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A CIDADE COMO ESTRUTURA TRANSFRONTEIRIÇA

Resenha crítica Aula 2 (24 de Agosto)

Cecília Rios nº. USP 14515921- Doutorado

Bibliografia

SASSEN, Saskia “The City: Its return as a lens for social theory”. City, Culture & Society, 1,
3-11, 2010. Acesso à tradução
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/225429/mod_resource/content/4/Sassem-cap2.pdf

1. Contextualizando a autora:

Saskia Sassen, (5 de janeiro de 1947), é uma socióloga holandesa e norte-americana,


referência na área da sociologia urbana por suas análises na década de 1990 sobre o
fenômeno da globalização que com seu advento ocasionou algumas transformações afetando
fortemente as cidades, principalmente as cidades globais, termo que ficou conhecido em suas
pesquisas por transformar a geografia do poder. As pesquisas desenvolvidas pela socióloga
situam-se na imigração, desigualdade nas cidades, os sistemas de comunicação e estados na
nova economia global. Também foi responsável por introduzir através de dados a forma
direta em que as dinâmicas da globalização, economia e o papel desempenhado pelos grandes
centros urbanos se correlacionam. A importância da localidade e a urgência em desestabilizar
certos conceitos também são temas estudados por Sassen que, em 2013, conquistou o Prêmio
Príncipe de Astúrias de Ciências Sociais pela contribuição à sociologia urbana e ao estudo
das dimensões social, econômica e política da globalização.
Contextualizando o momento

Pós-guerra; entrada na era das telecomunicações; a reestruturação econômica e radical do


capitalismo.

Resumo:

Não é de hoje que a cidade é um local estratégico para se aprofundar em temas importantes
que confrontam a sociedade e a sociologia. O presente trabalho se propõe a pensar os estudos
sociológicos das cidades como ferramentas de análise que auxiliam o desenvolvimento de
linhas que traçam os percursos das transformações sociais. E é na virada do século XXI que o
papel da cidade na compreensão das novas tendências que reconfiguram a ordem social é
realocado/devolvido. Ao assumir a princípio sobre a importância da sociologia urbana, que ao
observar na industrialização no início do século XX tratou algumas transformações daquela
época, sendo iluminado pelos escritos urbanos de Lefebvre que confrontou o excesso da
industrialização, alienação e da urbanização e Stuart Hall, a tese de Sassen lança sua
problemática ao questionar o paralelo entre a multiplicidade dos processos sociais
incorporados nos estudos das cidades e a tendência da globalização que, também gerou
transformações nas cidades sendo ainda mais acentuadas nas cidades globais que emergem
como importantes áreas para um modo singular de ação política no início de século XXI.

Palavras-chave: Cidades ✦ Economia ✦ Imigração ✦ Globalização ✦ Sociedade

2. Argumento central: As cidades como estratégias

No capítulo 4 desta obra publicada pela primeira vez em 1991, ao abordar uma nova
economia urbana, a autora resgata um tipo de lugar - a cidade e seu dinamismo, apontando
para a importância das cidades em um mundo globalizado como parte fundamental do debate
urbano. Destacando principalmente como a globalização construiu, promoveu e promulgou
locais geográficos estratégicos de acordo com uma hierarquia de notoriedade para o
funcionamento do sistema global do setor financeiro e comercial. Deste modo, a autora busca
(re)definir o sentido da cidade contemporânea na era da globalização econômica, apesar da
complexidade de sua representação e dos inúmeros significados históricos específicos
(SASSEN, 2010), Saskia demonstra que as cidades têm sido um local estratégico para a
exploração de temas importantes que confrontam não só a sociedade, mas inclusive a própria
sociologia, que, por meio da sua produção, condiciona ferramentas analíticas que nos
auxiliam na compreensão das diversas transformações sociais no espaço-tempo.
De acordo com Stuart Hall (2006), conforme citado por Giddens1 (1990), o que
chamamos por conveniência de globalização2 implica um movimento de distanciamento da
ideia sociológica clássica da "sociedade" como um sistema bem delimitado. É seguindo esse
mesmo fio condutor que ainda nas primeiras páginas de A cidade: seu retorno como uma
lente para teoria social, Sassen trata do local estratégico das cidades para exploração de
temas que afrontam não só a cidade como também a sociologia, destacando os estudos
sociológicos desenvolvidos por grandes nomes do século XX, entre eles o de Max Weber,
Walter Benjamin e Henri Lefebvre, além de outros nomes da escola de Chicago que teceram
duras e valiosas críticas sobre os processos sociais da urbanidade, a exemplo a
industrialização e a alienação. Em sua análise crítica, Sassen sinaliza para o fato da sociologia
urbana e, consequentemente, os estudos das cidades gradualmente terem perdido seus papéis
privilegiados como lentes e fontes geradoras de categorias de analíticas fundamentais. Para
Sasken essa mudança é constitutiva aos métodos e dados sociológicos de modo geral. Essa
combinação fez com que a cidade deixasse de servir de base para grandes transformações.
Por outra, a sociologia nesse período passa gradualmente a se preocupar com os problemas
sociais.

É, portanto, na transição para o século XXI, que o olhar sociológico se volta para os
espaços onde as tendências macro sociais se materializam, (re)significando as cidades e as
metrópoles como lugares estratégicos de estudos. Nesse momento as cidades emergem como
um momento transurbano. Levantando uma questão importante sobre a capacidade dos
estudos sociológicos da cidade de fornecer instrumentos analíticos que auxiliam no
entendimento das transformações sociais atuais assim como o fez num passado recente? Ao
mesmo tempo, com o objetivo de desestabilizar certos conceitos, a autora questiona o que
estamos chamando de cidade. É meu dever sinalizar que a socióloga não foi a primeira e
tampouco será a última a demonstrar a cidade como um construto discutível, autores como
David Harvey, Borja e Castells já haviam questionado sobre certas nomeações. O que ocorre
atualmente é uma desvinculação parcial não só do espaço nacional, como as hierarquias
tradicionais centradas nacionalmente e a cidade encaixada em algum ponto entre o local e a
região (p.88). Ainda que seja percebida parcialmente, não deixa de ser problemático

1
GIDDENS, A. The Consequences of Modernity. Cambridge: Polity Press, 1990.
2
“A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo como modo de produção e
processo civilizatório de alcance mundial. Assinala a emergência da sociedade global como uma totalidade
abrangente, complexa e contraditória. Uma realidade ainda pouco conhecida, desafiando práticas e ideias,
situações consolidadas e interpretações sedimentadas, formas de pensamento e voos da imaginação” Octavio
Ianni (2000, p. 207).
conceituar a cidade encapsulada nessa hierarquia. Essa concentração nas cidades, vista
inclusive em outras disciplinas (cada qual com seu próprio instrumento analítico), pode ser
interpretada como uma forma de desviar-se das garras do estatismo. Todavia configura como
uma parte do desafio de recuperar o lugar, uma vez que a globalização e as telecomunicações
parecem retirar sua importância, bem como indicam a ausência da multiplicidade presente na
paisagem. A propósito, “A globalização, à medida que dissolve as barreiras da distância,
torna o encontro entre o centro colonial e a periferia colonizada imediato e intenso” (Robins,
1991, p. 25 apud Stuart Hall, 2006, p.79)3.

Além disso, ao examinar as questões de pesquisa e teorização, concentrando-se


particularmente na globalização e na intensificação das dinâmicas transnacionais e
translocais, Sassen propõe que o fenômeno da economia global pode ser compreendido com a
corporação, se aproximando do que Milton Santos (1996) descreve sobre a territorialização e
a metropolização no Brasil serem corporativas. Por este modo, as corporações são as maiores
beneficiárias do recurso público e é por este motivo que outras camadas não tem acesso às
condições sociais de vida e, talvez por isso, involuntariamente ou não a autora ressalta a
sociologia urbana tornou-se cada vez mais preocupada com o que veio a ser chamado de
“problemas sociais”. Principalmente se considerarmos o crescimento da desigualdade que
assola os imigrantes, afro-americanos e latinos.

Em suma, na linha de pensamento com que Sassen se posiciona é nas grandes cidades
que a globalização arruma diferentes formas e localidades ao demonstrar a multiplicidade de
culturas e economias. Ilustrando como esse “novo” modelo econômico produz as cidades
globais e como estas, em contrapartida se tornam fundamentais para o desenvolvimento
desta.

3. Apreciação crítica: O espaço é mercadoria desde 1500

É através da globalização da economia que surgem as cidades globais. Esses espaços


assumem grandes influências econômicas, culturais, sociais e políticas e se relacionam
sinonimicamente com as metrópoles, embora a distinção esteja especificamente em sua
conjuntura. A metrópole, em termos de relevância, possui no contexto internacional uma

3
ROBINS, K. "Tradition and translation: national culture in its global context". ln Comer, J. and Harvey, S.
(orgs.), Enterprise and Heritage: Cros,scurrents ofNational Culture. Londres: Routledge, 1991
menor importância quando comparada a cidade global. Além disso, economicamente falando
as cidades globais abrigam uma variedade de serviços econômicos internacionais e é sede das
mais importantes corporações multinacionais.

O termo cidades globais, crucial para a definição da ideia moderna de globalização,


consolidou-se como um termo de especialidade, introduzido por Saskia Sassen (2001) que
tinha como principais exemplos as cidades de Londres, Tóquio e Nova Iorque. Ao escolher
sua obra como parte integral das leituras sobre sociedade contemporânea, supõe-se que a
intenção foi nos provocar a refletir sobre a cidade enquanto objeto de estudo a partir de sua
construção e dissolução e a tendência da globalização. Quando Saskia nos diz que nem
sempre a cidade foi um espaço de investigações tampouco capaz de produzir conhecimento,
ela discute o remanejamento de suas posições conforme o espaço-tempo.

Nos dias atuais, a globalização da economia e suas características mais marcantes


como a hipermobilidade, a alta desenvoltura da comunicação e a neutralidade da distância e
do lugar são consideradas como algo dado graças ao domínio das empresas transnacionais e
as comunicações globais. Diante desse fenômeno

Ainda que não discuta em detalhes o papel da colonização, Sassen evoca alguns
pensamentos principalmente sobre O que é uma cidade e o que é um terreno densamente
construído? Um país colonizado tem cidades? Como descreve o sociólogo espanhol Jorge
Bordi (2011), a cidade enquanto espaço público é condicionante para o exercício da cidadania
e ainda, fazendo um paralelo com Milton Santos: Se a cidade é cidadania, o que é ser
cidadão? Existe cidadão na classe média do Brasil? O que constrói e o que destrói a
cidade? A esse respeito restabeleço o diálogo com o sociólogo Jordi Borja (2011), que
descreve como as cidades se dissolvem com a ausência ou ineficiência de um estado sem
capacidade de integrar socialmente, sem um espaço público de poder, a democracia
atropelada pela segregação, exclusão e egoísmo assume perversidade ao cessar com os
processos redução de desigualdades. A real democracia nesse contexto tende a perpassar
através da dimensão histórica-cultural do espaço público, sendo este parte fundamental para
sua concretização.

Outro ponto que aflora inquietações em seus trabalhos tem a ver com a necessidade de
sublinhar constantemente uma postura civilizatória como caminho distante de suas inúmeras
consequências e do seu caráter violento.
Seguindo a pretensão de costurar contribuições de diversas frentes, Sassen apresenta a
imigração enquanto procura pela melhora de vida, como parte constituinte de uma nova
economia política transnacional dos países. E lança o desafio de recuperação do lugar, uma
vez que com a globalização este admite o caráter neutro juntamente com a distância.Por sua
vez, recuperar o lugar é recuperar a multiplicidade. Embora tenha se autoprojetado como
transnacional, como a força livre de fronteiras assumindo de certa formas ser
universalizadora da modernidade4, a globalização é, na verdade, um processo de exportação
das mercadorias, dos valores, das prioridades, das formas de vida ocidentais e muitas vezes
contraditória. Talvez tenhamos nos tornado um povo tão desatento, que não mais nos
importamos com o funcionamento real das coisas e se for assim, há pouca esperança para
nossas cidades (JACOB, 2014). Mas não acho que seja assim, debruçar-nos sobre os espaços
que frequentamos revela uma experiência magnífica, é um exercício que nos faz ir além de
nossas percepções e, a partir dos entendimentos adquiridos com o simples ato de olhar os
espaços físicos ao nosso redor, podemos desenvolver junto desses espaços novas formas de
utilização e recreação, além de cativar diversas formas de socialização e contato social.
Contudo, considero a proposta da Saskia Sassen um convite para que possamos refletir sobre
as coisas tão naturalizadas na nossa sociedade que a gente nem se dá conta que está ali e que
acompanham a história do país.

4. Contextualizando minha pesquisa

1. A verticalização com o adjunto do alargamento de praia como BC


(Balneário Camboriú) afeta em sua denominação de cidade, uma cidade cujo
centro foi construído por meio de aterro, é cidade ou terreno densamente
construído?

2. Os desejos por uma “vida melhor”, mencionados por Sasken, e a construção


fantasiosa como lugares maravilhosos em meio à realidade caótica urbana
brasileira acionam o sentido idílico e permeiam a formação de algumas
cidades como Vinhedo-SP, Florianópolis-SC....

Referências:

BORJA, Jordi. Espacio público y derecho a la ciudad, Viento sur número 116/mayo 2011.

BORJA, J. e CASTELLS, M. ìAs cidades como atores polÌticosî. Revista Novos Estudos.
S„o Paulo, Cebrap, n.45, jul. 1996, p.152-166

4
"A modernidade é inerentemente globalizante" (Giddens, 1990, p. 63).
HALL, Stuart A identidade cultural na pós-modernidade Stuart Hall; tradução Tomaz Tadeu
da Silva, Guaracira Lopes Louro-11. ed. -Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades, Tradução: Carlos S. Mendes Rosa. Ed.
Martins Fontes, São Paulo, 2014.

SANTOS, Milton. Cidadania mutilada, In: O preconceito, p. 133-145. Imprensa Oficial do


Estado, Imesp, São Paulo,1996/1997.

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