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Livro: Conexões – ciências humanas e sociais aplicadas (ciência,

cultura e sociedade) Pág. 30-36

Mediação sugerida
História

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Unidade 1
CAMINHOS DA CIÊNCIA

Como visto na abertura desta Unidade, a dúvida permeia o processo


científico. O termo “ciência” vem do latim scientia, que significa
“conhecimento”. Assim, como ponto de partida, podemos definir ciência
como o campo da atividade humana que se dedica à construção de um
conhecimento sistemático e seguro a respeito dos fenômenos do mundo.
Por que dissemos “sistemático e seguro”? A palavra “conhecimento” pode
ser usada tanto no sentido amplo, como percepção ou consciência de algo,
quanto no sentido estrito, como consciência do que algo realmente é,
alcançada de maneira sólida e bem fundamentada. Este último é o tipo de
saber que interessa à ciência. Os gregos o chamavam de epistéme. Foi a
partir desse termo que a investigação sobre o conhecimento obtido pela
ciência tornou-se conhecida como epistemologia ou epistemologia
científica, ramo da filosofia da ciência.
Primeiramente, é preciso destacar que o que entendemos hoje por
ciência tem uma história relativamente recente. Até o século XVII, os
saberes científico e filosófico estavam integrados de tal forma que o
conhecimento produzido por diferentes pensadores não fazia distinção
entre eles. Foi apenas a partir da modernidade que passou a predominar a
separação e a especialização dos saberes. A seguir, vamos acompanhar
alguns aspectos importantes nessa transição da mentalidade
contemplativa, que predominou nas sociedades antigas e medievais, para
a mentalidade operativa, para o racionalismo, que busca controlar e
ordenar o mundo, com uma visão centrada nos seres humanos, e estes
separados da natureza, a partir da modernidade.
O astrônomo, de Johannes Vermeer, 1668. Óleo sobre tela, 50 cm 3 45
cm. O retrato de cientistas era um tema popular na pintura holandesa do
século XVII.

Foco na imagem – Que elementos da pintura indicam que a pessoa


retratada é um astrônomo? Pesquise como um astrônomo constrói seu
conhecimento.

Modernidade: a revalorização do ser humano e da natureza


O período que compreende a chamada modernidade iniciou-se em
meados do século XV e prolongou-se até meados do século XVIII. Essa
época foi marcada por transformações importantes na mentalidade, na
economia, na política e também na filosofia. No campo filosófico,
desenvolveram-se correntes, como o grande racionalismo, o empirismo
britânico e o Iluminismo, que impactam o debate intelectual até nossos
dias. Houve também uma profunda mudança cultural, incorporando a nova
mentalidade em ascensão, marcada pelo humanismo e pelo
antropocentrismo (que tem o ser humano como centro).
Podemos destacar algumas mudanças significativas que ocorreram
lentamente e marcaram a constituição do período moderno, como a
passagem para formas econômicas capitalistas a partir da crise do
feudalismo. Essa passagem vinculou-se à expansão comercial e financeira
que foi caracterizada pela ascensão social da burguesia e de valores como
o individualismo e a competitividade. Formaram-se ainda os Estados
nacionais em torno do fortalecimento político das monarquias, que
dispunham de funcionários e forças
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militares próprios para administrar um território e sua população. A
expansão marítimo-comercial europeia desde o século XV viabilizou a
colonização das Américas, ampliando os limites do mundo conhecido pelos
europeus, e deu início ao processo de mundialização da economia. Esses
marcos do início da Idade Moderna não ocorreram simultaneamente nem
em todos os locais, tampouco afetaram todas as pessoas da mesma forma.

Mapa de 1486, da obra reeditada A Geografia de Ptolomeu, no qual se vê a


representação do mundo conhecido e dos continentes europeu, africano e
asiático. A obra do grego Ptolomeu, que viveu entre os séculos I e II, foi
preservada pelos árabes e levada por eles à Europa na Idade Média,
influenciando tempos depois cientistas e cartógrafos do Renascimento.
As modernas formas de representação do espaço por meio de princípios
matemáticos e da perspectiva foram desenvolvidas pelos renascentistas,
impulsionando um avanço significativo da arte da cartografia e da pintura,
entre outros conhecimentos.

A partir do século XVI, com as transformações impulsionadas na época


do Renascimento e com a chamada Revolução Científica, iniciada por
cientistas como o matemático e astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543),
o médico André Vesálio (1514-1564), que desenvolveu estudos de
anatomia humana, e o físico e astrônomo Galileu Galilei (1564-1642), entre
outros, a ciência passou a constituir um setor autônomo, independente da
filosofia e com metodologias próprias, conformando o que se chama
ciência moderna. Nesse período, o indivíduo moderno aguçou sua
disposição para investigar os problemas do mundo e da natureza por meio
da pesquisa e das experimentações.
Neste desenho, Leonardo da Vinci fez um registro do estudo anatômico de
um feto (c. 1510), que integrava seus estudos sobre placenta. Os estudos
de anatomia realizados no Renascimento contribuíram para o
desenvolvimento do conhecimento do corpo humano e de seu
funcionamento.

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Renascimento
O movimento cultural que contribuiu para as transformações nos
séculos XV e XVI é conhecido como Renascimento e envolveu artistas e
intelectuais de diversas áreas. Recebeu esse nome porque se inspirou no
humanismo – movimento iniciado em meados do século XIV por
intelectuais que defendiam o estudo da cultura greco-romana e o
reavivamento de certos ideais de exaltação do ser humano e seus
atributos, tais como a razão e a liberdade. Ao propiciar a expansão de uma
mentalidade racionalista e lógica, aliada à matematização e à quantificação
na análise do mundo, o Renascimento criou as bases conceituais e de
valores que favoreceriam o desenvolvimento da ciência moderna.
A transição para a mentalidade científica moderna não foi, porém, um
processo súbito e sem resistências. Forças ligadas ao passado medieval
lutavam duramente contra as transformações que se desenvolviam,
organizando listas de livros proibidos (o Index) e punindo muitos
pensadores e pessoas que descumprissem certos preceitos.
Foi nesse contexto que, como veremos, vários pioneiros da ciência
moderna foram perseguidos pela Inquisição – tribunal instituído pela Igreja
católica com o fim de descobrir e julgar os responsáveis por propagação e
prática de heresias. Criada em 1232 pelo papa Gregório IX, a Inquisição
estendeu-se por vários reinos cristãos que correspondem hoje a Itália,
França, Alemanha, Portugal e, especialmente, Espanha.

Galileu, por exemplo, foi perseguido por defender uma teoria


considerada herege (o heliocentrismo) e condenado a negar suas ideias
publicamente. Seus livros foram proibidos pela Igreja católica por muito
tempo.

Galileu mostrando ao Doge Leonardo Donato como usar o telescópio,


de Henri Julien Detouch, 1754. Óleo sobre tela. Os primeiros
telescópios surgiram na Holanda, por volta de 1600, para serem
usados com finalidades bélicas. Sem nunca ter visto o instrumento,
bastando-lhe apenas sua descrição, Galileu construiu seu próprio
telescópio e o aperfeiçoou para fins astronômicos.

Esse conjunto de atitudes se contrapôs fortemente à mentalidade


medieval típica do período anterior, influenciada pelo pensamento
qualitativo e contemplativo grego e mais submissa às chamadas
verdades inquestionáveis da fé. O pensador moderno buscou não somente
conhecer a realidade, descobrir as leis que regem os fenômenos naturais
(enfoque quantitativo, matemático), mas também exercer controle sobre
ela (enfoque operativo). O objetivo era prever para prover, como se diria
depois.
Desse modo, a ciência moderna não constitui uma observação que aceita
os fatos recolhidos no mundo de forma passiva. Trata-se de uma
observação crítica da realidade, mediada por operações estabelecidas
previamente e que aplicam raciocínios lógico-matemáticos aos dados
obtidos pela experiência. Ao longo dos séculos em que se deu o processo
de formação do pensamento moderno, alguns filósofos e cientistas
contribuíram com suas pesquisas e reflexões de maneira decisiva.
Podemos citar, por exemplo, o filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626),
que realizou uma obra científica

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de inegável valor e é considerado um dos fundadores do método indutivo


de investigação científica. Atribui-se a ele também a criação do lema “saber
é poder”, que revela sua firme disposição de fazer dos conhecimentos
científicos um instrumento prático de controle da natureza com vistas à
expansão das conquistas humanas.

Bacon concebia a ciência como técnica e valorizava a pesquisa


experimental. Por isso, preocupava-se com a utilização dos conhecimentos
científicos na vida prática, manifestando grande entusiasmo pelos avanços
técnicos que se difundiam em sua época, como a bússola, a pólvora e a
imprensa. Revelava igualmente sua aversão ao pensamento meramente
contemplativo e abstrato, característico da escolástica medieval.

Método indutivo: esse método obedeceria a etapas como: observação


atenta e rigorosa da natureza para a coleta de informações; organização
racional dos dados recolhidos empiricamente; formulação de explicações
gerais (hipóteses) que possam levar à compreensão do fenômeno
estudado; e comprovação ou não da hipótese formulada mediante
experimentações repetidas, em novas circunstâncias.

Escolástica medieval: tradição filosófica, surgida na Idade Média, que


conciliava a fé à razão, valorizando o conhecimento científico, em especial
os estudos platônico e aristotélico.
Experimento com um pássaro em uma bomba de ar, de Joseph Wright,
1768. Óleo sobre tela, 183 cm 3 244 cm. Uma cacatua se debate asfixiada
dentro de um globo de vidro, sob a ação de um filósofo natural (ou
cientista)

Racionalismo: divisão e especialização do saber

Durante o século XVII, a confiança no poder da razão no processo de


conhecimento chega ao seu auge. No campo das teorias do conhecimento,
racionalismo designa a doutrina que privilegia o papel da razão no
processo de conhecer a verdade. Nesse período, iniciaram-se também a
separação e a especialização dos saberes que conhecemos atualmente. A
física e a química foram as primeiras a se desenvolverem de forma
independente. Posteriormente, as ciências biológicas também abraçaram a
nova concepção de ciência quantitativa e operativa.
O filósofo francês René Descartes (1596-1650) é um dos principais
representantes do racionalismo. Decepcionado com a compreensão do
mundo que predominava em sua época – baseada nos ensinamentos da
Igreja católica e de sua interpretação de Aristóteles –, Descartes decidiu
investigar a verdade por conta própria, com o intuito de decifrar o “grande
livro do mundo”. Ele pretendia construir uma ciência universal e estipular
um método confiável para chegar à verdade. Para tanto, empregou a
dúvida de maneira sistemática. Foi assim que nasceu a chamada dúvida
metódica, uma referência importantíssima para a filosofia e as ciências
modernas.
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Escultura de anjo e, no fundo, o céu azul. As coisas são realmente como os


nossos sentidos as percebem? Qual é a relação entre as nossas
percepções sensoriais e a subjetividade?

Primeiramente, Descartes estipulou que iria analisar todas as crenças


ou suposições que fundamentavam suas opiniões. Se fossem duvidosas,
as outras ideias que delas dependiam também seriam duvidosas (esse é
um procedimento básico tanto em filosofia como nas ciências em geral).
Assim, Descartes começou a analisar as ideias que nascem dos sentidos e
concluiu que o conhecimento originado das percepções sensoriais não é
confiável, pois muitas vezes elas nos enganam. Depois de inúmeras
indagações, Descartes procurou uma saída para a exigência autoimposta.
O filósofo teve então a intuição de que tinha de ser algo enquanto
duvidava, e também devia ser algo que existia enquanto duvidava.
Portanto, se você pensa, não importa o que, uma coisa que pensa (que é
você) deve existir para produzir esse pensamento. Daí a conclusão de
Descartes, uma das mais célebres frases da história da filosofia: “Penso,
logo existo”, que ficou conhecida como cogito (forma reduzida de “Cogito,
ergo sum”, a mesma frase em latim) e que expressou
a valorização do sujeito, tão característica do mundo moderno desde o
Renascimento.
Assim, Descartes alcançou sua primeira certeza: a de existir como res
cogitans (“coisa que pensa”, em latim) enquanto pensa. Ele não podia
concluir ainda que havia nele uma res extensa (“coisa extensa”, em latim,
isto é, matéria ou corpo), mas sim que havia uma coisa pensante. A partir
dessa certeza, o filósofo tratou de alcançar outras certezas.

Como um racionalista convicto, Descartes atribuía grande valor à


matemática como instrumento de compreensão da realidade. Ele próprio foi
um grande matemático, considerado um dos criadores da geometria
analítica – sistema que tornou possível a determinação de um ponto em um
plano mediante duas linhas perpendiculares fixadas graficamente (as
coordenadas cartesianas).

O método cartesiano colaborou para cristalizar nas ciências e em


diversas áreas de conhecimento do mundo moderno uma concepção
reducionista da realidade. O reducionismo consiste em dividir os
problemas ou objetos de estudo para serem analisados, separando assim
as partes do todo, para depois ser realizada a síntese. O modo de ver
reducionista traz o entendimento de que “a soma das partes equivale ao
todo”. Descartes também influenciou as ciências da natureza, como a
física, a química e a biologia, com o mecanicismo e o determinismo natural.
Segundo essa visão, o mundo material seria como uma grande máquina e
todos os corpos estariam submetidos às leis mecânicas naturais, de causa
e efeito, predeterminadas.

O pássaro, por exemplo, seria como um relógio, cujo mecanismo


preciso o torna capaz de contar melhor as horas do que nós mesmos,
conforme afirmou Descartes.
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Iluminismo: a época das luzes

Nos séculos XVII e XVIII, houve uma grande expansão do sistema


capitalista em diversos países europeus, que foi acompanhada pela
crescente ascensão social da burguesia. Apesar disso, no plano
sociopolítico, em diversos países europeus subsistia o Antigo Regime, que
se caracterizava pela organização social baseada em estamentos
(basicamente três: clero, nobreza e grupos de trabalhadores, com
mobilidade quase nula), pelas instituições políticas e jurídicas que
legitimavam a desigualdade entre pessoas de diferentes estamentos e pelo
absolutismo monárquico.

Uma exceção no cenário sociopolítico europeu foi a instalação de uma


monarquia constitucional na Inglaterra a partir da Revolução Gloriosa, em
que o poder do governante passou a ser limitado pelas leis e pelo
Parlamento. No liberalismo inglês havia maior liberdade de expressão
política e religiosa, o que entusiasmou intelectuais de outras regiões e, de
certo modo, também inspirou a Independência dos Estados Unidos (1776)
e a Revolução Francesa (1789).
Foi nesse contexto que se desenvolveu o movimento cultural
do século XVIII denominado Iluminismo, Ilustração ou Filosofia das Luzes.
Embora suas primeiras manifestações tenham ocorrido na Inglaterra, o
Iluminismo se consolidou na França e, dali, se difundiu por outras regiões
da Europa, especialmente a Alemanha. Os iluministas expressavam um
espírito sagaz, defendendo o racionalismo, a independência do Estado em
relação à Igreja e a confiança no progresso humano por meio das
realizações científicas e tecnológicas. Uma das características do
Iluminismo.

Senhores de Alainville e Montamy, de Louis Carrogis Carmontelle, de


c. 1760. Óleo sobre tela, 310 cm 3 210 cm. Durante o século XVIII, as
ciências experimentais eram uma das paixões de nobres, burgueses
franceses e dos iluministas.

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de modo geral, foi a crença baseada em uma visão dualista, como a de que
a “luz da razão” seria capaz de combater a ignorância, os preconceitos, os
erros da superstição e o “obscurantismo”.

Paralelamente, o racionalismo conseguia cada vez mais adeptos no


mundo, transmitindo a confiança na razão e na ciência como principal
instrumento do ser humano para enfrentar os desafios da vida e equacionar
os problemas que o rodeavam. Reforçava essa convicção o
desenvolvimento da Revolução Industrial, com seus avanços
tecnológicos e impactos sociais. Os novos processos de produção foram
parte importante desse período, assim como o uso crescente de máquinas
e ferramentas. Os impactos sociais da Revolução Industrial se desdobram
ainda hoje no mundo contemporâneo.
O otimismo com os resultados obtidos pelas Ciências da Natureza
acabou dominando as sociedades modernas, alcançando também as
chamadas Ciências Humanas e Sociais a partir do século XIX.
Investigando o universo dos seres humanos, os primeiros estudiosos dos
ramos humanísticos procuraram atingir um patamar de cientificidade
próximo ao alcançado pela física, considerada a “ciência modelo”. A
Sociologia, por exemplo, foi concebida inicialmente como uma “física
social” pelo filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), fundador do
positivismo.
A visão positivista nas Ciências Humanas e Sociais seria pouco depois
criticada pelo filósofo alemão Wilhelm Dilthey (1833-1911) e outros
estudiosos, que passariam a postular a abordagem da compreensão, ou
seja, um enfoque mais abrangente, qualitativo e integrador.
O processo de separação dos saberes, iniciado com o nascimento da
ciência moderna, acentuou-se durante o século XX, levando a uma
crescente divisão e especialização do conhecimento no interior de cada
área científica. A medicina, por exemplo, foi subdividida de tal maneira em
especialidades e subespecialidades que, se uma pessoa for a um hospital
com dor no ombro hoje em dia, será atendida primeiro por um clínico geral,
que muito provavelmente a encaminhará a um especialista em ortopedia,
que, por sua vez, poderá encaminhá-la novamente a outro ortopedista
especialista apenas em ombro. Por isso se diz que vivemos hoje a “era dos
especialistas”.

Revolução Industrial: complexo de transformações socioeconômicas


que alterou a vida de sociedades da Europa ocidental e outras regiões do
mundo a partir de meados do século XVIII.

Positivismo: doutrina filosófica assentada na confiança no progresso


científico e na valorização do método das ciências positivas (baseadas
nos fatos concretos e na experiência, como a física).
Wilhelm Dilthey em fotografia de 1910.

Fundição de ferro de Burmeister e Wain, de Peder Severin Krøyer, 1885.


Óleo sobre tela, 144 cm 3 194 cm. Com a revolução industrial, os métodos
artesanais de fabricação foram sendo substituídos pela produção
mecanizada.

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