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Mediação Dos Saberes - Apontamentos
Mediação Dos Saberes - Apontamentos
19 de Fevereiro de 2013
Frequência: 5 de Junho de 2013 (questões mais importantes: paradigma de
Boaventura de Sousa Santos; querela do método; comunicação pública da ciência).
(Não são colocados textos do ponto 2. na bibliografia).
20 de Fevereiro de 2013
A comunicação da ciência, que equivale à expressão de mediação dos saberes 1, não
corresponde à comunicação pública da ciência porque é algo mais vasto – a ciência é
comunicada desde que existe e não pode e mesmo chegar a existir sem se comunicar.
Ou seja, a ciência e a comunicação são coextensíveis, pois há uma necessidade
1
A comunicação da ciência é mais restrita que o conceito de mediação dos saberes que nasce na Bélgica
como forma de estabelecer uma relação entre os saberes formais e informais. Também é mais geral que
o nome dado às práticas iniciais da comunicação pública. Além disso, consegue exprimir a ideia de que
logo que a ciência surgiu teve de ser comunicada.
originária de comunicação por parte da ciência. Esta situação é verificável através de
três princípios:
A revolução científica moderna inicia-se essencialmente com Galileu Galilei (de forma
mais discreta, também com Nicolau Copérnico) e prolonga-se até ao século XVIII,
quando chega a Isaac Newton. É uma revolução que nasce a partir da física e da
astronomia dentro de uma disciplina muito necessária: a cinemática (estudo do
movimento).
Quando Galileu introduz uma nova ciência, efectua uma implementação aos saberes já
instituídos (saberes ou instituições já existentes), opondo-se à teologia e ao seu órgão
prático, a Inquisição. A ciência moderna constitui um questionamento acerca das
instituições existentes, daí a necessidade de comunicar.
A nova ciência passa a ter a necessidade de comunicar também por uma razão moral
(e política) – não só quer ser verdadeira como moralmente correcta e boa.
É neste momento que Galileu apresenta o segundo tratado “Diálogo dos grandes
sistemas” que consiste num diálogo entre a nova ciência e a física aristotélica. Na sua
obra, o cientista põe em causa a síntese de São Tomás de Aquino que adopta a
interpretação cristã para a organização do mundo aristotélico. Portanto, este segundo
tratado é uma resposta a este desafio moral.
Mais tarde, o inglês Francis Bacon escreve vários tratados nos quais trata
exclusivamente da questão da bondade e da missão da ciência para justificar a sua
presença a Henrique VIII, rei de Inglaterra durante esse período. De qualquer forma,
foram estes estudos que inspiraram a criação da universidade moderna britânica –
Oxford.
Émile Durkheim é contestado por Max Weber que pode ser considerado o primeiro
sociólogo da ciência. A sociologia da ciência apresenta duas grandes fases:
Sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial e desde os anos 60, o grande problema
que se coloca do ponto de vista do plano da mediação da ciência é o da ética, isto é, o
da bondade da ciência e da responsabilidade científica.
O homem apercebe-se do carácter maléfico da ciência devido principalmente às
bombas atómicas e às crises ambientais. A filosofia começa a focar-se na ética das
ciências e das técnicas.
A distinção entre doxa e episteme percorre toda a história da ciência e possui uma
implicação fundamental na comunicação da ciência. É uma distinção que remonta à
metafísica grega, apesar de os termos existirem anteriormente.
Doxa, em grego, significa opinião ao passo que episteme significa conhecimento
verdadeiro.
Nos diálogos platónicos, o primeiro conceito está precisamente associada à opinião e
também ao senso comum e ao falso conhecimento. Além disso, é uma forma de
conhecimento (é, portanto, uma não-ignorância) atribuída aos sofistas que recorrem à
mesma como instrumento retórico de manipulação. Por outro lado, a Filosofia é
assumida como conhecimento verdadeiro.
Já a física, entende este “conhecimento verdadeiro” como sendo teoria
(theoria/theoros = espectador; usufruir do espectáculo) porque considera que
conhecer é contemplar o que existe e o que existe são as essências. Assim, a teoria
apenas apresenta uma mera descrição daquilo que verdadeiramente existe. Do outro
lado da moeda está a técnica (teknè/téchne = saber com fins práticos) na qual se
inserem as artes, a medicina, a arquitectura, o trabalho do sapateiro, etc. Neste
sentido, do ponto de vista platónico, a teoria é superior ao saber prático com aplicação
imediata. É necessário chegar-se à ciência moderna para que o saber técnico ou operativo seja
recuperado.
O primeiro autor a falar deste assunto concretamente é Francis Bacon que desenvolve de
forma extensa e minuciosa um estudo acerca dos obstáculos à ciência – consistem no
conhecimento que se faz e se impõe face ao conhecimento pré-existente que é falso. Neste
sentido, Bacon identifica quatro fontes ou tipos de conhecimento 2:
Ate aos anos 80 do século XX, é disto que trata a epistemologia que sempre se ocupou das
condições de possibilidade do conhecimento científico, pondo um problema frequentemente
em evidência com a seguinte questão: A ciência é uma descrição adequada ao real ou só existe
no seu próprio interior?
A partir de certa altura, as disciplinas das ciências sociais (epistemologia, hermenêutica, etc.)
concluem que as ciências são uma construção de modelos, não estando limitadas aos factos,
pois possuem a capacidade de criar o que descrevem. Estas descrições não são puras
narrativas, há uma real eficácia. As concepções científicas que vão surgindo destronam ou
destroem as anteriormente estabelecidas – representação da relação entre descrição científica
do real e a eficácia.
Apesar de a ciência alterar o real, não precisa de ser absolutamente verdadeira.
A ciência surge primeiro que a teoria ou é a teoria que se fundamenta na ciência? Francis
Bacon conclui que a ciência moderna começa na teoria porque é essencialmente a descrição
matemática do real que corresponde à descrição do funcionamento do mecanismo da
Natureza – a Natureza é uma máquina, pelo que as máquinas que são construídas interferem
no funcionamento da máquina original; uma destas máquinas é a ciência que tem a
capacidade de descrever, analisar e medir a Natureza. Ex: o funcionamento prolongado do
corpo humano foi concebido por uma máquina.
A ciência é-o porque conseguiu teorizar matematicamente o real. Ela nasce, segundo o modelo
mecanicista, na física e na química (tese da primeira Revolução científica). A biologia só se
torna numa ciência dois séculos mais tarde através de um modelo diferente, o evolucionista
preconizado por Charles Darwin (tese da segunda Revolução científica).
Ao longo da história da ciência, a própria debate-se na questão de que fazer ciência define-se
através do que se entende que é ciência e o que não é. É de considerar que, de qualquer das
formas, toda a ciência é impura porque contém elementos que não-científicos devido à
presença da vontade e das paixões.
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Estão todos ligados aos ídolos ou idola que são o reflexo/imagem reflectida, o espelho, imagens falsas
da realidade. Quanto mais se desenvolve a ciência, mais estes falsos conhecimentos regressam para
obstruírem a ciência.
É também importante para a ciência conseguir compreender se existe de verdade ou se há
apenas uma sequência de concepções. Por isso, a história das ciências põe aparentemente em
causa a distinção entre doxa e episteme.
NA PRÓXIMA AULA:
5 de Março de 2013
Auguste Comte, representante conceituado da filosofia positivista, defendia a
perspectiva continuista da história da ciência, que desta forma é caracterizada como
civilizacional, progressiva, linear e cumulativa.
De maneira a oferecer uma melhor compreensão desta perspectiva, Comte elabora a
lei dos três estados teóricos – uma lei histórica e inamovível – da marcha progressiva
do espírito humano. Sinteticamente, considera-se que a aquisição cognitiva é um
processo linear. Portanto, o processo humano passa pelos seguintes estados ou
filosofias:
Teológico ou Fictício – ponto de partida para a inteligência humana
Metafísico ou Abstracto – transição de estados
Científico ou Positivo – estado fixo e definitivo que representa uma progressão
indefinida linear e cumulativa. Opõe-se ao especulativo porque a ciência explica
objectivamente, não especula.
A lei dos três estados apresenta-se como uma lei científica porque é universal e
necessária. Comte considera que esta foi atingida no momento em que se deu a
Revolução científica moderna.
No século XIX, existe ainda uma área que não foi “positivada”, ou seja, cujos
fenómenos não foram explicados cientificamente, e é a isso que Comte se propõe.
3. Destino das leis positivas: previsão racional – Comte, assim como toda a
sociedade da altura, acreditavam que o progresso do conhecimento permitia
necessariamente um conhecimento aprofundado e rigoroso dos fenómenos
naturais, pois conhecer os fenómenos significaria uma maior capacidade de os
prever.
A sociedade do século XIX acredita que quanto mais conhecimento rigoroso se tem
dos fenómenos, mais previsíveis se tornam. Ex: catástrofes naturais. O crescimento
do conhecimento garante uma previsibilidade que não só reduz a incerteza como
também permite a prevenção, isto é, uma maior eficácia da intervenção técnica.
Comte não é epistemólogo mas faz epistemologia quando propõe o seu modelo
científico. Contudo, ele só se ocupa da primeira revolução científica.
Eventualmente, surge Albert Einstein que traz consigo a microfísica e a física quântica,
pilares fundamentais para a nova perspectiva que surgiria, a relativista.
A primeira Revolução científica surge num mundo onde não se pratica ciência mas
onde se vai contra tudo que aparece como não-ciência, pelo que representa uma
ruptura com a Filosofia (considerada conhecimento não-científico). A segunda
Revolução, por sua vez, faz-se no seio da ciência e representa uma ruptura interna da
própria ciência. Põe em causa a concepção linear e rompe consigo própria.
Comte fala de uma lei que é uma extensão natural dos princípios das leis naturais, mas
quando Einstein surge na ciência, há uma revolução dentro da mesma o que significa
que existem várias ciências que por vezes são contraditórias.
Bachelard fala de rupturas mas mantém como verdadeira uma certa ideia de
progresso, o que autores sucessores não fazem. O autor considera que há uma
progressão indiscutível, a progressão científica, já que a episteme é hierarquicamente
superior à doxa.
Assim, Bachelard reconhece um progresso interno ao conhecimento filosófico – cada
Revolução científica é mais racional que a anterior pois a racionalidade critica-se a si
próprio e, nesse sentido, aperfeiçoa-se. Cada nova ciência rompe com a anterior, mas
não a elimina, adoptando até elementos das ciências mais antigas como uma região ou
uma subdisciplina.
6 de Março de 2013
Thomas Kuhn considera que existe Revolução científica ainda que no interior de cada
disciplina possam existir momentos em que o processo é colectivo. O autor segue
Bachelard quanto à sua ideia de obstáculo mas acaba por desenvolvê-la mais, pois
começa logo por dizer que a descrição da história da ciência enquanto simples
processo de acumulação não corresponde realmente ao que se dá com o progresso da
ciência.
A noção vigente durante muito tempo remete para o facto de a ciência ser vista no
presente, pelo que os cientistas adoptavam um certo comportamento amnésico – como só
existe presente, os estados ultrapassados não fazem parte da ciência.
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Tendem a ser vistos pelos cientistas como erros, superstições, estados obsoletos e esquecidos pela
ciência.
paradigma defina métodos e problemas que num dado momento e numa dada
disciplina são consensuais para um grupo de cientistas.
O mais comum, diz Thomas Kuhn é a ciência ser normal ou paradigmática. Para além
disso, sendo a ciência normal, o progresso do conhecimento é cumulativo e linear; isto
é, no interior de um paradigma vai-se sabendo cada vez mais e melhor.
Tudo o que surge para ser estudado é “enfiado” pelo cientista num paradigma. Kuhn
diz que a função do cientista é a de inserir a realidade num modelo teórico – trabalho
de limpeza ou de selecção com o objectivo de escolher problemas pertinentes ou de
rejeitar os mesmos caso não “caibam” lá dentro, sendo que a estes últimos a ciência
atribui-lhes a categoria de “inexistente”.
A ciência normal também possui uma inércia interna, o que significa que quando é
confrontada com a novidade, exclui-a de imediato. Pode dizer-se que a ciência normal
é conservadora e resistente a novos métodos e/ou problemas. Assim, surge o conceito
de:
Outra conclusão extraída por Kuhn, e que o aproxima da sociologia da ciência de Max
Weber, é a de que se uma ruptura paradigmática cria uma nova disciplina geral, isto
significa que a função do progresso científico é a de aumentar o grau de
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Conceito usado por razões não só científicas mas também políticas.
especialização, o que leva a que cada vez mais, os cientistas ficam limitados apenas à
disciplina que representam.
Assim, uma das consequências desta especialização progressiva, crescente e
descontrolada é a de que as comunidades científicas se tornam cada vez mais
incomunicáveis entre si, pelo que deixa de haver uma ciência unificada para passarem
a existir tantas ciências como paradigmas.
Contudo, não deixa de ser impossível para um cientista deixar de comunicar com os
seus colegas, embora seja mais e mais difícil, assim como passa a existir uma ciência de
equipas multi e interdisciplinares de migração de conceitos entre disciplinas, o que
garante uma transversalidade e uma transdisciplinaridade que assegura o que é
necessário para todas as ciências.
19 de Março de 2013
Conclusão da aula passada:
O facto de serem holísticas (ou seja, abrangentes e totais, já que se altera tudo
na disciplina).
Ocorre uma mudança de significado (a nível da linguagem).
Incomensurabilidade de paradigmas, na medida em que há uma
incompatibilidade entre um novo paradigma e o anterior (dá-se, portanto, uma
mudança radical e revolucionária entre paradigmas).
Estrutura da mediação
linguística
Este triângulo representa o
que, segundo Dilthey, é a
“estrutura da compreensão
quotidiana dos seres
humanos”
Martin Heidegger
Hans-Georg Gadamer
Paul Ricoeur
Jürgen Habermas
É Habermas foi muito influenciado por Dilthey porque é quem começa a solucionar a
querela do método apresentada pelo filósofo alemão e até a sua importante teoria da
acção comunicativa é uma derivação do método hermenêutico de Dilthey.
Desta forma, o método hermenêutico é constituído pelo triângulo (que pode ser
substituído pela figura do círculo) hermenêutico que é a base da metodologia das
ciências sociais e humanas. Este triângulo corresponde a uma mera psicologia
descritiva porque não pretende a compreensão do “outro”, e sim a compreensão de
culturas humanas, sociedades, civilizações e o que está historicamente na base de
todas elas é o texto. A hermenêutica acrescenta que até os fenómenos actuais que
abranjam uma sociedade inteira são textos – textualidade cultural. Mas, como o
próprio Dilthey indica, nem todos os textos são verbais.
Deste modo, o esquema triangular apresentado representa a transformação em
método científico da estrutura da compreensão quotidiana.
20 de Março de 2013
Wilhelm Dilthey em Jürgen Habermas: conhecimento e interesse
o Nas CN, a linguagem é altamente formalizada e matemática, pelo que este tipo de ciência
constrói a realidade que pretende conhecer.
Em “The Two Cultures”, C. P. Snow afirma que há uma cultura própria das CN que é
verdadeiramente científica, a do rigor, da experimentação, do processo técnico. Já a
outra cultura, a que alguns autores chamam de “cultura cultura” (expressão que
demonstra carácter genérico), representa tudo o que não é conhecimento científico.
Entre os dois tipos de cultura situa-se uma cultura científica que seria sempre iletrada
para as CN. Snow conclui que a ciência não tem nada a ver com a cultura (na origem da
palavra) nem com o quotidiano.
Tipo de linguagem
Habermas diz que nas ciências sociais e humanas é possível perceber os interesses
cognitivos que as orientam, mas o mesmo não acontece com as ciências da Natureza
que se dissimulam e se escondem nos seus próprios interesses cognitivos. Para além
disso, a autoridade das CN é baseada na ocultação como se fossem feitas pela verdade
e não pelas pessoas, ao passo que a linguagem quotidiana está aberta à argumentação
racional, o que é transmitido pelas CE.