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Mediação dos Saberes

19 de Fevereiro de 2013
Frequência: 5 de Junho de 2013 (questões mais importantes: paradigma de
Boaventura de Sousa Santos; querela do método; comunicação pública da ciência).
(Não são colocados textos do ponto 2. na bibliografia).

Aula de preparação essencial: 19 de Fevereiro de 2013

Email da cadeira: comunicacao.ciencia@gmail.com

Password do moodle: mediacao

Programa de Mediação dos saberes:

1. Epistemologia (só saem os dois primeiros pontos)


a. Distinção entre doxa e epistéme
b. História das ciências
2. Hermenêutica (tirar apontamentos porque não há textos sobre o assunto)
a. Querela do método
b. Superação da querela do método
c. Paradigma emergente de Boaventura de Sousa dos Santos
3. Sociologia das Ciências
4. Ética das ciências e das técnicas
5. Comunicação pública da ciência
a. O positivismo Omte
b. Sociologia das ciências de Max Weber
c. Sociologia das ciências de Pierre Bourdieu

20 de Fevereiro de 2013
A comunicação da ciência, que equivale à expressão de mediação dos saberes 1, não
corresponde à comunicação pública da ciência porque é algo mais vasto – a ciência é
comunicada desde que existe e não pode e mesmo chegar a existir sem se comunicar.
Ou seja, a ciência e a comunicação são coextensíveis, pois há uma necessidade

1
A comunicação da ciência é mais restrita que o conceito de mediação dos saberes que nasce na Bélgica
como forma de estabelecer uma relação entre os saberes formais e informais. Também é mais geral que
o nome dado às práticas iniciais da comunicação pública. Além disso, consegue exprimir a ideia de que
logo que a ciência surgiu teve de ser comunicada.
originária de comunicação por parte da ciência. Esta situação é verificável através de
três princípios:

 Verdade do conhecimento científico


 Legitimidade da prática científica
 Transmissão entre pares da ciência

A revolução científica moderna inicia-se essencialmente com Galileu Galilei (de forma
mais discreta, também com Nicolau Copérnico) e prolonga-se até ao século XVIII,
quando chega a Isaac Newton. É uma revolução que nasce a partir da física e da
astronomia dentro de uma disciplina muito necessária: a cinemática (estudo do
movimento).

O método experimental fica estabelecido em Newton no momento em que não se


pode acrescentar mais no que diz respeito à física e à astronomia – é aqui que surge a
ciência moderna que não deixa de assentar no método experimental. É já durante os
séculos XVI e XVII que aparece a biologia e outras disciplinas que se lhe seguem.

Aparato experimental/Experimentação – é a prática de experimentos em laboratório.

Quando Galileu introduz uma nova ciência, efectua uma implementação aos saberes já
instituídos (saberes ou instituições já existentes), opondo-se à teologia e ao seu órgão
prático, a Inquisição. A ciência moderna constitui um questionamento acerca das
instituições existentes, daí a necessidade de comunicar.

RESPOSTA À QUESTÃO COGNITIVA

Galileu escreve dois tratados muito importantes: “O mensageiro celeste” e o “Diálogo


dos grandes sistemas”. O primeiro é o mais pertinente no que diz respeito à questão
cognitiva porque é onde Galileu divulga a nova ciência ao dirigir-se directamente aos
seus colegas através de uma grande obra de divulgação. Deste modo, este tratado
representa a primeira forma de comunicação da ciência.

Por essa altura, os cientistas e outros agentes culturais começavam a funcionar em


rede através de correspondência científica. Outros interlocutores com quem
comunicavam frequentemente eram os representantes do Mecenato com o objectivo
de obter financiamentos para a ciência.
A correspondência científica servia para comunicar com colegas, reis e príncipes, sendo
que aos dois últimos requisitavam as tensas (bolsas de financiamento vitalícias). É por
esta razão que há uma necessidade tanto cognitiva (com a transmissão das novidades)
como económico-financeira (para a sobrevivência da ciência).

A carta, que é habitualmente do foro privado, passou, ao fim de algum tempo, a


significar algo público que serve como pilar da esfera pública moderna, representando
uma espécie de origem do jornalismo moderno (ex: Folha de São Paulo era uma carta
de novidades).
A carta e os livros de divulgação são as primeiras formas de comunicação científica que
têm o objectivo de explicar a ciência ou de obter financiamento. No entanto, a
intenção básica dos cientistas era desafiar as verdades tidas como tal até ao momento
(assim como acontecia com a Filosofia), de modo a imporem as suas próprias
verdades.

Alguns filósofos reformulam a Filosofia para poderem responder ao novo


conhecimento científico. Portanto, reformam o seu conhecimento para obterem a
capacidade de resposta ao desafio do novo conhecimento científico de forma a
reconquistarem a verdade.
Esta Filosofia renovada é constituída pela epistemologia, isto é, pela filosofia das
ciências preconizada por René Descartes.

A nova ciência passa a ter a necessidade de comunicar também por uma razão moral
(e política) – não só quer ser verdadeira como moralmente correcta e boa.

RESPOSTA À QUESTÃO MORAL

É neste momento que Galileu apresenta o segundo tratado “Diálogo dos grandes
sistemas” que consiste num diálogo entre a nova ciência e a física aristotélica. Na sua
obra, o cientista põe em causa a síntese de São Tomás de Aquino que adopta a
interpretação cristã para a organização do mundo aristotélico. Portanto, este segundo
tratado é uma resposta a este desafio moral.

RESPOSTA AO ESTABELECIMENTO E À DEFESA DA LEGITIMIDADE DA CIÊNCIA

Mais tarde, o inglês Francis Bacon escreve vários tratados nos quais trata
exclusivamente da questão da bondade e da missão da ciência para justificar a sua
presença a Henrique VIII, rei de Inglaterra durante esse período. De qualquer forma,
foram estes estudos que inspiraram a criação da universidade moderna britânica –
Oxford.

Em 1985, nasce em Inglaterra, no seio da Royal Society a única teoria sobre a


comunicação da ciência denominada “Public Understanding of Science”. Este modelo
teórico é imediatamente rotulado como questionável e considera-se já obsoleto na
época da sua própria publicação. No entanto, esta teoria estuda práticas já existentes
desde o século XVIII que em França têm o nome de “divulgação ou vulgarização da
ciência”, nos países de língua inglesa (e também de science writing) de “compreensão
ou comunicação da ciência” e em Portugal de “cultura científica”.
Saberes Formais
(disciplinas que se ocupam unicamente da mediação da ciência)

a) Epistemologia (filosofia das ciências) – condições de possibilidade do


conhecimento científico.

Epistemologia surge para analisar o novo conhecimento de modo a perceber o porquê


da ciência ser um conhecimento verdadeiro. Para tal, estabelece as condições de
possibilidade do conhecimento científico, o que se dá através dos tratados de Galileu.

Autores importantes da Epistemologia (anos 60 a 80): Karl Popper, Paul Feyerabend,


Imre Lakatos, Karl Polanyi, Auguste Comte, Gaston Bachelard, Thomas Kuhner.

b) Hermenêutica – fundamentação das ciências da cultura e querela do método.

A revolução científica moderna deixou imediatamente de lado o conhecimento do


homem e da sociedade e direcionou a sua atenção para as ciências da Natureza que
começam em Galileu e se desenvolvem até Newton. Assim, não existem ciências
sociais e humanas que só surgiriam no século XIX. Apesar do termo “sociologia” ser
introduzido por Auguste Comte, a disciplina académica e científica em si também só
surge no século XIX (como ciência social).

Deste modo, o modelo a adoptar para tornar o conhecimento do homem em ciência


divide-se em duas perspectivas diferentes:

 Perspectiva positivista de Comte – diz que o conhecimento do homem é


fundamentado pelo modelo da ciência da Natureza para que desta forma possa
ser concreto e objectivo.
 Perspectiva do modelo alternativo (século XX) – é proposto pela disciplina da
Hermenêutica (hermeneuo = interpretar) que considera que o homem não se
pode explicar como fenómeno natural, sendo apenas susceptível de ser
compreendido ou interpretado.

A questão que se põe em termos de comunicação remete para a relação entre as


ciências da Natureza e as ciências sociais e humanas.
Wilhelm Dilthey afirma que é na Hermenêutica que se estabelecem os estudos
culturais. Deste modo, as ciências da Natureza devem estar separadas do estudo do
homem que deve ter como base a cultura. A esta discussão se deu o nome de a
querela do método.
A primeira solução provém de Jürgen Habermas que faz uma síntese entre a sociologia
e a hermenêutica. Já Boaventura de Sousa Santos estabelece uma ponte para a
sociologia das ciências.
Autores importantes da Hermenêutica: Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer, Paul
Ricoeur.

c) Sociologia da ciência – condições sociais de produção do conhecimento


científico e usos sociais da ciência.

Émile Durkheim é contestado por Max Weber que pode ser considerado o primeiro
sociólogo da ciência. A sociologia da ciência apresenta duas grandes fases:

1ª. A sociologia da ciência de Max Weber


2ª. A sociologia da ciência de Robert King Mertom (a partir dos anos 40)

Outro autor fundamental é Pierre Bourdieu. Estes autores surgem quando a


Epistemologia está claramente em crise.
Esta nova sociologia foca o seu interesse em tentar perceber como é que a ciência é
produzida e usada socialmente. Deixa de considerar importante as condições teóricas
do uso social da ciência, afastando-se do input da Epistemologia.

d) Retórica – construção narrativa do conhecimento científico.

A Retórica nunca se debruçou sobre a ciência porque aparentemente as duas excluem-


se mutuamente. No entanto, alguns autores da filosofia e da sociologia utilizaram
instrumentos da Retórica para analisar a ciência porque esta também se constrói
narrativamente (com recurso à Retórica). Portanto, a ciência, quando comunica, assim
como a Retórica, também quer convencer (corresponde a um tipo de Retórica
simples).

e) Ética das ciências e das técnicas – responsabilidade científica.

Sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial e desde os anos 60, o grande problema
que se coloca do ponto de vista do plano da mediação da ciência é o da ética, isto é, o
da bondade da ciência e da responsabilidade científica.
O homem apercebe-se do carácter maléfico da ciência devido principalmente às
bombas atómicas e às crises ambientais. A filosofia começa a focar-se na ética das
ciências e das técnicas.

f) Comunicação pública da ciência – comunicação pública da ciência e relação


entre a ciência e o público.

Estudo que sintetiza todas as disciplinas mencionadas anteriormente.


26 de Fevereiro de 2013
Doxa vs. Episteme

A distinção entre doxa e episteme percorre toda a história da ciência e possui uma
implicação fundamental na comunicação da ciência. É uma distinção que remonta à
metafísica grega, apesar de os termos existirem anteriormente.
Doxa, em grego, significa opinião ao passo que episteme significa conhecimento
verdadeiro.
Nos diálogos platónicos, o primeiro conceito está precisamente associada à opinião e
também ao senso comum e ao falso conhecimento. Além disso, é uma forma de
conhecimento (é, portanto, uma não-ignorância) atribuída aos sofistas que recorrem à
mesma como instrumento retórico de manipulação. Por outro lado, a Filosofia é
assumida como conhecimento verdadeiro.
Já a física, entende este “conhecimento verdadeiro” como sendo teoria
(theoria/theoros = espectador; usufruir do espectáculo) porque considera que
conhecer é contemplar o que existe e o que existe são as essências. Assim, a teoria
apenas apresenta uma mera descrição daquilo que verdadeiramente existe. Do outro
lado da moeda está a técnica (teknè/téchne = saber com fins práticos) na qual se
inserem as artes, a medicina, a arquitectura, o trabalho do sapateiro, etc. Neste
sentido, do ponto de vista platónico, a teoria é superior ao saber prático com aplicação
imediata. É necessário chegar-se à ciência moderna para que o saber técnico ou operativo seja
recuperado.

A Revolução científica (século XVI a XVIII) apropria-se da distinção discutida e adapta-a à


evolução dos tempos: a doxa passa a ser definida como um método matemático e a episteme
ganha o sentido de conhecimento verdadeiro que substitui a Filosofia especulativa de
Aristóteles, segundo afirma Newton. A nova ciência, por ser verdadeira, é eficaz – até o
próprio Newton que acreditava na alquimia reconhece que a nova ciência permite coisas que a
alquimia não consegue alcançar.
Deste modo, a ciência destrona a Filosofia e a teologia enquanto episteme e tudo o que não é
considerado ciência começa a ser reconhecido como parte da doxa, conhecimento que agora
se associa aos sentidos.
Sempre que as concepções científicas mudam de forma radical, as ciências antigas são
relegadas para o conhecimento falso pertencente ao senso comum. Portanto, sempre que a
ciência se comunica de forma básica, aquilo que comunica está relacionado com o que é e o
que não é ciência (definição básica de doxa e episteme).

O primeiro autor a falar deste assunto concretamente é Francis Bacon que desenvolve de
forma extensa e minuciosa um estudo acerca dos obstáculos à ciência – consistem no
conhecimento que se faz e se impõe face ao conhecimento pré-existente que é falso. Neste
sentido, Bacon identifica quatro fontes ou tipos de conhecimento 2:

1. Ídolos da Tribo – conhecimento empírico ou sensível (Bacon critica a sensibilidade pois


é uma forma de subjectividade). O homem atribui características àquilo que vê e à
própria Natrureza, coisa que a ciência não faz.
2. Ídolos da Caverna – baseado na concepção platónica, correspondem à subjectividade
individual.
3. Ídolos do Foro – a aproximação e associação dos homens entre si resulta em
concepções e em preconceitos. A Filosofia passa a ser usada para a análise da
linguagem.
4. Ídolos do Teatro – regras pervertidas das demonstrações implantaram-se no espírito
dos homens. Corresponde às filosofias tradicionais e inventadas.

Ate aos anos 80 do século XX, é disto que trata a epistemologia que sempre se ocupou das
condições de possibilidade do conhecimento científico, pondo um problema frequentemente
em evidência com a seguinte questão: A ciência é uma descrição adequada ao real ou só existe
no seu próprio interior?

A partir de certa altura, as disciplinas das ciências sociais (epistemologia, hermenêutica, etc.)
concluem que as ciências são uma construção de modelos, não estando limitadas aos factos,
pois possuem a capacidade de criar o que descrevem. Estas descrições não são puras
narrativas, há uma real eficácia. As concepções científicas que vão surgindo destronam ou
destroem as anteriormente estabelecidas – representação da relação entre descrição científica
do real e a eficácia.
Apesar de a ciência alterar o real, não precisa de ser absolutamente verdadeira.

A ciência surge primeiro que a teoria ou é a teoria que se fundamenta na ciência? Francis
Bacon conclui que a ciência moderna começa na teoria porque é essencialmente a descrição
matemática do real que corresponde à descrição do funcionamento do mecanismo da
Natureza – a Natureza é uma máquina, pelo que as máquinas que são construídas interferem
no funcionamento da máquina original; uma destas máquinas é a ciência que tem a
capacidade de descrever, analisar e medir a Natureza. Ex: o funcionamento prolongado do
corpo humano foi concebido por uma máquina.

A ciência é-o porque conseguiu teorizar matematicamente o real. Ela nasce, segundo o modelo
mecanicista, na física e na química (tese da primeira Revolução científica). A biologia só se
torna numa ciência dois séculos mais tarde através de um modelo diferente, o evolucionista
preconizado por Charles Darwin (tese da segunda Revolução científica).

Ao longo da história da ciência, a própria debate-se na questão de que fazer ciência define-se
através do que se entende que é ciência e o que não é. É de considerar que, de qualquer das
formas, toda a ciência é impura porque contém elementos que não-científicos devido à
presença da vontade e das paixões.

2
Estão todos ligados aos ídolos ou idola que são o reflexo/imagem reflectida, o espelho, imagens falsas
da realidade. Quanto mais se desenvolve a ciência, mais estes falsos conhecimentos regressam para
obstruírem a ciência.
É também importante para a ciência conseguir compreender se existe de verdade ou se há
apenas uma sequência de concepções. Por isso, a história das ciências põe aparentemente em
causa a distinção entre doxa e episteme.

NA PRÓXIMA AULA:

Primeira concepção da história da ciência

No século XIX, tal como se concebia em geral a história da humanidade, também


Auguste Comte falava da história da ciência numa concepção linear, rectilínea e
continuista em direcção ao conhecimento verdadeiro. Esta é uma perspectiva que está
em vigor desde a metafísica até à primeira Revolução científica.

5 de Março de 2013
Auguste Comte, representante conceituado da filosofia positivista, defendia a
perspectiva continuista da história da ciência, que desta forma é caracterizada como
civilizacional, progressiva, linear e cumulativa.
De maneira a oferecer uma melhor compreensão desta perspectiva, Comte elabora a
lei dos três estados teóricos – uma lei histórica e inamovível – da marcha progressiva
do espírito humano. Sinteticamente, considera-se que a aquisição cognitiva é um
processo linear. Portanto, o processo humano passa pelos seguintes estados ou
filosofias:
 Teológico ou Fictício – ponto de partida para a inteligência humana
 Metafísico ou Abstracto – transição de estados
 Científico ou Positivo – estado fixo e definitivo que representa uma progressão
indefinida linear e cumulativa. Opõe-se ao especulativo porque a ciência explica
objectivamente, não especula.

Os moldes de pensar referentes aos estados excluem-se mutuamente, o que significa


que estes não são co-existentes, apenas se sobrepõem correlativamente.
O terceiro estado é fixo e definitivo, características da concepção do progresso do
conhecimento humano que se fundamenta na teleologia e no finalismo; o progresso
científico ou positivo tem uma finalidade ou um objectivo.

A lei dos três estados apresenta-se como uma lei científica porque é universal e
necessária. Comte considera que esta foi atingida no momento em que se deu a
Revolução científica moderna.

No século XIX, existe ainda uma área que não foi “positivada”, ou seja, cujos
fenómenos não foram explicados cientificamente, e é a isso que Comte se propõe.

No estado positivo existem quatro características que explicam os fenómenos de


forma positiva:
1. Principal característica: a lei da subordinação constante da imaginação à
observação – o estado científico depende de um modelo matemático, da
experimentação e do aparato experimental. Esta característica afirma que a ciência
renuncia à imaginação e à especulação (a observação é aqui entendida como
“confirmação experimental”).

2. Natureza relativa do espírito humano

3. Destino das leis positivas: previsão racional – Comte, assim como toda a
sociedade da altura, acreditavam que o progresso do conhecimento permitia
necessariamente um conhecimento aprofundado e rigoroso dos fenómenos
naturais, pois conhecer os fenómenos significaria uma maior capacidade de os
prever.
A sociedade do século XIX acredita que quanto mais conhecimento rigoroso se tem
dos fenómenos, mais previsíveis se tornam. Ex: catástrofes naturais. O crescimento
do conhecimento garante uma previsibilidade que não só reduz a incerteza como
também permite a prevenção, isto é, uma maior eficácia da intervenção técnica.

4. Extensão universal do dogma fundamental da invariabilidade das leis naturais

No contexto da primeira Revolução científica (associada a Carolus Linnaeus), o método


experimental foi estabelecido cientificamente e os processos físico-químicos eram
inteiramente matematizados.
Quando se coloca a questão da matematização da biologia (que alguns consideram tão
matematizada como as físico-químicas), Comte considera que esta não tem a
capacidade de alcançar o mesmo nível da físico-química mas que deve ser
matematizada até onde for possível. O que diferencia as duas disciplinas é o tempo,
elemento de variabilidade sistémica e de incerteza).

No entanto, a grande preocupação de Comte não é com a biologia, mas com a


confirmação do estado científico. Para tal, ele pretende estender o método das
ciências da Natureza ao conhecimento dos fenómenos sociais que não são estudados
cientificamente. O objectivo é fazer que isso aconteça porque a exclusão das ciências
sociais do estado positivo ou científico representa uma lacuna no próprio estado.
Deste modo, surge a física social (nome apresentado por Comte) ou a teoria social que
permite o conhecimento dos fenómenos sociais. Entretanto, um autor francês atribui a
esta nova disciplina o nome de sociologia, ao qual Comte, por considerá-lo incompleto,
acrescenta o termo “positivo”. Deste modo, pode considerar-se que Auguste Comte é
um dos precursores da sociologia e que as ciências sociais e humanas nascem sobre a
égide do positivismo comtiano.

Para os cientistas, o estudo dos fenómenos sociais trata-se na verdade de consumar a


Revolução científica moderna, suplantando as concepções teológicas e metafísicas
anteriormente estabelecidas e que nesse momento se tornam resíduos históricos.
Comte transfere o modelo de racionalidade científico-natural para as ciências sociais.
De qualquer forma, o positivismo de Comte refere-se à primazia da racionalidade
científico-natural.

Sintetizando, existem duas questões fundamentais a analisar em Comte:

 A concepção continuista da história das ciências;


 O modelo de racionalidade científico-natural como único modelo de racionalidade
científica (permite a que às ciências sociais esteja associado um modelo de
racionalidade científico-social).
o Perspectivas alternativas: concepção descontinuista da história das ciências
e hermenêutica como contraposição ao modelo de Comte.

Comte não é epistemólogo mas faz epistemologia quando propõe o seu modelo
científico. Contudo, ele só se ocupa da primeira revolução científica.

Eventualmente, surge Albert Einstein que traz consigo a microfísica e a física quântica,
pilares fundamentais para a nova perspectiva que surgiria, a relativista.

A primeira Revolução científica surge num mundo onde não se pratica ciência mas
onde se vai contra tudo que aparece como não-ciência, pelo que representa uma
ruptura com a Filosofia (considerada conhecimento não-científico). A segunda
Revolução, por sua vez, faz-se no seio da ciência e representa uma ruptura interna da
própria ciência. Põe em causa a concepção linear e rompe consigo própria.

Comte fala de uma lei que é uma extensão natural dos princípios das leis naturais, mas
quando Einstein surge na ciência, há uma revolução dentro da mesma o que significa
que existem várias ciências que por vezes são contraditórias.

O primeiro autor a fazer uma concepção epistemológica diferente da de Comte foi


Gaston Bachelard que introduz um modelo da história da ciência alternativo e já
adaptado à nova Revolução científica.
A partir deste momento, trata-se de compreender, após dar-se a Revolução científica
da física einsteiniana, o modo como o conhecimento científico evolui. Para alguns, este
conhecimento faz-se contra a ignorância mas para Bachelard o conhecimento não se
faz contra a ignorância per se, e sim contra a doxa.

Deste modo, a concepção alternativa à concepção linear de Comte ganha o nome de


concepção descontinuista – não há cumulação (evolução linear e continuista) mas
transformações nos próprios princípios do conhecimento. O progresso do
conhecimento faz-se, portanto, por rupturas e exige formas alternativas de conhecer.
Nesta perspectiva, a evolução é de ruptura ou de descontinuidade e Bachelard é o
grande teorizador das rupturas epistemológicas. Ele afirma que uma epistemologia
que tenha em conta uma evolução desse tipo é uma autêntica Filosofia do Não, na
qual a nova experiência diz “não” à antiga. Quando nasce uma nova ciência, a mesma
propõe-se como episteme (conhecimento rigoroso).

Bachelard fala de rupturas mas mantém como verdadeira uma certa ideia de
progresso, o que autores sucessores não fazem. O autor considera que há uma
progressão indiscutível, a progressão científica, já que a episteme é hierarquicamente
superior à doxa.
Assim, Bachelard reconhece um progresso interno ao conhecimento filosófico – cada
Revolução científica é mais racional que a anterior pois a racionalidade critica-se a si
próprio e, nesse sentido, aperfeiçoa-se. Cada nova ciência rompe com a anterior, mas
não a elimina, adoptando até elementos das ciências mais antigas como uma região ou
uma subdisciplina.

Nota: a ruptura é ao mesmo tempo vertical e horizontal.

Obstáculo epistemológico – o anterior conhecimento é obstáculo à emergência do


novo conhecimento.

6 de Março de 2013
Thomas Kuhn considera que existe Revolução científica ainda que no interior de cada
disciplina possam existir momentos em que o processo é colectivo. O autor segue
Bachelard quanto à sua ideia de obstáculo mas acaba por desenvolvê-la mais, pois
começa logo por dizer que a descrição da história da ciência enquanto simples
processo de acumulação não corresponde realmente ao que se dá com o progresso da
ciência.

 Se o entendimento de como se faz a ciência varia de época para época, que


estatuto têm os estados ultrapassados3 da ciência?

A noção vigente durante muito tempo remete para o facto de a ciência ser vista no
presente, pelo que os cientistas adoptavam um certo comportamento amnésico – como só
existe presente, os estados ultrapassados não fazem parte da ciência.

No entanto, se os estados considerados como ultrapassados fizerem parte da história


da ciência, esta não pode ser concebida cumulativamente.

Já estava definido na altura de Kuhn que o conhecimento científico era um processo de


Revoluções científicas e o primeiro conceito associado às mesmas foi o de ciência
normal: ciência que se faz segundo uma norma, um modelo ou um paradigma que
implica o consenso no interior da comunidade científica. Deste modo, reconhecia-se
uma ciência paradigmática, pelo que a noção de paradigma é fundamental – o

3
Tendem a ser vistos pelos cientistas como erros, superstições, estados obsoletos e esquecidos pela
ciência.
paradigma defina métodos e problemas que num dado momento e numa dada
disciplina são consensuais para um grupo de cientistas.

O paradigma surge do êxito científico de uma obra ou de um autor, cujos métodos e


problemas que colocam à ciência passam a ser encarados como elementos do modelo
de produção científica.

O mais comum, diz Thomas Kuhn é a ciência ser normal ou paradigmática. Para além
disso, sendo a ciência normal, o progresso do conhecimento é cumulativo e linear; isto
é, no interior de um paradigma vai-se sabendo cada vez mais e melhor.

Produção social da ciência – esta é produzida socialmente não só porque os cientistas


formam uma sociedade de miniatura mas também porque a ciência também afecta a
sociedade.

Tudo o que surge para ser estudado é “enfiado” pelo cientista num paradigma. Kuhn
diz que a função do cientista é a de inserir a realidade num modelo teórico – trabalho
de limpeza ou de selecção com o objectivo de escolher problemas pertinentes ou de
rejeitar os mesmos caso não “caibam” lá dentro, sendo que a estes últimos a ciência
atribui-lhes a categoria de “inexistente”.

A ciência normal também possui uma inércia interna, o que significa que quando é
confrontada com a novidade, exclui-a de imediato. Pode dizer-se que a ciência normal
é conservadora e resistente a novos métodos e/ou problemas. Assim, surge o conceito
de:

Problemas extraordinários – problemas que não encaixam na teoria e que a põem em


causa, pelo que ficam estagnados. São tipos de problemas que não são dados à partida
mas que surgem no decorrer da investigação científica. Ou seja, são problemas que são
colocados internamente à ciência pelo seu próprio desenvolvimento e melhoramento
(ao passo que a ciência ordinária é criada pelo progresso da investigação normal).

Atitude perante problemas ordinários (resolução de puzzles) com os quais a ciência


lida normalmente, segundo Thomas Kuhn

 Afasta factos extraordinários e rejeita surpresas, eliminando-as na medida do


possível. O puzzle ou enigma é algo com que se lida de forma previsível porque o
próprio possui uma abordagem previsível. Assim, é possível aceitar e compreende
o facto do conhecimento científico ser linear.
 Depara-se com problemas que não consegue assimilar na sua prática normal. Estas
anomalias não podem simplesmente ser relegadas para o discurso porque provêm
do progresso científico normal e nascem dentro da própria ciência. Deste modo,
não pode ser rejeitada mas também não é assimilada.
Tratamento de uma anomalia: a primeira reacção face a uma anomalia é a de tentar
resolvê-la e de integrá-la à força. Quando tal não é possível, dá-se uma crise de
paradigma. É nesse momento que se recorre à ciência extraordinária para discutir o
problema científico e pôr em confronto diferentes abordagens científicas – não há
consenso, e sim conflito e discussão. Isto significa que o paradigma falhou e que é
necessário discutirem-se paradigmas candidatos que se confrontem de forma a
“substituírem” o paradigma anterior, consoante o que melhor se adeque.
O novo paradigma não se limita a rever o anterior nem é uma mera extensão do
mesmo, pois traz consigo diferenças significativas que o tornam incompatível com o
paradigma que foi destituído. Há, portanto, uma incomensurabilidade de paradigmas:
não há medida comum entre o velho e o novo paradigma, pelo que a maneira de
conceber ciência é completamente incompatível entre paradigmas, visto que os
métodos que ambos utilizam variam radicalmente assim como os objectivos.
Thomas Kuhn é o grande teórico desta noção da mudança paradigmática.

Caracterização da concepção continuista ou revolucionista4 da história da ciência

Uma Revolução científica resulta de um problema causado pelas soluções falhadas da


ciência, deixando nessa altura de serem consideradas soluções. Pode, deste modo,
dizer-se que uma Revolução científica corresponde à mudança de paradigma. No
entanto, existe ciência normal ou paradigmática nas ciências da Natureza, mas não
fora destas.
Uma das grandes conclusões de Kuhn é a de que nas ciências sociais e humanas não
existe um consenso de paradigmas, já que há paradigmas coexistentes em várias
disciplinas e, para o autor, na área do saber consensual só pode haver um paradigma.
E neste caso, não há um consenso, mas uma competição. É por esta razão que não se
observa uma linearidade ou um ciência normal no interior das ciências sociais e
humanas; logo, não existem Revoluções ou progresso nas mesmas.

Para Kuhn, o âmbito do paradigma é disciplinar ou, eventualmente, subdisciplinar ou


infradisciplinar (Ex: medicina (como conjunto científico com paradigmas para cada
subdisciplina ou infradisciplina) – a cardiologia tem o seu próprio paradigma; a saúde
pública tem um paradigma muito diferente). As próprias Revoluções científicas não
afectam um todo, mas as partes, isto é, as subdisciplinas.
Dentro de cada sub ou infradisciplina não existe conflito de paradigmas; o progresso
dá-se em cada disciplina, o que não invalida a que haja uma ruptura ou uma Revolução
no seu conjunto. No entanto, é de salientar que nesta perspectiva já não há um
progresso cumulativo geral.

Outra conclusão extraída por Kuhn, e que o aproxima da sociologia da ciência de Max
Weber, é a de que se uma ruptura paradigmática cria uma nova disciplina geral, isto
significa que a função do progresso científico é a de aumentar o grau de
4
Conceito usado por razões não só científicas mas também políticas.
especialização, o que leva a que cada vez mais, os cientistas ficam limitados apenas à
disciplina que representam.
Assim, uma das consequências desta especialização progressiva, crescente e
descontrolada é a de que as comunidades científicas se tornam cada vez mais
incomunicáveis entre si, pelo que deixa de haver uma ciência unificada para passarem
a existir tantas ciências como paradigmas.
Contudo, não deixa de ser impossível para um cientista deixar de comunicar com os
seus colegas, embora seja mais e mais difícil, assim como passa a existir uma ciência de
equipas multi e interdisciplinares de migração de conceitos entre disciplinas, o que
garante uma transversalidade e uma transdisciplinaridade que assegura o que é
necessário para todas as ciências.

19 de Março de 2013
Conclusão da aula passada:

Segundo Thomas Kuhn, as características das mudanças revolucionárias são:

 O facto de serem holísticas (ou seja, abrangentes e totais, já que se altera tudo
na disciplina).
 Ocorre uma mudança de significado (a nível da linguagem).
 Incomensurabilidade de paradigmas, na medida em que há uma
incompatibilidade entre um novo paradigma e o anterior (dá-se, portanto, uma
mudança radical e revolucionária entre paradigmas).

Para Comte, o problema da relação entre as ciências da Natureza e as ciências sociais e


humanas tinha uma solução imediata que se reduzia à transferência do modelo de
racionalidade das ciências da Natureza para as ciências sociais e humanas. Logo, para
Comte, assim que uma ciência social nascesse, seguiria este processo.

Hermenêutica e a querela do método

Wilhelm Dilthey é um dos primeiros grandes teóricos da hermenêutica a criticar a


teoria positivista e a propor um modelo alternativo para as ciências sociais e humanas
– a hermenêutica. Este filósofo alemão abre as portas para o conflito ao qual se dá o
nome da querela do método, através da qual se defendem duas posições opostas:

 Sociologia positivista – o modelo da racionalidade das ciências sociais e


humanas e o mesmo que nas ciências da Natureza.
 Hermenêutica – o modelo de racionalidade entre os dois tipos de ciência é
distinto.
Dilthey, tendo em conta que defende a perspectiva hermenêutica, estabelece,
portanto, uma distinção entre as ciências da Natureza ou ciências duras (termo
resultante da metodologia imutável deste género de ciência) e as ciências do espírito
ou ciências da cultura (as ciências sociais e humanas estão automaticamente inseridas
nas ciências da cultura). O que as diferencia não é propriamente o objecto de cada,
mas o seu método, pois abordam o seu objecto de modo distinto e ao mesmo tempo
incompatível: as ciências da Natureza têm como método a explicação e as ciências do
espírito a compreensão (método da Hermenêutica).

Para o teórico, trata-se de fundamentar as ciências do espírito, pelo que chega à


conclusão que o melhor método talvez não seja a compreensão e sim a auto-
interpretação (introspecção efectuada pelo indivíduo). Isto deve-se ao facto de o
indivíduo, tanto na sua individualidade como na sua colectividade, ter a capacidade de
uma auto-interpretação que determina a forma como e que, desta forma, deve ser
incluída no método, até porque é um elemento único das ciências do espírito que
permite afastá-las das ciências da Natureza.

Já a grande diferença entre a questão do objecto nos dois tipos de ciência em


discussão baseia-se na ideia de as ciências do espírito terem um objecto caracterizado
pela sua linguisticidade e historicidade. O texto é um elemento fundamental para
estas características pois corresponde a uma linguagem narrativa.
Assim, os fenómenos humanos são qualificados pela sua radical historicidade e
linguisticidade, sendo que ambas estão completamente excluídas das leis da química e
da física. É por esta razão, que um dos objectivos da ciência dos espíritos deve ser o de
recuperar a consciência da historicidade – interpretação da linguagem em que a
história se exprime.

O conceito que define o método hermenêutico é o conceito de experiência vivida


(erlebnis – a experiência de ou o acto de experienciar e não a experiência de vida ou
uma experimentação laboratorial).

EXPERIÊNCIA VIVIDA (erlebnis) - interna

Estrutura da mediação
linguística
Este triângulo representa o
que, segundo Dilthey, é a
“estrutura da compreensão
quotidiana dos seres
humanos”

COMPREENSÃO (o interlocutor compreende EXPRESSÃO – externa à experiência


a expressão da experiência de quem a (o indivíduo exprime-se linguisticamente, de
exprimiu – transformação da compreensão forma verbal ou não, após a sua experiência)
quotidiana em interpretação e hermenêutica)
Na teoria da experiência, os teóricos que seguem e desenvolvem o trabalho de
Wilhelm Dilthey são, pela seguinte ordem, os seguintes:

 Martin Heidegger
 Hans-Georg Gadamer
 Paul Ricoeur
 Jürgen Habermas

É Habermas foi muito influenciado por Dilthey porque é quem começa a solucionar a
querela do método apresentada pelo filósofo alemão e até a sua importante teoria da
acção comunicativa é uma derivação do método hermenêutico de Dilthey.

No entanto, quem desenvolve a grande teoria da experiência moderna é Heidegger.


Esta defende que qualquer um de nós, antes de se exprimir como ser humano, vive a
experiência do ser aqui e agora (“ex-sistência” – “fora de si”). É uma noção que
provém do termo dasein (“being there”). Visto sermos um ser fora de nós, a criação do
mundo à nossa medida seria feita através da linguagem.

Concluindo o pensamento de Dilthey, o indivíduo é uma experiência vivida, sendo que


esta é radicalmente sua, individual e solitária. É, em última análise, uma experiência
incomunicável e intransmissível, contrariando o modelo positivista e a disciplina da
sociologia.

Desta forma, o método hermenêutico é constituído pelo triângulo (que pode ser
substituído pela figura do círculo) hermenêutico que é a base da metodologia das
ciências sociais e humanas. Este triângulo corresponde a uma mera psicologia
descritiva porque não pretende a compreensão do “outro”, e sim a compreensão de
culturas humanas, sociedades, civilizações e o que está historicamente na base de
todas elas é o texto. A hermenêutica acrescenta que até os fenómenos actuais que
abranjam uma sociedade inteira são textos – textualidade cultural. Mas, como o
próprio Dilthey indica, nem todos os textos são verbais.
Deste modo, o esquema triangular apresentado representa a transformação em
método científico da estrutura da compreensão quotidiana.
20 de Março de 2013
Wilhelm Dilthey em Jürgen Habermas: conhecimento e interesse

 A diferença entre as ciências da Natureza (CN) e as ciências do espírito (CE) deve


ser reconduzida ao “modo comportamental do sujeito cognoscente.”

 Explicação vs Compreensão: modo comportamental das CN face ao modo


comportamental das CE.

 Superação da oposição epistemológica entre as CN e as CE passa pela auto-


reflexividade da natureza humana.

Ciências da Natureza – EXPLICAR VS. Ciências do Homem – COMPREENDER

 Modo comportamental:  Modo comportamental:

 Eliminação da experiência vivida  Acesso à realidade disponível para o


 Construções mentais sujeito que vive na vida quotidiana
 Construções artificiais e verificação  Reconstruções miméticas (função da
experimental Hermenêutica, o que alude ao
triângulo hermenêutico.
 Retradução de objectivações
mentais numa experiência passível
de ser reproduzida (processo
implicado no conhecimento do
outro)

o A linguagem das ciências sociais e humanas é a linguagem do quotidiano (comunicação


interpessoal).

o Nas CN, a linguagem é altamente formalizada e matemática, pelo que este tipo de ciência
constrói a realidade que pretende conhecer.

Jürgen Habermas apresenta uma proposta de superação da querela do método.


Primeiro, é de salientar que esta não ocorre entre as CN e as CE e sim entre duas
perspectivas que pretendem fundamentar as ciências sociais e humanas (CE): a
perspectiva positivista e a perspectiva hermenêutica.
Enquanto Dilthey considerava que o que distinguia as CN das CE passava pela oposição
entre compreensão e explicação, Habermas considerava que a diferença estava no
modo comportamental de ambos os tipos de ciência que se definem através de seis
critérios: tipo de actividade, problematização, intenções, método, procedimentos e
interesses cognitivos.

A consequência da tese positivista de Comte é que a partir desta se passa a considerar


que o modelo das ciências sociais e humanas é uma mera extensão do modelo das
ciências da Natureza. Esta imposição nas características da retórica e da especulação
teve como consequência uma restrição no financiamento das ciências sociais e
humanas, visto não serem consideradas ciência; deste modo, a dependência das CE
face às CN agravou-se ainda mais.
Dilthey e o seu discurso complicam mais a situação, pois ainda que considere que as CE
como algo distinto e aparte das CN, a imagem das CE continua denegrida.

Em “The Two Cultures”, C. P. Snow afirma que há uma cultura própria das CN que é
verdadeiramente científica, a do rigor, da experimentação, do processo técnico. Já a
outra cultura, a que alguns autores chamam de “cultura cultura” (expressão que
demonstra carácter genérico), representa tudo o que não é conhecimento científico.
Entre os dois tipos de cultura situa-se uma cultura científica que seria sempre iletrada
para as CN. Snow conclui que a ciência não tem nada a ver com a cultura (na origem da
palavra) nem com o quotidiano.

A certa altura surge a necessidade de se superar a querela do método, de resolver a


imposição que reduzia as ciências sociais e humanas à insignificância e à sua
desautorização. Considerava-se mesmo que as ciências sociais e humanas não eram
“normais”, porque os cientistas que se conseguiam decidir acerca do modelo mais
adequado para este tipo de ciência.
Deste modo, a necessidade de superação passa pela devolução às ciências sociais e
humanas de uma autoridade e também a atribuição de liberdade face à tutela das
ciências da Natureza; isto é, superar a querela de método sob a égide das ciências
sociais e humanas, de modo a igualá-las às ciências da Natureza.
Habermas foi quem deu o primeiro passo que foi indispensável para que se pudesse
alcançar este objectivo.

Tipo de linguagem

Acaba por se considerar que a grande diferença metodológica se reduz ao tipo de


linguagem utilizado tanto pelas CN como pelas CE. Ao contrário das concepções
enviesadas sobre a linguagem quotidiana, esta, segundo Habermas, possui a
característica de estar desprovida do rigor e da formalização da linguagem das CN,
pelo que engloba uma auto-reflexividade.
Ex: a equação matemática é igual para todos e é descontextualizada, ao passo que a
linguagem quotidiana possui contexto.
Interesses cognitivos

Todas as ciências emergem da problematização criada por expectativas frustradas, ou


seja: as ciências da Natureza provêm da decepção ou do fracasso de uma acção. Por
outro lado, as ciências sociais e humanas surgem da necessidade de resolver conflitos.
De qualquer das formas, todas as ciências são criadas com objectivos ou interesses
cognitivos.

Habermas diz que nas ciências sociais e humanas é possível perceber os interesses
cognitivos que as orientam, mas o mesmo não acontece com as ciências da Natureza
que se dissimulam e se escondem nos seus próprios interesses cognitivos. Para além
disso, a autoridade das CN é baseada na ocultação como se fossem feitas pela verdade
e não pelas pessoas, ao passo que a linguagem quotidiana está aberta à argumentação
racional, o que é transmitido pelas CE.

Portanto, apesar de todas as ciências possuírem interesses cognitivos, só as ciências


sociais e humanas é que o conseguem demonstrar através da auto-reflexividade da
linguagem quotidiana e, é desta forma que se pode superar a querela do método sob
a égide das ciências sociais e humanas (isto é, com o seu predomínio). Considera-se,
então, que as ciências sociais e humanas são superiores às ciências da Natureza
porque têm a capacidade de explicar como as outras funcionam e porque se fazem; as
CN já não têm a capacidade para fazerem qualquer uma destas coisas.
O carácter específico da linguagem quotidiana reside na reflexividade, no facto de esta
perfazer a sua própria metalinguagem – a linguagem quotidiana nunca é usada duas
vezes da mesma maneira, apesar de cada novo uso ser uma reflexão do anterior.

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