
→ após a análise dos resultados experimentais devem ser formuladas as hipóteses
que sugiram explicações sobre as relações causais entre os fatos;
→ repetição dos experimentos em outros locais e ou por outros cientistas, com a
finalidade de acumular novos dados que servirão para a formulação;
→ formulação de leis gerais para o fenômeno estudado fundamentadas nas
evidências experimentais obtidas com posterior generalização destas leis para os fenômenos
similares ao que foi estudado.
Nesta sequência experimental, é possível aumentar a intensidade daquilo que se
presume ser a causa do fenômeno, para verificar se a resposta ocorre de maneira
correspondente. É possível variar a experiência aplicando a mesma causa a diferentes
objetos, ou aplicando um fator contrário à suposta causa, com a finalidade de verificar se o
efeito contrário acontece.
Na base do método proposto por Bacon, referido como "método das coincidências
constantes", está a constatação de que um fenômeno depende, para sua ocorrência, de uma
causa necessária e suficiente, em cuja ausência o fenômeno não ocorrerá.
Resumindo. Francisco Bacon é considerado um dos fundadores da Ciência Moderna.
Deve-se a ele: (i) o desenvolvimento do método empírico de pesquisa cientifica, onde a razão
fica subordinada à experimentação; (ii) a proposta de um raciocínio indutivo (ou indução),
que vai do particular para o geral; (iii) o conhecimento científico tem por finalidade servir o
homem e dar-lhe poder sobre a natureza; (iv) em 1620, no seu livro Novum Organum,
procurou estabelecer um novo tipo empírico de ciência. Ele argumentou convincentemente
que a ciência não pode ser confinada à dedução ou observação; é preciso usar uma
combinação de experimento e hipótese, testando hipóteses empiricamente; (v) o método
empírico-indutivo deve seguir os seguintes passos: experimentação, formulação de
hipóteses, repetição, testagem das hipóteses, e formulação de generalizações e leis.
38

III. DESCARTES (1596 -1650)

O início do século XVII viu uma colisão de duas filosofias quando ao entendimento
do Método Científico: ênfase na dedução e/ou na experimentação.
Renê Descartes (1596 - 1650) em seu livro Discourse on Method, de 1637, enfatizou
a dedução matemática.
Descartes propõe um processo que se afasta em essência dos anteriores. Em vez de
usar inferência indutiva, utiliza a inferência dedutiva (do geral para o particular). A certeza
somente poderá ser alcançada pela razão.
Com Descartes, existe um deslocamento do centro de gravidade do conhecimento, que
deixa o objeto para se instaurar no sujeito que conhece, ou seja, na razão. Esse deslocamento,
operado pela Regras, gera consequências ontológicas importantes. As Regras se
desenvolvem em torno de um diálogo não declarado com a filosofia de Aristóteles, no qual
Descartes teria abandonado a ousis (substância) aristotélica, substituindo-a pela relação
estabelecida pela razão entre os objetos do conhecimento. (V F.B. Calazans. O projeto newtoniano
de matematização da natureza. https://www.ufjf.br/eticaefilosofia/files/2009/08/17_1_veronica.pdf)
O objetivo do filósofo francês René Descartes era construir uma ciência universal
com caráter de verdade necessária. Ele estava disposto a encontrar uma base sólida para
servir de alicerce a todo conhecimento.
Ao buscar um alicerce novo para a filosofia Descartes:
(i) rompeu com a tradição aristotélica e com o pensamento escolástico, que dominou
a filosofia no período medieval;
(ii) fez a separação entre sujeito e objeto;
(iii) fez da dúvida metódica a base para fundamentar o conhecimento; assim, o
filósofo deve rejeitar como falso tudo aquilo que possa ser posto em dúvida.
(https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/rene-descartes-1-o-metodo-cartesiano-e-a-revolucao-na-historia-da-filosofia.htm)
39

III. ISAAC NEWTON (1643-1727)

O inglês Isaac Newton (1643 - 1727) considerado um dos maiores gênios da história
universal, publicou sua obra, Philosophiae Naturalis Principia Mathematica ou Principia,
em 1687, que é considerada uma das mais influentes em história da ciência. Nela descreve a
lei da gravitação universal e as suas três leis que fundamentaram a mecânica clássica.
Newton foi o grande sintetizador das obras de Copérnico, Kepler, Bacon, Galileu e
Descartes, desenvolvendo uma formulação matemática da concepção mecanicista da
natureza. Newton pressupôs que a matemática pode ser aplicada ao mundo físico, com o
objetivo de provar as leis da mecânica que, direta ou indiretamente, são formuladas a partir
da experiência. A partir dele estava plenamente estabelecido o paradigma mecanicista ou
newtoniano-cartesiano. A partir de Newton a complexidade do Cosmos seria reduzida a
algumas leis fundamentais; contudo, é precisa destacar: Newton afasta-se em parte da
proposta cartesiana ao conceber a dedução a partir dos fatos observados/experimentados e
não de conceitos mentais; entretanto, as proposições de Bacon e a experimentação e a
matematização de Galileu, como princípios básicos de metodologia, mantiveram-se.
Em relação à aplicabilidade da matemática à natureza o projeto cartesiano é
essencialmente metodológico. Newton, de forma distinta, utiliza a matemática como recurso
para demonstrar as relações que as grandezas físicas guardam entre si. Newton pressupõe
que a matemática pode ser aplicada ao mundo físico com o objetivo de provar que as leis da
mecânica, direta ou indiretamente, são formuladas a partir da experiência. (V F.B. Calazans.
O projeto newtoniano de matematização da natureza.
https://www.ufjf.br/eticaefilosofia/files/2009/08/17_1_veronica.pdf)

Newton desenvolveu laços adicionais entre Física e Astronomia através de sua lei da
gravitação universal. Ao perceber que a mesma força que atraía objetos para a superfície da
Terra mantinha a Lua em órbita ao redor da Terra, Newton foi capaz de explicar, em uma
estrutura teórica, todos os fenômenos gravitacionais conhecidos. Em Principia de Newton
(1687) foram formuladas as leis do movimento e da gravitação universal, que dominaram a
visão dos cientistas do universo físico pelos três séculos seguintes. Ao derivar as leis do
movimento planetário de Kepler a partir de sua descrição matemática da gravidade, e usando
os mesmos princípios para explicar as trajetórias dos cometas, as marés, a precessão dos
equinócios e outros fenômenos, Newton removeu as últimas dúvidas sobre a validade de o
modelo heliocêntrico do cosmos. Este trabalho também demonstrou que o movimento de
40

objetos na Terra e de corpos celestes poderia ser descrito pelos mesmos princípios. Suas leis
de movimento deveriam ser a base sólida da mecânica; sua lei da gravitação universal
combinava a mecânica terrestre e a celestial em um grande sistema que parecia ser capaz de
descrever o mundo inteiro em fórmulas matemáticas (...). (https://aulazen.com/historia/a-
revolucao-cientifica/)
Segundo CAPRA: “antes de Newton, duas tendências opostas orientavam a ciência
seiscentista: o método empírico, indutivo, representado por Bacon, e o método racional,
dedutivo, representado por Descartes. Newton, em seus Principia, introduziu a combinação
apropriada de ambos os métodos, sublinhando que tanto os experimentos sem interpretação
sistemática quanto a dedução a partir de princípios básicos sem evidência experimental não
conduziriam a uma teoria confiável. Ultrapassando Bacon em sua experimentação
sistemática e Descartes em sua análise matemática, Newton unificou as duas tendências e
desenvolveu a metodologia em que a ciência natural passou a basear-se desde então”.
(CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2006, p.59)

Newton afirmava que suas leis e teorias eram tiradas dos fatos, sem nenhuma
interferência da especulação hipotética.
Esse seria o método ideal, chamado de “método experimental” ou, “método científico
indutivo - confirmável”. De acordo com esse modelo, o sujeito do conhecimento deveria ter
a mente limpa, livre de preconceitos. As hipóteses seriam decorrentes do processo indutivo
e o conhecimento científico seria formado pelas certezas comprovadas pelas evidências
experimentais. Observação dos elementos que compõem o fenômeno → Análise da relação
quantitativa existente entre os elementos que compõem o fenômeno → Indução de hipóteses
quantitativas → Teste experimental das hipóteses para verificação → Generalização dos
resultados em lei.
Newton é importante para a filosofia por fundamentar a ciência que influenciará os
pensadores iluministas. Ele acreditava que a natureza age de modo a simplificar as suas ações
ao máximo, as consequências naturais têm o mínimo de causas possíveis. A natureza não
desperdiça nem tempo nem energia em seus movimentos, em uma atividade natural é
utilizado o mínimo possível de elementos. Além dessa simplificação das ações, na natureza
as mesmas consequências tendem a ter as mesmas causas ou causas parecidas. Causas
semelhantes têm consequências semelhantes e isso torna a natureza homogênea. Essa
homogeneidade gera uma constância nas leis físicas e químicas e é essa constância que
possibilita a harmonia do nosso universo.
41

A partir dos princípios da simplicidade da homogeneidade, Newton fundamenta o


uso do método indutivo pela ciência. Nas leis científicas serão utilizados os raciocínios que
partem do particular ou singular para o universal. É possível inferir de certas causas e
consequências que todas as causas parecidas ou iguais terão as mesmas consequências.
Newton via o mundo como uma grande máquina cujo funcionamento pode ser
entendido se conhecemos o funcionamento das pequenas peças que a compõe. Para Newton,
essa máquina universal só pode ter sido criada por um Ser com capacidade de entender todo
o seu funcionamento nos mínimos detalhes. E com poderes superiores a todo o universo. A
organização do universo demonstra o plano desse Ser inteligente e poderoso. Esse ser
infinito e eterno é Deus que governa tudo como um senhor. Esse Deus não pode ser
conhecido da mesma forma que um cego não pode ter noção das variadas cores e projeções
de luzes.
No mundo científico de Newton busca-se a funcionalidade, busca-se saber como a
máquina universal funciona. Para ele não é a busca da essência a principal função da ciência.
A causa última, o porquê final da gravitação universal não é objeto da pesquisa científica,
ela já está contemplada no Ser supremo, não cabe ao cientista buscá-la porque ela não é
mecânica, e não pode ser conhecida pelas regras metodológicas da pesquisa científica.
Sobre a importância de Newton, é muito esclarecedora a resposta de Isaac Asimov à
pergunta: qual seria o maior cientista que já apareceu na face da terra? Responde Asimov,
em seu livro “100 perguntas sobre a Ciência”, afirmando que Newton foi o maior cientista
que já existiu. Após essa afirmação, Asimov continua por meio de outra pergunta: quem
seria, então, o segundo maior cientista? Diz ele que seria impossível responder. Porque há,
pelo menos, uma dúzia de homens que poderiam aspirar a esse segundo lugar. Entre eles,
por exemplo, Albert Einstein, Ernest Rutherford, Niels Bohr, Louis Pasteur, Charles Darwin,
Galileu Galilei, Clerk Maxwell, Arquimedes e outros.
É muito provável que não haja nem mesmo aquilo que chamamos de segundo maior
cientista. As credenciais deles todos são tão boas, e a dificuldade de distinguir os níveis de
mérito é tão grande; que, no final, podemos ter que declarar um empate entre dez ou doze.
Mas como a pergunta é "Quem é o maior?", não há problema algum.
Para Asimov, a maioria dos historiadores da ciência não hesitaria em afirmar que
Isaac Newton foi o maior talento científico que o mundo já viu. Ele tinha seus defeitos,
graças a Deus: era um mau palestrante, era altamente sensível e, de vez em quando, era
vítima de sérias depressões; mas, como cientista não teve igual.
42

As quatro proezas de Newton:


(i) fundou a Matemática Superior depois de elaborar o Cálculo;
(ii) fundou a Ótica Moderna através de seus experimentos ao decompor a luz branca
nas cores do espectro;
(iii) fundou a Física Moderna estabelecendo as leis do movimento e deduzindo as
suas consequências;
(iv) fundou a Astronomia Moderna, estabelecendo a lei da gravitação universal.

Qualquer uma dessas quatro grandes realizações teria bastado para distingui-lo como
um cientista de importância capital. Essas quatro façanhas juntas o colocam em primeiro de
modo inquestionável; mas, não são apenas as suas descobertas que devem ser enfatizadas na
figura de Newton: o mais importante era o seu jeito de apresentá-las.

A influência de Newton sobre o pensamento moderno 1

Quanto à influência de Newton sobre o pensamento moderno, podemos dizer que a


Mecânica Clássica Newtoniana teve seu ápice em meados do século XIX. Para ter uma noção
da influência do mecanicismo sobre o pensamento moderno 2:

“(...) pensadores destacados tanto físicos como filósofos, sustentavam que a


mecânica era a ciência básica e última, e que os fenômenos estudados por todas as
outras ciências naturais podiam e deviam ser explicadas pelos termos e noções
fundamentais da mecânica”.

O poder do pensamento científico de Newton foi tal que uma série de argumentos
apresentados por Newton foram aceitos e reproduzidos acriticamente durante praticamente
dois séculos e meio por vários pensadores de diversas áreas do conhecimento. Era como se
3
: “O que Newton não distinguira outras pessoas não eram capazes de analisar
cuidadosamente”.
A importância e a influência que o mecanicismo exerceu no pensamento científico
moderno serviram como uma espécie de fundamento filosófico e metodológico de todas as
demais ciências 4:
“O método característico da filosofia mecânica na opinião de seus
defensores aparece tão poderoso a ponto de ser aplicável a todos os aspectos da
realidade: não só ao mundo da natureza, mas também ao mundo da vida, não apenas
aos movimentos dos astros e à queda dos corpos pesados, mas também à esfera das
43

percepções e dos sentimentos dos seres humanos. O mecanicismo atingiu também o


terreno de investigação da Fisiologia e da Psicologia”.
Fonte:
1
CRUZ, Robson Nascimento da; CILLO, Eduardo Neves Pedrosa de. Do mecanicismo ao selecionismo: uma
breve contextualização da transição do behaviorismo radical. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 24, n. 3, p. 375-
385, Sept. 2008.
2
Nagel, E. (1961). The structure of science: Problems in the logic of scientific explanations. New York:
Harcourt, Brace & World.
3
Burtt, E. A (1983) As bases metafísicas da ciência moderna. Brasília: UnB. (Trabalho original publicado em
1932)
4
Rossi, P. (2001). O nascimento da ciência moderna na Europa. (A. Angonese, Trad.). Bauru: EDUSC.
44

III. As duas dimensões em debate sobre o Método Científico no século XVII

No século XVII havia, pelo menos, duas dimensões em debate sobre o Método
Científico. Uma delas se referia aos papéis exercidos pela matemática e o experimento;
enquanto, a outra dimensão se referia aos conflitos surgidos quanto ao objetivo, à finalidade
do Método Científico.
Primeira dimensão: quanto à matemática e ao experimento, Galileu e Descartes
reconheciam que ambas exerciam um papel de destaque, mas a matemática teria um peso,
uma maior influência. Essa mesma visão era compartilhada por Francis Bacon e por Harvey,
quanto à influência da matemática e do experimento; porém, Francis Bacon e Harvey
colocavam maior peso, maior influência no experimento e não na matemática. Esse papel
principal do experimento também era a visão de Hobbes, Boyle, Hooke e outros fundadores
da Royal Society.
Segunda dimensão: quanto ao objetivo, à finalidade do Método Científico, Bacon e
Descartes pensavam em preservar a visão tradicional de que a ciência tinha em relação a
tudo aquilo referente ao conhecimento das causas; e, ainda, de que os métodos devem ser
elaborados de forma a nos ajudar a conseguir essa finalidade. Outros, também ancorados
pela tradição, como Galileu e Harvey, tinham a visão de que é crucial alcançar certeza nas
conclusões, e de que os métodos devem garantir esse objetivo.
Nesse debate verifica-se as abordagens tinham pontos fortes e fracos que contribuíram
para o método científico moderno. Bacon, que era um cientista teórico, não percebeu a
importância da intuição na criação, interpretação e rejeição de hipóteses, de modo que apenas
um subconjunto delas precisasse ser testado. E Descartes procurou limitar a ciência àquelas
áreas em que a matemática poderia produzir "certeza".
Nesse contexto de tensão entre essas duas dimensões sobre o Método Científico é que
Newton realizou a sua contribuição, pois agrega o método empírico-indutivo e o racionalista-
analítico-dedutivo. E, ainda, a matemática empregada no Principia (1687) e o método
experimental apresentada no seu livro de ótica, Optiks em 1704, são de muitas formas o
coroamento da revolução científica. Em ambos os livros contém importantes afirmações
sobre como o método científico deve ser realizado, embora Newton nunca tivesse abordado
de forma explícita esse tema, como Galileu, Bacon e Descartes o fizeram em seus escritos
expondo-o de forma detalhada. (...) (Barry Gower. Scientific Method. An historical and
philosophical introduction, p.67, 1997.)
45

Isaac Newton reforçou a perspectiva cartesiana da ciência com seu livro Principia
Mathematica. Considerado por alguns o livro científico mais importante da história,
Principia estabeleceu um novo paradigma da física do movimento, reunindo um conjunto
muito amplo de observações em um rigoroso sistema matemático. Nesse livro pode-se
constatar que Newton era principalmente um teórico, não um empirista, que usava
ansiosamente os dados coletados por outros.
46

III.2 A matematização da Ciência.

(i) introdução
A historiadora da Ciência, Mohana Ribeiro Barbosa, apresentou em 2013 na
Universidade Federal de Goiás a sua Dissertação de Mestrado: Revolução científica e
nascimento da ciência experimental em Alexandre Koyré. A autora apresenta muitos
elementos sobre a matematização da Natureza; que fizeram possível a criação da Ciência
Moderna. Dentre eles, destaco os seguintes:
1º) a matematização do mundo – só se torna possível após a destruição da ideia do
cosmos aristotélico – como o grande marco para a nova ciência;
2º) a matematização da física e a construção de uma ciência exata constituíram uma
transformação em todos os aspectos da ciência, e os resultados dessa mutação se fazem sentir
por um tempo muito longo na história do pensamento;
3º) a matematização é característica da cientificidade moderna. Se não há cálculos
precisos nem exatidão na ciência da Idade Média isso não deve ser encarado como
incapacidade ou falha na produção do conhecimento científico. A ciência do mundo
medieval não é precisa; pois, a ideia de precisão não existe para esse mundo;
4º) em sua obra mais conhecida, Estudos Galilaicos, Koyré estuda as condições que
tornaram possível a ciência moderna e a posterior transformação dos princípios que
sustentavam a ciência antiga e medieval e a estrutura científica e filosófica da nova
concepção de mundo, além de apontamentos sobre o estatuto da experiência no
desenvolvimento da nova ciência. Nessa obra, Koyré historiciza o processo de
matematização da natureza e de transformação dos fundamentos da ciência, um processo
que, para ele, deve ser definido como uma revolução intelectual, uma vez que representam
uma ruptura definitiva com uma série de princípios não apenas científicos, mas filosóficos e
metafísicos;
5º) o ordenamento geométrico do universo e da natureza, a matematização da física e
a experimentação marcam a Revolução Científica do século XVII, consolidando o
nascimento da Ciência Moderna.
47

(ii) a matematização influenciou e, ainda, influência a Ciência frente a Religião


Scott Hahn e Benjamin Wiker. Politização da Bíblia. Editora Ecclesiae, 2018, p. 351ss.

Trata-se de um tema interessante a relação entre a matematização da natureza, criação


da Ciência Moderna e o conhecimento advindo da revelação divina, ou seja, da Religião.
Aqui, nesta seção, vamos tentar explicar que os pontos divergentes têm a sua origem no
pensamento de Descartes.
(...) Descartes declarou que a ciência mais exata para mente humana, a matemática,
pode de fato definir todas as ciências, se reconcebermos a natureza como algo inteiramente
matemático. Nessa reconcepção, a natureza (ou ser) conforma-se ao que é mais claro e
definido para o intelecto humano (simples extensão geométrica) (...). O que não se conforma
à matemática é irreal ou mero epifenômeno de matéria matematicamente definida;
(...) O método de Descartes não pode ser estudado sem a matematização e a
mecanização da Natureza(...);
A dominação técnica cada vez mais completa da natureza substitui a história da
salvação como aquilo que define a História. A História começa com as primeiras tentativas
bem-sucedidas definir a natureza em termos matemáticos e de controlá-la lá tecnicamente.
Antes disso, a História era, na melhor das hipóteses, cíclica, e o era pelo motivo mesmo de
ser “pré-crítica”. Em consequência, a postura fundamental - crítica e, sem dúvida, moderna
- com relação aos que viveram antes dessa “revolução científica” é a do cético, daquele que
duvida metodicamente do suposto conhecimento dos antigos sobre a natureza, Deus e a
humanidade.
Para Descartes, a matemática estabelece os critérios de clareza e certeza desde o
princípio, portanto, tudo que é meramente provável, tudo que não é matemático, pode ser
rejeitado como insignificante, ou duvidoso.
Enfim, primeiro a matemática e depois a dúvida. Isso fica ainda mais evidente nas
Regras de Descartes, obra que ele escreveu com muito menos reservas. Nela, a “sabedoria
universal”, que ele promete na Regra I, exige na Regra II, que a mente se preocupe apenas
com o que descobrimos ser certo e indubitável, e tão-somente a aritmética e a geometria
estão livres da mácula de qualquer falsidade ou incerteza”. Logo, “rejeitamos todo o
conhecimento que seja meramente provável, e julgamos que se deve crer apenas naquelas
coisas que são conhecidas com perfeição, e das quais não podemos ter dúvidas”.
48

A postura do ceticismo permite que Descartes rejeite tudo quanto não se conforme aos
critérios preestabelecidos definidos pela matemática. Toda a filosofia anterior é mera
altercação sem fundamento, porque ninguém antes de Descartes efetivara a união
intelectual de construção matemática e natureza matematizada. Pelo mesmo motivo, todas
as opiniões e tradições anteriores podem ser descartadas como irrelevantes, e a própria
Teologia abandonada (com todas as devidas expressões de piedade), por ser irracional. Pode-
se duvidar dos sentidos porque eles aceitam a natureza tal qual ela é, tal como se apresenta,
em vez de reduzirem-na a uma extensão homogênea não sensível e pouco visível, apta a
receber tratamento matemático de acordo com sua nova física. Portanto, a postura do
ceticismo é inseparável do método porque ela serve para eliminar os obstáculos à união
ímpar que Descartes faz entre matematização, mecanização e domínio.
Esse é um aspecto de enorme importância exatamente por causa da atitude desdenhosa
da adopção do ceticismo na Modernidade ao fazer referência à religião e, em particular, a
própria Bíblia (...). Verdades reveladas são rejeitadas porque não são racionais. Nem a
própria Bíblia nem seus intérpretes tradicionais podem arrogar-se a um verdadeiro
conhecimento; no máximo, eles podem expressar uma espécie de fideísmo não racional. É a
ciência (nos estritos termos da definição de Descartes) que oferece a revelação verdadeira e,
ao contrário das promessas dos entusiastas bíblicos, propicia uma libertação muito real e
mundana do sofrimento, em um paraíso terreno, mediante o domínio da natureza.
(...) pág. 366. A matematização da natureza levou inevitavelmente à noção de que as
coisas da natureza deviam obedecer a leis definidas de forma matemática, leis cuja
necessidade estrita também deve fazer parte da natureza. Desse modo, milagres não podem
acontecer na realidade, pela mesma razão por que não ocorrem em geometria. Todo esse
determinismo matemático-ontológico implicava que não poderia haver irrupções e
extranaturais do Divino, uma crença curiosamente reforçada pela teologia, na forma da
posterior identificação deísta da sabedoria de Deus com as próprias leis matemático-
geométricas. Com essa identificação, agir contra essas leis seria, para Deus, agir contra Sua
sabedoria, contra Sua própria natureza até.
(...) a matematização traz uma consequência importante. Descartes introduziu o
ceticismo radical com relação aos sentidos não apenas porque, às vezes, eles se podem
enganar, mas, sobretudo, porque a ontologia matemática, entranhada no mundo invisível da
extensão material homogênea atômica, substitui a realidade de nossa experiência cotidiana
do mundo como a experiência fundamental. Em consequência, somos colocados em um
estado de permanente dúvida com relação ao mundo sensorial e, com isso, transformar o
49

mundo cotidiano - o mundo que supomos ser real e que forma a base de nosso pensamento
e nossa linguagem, símbolos e metáforas comuns - em uma fonte não confiável da verdade.
A fim de compreendermos com mais clareza esse ponto importante, recordemos as famosas
palavras de Galileu, sem dúvida um dos mentores de Descartes no desejo de matematizar a
natureza:
A filosofia é escrita no grande livro que está sempre diante de dos nossos olhos -
refiro-me ao universo -, mas não podemos compreendê-la se, antes, não aprendermos
a linguagem e entendermos os símbolos em que ela está escrita. Esse livro está escrito
na linguagem matemática e os símbolos são triângulos, círculos e outras figuras
geométricas, sem cujo auxílio é impossível que se aprenda uma única palavra dele;
sem os quais se perambula, em vão, por um labirinto escuro.

Dizer (com Galileu) que a natureza está escrita na linguagem da geometria euclidiana
e que, sem a compreensão dessa linguagem, é “impossível que se aprenda uma única palavra
dele”, de modo que, sem a matemática, se perambula, em vão, para um labirinto escuro”, é
insinuar, ao mesmo tempo, que a maioria dos seres humanos está relegada à absoluta
ignorância da natureza, por causa de sua ignorância da geometria euclidiana e suas
aplicações. Isso ainda é mais verdadeiro com relação a Descartes, pois ele não só afirma, do
mesmo modo, que a natureza é essencialmente, ontologicamente matemática, como também
que a única maneira de a compreender é por meio de seu método geométrico.
A aceitação desse tipo de matematização, tal como permeou a cultura intelectual
ocidental, criou um antagonismo ainda maior para a apresentação bíblica da verdade
revelada. Uma vez que os antigos hebreus ou cristãos tinham, no máximo, um conhecimento
muito rudimentar e prático de geometria, passaria a ser bem difícil vê-los como o único
veículo da revelação. O erro de hebreus ou cristãos estava em sua confiança em métodos
não-matemáticos (ou seja, pré-científicos) de conhecimento, que equivaliam a conhecer
pouco ou nada.
Como as personagens da Bíblia acreditavam que o mundo atual era inteligivelmente
ordenado por Deus e que essa inteligibilidade se manifestava em coisas bastante prosaicas e
através de olhos bastante comuns, eles tratavam - na realidade, celebravam - o mundo
cotidiano como uma revelação da sabedoria de Deus. Assim, a linguagem da revelação, tal
como a compreendiam, era um tanto terrena, baseada nas experiências de mães e pais,
agricultores e soldados, pastores e construtores de tendas. Ademais, as práticas de culto
religioso não só usavam objetos do dia a dia como julgavam que objetos naturais transmitiam
as Revelações mais elevadas e mais misteriosas de Deus. Eles não conseguiam perceber que
50

não podemos compreendê-la (a natureza) se, antes, não aprendermos a linguagem e


entendermos os símbolos em que ela está escrita. Porém, não existe correlação entre o livro
da natureza compreendido exclusivamente pela matematização e a Bíblia. A matematização
elimina qualquer relação real entre nossa experiência diária da natureza e o verdadeiro
conhecimento dela por meio da matemática.
Quando se aceita que uma filosofia matemática da natureza decifre a natureza do
cosmos, à revelação bíblica resta pouco que oferecer, salvo funcionar com uma espécie de
livro moral para aqueles que são incapazes de compreender a matemática necessária a
filosofia natural. Uma concepção mecânica de mundo, na qual este é uma máquina autônoma
que precisa, no máximo, de um toque final de uma deidade que, do contrário, estaria
absolutamente desvinculada dele, apenas reforça as tendências de matematização.
A influência de Descartes abrange mais do que se vê em sua análise da natureza.
Ninguém pode duvidar da posição de Descartes como pai da filosofia moderna, nem da
influência inescapável do cartesianismo na formação da mentalidade moderna. Isso se
explica tanto a estudiosos da bíblia como a filósofos, e em nenhum lugar é mais evidente
que na paixão pelo método. A “mania do método”, tão característica da modernidade e
particularmente óbvia entre os modernos estudiosos da Bíblia, faz parte da mesma mudança
revolucionária vista em Descartes, mudança que tende a situar o local da verdade e da certeza
nos seres humanos, dotando-os do status de criadores e juízes, oniscientes em virtude de seu
conhecimento das leis matemático-físicas, onipotentes em virtude de seu domínio técnico
sobre a natureza.
Podemos chegar até mesmo a dizer que a mudança da natureza para o método é a
revolução, pois o método se torna a medida pela qual tudo o mais é julgado e recriado de
acordo com a vontade humana.
51

IV. MUDANÇA DE PARADIGMA


http://geolibertaria2.blogspot.com/2010/07/o-metodo-em-galileu-bacon-descartes-e.html

Quando falamos hoje em Ciência Moderna devemos ter como referência os séculos
XVI e XVII que foram importantíssimos no processo de sua construção, e ficaram
conhecidos na história como a Idade da Revolução Científica. Segundo CAPRA: “A ciência
do século XVI e XVII baseou-se num novo método de investigação, defendido vigorosamente
por Francis Bacon, o qual envolvia a descrição matemática da natureza e o método analítico
de raciocínio concebido pelo gênio de Descartes. Reconhecendo o papel crucial da ciência
na concretização dessas importantes mudanças, os historiadores chamaram os séculos XVI
e XVII de a Idade da Revolução Científica”. (CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix,
2006, p.50)
Durante a Idade Média a ciência baseava-se na razão e na fé, e sua principal
finalidade era compreender o significado das coisas e não exercer a predição ou o controle.
Para CAPRA: “Os cientistas medievais, investigando os desígnios subjacentes nos vários
fenômenos naturais, consideravam do mais alto significado as questões referentes a Deus,
à alma humana e à ética”. (CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2006, p.49).
A visão de mundo que predominou na Europa durante a Idade Média era orgânica.
A Igreja Católica era a principal autoridade espiritual, política e científica, e a grande
referência filosófica era Aristóteles.
Durante a Idade Média predominava um paradigma Teocêntrico, que supõe a
existência de dois mundos e o conceito vigente de universo era geocêntrico. (TEIXEIRA,
Elizabeth. As três metodologias: acadêmica, da ciência e da pesquisa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p.95).
A partir do século XVI a visão de mundo orgânica foi substituída pela noção de
mundo como se ele fosse máquina, e o paradigma Teocêntrico deu espaço para o
Antropocêntrico ou newtoniano-cartesiano, conhecido ainda como mecanicismo. Assim, a
Ciência Medieval é substituída por um novo modelo de ciência baseado em um novo método
de investigação, estabelecido dentre outros por Francis Bacon, Galileu Galilei, René
Descartes e Isaac Newton.
Os antigos gregos produziram uma enorme quantidade de pensamento científico e
filosófico. Os nomes de Platão, Aristóteles, Euclides, Arquimedes e Ptolomeu emergiram
durante dois mil anos como gigantes ao longo das gerações. E os grandes pensadores árabes
e europeus sempre recorriam aos gregos, e mal ousavam expor uma ideia própria, sem
endossá-la com alguma referência aos antigos. Aristóteles, em particular, era considerado o
"mestre daqueles que sabem".
52

Durante os séculos XVI e XVII uma série de físicos práticos, como Galileu e Robert
Boyle, mostraram que os antigos gregos nem sempre tinham a resposta certa. Galileu, por
exemplo, descartou as ideias de Aristóteles sobre a Física; no entanto, os intelectuais
europeus ainda não se atreviam a romper com aqueles gregos por tanto tempo idolatrados.
A ruptura se deu em 1687 quando Newton publicou seu Principia Mathematica, em
latim (o maior livro científico já escrito, segundo a maioria dos cientistas). Neste livro
Newton apresentou as suas leis de movimento, sua teoria da gravitação e muitas outras
coisas, usando a matemática no estilo estritamente grego.
Aqueles que leram o livro tiveram que admitir que, finalmente, se depararam com
uma mente igual ou superior a qualquer um da antiguidade, e que a visão do mundo
apresentada era bela, completa e infinitamente superior em racionalidade a tudo o que
continham os livros gregos.
Newton e seu livro destruíram a influência paralisante dos antigos e acabaram, para
sempre, com o complexo de inferioridade intelectual do homem moderno.
Após a morte de Newton, o poeta Alexander Pope (1688 - 1744) resumiu tudo em
duas linhas: “A natureza e as suas leis permaneceram escondidas durante a noite. Deus
disse: Seja Newton! E tudo era luz”. (Fonte: 100 preguntas básicas sobre la ciencia - ISAAC ASIMOV
- Título original: Please Explain. 3ª Ed. cast.: Alianza Editorial, S. A., Madrid, 1979)
Nos séculos XVI e XVII, cientistas europeus começaram a aplicar cada vez mais
medidas quantitativas à medição de fenômenos físicos na Terra.
Os Principia de Newton encerram um ciclo de mais de dois milênios, fundindo
Astronomia e Mecânica, que antes eram consideradas ciências distintas. Descartes e Newton
realizaram a maior síntese científico-filosófica, que o saber ocidental conhecera até então.
Descartes, dando ao pensamento científico o método e a sua estrutura geral, com a concepção
da natureza como um relógio, governado por leis matemáticas precisas, cabendo a Newton
descobri-las.
Os Principia de Newton sintetizam de forma tão perfeita toda a ciência conhecida
até então.
O pensamento científico foi - durante todo o século XVIII, e até o advento das
equações do eletromagnetismo de Maxwell em meados do século XIX -, em grande parte, a
consolidação e ao aprimoramento da mecânica newtoniana que, por exemplo, previa
corretamente desde as trajetórias dos cometas às marés. O seu reconhecimento foi de tal
dimensão que até a França, reduto do cartesianismo, teve que render-se à evidência dos fatos
(...).
53

A Mecânica Clássica reinaria absoluta durante os séculos XVIII e XIX. Era capaz de
não só explicar o movimento de todos os corpos celestes, em seus mínimos detalhes, como
também, a origem das galáxias e do sistema solar, além do movimento das marés e de todos
os fenômenos ligados à gravitação. O sistema cartesiano-newtoniano, aprimorado
filosoficamente por Kant e matematicamente por Laplace, Lagrange, Hamilton e outros,
estabeleceu-se, rapidamente, como teoria correta da realidade de todo o cotidiano que nos
cerca, produzindo enorme influência em todo o pensamento científico, humanístico e
filosófico. Nada é melhor para ilustrar a euforia determinista que se apossou dos cientistas
dos séculos XVIII e XIX do que a famosa citação de Laplace:
Uma inteligência que, em certo momento, conhecesse todas as forças que atuam no
universo e o estado inicial de todos os corpos que constituem a natureza, abarcaria (se esta
suposta inteligência fosse tão vasta que pudesse processar todos os dados) na mesma
expressão matemática os movimentos dos grandes objetos do universo bem como do mais
ínfimo dos átomos: nada lhe seria duvidoso e o futuro, tal qual o passado, seria como o
presente a seus olhos.
Segundo o sonho de Laplace, um super computador, que pudesse armazenar todos
os dados iniciais e as leis de força de interação entre todas as partes do universo, poderia
prever, com absoluta precisão e ad infinitum, toda a sua evolução. Não existiriam assim mais
mistérios que a ciência não pudesse desvelar. De fato, o brilhante êxito da Mecânica
newtoniana-lagrangeana-laplaceana na previsão do movimento dos coros celestes e
terrestres levou os físico-matemáticos a aprimorá-la para que fosse utilizada também no
movimento contínuo dos fluidos (hidrodinâmica) e nas vibrações dos corpos elásticos,
revelando-se sempre correta. Até mesmo o calor e temperatura puderam ser descritos
mecanicamente na teoria cinética dos gases, quando se percebeu, no século XIX, que eram
conceitos ligados a movimentos de agitação de moléculas. Muitos fenômenos térmicos como
dilatação, fusão, evaporação, puderam ser entendidos sob um ponto de vista mecânico.
A Física tornava-se um paradigma para todas as ciências, de tal sorte que os
pensadores do século XVII tentaram levá-la ainda mais longe, aplicando os princípios da
mecânica newtoniana às ciências humanas e sociais. Aliando-se este fato ao avanço
inevitável da burguesia e à revolução industrial, surge uma “mecânica social” que recebeu o
nome de Iluminismo.
54

V. A Revolução Científica e o Iluminismo

A revolução científica é, em poucas palavras, fruto da sinergia entre a curiosidade


sobre a natureza, o racionalismo medieval e o empirismo.
A revolução científica começou com a curiosidade, ganhou importância com a livre
investigação e produziu os primeiros frutos em conhecimento do universo material.
Em 1543, a ciência europeia deu um salto quântico com a publicação de três livros
notáveis:
1°) O livro de Arquimedes sobre matemática e física que foi traduzido do grego e
tornou-se amplamente lido pela primeira vez;
2°) A Estrutura do Corpo Humano, livro com desenhos anatômicos de Andreas
Vesalius, que forneceu o primeiro olhar preciso da anatomia humana;
3°) A Revolução das Esferas Celestiais, de Nicolau Copérnico, que apresentou o
conceito de cosmologia heliocêntrica.
Já dissemos que a visão mecânica do mundo é um testemunho de três homens: Francis
Bacon, René Descartes e Isaac Newton. E, agora, pode-se dizer que depois de 300 anos,
ainda estamos sob a visão mecânica do mundo desses três homens. De fato, o método
científico mudou muito pouco nos últimos três séculos. Arquimedes (~ 287-212 a.C.), ao
enfatizar o poder da alavanca, vangloriou-se: “Dê-me um lugar para me apoiar e eu posso
mover a terra”. É claro que nenhuma alavanca é tão forte. Até os blocos de 300 toneladas
de pirâmides do Egito e da América Central estavam além da força de alavancas rígidas e
individuais; pesquisas recentes sugerem a possibilidade de que muitas alavancas de bambu
flexíveis possam ter compartilhado e distribuído cada carga. Porém, trezentos anos atrás, o
conjunto de alavancas científicas foi concluído. O mundo começou a se mover em resposta:
a revolução científica.
(fonte: Richard D. Jarrard, Scientific Methods, an online book)

O dogma da imutabilidade do cosmos cai com a revolução cientifica


Segundo Aristóteles, o cosmos era imutável e, portanto, quaisquer fenômenos
transitórios, como surgimentos de cometas ou de supernovas, deveriam estar situados dentro
da esfera lunar (porção do espaço delimitada por uma esfera de raio igual à distância da Terra
à Lua), local reservado para as transitoriedades do universo. Halley (1656-1742), astrônomo
inglês, observando atentamente os cometas, concluiu estarem situados muito além da Lua.
55

Foi assim quebrado o dogma da imutabilidade do cosmos, um dos mais arraigados conceitos
medievais.
A concepção determinista de ciência surge com a revolução cientifica
O melhor, no entanto, ainda estava por vir. O epicentro dessa formidável revolução
científica ocorre no século XVII, sendo obra de duas das mais poderosas mentes da história
do pensamento ocidental: Descartes, filósofo e matemático, e Isaac Newton, físico-
matemático e teólogo. Eles criam uma concepção determinista de ciência: o universo visto
como mecanismo previsível, governado por leis matemáticas precisas. Essas ideias
deterministas, que colocam o homem como sujeito ativo diante de uma natureza previsível,
tal qual um relógio, chegam a seu ponto culminante no século XVIII, até meados do século
XIX, levando Laplace a formular uma teoria da origem do sistema solar que prescinde da
ideia do Criador.
Enquanto suas datas são disputadas, a publicação em 1543 de Nicolau Copérnico De
revolutionibus orbium coelestium (Sobre as Revoluções das Esferas Celestes) é
frequentemente citado como marcando o início da revolução científica.
A revolução científica foi construída sobre a fundação do antigo aprendizado e da
ciência dos gregos na Idade Média, uma vez que ela foi elaborada e desenvolvida pela ciência
romana / bizantina e pela ciência islâmica medieval. A tradição aristotélica ainda era
importante estrutura intelectual no século XVII, embora naquela época os filósofos naturais
tivessem se afastado de grande parte dela. As principais ideias científicas que remontam à
antiguidade clássica mudaram drasticamente ao longo dos anos e, em muitos casos, foram
desacreditadas. As ideias que permaneceram (por exemplo, a cosmologia de Aristóteles, que
colocou a Terra no centro de um cosmos hierárquico esférico, ou o modelo ptolomaico do
movimento planetário) foram transformadas fundamentalmente durante a revolução
científica.
A mudança no entendimento de Ciência Medieval ocorreu por quatro motivos:
1ª) Os cientistas e filósofos do século XVII puderam colaborar com membros das
comunidades matemáticas e astronômicas para efetuar avanços em todos os campos;
2ª) Os cientistas perceberam a inadequação dos métodos experimentais medievais para
o seu trabalho e, portanto, sentiram a necessidade de criar métodos (alguns dos quais usamos
hoje);
56

3ª) Acadêmicos tinham acesso a um legado de filosofia científica europeia, grega e do


Oriente Médio que eles poderiam usar como ponto de partida (seja por refutar ou construir
os teoremas);
4ª) Instituições (por exemplo, a British Royal Society) ajudaram a validar a ciência
como um campo, fornecendo uma saída para a publicação do trabalho dos cientistas.

Novos métodos. Sob o método científico que foi definido e aplicado no século XVII,
circunstâncias naturais e artificiais foram abandonadas, e uma tradição de pesquisa de
experimentação sistemática foi lentamente aceita em toda a comunidade científica. A
filosofia de usar uma abordagem indutiva da natureza (abandonar a suposição e tentar
simplesmente observar com a mente aberta) estava em estrito contraste com a anterior
abordagem aristotélica da dedução, pela qual a análise de fatos conhecidos produzia uma
compreensão adicional. Na prática, muitos cientistas e filósofos acreditavam que era
necessária uma mistura saudável de ambos – a disposição de questionar os pressupostos e
interpretar as observações que se supunha terem algum grau de validade.
Durante a revolução científica, a mudança de percepções sobre o papel do cientista em
relação à natureza, o valor da evidência, experimental ou observada, levou a uma
metodologia científica em que o empirismo desempenhou um papel grande, mas não
absoluto. O termo empirismo britânico passou a ser usado para descrever as diferenças
filosóficas percebidas entre dois de seus fundadores – Francis Bacon, descrito como
empirista, e René Descartes, descrito como racionalista. Os trabalhos de Bacon
estabeleceram e popularizaram metodologias indutivas para a investigação científica, muitas
vezes chamada de método baconiano, ou às vezes simplesmente o método científico. Sua
demanda por um procedimento planejado de investigar todas as coisas naturais marcou uma
nova virada na estrutura retórica e teórica da ciência, grande parte da qual ainda envolve
concepções de metodologia apropriada hoje. Correspondentemente, Descartes distinguia
entre o conhecimento que poderia ser alcançado apenas pela razão (abordagem racionalista),
como, por exemplo, na matemática, e o conhecimento que exigia experiência do mundo,
como na física.
Thomas Hobbes, George Berkeley e David Hume foram os principais expoentes do
empirismo e desenvolveram uma tradição empírica sofisticada como a base do conhecimento
humano.
Novas ideias. Muitas novas ideias contribuíram para o que é chamado de revolução
científica. Alguns deles foram revoluções em seus próprios campos. Esses incluem:
57

O modelo heliocêntrico que envolveu o deslocamento radical da Terra para uma órbita
em torno do sol (em oposição a ser visto como o centro do universo). O trabalho de
Copérnico de 1543 sobre o modelo heliocêntrico do sistema solar tentou demonstrar que o
sol era o centro do universo. As descobertas de Johannes Kepler e Galileu deram à teoria
credibilidade e o trabalho culminou nos Principia de Isaac Newton, que formularam as leis
do movimento e da gravitação universal que dominaram a visão dos cientistas do universo
físico pelos três séculos seguintes. Estudar a anatomia humana com base na dissecação de
cadáveres humanos, e não nas dissecações de animais, praticadas há séculos. Descobrir e
estudar magnetismo e eletricidade e, portanto, propriedades elétricas de vários materiais.
Modernização de disciplinas (tornando-as mais como são hoje), incluindo odontologia,
fisiologia, química ou óptica. Invenção de ferramentas que aprofundaram o conhecimento
das ciências, incluindo a calculadora mecânica, o digestor de vapor (o precursor da máquina
a vapor), os telescópios de refração e reflexão, a bomba de vácuo ou o barômetro de
mercúrio.
A revolução científica lançou as bases para a Era do Iluminismo, que se centrou na
razão como fonte primária de autoridade e legitimidade e enfatizou a importância do método
científico. No século XVIII, quando o Iluminismo floresceu, a autoridade científica começou
a deslocar a autoridade religiosa. E as disciplinas, até então consideradas legitimamente
científicas (por exemplo, alquimia e astrologia), perderam a credibilidade científica. A
ciência passou a desempenhar um papel de liderança no discurso e no pensamento do
Iluminismo. Muitos escritores e pensadores do Iluminismo tinham antecedentes nas ciências
e associaram o avanço científico à derrubada da religião e da autoridade tradicional em favor
do desenvolvimento da liberdade de expressão e do pensamento. De um modo geral, a
ciência do Iluminismo valorizou muito o empirismo e o pensamento racional, e foi
incorporada ao ideal iluminista de progresso em progresso. Na época, a ciência era dominada
por sociedades e academias científicas, que substituíram amplamente as universidades como
centros de pesquisa e desenvolvimento científicos. Sociedades e academias também foram
a espinha dorsal do amadurecimento da profissão científica. Outro desenvolvimento
importante foi a popularização da ciência entre uma população cada vez mais alfabetizada.
O século XVIII viu avanços significativos na prática da medicina, matemática e física; o
desenvolvimento da taxonomia biológica; uma nova compreensão do magnetismo e da
eletricidade; e o amadurecimento da química como disciplina, que estabeleceu as bases da
química moderna.
58

O Iluminismo, que tem em John Locke, na Inglaterra, e em Jean Jacques Rousseau,


François Marie Arouet, vulgo “Voltaire”, Dennis Diderot e o Barão Montesquieu, na França,
os seus principais idealizadores, percebe a sociedade como um fluido social constituído de
indivíduos que se movem de acordo com os princípios básicos e leis semelhantes às que
governam o universo físico. Tal como os átomos de um gás ou sistemas planetários em
equilíbrio, os indivíduos se estabilizariam numa “sociedade em equilíbrio”. Essas leis
naturais, que regem o equilíbrio social, incluem o direito à liberdade, à prosperidade e à
igualdade de todos os indivíduos e devem disciplinar as paixões e as vontades destes em
benefício de um bem-estar comum: o habitante converte-se em um cidadão com direitos e
deveres.
O Iluminismo teve uma forte influência sobre o pensamento político e econômico
moderno. Os ideais de cidadania, livre arbítrio, direito à propriedade, mercados livres que
são até os dias de hoje a base do capitalismo, produziram, no final do século XVIII, dois dos
mais importantes acontecimentos da história da civilização ocidental: a Revolução Francesa
e a Declaração de Independência e a Constituição Americana.
Durante o século XIX, o modelo newtoniano-cartesiano continuou se estendendo à
Química, Biologia, Psicologia (Freud chegou a elaborar uma teoria mecânica para o
psiquismo humano), Filosofia e Ciências Sociais, e a Física newtoniana tornou-se assim uma
estrutura de grande complexidade. Somente novas descobertas e novas formas de
pensamento evidenciaram as limitações do determinismo newtoniano, preparando, na virada
do século XIX, os caminhos para as novas revoluções científicas do século XX, quando
novamente a ciência se vê diante de suas próprias barreiras cognitivas, vislumbrando-se
caminhos que a entrelaçam com as especulações filosófica, religiosa e psicológica (...).
(Origens e evoluções das ideias da física; organizador: José Fernando M. Rocha. Capítulo 1.
“Da Bíblia a Newton”. p. 114-116, 126-128. Roberto I. Leon Ponczek, EDUFBRA, 2002).
Durante a revolução científica, a mudança de percepções sobre o papel do cientista
em relação à natureza e o valor da evidência experimental ou observada levou a uma
metodologia científica na qual o empirismo desempenhava um papel importante, mas não
absoluto. Por empirismo se entende como uma teoria que estabelece “o conhecimento vem
apenas, ou principalmente, da experiência sensorial”. O empirismo enfatiza evidências,
especialmente o tipo de evidência coletada através da experimentação e pelo uso do método
científico.
Como a revolução científica não foi marcada por uma única mudança; muitas novas
ideias contribuíram. Algumas delas foram revoluções em seus próprios campos. A ciência
59

passou a desempenhar um papel de liderança no discurso e no pensamento. Muitos escritores


e pensadores do Iluminismo tinham antecedentes nas ciências e associaram o avanço
científico à derrubada da religião e da autoridade tradicional em favor do desenvolvimento
da liberdade de expressão e do pensamento.
A revolução científica foi um período de avanços assombrosos nas ciências e na
matemática, que durou cerca de duzentos anos, começou com Copérnico (1473-1543) – que
mostrou que a Terra não era o centro fixo da Criação – e terminou com Newton (1642-1727),
cujas descobertas inovadoras estabeleceram as bases da física moderna. Foi uma era que
desbancou a cosmovisão aristotélica-cristã – cujo modelo de realidade é hierárquico, no qual
todas as coisas existem organicamente em sua relação com Deus – em favor de um universo
mecânico, ordenado pelas leis da natureza, sem necessidade de um fundamento
transcendente.
Muitos dos que lideraram a Revolução Científica eram cristãos confessos, mas o
movimento tinha inegavelmente suas bases no nominalismo. Se o mundo material pudesse
ser estudado e compreendido em si mesmo, sem nenhuma referência a Deus, então a ciência
também poderia existir por conta própria, livre das controvérsias teológicas. E essa asserção
pragmática permitiu à ciência desenvolver-se sem que fosse cerceada por suposições
metafísicas religiosas. Ela passou a ter com o foco de atenção os fatos do mundo material,
que podiam ser demonstrados. E, ainda, passou a adotar um método empírico de testar
hipóteses, a fim de provar ou desmentir suas alegações.
Na prática, a ciência funcionava. Sir Francis Bacon tem uma frase muito conhecida
sobre as descobertas científicas no sentido de que deveriam ser aplicadas “para aliviar a
condição humana” – ou seja, para melhorar a vida do homem, reduzindo suas dores, seu
sofrimento e sua pobreza. Tal forma de pensar foi um divisor de águas na história das ideias.
O mundo natural não deveria mais ser matéria de contemplação, como se de algum modo
fosse um ícone do divino, mas algo a ser compreendido e manipulado pela vontade humana
em busca do seu próprio bem. Nesse sentido, para a mentalidade moderna, a Revolução
Cientifica afastou mais ainda Deus da Criação.
A revolução científica tem como cume a vida e obra de Sir Isaac Newton, físico,
matemático e cristão pouco ortodoxo, que fabricou um novo modelo do universo capaz de
explicar todo o seu funcionamento físico de um modo puramente mecânico. Newton
certamente acreditava que as leis descobertas por ele tinham sido estabelecidas por Deus.
Mas o deus de Newton, ao contrário do Deus da tradição metafísica cristã, era uma espécie
60

de relojoeiro divino, que havia construído um relógio, dando-lhe corda e deixado que ele
corresse solto, sem o Seu envolvimento.
A explosão da ciência mudou toda a epistemologia ocidental (o estudo de como
sabemos o que sabemos). A ciência aristotélica, dominante na Idade Média, estava baseada
em conceitos metafísicos a respeito da natureza essencial das coisas. A nova ciência
descartou seus componentes metafísicos e passou a raciocinar a partir da observação
empírica. René Descartes (1596-1650), filósofo e matemático, mudaria ainda mais a
abordagem à questão epistemológica. Enquanto Bacon dizia que deveríamos desenvolver
modelos raciocinando a partir da observação empírica, Descartes assumiu uma postura mais
puramente racionalista.
Descartes ensinava que o melhor começo para o método era aceitar como verdadeiras
somente as ideias claras que estivessem para além de qualquer dúvida. Não se deveria aceitar
como verdadeiro nada que fosse imposto por autoridade, e dever-se-ia até duvidar dos
próprios sentidos. Apenas aquilo sobre o que se pudesse ter certeza seria verdadeiro. O
primeiro de todos os princípios desse método é “penso, logo existo”.
A única coisa sobre o que não pode haver dúvida, portanto, é a existência individual.
Este é o fundamento de todos os outros pensamentos, segundo Descartes, que assim fez do
sujeito pensante e autônomo o determinador do que é verdadeiro ou não. Descartes era
racionalista, mas não era relativista moral – aliás, ele se considerava um católico devoto cuja
missão era, em partes, reconciliar a ciência e a fé.
O que Descartes fez – e o que o torna pai da filosofia moderna – foi inventar a
abordagem dos medievais em relação ao conhecimento. Para os escolásticos, a realidade era
objetiva e o dever da humanidade era, antes de qualquer coisa, entender a natureza metafísica
da realidade. Só então os homens poderiam começar a explorar o conhecimento do mundo e
de tudo o que ele contém. Descartes, por sua vez, começava toda a investigação a partir de
um conhecimento radical, declarando que o primeiro princípio do conhecimento era que o
Eu é consciente de si mesmo.
A filosofia cartesiana abriu as portas para o Iluminismo, projeto de mudanças radicais
no mundo todo assim denominados por seus entusiastas, que queriam contrastá-lo aos
supostos dias sombrios de quando a religião revelada mantinha o pensamento ocidental em
suas garras mortíferas. Em seu âmago, o Iluminismo foi uma tentativa dos intelectuais
europeus de encontrar uma base comum fora da religião pela qual pudessem determinar a
verdade moral. O sucesso das ciências levou os filósofos da moral a quererem explorar como
61

a razão desinteressada, tão bem-sucedida no campo científico, era capaz de mostrar ao


Ocidente um modo não sectário de viver.
Os filósofos do Iluminismo buscaram usar apenas a razão para estabelecer uma nova
base para a vida política e social que fosse totalmente separada do passado. Tentaram criar
uma moralidade secular que qualquer pessoa sensata pudesse entender e aceitar, e
acreditavam que isso era possível. Também defendiam que a ciência e a tecnologia eram
maneiras de impor a vontade racional do homem sobre a natureza, exaltando assim o
indivíduo dotado da capacidade de escolher livremente (...).
A revolução iniciada por Galileu no início do século XVII foi completada,
espetacularmente, por Newton no final do mesmo século.
Para Asimov: ... Seria bom poder afirmar que a ciência e o homem viveram felizes
juntos desde então. Mas a verdade é que as dificuldades que se opunham à ambas estavam
apenas em seus inícios. Embora a Ciência fosse dedutiva, a Filosofia Natural poderia ser
parte da cultura geral de todo homem educado. Mas a ciência indutiva representou uma
tarefa imensa, de observação, estudo e análise, e deixou de ser um jogo para amadores.
Assim, a complexidade da ciência se intensificou com as décadas. Durante o século
posterior a Newton, ainda era possível, para um homem de grandes dotes, dominar todos
os campos do conhecimento. Mas isso acabou sendo algo totalmente impraticável depois de
1800.
Com o passar do tempo, tornou-se cada vez mais necessário que o cientista se
limitasse a uma parte do conhecimento, se quisesse aprofundar-se intensamente nele.
Especialização em Ciência foi imposta, devido ao seu próprio crescimento inevitável, e, com
cada geração de cientistas, essa especialização cresceu e se intensificou cada vez mais. As
comunicações dos cientistas a respeito de seu trabalho individual nunca foram tão copiosas
ou incompreensíveis para o profano. Um léxico de entendimento válido apenas para
especialistas foi estabelecido. Este tem sido um sério obstáculo para a própria ciência, para
os avanços básicos no conhecimento científico, que são muitas vezes o produto da
fertilização mútua do conhecimento das diferentes especialidades. E, o que é ainda mais
lamentável, a Ciência perdeu progressivamente o contato com o profano. Em tais
circunstâncias, os cientistas passaram a ser considerados quase como mágicos e temidos,
em vez de admirados...”. [(p.19-21); livro: Introducción a la Ciencia - Isaac Asimov)].
Resumindo. A revolução científica, que enfatizou a experimentação sistemática
como o método de pesquisa mais válido, resultou em desenvolvimentos em Matemática,
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Física, Astronomia, Biologia e Química. Esses desenvolvimentos transformaram as visões


da sociedade sobre a natureza.
A mudança da ideia medieval de ciência ocorreu por quatro razões: (i) colaboração;
(ii) desenvolvimento de novos métodos experimentais; (iii) a capacidade de construir sobre
o legado da filosofia científica existente e (iv) instituições que permitiram a publicação
acadêmica.
Sob o Método Científico, que foi definido e aplicado no século XVII, circunstâncias
naturais e artificiais foram abandonadas e uma tradição de pesquisa de experimentação
sistemática foi lentamente aceita em toda a comunidade científica.
63

VI. Como a Estatística revolucionou a Ciência no século XX

Prefácio do livro: “Uma Senhora toma chá”. David Salsburg. Ed. Zahar, 2008.

A Ciência chegou ao século XX com a firme visão filosófica de que o Universo


funcionaria como o mecanismo de um imenso relógio. Acreditava-se que havia um pequeno
número de fórmulas matemáticas (como as leis do movimento de Newton e as leis dos gases
de Boyle) capazes de descrever a realidade e prever eventos futuros. Tudo de que se
necessitava para tal predição era um conjunto completo dessas fórmulas e um grupo e
medições a elas associadas realizadas com suficiente precisão. A cultura popular levou mais
de 40 anos para se pôr em dia com essa visão científica.
Típico desse atraso cultural é o diálogo entre o imperador Napoleão Bonaparte e
Pierre Simon Laplace nos primeiros anos do século XIX. Laplace havia escrito um livro
monumental e definitivo, no qual descreve como calcular as futuras posições de planetas e
cometas com base em algumas observações feitas a partir da Terra. “Não encontro menção
alguma a Deus em seu tratado, Sr. Laplace”, teria questionado Napoleão, ao que Laplace
teria respondido: “Eu não tinha necessidade dessa hipótese”.
Muitas pessoas ficaram horrorizadas com o conceito de um Universo mecânico, sem
Deus, que funcionasse para sempre sem intervenção divina e com todos os eventos futuros
determinados pelos que teriam ocorrido no passado. De certa forma, o movimento romântico
do século XIX foi uma reação a esse frio e exato uso da razão. No entanto, uma prova dessa
nova ciência apareceu na década de 1840 e deslumbrou a imaginação popular. As leis
matemáticas de Newton foram usadas para prever a existência de mais um planeta – e Netuno
foi descoberto no lugar que as leis previram. Quase todas as resistências ao Universo
mecânico desmoronaram, e essa posição filosófica tornou-se parte essencial da cultura
popular.
Embora Laplace não precisasse de Deus em sua formulação, ele necessitou de algo
que denominou “função erro”. A observação de planetas e cometas a partir da Terra não se
ajustava com precisão às posições previstas, fato que Laplace e seus colegas cientistas
atribuíram a erros nas observações, algumas vezes atribuíveis a alterações na atmosfera da
Terra, outras vezes a falhas humanas. Laplace reuniu todos esses erros numa função
algébrica extra (a função erro), que atrelou às suas descrições matemáticas. Essa função erro
absorveu as imprecisões e deixou apenas as puras leis do movimento para prever as
verdadeiras posições dos corpos celestes. Acreditava-se que, com medições cada vez mais
precisas diminuiria a necessidade da função erro. Com ela, a função erro, ficaria explicada
64

as pequenas discrepâncias, entre observado e previsto. E, assim, a ciência do século XIX


estava nas garras do determinismo filosófico – a crença de que tudo é determinado de
antemão pelas condições iniciais do Universo e pelas fórmulas matemáticas que descrevem
seus movimentos.
No final do século XIX, os erros haviam aumentado, em vez de diminuir. À
proporção que as medidas se tornavam mais precisas, novos erros se revelavam. O andar do
Universo Mecânico era trôpego. Falharam as tentativas de descobrir as leis da Biologia e da
Sociologia. Nas antigas ciências, como a Física e Química, as leis que Newton e Laplace
tinham utilizado mostravam-se meras aproximações grosseiras. Gradualmente, a ciência
começou a trabalhar com um novo paradigma, o modelo estatístico da realidade. No final do
século XX, quase toda a ciência tinha passado a usar modelos estatísticos.
A cultura popular não conseguiu acompanhar essa revolução científica. Algumas
ideias e expressões vagas (como “correlação”, “probabilidades” e “risco”) até entraram no
vocabulário popular, e a maioria das pessoas está consciente das incertezas associadas a
algumas áreas da ciência, como a medicina e a economia, mas poucos não cientistas têm
algum entendimento da profunda mudança de visão filosófica que ocorreu (...).
65

VII. A importância de Einstein

No século XX, os conceitos de Ciência e Método Científico foram modificados por


Karl Popper, mas, antes de falar de Karl Popper convém falar de Albert Einstein.
Por que Einstein é importante?
Sim, ele é importante pela sua Teoria da Relatividade com muitas aplicações na
ciência e na tecnologia e foi ele quem rompeu com um molde de pensamento fortemente
estabelecido pela física de Newton. Que, desde 1687, quando foi publicada a sua obra
Principia, a sua física recorreu um caminho triunfal, que ia de êxito em êxito. Parecia que
suas ideias fundamentais estavam estabelecidas de uma vez para sempre; poder-se-ia
acrescentar coisas, mas nunca mudar o já estabelecido. O esqueleto da Ciência Moderna
estava já construído e não poderia ser modificado, e isso se deveria ao fato da ciência natural
só admitir fatos comprovados e não especulações arbitrárias. As teorias científicas se
formulavam a partir da experiência, mediante a indução, ou seja, a passagem dos fatos
particulares às leis gerais, e se comprovavam ou “verificavam” recorrendo também aos fatos
da experiência.
Entretanto, no início do século XX, foi reconhecido que a Física de Newton não
conseguia explicar uma série de fenômenos, e se propuseram novas ideias. Einstein era então
um jovem desconhecido que trabalhava numa oficina de patentes em Berna, Suíça. Ao
acabar a graduação solicitou um cargo de professor na Universidade de Leiden, mas foi-lhe
negado (essa carta onde a Universidade nega é conservada num museu de Leiden). O seu
trabalho permitiu que ele tivesse horas livres que empregava na física, por sua conta. Em
1905, Einstein enviou à revista alemã “Anais da Física” quatro artigos. O diretor da revista
era Max Planck, um físico importante. Ele se deu conta da seriedade dos trabalhos e os
publicou em diferentes números da revista. Um dos artigos continha a explicação do efeito
fotoelétrico, que valeu a Einstein o prêmio Nobel, anos mais tarde. Outro artigo apresentava
a Teoria Especial da Relatividade.
A relatividade especial ou a relatividade restrita modifica conceitos básicos da física
de Newton. A massa já não é constante, mas que depende da velocidade. As medidas de
espaço e de tempo não são sempre as mesmas, mas que mudam em função de quem os mede.
Todas as leis da mecânica de Newton mudam. Sem dúvida, essa teoria de Einstein é uma
teoria coerente, que se aplica com êxito a muitos fenômenos nos quais falha a teoria de
Newton, que continua valendo no âmbito dos fenômenos ordinários. Também, em 1905
66

formulou a Teoria Geral da Relatividade, que logo começou a ser aplicada no estudo do
universo em seu conjunto.
Tudo isso é importante para a ciência, mas, ainda o mais importante, são as ideias de
fundo associadas à revolução de Einstein. Essa revolução mostrou que inclusive as teorias
científicas melhor comprovadas poderiam falhar; isso é o que sucedeu à teoria de Newton,
depois de mais de duzentos anos de constantes êxitos. O próprio Einstein, em uma
conferência que pronunciou em Viena, disse que se encontrassem fatos experimentais que
fossem contrários à sua teoria, teria de mudá-la; e Popper estava ouvindo aquela conferência.
Para a filósofa Elizabeth de Assis Diaz em seu artigo Popper, leitor de Einstein (Vol. VI,
n° 11, Julho 2014, p. 225-237) vemos a influência do pensamento de Einstein sobre Popper:
(...) sabemos que o propósito de Einstein, apesar da profundidade de seu
pensamento e de sua formação clássica, não foi o de construir um sistema
filosófico da natureza, mas sim contribuir para a solução de problemas surgidos
no âmbito da Física de seu tempo. Porém, no decorrer de suas investigações, ele
não deixou de produzir algumas reflexões filosóficas sobre a ciência, muito
embora não as tenha desenvolvido de forma sistemática. Einstein defendia a tese
de que o físico além de ser educado em uma tradição que lhe possibilitasse o
acesso aos conhecimentos de metodologia, história e filosofia da ciência, deveria
também filosofar.
Einstein, em vários trechos de suas obras, produziu reflexões filosóficas
sobre a ciência. Por exemplo, no texto “Indução e dedução em Física” (1919),
publicado no grande jornal de Berlim, o Berliner Tageblatt, do qual não se teve
referência antes de 1984. Nesse artigo, Einstein nos apresenta algumas reflexões
sobre o status da ciência expressas em sentenças curtas, que soam como
antecipações das análises de Popper acerca das teorias científicas, antes de este
ter publicado sua obra A Lógica da pesquisa científica (1934).
A questão que se coloca é se Popper teria lido esse texto de Einstein, antes
de formular os principais aspectos de sua teoria da ciência, que aparecem na
mencionada obra de 1934. Nos textos de Popper encontramos várias referências
a Einstein, e à grande revolução que este efetivou no âmbito da ciência, mas
nenhuma delas diz respeito ao artigo citado.
Einstein o fez perceber que qualquer teoria estabelecida pode ser,
simplesmente, uma primeira aproximação da verdade; e, ainda, ao contrário de
Newton, que considerava a indução como tendo um papel na descoberta de sua
67

teoria, viu nela um procedimento inválido. Popper esclarece que levou cinco
anos para ter uma compreensão clara acerca desses pontos, e que apenas em
1919, leu não só sobre Einstein, mas também suas obras. Muito embora Popper
admita que só teve conhecimento da obra de Einstein a partir de 1919, não deixa
de ser significativo o fato de ele ter formulado seu critério de falseabilidade
durante esse mesmo ano.
A negação de Popper da leitura do referido artigo, bem como a declaração
de sua admiração por Newton e de sua leitura tardia das obras de Einstein, não
significa que Popper não tenha sido influenciado pelo cientista alemão. Popper,
segundo o que supomos, parece não querer admitir que Einstein tenha formulado
o princípio de falseabilidade das teorias antes dele. Em suas obras, não deixa de
reconhecer uma grande influência de Einstein na formulação de certos aspectos
de sua teoria da ciência. E, com efeito, em sua Autobiografia intelectual escreve:
“foi nessa época (1919) que entrei em contato com as ideias de Einstein, que se
tornaram a influência dominante em meu próprio pensar – a longo prazo, a mais
importante influência, talvez”.
O próprio Popper, numa entrevista concedida à BBC de Londres, resume
em quatro aspectos a influência de Einstein sobre seu pensamento: (i) a teoria
melhor estabelecida pode ser modificada ou corrigida; (ii) a ideia de que se deve
buscar sempre os pontos fracos das teorias e suas limitações; (iii) a atitude crítica
como característica da melhor atividade científica; (iv) a distinção entre a atitude
crítica e a crítica filosófica.
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VIII. A revolução de Karl Popper

A Filosofia da Ciência como ramo especializado da filosofia originou-se no último


quarto do século XIX. Foi na obra de Karl Popper (28/07/1902 – 17/09/1994) que a Filosofia
da Ciência encontrou sua maior expressão.
Popper foi o primeiro filósofo a tentar demarcar claramente o que é ou não é Ciência.
Popper delimitou a Ciência adicionando-lhe os seguintes critérios:
(fonte: http://www.genismo.com/logicatexto1.htm)
1. Nenhuma teoria científica pode ser provada verdadeira.
2. Uma teoria científica apenas pode ser provada falsa.
3. Uma teoria que não pode ser refutada não é uma teoria científica.
Assim, com esse novo conjunto de postulados, Popper instituiu a “falseabilidade” (ou
“refutabilidade”) como o principal critério de distinção entre teorias científicas das não
científicas. A “refutabilidade” de uma teoria quer dizer que, em princípio, a teoria é passível
de ser falseada e assim poder ser, ou não, refutada.

Popper (https://www.youtube.com/watch?v=hVNiuzEws7U) abalou os


fundamentos do neopositivismo substituindo o princípio de verificação (que é
um princípio de significância) pelo critério de falseabilidade (que é um critério
de demarcação entre Ciência e Neociência); substituiu a velha e venerável, mas,
em sua opinião, impotente teoria da indução, pelo método dedutivo da prova;
deu uma interpretação diferente da interpretação de alguns membros do Círculo
de Viena a respeito dos fundamentos empíricos da ciência, afirmando que os
protocolos não são de natureza absoluta e definitiva; reinterpretou a
probabilidade, sustentando que as melhores teorias cientificas (enquanto
implicam mais e podem ser mais bem verificadas) são as menos prováveis;
rejeitou a antimetafisica dos vienenses, considerando-a simples exclamação, e,
entre outras coisas, defendeu a metafísica como progenitora de teorias
cientificas; e releu em novas bases os filósofos como Kant, Hegel, Stuart Mill,
Berkeley, Bacon, Aristóteles, Platão e Sócrates para chegar a uma estimulante
releitura, em bases epistemológicas, dos pré-socráticos, vistos como os criadores
da tradição de discussão crítica...
Popper (...) não apresentou a Ciência com aspecto de fabricar
mecanicismo ou de coletar observações para correlacioná-las através de
processos dedutivos ou indutivos. Apresentou-a, antes, como uma tentativa de
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formular uma teoria do mundo com base em conjecturas audaciosas,


disciplinadas por uma crítica penetrante...”.
(E. P. de Sena, “Karl Popper e alguns aspectos persistentes na filosofia da ciência”,
Universidade Federal da Bahia, abril 2001)

Karl Popper nasceu em Viena, em 1902, praticamente junto com o século XX. Nessa
época, a ciência parecia ter atingido o auge do prestígio. A revolução industrial iniciada na
Inglaterra do século XVIII influenciou a divisão e a organização do trabalho. E as novas
tecnologias aproveitaram as possibilidades abertas pela ciência determinista de sir Isaac
Newton. A utilização maciça das aplicações técnicas do conhecimento científico produziu
um período de progresso material acelerado, no qual a humanidade avançou mais em dois
séculos neste campo do que nos quatro mil anos anteriores. Esse progresso acelerado colocou
o conhecimento científico numa posição de destaque, que, no século XIX, culminou no
cientificismo, a crença de que tudo poderia ser explicado pela ciência, que deveria ser
colocada acima de todos os outros modos do saber.
O que preocupava a Popper era saber quando uma teoria pode ser considerada
verdadeira, e se a verdade das teorias pode ser demonstrada mediante a experiência.
Nessas circunstâncias, assistiu a uma palestra de Einstein e viu uma nova luz. Se
Einstein mesmo dizia que deveria modificar a sua teoria da relatividade em caso de encontrar
fatos que a contradissessem, essa era a atitude cientifica e racional! Era uma atitude muito
diferente da adotada pelo marxismo e pela psicanálise, que se apresentavam como teorias
científicas, definitivamente verdadeiras, passasse o que passasse: embora a experiência
mostrasse o contrário.
Popper encontrou razões lógicas que iam ao mesmo sentido; concretamente, que
umas consequências verdadeiras podem ser obtidas a partir de premissas falsas e que,
portanto, a comprovação de uns resultados não garante que a teoria na qual se apoiam seja
verdadeira. Concluiu que nunca podemos demonstrar a verdade de nossas teorias mediante
fatos de experiência; de acordo com esse ponto de vista, as teorias são hipóteses ou
conjecturas, nunca verdades definitivas. A atitude científica não consistirá em defender a
todo custo nossas teorias, mas pelo contrário em buscar fatos que a contradigam; o melhor
que pode suceder é que esses fatos apareçam, pois então já sabemos algo: que temos
cometido um erro. Deste modo, mediante sucessivas teorias nas quais vamos corrigindo
nossos erros, podemos nos aproximar mais e mais em direção à verdade.
Em decorrência disso, segundo Popper, se nunca podemos demonstrar que nossas
teorias são verdadeiras, nosso conhecimento será sempre conjectural. Sem dúvida, pode-se
70

progredir através de sucessivas eliminações de nossos erros concretos. Buscamos a verdade,


mas nunca podemos estar seguros de havê-la alcançado. A verdade é como um farol que
guia nossa busca, mas se trata de uma busca sem fim. Em 1974, Popper escreveu sua
Autobiografia intelectual e a publicou precisamente com este título “Busca sem fim”. (Mariano
Artigas. Ciencia y Fe: nuevas perspectivas. EUNSA, 1992, páginas: 20-24).
Popper é o autor da definição atualmente mais aceita de teoria científica: “Uma teoria
científica é um modelo matemático que descreve e codifica as observações que fazemos.
Assim, uma boa teoria deverá descrever uma vasta série de fenômenos com base em alguns
postulados simples como também deverá ser capaz de fazer previsões claras as quais
poderão ser testadas”. Com esta definição, a simplicidade e a clareza voltavam a serem
virtudes identificadoras da boa ciência, que assim se separa das mistificações que nos dois
séculos anteriores tentaram pegar carona em seu prestígio.
Popper defendeu que se a ciência se baseia na observação e teorização só se podem
tirar conclusões sobre o que foi observado, nunca sobre o que não foi. Assim, se um cientista
observa milhares de cisnes, em muitos lugares diferentes e verifica que todos os cisnes
observados são brancos, isto não lhe permite afirmar cientificamente que todos os cisnes são
brancos, pois, não importa quantos cisnes brancos tenham sido observados, basta o
surgimento de um único cisne negro para derrubar a afirmação de que eles não existiriam.
Assim, qualquer afirmação científica baseada em observação jamais poderá ser considerada
uma verdade absoluta ou definitiva. Uma teoria científica, no máximo, pode ser considerada
válida até quando provada falsa por outras observações, testes e teorias, mais abrangentes
ou exatas que a original.
A possibilidade de uma teoria ser refutada constituía para o filósofo a própria
essência da natureza científica. Assim, uma teoria só pode ser considerada científica quando
é falseável, ou seja, quando é possível prová-la falsa. Esse conceito ficou conhecido como
falseabilidade ou refutabilidade. Segundo Popper, o que não é falseável ou refutável não
pode ser considerado científico. As teorias da gravitação universal de sir Isaac Newton são
científicas, porque além de se enquadrarem na definição ao propor equações simples que
descrevem os modelos cósmicos gravitacionais, também é possível se fazer previsões
acertadas com base nelas. E as teorias de Newton também são falseáveis; tanto que o foram,
quando Albert Einstein com sua Teoria da Relatividade demonstrou que a mecânica
newtoniana não era válida em velocidades próximas à da luz.
Com Popper, os limites da ciência se definem claramente. A ciência produz teorias
falseáveis, que serão válidas enquanto não refutadas. Por este modelo, não há como a ciência
71

tratar de assuntos do domínio da religião, que tem suas doutrinas como verdades eternas ou
da filosofia, que busca verdades absolutas.
(https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/filosofia-da-ciencia-karl-popper-falseabilidade-e-
limites-da-ciencia.htm). Filosofia da ciência - Karl Popper, falseabilidade e limites da ciência. Carlos
Roberto de Lana, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação).

Para Popper, o saber começa com a proposta arriscada de hipóteses. Algumas


hipóteses são mais falseáveis que outras: elas excluem mais e desse modo têm maior
probabilidade de serem refutadas. “Quanto mais falseável for uma hipótese, menos provável
ela será, e, ao excluir mais, ela diz mais acerca do mundo, isto é, tem maior conteúdo
empírico”.
Se uma hipótese sobrevive às tentativas de falseá-la, então, na expressão de Popper,
ela “provou a sua têmpera” e pode ser aceita – mas nunca será conclusivamente estabelecida.
A sobrevivência às sérias tentativas de refutar uma teoria corrobora a teoria, sendo
maior a corroboração quanto maior for a falseabilidade da teoria.
Popper mostra que há uma diferença entre aqueles que glorificam as confirmações e
aqueles que buscam falseamentos: no primeiro caso, a aceitação é dogmática; no segundo, é
crítica.
A Ciência não é um sistema de enunciados certos e bem estabelecidos. Nossa ciência
não é conhecimento (epistome): nunca pode afirmar ter alcançado a verdade, ou mesmo um
substituto para ela, tal como a probabilidade. Não conhecemos: somente podemos
conjecturar.
(...) Os pontos mais importantes em que Popper se afasta das teses concretas do Círculo
de Viena são os seguintes:
a) rejeição ao critério de verificação propondo, como o mais adequado, um critério
falseabilidade. Assim, enunciados científicos serão aqueles que sejam susceptíveis de
falsificação: um enunciado será científico se pode, em teoria, ser falsificável embora seja
possível que, de fato, não encontremos nunca uma instancia falsificável;
b) estabelecimento do critério de falseabilidade como um critério de demarcação entre
Ciência e Pseudociência, mas não como critério de significado.

(...) Para estabelecer a falseabilidade ou a refutabilidade como critério de demarcação,


Popper teve de criticar o critério de demarcação admitido pelos neopositivistas do Círculo
de Viena. Esses sustentam que o critério para aceitar um enunciado como científico e
significativo é a sua verificabilidade, e que todo enunciado não verificável não é científico e
72

que, por ele, carece de significado. Popper mantém, frente a este critério empirista do
significado, que o problema está em decidir o que é científico e o que não o é, e de que não
se deve identificar científico como significativo, de modo que muitos enunciados não
científicos, como por exemplo, os metafísicos ou filosóficos, são enunciados significativos,
apesar de não serem científicos: o critério de caráter científico de um enunciado reside em
sua refutabilidade, mas não em seu significado.
A fundamentação da refutabilidade como critério leva ao desenvolvimento de uma
nova concepção de ciência e de teoria científica. As ciências são sistemas de teorias
científicas, e estas devem conceber-se como aproximações à realidade, como “redes”, diz
metaforicamente, que lançamos para compreender o mundo, para “racionalizá-lo, explicá-lo
e dominá-lo”, e a maneira de conseguir que a malha das redes seja cada vez mais fina é
procurando eliminar todas aquelas teorias e hipótese que não dizem nada acerca do mundo,
porque são falsas. Uma vez que as teorias e as hipóteses são enunciados universais,
eliminaremos da ciência as hipóteses falsas submetendo seus enunciados universais a
refutação.... (...) A confirmação de hipóteses é irrelevante para estabelecer a verdade de uma
teoria, dado que um enunciado universal não é logicamente verificável, enquanto a refutação
cobra toda a importância, pois basta um só o caso de refutação para rejeitar como falso um
enunciado universal.
Milhares de provas que confirmam: “os cisnes são brancos” não fazem verdadeiro a
este enunciado; pelo contrário, basta um só caso de cisne negro para rejeitar o enunciado
como falso. Do mesmo modo, na metodologia científica não interessa esforçar-se pela
confirmação das teorias e das hipóteses científicas; a teoria que afirma que as órbitas os
planetas de todo o universo são elípticas não se demonstra de uma forma conclusiva
aduzindo exemplos de órbitas planetárias elípticas, enquanto que um apenas caso de órbita
circular refutaria a hipótese (assimetria lógica existente entre verificação e refutação, ou
confirmação e desconfirmação, quando se fala de enunciados universais). (...) Assim, na
metodologia científica, não existe razão lógica para que o cientista se esforce em confirmar
e salvar as próprias teorias; não se pode demonstrar que uma teoria cientifica seja verdadeira,
mas é possível rejeitá-la como falsa. O que importa, portanto, é eliminar todas as teorias
falsas submetendo-as às tentativas de refutação. Isso supõe uma mudança de perspectiva na
teoria da ciência mantida até então (antes de Popper):
“... em minha opinião, não existe nada que possa chamar-se de indução. Portanto,
seria logicamente inadmissível a inferência de teorias a partir de enunciados singulares que
estejam “verificados pela experiência”. (...) Assim, pois, as teorias não são nunca
73

verificáveis empiricamente. Se queremos evitar o erro positivista de que nosso critério de


demarcação elimine os sistemas teóricos da ciência natural, devemos eleger um critério que
nos permita admitir no domínio da ciência empírica inclusive enunciados que não se possam
verificar. Mas, certamente, só admitirei um sistema entre os científicos ou empíricos se é
susceptível de ser confrontado pela experiência. Estas considerações nos sugerem que o
critério de demarcação que temos de adotar não é o da verificabilidade, mas o da
falseabilidade dos sistemas. Dito de outro modo: não exigirei que um sistema científico
possa ser selecionado, de uma vez para sempre, num sentido positivo; mas que seja
susceptível de seleção num sentido negativo por meio de contrastes ou provas empíricas:
tem de ser possível refutar pela experiência um “sistema científico empírico”. (Karl R. Popper.
A lógica da investigação científica em Carlos Javier Alonso. A agonia do cientificismo. EUNSA, 1999, p. 122).

A concepção herdada da ciência, impulsionada, sobretudo pelos patrocinadores do


Círculo de Viena e o neopositivismo em geral, sustenta uma concepção da ciência
fundamentada no indutivismo. A indução importava tanto no contexto do descobrimento das
hipóteses como no contexto de justificação delas. A ciência – se supunha – é indutiva, e as
hipóteses procedem normalmente pela generalização dos casos particulares observados.
Ademais, uma hipótese se justifica, isto é, se raciocina que é verdadeira submetendo-a à
confrontação, cujo resultado pode ser a confirmação ou a refutação. Se a hipótese resulta
confirmada pela prova experimental, se a admite como verdadeira ou, pelo menos, como
provável; este momento da justificação é também indutivo, dado que se apoia sobre um
raciocínio indutivo, como é o esquema lógico da confirmação de hipótese.
A esta teoria indutiva da ciência, se opõe Popper com seu dedutivismo. Por um lado,
não é possível fundar a ciência em um processo de indução por generalização. Porque, tal
como demonstrou Hume, não está logicamente justificado passar de enunciados particulares
a enunciados universais. E, ademais, a ciência não parte de observações de casos concretos,
mas de problemas que suscitam teorias para resolvê-los. E qualquer observação supõe já
uma teoria prévia, que é o que nos incita a observar. Como se originam as hipóteses é apenas
uma questão subjetiva ou psicológica. O importante é como se justificam e, dada à
impossibilidade da verificação das hipóteses, a sua confirmação é irrelevante e só resulta
relevante a sua possível refutação. Não é possível verificar teorias, e o processo científico
deve ser concebido como uma elaboração de hipóteses, a modo de conjecturas, das que se
extraem predições que se confrontam com fatos que possam refutá-las, com o ânimo de
eliminar as que resultam falsas (...)
74

A teoria que desenvolve Popper se opõe diretamente a todas as tentativas de se apoiar


nas ideias de uma lógica indutiva. Poderia descrevê-la como a teoria do método dedutivo de
contrastar (confrontar) ou como a opinião de que uma hipótese só pode ser confrontada
empiricamente – e unicamente – depois dela ter sido formulada (...).
Para Popper, uma teoria cientifica nunca pode ser verificada, e isso por motivos
puramente lógicos; embora se comprovem algumas de suas consequências, isto não
demonstra que todas as premissas são verdadeiras. As teorias científicas são “sistemas
hipotético-dedutivos” nos quais, a partir de certas hipóteses, se extraem consequências por
dedução, e são essas consequências as que se confrontam com a experiência; se a
confrontação resulta bem, o máximo que pode dizer é que a teoria foi de momento,
“corroborada”, embora sempre siga sendo provisional e sujeita a ulteriores críticas e
comprovações; e se a confrontação resulta mal; então, sim, que demonstra que a teoria é
falsa, pois a falsidade de uma só consequência demonstra a falsidade das premissas – ao
menos de alguma elas -. Haveria, pois, “assimetria” entre a “verificação” e a
“falseabilidade”; uma teoria científica nunca pode ser verificada, e, pelo contrário, pode ser
falsificada. Ainda mais, o espírito científico e o progresso da ciência exigem, segundo
Popper, que se abandone a atitude dogmática que vai buscando verificações e certezas
definitivas inalcançáveis, e que se adote “a atitude racional ou crítica”, que busca sempre
detectar erros para melhorar as teorias provisionais.
Para Popper, com o critério da falseabilidade, não se deve abandonar as teorias
levianamente, pois se o fizéssemos estaríamos adotando uma atitude acrítica excessiva em
relação aos testes rigorosos a que deveriam se ter submetido. Popper coloca-se como
refutacionista, um adepto altamente crítico do falseamento, ao nível da metodologia.
Consideremos um exemplo concreto:

(E. P. de Sena, “Karl Popper e alguns aspectos persistentes na filosofia da ciência”,


Universidade Federal da Bahia, abril 2001)

... “A água ferve a 100ºC e isto traduz uma lei científica”. Nenhum número
de casos confirmadores demonstrará que assim é, mas podemos submeter a teste
a lei, procurando circunstâncias em que ela deixe de vigorar. Com pequeno
esforço de imaginação, descobriremos que a água não ferve a 100ºC em vasos
fechados. Aquilo que suponhamos uma lei científica deixa, pois, de sê-lo.
Podemos manter o enunciado original, restringindo seu conteúdo empírico,
para afirmar: “A água ferve a 100ºC em vasos abertos”. Passaríamos a buscar
75

sistematicamente situações refutantes do novo enunciado. Com mais um pouco


de imaginação, a refutação pode ser encontrada se formularmos a proposição
a grandes altitudes, por exemplo. Para salvaguardar o segundo enunciado,
restringiríamos o seu conteúdo empírico, afirmando: “A água ferve a 100ºC, em
vasos abertos, sob pressão atmosférica igual à que se constata ao nível do mar”.
Passaríamos, a seguir a buscar casos refutadores do terceiro enunciado – e
assim por diante. Podemos imaginar que, ao agir dessa forma, estamos
delimitando com precisão crescente o novo conhecimento acerca do ponto de
ebulição da água.
Ao constatarmos que a água não fervia a 100ºC em vasos fechados
tínhamos atingido o limiar de uma descoberta importante, um problema novo:
Por que não? Somos compelidos, agora a formular uma hipótese, mais rica do
que a primitiva, demasiado simples, ou seja, uma hipótese capaz de explicar
porque a água ferve a 100ºC em vasos abertos e, simultaneamente, capaz de
explicar porque não ferve a essa temperatura em vasos fechados.
Quanto mais rica a hipótese, tanto mais informativa será; esclarecendo-
nos o cálculo preciso da diferença entre os dois pontos de ebulição.
A segunda formulação não tem menor conteúdo empírico; mas, ao
contrário, um conteúdo consideravelmente maior. Caberia procurar uma
refutação para esta segunda hipótese. Se descobríssemos que ela nos daria
resultados corretos para vasos abertos e fechados, à pressão atmosférica ao
nível do mar, sem resultados corretos a grandes altitudes, passaríamos a buscar
uma terceira hipótese, ainda mais rica que a segunda, capaz de explicar porque
as hipóteses iniciais eram ilegítimas, até o ponto em que o eram; deixando de
sê-lo e capaz ainda, é claro, de dar conta da situação nova. Em seguida
submeteríamos a teste a “terceira hipótese”.
De cada uma das hipóteses sucessivas, seriam deduzidas consequências
que abrangeriam muito mais do que a evidência existente: a teoria – verdadeira
ou falsa – nos diria mais acerca do mundo do que era antes conhecido. E uma
das formas de submeter a teste a teoria consistiria em conceber confrontos entre
as suas consequências e novas experiências de ordem observacional.
Confirmando-se que algumas asserções da teoria não se manifestam realmente,
tem-se uma descoberta nova: o conhecimento seria ampliado e se imporia a
repetição do procedimento, em busca de uma teoria mais satisfatória.
76

Aí está, em resumo, o que Popper pensa acerca de como o


conhecimento progride. Seu aspecto mais negativo, todavia, reside em que, ao
acumular evidência mais favorável, não se lançam dúvidas sobre o enunciado
original; de modo que não surgem motivos para substituí-lo por outro. Quanto
mais ousada a teoria, mais ela nos diz, e mais atrevido o ato imaginativo.
A concepção que Popper tem da ciência adapta-se, com naturalidade,
à história da ciência. No Ocidente, geração após geração, aprendeu-se que as
leis newtonianas eram um fato definitivo e, não passível de correções. No início
deste século, Einstein apresentou uma teoria diferente da newtoniana. As
opiniões acerca da verdade das ideias de Einstein variaram amplamente, mas
não se negou que seu alcance era maior que o da teoria de Newton, no que dizia
respeito às aplicações. É aqui que está o ponto importante. Toda a evidência
observacional que se mostrava concorde com a teoria de Newton mostrava-se
igualmente concorde com a de Einstein, abrangendo alguns aspectos a que a
teoria de Newton não fazia alusão. A comunidade científica simplesmente errara
ao acreditar que toda a evidência não mencionada “demonstrava” a teoria de
Newton. Não obstante, toda uma época da história se havia baseado nessa
teoria, obtendo êxitos materiais sem precedentes. Se essa quantidade de
verificações e o apoio indutivo não demonstravam a veracidade da teoria, que
fatores poderiam demonstrá-la? E Popper compreendeu que não havia como
demonstrá-la. Percebeu que nenhuma teoria poderia ser encarada como
verdade final. O máximo que se pode asseverar é que a teoria encontre apoio
em cada observação feita até o momento e que forneça previsões mais precisas
do que qualquer outra teoria alternativa conhecida. Ainda assim, pode
perfeitamente, como se deu com a geometria de Euclides ou a Lógica de
Aristóteles, ser aceita como conhecimento objetivo por mais de dois milênios,
pode ser quase infinitamente frutífera e útil durante todo esse lapso de tempo –
e, ainda assim, mostrar-se afinal, deficiente sob algum aspecto imprevisto, e ver-
se substituída por uma teoria mais adequada. Dispomos hoje, de uma teoria que
a maioria dos físicos encara como alternativa melhor, que substitui a teoria de
Newton. Ainda assim ela não é a verdade final. O próprio Einstein considerava
a sua teoria como insatisfatória, passando a segunda metade de sua vida em
busca de algo melhor. Talvez caiba esperar, como nos domínios da Mecânica
77

Quântica, que o futuro nos apresente uma teoria mais avançada que englobe a
de Einstein, assim com englobava e explicava a de Newton a deste...

Resumindo. É importante reforçar a ideia de que não existe “comprovação” de uma


teoria científica. Se uma teoria passa nos testes diz-se que a teoria foi corroborada pelos
testes e nunca que ela foi confirmada por eles (no sentido de ter sido provada verdadeira).
Quando uma teoria é corroborada ela ganha confiabilidade, apenas isso, pois nenhuma teoria
pode ser considerada verdadeira.
“O método da ciência é o método de conjecturas audazes e engenhosas seguidas de
tentativas rigorosas de falseá-las". Só sobrevivem as teorias mais aptas. “Nunca se pode
dizer licitamente que uma teoria é verdadeira, pode-se dizer com otimismo que é a melhor
disponível, que é melhor que qualquer das que existiam antes”.
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Exercícios sobre falseabilidade


fonte: https://youtu.be/nUcLZDA1SbM
Mateus Salvadori. Publicado em 11 de jan de 2018
"O conhecimento é uma aventura em aberto. O que significa que aquilo que saberemos amanhã é
algo que desconhecemos hoje; e esse algo pode mudar as verdades de ontem." (Karl Popper).

Proposição Falseabilidade/a
experiência diz que é
A Nunca chove às quartas-feiras Sim/falsa
B Todas as substâncias se expandem quando aquecidas Sim/falsa
C Objetos pesados, como um tijolo, quando liberados perto da superfície Sim/verdadeira
da Terra, caem diretamente para baixo se não forem impedidos.
D Quando um raio de luz é refletido de um espelho plano, o ângulo de Sim/verdadeira
incidência é igual ao ângulo de reflexão.
E Ou está chovendo ou não está chovendo. Não
F Todos os pontos num círculo euclidiano são equidistantes do centro. Não
G A sorte é possível na especulação esportiva. Não
H Deus existe. Não

Conclusão:

→As hipóteses falsificáveis são: A, B, C, D; porque são falseáveis são científicas, que
servem para a ciência.
→Porém, A e B, embora científicas, serão descartadas para a ciência porque são falsas.
→Não são frases científicas as hipóteses: E, F, G, H.
→As hipóteses falsificáveis são científicas.
→As hipóteses não falsificáveis não são científicas.

Quanto mais falsificável (grau de falseabilidade) for uma teoria melhor ela será.
Quanto mais uma teoria afirma, mais oportunidade potencial haverá para mostrar que o
mundo de fato não se comporta da maneira como mostrado pela teoria.
Exemplo:
Hipótese 1. Marte se move numa elipse em torno do Sol;
Hipótese 2. Todos os planetas se movem em elipse em torno de seus sóis.
Qual é a teoria mais falsificável e, portanto, mais cientifica?
Resposta. Observe. Na hipótese (1) tem apenas o planeta Marte. E, na hipótese (2) tem
mais planetas.
Dentre essas duas acima, qual é a teoria é mais falsificável e, portanto, a mais
cientifica? A resposta certa é a 2, é a hipótese 2. Porque há maior possibilidade de falsificar
o que está sendo afirmado nesta proposição. É mais fácil falsificar a 2 e, portanto, é a mais
científica.
79

Outras considerações sobre falseabilidade em Karl Popper

A função da ciência não é fazer generalizações, mas verificar as hipóteses, conjecturas,


teorias, predições; ou seja, verificar se resistem à prova.
O que dá credibilidade a uma teoria é a sua exposição ao fracasso. O que caracteriza
uma pseudociência é a existência de cláusulas de escape para justificar as falhas de suas
predições. Por exemplo, as generalizações marxistas são irrefutáveis na medida em que as
teorias em que se baseiam nunca dizem inequivocamente aquilo que deverá ocorrer.
Enfim, para Popper: - ciência é aquilo que é falsificável. A ciência é transitória,
probabilística, aproximativa e provisória. Na ciência não há verdades dogmáticas,
atemporais, eternas. Daí que o papel do cientista é pela via negativa, da falsificação. Popper
não aceita o indutivismo e cria o método hipotético dedutivo, que é esse método que busca
a falsificação das suas teorias, por meio do teste, do experimento buscando a falsificar as
hipóteses falsificáveis.
Enfim, para Popper:
(i) devemos nos habituar à ideia de que a Ciência não pode ser vista como um “corpo
de conhecimentos”, mas sim como um sistema de hipóteses, ou seja, conjecturas ou
antecipações que não admitem, em princípio, justificação, com a qual, entretanto, operamos;
(ii) só se pode aceitar para a ciência um sistema que seja falseável, pois a
verificabilidade não é o método próprio da ciência, pois deve poder (esse sistema proposto)
ser refutado pela experiência;
(iii) existe uma assimetria entre a verificação e o falseamento. Por exemplo, embora
não exista número de enunciados de observação relatando a observação de cisnes brancos
que permita derivar o enunciado universal: “todos os cisnes são brancos”, um só enunciado
de observação, relatando uma única observação de cisne preto, é suficiente para permitir a
dedução lógica do enunciado: “nem todos os cisnes são brancos”. Portanto, se um só cisne
preto for observado, então “não se pode dar” que todos os cisnes são brancos;
(iv) milhares de verificações não fazem que uma sentença seja verdadeira de forma
definitiva, e apenas uma proposição falsificada faz com que a proposição toda seja
considerada falsa;
(v) Popper propõe que as teorias sejam formuladas da maneira menos ambígua
possível, de modo a serem francamente abertas à refutação;
80

(vi) a ciência avança por um processo de tentativa e erro, conjecturas e refutações.


“Aprendemos com os nossos erros”, enfatiza Popper. Teorias são criações livres da mente,
destinadas a ajustar-se tão bem quanto possível ao conjunto de fenômenos de que tratam.
Uma vez proposta, uma teoria dever ser rigorosamente testada por observações e
experimentos. Se falhar deve ser sumariamente eliminada e substituída por outra capaz de
passar nos testes em que a anterior falhou, bem como em todos aqueles nos quais tenha
passado
(vii) a cientificidade de uma teoria reside não em sua impossível prova a partir de uma
base empírica, mas em sua refutabilidade. Apenas as teorias possíveis de serem falseadas
por observações fornecem informação sobre o mundo; as que estejam fora do alcance da
refutação empírica não possuem “pontos de contato” com a realidade, e sobre ela nada
dizem, mesmo quando na aparência digam, caindo no âmbito da metafísica.
81

IX. Método hipotético dedutivo


Popper tratou de elaborar uma resposta para a pergunta: “Ora, mas se a verdade é
impossível para a ciência, para que ela serve?”.
Popper salvou a ciência com uma grande e brilhante explicação: se a ciência não pode
atingir a verdade, basta mudar o que se entende por ciência.
O que interessa, no entanto, é que, ao fazê-lo, a resposta já implicava uma reconstrução
da atividade científica e consequentemente, do papel dos cientistas. Uma nova concepção de
ciência foi o que ele ousou conceber. E essa nova concepção baseava-se na exclusão da
inferência indutiva e na construção da ciência em novas bases metodológicas. Assim,
utilizará, ao invés da indução, um método dedutivo de teste, baseado na lógica clássica
conhecida como modus tollens.
Modus Tollens
Uma das mais importantes regras do método científico, “O Método Hipotético-
Dedutivo” é baseada na Tautologia Lógica conhecida como “Modus Tollens”, que pode ser
resumida na seguinte fórmula:
((H => D) ^(~D)) => ~H
(Se “H” implica “D” e não ocorreu “D”, podemos concluir que não ocorreu “H”). Que
pode ser interpretada da seguinte forma: “Se ‘H’ implica em ‘D’, e ‘D’ é falso podemos
concluir que ‘H’ é falso”.
Como exemplo, considere a hipótese (H): “todos os gansos são brancos” isso implica,
consequência (D) que “o ganso da minha tia deve ser branco”, mas, contudo, minha tia tem
um ganso vermelho; então, posso concluir que a hipótese (H): ‘todos os gansos são brancos’
é uma teoria falsa.
Assim, para investigarmos uma teoria “H” nas condições que esta teoria implique na
consequência “D”, se esta consequência não for verificada, isto é, se nas condições que H é
verdadeiro a consequência “D” não é verdadeira, podemos concluir, logicamente, que a
teoria “H” não é verdadeira (está refutada). Isto é um resultado importante porque permite
que não precisemos investigar diretamente a teoria “H” basta investigarmos suas
consequências (“D”) para concluirmos sobre “H”. Claro que se “D” for observado não
podemos concluir que “H” é correta, mas “H” sairá ‘fortalecida’, isto é, com um grau maior
de confiabilidade, por ter passado no teste.
É importante observar que a metodologia científica provém diretamente do postulado
de que o Universo se comporta logicamente. Se não fosse assim, nem o método hipotético-
dedutivo nem o método-dedutivo poderiam ser justificados.
82

O “Método Indutivo”, ou simplesmente “Indução”, já não é considerado rigorosamente


como parte da metodologia científica, pois parte de eventos particulares, ou amostras, para
derivar teorias gerais. Assim, não podemos nunca afirmar que o que veio de uma indução
seja verdadeiro simplesmente por ter vindo de uma indução. Por exemplo, diante da
pergunta: “Todos os gansos que observei na minha vida são brancos, então posso concluir
que todos os gansos são brancos?” A resposta é que não pode. E, outro exemplo, diante da
pergunta: “O Sol aparece todos os dias desde que a humanidade existe. Posso concluir que
isso sempre vai ocorrer?” A resposta, também, é que não pode.
Apesar disso, não podemos jogar o “método indutivo” no ostracismo, pois, mesmo não
sendo muito confiável, ele nos fornece pistas importantes para conectarmos nossa mente
com a realidade. Nenhuma teoria científica teria sido descoberta sem a indução. O que é a
observação científica, o empirismo em si, se não um método indutivo para se chegar a
hipóteses de caráter geral?
Se considerarmos o “Método Indutivo”, não como um critério de prova de teorias
científicas, mas sim como um método de fornecer hipóteses ou ideias para teorias, ele pode
ser considerado como muito precioso. Isaac Newton, por exemplo, não teria descoberto a lei
da gravitação se não tivesse observado a atração da matéria. Einstein não teria criado a
Relatividade Geral se não houvesse experimentos mostrando que a velocidade da luz era
constante.
83

(https://www.todamateria.com.br/karl-popper/)
Ao contrário do método indutivo, o método dedutivo propõe que, antes da
observação para a formulação de ideias, as ideias sejam pensadas. Somente depois devem
ser verificadas para confirmar se fazem ou não sentido.
Assim uma hipótese científica tem de surgir primeiro para somente depois ser
submetida a testes.
Para Popper o processo de pesquisa apresenta três momentos: problema, conjecturas e
falseamento.
→Problema: pensar em um conflito que precisa ser resolvido.
→Conjecturas: comprovar experimentalmente.
→Falseamento: provar que a teoria é científica pelo fato de ela poder ser falsa.

Ainda sobre a falseabilidade.


A falseabilidade consiste em duvidar dos pressupostos de determinada teoria, o que
consiste na essência da natureza científica.
Se for possível provar que uma teoria pode ser falsa, então ela é científica.
A falseabilidade obedece ao princípio de que devem serem recolhidos elementos
capazes de falsificar uma teoria. Foi, por exemplo, o que aconteceu quando Einstein provou
que havia falhas na teoria Newtoniana.
Desta forma, a teoria de Popper testa o grau de confiança das teorias existentes. Isso
quer dizer que quanto mais uma teoria resiste aos erros, mais consistente ela é.
Assim, Karl Popper desenvolveu sua teoria da ciência em torno dessa ideia: a ciência
progride na direção de um melhor conhecimento do mundo por um processo de conjecturas
e refutações. O conhecimento científico é irredutivelmente hipotético, conjetural, mas as
nossas hipóteses acerca do mundo vão se aperfeiçoando ao longo do tempo pela sistemática
eliminação de hipóteses falsas.
(...) De acordo com Popper, o método científico não usa raciocínio indutivo, mas um
raciocínio hipotético-dedutivo. Embora a passagem dos dados, que avaliam uma hipótese,
para uma conclusão sobre esta vai do específico para o geral, isto é, em uma direção indutiva,
não existe a indução como um processo de raciocínio ou inferência. Ou seja, não existe um
método que nos permita inferir ou verificar hipóteses ou teorias (não podemos explorar todas
as situações possíveis para ver se a teoria se sustenta), ou mesmo torná-las muito prováveis.
Além disso, os cientistas procuram teorias altamente informativas, não altamente prováveis.
84

O que realmente fazemos é propor uma hipótese como uma tentativa de solução para
um problema, confrontar a previsão deduzida da hipótese com a experiência real e avaliar se
a hipótese é rejeitada ou não pelos fatos. Como as teorias não podem ser verificadas, só
podemos aceitá-las se resistirem a uma tentativa de rejeitá-las. Consequentemente, o
teste de uma teoria consiste na crítica ou numa tentativa séria de falsificação, isto é, a
eliminação do erro dentro de um artigo, a fim de rejeitá-la se for falsa. O objetivo é, assim,
a busca por teorias verdadeiras.
Para isso, o método científico utiliza um conjunto sistemático de regras metodológicas
(não lógicas), ou seja, decisões. Essas regras metodológicas ou princípios podem ser
resumidos em dois: isto é, seja inventivo e crítico! Isto é, proponha hipóteses ousadas e as
submeta a testes rigorosos de experiência. A lógica desempenha seu papel, principalmente,
ao permitir deduzir de uma hipótese as previsões a serem confrontadas com os fatos, ou
evidências. Isso é aplicável tanto à inferência estatística quanto à inferência causal.
(José R. Banegas, Fernando Rodríguez Artalejo y Juan del Rey Calero. Popper y el problema de la
inducción en epidemiologia. Rev Esp Salud Pública 2000; 74;327-339 N.” 4 - Julio-Agosto 2000).
85

SÍNTESE SOBRE A FILOSOFIA DA CIÊNCIA DE KARL POPPER


http://lrsr1.blogspot.com.br/2015/04/dossie-sobre-filosofia-da-ciencia-de.html

SÍNTESE das IDEIAS de POPPPER sobre o MÉTODO CIENTÍFICO e a CIÊNCIA


1°) Uma teoria é científica se for testável e suscetível de falsificação
empírica mediante a observação.

2°) Uma teoria irrefutável não tem direito a ser considerada científica.

3°) O indutivismo é uma perspectiva errada sobre o método científico.

4°) As teorias e hipóteses científicas não podem ser verificadas nem


confirmadas, unicamente corroboradas.
TESES CENTRAIS
5°) Os cientistas exercem uma vigilância crítica permanente das hipóteses
e teorias científicas.

6°) A ciência é objetiva porque os cientistas submetem as teorias ou


hipóteses a testes empíricos rigorosos.

7°) A ciência procede por conjeturas (hipóteses) e refutações em direção a


um ideal de verdade que nunca atingirá, mas do qual se aproxima
constantemente mediante a eliminação de erros.
O tema da falsificabilidade permite a Popper resolver dois problemas: o da
FALSIFICABILIDADE demarcação entre ciência e não ciência e o do papel da indução na ciência.

A falsificabilidade é a característica de uma teoria ou hipótese que pode


ser refutada por alguma observação.
O problema da demarcação consiste em encontrar um critério que permita
separar ciência de pseudociência.

O problema da Será científica a teoria que se submete a testes destinados a falsificá-la e


demarcação assim a refutá-la. A ciência distingue-se da pseudociência porque procura
falsificar e não verificar ou confirmar as suas hipóteses.

As teorias que não são refutáveis por alguma observação possível não são
científicas. E, cientificamente, são tanto mais úteis quanto mais riscos
correrem nas previsões que fazem.
Popper resolve o problema da indução opondo à concepção indutivista da
investigação científica (que procura tornar verdadeiras as teorias) a
falsificação.
Contra o indutivismo e
A indução não é o método da ciência porque:
o verificacionismo
1°) Não podemos inferir as hipóteses da experiência como se houvesse
observações puras ou objetivas. Os cientistas deduzem consequências
observacionais das teorias e, submetendo essas predições ao confronto
com os factos, sujeitam as teorias a testes rigorosos. Não precisam da
indução para formar hipóteses.
86

Contra o indutivismo e 2°) A experimentação científica não é realizada com o objetivo de


o verificacionismo «verificar» ou estabelecer a verdade de hipóteses ou teorias porque esse
objetivo é impossível.

A indução não nos pode dar certezas acerca da verdade das nossas teorias.
Por maior que seja o número de observações a favor de uma teoria obtida
por indução, esta pode sempre vir a revelar-se falsa. Mas podemos muitas
vezes ter a certeza da sua falsidade adotando um modelo hipotético
dedutivo que procura provar a falsidade e não a verdade de uma teoria.
Uma teoria diz-se corroborada quando resiste aos testes destinados a
falsificá-la.

Para ser corroborada uma teoria deve apresentar um bom conteúdo


A CORROBORAÇÃO empírico que restrinja aquilo segundo as suas previsões pode acontecer ‒
de modo a não ser vaga ‒ e deve passar em testes sérios e rigorosos.

Mas ser corroborada não significa dizer que a sua verdade foi provada nem
que é provável que seja verdadeira. Unicamente não foi refutada e
podemos continuar a trabalhar com ela, se não for posteriormente
desmentida ou se não encontrarmos uma melhor. A qualquer momento,
uma teoria pode ser refutada por novos testes. O máximo que se pode dizer
de uma teoria científica é que, até a um dado momento, ela resistiu aos
testes usados para refutá-la.
A ciência progride mediante o método das conjeturas e refutações.

As conjeturas ou hipóteses – que nunca podem ser verificadas ou


confirmadas ‒ são sujeitas a testes severos aos quais podem sobreviver ou
não.

As que sobrevivem às tentativas de refutação revelam-se mais resistentes,


O PROGRESSO DO mas nunca verdadeiras ou provavelmente verdadeiras.
CONHECIMENTO
CIENTÍFICO Constituem, em comparação com outras, uma melhor aproximação à
verdade.
O seu grau de verossimilhança é o critério que as torna melhores do que
teorias rivais. Aproxima-se mais da verdade a conjetura que resolve
melhor certos problemas do que as suas competidoras.

O progresso científico, mediante a eliminação de erros, é uma evolução em


direção a uma meta ideal inalcançável: o ideal da verdade como espelho
fiel da realidade.
87

MÉTODO CIENTÍFICO – Teste de revisão


(fonte: vídeo do YouTube: Entenda de uma vez por todas o MÉTODO CIENTÍFICO | Prof.
Paulo Jubilut; https://youtu.be/XjZL1ZQ81Nc)

Em relação à ciência e ao método científico, assinale a(s) proposição(ões)


CORRETA(S).
1. A ciência pode ser entendida como um contingente aleatório e estático do
conhecimento, baseado em observação, experimentação e generalização.
2. Uma vez levantada, por indução, uma hipótese para explicar um fenômeno, os
cientistas fazem uma dedução, prevendo o que pode acontecer se sua hipótese for verdadeira.
3. Os experimentos, capazes de testar as hipóteses formuladas devem lidar com uma
parte do problema de cada vez e ser cuidadosamente controlados.
4. Confirmados os resultados, eles devem ser publicados em jornais diários locais,
de grande circulação, para que possam ser analisados e criticados pela população em geral,
constituindo-se, então, em leis científicas.
5. As conclusões do método científico são universais, ou seja, sua aceitação não
depende do prestígio do pesquisador, mas de suas evidências científicas.
Comentários.
Em relação à primeira. A ciência não é estática, mas dinâmica. A ciência, sim,
baseada em observação e em experimentação. A ciência não é generalista, mas específica.
E, por isso, a primeira, então, está errada.
Em relação à segunda. Um pensamento indutivo é um pensamento generalista. A
ciência não é generalista, mas um estudo científico geralmente parte de alguma
generalização; justamente para ver se essa generalização é verdade ou é mentira.
Um exemplo de pensamento indutivo é o famoso exemplo dos cisnes brancos, no qual
fazemos uma generalização. Desse pensamento indutivo eu vou fazer uma hipótese. Eu vou fazer
deduções dessa hipótese. Eu vou investigar o pensamento indutivo para ver se essa generalização
está errada ou não. A segunda está correta.
Em relação à terceira. Tem de ter grupo controle. A terceira está correta.
Em relação à quarta. Divulgação é importante, mas não pelo “povão”! Tem de ser em
periódicos especializados. A quarta é incorreta.
Em relação à quinta. A quinta está correta.
Observação. Não confunda o pensamento indutivo com o pensamento dedutivo. O
pensamento indutivo é um pensamento que generaliza uma observação. E, geralmente, está errado;
porém, é o estopim para o início de uma pesquisa científica. Enquanto o pensamento dedutivo é uma previsão
do que pode acontecer, caso a minha hipótese se confirme. Então, não confunda: indutivo com
dedutivo.
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TESTE SEU CONHECIMENTO


PERGUNTAS
1. O que caracteriza o conhecimento vulgar?
2. O que caracteriza o conhecimento científico?
3. O que distingue o conhecimento vulgar do conhecimento científico?
4. Como se relacionam conhecimento vulgar e conhecimento científico?
5. Como atuam os cientistas, segundo a perspectiva indutivista do método científico?
6. Que críticas são feitas à perspectiva indutivista do método científico?
7. Quem foi Karl Popper?
8. Como se posiciona Karl Popper face ao problema da indução?
9. Em que consiste o método de Popper?
10. Corroboração e verdade são sinônimos?
11. Que diferença existe entre uma teoria falsificada e uma teoria falsificável?
12. Porque tem o erro, para Popper, um lugar central?
13. Podemos falar em progresso, para Popper?
14. A ciência é objetiva, para Popper?

RESPOSTAS
1. O que caracteriza o conhecimento vulgar?
O conhecimento vulgar ou senso comum é um conjunto de conhecimentos fundado na
experiência concreta de cada ser humano. Este conhecimento constata regularidades
empíricas no funcionamento do mundo e com elas constrói soluções eminentemente práticas,
que permitem responder aos problemas do dia a dia sem quaisquer preocupações com
explicações teóricas baseadas em métodos específicos.

2. O que caracteriza o conhecimento científico?


O conhecimento científico pode ser caracterizado como objetivo, sistemático e metódico. A
sua sistematização faz-se por meio de leis ou teorias. Estas visam não apenas descrever e
explicar os fenômenos, mas também formular previsões e agir eficazmente em função destas.

3. O que distingue o conhecimento vulgar do conhecimento científico?


Enquanto o conhecimento vulgar se limita a constatar o que existe sem se preocupar com
explicações e é formulado numa linguagem corrente, originando ambiguidades, o
conhecimento científico descreve e explica fenômenos, expressando-se numa linguagem
específica, mais técnica e exata, o que evita a ambiguidade. Enquanto o conhecimento vulgar
é ametódico, acrítico, subjetivo e assistemático, o conhecimento científico é metódico,
crítico, objetivo e sistemático.

4. Como se relacionam conhecimento vulgar e conhecimento científico?


Conhecimento vulgar e conhecimento científico são distintos. O fato de o segundo assentar
em pressupostos (experimentação, por exemplo) que faltam ao primeiro estabelece uma
relação que é, em muitos aspetos, de oposição e de ruptura. Todavia, existe também, para
diversos pensadores, uma certa continuidade e complementaridade entre estas duas formas
de conhecimento.
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5. Como atuam os cientistas, segundo a perspectiva indutivista do método científico?


Segundo a visão tradicional do método científico, a investigação científica começa pela
observação dos fatos (coleta de dados realizada de forma absolutamente objetiva e
imparcial); a partir da observação é elaborada indutivamente uma hipótese explicativa; por
fim, através da experimentação, procura-se verificar a hipótese, isto é, provar que é
verdadeira. Caso a experimentação confirme a hipótese, o cientista pode, então, mais uma
vez indutivamente, elaborar generalizações e previsões seguras.

6. Que críticas são feitas à perspectiva indutivista do método científico?


Frequentemente, são feitas duas críticas principais à concepção indutivista do método
científico. Primeiro, criticam-se os pressupostos da observação, pois ela (1) não é o ponto de
partida da ciência; (2) nunca é completamente neutra e objetiva e (3) é seletiva. Há coisas
que interferem na observação, como noções prévias sobre o que se vai observar ou até
mesmo as expectativas que possamos ter sobre o que vamos encontrar. A segunda crítica
tem por alvo a natureza dos argumentos indutivos que servem de base à formulação de
teorias. E a questão que se coloca é se uma hipótese, enquanto enunciado universal, pode ser
justificada por casos particulares. A resposta é negativa. Nunca um enunciado universal pode
ser verificado ou confirmado em absoluto por um caso particular, ou por uma série de casos
particulares, por maior que seja o seu número. Daí que não se possa validar universalmente
a hipótese: a conclusão de um argumento indutivo é sempre uma extrapolação.

7. Quem foi Karl Popper?


Karl Popper foi um filósofo nascido na Áustria e naturalizado inglês. A sua indiscutível
reputação como pensador está, fundamentalmente, associada à sua filosofia da ciência. Neste
campo, foi opositor feroz da perspectiva indutivista, defendendo que a observação não é o
ponto de partida da atividade científica, que existem alternativas à indução e que o papel da
experimentação é falsificar ou refutar hipóteses e não confirmá-las.

8. Como se posiciona Karl Popper face ao problema da indução?


O problema da indução, tal como foi formulado por Hume, existe e não é solucionável: serão
sempre injustificáveis as nossas tentativas de ir de enunciados singulares ou particulares para
enunciados gerais. Porém, Popper considera que existem alternativas à indução. Segundo
este filósofo, os cientistas devem submeter as suas teorias a testes que visem falsificá-las
(refutá-las), e não verificá-las (confirmá-las). A lógica subjacente à falsificação de um
enunciado universal é dedutiva e não indutiva. Vejamos por quê. Pensemos no enunciado
geral «todos os peixes têm escamas». É possível verificá-lo? Não, pois isso implicaria
observar todos os peixes, sem exceção. Contudo, sabemos que se todos os peixes têm
escamas, então não existem peixes sem escamas. Imaginemos que somos confrontados com
um peixe sem escamas. Daqui deriva, necessariamente, que é falso que todos os peixes
tenham escamas. Este exemplo mostra que é possível, recorrendo a inferências puramente
dedutivas, concluir acerca da falsidade de enunciados universais: S implica P; não acontece
P; logo, não acontece S.
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9. Em que consiste o método de Popper?


Em alternativa ao verificacionismo e ao indutivismo, Popper propõe um método
falsificacionista e hipotético-dedutivo, o método das conjeturas e refutações. Em primeiro
lugar, para Popper, já vimos, a investigação científica não começa pela observação, mas pelo
problema, que surge quando uma dada observação põe em causa a teoria estabelecida e as
expectativas do cientista. Face ao problema, a imaginação do cientista cria uma hipótese ou
conjetura para explicá-lo. Segue-se a refutação. A hipótese é sujeita a testes empíricos
rigorosos, que têm por objetivo falsificá-la ou refutá-la, isto é, mostrar que é falsa, e não
verificar a sua verdade. Se a hipótese for refutada, a teoria é substituída por outra, mais forte
e mais resistente. Se a hipótese resistir aos testes, dizemos que se trata de uma explicação
provisoriamente corroborada.

10. Corroboração e verdade são sinônimos?


Não, para Popper as hipóteses nunca perdem o seu caráter conjetural. Verdade e
corroboração não são a mesma coisa. A corroboração é um indicador temporal. Uma teoria
corroborada é uma teoria que resistiu aos testes a que foi sujeita num determinado momento,
mas isto não faz dela uma verdade, apenas indica que, até ao momento, é a melhor teoria.
Nada garante, porém, que ela não venha a ser refutada, ou parcialmente refutada num
próximo momento de falsificação.

11. Que diferença existe entre uma teoria falsificada e uma teoria falsificável?
Uma teoria falsificável ou refutável é uma teoria que tem a propriedade (uma importante
propriedade, na perspectiva de Popper) de poder ser sujeita a testes empíricos que a possam
refutar. Uma teoria falsificada ou refutada é uma teoria que já se provou ser falsa, isto é, que
foi sujeita a testes e não resistiu.

12. Porque tem o erro, para Popper, um lugar central?


Popper defende que há progresso em ciência e que o erro é o motor desse progresso. Sempre que
sujeitamos uma teoria a testes e descobrimos que ela inclui erros ou está efetivamente errada
eliminamos os erros e, assim, aproximamo-nos da verdade. Podemos estar seguros de alguma vez
termos alcançado a verdade? Não, mas, de eliminação de erro em eliminação de erro, caminhamos
na sua direção.

13. Existe progresso em ciência, para Popper?


Sim. A ciência progride por conjeturas e refutações, eliminando erros. O erro é o motor de progresso
em ciência. De cada vez que se eliminam erros, aproximamo-nos da verdade, embora não tenhamos
forma de saber se alguma vez a alcançaremos. Popper estabelece, neste ponto, uma analogia com o
evolucionismo e a ideia de seleção natural.

14. A ciência é objetiva, para Popper?


Sim, na medida em que se afasta progressivamente do erro e dado que possuímos um método
que nos permite comparar teorias e afirmar que a teoria X está mais próxima da verdade do
que a teoria Y. A objetividade advém do método utilizado e não, por exemplo, da forma
como são elaboradas as hipóteses.
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X Limites à pesquisa científica

A “Ciência” nunca despersonalizará, manipulará ou controlará os indivíduos. São


apenas as pessoas que podem e poderão fazer isso. A ciência nunca pode nos ameaçar.
Somente pessoas podem fazer isso. Não há, na realidade, nenhuma entidade "Ciência" que
possa de alguma forma afetar nosso destino. Existem apenas pessoas. (Carl Rogers, Persons
or science? A philosofical question. American Psychologist, 10: 267-278, 1955).
A ciência e a pesquisa científica são absolutamente neutras.
Os resultados de pesquisas científicas podem e são usados tanto para bons propósitos
quanto para maus.
Fazemos uso de bombas atômicas, instrumentos de destruição baseados na teoria
científica, pesquisa em física e campos relacionados; usamos também descobertas atômicas
para a dessalinização da água, para a criação de energia praticamente ilimitada, e assim por
diante.
Bondade e maldade, melhoria e deterioração, felicidade e sofrimento humanos se
referem às boas ou às más consequências dos atos praticados por pessoas. São as pessoas
que melhoram ou pioram as coisas. São as pessoas que promovem ou não a felicidade
humana.
Naturalmente os resultados da ciência podem ser usados para ajudar a tomar tais
decisões, mas a ciência em si, estritamente falando, não tem nada a ver com decisões. Isto
porque a preocupação da ciência – e é a única atividade humana em larga escala cuja
preocupação é tão desinteressada – diz respeito apenas à compreensão e explicação de
fenômenos naturais. (Fred N. Kerlinger, Metodologia da Pesquisa em Ciências Sociais, p. 305-306;
E.P.U. - EDUSP, 1979).
(…) A ideia de pôr limites à pesquisa científica soa como uma blasfêmia aos ouvidos
do homem moderno. Existe, no entanto, um limite extrínseco: a dignidade do homem. É
inaceitável qualquer forma de progresso cujo preço seja a violação da dignidade humana. Se
a pesquisa ameaça ao homem, torna-se uma deformação da ciência. Embora se argumente
que uma ou outra linha de pesquisa pode abrir possibilidades para o futuro, é preciso dizer
“não” quando o homem é que está em jogo. Apesar de ser uma comparação um pouco forte,
gostaria de lembrar que já houve um período em que se levaram a cabo experimentações
médicas com pessoas que eram consideradas inferiores. Por onde nos levará essa lógica que
consiste em tratar um feto ou um embrião como uma coisa.
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(…) O homem é capaz de produzir em laboratório outro homem que, portanto, já não
seria dom de Deus nem da natureza. Pode-se fabricar e, da mesma forma que se fabrica,
pode-se destruir… se esse é o poder do homem, então ele está convertendo numa ameaça
mais perigosa que as armas de destruição em massa (...).
(fonte: Pablo Blanco. J. Ratzinger. Uma biografia. Ed. Quadrante, SP, 2005, p. 253-254)
O paradigma cartesiano-newtoniano que fundamenta a pesquisa científica desde o
século XVII estendeu-se, a partir da física clássica, aos diferentes campos do conhecimento,
incluindo a Biologia e as Ciências Sociais e Humanas. O modelo biomecânico decorrente
dessa visão positivista é alicerçado na especialização, fragmentação e avanços tecnológicos.
A metáfora do universo como uma grande máquina, um imenso relógio, cuja totalidade é a
soma das partes, foi o grande trunfo desse paradigma. Ao adotar-se essa metáfora em relação
aos seres vivos, incluindo os seres humanos, estabeleceu-se o modelo biomédico de ensino
e de prática da medicina, que predomina na atualidade.
Neste modelo biomédico de ensino deixou-se de contemplar as dimensões sutis do ser
humano, as quais, por milênios, foram consideradas importantes no que concerne à forma
como os indivíduos adoecem e aos processos de cura1. Além disso, na atualidade, comparar-
se o médico a um mecânico que repara as partes avariadas do corpo humano não chega causar
estranheza entre profissionais de saúde e leigos (...). Não podemos negar que o modelo
biomédico assegurou a diminuição de grande parte do sofrimento humano decorrente de
doenças e traumas e ainda mantém a promessa de que todos os problemas médicos têm ou
terão, em curto prazo, uma solução propiciada pelo vertiginoso progresso científico, visão
essa constantemente veiculada nos meios de comunicação, o que faz com que os leigos
também valorizem e coloquem todas suas esperanças nesse estilo de prática da medicina.
Todavia, profissionais e usuários dos sistemas de saúde em todo o mundo têm
consciência de que muitas promessas jamais poderão ser cumpridas e sentem que algo está
faltando. Este modelo fracassa, por exemplo, especialmente nas questões em que a
tecnologia não pode mais prover soluções definitivas, como é o caso dos cuidados paliativos
(...). A fragmentação da profissão e a ênfase na tecnologia tiveram um efeito muito sério,
que é a deterioração do relacionamento médico-paciente, sendo que este foi – e sempre será
– a base de uma boa prática da medicina (...). Na verdade, o que o paciente quer é ser cuidado
por alguém que, além de competência técnica, saiba entendê-lo como um ser humano com
sentimentos, que busca uma explicação para sua enfermidade e que anseia por respeito e amparo em
seu sofrimento (...). 1(fonte: De Benedetto MAC, Gallian DMC. The narratives of medicine and nursing students: the
concealed curriculum and the dehumanization of health care. Interface (Botucatu). 2018; 22(67):1197-207).
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XI Cientificismo e negacionismo
https://pt.aleteia.org/2022/03/27/da-covid-ao-aborto-uma-reflexao-sobre-ciencia-cientificidade-e-ideologia/

(...)
Infelizmente, muitos de nós temos sido levados a uma oposição sistemática a tudo que
os organismos internacionais defendem. Paralelamente, tem levado também a um certo
“negacionismo” em relação aos dados científicos, como se nenhuma conclusão emanada da
comunidade científica tivesse valor e pudéssemos escolher a “verdade científica” que mais
nos agrada – geralmente aquela defendida pelos que pensam como nós.
Na pandemia de Covid-19, essa questão levou muitas vezes a um enfrentamento
ideológico entre os partidários de diferentes estratégias de saúde pública. A expressão
“baseado em evidências científicas” parecia legitimar qualquer coisa para uns e não
significar nada para outros. A desconfiança de um cientista contrário à OMS teria mais peso
do que o posicionamento da maioria esmagadora da comunidade científica e dos
mecanismos de validação adotados pelas publicações da área. Negacionismo e cientificismo
são reduções ideológicas que não nos permitem contemplar a realidade tal qual ela se
apresenta. Nenhum deles corresponde a uma busca honesta pela verdade.
A boa ciência reconhece que não está buscando a Verdade, como deve acontecer com
a reflexão filosófica ou teológica. Sua pretensão é bem menor: quer apenas conhecer os
fenômenos e sua dinâmica. Nesse sentido, produz apenas conhecimentos transitórios e
relativos, destinados a ser superados quando outros novos permitirem uma compreensão
melhor da realidade. Conclusões científicas têm sempre uma probabilidade de estarem certas
ou erradas. Contudo, a comunidade científica desenvolveu, com o tempo, procedimentos
para verificar quais teorias são mais plausíveis. Podemos constatar, pelo aumento constante
de nossos conhecimentos sobre o universo e de nosso domínio tecnológico sobre a matéria,
que tais verificações são confiáveis. Não é mais possível pensar numa visão realista do
mundo sem os dados produzidos pela ciência.
O conhecimento científico, porém, pode apenas dar subsídios para decisões éticas –
ele não fornece a sabedoria necessária para a tomada dessas decisões. Por exemplo, a ciência
mostra que o gênero, enquanto construção social e psicológica, pode ser diferente do sexo
biológico de um indivíduo; pode estudar os mecanismos que levaram a essa fratura entre
gênero e sexo, bem como suas consequências para a pessoa e a vida em sociedade. Contudo,
não pode dizer qual a melhor maneira de cada um viver a própria sexualidade. A ciência
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fornece informações importantes para a tomada das decisões éticas, mas é falacioso imaginar
que nossas decisões vêm da ciência exclusivamente.
No caso da pandemia, a ciência pode nos dizer que uma vacina diminui a probabilidade
de morrermos de Covid-19, mas não nos diz que devemos tomá-la. A decisão de tomar a
vacina parte de uma opção ética pela defesa da nossa vida e das pessoas que amamos, ou
pelas quais somos parcialmente responsáveis (no caso dos gestores públicos). Uma pessoa
pode não querer tomar vacina alegando outros imperativos morais, medo ou por seguir a
opinião divergente de um determinado médico. Não poderá negar, contudo, que os resultados
alcançados pela ciência indicam que, até aqui, a vacina é a melhor defesa contra a Covid-19.
No caso do aborto, a ciência pode mapear o número de abortos ilegais e mortes deles
decorrentes em uma sociedade, pode estudar as consequências psicológicas tanto de realizar
quanto de não realizar o aborto etc. – mas não pode responder à pergunta “aquela mãe será
mais feliz abortando ou não abortando?”. A ciência também mostra, de forma cristalina, que
a partir da concepção temos um novo ser humano, com características genéticas e
individualidade diferente daquela da mãe – mas reconhecer que todo ser humano é uma
pessoa com dignidade e direitos inalienáveis é uma decisão filosófica e política, não
científica… Diga-se de passagem, não deixa de ser irônico que numa época em que tanto se
defende a dignidade e os direitos de todos, não reconheçamos a dignidade e o direito à vida
em nossos próprios filhos…
Superar positivamente as posições ideológicas.
Para superar tanto o cientificismo quanto o negacionismo, é necessário reconhecer
tanto a força quanto a relatividade da ciência. Nem sempre as teorias científicas
correspondem ao que acontece na realidade, mas são relativamente raros os casos em que
uma conclusão assumida pela comunidade científica internacional não se demonstre válida
ao longo do tempo. Por outro lado, a ciência nos diz como as coisas funcionam, mas não nos
dize o que fazer. Decisões éticas ou políticas devem ser tomadas utilizando-se a informação
científica disponível, mas seguindo critérios de discernimento que nascem de uma visão
integral da pessoa e da sociedade.
Quando organismos internacionais incorrem em posições que nos parecem desumanas,
como a defesa do aborto, a oposição incondicional a tudo o que dizem é uma postura
anticristã (porque não considera as ocasiões em que tomam posições justas e defendem o
bem comum) e ineficiente em termos de política cultural. A oposição incondicional facilita
a integração entre os que pensam igual, mas dificulta o diálogo e o convencimento dos que
estão em dúvida, que acabam optando pelo lado oposto, que passa a ser visto como mais
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razoável. Se agirmos como opositores intransigentes, a tendência é que nos tornemos um


grupo cada vez mais extremista e minoritário.
A posição mais cristã e politicamente mais eficiente é reconhecer e valorizar esses
organismos, quando realmente se posicionam em defesa do bem comum e da pessoa,
procurando sempre inserir essas bandeiras justas numa visão de mundo mais integral e
humana. Por exemplo, devemos apoiar todas as políticas internacionais que realizam uma
justa defesa da mulher e de seus direitos, que são, de fato, frequentemente desrespeitados em
vários países e situações. O “direito” ao aborto, contudo, deve ser repensado em termos do
direito a ter um filho e ser apoiada em sua maternidade. O incentivo ao aborto, no fundo,
representa uma desobrigação do Estado e da sociedade para com aquela mulher, que estará
– queira ou não queira – negando uma dimensão importante de sua feminilidade, e para com
o seu filho. O direito a ter um filho e ser feliz com ele, não importa as condições em que foi
gerado, é muito mais humano e integral do que o direito ao aborto.
Na medida em que assumimos tudo o que é positivo em todas as posições, sem
sectarismos, procurando inserir cada coisa numa visão integral de pessoa, encontramos as
formas mais cristãs e eficientes de nos colocarmos na sociedade contemporânea.

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