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Todos os direitos reservados.
TÍTULO ORIGINAL
Misbehaving
REVISÃO
Taís Monteiro
Victor Almeida
CAPA
Pete Garceau
IMAGEM DE CAPA
iStock/Thinkstock
ADAPTAÇÃO DE CAPA
Antonio Rhoden
REVISÃO DE E-BOOK
Manuela Brandão
GERAÇÃO DE E-BOOK
Intrínseca
E-ISBN
978-85-510-0414-2
Edição digital: 2019
1a edição
Todos os direitos desta edição reservados à
Editora Intrínseca Ltda.
Rua Marquês de São Vicente, 99, 3o andar
22451-041 – Gávea
Rio de Janeiro – RJ
Tel./Fax: (21) 3206-7400
www.intrinseca.com.br
Para:
Victor Fuchs, que me deu um ano para pensar, e Eric Wanner
e a Russell Sage Foundation, que apoiaram uma ideia maluca.
E para:
Colin Camerer e George Loewenstein, alunos dos primórdios
da economia comportamental.
SUMÁRIO
[Avançar para o início do texto]
Prefácio
I. PRIMÓRDIOS: 1970 – 78
1. Fatores supostamente irrelevantes
2. O efeito posse
3. A Lista
4. Teoria do Valor
5. California Dreamin’ – O sonho da Califórnia
6. A Manopla
INTERLÚDIO
13. Desvios no mundo real
Notas
Bibliografia
Lista de figuras
Agradecimentos
Sobre o autor
Leia também
O alicerce da economia política e, em geral, de toda ciência
social é, evidentemente, a psicologia. Pode chegar o dia em que
seremos capazes de deduzir as leis da ciência social a partir dos
princípios da psicologia.1
— Vilfredo Pareto, 1906
PREFÁCIO
Sinto que nos últimos dias a gente vem contando anedotas e eventos
com a intenção de que sejam lembrados, pelo menos por algum tempo.
Se bem me recordo, existe uma antiga tradição judaica de que história
e sabedoria são transmitidas de uma geração a outra não por meio de
aulas e livros, mas por meio de anedotas, eventos engraçados e piadas
apropriadas.
O EFEITO POSSE
Comecei a ter ideias divergentes sobre teoria econômica quando era aluno
de pós-graduação no departamento de economia da Universidade de
Rochester, localizada no interior do estado de Nova York. Embora tivesse
receios em relação a parte do material apresentado nas minhas aulas, não
conseguia afirmar se o problema estava na teoria ou na minha
compreensão falha da matéria. Eu não era nenhum gênio. Naquele artigo
de Roger Lowenstein para a New York Times Magazine, o orientador da
minha tese, Sherwin Rosen, fez a seguinte avaliação da minha carreira
como aluno de pós-graduação: “Não esperávamos muito dele.”
O tópico da minha tese soava provocativo — “O valor de uma vida” —,
mas a abordagem era convencional do início ao fim. Conceitualmente, o
modo apropriado de pensar nessa questão foi captado pelo economista
Thomas Schelling no seu maravilhoso ensaio intitulado “A vida que você
salva pode ser a sua”. Muitas vezes meus interesses se cruzaram com os de
Schelling, um dos primeiros simpatizantes e colaboradores do que agora
chamamos de economia comportamental. Eis uma passagem famosa do
seu ensaio:
A LISTA
TEORIA DO VALOR
CALIFORNIA DREAMIN’
O SONHO DA CALIFÓRNIA
––––––––
A MANOPLA
Incentivos
Economistas botam muita fé em incentivos. O argumento diz que, se a
bolada aumenta, as pessoas terão maior incentivo para pensar mais, pedir
ajuda ou fazer o que for necessário para resolver o problema do jeito certo.
Era típico dos experimentos de Kahneman e Tversky serem feitos com
nada em jogo; para os economistas, isso indicava que podiam ser
tranquilamente ignorados. E quando incentivos reais eram introduzidos
em um contexto de laboratório, eram somas pequenas, apenas alguns
dólares. Seguramente, dizia-se com frequência, se os incentivos
aumentassem, as pessoas fariam as coisas do jeito certo. Essa afirmação,
sem qualquer sustentação em evidências, era tomada por verdadeira,
apesar do fato de que nada na teoria ou na prática econômica indicasse um
escopo exclusivo a problemas de larga escala. A teoria econômica deveria
funcionar bem tanto na compra de pipoca quanto na de automóveis.
Dois economistas da Caltech forneceram certa evidência inicial contra
essa linha de ataque: David Grether e Charlie Plott, um dos meus tutores
de economia experimental. Grether e Plott tinham deparado com uma
pesquisa conduzida por dois dos meus mentores em psicologia, Sarah
Lichtenstein e Paul Slovic. Lichtenstein e Slovic haviam descoberto
“reversões de preferência”,5 um fenômeno que se revelava desconcertante
para os economistas. Em poucas palavras, sujeitos eram induzidos a dizer
que preferiam a opção A em vez da opção B... e também que preferiam B
em vez de A.
Esse achado comprometia um dos fundamentos teóricos essenciais de
qualquer teoria econômica formal, o qual postulava que as pessoas têm
“preferências bem definidas”, ou seja, que nós sabemos com coerência do
que gostamos. Economistas não se importam se você gosta mais de um
colchão firme do que de um macio ou vice-versa, mas não podem tolerar
que você diga que gosta mais de um colchão firme do que de um macio e
de um macio mais do que de um firme. Isso, não pode. Os livros teóricos
de economia parariam na primeira página se essa premissa de preferências
bem ordenadas tivesse de ser abandonada porque, sem preferências
estáveis, não há nada para ser otimizado.
Lichtenstein e Slovic incitaram reversões de preferência quando
presentearam os sujeitos com um par de jogos de aposta: um relativamente
seguro, algo como 97% de chance de ganhar US$10,00, e outro mais
arriscado, algo como 37% de chance de ganhar US$30,00. Chamaram o
jogo quase certo de aposta “p”, significando alta probabilidade, e o jogo
mais arriscado de aposta “$”, já que oferecia uma chance de ganhar mais
dinheiro. Primeiro perguntaram às pessoas que jogo preferiam. A maioria
optou por p, uma vez que lhes agradava uma chance quase certa de
ganhar. Para esses sujeitos, isto significava que preferiam p a $. Então
perguntaram a esses sujeitos que preferiam p: “Suponha que você seja
dono de uma aposta p. Qual é o preço mais baixo que você pediria para
estar disposto a vendê-la?” E também lhes fizeram a mesma pergunta em
relação à aposta $. Estranhamente, a maioria desses sujeitos exigia mais
para desistir de $ do que para desistir de p, indicando que gostavam mais
da aposta $. Mas isso significa que preferiam a aposta p à aposta $, e a
aposta $ à aposta p. Blasfêmia!
Grether e Plott queriam saber o que estava provocando esses resultados
estranhos, e sua hipótese mais importante era a dos incentivos.6 Se as
apostas fossem reais, conjecturaram eles, esse absurdo deixaria de existir.
Então usaram dinheiro de verdade nos experimentos e, para sua grande
surpresa, a frequência e a seriedade das reversões de preferência na
realidade aumentaram. Aumentar o valor da aposta só intensificou os
resultados.7
Isso não pôs fim à objeção dos incentivos. Mas pelo menos era possível
citar a existência de um artigo que questionava a alegação de que dinheiro
resolveria todos os problemas que os economistas tinham com pesquisa
comportamental. Como veremos, esse tem sido um tema bem recorrente
no debate sobre a validade de evidência experimental.
Aprendizagem
O estilo de experimentos que Kahneman e Tversky conduziam era muitas
vezes criticado como um jogo de “rodada única”. No “mundo real”,
argumentavam os economistas, as pessoas têm oportunidade de aprender.
A ideia é bastante razoável. Não começamos a vida como bons motoristas,
mas a maioria de nós aprende a dirigir sem contratempos frequentes. O
fato de um psicólogo inteligente poder conceber uma pergunta capaz de
levar as pessoas no laboratório a cometer um erro não implica
necessariamente que o mesmo erro seria cometido no “mundo real”.
(Laboratórios são considerados como mundos irreais.) Lá fora, as pessoas
têm muito tempo para exercícios de tomada de decisão, de modo que não
vão cometer os erros que vemos no laboratório.
O problema com a história da aprendizagem é que ela pressupõe que
vivemos em um mundo como o de Bill Murray no filme O feitiço do
tempo. Toda vez que o personagem de Bill Murray acorda, revive o mesmo
dia, de novo e de novo. Ele só descobre o que estava acontecendo porque
foi capaz de aprender, modificando uma coisa de cada vez para ver o que
aconteceria. Felizmente, a vida real não é tão controlada assim. Mas, como
resultado, a aprendizagem pode ser difícil.
Psicólogos nos dizem que, para aprender por meio da experiência, são
necessários dois ingredientes: prática frequente e feedback imediato.
Quando essas condições estão presentes, tal como ocorre quando
aprendemos a andar de bicicleta ou dirigir um carro, nós aprendemos,
possivelmente com alguns contratempos ao longo do caminho. Mas
muitos dos problemas da vida não oferecem essas oportunidades, o que
levanta um ponto interessante. Os argumentos de aprendizagem e
incentivo são, em certa medida, contraditórios. Isto me ocorreu pela
primeira vez durante um debate público que tive com Ken Binmore,
especialista britânico em teoria dos jogos.
Em uma conferência organizada para estudantes de pós-graduação,
Binmore e eu ministrávamos uma palestra por dia cada um. Eu
apresentava novas descobertas de economia comportamental e, embora o
trabalho de Binmore não estivesse relacionado com o meu, ele aproveitava
a oportunidade no começo de cada uma de suas palestras para responder a
uma que eu dera na véspera. Depois da minha primeira palestra, Binmore
forneceu uma versão da crítica do “valor baixo”. Ele disse que, se estivesse
dirigindo um supermercado, gostaria de consultar minha pesquisa, porque,
para compras baratas, as coisas que eu estudava podiam possivelmente ter
importância. Mas se estivesse dirigindo uma concessionária de automóveis,
minha pesquisa seria de pouca relevância. Com valores mais altos, as
pessoas faziam a coisa certa.
No dia seguinte, apresentei o que agora chamo de “continuum de
Binmore” em homenagem a ele. Escrevi da esquerda para a direita no
quadro-negro uma lista de produtos que variavam com base na frequência
da compra. Do lado esquerdo, comecei com almoço na cafeteria (diário),
depois leite e pão (duas vezes por semana) e assim por diante até chegar a
roupas, carros e casas, escolhas de carreira e cônjuges (não mais do que
dois ou três para a maioria de nós). Note a tendência. Fazemos coisas
pequenas com frequência suficiente para aprender o jeito certo, mas
quando se trata de escolher uma casa, uma hipoteca ou um emprego, não
conseguimos muita prática ou oportunidades para aprender. E quando se
trata de poupar para a aposentadoria, nós só o fazemos exatamente uma
vez, salvo em outras encarnações. Binmore, na verdade, começou pelo
lado errado. Como a aprendizagem exige prática, temos mais
probabilidade de fazer a coisa certa com pequenos valores do que com
grandes valores. Isso significa que os críticos precisam decidir qual dos
argumentos querem aplicar. Se aprendizagem é crucial, então, à medida
que os valores aumentam, a qualidade da tomada de decisão
provavelmente irá cair.
––––––––
PECHINCHAS E ENGANAÇÕES
CUSTOS AFUNDADOS
Quando certa quantia é gasta e o dinheiro não pode ser recuperado, diz-se
em economia que o dinheiro “afundou”, foi embora. Expressões como
“não chorar sobre o leite derramado” e “deixar o passado para trás” são
outras maneiras de expressar o conselho dos economistas para ignorar
custos impossíveis de serem recuperados. Mas é um conselho difícil de ser
seguido, como ilustram alguns exemplos contidos na Lista, como ir de
carro ao jogo de basquete em plena nevasca ou a história de Vince e seu
cotovelo de tenista.
Para deixar as coisas claras, vamos estipular que, se um amigo
convidasse Vince para jogar tênis (de graça) em outro clube, Vince
recusaria por causa do seu cotovelo dolorido. Em jargão de economia, a
utilidade de jogar tênis é negativa. Mas, por ter pago US$1.000,00, ele
continua a jogar, piorando seu estado cada vez que joga. Por que ele
haveria de fazer uma coisa dessas? Esta é a pergunta que eu queria
responder.
Ao longo dos anos, colecionei dezenas de exemplos de pessoas
preocupadas com custos afundados. Um deles envolvia uma amiga, Joyce,
que vivia brigando com sua filha de seis anos, Cindy, sobre o que ela devia
vestir para ir à escola. Cindy resolvera que não queria mais usar vestido, só
calças ou shorts. Joyce insistia que Cindy tinha que usar os três vestidos
que ela havia comprado para o início do primeiro ano. Muitos dias
começavam com berros de “Eu comprei esses vestidos, e você vai usá-los!”,
com Cindy retrucando que não iria à escola se tivesse que usar vestido. É
bem provável que Joyce perguntasse, inutilmente, se Cindy achava que
dinheiro crescia em árvores.
Fui trazido como mediador e expliquei a lógica econômica para Joyce.
O dinheiro pago pelos vestidos já se fora, e usá-los não o traria de volta.
Enquanto vestir calças ou shorts não exigisse uma nova compra de roupas,
insistir que Cindy usasse os vestidos não ajudaria em nada sua situação
financeira. Joyce ficou encantada ao ouvir essa informação. Ela detestava
brigar com a filha, mas genuinamente se sentia culpada por “desperdiçar”
a compra desses três vestidos. Escutar um economista lhe dizendo que
ignorar custos afundados é perfeitamente racional, até mesmo necessário,
era tudo de que ela precisava. Maya Bar-Hillel começou a dizer que eu era
o único economista clínico do mundo. (Depois do episódio da colcha, ela
se tornou minha primeira cliente.)
Posso ou não ter merecido o título, mas dificilmente era o único
economista a reconhecer que Humanos têm dificuldade com esse
conceito. Na verdade, o erro é tão comum que tem um nome oficial,
falácia de custo afundado, e a falácia é frequentemente mencionada em
livros de economia básica. Porém muita gente pode achar difícil seguir na
prática o conselho de ignorar custos afundados, mesmo entendendo o
conceito.
Dirigir debaixo de neve para ir ao jogo de basquete e jogar tênis
sentindo dor são erros que nenhum Econ cometeria. Apropriadamente,
eles tratam custos afundados como irrelevantes. Mas, para os Humanos,
custos afundados perduram e se tornam outro FSI, e não só para coisas
como jantares e shows. Muita gente acredita que os Estados Unidos
continuaram a sua fútil guerra no Vietnã porque investiram demais para
abandoná-la. Barry Staw, um professor de comportamento organizacional,
escreveu um artigo sobre o que chamou de “escalada do
comprometimento” e o intitulou de “Afundado até os joelhos no grande
lamaçal”,1 em referência a uma canção antiguerra do cantor folk Pete
Seeger.2 Na opinião de Staw, cada milhar de vidas perdidas e cada bilhão
de dólares gastos dificultavam cada vez mais declarar derrota e seguir
adiante. Alguns fatores supostamente irrelevantes podem ter bastante
importância.
Por que custos afundados importam? E porque as pessoas poderiam
pensar que prosseguir em certo curso de ação — ir ao jogo ou show, ou
continuar uma guerra inútil — vale a pena? Como vimos no capítulo
anterior, quando você faz uma compra a uma quantia que não gera
nenhuma utilidade de transação (ou desutilidade), não sente o preço da
compra como perda. Você pagou algum dinheiro e, quando consumir o
produto, terá o prazer da utilidade de aquisição e a contabilidade estará em
ordem; o seu custo inicial fica zerado pelo seu ganho posterior. Mas o que
acontece quando você compra um ingresso e não vai ao evento?
Pagar US$100,00 pelo ingresso de um show ao qual você não vai
transmite a sensação de perder US$100,00. Para continuar a analogia da
contabilidade financeira, quando você compra o ingresso e então deixa de
usá-lo, você precisa “reconhecer a perda” no livro-caixa mental que está
mantendo. Ir ao evento lhe permite ajustar essa contabilidade sem assumir
uma perda.
Da mesma maneira, quanto mais você usa uma coisa pela qual pagou,
melhor se sente em relação à transação. Eis aqui um experimento mental.
Você compra um par de sapatos, talvez porque estivesse em oferta. Ainda
que fossem caros, você não podia deixar passar essa utilidade de transação.
Um dia você calça os sapatos orgulhosamente para ir trabalhar e, na hora
do almoço, seus pés estão machucados. Depois que seus pés ficam
curados, você experimenta os sapatos outra vez, só para uma saída à noite,
mas os pés voltam a doer. Duas perguntas: admitindo que os sapatos nunca
se tornem confortáveis, quantas vezes mais você tentará calçá-los antes de
desistir? E, depois que parou de usá-los, quanto tempo ficarão no fundo do
seu armário antes de você jogá-los fora ou doá-los para alguma instituição
de caridade? Se você é como a maioria das pessoas, as respostas dependem
de quanto você pagou pelos sapatos. Quanto mais você pagou, mais dor
suportará até parar de usá-los e mais tempo eles ocuparão espaço no seu
armário.
O mesmo comportamento ocorre com academias de ginástica. Se você
paga a mensalidade da academia e não frequenta, terá que declarar a
compra como uma perda. Na verdade, algumas pessoas se matriculam
como forma de estímulo contra os problemas de autocontrole referentes a
exercícios. Se eu quero ir à academia e vou me sentir mal por jogar fora o
dinheiro da mensalidade,3 então a mensalidade pode me ajudar a superar a
minha inércia de duas maneiras: o valor desembolsado fica me
atormentando, e não há nenhum desembolso monetário imediato quando
eu de fato vou. Os professores de marketing John Gourville e Dilip Soman
conduziram um estudo inteligente em uma academia para demonstrar esse
ponto. O estabelecimento deles cobra por semestre. Gourville e Soman
descobriram que a frequência na academia dá um salto no mês em que a
conta chega, depois vai diminuindo até a chegada da próxima. Eles
chamaram esse fenômeno de “depreciação do pagamento”,4 que expressa o
desgaste que o efeito de custos afundados sofre com o tempo.
Um resultado similar foi encontrado pelo psicólogo Hal Arkes, agora na
Universidade Estadual de Ohio, que conduziu um belo experimento com
Catherine Blumer, sua aluna de pós-graduação. Estudantes que estavam na
fila para comprar ingressos para os eventos de uma companhia teatral do
campus foram escolhidos aleatoriamente para receber um desconto
pequeno ou grande no preço do ingresso. Uma característica importante
no desenho desse experimento é que os clientes já haviam assumido que
pagariam o preço cheio antes de receber o desconto, portanto os
pesquisadores puderam presumir que os sujeitos que pagassem com
desconto valorizariam o produto tanto quanto aqueles que pagaram o
preço total. Arkes e Blumer descobriram que custos afundados tinham
importância, sim, mas apenas por um semestre. Aqueles que pagaram
preço inteiro foram a mais eventos no semestre do outono-inverno, mas a
frequência na primavera-verão foi a mesma nos três grupos; aparentemente
os estudantes haviam ido o suficiente a peças para sentir que o dinheiro
gasto valera a pena, ou então haviam esquecido totalmente a compra
original. Conclui-se assim que custos afundados importam, pelo menos por
algum tempo, mas podem eventualmente ser esquecidos.5
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––––––––
BALDES E ORÇAMENTOS
Com aquelas entrevistas que usei para adquirir conhecimento sobre como
as famílias administram suas finanças, aprendemos que muitos lares,
especialmente aqueles com orçamento apertado, usavam regras explícitas
em seus orçamentos. Para famílias que lidavam basicamente com dinheiro
vivo (cartões de crédito estavam começando a entrar em uso na época, no
final dos anos 1970), era muito frequente o uso de alguma versão do
sistema de envelopes. Um envelope (ou pote) para o aluguel, outro para
comida, outro para serviços, e assim por diante. Em muitos casos, o
método usado era o que tinham aprendido com os pais.
Organizações fazem algo semelhante. Departamentos têm orçamentos,
e há limites para categorias específicas dentro desses orçamentos. A
existência de orçamentos pode violar o primeiro princípio da economia: o
dinheiro é fungível, ou seja, ele não tem rótulos restringindo as opções de
seu gasto. Como a maioria dos princípios econômicos, este se apoia em
uma lógica concreta. Se a conta de luz veio baixa por causa de um inverno
brando, o dinheiro que sobrou será muito bem gasto na compra de sapatos
para crianças.
Orçamentos existem por razões sensatas e compreensíveis. Em uma
organização, o chefe não quer ter que aprovar cada despesa feita, e
orçamentos servem como uma forma direta de manter os custos sob
controle ao mesmo tempo que dão aos empregados licença para gastar
como julgarem apropriado. Ainda assim, regras de orçamento podem levar
a resultados simplórios. Qualquer um que tenha trabalhado em uma
grande organização já deparou com o problema de falta de dinheiro em
um orçamento específico para cuidar de alguma necessidade urgente, e
não há meio de recorrer ao dinheiro que está ocioso em outro orçamento.
O dinheiro deveria ser gasto da maneira que melhor servisse aos interesses
da organização ou do lar; se esses interesses mudam, devemos ignorar os
rótulos que foram atribuídos aos vários potes de dinheiro. Mas não fazemos
isso. Rótulos são FSIs.
Indivíduos e famílias estabelecem suas próprias regras, é claro, mas
usam orçamentos mais ou menos da mesma maneira. O quão manifestas
são as regras de orçamento depende muitas vezes da folga no orçamento.
Um estudo feito pelos psicólogos Chip Heath e Jack Soll descobriu que a
maioria dos estudantes de MBA tinham orçamentos semanais para comida
e diversão1e orçamentos mensais para roupas. Uma vez graduados e
começando a ganhar mais, as regras provavelmente ficaram menos
específicas.
Mas enquanto estavam na pós-graduação, os orçamentos e as resultantes
violações de fungibilidade influenciavam seu comportamento. Por
exemplo, Heath e Soll perguntaram a dois grupos de sujeitos se estariam
dispostos a comprar um ingresso para uma peça no fim de semana. A um
dos grupos foi dito que haviam gastado US$50,00 mais cedo naquela
semana indo a um jogo de basquete (mesmo orçamento); ao outro grupo,
disseram que tinham levado uma multa de US$50,00 por estacionamento
em local proibido (outro orçamento) na mesma semana. Aqueles que já
tinham ido ao jogo tiveram uma propensão bem menor de ir ao teatro,
presumivelmente porque seu orçamento de diversão para a semana já fora
gasto.
Um estudo dos economistas Justine Hastings e Jesse Shapiro oferece
uma rigorosa demonstração dos efeitos do orçamento mental.2 A questão
investigada por Hastings e Shapiro é o que acontece com a escolha de
gasolina — comum ou premium — quando o preço do combustível muda.
Nos Estados Unidos, a gasolina é tipicamente vendida em três graus
diferentes, baseados na octanagem: comum, intermediária e premium.
Embora permaneça a necessidade de uma gasolina diferente da comum
para carros, um grau mais alto é recomendado para alguns modelos, e
alguns consumidores usam grau mais alto por outros motivos, tais como a
crença provavelmente equivocada de que é melhor para o motor. Os
autores estudaram o que aconteceu com as vendas da gasolina premium
quando o preço caiu aproximadamente 50% em 2008, de um máximo de
cerca de US$4,00 o galão (cerca de US$1,00 o litro) para um mínimo de
US$2,00 o galão (US$0,50 o litro, aproximadamente). Hastings e Shapiro
puderam estudar o fato porque tinham dados de uma rede de mercearias
que também vendia gasolina.
Vamos pensar primeiro no que um Econ faria nessa situação. Suponha
uma família gastando US$80,00 por semana em gasolina quando o preço
da gasolina comum é US$4,00. Seis meses depois, o preço caiu para
US$2,00 e a despesa da casa em gasolina caiu para US$40,00 por semana.
Um Econ pensaria do seguinte modo: primeiro, a gasolina está mais
barata, então deveríamos fazer mais viagens de carro. Segundo, ganhamos
o equivalente a US$40,00 por semana nas despesas da casa, então podemos
gastar isso em qualquer outra coisa, desde mais noitadas até cerveja de
melhor qualidade. Os US$40,00 de renda extra seriam gastos de maneira a
maximizar a utilidade. Parte desse dinheiro poderia ser gasta em uma
gasolina melhor, mas só em quantidade minúscula. Em média, se a receita
de uma família aumenta US$1.000,00 em um ano, sua propensão de
comprar gasolina diferente da comum aumenta em apenas 0,1%. Então a
família de Econs decide agradar o carro com um tanque de gasolina média
por ano e gastar em coisas mais valiosas o resto do dinheiro caído do céu.
Suponha, em vez disso, uma família de Humanos com orçamento para
gasolina, possivelmente com o dinheiro guardado em um pote na cozinha.
Como a família de Econs, ela gastará parte desse dinheiro fazendo mais
viagens de carro, mas também pode pensar: “Ei, a gasolina está tão barata
agora que eu poderia muito bem comprar a melhor.” E foi exatamente isso
que Hastings e Shapiro descobriram. A mudança para graus mais altos de
octanagem na gasolina foi 14 vezes maior do que seria de esperar em um
mundo onde o dinheiro é tratado como fungível. Para respaldar ainda mais
a interpretação dos resultados via contabilidade mental, os autores
descobriram que não houve tendência de as famílias fazerem uma melhora
na qualidade de dois outros itens vendidos nas mercearias, leite e suco de
laranja. Isso não é surpresa, já que o período em questão esteve exatamente
no começo da crise financeira de 2007, o acontecimento responsável por
deflagrar a queda nos preços da gasolina. Nesses tempos de medo, a
maioria das famílias estava tentando cortar o máximo possível de gastos. A
única exceção a essa tendência foi esbanjar em gasolina de mais qualidade.
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NA MESA DE PÔQUER
FORÇA DE VONTADE?
NÃO É PROBLEMA
Pode ser injusto pegar esse artigo específico como ponto de virada. Por
algum tempo, economistas vinham se afastando do tipo de psicologia
popular que fora comum anteriormente, liderados pelo economista
italiano Vilfredo Pareto, que foi um dos precursores na aplicação do rigor
matemático à economia.11 Mas uma vez que Samuelson registrou esse
modelo e ele se tornou amplamente adotado, a maioria dos economistas
desenvolveu uma doença que Kahneman chama de cegueira induzida pela
teoria. Entusiasmados para incorporar seu recém-descoberto rigor
matemático, esqueceram todos os artigos altamente comportamentais sobre
escolha intertemporal que haviam sido escritos antes, até mesmo os de
Irving Fisher, que tinham aparecido meros sete anos antes. E também
esqueceram as advertências de Samuelson de que seu modelo poderia não
ser descritivamente preciso. Era necessário que descontos exponenciais
fossem o modelo correto de escolha intertemporal porque Econs não
ficariam mudando de ideia, e o mundo que agora estudavam não continha
mais quaisquer Humanos. Essa cegueira induzida pela teoria agora atinge
quase todos com doutorado em economia. O treinamento em economia
que os estudantes recebem provê grande conhecimento sobre o
comportamento de Econs, mas à custa de perder a intuição do senso
comum acerca da natureza humana e das interações sociais. Estudantes de
pós-graduação nem se dão conta de que vivem em um mundo habitado
por Humanos.
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A PLANEJADORA E O FAZEDOR
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Greek Peak
Em Cornell conheci um aluno, David Cobb, que me incentivou a
conhecer seu irmão, Michael. Morador da área e ávido esquiador, Michael
estava determinado a fazer carreira no negócio de esqui e conseguira um
emprego como diretor de marketing em Greek Peak, um empreendimento
familiar perto de Ithaca. Na época, o resort estava em sérias dificuldades
financeiras. Alguns invernos com um volume de neve inferior ao usual
aliados a um período econômico difícil haviam criado uma situação em
que a empresa foi obrigada a pedir pesados empréstimos para atravessar a
baixa temporada, e isso numa época em que as taxas de juros estavam altas,
mesmo para empresas com baixo risco de crédito, o que não era o caso de
Greek Peak. O resort simplesmente tinha que aumentar a renda e reduzir
as dívidas, ou iria à falência. Michael precisava de ajuda e sugeriu uma
permuta. Ele daria a mim e meus filhos bilhetes para o teleférico e
arranjaria equipamento de esqui para meus filhos. Em troca, eu tentaria
ajudá-lo a tirar seu negócio do vermelho.
Logo ficou evidente que Greek Peak teria que aumentar os preços se
quisessem passar a ter lucro. Mas qualquer aumento grande o suficiente
para gerar lucro deixaria seus preços quase iguais aos de estações de esqui
famosas em Vermont ou New Hampshire. Os custos operacionais por
esquiador não eram muito diferentes dos praticados naqueles resorts
maiores, mas Greek Peak tinha apenas cinco teleféricos e um terreno
menos esquiável. Como poderíamos justificar a cobrança de um preço
semelhante ao das estações de esqui maiores e fazê-lo sem uma redução
significativa no número de visitantes? E como poderíamos reter o mercado
local, tão sensível aos preços, que incluía estudantes de Cornell e outras
faculdades próximas?
Em termos de contabilidade mental, os preços das passagens de
teleférico das famosas estações de esqui de Vermont seriam um ponto de
referência saliente para os clientes de Greek Peak, e eles esperavam pagar
significativamente menos, já que o produto era distintamente inferior. O
que Greek Peak tinha a seu favor era a proximidade. Era o lugar mais
bacana para esquiar na região central do estado de Nova York, e chegar a
Vermont exigia uma viagem de carro de cinco horas. Greek Peak também
era a opção mais próxima para pessoas morando no sul, inclusive Scranton,
Filadélfia e até mesmo Washington, D.C. Ônibus lotados de esquiadores
chegavam dessas cidades todo fim de semana.
Pressionei Michael a rever o modelo de receita de Greek Peak, fazendo
uso da economia comportamental. O primeiro problema a ser resolvido era
encontrar um jeito de aumentar o preço dos bilhetes sem perder fregueses.
Adotamos um plano de subir gradualmente o preço ao longo de um
período de anos, evitando assim um salto repentino que pudesse criar uma
reação adversa. Para justificar parcialmente os preços mais altos, tentamos
melhorar a experiência do esquiador, assim a compra não pareceria uma
extorsão.1 Lembro-me de uma das primeiras ideias que tive nessa linha.
Havia uma pequena pista de competição ao lado de uma das trilhas de
descida, onde o esquiador podia passar por uma série de portões de slalom
e receber um tempo oficial que era divulgado pelos alto-falantes.
Esquiadores mais jovens apreciavam esse aspecto competitivo, e os portões
estavam suficientemente próximos para manter a velocidade segura. O
preço cobrado para usar a pista de competição era um dólar. Um dólar não
era muito, mas a cobrança era um estorvo. Ter acesso a dinheiro em uma
pista de esqui é muito chato. Você tem que tirar as suas grossas e
desajeitadas luvas, e enfiar a mão através de camadas e camadas de roupa
para chegar ao dinheiro. Depois, tinha que pôr a nota de um dólar em
uma máquina automática. Considerando a qualidade de funcionamento
dessas máquinas nas melhores circunstâncias, dá para imaginar a taxa de
defeitos uma vez expostas àquelas condições climáticas.
Perguntei a Michael e ao dono, Al, quanto estavam ganhando com a
pista de competição. Era uma quantia bem pequena, talvez uns poucos
milhares de dólares por ano. Por que não a tornar gratuita? Assim seria
possível melhorar a experiência do esquiador a um custo trivial. Não havia
muito o que pensar. E permitiu que Michael e Al refletissem sobre outras
coisas que podiam fazer para melhorar a qualidade e, muito importante, o
valor percebido do seu produto.
Outro exemplo envolvia instrutores de esqui. O principal negócio dos
instrutores era ensinar esquiadores novos, especialmente crianças em
excursão escolar — obviamente uma maneira importante de fazer crescer a
clientela. Mas os instrutores tinham muito tempo ocioso. Alguém teve a
brilhante ideia de montar uma oficina de esqui gratuita na montanha. O
esquiador esperava em determinado ponto da trilha e então esquiava
através de alguns portões com a ação captada em vídeo. Um instrutor
estacionado no pé da trilha mostrava ao esquiador o vídeo e dava algumas
dicas: “Lições gratuitas!”
Mesmo que esses aprimoramentos estivessem deixando mais palatáveis a
alta de preço do teleférico, ainda assim tínhamos que nos preocupar com a
sensibilidade aos preços do mercado local. Aqui tínhamos um belo modelo
existente a partir do qual trabalhar. O resort oferecia aos universitários um
pacote de passagens de teleférico por seis dias com um enorme desconto se
fosse adquirido até 15 de outubro. Esses pacotes eram populares e
significavam uma boa fonte de renda antecipada. Desconfio que os
estudantes também gostavam do fato de a oferta ser chamada pack-de-seis.
Até mesmo referências sutis a cerveja são atraentes para a galera
universitária.
Especulamos se valia a pena oferecer algo como o pack-de-seis também
para a clientela local não universitária. O objetivo era oferecer aos locais
uma promoção que não estaria disponível aos esquiadores de fora que
vinham de carro uma ou duas vezes ao ano. Para esses esquiadores, o preço
da passagem do teleférico era apenas uma pequena parcela dos custos de
viagem, que incluíam transporte, comida e hospedagem. Alguns dólares a
mais para a passagem do teleférico tinham pouca probabilidade de alterar a
decisão sobre fazer ou não a viagem, especialmente dada a falta de
concorrência nas proximidades. Terminamos bolando uma solução
chamada pack-de-dez. Ele incluía passagens para cinco fins de semana e
cinco dias de semana, e era vendido com desconto de 40% em relação ao
preço normal se adquirido até 15 de outubro.
O pack-de-dez acabou se tornando extremamente popular entre
moradores das redondezas. Existem alguns fatores comportamentais que
explicam sua popularidade. O primeiro é óbvio: 40% de desconto soa
como um grande negócio. Uma boa quantidade de utilidade de transação.
Segundo, a compra antecipada dissocia a decisão de compra e a decisão de
esquiar.2 Como ocorrido na contabilidade mental do vinho, a compra
inicial pode ser vista como um “investimento” que economiza dinheiro,
tomando a decisão de esquiar no calor do momento, em uma sexta-feira de
sol após uma queda de neve recente, sem custo para ser implementada. O
fato de ter saído para um belo jantar no fim de semana anterior não põe no
vermelho a contabilidade mental da recreação; esquiar está saindo “de
graça”. E, do ponto de vista do resort, ainda melhor que de graça — era
um custo afundado.3 À medida que a alta temporada avançava, os
esquiadores ficavam ansiosos para usar algumas das suas passagens para
evitar perder o dinheiro investido no pack-de-dez, e podiam trazer algum
amigo que pagaria o preço integral. (Os bilhetes eram intransferíveis.)
O pack-de-dez também era popular porque esquiar é uma dessas
atividades que entram nas resoluções de ano-novo. “No ano passado só saí
três vezes, o que é ridículo, pois o Greek Peak fica aqui pertinho. Este ano
vou tirar alguns dias de folga do trabalho e vir quando não estiver tão
lotado.” Da mesma forma que pagar a mensalidade de uma academia
estimula mais exercício, quem planeja esquiar gosta da ideia de se
comprometer mais com o esqui. Comprar um pack-de-dez era uma boa
maneira de fazer isso e economizar dinheiro ao mesmo tempo.
Depois de alguns anos, packs-de-seis, packs-de-dez e bilhetes para a
temporada contribuíam com uma parcela substancial da renda do resort, e
esse dinheiro adiantado eliminava a necessidade de tomar empréstimos
para permanecer solvente até o começo da alta temporada em dezembro. A
venda antecipada de todos esses bilhetes também servia como proteção
para um inverno quente, sem muita neve. Ainda que estações de esqui
possam fabricar neve, é preciso que esteja frio o suficiente para que as
máquinas funcionem. E também — e isto é algo que deixa loucos os donos
de resorts —, mesmo que tenha feito frio, se não houver neve no chão da
cidade, as pessoas ficam menos propensas a pensar em esquiar,
independentemente das condições no resort.
Depois de três anos vendendo packs-de-dez, Michael fez uma análise e
me chamou para apresentar os resultados. Lembre-se de que os packs-de-
dez eram vendidos a apenas 60% do preço normal da temporada.
“Adivinhe qual é a porcentagem dos bilhetes que está sendo resgatada?”,
perguntou Michael. “Sessenta por cento!” A estação estava vendendo os
bilhetes a 60% do preço normal de temporada, mas apenas 60% deles
estavam sendo utilizados. Em essência, estavam vendendo os bilhetes no
preço normal e recebendo o dinheiro vários meses antes: um ganho
enorme.
Tal resultado não parecia aborrecer a clientela, cuja maioria voltava a
adquirir os packs-de-dez no ano seguinte. Mesmo aqueles que não tinham
utilizado muitos dos seus bilhetes culpavam a si mesmos, e não o resort. É
claro que no fim da temporada havia clientes que não usaram quase
nenhum de seus bilhetes. Alguns perguntavam, esperançosos, se podiam
usar os bilhetes na temporada seguinte. Educadamente, eram informados
de que não, os bilhetes estavam sendo vendidos explicitamente apenas para
aquele ano. Mas Al concebeu uma oferta especial para esses clientes. Eles
foram informados de que, se comprassem outro pack-de-dez no ano
É
corrente, os bilhetes não utilizados no ano anterior continuariam válidos. É
claro que um cliente que só esquiou duas ou três vezes no ano anterior
tem pouca probabilidade de ir mais de 10 vezes no ano atual, mas a oferta
soava bem. Embora eu não acredite que muita gente tenha sido boba o
suficiente para comprar outro pack, os clientes apreciaram o fato de o
resort estar fazendo um esforço para ser “justo”, algo que, conforme
veremos em breve, é importante para manter os clientes felizes.
Um desafio final na fixação de preços para Greek Peak era descobrir o
que fazer no começo da temporada, quando o resort abria logo depois da
primeira neve, porém com apenas um teleférico funcionando na maior
parte das vezes. Esquiadores ávidos que vinham esperando desde o mês de
março anterior apareciam para as primeiras descidas de uma nova
temporada. Que preço deveria ser cobrado deles? A política de Al sempre
fora olhar o clima da montanha pela sua janela, e então dizer aos
bilheteiros o preço, frequentemente metade do preço normal. É claro que
a maioria dos esquiadores que vinham não tinha a menor ideia de qual
seria o preço; eles só sabiam o preço de venda sugerido na temporada. Só
os mais obstinados poderiam ser capazes de detectar a estratégia de preços
de Al para o começo da temporada. Eu chamo isto de “venda secreta”. Um
cliente chega na caixa registradora pronto para pagar o preço normal e o
vendedor diz: “Oh, esse item está com 50% de desconto.” Isto pode gerar
boa vontade, mas não é uma estratégia de preços brilhante, porque o
cliente estava disposto a pagar o preço integral. Reduzir o preço só faz
sentido se aumentar as vendas atuais ou talvez vendas futuras, formando a
lealdade do cliente.
Michael e eu bolamos uma estratégia. No começo da temporada — ou
em qualquer hora que apenas parte da montanha estivesse aberta para
esquiar —, os preços seguiam uma fórmula estabelecida. Esquiadores
pagariam preço integral para esquiar nesse dia, mas receberiam um cupom
com descontos de até 50% na visita seguinte, dependendo de quantos
teleféricos estivessem operando. Como os clientes tinham expectativa de
pagar preço integral, essa oferta parecia generosa, e o cupom podia induzi-
los a voltar e talvez comprar também um almoço e uma cerveja.
Michael me contou certa vez uma história que capta quanto esses
cupons eram populares. Um sujeito aparece para dar sua primeira esquiada
no ano e opta por um novo pack-de-dez. Parado na fila para trocar um
desses cupons por um bilhete do teleférico, entreouve o bilheteiro explicar
à freguesa à sua frente que ela terá um cupom com 50% de desconto que
poderá usar na próxima vinda. Isto lhe parece tão bom que ele põe o pack-
de-dez de volta no bolso e dá o dinheiro para um bilhete integral. Eu
sempre quis saber se ele usou aquele cupom de metade do preço antes de
terminar seu pack-de-dez. Nunca saberemos.
Porém sabemos que formar uma base sólida de receita antes do começo
da temporada alcançou a meta de acabar com as dívidas do resort e reduzir
sua dependência do volume de neve durante a temporada. Tanto Michael
como eu seguimos nosso caminho,4 mas posso informar que Greek Peak
ainda está operando.
Meu dia na GM
Durante anos, as fábricas de automóveis americanas tinham um problema
de vendas sazonal. Novos modelos de carros eram apresentados no outono
de cada ano e, na expectativa pelos modelos novos, os fregueses relutavam
em comprar modelos do “ano passado”. Os fabricantes não pareciam
prever esse padrão e, em agosto, sempre tinham um estoque substancial de
carros não vendidos nos pátios das concessionárias, ocupando o espaço
necessário para exibir os modelos novos. Inevitavelmente, as empresas de
carros ofereciam promoções de vendas para se livrar do excesso de
estoque.5
Uma inovação foi o reembolso,6 introduzida pela Chrysler em 1975 e
rapidamente acompanhada pela Ford e pela GM. As empresas de
automóveis anunciavam uma promoção temporária na qual o comprador
de um carro recebia de volta uma quantia em dinheiro, geralmente
algumas centenas de dólares. O reembolso parece ser apenas outro nome
para uma promoção temporária, mas parecia mais popular do que uma
redução de preço equivalente, como seria de se esperar com base na
contabilidade mental. Suponha que o preço de lista do carro fosse
US$14.800,00. Reduzir o preço para US$14.500,00 não parecia grande
negócio, uma diferença que mal se notava. Mas chamando essa redução de
preço de reembolso, o consumidor era incentivado a pensar
separadamente nos US$300,00, o que intensificava sua importância. Esse
pouquinho de contabilidade mental saía caro, pelo menos no estado de
Nova York, onde eu vivia, porque o consumidor tinha que pagar o imposto
sobre venda desse reembolso. Usando os números no exemplo acima, o
consumidor pagava imposto sobre o preço de aquisição pleno de
US$14.800,00, e então recebia de volta um cheque do fabricante no valor
de US$300,00, e não de US$300,00 mais 8% do imposto. Mas, indo mais
diretamente ao ponto, as restituições estavam começando a perder parte do
seu atrativo e os carros voltaram a se acumular nos pátios das
concessionárias.
Então alguém na sede da GM teve uma ideia. A Ford e a Chrysler
vinham tentando descontos em empréstimos para carros7 como alternativa
ou suplemento para os reembolsos. E se a GM tentasse oferecer uma taxa
altamente reduzida como estímulo de vendas? Em uma época em que os
juros vigentes para empréstimos de carros eram de 10% ou mais, a General
Motors oferecia um empréstimo a apenas 2,9%. Os consumidores podiam
escolher ou um reembolso ou um empréstimo com desconto. A oferta de
empréstimo teve um efeito sem precedentes sobre as vendas. Havia notícias
de consumidores na concessionária deitados sobre o capô de um carro
específico para o reivindicar antes que qualquer outra pessoa pudesse
comprá-lo.
Mais ou menos nessa época, notei uma historinha no Wall Street
Journal. Um repórter tinha feito as contas8 e descoberto que o valor do
empréstimo a juros baixos era menor que o valor do reembolso. Em outras
palavras, se o consumidor usasse o reembolso como pagamento da entrada
para o carro, reduzindo assim a quantia que precisasse pegar emprestada
(embora a juros mais altos), economizaria mais dinheiro. Aceitar o
esquema do empréstimo era uma tolice! Mas os carros estavam sendo
vendidos aos montes. Interessante.
Nessa época, Jay Russo, um dos meus colegas de Cornell, estava dando
consultoria para a GM, então fui conversar com ele. Contei a Jay sobre
essa charada e disse que eu poderia ter uma explicação psicológica simples.
O reembolso era uma pequena porcentagem do preço do carro, mas o
empréstimo sendo oferecido era menos de 1/3 das taxas de juros habituais.
Isto soa como um negócio muito melhor. E pouca gente além de
contadores e repórteres do Wall Street Journal se daria ao trabalho de fazer
o cálculo, especialmente por ser uma era anterior às planilhas prontas e
computadores domésticos.
Jay me pediu para redigir uma breve nota sobre a minha observação, e
ele a dividiria com o pessoal da GM. Fiz a nota e, para minha surpresa,
recebi uma ligação da sede da General Motors cerca de uma semana
depois. Minha nota tinha chegado até alguém do departamento de
marketing, e ele queria conversar comigo pessoalmente sobre o assunto.
Eu disse: “Claro, dê uma passada aqui.”
Esse cavalheiro pegou o voo de Detroit para Syracuse e dirigiu por uma
hora e pouco até Ithaca. Batemos um papo sobre a minha ideia por cerca
de uma hora, no máximo. Ele foi embora, passeou pelo campus por
algumas horas e voltou para Detroit. Fui até Jay para descobrir do que se
tratava e ele falou com toda franqueza: “Ele veio aqui para contar as suas
cabeças.” “Como assim?” “É isso mesmo, ele queria saber se você tinha
duas cabeças, não tomava banho ou se, de algum outro modo, não seria
seguro levar você para se encontrar com seus patrões. Ele vai mandar o
relatório à matriz.”
Aparentemente, passei no teste. Alguns dias depois, recebi uma ligação
perguntando se eu estaria disposto a ir a Detroit. Isso tinha o potencial de
ser o meu primeiro trabalho de consultoria pago, e o dinheiro viria a
calhar, então concordei. Além disso, estava morrendo de curiosidade.
Se você assistiu Roger e eu, o documentário de Michael Moore, já
entendeu o meu destino: o edifício-sede da GM. Achei o prédio muito
estranho. Era imenso, e havia carros novos em exibição por toda parte no
interior, nos saguões e corredores. No meu primeiro encontro, um vice-
presidente de marketing me deu um cronograma para o dia. Eu tinha uma
série de reuniões de meia hora com diferentes pessoas no departamento de
marketing. Muitas dessas pessoas também pareciam ser vice-presidentes.
Naquela primeira reunião, perguntei quem estava encarregado de avaliar a
promoção de empréstimo com juros baixos, que reduzia em centenas de
milhões de dólares o preço dos carros vendidos. Meu anfitrião não tinha
certeza, mas me garantiu que seria uma das pessoas com quem eu me
reuniria. No fim do dia, estaria sabendo.
Durante o dia, várias pessoas descreveram como a taxa de juros de 2,9%
havia sido determinada. Ao que parecia, Roger Smith, o CEO, tinha
convocado uma reunião para determinar como lidariam com o excesso de
estoque naquele ano, e alguém sugeriu uma promoção baseada em
empréstimos com taxas de juro mais baixas. Todo mundo concordou que
era uma ótima ideia. Mas que taxa de juros usariam? Um gerente sugeriu
4,9%. Outro disse 3,9%. Após cada sugestão, mandavam alguém fazer
alguns cálculos. Finalmente, alguém sugeriu 2,9% e Roger decidiu que
gostava da sonoridade desse número. O processo todo levou menos de uma
hora.
Mas quando eu perguntava às pessoas quem avaliaria a promoção e
decidiria o que fazer no próximo ano, recebia olhares vagos seguidos de
“Eu não”. O dia terminou no escritório do meu anfitrião. Reportei que, até
onde pude saber, não havia ninguém pensando nessas questões, e isso me
parecia um erro. Ele sugeriu que eu lhe escrevesse uma proposta sobre o
que poderia ser feito.
Depois do que fiquei sabendo durante a minha visita, tive certeza de
que não queria esse trabalho de consultoria, mas lhe enviei uma breve
proposta fazendo duas sugestões. Primeiro, descobrir por que a promoção
tinha funcionado tão bem. Segundo, fazer um plano para o futuro,
sobretudo porque a Ford e a Chrysler provavelmente copiariam a bem-
sucedida promoção da GM.
Depois de um mês, recebi uma resposta curta. Minha recomendação
havia sido discutida pela alta chefia e fora rejeitada. A empresa resolvera,
em vez disso, planejar melhor sua produção e evitar estoques excedentes
de verão. Isto eliminaria a necessidade de avaliar a promoção e planejar
para o futuro, pois não haveria mais vendas promocionais para modelos
fora de linha. Fiquei embasbacado. Uma empresa gigantesca gastara
centenas de milhões de dólares em uma promoção e não se dera ao
trabalho de descobrir como e por que tinha dado certo. Michael Cobb, na
minúscula estação de esqui Greek Peak, pensava mais analiticamente do
que a gigante industrial General Motors.
Conforme aprendi ao longo dos anos e discutirei mais em capítulos
posteriores, a relutância em experimentar, testar, avaliar e aprender que
vivenciei na General Motors é extremamente comum. Continuei vendo
essa tendência desde então, nos negócios e no governo, embora
recentemente tenha tido a oportunidade de mudar esse ethos em contextos
governamentais.
Ah, e quanto àquela alegação de que tinham um plano para eliminar
estoques excedentes em verões futuros? O plano foi violado no verão
seguinte, e no verão depois desse, e, pelo que eu saiba, em todo verão
desde então. O excesso de confiança é uma força muito poderosa.
IV
TRABALHANDO COM DANNY
1984 – 85
Após o nosso ano em Stanford, Amos e Danny resolveram imigrar para a
América do Norte. Amos ficou no departamento de psicologia de Stanford,
e Danny se mudou para o departamento de psicologia da Universidade da
Colúmbia Britânica, em Vancouver. Parte do fascínio pela universidade
canadense era que eles estariam a duas horas de voo um do outro e no
mesmo fuso horário. Continuaram a trabalhar juntos, conversando
diariamente e se visitando com frequência.
Como todos começamos em empregos novos no mesmo ano, estávamos
no mesmo cronograma sabático. Em 1984–85, tirei meu primeiro ano
sabático, e Amos e Danny também estariam de licença. Nosso ano em
Stanford havia sido tão transformador para mim que, quando chegou a
hora de pensar na minha licença de pesquisa, naturalmente tive esperança
de grudar em um deles, ou em ambos. Após várias maquinações, acabei
em Vancouver com Danny. Amos, nesse meio-tempo, viajou para Israel.
Em Vancouver, consegui um escritório na escola de negócios da
universidade, que era um bom lugar para eu circular, uma vez que tinha
um excelente departamento de finanças e eu estava no meio da empreitada
de aprofundar meus conhecimentos sobre esse campo. Mas minha
principal atividade naquele ano foi trabalhar com Danny e seu
colaborador, o economista ambiental Jack Knetsch, que lecionava na
Universidade Simon Fraser, nas proximidades da Universidade da
Colúmbia Britânica. Como no ano em Stanford, esse ano em Vancouver
me ofereceu a rara oportunidade de uma imersão plena em pesquisa. Com
exceção do ano em Stanford, seria o ano mais produtivo da minha vida.
14
Uma loja de ferragens vende pás para neve por US$15,00. Na manhã
seguinte a uma forte nevasca, a loja aumenta o preço para US$20,00.
Avalie essa atitude como: completamente justa; aceitável; um tanto
injusta; muito injusta.
Agora, você pode estar dizendo: “Dãã! Que idiota aumentaria o preço
das pás de neve na manhã seguinte a uma nevasca?” Mas aumentar o
preço é exatamente o que a teoria econômica diz que vai e deveria
acontecer! A pergunta poderia constar facilmente em um curso básico de
economia numa escola de administração. “Há uma oferta fixa de pás de
neve e um súbito aumento na demanda. O que acontece com o preço?”
Nessa aula, a resposta correta seria dizer que o preço aumentará o
suficiente para que todo mundo que esteja disposto a pagar a quantia
compre uma pá. Aumentar o preço é a única maneira de garantir que as
pás de neve acabem sendo adquiridas por aqueles que as valorizam mais
(conforme mensurado pela sua disposição de pagar).
Uma das coisas que estudantes de MBA aprendem na escola de
administração é a pensar como um Econ, mas eles também esquecem
como é pensar como Humano. Aqui está outro exemplo da noção de
Kahneman de cegueira induzida pela teoria. De fato, quando apresentei
aos meus alunos de MBA a pergunta sobre o preço justo da pá de neve,
suas respostas seguiram de acordo com a teoria econômica padrão.
––––––––
JOGOS DE JUSTIÇA
Danny, Jack e eu tínhamos uma pergunta que não saía da nossa cabeça
enquanto estávamos envolvidos no nosso projeto sobre justiça. Estariam as
pessoas dispostas a punir uma empresa que não se comporta de forma
justa? Será que um cliente de quem foram cobrados US$500,00 por uma
corrida de táxi que geralmente custa US$50,00 evita usar novamente o
serviço, mesmo que tenha gostado dele? Para investigar, concebemos um
experimento em formato de jogo.
Um jogador, o Proponente, recebe uma soma de dinheiro conhecida
como “bolo”. Ele é informado que deve oferecer a outro jogador, o
Respondente, uma porção do bolo. O Respondente pode aceitar a oferta,
deixando a quantia restante para o Proponente, ou rejeitá-la, e nenhum dos
dois jogadores ganha nada nesse caso.
Era importante que esse jogo fosse jogado com dinheiro real, então
abandonamos nosso escritório de pesquisa telefônica e fizemos o
experimento com estudantes da Universidade da Colúmbia Britânica e de
Cornell. Concebemos uma forma muito simples de jogar e extrair o
máximo possível de informação para um determinado orçamento de
pesquisa. Os jogadores eram escolhidos ao acaso para desempenhar o papel
do Proponente e do Respondente. Então preenchiam um formulário
simples para Respondentes, conforme o modelo abaixo. No nosso jogo, o
bolo era de US$10,00.
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CANECAS
O preço mais baixo pelo qual um vendedor está disposto a abrir mão da
ficha é chamado preço de reserva. Alguém com avaliação de US$4,25
estaria disposto a vender ao preço de US$4,50 mas não a US$4,00, então
seu preço de reserva seria US$4,50. Compradores potenciais receberiam
um formulário similar perguntando sobre sua disposição de comprar uma
ficha na mesma gama de preços. O que a teoria econômica prevê que vai
acontecer? Se o mercado funcionar direito, os seis sujeitos que dão maior
valor à ficha, os que estão à esquerda, acabarão possuindo as fichas. Nesse
exemplo, isto significa que os sujeitos 7, 8 e 11 comprarão fichas dos
sujeitos 2, 5 e 6, conforme ilustrado da direita para a esquerda no painel C.
Podemos descobrir o preço que deixará esse mercado “em equilíbrio”,
ou seja, com oferta e demanda iguais, trabalhando a partir das duas
extremidades da distribuição em direção ao centro. O Sujeito 11 não terá
problema em achar um preço pelo qual o Sujeito 2 fique disposto a abrir
mão de sua ficha, então eles estarão propensos a fazer negócio. O mesmo
se aplica ao Sujeito 8 e Sujeito 5. Contudo, para fazer o Sujeito 7 comprar
uma ficha do Sujeito 6, o preço precisará estar entre seus preços de reserva.
Como só permitimos preços em incrementos de US$0,50, o preço de
equilíbrio do mercado será US$3,00.
Como tanto os valores como as fichas estão sendo atribuídos
aleatoriamente, o resultado específico vai ser diferente todas as vezes, mas,
em média, metade das fichas terá sido alocada às seis pessoas com os
maiores valores e, como neste exemplo, elas terão que comprar três fichas
para equilibrar o mercado. Em outras palavras, o volume previsto de
negócios é metade do número de fichas distribuídas.
Agora suponha que repitamos o experimento, mas desta vez o façamos
com algum bem, como uma barra de chocolate, por exemplo. Poderíamos
classificar de novo os sujeitos a partir do valor mais alto para o mais baixo
com base em quanto gostam de chocolate, mas aqui não vamos dizer aos
sujeitos quanto gostam do bem; eles próprios determinarão isto. Agora
distribuímos as barras de chocolate aleatoriamente, exatamente como no
experimento com fichas, e fazemos a mesma série de perguntas. O que
deve acontecer? A teoria gera exatamente a mesma predição. Em média,
metade das barras de chocolate vai mudar de mãos, passando daqueles que
não dão muita importância a chocolate (ou estão de dieta) para os
chocólatras que mal podem esperar para devorar uma barra dessas. Mas se
há um efeito posse, as pessoas a quem são atribuídas aleatoriamente barras
de chocolate lhes darão mais valor do que aquelas que não receberam e,
como resultado, o volume de negócios será menor. Esta é a previsão que
queríamos testar.
O primeiro experimento com essa arquitetura foi feito quando regressei
a Cornell no outono de 1985. Convoquei uma turma avançada de
graduação em análise econômica do direito para realizar o experimento.
No caso, havia 44 estudantes, então usamos 22 fichas distribuídas
aleatoriamente, e cada sujeito recebeu seu valor particular. Então, os donos
de fichas foram informados de que haveria um mercado para fichas com
um preço a ser determinado por oferta e demanda. Sua tarefa era
responder a uma série de perguntas, citando diferentes preços, por
exemplo:
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COMEÇA O DEBATE
ANOMALIAS
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O CONCURSO DE BELEZA
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Para ajudar você a pensar nesse quebra-cabeça, suponha que haja três
jogadores cujos palpites foram 20, 30 e 40 respectivamente. O palpite
médio seria 30, cujos 2/3 seria 20, então a pessoa que chutou 20 ganharia.
Dê um palpite antes de continuar. Realmente, você deve experimentar:
o resto deste capítulo será mais divertido se você mesmo tiver
experimentado o jogo.
Há alguma coisa que você gostaria de perguntar antes de chutar seu
palpite? Se houver, o que seria? Voltaremos a você em um minuto. Agora,
vamos ponderar como alguém poderia pensar em como jogar esse jogo.
Considere o que chamarei de pensador nível zero. Ele diz: “Não sei,
mas isso parece um problema de matemática e eu não gosto de problemas
de matemática, especialmente problemas com palavras. Acho que vou
chutar um número ao acaso.” Um monte de gente chutando números de 0
a 100 ao acaso irá produzir um palpite médio de 50.
E uma pensadora de primeiro nível? Ela diz: “O resto dos jogadores não
gosta de pensar muito, provavelmente escolherão um número ao acaso, o
que dará uma média de 50, então eu deveria chutar 33, dois terços de 50.”
Um pensador de segundo nível dirá algo do tipo: “A maioria dos
jogadores será de pensadores de primeiro nível e acharão que os outros
jogadores serão meio fracos, então vão chutar 33. Portanto eu chuto 22.”
Uma pensadora de terceiro nível: “A maioria dos jogadores vai discernir
como o jogo funciona e descobrirá que a maioria chutará 33. Como
resultado chutarão 22, então vou chutar 15.”
É claro que não há lugar conveniente para saltar desse trem de
pensamento. Quer mudar o seu palpite?
Aqui está outra pergunta para você: qual é o equilíbrio de Nash para
este cenário? Batizado em homenagem a John Nash, o tema do popular
livro (e filme biográfico) Uma mente brilhante,13 o equilíbrio de Nash
nesse jogo é um número que, se todo mundo chutasse, ninguém gostaria
de mudar seu palpite. E o único equilíbrio de Nash nesse jogo é zero. Para
entender por quê, suponha que todo mundo tenha chutado 3. Então o
palpite médio seria 3 e você chutaria dois terços de 3, que é 2. Mas se todo
mundo chutasse 2 você iria querer chutar 1,33 e assim por diante. Se, e
somente se, todos os participantes chutassem zero, ninguém gostaria de
mudar seu palpite.
Talvez você já tenha agora formulado a pergunta que poderia ter valido
a pena fazer antes de apresentar seu palpite: quem são os outros jogadores,
e quanto eles sabem de matemática e teoria dos jogos? Se você está
jogando no seu bar local, especialmente tarde da noite, as outras pessoas
provavelmente não estão pensando com tanta profundidade, então você
poderia chutar por volta de 33. Se você está numa conferência de teóricos
dos jogos, com certeza gostaria de chutar um número perto de zero.
Agora vejamos como esse jogo está relacionado com o concurso de
beleza de Keynes. Formalmente, as configurações são idênticas. No jogo
de adivinhar o número, você precisa adivinhar o que outras pessoas estão
pensando que outras pessoas estão pensando, exatamente como no jogo de
Keynes. Na verdade, em economia, é comum chamar o “jogo de adivinhar
o número” de “concurso de beleza”.14
O primeiro estudo experimental desse delicioso jogo foi feito pela
economista alemã Rosemarie Nagel,15 que leciona na Universidade
Pompeu Fabra, de Barcelona. Graças ao jornal Financial Times, em 1997
tive a oportunidade de replicar seus achados em um experimento de larga
escala. O FT havia me pedido para escrever um breve artigo sobre finanças
comportamentais, e eu quis usar o jogo de adivinhar o número para ilustrar
o concurso de beleza de Keynes. Então tive uma ideia: será que, algumas
semanas antes de meu artigo aparecer, eles poderiam publicar o jogo na
forma de competição? Dessa maneira, eu poderia apresentar dados
recentes dos leitores do FT junto com meu artigo. O FT concordou, e a
British Airways ofereceu como prêmio duas passagens de Londres para os
Estados Unidos na classe executiva. Com base no que você sabe agora,
qual seria o seu palpite para esse público?
O palpite vencedor foi 13. A distribuição dos palpites é mostrada na
Figura 10. Como você pode ver, muitos leitores do Financial Times foram
suficientemente perspicazes para descobrir que zero era o equilíbrio de
Nash para esse jogo,16 mas também tinham muito poucas pistas para achar
que seria o palpite vencedor.17 Houve também algumas pessoas que
chutaram 1, permitindo a possibilidade de que alguns palermas “não
entendessem” totalmente e então subir a média para acima de zero.18
A REAÇÃO À SOBRERREAÇÃO
––––––––
A alegação de que ações de valor “vencem o mercado” não era muita coisa
quando feitas por rebeldes como nós, gestores de portfólios como Dreman
e falecidos como Benjamin Graham. Mas esse fato foi declarado
oficialmente verdadeiro pelo sumo sacerdote dos mercados eficientes,
Eugene Fama, quando, junto com seu colega mais jovem e colaborador
regular, Kenneth French, publicou descobertas semelhantes. Em parte
instigados por nossos achados iniciais e pelos achados de Banz, que
documentara o efeito da pequena empresa,5 Fama e French começaram a
publicar uma série de artigos em 1992, documentando que tanto ações de
valor quanto ações de pequenas empresas de fato obtinham rendimentos
maiores do que os preditos pelo CAPM. Em 1996, declararam
oficialmente que o CAPM estava morto, num artigo com o provocativo
título “Procura-se o CAPM, Vivo ou Morto”.6
Mesmo que Fama e French estivessem prontos para declarar o CAPM
morto, não estavam preparados para abandonar a eficiência de mercado.
Em vez disso, propuseram o que agora é conhecido como Modelo de Três
Fatores Fama-French,7 ao qual, além do tradicional beta, foram
adicionados dois fatores explicativos a mais para racionalizar os altos
rendimentos anômalos em ações de valor e de pequenas empresas. Fama e
French mostraram que os rendimentos de ações de valor estão
correlacionados, isto é, a ação de valor tenderá a se sair bem quando outras
ações de valor estiverem se saindo bem, e o mesmo vale para ações de
empresas pequenas. Mas Fama e French foram francos em reconhecer
que não tinham nenhuma teoria para explicar por que tamanho e valor
deveriam ser fatores de risco. Ao contrário do modelo de precificação de
ativos financeiros, que pretendia ser uma teoria normativa de preços de
ativos com base no comportamento racional dos investidores, não havia
razão teórica para acreditar que tamanho e valor deveriam predizer
rendimentos. Esses fatores foram usados porque a pesquisa empírica
demonstrara a importância deles.
Até hoje, não há evidência de que um portfólio de ações de valor ou de
pequenas empresas transpareça mais risco do que um portfólio de grandes
ações de crescimento. Na minha mente, um artigo intitulado
“Investimento do contra, extrapolação e risco”,8 publicado em 1994 pelos
economistas financeiros Josef Lakonishok, Andrei Shleifer e Robert
Vishny, resolveu quaisquer questões remanescentes sobre ações de valor
serem ou não mais arriscadas. Elas não são. E também convenceu os
autores do artigo, já que posteriormente abriram uma firma de
administração financeira altamente bem-sucedida, a LSV Asset
Management, que é baseada em investimento de valor.
Embora seu artigo tenha me convencido, não convenceu Fama e
French, e durante anos o debate continuou com comportamentalistas
argumentando que ações de valor têm preço inadequado e racionalistas
alegando que elas são arriscadas. O tópico ainda é discutido, e até mesmo
Fama reconhece que é impossível dizer se o rendimento mais alto das
ações de valor se deve ao risco ou à sobrerreação.9 Mas a novidade veio à
tona quando Fama e French anunciaram um modelo de cinco fatores.10
Um dos novos fatores mede a lucratividade da empresa (o que prediz
rendimentos elevados), e o outro capta o grau de agressividade com que a
empresa investe (o que prediz rendimentos baixos). Em uma bela
reviravolta do destino, a lucratividade é outro traço que Benjamim Graham
procurava ao julgar a atratividade de uma firma como investimento. Assim,
de alguma forma, o venerável Ben Graham recebeu um selo de aprovação
Fama-French, já que eles também endossam valor e lucratividade. E é
difícil contar uma história plausível em que empresas altamente lucrativas
sejam mais arriscadas do que empresas que perdem dinheiro.
Assim, desde o momento em que Sharpe e Lintner criaram o CAPM,
no começo dos anos 1960, passamos de um modelo de um só fator para
um modelo de cinco fatores, e muitos praticantes adicionariam um sexto
fator: impulso. Empresas com bom desempenho nos últimos seis ou 12
meses tendem a continuar se saindo bem pelos próximos seis ou 12 meses.
Quer haja cinco ou seis fatores, acredito que, em um mundo racional, o
único fator que teria importância seria o primeiro: o bom e velho beta.
Mas o beta está morto. E os outros? Em um mundo de Econs, todos seriam
FSIs.
24
––––––––
Embora eu tenha retratado a pesquisa de Shiller como fundamentalmente
relevante para o aspecto o-preço-está-certo da HME, ela também é
relevante para a componente não-existe-almoço-grátis. Para entender por
quê, vale a pena recordar os achados acerca de value investing. Ações de
valor, sejam aquelas com razão preço/lucro muito baixa ou extremas
perdedoras no passado, previsivelmente têm performance melhor que a do
mercado. Pode-se também computar uma razão preço/lucro para o
mercado total. Será que o mesmo princípio se aplica — isto é, será que
você pode vencer o mercado comprando ações quando estão relativamente
baratas e as evitando quando estão relativamente caras? A minha melhor
resposta a essa pergunta, que Shiller audaciosamente assumiu, é: “Sim,
porém...”
Para um exercício como esse, o método preferido de Shiller é dividir o
preço de mercado de um índice de ações (como, por exemplo, o S&P 500)
por uma medida da média dos ganhos nos últimos 10 anos. Ele prefere
esse olhar retroativo de um longo período de tempo para os ganhos porque
suaviza as flutuações temporárias que ocorrem no curso de um ciclo de
negócios. Um gráfico dessa razão é mostrado na Figura 13.
Com o benefício da visão retroativa, é fácil ver a partir desse gráfico o
que um investidor teria gostado de fazer. Note que, quando o mercado
diverge de suas tendências históricas, ele acaba revertendo à média. As
ações pareciam baratas nos anos 1970 e acabaram se recuperando;
pareciam caras no fim da década de 1990 e acabaram despencando. Então
parece haver algum poder preditivo brotando da razão preço/lucro de
longo prazo usada por Shiller. O que nos leva àquele “porém”. O poder
preditivo não é muito preciso.
Em 1996, Shiller e seu colaborador John Campbell deram um aviso à
diretoria do Federal Reserve, advertindo que os preços pareciam estar
perigosamente altos. Essa notificação levou Alan Greenspan, então
presidente do Fed, a fazer um discurso no qual indagou, com o seu jeito
oblíquo habitual, como alguém poderia saber se os investidores haviam se
tornado “irracionalmente exuberantes”. Bob mais tarde tomou emprestada
essa frase para o título do seu livro best-seller,7 que, fortuitamente, foi
publicado em 2000, quando o mercado estava começando a escorregar.
Então a advertência de Shiller estava certa ou errada?8 Como ela veio
quatro anos antes de o mercado atingir o pico, ele esteve errado por um
longo tempo antes de estar certo! Essa falta de precisão significa que a
razão preço/lucro no longo prazo está longe de ser uma maneira infalível
de ganhar dinheiro. Qualquer um que tivesse levado a sério o conselho de
Shiller em 1996 e apostado pesadamente na queda do mercado teria
quebrado antes de ter uma chance de recuperar o dinheiro.
A mesma coisa vale para o mercado imobiliário. Uma das muitas
qualidades admiráveis de Bob Shiller é que ele tem sido há muito tempo
um ávido colecionador de dados, desde os dados históricos sobre preços de
ações lá em 1871 — que tornaram viável seu artigo original — até
questionários com levantamentos de sentimentos de investidores, passando
por medições dos preços de moradias. Essa última empreitada, levada a
cabo com seu amigo Chip Case, um economista imobiliário na
Universidade Tufts, criou o agora amplamente conhecido Índice de Preços
de Moradia Case-Shiller. Antes de Case e Shiller entrarem em cena, os
indicadores dos preços de moradias não eram muito confiáveis porque o
mix de imóveis vendidos em dado mês podia variar enormemente,
distorcendo a média. Case e Shiller tiveram a ideia sagaz de criar um
índice baseado em vendas repetidas do mesmo imóvel residencial,
controlando assim a qualidade da habitação e sua localização.
Um gráfico do crescimento de longo prazo nos preços das moradias nos
Estados Unidos desde 1960 é mostrado na Figura 14. O gráfico se baseia
em dados sobre os preços das vendas de moradias coletados pelo governo
até 2000; depois desse ano, os dados Case-Shiller se tornam disponíveis,
então são usadas ambas as fontes. Todos os preços estão corrigidos pela
inflação. O gráfico mostra que os preços de moradias cresceram
modestamente durante a maior parte do período até meados dos anos
1990, quando dispararam. Além disso, após um longo período durante o
qual a razão entre o preço de compra de uma moradia e o custo de aluguel
de uma moradia similar pairou em torno de 20:1, os preços divergiam
agudamente dessa marca de referência de longo prazo. Olhando para esses
dados, Shiller advertiu sobre os perigos de uma bolha imobiliária, um
alerta que acabou se revelando correto. Mas, na época, não era possível ter
certeza se estávamos em uma bolha ou se alguma coisa na economia havia
mudado, fazendo com que relações muito altas dos preços de aluguel
passassem a ser o novo normal.
Devo ressaltar que a imprecisão dessas previsões não significa que elas
sejam inúteis. Quando os preços divergem fortemente de níveis históricos,
em qualquer direção, existe algum valor preditivo nesses sinais. E, quanto
maior essa divergência dos preços em relação aos níveis históricos, mais os
sinais devem ser levados a sério. Investidores devem ter cautela em
despejar dinheiro em mercados que estão mostrando sinais de
superaquecimento, mas também não devem esperar ficar ricos por acertar
o timing do mercado. É muito mais fácil detectar que talvez estejamos em
uma bolha do que dizer quando ela vai estourar, e investidores que tentam
ganhar dinheiro acertando a hora das reviravoltas do mercado raramente
têm sucesso.
––––––––
Eu não sabia muita coisa sobre fundos fechados até conhecer Charles
Lee. Charles era aluno de doutorado em contabilidade em Cornell, mas
seu histórico indicava que ele poderia ter algum interesse em finanças
comportamentais, então dei um jeito de atraí-lo como assistente de
pesquisa em seu primeiro ano no programa. Quando Charles participou do
meu curso sobre economia comportamental, sugeri os fundos fechados
como tópico para um projeto do curso. Ele aceitou o desafio.
Mais ou menos na época em que Charles terminou sua dissertação para
o meu curso, Larry Summers tinha acabado de escrever o primeiro de uma
série de artigos com três de seus ex-alunos sobre o que chamaram de noise
traders. O termo foi cunhado por Fisher Black, que transformara noise
(“ruído”, em português) em um termo técnico de finanças durante seu
discurso presidencial para a American Finance Association, usando-o
como contraste para a palavra “notícia”. A única coisa que faz um Econ
mudar de ideia em relação a investimento são notícias genuínas, mas
Humanos podem reagir a algo que não se qualifica como notícia — um
anúncio engraçado da companhia por trás do investimento, por exemplo.
Em outras palavras, FSIs são ruído, e noise traders — conforme Black e
Summers empregam o termo — tomam decisões com base em FSIs em
vez de notícias reais.
Summers havia usado anteriormente uma linguagem mais forte para
expressar a ideia da capacidade que ruídos têm de influenciar preços de
ativos. Ele é o autor de um artigo infame — não publicado — sobre esse
tema que começa da seguinte maneira: “EXISTEM IDIOTAS. Olhe em
volta.”1 Três estudantes de pós-graduação que se conheceram ao dividir
um alojamento no seu primeiro ano da faculdade — Brad de Long, Andrei
Shleifer e Robert Waldmann — juntaram-se a Summers para produzir
uma versão mais rigorosa, meticulosa e educada do artigo dos “idiotas”.2 O
modelo proposto por eles usava fundos fechados como exemplo para o tipo
de recurso que seu modelo poderia ajudar a entender, mas não tinham
feito nenhum teste empírico. Charles e eu acreditávamos que, com intuito
de preencher tal lacuna, poderíamos desenvolver mais o artigo que ele
tinha entregado para a conclusão de curso. Pedimos então a Andrei
Shleifer, que recentemente entrara para o corpo docente da Universidade
de Chicago, que se juntasse a nós nesse projeto. Charles, Andrei e eu
escrevemos então um artigo sobre fundos fechados, observando que havia
quatro enigmas associados a eles.
Quando fundos fechados são iniciados, geralmente são vendidos por
corretores, que adicionam uma robusta comissão de cerca de 7% ao preço
de venda. Mas, em seis meses, é típico que os fundos sejam negociados
com um desconto de mais de 10%. Então, o primeiro enigma é: por que
alguém compra um ativo por US$107,00, que previsivelmente valerá
US$90,00 em seis meses? Esse padrão induziu Benjamin Graham a se
referir aos fundos fechados como “um caro monumento erigido à inércia e
à estupidez dos acionistas”.3 Era um jeito mais polido de dizer “EXISTEM
IDIOTAS”, que continua sendo a única resposta satisfatória para o
primeiro enigma.4
O segundo enigma é a existência dos descontos e prêmios mencionados
anteriormente. Por que o fundo negocia a um preço que é diferente do
valor dos seus ativos?
O terceiro enigma é que os descontos (e prêmios) variam um bocado,
ao longo do tempo e entre os fundos. Esse é um ponto importante porque
exclui muitas explicações simples para a existência dos descontos. Uma
dessas explicações sustentava que o desconto era necessário para
compensar os investidores pelo fato de os fundos cobrarem taxas ou
gerirem mal o portfólio. Mas se fatores desse tipo fossem a explicação, por
que os descontos variam tanto? Nem as taxas nem a gestão variam tanto
com o tempo.
O quarto enigma é que, quando um fundo fechado vendendo com
desconto decide mudar sua estrutura para um fundo aberto, muitas vezes
sob pressão dos cotistas quando está vendendo com um desconto grande,
seu preço converge para o NAV. Esse fato exclui a possibilidade de que o
valor líquido do ativo tenha sido mal calculado. Coletivamente, os quatro
enigmas criavam um enigma para o mercado eficiente.
O objetivo básico do nosso artigo era chamar um pouco mais a atenção
para esses enigmas. Mas a principal contribuição da nossa pesquisa foi
compreender um pouco mais acerca de por que os descontos variam com
o tempo. Exploramos um fato importante sobre os fundos fechados com
sede nos Estados Unidos que estávamos estudando: investidores
individuais, em oposição a instituições, são os principais cotistas desses
fundos. Postulamos que investidores individuais agiam como noise traders
nesse mercado; seriam menos rigorosos do que os investidores profissionais,
como fundos de pensão e fundos patrimoniais, portanto estariam sujeitos a
variações de otimismo ou pessimismo, que apelidamos de “sentimento do
investidor”. Conjecturamos que, quando investidores individuais estão
alegres, os descontos dos fundos fechados encolhem; porém, quando ficam
deprimidos ou atemorizados, os descontos aumentam. Essa abordagem
estava bem alinhada com a visão de Shiller sobre a dinâmica social, e a
sensibilidade do investidor era claramente um exemplo de “espíritos
animais”.
A questão era como medir o sentimento dos investidores. Para isso,
exploramos o fato de que investidores individuais também têm maior
probabilidade do que investidores institucionais de possuir cotas de
empresas pequenas. Instituições evitam essas cotas porque elas não são tão
negociadas a ponto de prover a liquidez que um grande investidor
necessita. E fundos mútuos não compram cotas de fundos fechados nem
de outros fundos mútuos porque seus clientes não gostam da ideia de pagar
dois conjuntos de tarifas. Assim, se o sentimento de investidor dos
indivíduos varia, calculamos que isso se revelaria tanto nos descontos em
fundos fechados quanto na performance relativa de pequenas empresas em
relação às grandes empresas. (Embora cotas em pequenas empresas
tenham melhor performance em média, a diferença varia e, em alguns
períodos, grandes empresas têm performance melhor que as pequenas.)
Foi exatamente isso que descobrimos.5 O desconto médio em fundos
fechados estava correlacionado com a diferença de rendimentos entre
ações de pequenas e grandes empresas; quanto maior o desconto, maior a
diferença em rendimentos entre aqueles dois tipos de ações. Essa
descoberta era equivalente a descobrir pegadas do Abominável Homem das
Neves ou de alguma outra criatura mitológica.
Como eu disse, não fomos de forma alguma os primeiros a escrever
sobre fundos fechados. O economista Rex Thompson redigiu sua tese
sobre fundos fechados6 e descobriu que a estratégia de comprar os fundos
com os maiores descontos gerava rendimentos superiores (uma estratégia
também advogada por Benjamin Graham). O conhecido guru do mercado
eficiente Burton Malkiel, autor do perpétuo best-seller A Random Walk
Down Wall Street,7 também advogava tal estratégia. Não obstante, nosso
artigo deixou algumas pessoas chateadas e enfureceu Merton Miller, o
economista financeiro ganhador do Prêmio Nobel, com posição sênior em
relação a Shleifer na Universidade de Chicago.
Até hoje, não sei exatamente qual parte do nosso artigo deixou Miller
tão aborrecido, mas desconfio que, ainda que outros tenham escrito sobre
tais fundos antes, fomos os primeiros desde Graham a fazê-lo sem seguir o
procedimento cortês de pedir desculpas e encontrar justificativas para
nossos achados anômalos. Em vez disso, parecíamos estar nos divertindo. E
ainda por cima, estávamos usando uma anomalia irritante, o efeito da
pequena empresa, para ajudar a explicar outra: descontos persistentes em
fundos fechados. Isso, para um Econ, é o equivalente a proferir o nome do
Senhor em vão enquanto trabalha no Sabá.
Miller partiu para o ataque. Submetemos nosso artigo ao Journal of
Finance, e o editor, René Stulz, o enviou para os pareceristas. Nesse meio-
tempo, ficamos sabendo que Miller estava tentando convencer o professor
Stulz a rejeitar nosso artigo. Stulz aceitou o artigo e disse a Miller que, se
discordasse dos nossos achados, devia seguir o procedimento usual de
escrever um comentário sobre o artigo e submetê-lo ao Journal.
Miller aceitou a sugestão de Stulz. Recrutou Nai-fu Chen, um colega
professor de Chicago, e Raymond Kan, aluno de pós-graduação, para
ajudá-lo em sua pesquisa, e os três submeteram um comentário sobre o
nosso artigo. Miller era perspicaz, e o comentário foi escrito no seu
habitual estilo fanfarrão. Eles começavam o artigo dessa forma: “Charles
Lee, Andrei Shleifer e Richard Thaler (1991) alegam ter resolvido não um,
mas dois antigos enigmas — descontos em fundos fechados e efeito de
pequenas firmas. Ambos, segundo Lee et al., são motivados pelos mesmos
arroubos de sentimento do pequeno investidor. Acertar dois coelhos tão
fugidios com uma cajadada só seria de fato um belo truque se Lee et al.
conseguissem fazê-lo. Mas não conseguem.”8
Não vou entediar você com a essência do debate, que era, em sua maior
parte, sobre detalhes técnicos. Seguindo a tradição, escrevemos uma
“réplica” para aparecer no mesmo número da revista e apresentamos novos
dados para reforçar nossas alegações, algo que Miller considerou uma
violação do protocolo usual de tais debates. Ele insistiu em uma tréplica, o
que significava que, de acordo com a tradição, como autores originais,
tínhamos o direito de dar a última cajadada.9
Naturalmente, ambos os lados declararam vitória nos últimos
comentários. Não sei quem ganhou, mas sei, sim, que as quatro etapas de
nosso confronto sem precedentes atraíram um bocado de atenção. Graças
ao professor Miller, centenas de economistas financeiros se sentiram
compelidos a ler o nosso artigo original; então, ao nos atacar, Miller
acabou nos fazendo um grande favor. Não fosse isso, muitos leitores do
Journal of Finance poderiam nunca ter reparado em um artigo sobre
fundos mútuos fechados. Porém, nada atrai mais a atenção do que uma
boa briga.
26
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INSTRUÇÃO EM DIREITO
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Pós-escrito: Não é possível dizer qual foi o impacto que a nossa palestra
teve. Sabemos, sim, que ela tem sido frequentemente citada, mas não
podemos determinar se tivemos êxito em angariar alguém para a causa da
análise econômica do direito comportamental. O que posso dizer é que
hoje há um bocado de pesquisa sobre análise econômica do direito
comportamental sendo feita, o suficiente para encher o Oxford Handbook
of Behavioral Economics and the Law12 com suas 800 páginas, editado por
Eyal Zamir e Doron Teichman. Um dos proeminentes colaboradores
nesse campo, o professor de direito da UCLA Russell Korobkin, está pronto
para declarar vitória. “A batalha para tirar a análise econômica de regras e
instituições legais da camisa de força das estritas premissas da escolha
racional já foi vencida.”13 Sempre temeroso do excesso de confiança, não
estou pronto para declarar “missão cumprida”, mas certamente podemos
declarar com segurança “missão iniciada”.
28
AS SALAS DE TRABALHO
Post mortem
Mais ou menos um ano depois, mudamos para o prédio novo e tudo estava
bem para a maior parte das pessoas. Em retrospecto, o aspecto mais notável
em relação a todo fiasco é que, exceto pelas nove salas de canto, as demais
salas eram praticamente iguais. Todas são boas, muito melhores do que as
que tínhamos no prédio antigo. É claro, algumas são um pouco maiores
que outras, algumas têm vistas um pouco mais bonitas, mas muitas das
diferenças que agora são visíveis não foram plenamente apreciadas na
época da escolha. Por exemplo, as salas do quinto andar foram escolhidas
primeiro, talvez com base numa heurística falha de que “mais alto é
melhor”, mas não há vantagem na vista do quinto andar em relação à do
quarto, e tem a desvantagem de ser servido apenas por um dos três
conjuntos de elevadores do prédio, o mais movimentado de todos. As salas
na face norte do edifício têm as vistas mais bonitas, inclusive da linha do
horizonte de Chicago, mas não estavam entre as primeiras escolhidas.
Se a face norte, com sua luz neutra e vista panorâmica atraente, era o
mais valioso nesse mercado, sem dúvida a metragem tinha sido
supervalorizada. A diferença entre uma sala de 18 metros quadrados e uma
de 21 metros quadrados não é uma diferença perceptível. A maioria das
pessoas que visita a escola nem sequer percebe que as salas diferem em
tamanho. Mas se a única coisa que você vê numa planilha é uma lista de
salas com suas respectivas medidas, esse fator tem propensão a ser
supervalorizado. Se há um número, as pessoas vão levá-lo em
consideração.4
Em retrospecto, penso que parte do furor criado por ranquear
explicitamente os membros do corpo docente poderia ter sido mitigada se
o processo tivesse sido um pouco mais transparente. Por exemplo, poderia
ter sido boa ideia tornar público o número de intervalos de classe. Isso ao
menos teria assegurado a Clyde que ele não fora encaixado
deliberadamente em uma das últimas posições de escolha.
Também jogo um pouco da culpa no arquiteto, Rafael Viñoly, e sua
equipe. Embora tenham passado respeitosamente centenas de horas
conversando com estudantes, professores e administradores sobre como o
prédio seria usado — e o resultado é um espaço tanto agradável
esteticamente quanto altamente funcional —, ninguém disse ao arquiteto
como as salas seriam escolhidas. Se ele soubesse, talvez tivesse evitado
totalmente salas de canto. Uma pequena mudança que ele poderia haver
datado, mesmo já em estado adiantado do jogo, era ter feito a sala de Doug
Diamond um pouco menor. A sala de Doug fica no quinto andar, no canto
nordeste, e, para jogar sal na ferida dos azarados, é a maior de todas. Na
época sugeri que, se possível, o arquiteto cortasse um pouco da sala e desse
um pedaço para um dos vizinhos, de modo que não fosse uma primeira
escolha tão óbvia. Mas ele era apenas um arquiteto; o termo “arquiteto de
escolhas” ainda não havia sido inventado.
29
FUTEBOL AMERICANO
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GAME SHOWS
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Em 2004, vários anos depois que Brian Tarbox realizou aquele primeiro
experimento, Shlomo e eu escrevemos um artigo18 sobre os achados. A
primeira vez que apresentei a pesquisa na Universidade de Chicago foi
numa conferência em homenagem ao orientador da minha tese, Sherwin
Rosen, que morrera prematuramente aos 62 anos pouco tempo antes. O
debatedor do nosso artigo foi Casey Mulligan, um dos vários economistas
hard-core da Escola de Chicago remanescentes no departamento de
economia da universidade.
Os achados do nosso artigo vão contra muito do que Mulligan acredita.
Fomos capazes de levar as pessoas a poupar simplesmente usando
características de planejamento supostamente irrelevantes. Um Econ não
se inscreveria no Save More Tomorrow porque já estaria poupando a
quantia certa. Mesmo que o fizesse, isso não afetaria sua taxa de poupança,
porque faria ajustes em outras partes para voltar a poupar a quantia ideal
que originalmente escolhera. Mulligan admitiu de má vontade que
parecíamos de fato ser capazes de realizar essa magia negra, mas estava
preocupado com a possibilidade de causarmos algum dano. Ele achou que
É
poderíamos estar enganando as pessoas, levando-as a poupar demais. É
claro que eu estava pensando comigo mesmo: se as pessoas são tão espertas,
como adeptos da escolha racional como Mulligan costumam presumir,
não seriam enganadas com tanta facilidade. Porém não disse nada. Em vez
disso, reconheci que era possível induzir as pessoas a poupar mais dinheiro
além da quantia ideal que um Econ escolheria, embora isto parecesse
improvável considerando os baixos índices de poupança individual nos
Estados Unidos. Ainda assim, como precaução, elaboramos uma taxa
máxima de poupança, após a qual cessariam os aumentos automáticos.
Ademais, se uma família errar seu objetivo ideal de poupança, parece
melhor que erre para mais do que poupe de menos. Não estou querendo
ditar como as pessoas devem alocar seu consumo ao longo da vida, e
seguramente há muitos avarentos que viveram vidas condizentemente
miseráveis. Em vez disso, estou preocupado com a dificuldade de prever a
taxa de rendimento nas poupanças e com a facilidade de fazer ajustes mais
tarde na vida. Alguém que completa 60 anos e se vê de posse de uma
poupança generosa tem inúmeras opções, desde uma aposentadoria
precoce até tirar férias luxuosas ou mimar os netos. Mas alguém que
descobre aos 60 que não poupou o suficiente precisa correr para recuperar
o tempo perdido e pode descobrir que a aposentadoria terá que ser adiada
indefinidamente.
Casey Mulligan encerrou a discussão com uma pergunta: “Sim, parece
que vocês conseguem fazer as pessoas pouparem mais. Mas isto não é
‘paternalismo’?”
Na Universidade de Chicago, você pode chamar alguém de marxista,
anarquista, ou até mesmo de torcedor do Green Bay Packers (o arquirrival
do Chicago Bears, o time local da NFL), mas chamar um colega de
paternalista é o insulto mais cruel de todos. Fiquei genuinamente intrigado
com essa acusação. Normalmente pensamos que paternalismo envolve
coerção, como quando as pessoas são obrigadas a contribuir para a
Previdência Social ou proibidas de comprar álcool ou drogas. Mas o Save
More Tomorrow é um programa voluntário. Continuei dizendo que, se
isto é paternalismo, então deve ser uma variedade de paternalismo muito
diferente. Batalhando para encontrar as palavras certas, disse em um
impulso: “Talvez devêssemos chamar de, não sei, paternalismo libertário.”
Fiz uma anotação mental para discutir essa nova expressão com Cass
Sunstein na próxima vez que o visse.
32
INDO A PÚBLICO
––––––––
Nunca foi nossa intenção alegar que o nudging poderia resolver todos os
problemas. Algumas proibições e obrigações são inevitáveis. Nenhuma
sociedade pode existir sem algumas regras e regulamentos. Exigimos que as
crianças frequentem a escola (verdadeiro paternalismo em todo o sentido
do termo) e proibimos uma pessoa de agredir outra. Há regras estipulando
de que lado da rua se deve dirigir. Os países diferem quanto ao lado
designado como correto, mas quando um britânico visita os Estados
Unidos, não tem permissão de guiar do lado esquerdo da rua. Mesmo
ardentes libertários concordam que não se deve ter permissão de atirar no
vizinho só porque não gosta dele. Então, nosso objetivo aqui é limitado.
Queríamos ver até onde se pode levar a política a ajudar o outro sem criar
obrigações.
Nossa premissa era simples. Como as pessoas são Humanos, e não
Econs (termos que cunhamos para o livro Nudge), cometem erros
previsíveis. Se conseguirmos antecipar esses erros, podemos conceber
políticas que reduzam o índice de erro. Por exemplo, o ato de dirigir,
especialmente distâncias longas, pode deixar o motorista com sono,
aumentando o risco de cruzar a faixa central e provocar um acidente. Em
resposta, algumas localidades acrescentaram pequenos obstáculos à faixa
central, fazendo com que o carro sacoleje ao passar sobre eles, acordando o
motorista que está cochilando (e talvez o levando a fazer uma pausa para
tomar um café). Melhores ainda são os obstáculos com olho-de-gato,
facilitando dirigir no escuro.
Os obstáculos na faixa central também ilustram um ponto que os
críticos do nosso livro parecem incapazes de entender: não temos interesse
em dizer às pessoas o que fazer. Queremos ajudá-las a alcançar seus
próprios objetivos. Leitores que conseguem chegar à quinta página de
Nudge descobrem que definimos nosso objetivo como tentar “influenciar
escolhas de um modo que melhore as vidas dos que escolhem, segundo o
julgamento deles mesmos”. O itálico está no original, mas talvez devêssemos
ter usado também negrito e maiúsculas, dado o número de vezes que
fomos acusados de pensar que sabemos o que é melhor para todo mundo.
Sim, é verdade que pensamos que a maioria das pessoas gostaria de ter
uma aposentadoria confortável, mas queremos deixar a escolha para elas.
Queremos apenas reduzir o que as próprias pessoas chamariam de erros.
Reduzir erros também é a origem do exemplo mais famoso de Nudge,
do Aeroporto Internacional de Schiphol, em Amsterdã. Algum gênio teve a
ideia de fazer os homens prestarem mais atenção na pontaria quando usam
os mictórios do aeroporto. A imagem de uma mosca foi desenhada perto
do ralo do urinol. A administração do aeroporto reportou que a instalação
dessas moscas reduziu o “derramamento”, um eufemismo maravilhoso, em
cerca de 80%. Não conheço nenhuma análise empírica cuidadosa da
efetividade dessas moscas, mas elas (e variações do tema) já foram
localizadas em outros aeroportos mundo afora. Um gol de futebol com
uma bola é especialmente popular durante a Copa do Mundo.
Para mim, aquela mosca no urinol se tornou o exemplo perfeito de um
nudge. Um nudge é um pequeno elemento no ambiente que chama a
nossa atenção e influencia o comportamento. Nudges são efetivos para os
Humanos, mas não para os Econs, pois os Econs já estão fazendo a coisa
certa. Nudges são fatores supostamente irrelevantes que influenciam nossas
escolhas de uma maneira que nos deixe em uma posição melhor. A mosca
deixou ainda mais claro para mim que, enquanto Cass e eu éramos
capazes de reconhecer bons nudges quando nos deparávamos com eles,
ainda carecíamos de um princípio para organizar o processo de como
conceber nudges eficazes.
O nosso grande avanço foi achar o princípio organizador que faltava
quando reli o livro clássico de Don Norman, O design do dia a dia.8 O
livro tem uma das melhores capas que já vi. É a imagem de uma chaleira
que tem a alça e o bico do mesmo lado. Pense nisso. Depois de reler o
livro de Norman, percebi que podíamos aplicar muitos de seus princípios
para os problemas que estávamos estudando. Recentemente eu tinha
comprado meu primeiro iPhone, um aparelho tão fácil de usar que não
precisava de manual de instruções. E se pudéssemos planejar políticas que
facilitassem a criação de ambientes de escolha que fossem igualmente
“centrados no usuário”? Em algum ponto adotamos o termo “arquitetura
de escolhas” para descrever o que estávamos tentando fazer. Curiosamente,
só de ter esse termo para organizar o nosso pensamento nos ajudou a criar
uma lista de princípios para uma boa arquitetura de escolhas, com muitas
das ideias emprestadas da literatura de design centrado no ser humano.
Planejar boas políticas públicas tem muito em comum com planejar
qualquer produto de consumo.
Agora que tínhamos o nosso novo conjunto de ferramentas,
precisávamos fazer uma grande escolha sobre quais questões de política
tentaríamos abordar. Alguns tópicos sobre os quais já tínhamos escrito
foram fáceis, mas outros exigiram que mergulhássemos na literatura para
tentar encontrar alguma coisa útil ou interessante. Algumas dessas
investigações levaram a becos sem saída. Rascunhamos um capítulo sobre
o furacão Katrina, mas o cortamos porque encontramos só uma ideia
remotamente interessante, e não era nossa. John Tierney, um colunista do
New York Times, tinha uma sugestão9 de incentivar as pessoas a deixar suas
casas e ir para terrenos mais elevados antes da chegada de uma tempestade.
A ideia de Tierney era oferecer um marcador de tinta permanente àqueles
que optam por ficar e sugerir que o usem para escrever no corpo seu
número de Seguro Social, para ajudar na identificação de vítimas após a
tormenta. Não tínhamos nada nem de perto tão bom quanto isso.
Em outros casos, a pesquisa nos levou a mudar nossos pontos de vista
sobre algum tema. Um bom exemplo disso é a doação de órgãos. Quando
fizemos a nossa lista de tópicos, este foi um dos primeiros porque sabíamos
de um artigo que Eric Johnson escrevera com Daniel Goldstein a respeito
do poderoso efeito de opções padrão nesse domínio.10 A maioria dos países
adota alguma versão da política de opt-in, em que o doador precisa dar
algum passo positivo — tal como preencher um formulário — para ter seu
nome adicionado ao cadastro de doadores. No entanto, alguns países na
Europa, tais como a Espanha, adotaram a estratégia de opt-out, que é
chamada de “consentimento presumido”. Presume-se que você permite ter
seus órgãos transplantados a menos que opte explicitamente pela exclusão,
e ponha seu nome numa lista de “não doadores”.
Os achados do artigo de Johnson e Goldstein mostravam como as
opções padrão podem ser poderosas. Em países onde o padrão é ser doador,
quase ninguém opta pela exclusão; mas em países com política de opt-in,
em geral menos da metade da população opta pela inclusão! Aqui,
pensamos nós, estava uma receita de política simples: troque para
consentimento presumido. Mas aí fomos mais a fundo. Acontece que a
maioria dos países com consentimento presumido não implanta com rigor
a política. Em vez disso, membros de equipes médicas continuam a
perguntar aos familiares se eles têm alguma objeção sobre a doação de
algum órgão do parente falecido. Essa questão muitas vezes chega numa
hora de severa aflição emocional, já que muitos doadores de órgãos
morrem subitamente em consequência de algum acidente. O pior é que os
familiares em países com esse regime podem não ter ideia de quais eram os
desejos do doador, já que a maioria das pessoas simplesmente não faz nada.
O fato de alguém não ter preenchido um formulário de exclusão do
cadastro de doadores não é um indício forte de suas reais crenças.
Chegamos à conclusão de que o consentimento presumido não era, de
fato, a melhor política. Em vez disso, gostamos de uma variante que havia
sido adotada recentemente pelo estado de Illinois e também usada em
outros estados americanos. Quando a pessoa renova sua carteira de
motorista, lhe é indagado se deseja ser doadora de órgãos. O simples fato
de perguntar à pessoa e imediatamente registrar a escolha facilita a
inscrição na lista.11 No Alasca e em Montana,12 essa abordagem conseguiu
índices de doação acima de 80%. Na literatura da doação de órgãos, essa
política foi apelidada de “escolha obrigatória”,13 e adotamos esse termo no
livro.
A terminologia foi infeliz, como descobri mais tarde. Algum tempo
depois de o livro ter sido publicado, escrevi uma coluna sobre doação de
órgãos no New York Times, advogando a política de Illinois, que continuei
chamando de “escolha obrigatória”.14 Algumas semanas depois, alguém do
corpo editorial do USA Today me chamou para conversar sobre a política
porque seu jornal iria endossá-la. Dentro de alguns dias, recebi uma
ligação urgente da redatora editorial. Ela havia ligado para o funcionário
estadual encarregado dessa política, que tem o título de secretário de
estado, e ele negou firmemente que tal política existisse. Fiquei estupefato.
Eu tinha renovado recentemente a minha carteira de motorista e fui
devidamente indagado se queria ser doador de órgãos. (Eu disse sim.) Mais
alguns telefonemas resolveram o mistério. O secretário de estado, Jesse
White, tinha objeções à palavra “obrigatória”. Ele disse que ninguém era
solicitado a fazer nada e, tecnicamente, estava certo. Quando indagado se
quer ser doador, se alguém se recusa a responder ou permanece calado, o
funcionário do Departamento de Veículos Motores simplesmente toma
como não.
Acontece que Jesse White é um político esperto e, como tal, percebeu
que os eleitores não gostam de mandatos.15 Na esteira dessa lição sobre a
importância da nomenclatura, venho chamando a minha política predileta
de “escolha solicitada” [“prompted choice”], um termo ao mesmo tempo
mais acurado e menos carregado politicamente. Quando se lida com
Humanos, as palavras importam.
33
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A reunião com Nick Down foi atípica. Era mais comum que o ministro ou
chefe de alguma agência do governo precisasse ser convencido tanto do
valor da ciência comportamental quanto da necessidade do experimento.
Em muitas das nossas reuniões, eu me via repetindo duas coisas com tanta
frequência que elas acabaram se tornando conhecidas como os mantras da
equipe.
1. Se você quer incentivar alguém a fazer algo, facilite. Essa é uma lição
que aprendi com Danny Kahneman, com base no trabalho de Kurt Lewin,
um proeminente psicólogo da primeira metade do século XX. Lewin
descreveu o primeiro passo para fazer as pessoas mudarem seu
comportamento como “descongelar”. Uma maneira de descongelar as
pessoas8 é remover as barreiras que as impedem de mudar, por mais sutis
que sejam essas barreiras.
2. Não podemos fazer política baseada em evidência sem evidências.
Embora muito da publicidade em torno do BIT tenha salientado
corretamente o uso de insights comportamentais para planejar mudanças
na forma como o governo opera, uma inovação igualmente importante foi
a insistência de que todas as intervenções fossem testadas usando, sempre
que possível, a metodologia de excelência dos testes controlados
randomizados (comumente chamado de RCTs, abreviatura de randomized
control trials) — um método frequentemente usado em pesquisa médica.
Num RCT, as pessoas são escolhidas aleatoriamente para receber
diferentes tratamentos (tais como a redação do texto das cartas no estudo
dos impostos), incluindo um grupo de controle que não recebe tratamento
nenhum (neste caso, a redação original). Embora essa abordagem seja
ideal, nem sempre ela é viável.9 Às vezes pesquisadores precisam fazer
concessões para poderem realizar qualquer tipo de experimento. O
exemplo a seguir ilustra a importância de ambos os mantras, bem como as
dificuldades práticas associadas à realização de experimentos em grandes
organizações, tanto governamentais quanto privadas.
A certa altura, eu estava participando de uma reunião na qual
integrantes do BIT se encontraram com representantes do Departamento
de Energia e Mudança Climática. Foi apropriado que a reunião tenha
ocorrido durante aquela semana, em que todo mundo estava lutando para
se manter aquecido, porque o tópico era como fazer mais gente isolar
termicamente seus sótãos, localmente conhecidos como “lofts”. Em um
mundo de Econs, todos já teriam feito o isolamento; a economia em custos
de energia pode compensar os custos do processo de isolamento em pouco
mais de um ano. Mesmo assim, cerca de um terço dos lares na Grã-
Bretanha não tinham isolamento suficiente nos seus sótãos, e o
departamento lançara uma iniciativa para incentivar os retardatários a
parar de procrastinar. A iniciativa oferecia subsídios tanto a proprietários
quanto a locadores para melhorar o isolamento térmico de suas casas e
instalar outros produtos de economia de energia. Não havia muita gente
dando ouvidos à proposta do departamento. O Behavioural Insights Team
prometeu pensar sobre o que poderia ser feito.
A intervenção proposta abraçou o mantra “facilite”. Quando
proprietários de casas foram entrevistados e indagados por que não haviam
feito o isolamento, muitos responderam que era trabalhoso demais porque
tinham muita coisa atulhada no sótão. O BIT propôs que as firmas privadas
que instalavam o isolamento introduzissem um pacote que incluísse uma
limpeza do sótão. Se o proprietário comprasse esse pacote, dois sujeitos
esvaziariam o sótão e então ajudariam os donos a escolher o que doar ou
jogar fora e o que colocar de volta no sótão. Nesse meio-tempo, outra
equipe se ocuparia instalando o isolamento. Foram oferecidas duas versões
desse negócio: uma por conta do instalador (£190,00) e outra a preço do
varejo (£271,00). Isso além do custo do isolamento, que era de £179,00.
Um experimento foi conduzido para testar essa ideia, e os resultados
sugeriam que ela podia ser vencedora. Digo “poderia” porque os dados são
tão esparsos que é necessário ter cautela. No intuito de economizar
dinheiro, o único meio utilizado para informar o negócio às pessoas foi
enviar folhetos pelo correio a casas em três bairros distintos, mas similares,
escolhidos porque se acreditava que havia casas com probabilidade de
serem elegíveis para o negócio. Todos os proprietários em um mesmo
bairro receberam a mesma carta,10 oferecendo a limpeza com desconto, a
limpeza com preço de varejo ou simplesmente o negócio padrão (esse
último grupo era o grupo de controle). Foram distribuídos cerca de 24.000
folhetos em cada um dos três bairros.
Infelizmente, o achado básico com esse experimento é que muito
pouca gente estava disposta a isolar seu sótão. Quer tenha acontecido por
não abrirem a correspondência, não acharem a proposta atraente ou
preferirem um vento frio descendo do teto, a aceitação foi mínima. No
total, apenas 28 sótãos receberam o isolamento. No entanto, há pelo menos
um forte indício nos dados de que a oferta de limpeza do sótão foi uma boa
ideia. Embora o tamanho das amostras tenha sido aproximadamente igual,
apenas três famílias aceitaram o negócio de isolamento simples, ao passo
que 16 aceitaram com a condição de limpeza barata e nove aceitaram com
a versão de limpeza mais cara. Então quase todo mundo que concordou
em fazer o isolamento de seu sótão o fez quando lhes foi oferecida alguma
ajuda para a limpeza. No entanto, os números são pequenos demais, o que
exigiria replicar o experimento para se ter confiança de que o efeito foi
real. Por enquanto, penso nesse exemplo como algo entre um achado
científico e um episódio interessante.11
Por mais que os membros da equipe tivessem adorado replicar o
experimento, os baixos índices de aceitação desestimularam o
departamento. Então por que incluir esse exemplo entre tantos outros no
portfólio do BIT? Tenho dois motivos. Primeiro: jamais encontrei um
exemplo melhor do princípio de Lewin de remover barreiras. Nesse caso, a
remoção é praticamente literal. Mesmo que essa implementação específica
nunca seja adotada em grande escala, a lembrança desse exemplo pode
inspirar a criação de um nudge poderoso em outra situação.
Segundo: o exemplo ilustra armadilhas potenciais de testes controlados
randomizados em contextos de campo. Experimentos desse tipo são caros,
e muita coisa pode dar errado. Quando um experimento de laboratório dá
errado, o que acontece com muita frequência em laboratórios operados
por Humanos, perde-se uma quantia relativamente pequena de dinheiro
pago aos sujeitos, mas o experimento geralmente pode ser tentado outra
vez. Ademais, experimentadores inteligentes realizam primeiro um piloto
barato para detectar quaisquer problemas na configuração. Tudo isto é
difícil em experimentos de campo em larga escala, e, para piorar, nem
sempre é possível contar com a presença dos experimentadores, in loco, em
todas as etapas. É claro que cientistas habilidosos na realização de RTCs
conseguem reduzir os riscos de erros e falhas, mas tais riscos nunca vão
desaparecer.
Frustrações à parte, precisamos continuar a realizar ensaios e testar
ideias porque não há outra forma de descobrir o que funciona. De fato, o
legado mais importante do Behavioural Insights Team pode ser ajudar a
incentivar os governos a testar ideias antes de implementá-las. Em 2013, o
governo do Reino Unido estabeleceu uma rede chamada What Works
Network para estimular a testagem de formas de melhorar a efetividade do
governo em todos os domínios, desde saúde e crime até educação. Todo
governo, na verdade toda grande organização, deveria ter equipes similares
conduzindo testes de novas ideias. Mas precisamos ser realistas em relação
aos resultados desses testes. Nem toda ideia funciona; qualquer cientista
pode atestar essa realidade.
Também é crucial compreender que muitas melhorias podem parecer
bem mínimas na superfície: uma mudança de 1% ou 2% em algum
resultado. Isso não deve ser motivo para zombaria, ainda mais se a
intervenção é essencialmente sem custo. De fato, há o perigo de cair numa
armadilha similar à falácia da “grande mixaria” demonstrada pelos
competidores do game show. Um aumento de 2% na efetividade de algum
programa pode não parecer grande coisa, mas quando os valores estão na
casa de bilhões de dólares, mudanças de pequena porcentagem vão se
somando. Como comentou famosamente um senador dos Estados Unidos:
“Um bilhão aqui, um bilhão ali, logo, logo você vai estar falando de
dinheiro de verdade.”12
É importante moderar as expectativas em relação à magnitude dos
efeitos que serão obtidos porque o sucesso da inscrição automática e do
Save More Tomorrow pode criar a falsa impressão de que é fácil planejar
pequenas mudanças que tenham grandes impactos. Não é. Essas
intervenções na poupança combinavam três ingredientes importantes que
aumentam enormemente as chances de um programa atingir sua meta
declarada. Primeiro, os criadores do programa têm uma boa razão para
acreditar que uma parcela da população será beneficiada fazendo alguma
modificação no seu comportamento. Nesse caso, com muita gente
poupando pouco ou nada para a aposentadoria, era uma decisão fácil.
Segundo, a população-alvo deve concordar que uma mudança é desejável.
Aqui, levantamentos indicavam que a maioria dos trabalhadores achava
que deviam estar poupando mais. Terceiro: é possível fazer a mudança
com uma ação quase sem custo (ou, no caso da adesão automática,
absolutamente nenhuma ação). Chamo essas políticas de intervenções de
“um só clique”. Com apenas um tique num quadradinho, a pessoa que se
inscreve no Save More Tomorrow verá sua poupança aumentar com o
tempo, sem necessidade de fazer mais nada.
Infelizmente, em muitos problemas, mesmo quando as duas primeiras
condições são satisfeitas, não há uma solução de um só clique. Por
exemplo, seria de se esperar que uma pessoa que está 50 quilos acima do
seu peso recomendado se beneficiaria com a perda de alguns quilos, e a
maioria das pessoas nessa situação concordaria com essa avaliação. Mas,
fora uma cirurgia, não há resposta fácil. Não fui capaz de conceber um
programa que funcione para mim ou qualquer outra pessoa, e sabemos
que a maioria dos programas de dieta fracassam no longo prazo. Não existe
dieta de um só clique. Mesmo assim, embora não possamos resolver todos
os problemas com uma solução de um só clique, seguramente existem
alguns casos em que tais políticas podem ser concebidas, e aqueles
interessados em implementar novas políticas de mudanças
comportamentais seriam sábios em buscar tais ideias. No mundo das
políticas públicas, são as que têm chance de produzir resultados bons e
mais rápidos.
Para dar um exemplo concreto: se a meta é reduzir a taxa de gravidez
adolescente, a estratégia mais efetiva é o uso de contraceptivos reversíveis
de longa ação, tais como um dispositivo intrauterino (DIU). Experimentos
com uma amostra de moças sexualmente ativas constataram um índice de
fracasso de menos de 1%, muito inferior ao de outras formas de
contracepção. Uma vez implantado o dispositivo, nenhuma outra ação se
faz necessária. Aqueles que estão à procura de intervenções
comportamentais que tenham alta probabilidade de funcionar deveriam
buscá-las em outros ambientes, onde uma única ação pode cumprir o
objetivo. E se essa solução ainda não existe, invente uma!
Em alguns casos, intervenções bem-sucedidas são simples lembretes
para as pessoas que, de outra forma, poderiam se esquecer de algo. Muitos
exemplos desse tipo têm sido possibilitados pela tecnologia de envio de
mensagens de texto, o que mostra que os nudges não precisam ser criativos,
elaborados ou ocultos de alguma maneira; lembretes simples e diretos na
forma de texto podem ser extremamente efetivos. Um exemplo vem do
campo da saúde. Em um estudo em Gana, a Innovations for Poverty
Action realizou um teste controlado randomizado avaliando se lembretes
por mensagem de texto para tomar medicação contra malária ajudavam as
pessoas a seguirem adiante com o tratamento médico. Eles não só
descobriram que esses textos eram eficazes, mas também que as mensagens
breves tinham melhores resultados; era o lembrete, e não a informação
adicional, que importava.13
De maneira similar, um estudo no campo da educação ressalta a
eficácia e a escalabilidade de simples lembretes de texto. O estudo mediu a
efetividade do READY4K!,14 um programa que enviava aos pais de alunos
em idade pré-escolar mensagens de texto regulares com dicas para a
criação dos filhos, inclusive maneiras de ajudar as crianças a aprender a ler
e a escrever. O estudo mostrou aumentos significativos no envolvimento
parental em atividades de alfabetização tanto em casa como na escola,
aumentando por sua vez os ganhos em leitura para as crianças.
Tais lembretes simples são um bom exemplo de que nudges podem ser
realmente suaves e transparentes, e ainda assim funcionarem.15
O BIT passou pela sua revisão após dois anos e foi renovado pelo
Cabinet Office em 2012. Como a equipe continuou a crescer
rapidamente, foi necessário achar um novo lar. A estada nos gelados
alojamentos originais foi, felizmente, breve, mas a sede seguinte, em um
espaço emprestado dentro do Departamento do Tesouro, era pequena
demais para as necessidades da crescente equipe. Assim, em 2014, foi
tomada a decisão de privatizar parcialmente o BIT. Ele passou a ser
propriedade, em partes iguais, do Cabinet Office, seus empregados e sua
sócia sem fins lucrativos, a NESTA, responsável por fornecer à equipe seu
local de trabalho. O BIT tinha um contrato de cinco anos com o Cabinet
Office, então podia fazer planos independentes dos resultados das eleições
gerais de maio de 2015. A equipe cresceu para aproximadamente 50
pessoas e agora dá apoio a uma gama de entidades governamentais por
todo o Reino Unido, e também auxilia cada vez mais outros governos,
inclusive um novo e empolgante estudo sobre conformidade fiscal na
Guatemala.
––––––––
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______
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EPÍGRAFE
1. Pareto ([1906] 2013), cap. 2, p. 21.
PREFÁCIO
1. Choices, Values, and Frames, Kahneman e Tversky (2000).
2. Enquanto Amos estava vivo, uma piada conhecida entre psicólogos era que ele
possibilitava um teste de QI com um único item: quanto mais rapidamente você
percebesse que ele era mais inteligente que você, maior seria seu QI.
3. Lowenstein (2000).
4. When Genius Failed: Lowenstein (2001).
5. Se você quiser aprender mais sobre o campo da economia comportamental,
acompanhar desenvolvimentos e controvérsias recentes ou fazer um comentário,
confira o blog Misbehaving em misbehavingbook.org. Contribuições e sugestões são
bem-vindas.
5 d df l h
5. Tecnicamente, as respostas podem diferir por aquilo que os economistas chamam
efeito de renda ou riqueza. Sua situação é pior na versão A do que na versão B porque,
se não fizer nada, não será exposto à doença na versão B. Mas esse efeito não pode
explicar diferenças da magnitude que observei, e outros levantamentos nos quais eu
disse hipoteticamente às pessoas na versão A que elas receberiam (digamos)
US$50.000,00 não eliminaram a disparidade.
6. Rosett não parecia muito preocupado com esse comportamento. Posteriormente
publiquei um artigo que incluía essa anedota, com Rosett sob a alcunha de Sr. R.
Mandei uma cópia para ele quando o artigo foi publicado e recebi uma curta resposta:
“Ah, a fama!”
7. No Super Bowl XXXV, Alan Krueger (2001) perguntou aos torcedores que compraram
ingressos por US$400,00 ou menos (valor nominal dos ingressos) sobre sua disposição
de comprar e vender no preço de mercado, de aproximadamente US$3.000,00. Uma
esmagadora maioria (86%) estaria disposta a comprar (se não tivesse conseguido o
ingresso), todavia não estaria disposta a vender por esse preço.
8. É claro que alunos da faculdade de teologia podem compensar essa disparidade no
longo, longo prazo.
CAPÍTULO 3: A LISTA
1. Fischhoff (1975).
2. “ Judgement Under Uncertainty: Heuristics and Biases”, Tversky e Kahneman (1974).
3. O Prêmio Nobel de economia não consta entre os originais determinados em
testamento por Alfred Nobel, embora seja concedido junto com eles. Seu nome
completo é Prêmio Sveriges Riksbank de Ciências Econômicas em Memória de Alfred
Nobel, mas aqui o chamarei abreviadamente de Prêmio Nobel. Uma lista de laureados
pode ser encontrada em http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-
sciences/laureates/.
4. Na verdade, o simples fato de ter uma arma de fogo em casa aumenta o risco de um
membro do domicílio cometer suicídio.
5. DeSilver (2013), reportando sobre os dados de 2010 dos Centros de Controle e
Prevenção de Doenças.
6. No caso de você estar se perguntando sobre a ordem dos nomes na autoria dos artigos
deles, desde cedo Amos e Danny adotaram a estratégia sutil de alternar o nome que
viria antes como forma de sinalizar que estavam de igual para igual na parceria. Em
economia, a ordem alfabética é a opção-padrão, mas em psicologia a ordem dos nomes
geralmente pretende indicar as contribuições relativas. Sua solução evitava ter de tomar
a decisão, artigo por artigo, sobre quem tinha contribuído mais. Tais avaliações podem
ser estressantes (ver capítulo 28).
CAPÍTULO 6: A MANOPLA
1. Ver Mongin (1997) e Frischmann e Hogendorn (2015) para uma crítica a esse debate
sobre análise marginal.
2. Lester (1946).
3. Machlup (1946).
4. Friedman (1953), p. 21.
5. Lichtenstein e Slovic (1973).
6. Eles privilegiaram essa hipótese a despeito de Lichtenstein e Slovic (1973) replicarem
seu experimento com uso de dinheiro real no salão de um cassino em Las Vegas. O
fato de terem desconsiderado essa evidência poderia ser explicado por outra de suas
hipóteses. Eles também cogitaram explicitamente a possibilidade de que os resultados
ruins tivessem sido obtidos simplesmente porque os pesquisadores eram psicólogos,
classe conhecida por enganar os voluntários em experimentos. Desnecessário dizer,
essa hipótese não caiu bem para nenhum psicólogo que tenha dado de cara com o
artigo deles.
7. Grether e Plott (1979).
8. Na verdade, os mercados podem exacerbar perdas de bem-estar social resultantes da
presença de vieses de consumidor. As empresas podem não ter um incentivo para
l d d l l
eliminar o viés dos consumidores uma vez que, em algumas circunstâncias, os lucros
da empresa crescem na razão direta da ingenuidade: taxas de atraso em pagamentos de
cartões de crédito (Heidhues e Kazeegi, 2010); matrículas em academias (DellaVigna e
Malmendier, 2006); taxas disfarçadas em cartuchos de impressoras e quartos de hotel
(Gabaix e Laibson, 2006).
9. Para uma abordagem cuidadosa sobre como pensar no conceito de mão invisível, ver
Ullmann-Margalit (1977).
10. O estudo de como empresas de maximização de lucros interagem com consumidores
Humanos é o tema do empolgante campo da organização industrial comportamental.
Caso deseje um texto-base sobre o assunto, ver Spiegler (2011). Os exemplos discutidos
no Capítulo 13 também são relevantes.
11. Para uma análise meticulosa desses tipos de argumento, ver Russell e Thaler (1985),
Haltiwanger e Waldman (1985) e Akerlof e Yellen (1985).
12. Esquemas fraudulentos de investimento, tipo pirâmides, que prometem lucros
excepcionalmente altos. O nome faz referência ao primeiro idealizador de um
esquema desses, Carlo Pietro Ponzi, na década de 1920 nos Estados Unidos. (N. T.)
13. “An Economic Theory of Self-Control”, Thaler e Shefrin (1981).
lb d h
17. Este é outro caso em que a teoria econômica normativa — aqui o equilíbrio de Nash
valendo zero — faz um serviço terrível como teoria descritiva, e é igualmente ruim
como fonte de conselho sobre qual número chutar. Existe agora uma literatura
crescente com tentativas de prover melhores modelos descritivos.
18. Outra razão para os concorrentes terem chutado 1 foi que haviam notado um
pequeno lapso de redação nas regras do concurso, que pedia às pessoas para adivinhar
um número entre 0 e 100. Acharam que a “pegadinha” estava na palavra “entre”, ou
seja, que os palpites 0 e 100 estavam excluídos. Isto teve pouca influência nos
resultados, mas aprendi pela experiência e troquei a palavra “entre” para “de”, como fiz
ao apresentar o problema neste livro.
19. Outras nem tão inteligentes assim. Pelo menos três pessoas que chutaram 33 relataram
ter usado a função geradora de números aleatórios do Excel para determinar que, se as
pessoas escolhem ao acaso de 0 a 100, a média será 50! Talvez eu tenha expectativas
muito altas para a sofisticação matemática dos leitores do Financial Times, mas eu
acreditava que eles descobririam que a média de números escolhidos ao acaso de 0 a
100 é 50 sem usar o Excel. Isto confirmava a minha antiga suspeita de que muita gente
usa planilhas como alternativas ao raciocínio.
20. Keynes (1923), cap. 2, p. 80.
5 d d h dd d d
como o S&P 500), de modo que se tenha uma medida de quanto mais arriscada (ou
menos arriscada) se torna o seu portfólio devido a essa ação específica.
4. Apenas para evitar confusão, devo mencionar que este “beta” não tem nada a ver com o
beta nos modelos beta-delta de viés do presente no Capítulo 12. Tudo que posso dizer
é que os economistas gostam de letras gregas e beta é uma das primeiras do alfabeto.
5. Banz (1981).
6. “The CAPM Is Wanted, Dead or Alive”, Fama e French (1996).
7. Fama e French (1993).
8. “Contrarian Investment, Extrapolation and Risk”, Lakonishok, Shleifer e Vishny
(1994).
9. Ver palestra do Nobel de Fama, publicado como Fama (2014).
10. Fama e French (2014). Um modelo relacionado é Asness, Frazzini e Pedersen (2014).
4 b 6
4. Poterba, Venti e Wise (1996) argumentavam que IRAs aumentavam, sim, as poupanças.
Mostraram que aqueles que começavam tais planos tinham a tendência de continuar
contribuindo cada ano, e seus saldos cresciam regularmente, sem aparente prejuízo de
outras formas de poupança. Engen, Gale e Scholz (1996) focalizaram uma questão
diferente: se um aumento na contribuição máxima aumentava a poupança.
Concluíram que não. Penso que ambos estavam certos. Os IRAs aumentavam a
poupança, sim, porque induziam algumas pessoas que não estavam fazendo poupança
para a aposentadoria a reservar alguma coisa todo ano. Mas um aumento na
contribuição máxima só afetaria o abastado, que já estava poupando mais que o
máximo, e simplesmente passaria o dinheiro de contas tributáveis para não tributáveis.
Minha leitura do artigo de Chetty et al. (2014) discutida no final do capítulo apoia esta
visão.
5. Thaler (1994).
6. Landsberger (1966); Epley, Mak e Idson (2006); Shapiro e Slemrod (2003).
7. Engstrm, Nordblom, Ohlsson e Persson (2015).
8. Choi et al. (2003); Choi, Laibson e Madrian (2004).
9. Brigitte não se manteve cética por muito tempo. Ela logo se associou a David Laibson e
um grupo rotativo de coautores para replicar e ampliar seus achados originais. Ela e
David são agora proeminentes especialistas no campo de projetos para planos de
poupança para aposentadoria.
10. “The Power of Suggestion”, Madrian e Shea (2001).
11. Iwry e sua equipe se fixaram em 3% simplesmente porque um nível baixo teria menor
probabilidade de gerar oposição e no mínimo estabeleceria o princípio orientador. Já
em 2000, sua equipe tentou recalibrar para um nível mais alto por meio de várias
outras regulamentações, mas a âncora inicial se firmou.
12. Internal Revenue Service (1998).
13. Hess e Xu (2011).
14. Benartzi e Thaler (2013).
15. U. K. Deparment of Work and Pensions (2014).
16. Summers (2013) provê uma descrição breve e amigável dos planos de aposentadoria
australianos. John e Levine (2009) descrevem o modelo neozelandês, entre outros.
17. Chetty et al. (2014).
18. Benartzi e Thaler (2004).
d d d f l l b d f lh
devem ser respeitados, poupando aos familiares qualquer obrigação de fazer escolhas
difíceis em momentos traumáticos.
12. Donate Life America (2014).
13. Foi chamada pela primeira vez “escolha obrigatória” em um relatório sobre doação de
órgãos do Instituto de Medicina (Childress et al., 2006).
14. Thaler (2009).
15. Ele poderia ter compartilhado esse sábio detalhe com o presidente Obama, cuja lei de
saúde pública tem uma característica muito impopular que é chamada de “mandato”.
Como a lei proíbe que companhias de seguros discriminem pessoas com condições
preexistentes, era necessária alguma cláusula para impedir que as pessoas esperassem
até ficar doentes ou ter um acidente para contratar o seguro, e a cobertura obrigatória
foi escolhida como solução para o problema. Mas havia outras maneiras de alcançar o
mesmo objetivo. Por exemplo, eu seria a favor de uma combinação de cadastramento
automático (com opção de exclusão) mais uma cláusula de que qualquer um que opte
por sair do seguro não pode comprar uma apólice por um período de tempo específico,
como três anos, por exemplo.
AGARWAL, Sumit; DIAO, Mi; PAN, Jessica; SING, Tien Foo. “Labor Supply Decisions
of Singaporean Cab Drivers”. 2014. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=2338476.
AKERLOF, George A. “Labor Contracts as Partial Gift Exchange”. Quarterly Journal of
Economics 97, no 4: 543–69. 1982.
––––––. “The Missing Motivation in Macroeconomics”. American Economic Review 97,
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––––––; SHILLER, Robert J. O espírito animal: como a psicologia humana impulsiona a
economia e a sua importância para o capitalismo global. Elsevier: Rio de Janeiro, 2009.
––––––; YELLEN, Janet L. “A Near-Rational Model of the Business Cycle, With Wage
and Price Inertia”. Quarterly Journal of Economics 100, suplemento: 823–38. 1985.
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LISTA DE FIGURAS
© France Leclerc
A grande saída
Angus Deaton