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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Ins1tuto de Ciências Sociais


Departamento de Sociologia
Sociologia Urbana
Prof. Lia de MaBos Rocha
2021

FICHA DE LEITURA

Adrián Gorelik  (nascido em 1957  em  Mercedes, Argentina) é um arquiteto e  historiador


urbano argentino, e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de
Quilmes, Argentina. É conhecido por seus estudos sobre  Buenos Aires,  Cidade do
México  e  Brasília. e considerado "uma das figuras mais expressivas da renovação dos
estudos sobre as cidades e a arquitetura latino-americana em curso na Argentina (e no
Brasil) desde os anos de 1980” (Castro e Melo, 2009: 235).

***

O mote deste artigo é discutir como a cidade latino-americana é uma construção cultural,
planejada, moldada e sonhada a partir dos debates públicos sobre nossa identidade
latino-americana - debate que contou com a intensa participação da sociologia.

Assim, a representação da cidade latino-americana tem como pressuposto uma


representação sobre a América Latina como um "continente novo, sem história"; um
"'continente vazio'. Para o autor essa representação legitimaria como “produtiva” a
violência cultural exercida no continente, capitaneada por uma elite convicta de sua
missão civilizatória (: 113).

O autor busca apresentar como as condições históricas que produziram a categoria


cidade latino-americana se deram entre os anos de 1950 e 1970. Em torno dela giravam
"figuras, disciplinas e instituições que estavam conformando o novo mapa intelectual,
acadêmico e político do pensamento social latino-americano, em um de seus episódios
mais ricos e produtivos” (: 115). Por isso Gorelik entende o período como um "'ciclo' da
imaginação social latino-americana, um ciclo que descreve um arco completo de
posições: desde o otimismo modernizador da planificação até sua inversão crítica
radical”(: 117).

1
Essa imaginação teria como paradigmas a Escola Funcionalista1 e a Teoria da
Modernização2, que viam a cidade como indutora da modernidade, em uma apropriação
(necessariamente parcial) de Weber e sua análise sobre a modernidade. Nessa lógica,
cidade passa a ser sinônimo de modernidade, e torna-se tarefa acelerar a urbanização.
Mas "como acelerar a urbanização sem exacerbar os problemas que estão associados
ao crescimento urbano?” (2005: 118). Nos anos 1950 e 1960 a América Latina parecia ser
o laboratório perfeito de experimentação de uma urbanização sem tantos efeitos
colaterais:

"(…) a América Latina aparecia, sob o olhar do mundo ocidental, como o lugar
onde poderia ser levada adiante uma verdadeira modernização, evitando os custos
que os países desenvolvidos vinham descobrindo desde o pós-guerra. Era preciso
apenas relevar os problemas e formular as perguntas, capacitar os técnicos e
estudar as respostas apropriadas, para assentar sobre essa base sólida - científica
- os planos com os quais os governos esperavam atuar (2005: 118).

Cidades latino-americanas então se tornam laboratório do processo de modernização:


nesse contexto surge Brasília, “o sonho da cidade moderna como só podia acontecer em
um país 'condenado ao moderno’” (: 119). Contudo, a modernização em tela tem como
referência a ser atingida o tipo-ideal de cidade “ocidental" como descrita por Weber:
organizada, racional, homogênea.

No final dos anos 1970, contudo, entra em crise este paradigma da modernização: "Não
mais as formas de compreensão, e sim os próprios valores atribuídos à cidade e à
modernidade começavam a ser postos em questão" (: 123). Assim, a perspectiva técnica,
que entendia ser papel da sociologia (e do planejamento urbano) compreender o
funcionamento social para aprimorá-lo, é substituída por uma perspectiva crítica, que

1 O funcionalismo entende a sociedade como um sistema articulado e complexo, cujas partes


cumprem diferentes funções e juntas promovem solidariedade e estabilidade. Assim, o estudo da
sociedade constitui-se em compreender a função de cada parte e como garantir seu bom
funcionamento. São representantes do funcionalismo Émile Durkheim e Talcott Parsons.
2 A Teoria da Modernização entende que elementos como a urbanização e a industrialização
transformam uma sociedade em “moderna”, em oposição ao que seria uma sociedade rural,
agrária e, portanto, atrasada e primitiva. Parsons aparece, de novo, como representante desta
corrente teórica. Como apresenta Gorelik, compõem a Teoria da Modernização o "contínuo folk
urbano (a teoria de um processo civilizatório comum a toda a humanidade entre um pólo
tradicional e outro moderno) e cultura da pobreza (que procura provar a existência de uma
"cultura" dos migrantes que introduz o tradicional como parte imprescindível do moderno)” (:118).
Vale lembrar que este debate apareceu no texto de Leeds & Leeds, sobre as representações
existentes a respeito dos trabalhadores pobres; "mito" que eles confrontaram com as realidades
tanto no Brasil quanto no Perú. Cf. Leeds, Anthony & Leeds, Elizabeth. Sociologia do Brasil
Urbano. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2015.

2
defende não haver reforma (no sentido de aprimoramento) possível dentro do
capitalismo.

Dessa forma, a categoria cidade latino-americana deixou de expressar “uma realidade


teoricamente produtiva”; e a ruptura epistemológica vai ser radical” (: 130):

"Esse novo ciclo estará preocupado especialmente em recolocar o problema da


modernidade em novos termos, e procurará fazê-lo por meio de disciplinas que rompiam
com o predomínio anterior da planificação e da sociologia - como a ciência política, a
comunicação, a crítica literária - e de uma série de categorias alheias àquela tradição -
como espaço público, imaginários urbanos etc.” (: 130).

Gorelik conclui afirmando que o debate contemporâneo sobre a cidade se dá a partir de


um desconhecimento sobre esse processo “de experimentação e debate” em torno do
projeto da modernização até seu completo rechaço, que lhe deu sentido específico no
ciclo anterior.

Referências:

CASTRO, Ana & MELLO, Joana.  Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, n. 84,  2009, pp.
235-249.

GORELIK, Adrián. A produção da "cidade latino-americana". Tempo Social.  São Paulo, v.


17, n. 1, Junho de 2005, pp. 111-133. 

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