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histórias do
cotidiano
Luiza Vidotto
Dezembro 2021
Agradecimentos
À Marina e à Tutty.
“Uma flor nasceu na rua!
Passam de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.”
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O processo de investigação que apoiou a urbanização (Silva, 2006). O imaginário caracteriza, portanto,
produção das publicações descritas acima nasce a cidade sensível, percebida e concebida mentalmente pela
da interseção entre urbanismo crítico e cultura população, mas que se desdobra e se materializa no ambiente
visual. O primeiro diz respeito à revisão da prática físico, ao guiar a manutenção ou a alteração das estruturas
tradicional do urbanismo, aquela que almeja a urbanas existentes.
transformação urbana via diagnóstico, plano e Essa camada simbólica de leitura das cidades encontra
projeto. Nesse novo ciclo do urbanismo (Gorelik, respaldo na análise da experiência afetivo-corporal do
2005), busca-se questionar os sentidos da espaço, proposta pelo movimento situacionista no final dos
modernidade e mergulhar na dimensão cultural anos 1950. Os situacionistas defendiam a deriva urbana, uma
das cidades, de modo a agregar outras disciplinas forma de experimentar o espaço urbano sem rumo definido,
à reflexão sobre o espaço urbano. cuja intenção era estimular a percepção espacial do cidadão
Por outro lado, os estudos sobre cultura visual e fomentar a reflexão coletiva sobre a cidade. Tal método não
permitem evidenciar a dimensão visual do urbano, propunha uma forma material de cidade, mas sim uma forma
alçada a uma posição de protagonismo, dada de vivê-la, por meio da qual seus habitantes deixariam de ser
a centralidade dos debates sobre imagem nas meros espectadores e se tornariam agentes de transformação
cidades contemporâneas. Dessa forma, o trabalho do ambiente em que viviam (Berenstein Jacques, 2003).
parte do entendimento da arquitetura e urbanismo Bastante críticos aos urbanistas, os situacionistas
enquanto prática multidisciplinar e da visualidade acreditavam que a sociedade deveria tomar a frente dos
enquanto importante ferramenta para a criação de processos de definição dos rumos das cidades. Os arquitetos
significados sobre a realidade urbana. e urbanistas, por vezes, limitam-se a observar o meio urbano
O recorte escolhido foi o das “cidades latino- a partir de uma visão técnica e distante, que não incorpora
americanas”, categoria que ganhou força durante as informações advindas das práticas cotidianas. Planejar as
os anos 1950 e 1970, devido à produção de estudos cidades deveria consistir, para além de saber levantar e aplicar
e à implementação de políticas e projetos urbanos conhecimentos técnicos sobre o espaço, em saber articular a
com o objetivo de, supostamente, emancipar a pluralidade de significados da realidade urbana (De Certeau,
região do subdesenvolvimento (Gorelik, 2005). 1998) - desenhados no espaço pelos corpos caminhantes.
O que se observou foi, na verdade, o progressivo Nesse sentido, os estudos sobre arquitetura e urbanismo
agravamento da crise urbana nessas cidades, que têm se reorganizado para além do objeto construído, passando
hoje lidam com a financeirização das dinâmicas a considerar novas fontes e novas mídias, de modo a não
locais de produção do espaço (Pereira, 2017). restringir a arquitetura à sua dimensão material, mas extrapolar
Acredita-se que o chamado desenvolvimento as reflexões para além da linguagem da edificação (Costa,
almejado para a América Latina resulta um bom 2021). Dessa forma, a produção gráfica e audiovisual, assim
negócio para os países mais “ricos”, possível como a manutenção de acervos e a elaboração de exposições,
de ser alcançado após anos de apropriação e constituem práticas que têm sido muito importantes para a
exploração de outras culturas via colonização proposição de novas questões e caminhos de pesquisa.
(Lang, 2016). Uma vez que esse projeto não nos Sob esse ponto de vista, o presente trabalho tem a intenção
serve, faz-se necessário buscar alternativas ao de explorar o tema do cotidiano urbano como recurso para
desenvolvimento, presentes nas possibilidades aproximar mais a representação das cidades da América
de transformação das relações que se tem com as Latina de suas vivências reais. Para isso, são propostas
cidades e de construção de novas subjetividades e formas alternativas de cartografia e construídas narrativas
imaginários urbanos. visuais e verbais, que amparam expressões sensíveis sobre
Os imaginários urbanos são as simbologias as cidades, relativas aos conhecimentos e afetos acumulados
de cidade criadas por seus habitantes, a partir por meio da experiência urbana. Trabalhar com os aspectos
dos significados gerados na vivência do espaço imaginativos e sentimentais das cidades representa,
construído. Essas simbologias são moldadas de aqui, uma aposta intelectual e política, com potencial para
acordo com as fantasias e os desejos manifestados estimular a participação cidadã e a reflexão sobre a produção
pela coletividade, ao apropriar-se do processo de e a ocupação das cidades.
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Referências
Literatura
Berenstein Breve histórico da Internacional Situacionista – IS (1). Arquitextos, São Paulo, ano 03, n. 035.05, Vitruvius,
Jacques, Paola. abr. 2003.
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fev. 2008.
Elogio aos errantes. Breve histórico Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 053.04, Vitruvius,
das errâncias urbanas. out. 2004.
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Cançado, Wellington. Desconstrução civil. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 10, p. 102-111, 2017.
Carrión, Ulises. El arte nuevo de hacer libros. Tumbona Ediciones, México, D.F., 2012.
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Debord, Guy. A sociedade do espetáculo. Contraponto, Rio de Janeiro, p. 13–25 e 111–118, 1997.
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Dilger, G.; Lang, M.; Descolonizar o imaginário: debates sobre pós- Fundação Rosa Luxemburgo, São
Pereira Filho, J. extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. Paulo, p. 12–45, 2016.
Do Rio, João. A alma encantadora das ruas. Fundação Biblioteca Nacional, p. 1-13, 1908.
Gorelik, Adrián. A produção da “cidade latino-americana”. Tempo Social, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 111–133, 2005.
Halbwachs, Maurice. A memória coletiva. Edições Vértice, São Paulo, p. 131–144, 1990.
Meneses, Ulpiano Fontes visuais, cultura visual, História visual. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45,
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César Xavier. da cidade contemporânea.
Rede, Marcelo. História a partir das coisas: tendências Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material,
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à consciência universal.
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Orlando Alves dos. interdisciplinar de formação de agentes sociais.
Schiavinatto, I. L. Cultura Visual & História. Alameda, São Paulo, p. 11–31, 2016.
F.; Costa, E. A.
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Vera, Paula. Ciudades (in)descifrables. Imaginarios y Ediciones USTA, Bogotá, p. 13–39, 2019.
representaciones sociales de lo urbano.
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Referências
Exposição
Audiovisual
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Referências
Publicações e Intervenções Artísticas
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Trabalho Final de Graduação
realizado por Luiza Vidotto e
orientado por Eduardo Costa.
FAUUSP, 2021.
Histórias do
Cotidiano
Estudo sobre
mapas da
as experiências
urbanas na
América Latina
experiência
Luiza Vidotto
Trabalho Final de Graduação
realizado por Luiza Vidotto e
orientado por Eduardo Costa.
FAUUSP, 2021.
Mapas da Experiência
faz parte de uma
pesquisa chamada
Histórias do Cotidiano
partida
tijuana, méxico
caracas, venezuela
medelín, colômbia
belém, brasil
lima, peru
salvador, brasil
belo horizonte, brasil
rio de janeiro, brasil
são paulo, brasil
buenos aires, argentina
chegada
pictogramas
imagens
bibliografia
agradecimentos
pontos de vista
partida
Este livro é sobre as
experiências urbanas nas
cidades latino americanas
REDUZIRAM A RESTAURANTE
FREQUÊNCIA DO GALERIA DE BARES LOJAS DE ONDE ZONA ROJA
BRT POR PRESSÃO SHOPPING DA FREQUENTADA AVENIDA LEMBRANCINHAS INVENTARAM REGIÃO DE
DAS PERUAS ADOLESCÊNCIA COM AMIGOS DA REVOLUCIÓN PARA TURISTAS A SALADA PROSTITUIÇÃO
CLANDESTINAS FACULDADE CAESAR’S
Não é linear porque não pôde ser mas não no sentido contrário. E a Avenida
descrita em um trajeto com início, meio e Revolución talvez represente bem isso.
fim, mas sim por vários. São os caminhos O trajeto pela Revolución começa bem
de casa à universidade, à praia e ao e termina cheio de tensões. A Avenida
centro cultural, também um percurso pela já foi repleta de cassinos e restaurantes
principal avenida do centro antigo e alguns frequentados pelos norte-americanos
outros pontos importantes como uma na época da Lei Seca. Depois de um
taqueria muito boa, o bairro do trabalho e período de decadência, hoje vive de
uma ponte no aeroporto que se conecta bares populares e do turismo. O burro
ao país vizinho. Esse último com certeza zebra”, o restaurante Caesar’s e as lojas
representa o grande estigma da cidade, de suvenires atraem os estrangeiros, já
sua fronteira com os Estados Unidos. os bares são frequentados por todos,
Apesar de não ser a capital, Tijuana é o inclusive pelos jovens locais. A mudança
centro econômico e a cidade mais populosa começa a partir do cruzamento com a Calle
do estado da Baixa Califórnia. A urbanização Tercera, quando os usos se transformam
se volta para a fronteira, é mais densa à medida que se aproxima a fronteira.
quanto mais nos aproximamos dela, mas É quando começa a Zona Roja de Tijuana,
também se adensa em outros sentidos, uma região da qual não se gosta muito de
em franco processo de conurbação com falar, por ser considerada incômoda, mas
as vizinhas Rosarito e Tecate. Muitas das que existe. A partir da não é recomendável
dinâmicas urbanas da região se centralizam que uma mulher esteja sozinha. Talvez nem
ao redor da travessia do muro-fronteira. acompanhada se sentiria segura. Os bares
A travessia flui muito bem de lá para cá, e restaurantes vão se tornando motéis e
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clubes noturnos para homens. O turismo Outro lugar bastante afastado é a
sexual é uma das primeiras coisas que Universidade do Valle de Las Palmas,
recebem o visitante que cruza a Ready Lane localizada em um grande vale isolado nos
San Ysidro Mexican Border, enorme posto arredores da cidade. São necessários dois
viário de passagem aos Estados Unidos. longos trajetos de ônibus para chegar
Ao seguir pela Revolución chegamos aí, considerando uma casa que já está
ao Arco-Relógio, monumento símbolo da em uma zona periférica. A Universidade
cidade. Ao lado está a polícia local, que está em uma área ambiental protegida,
não inspira confiança alguma. Daí em cheia de coelhos, águias, linces e coiotes
diante a paisagem muda de vez, a rua se que, fugindo de incêndios na região,
esvazia e crescem os sinaleiros de clubes passam temporadas ali. Outra ocupação
de strip-tease. É também uma região de que se apropriou do local é a do bairro
tráfico de drogas e onde os migrantes Valle San Pedro, um bairro “fantasma” de
se concentram quando há deportações. loteamentos muito baratos e minúsculos.
É conhecida pelo estabelecimento de Fantasma não porque não há quem more
refugiados haitianos. A avenida termina aí, mas sim pelas condições enfrentadas
em uma enorme via expressa, seguida do pelos seus habitantes. O Valle San Pedro
Rio Tijuana e do muro. Há uma atuação é o típico bairro planejado pela iniciativa
intensa da patrulha da fronteira nessa privada que promete muito e entrega pouco.
área, já que às vezes os migrantes tentam Na teoria um bairro sustentável, com todos
desesperadamente ultrapassar essas os equipamentos urbanos necessários,
três grandes barreiras sem sucesso, perfeito para as crianças da família
sendo comum haver “acidentes”. crescerem e próximo da faculdade onde
Essa enorme via expressa se constitui estudariam. Na prática, não há sequer um
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quase como um segundo muro, já que mercado, apenas as lojas de conveniência
está em um nível elevado em relação à das franquias estrangeiras que inundam
cidade. Ela segue paralela à fronteira até o país. Também não há bombeiro, polícia
chegar às Playas de Tijuana, a parte mais ou posto médico. E muitas casas não
fresca dessa cidade que está em um foram terminadas pela construtora do
região muito montanhosa e desértica. Aí bairro. Um lugar difícil de se viver, tanto
vivem pessoas de mais dinheiro. A praia para os estudantes que estão apenas de
não tem uma cultura de preservação passagem, quanto para as famílias que são
muito forte, apesar de atualmente recolhidas e devolvidas diariamente, em
estarem lutando por isso. E a despeito um movimento pendular de ida e volta à
da água fria do mar, a praia representa zona industrial de Tijuana para trabalhar.
um local afetivo para os moradores, Um lugar onde também há presença de
mesmo os que se deslocam desde o atividade imobiliária predatória é a Colonia
outro extremo da cidade para chegar ali. Madero (ou Cacho).
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É a zona residencial mais cara da cidade, que empregam alguns dos egressos da
onde se concentram os edifícios novos Universidade do Valle de Las Palmas. Um
de apartamentos de uma cidade inteira lado bom disso é que as gorjetas dadas aos
horizontal. É muito raro que se viva em baristas costumam ser em dólar também.
apartamento em Tijuana, quase todo E para falar de coisas boas, um trecho
mundo vive em casa. As pessoas que têm da Avenida Paseo de los Heroes, paralela
apartamentos geralmente são ricas e têm ao rio, concentra quase todas as memórias
bons empregos. Alguns são empresários positivas de Tijuana. Uma livraria, um
estadunidenses, outros vivem temporadas enorme e majestoso centro cultural e uma
nos Estados Unidos e temporadas em quadra exclusivamente de bares compõem
Tijuana e há também locatários. um trajeto feliz de final de semana. Apesar
Moradia é um super negócio já que o de ser uma cidade bastante estigmatizada
dólar flutua muito, então os beneficiados pela fronteira, onde é pouco comum que
são sempre os proprietários locadores. seus habitantes tenham nascido lá, a
Com uma economia orientada pelo trânsito geração mais recente tem tentado mobilizar
na fronteira, é comum pagar o aluguel em a apropriação de espaços e a construção
dólar, assim como o dentista, o táxi e o de uma identidade própria de Tijuana, para
café. Inclusive, são os cafés dessa zona além de um lugar apenas de travessia.
de escritórios e de apartamentos caros
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0° 0° 0m 0h
UNIVERSIDADE
BARRIO ESTAÇÃO DE PARQUE PLAZA CENTRAL DA
SAN AGUSTÍN TELEFÉRICO LOS CAOBOS VENEZUELA VENEZUELA
FEIRA DE BIBLIOTECA
VARIEDADES DA CENTRAL DA
UNIVERSIDADE UNIVERSIDADE
Caracas sequer está
no mapa
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0° 0° 0m 0h
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São os afluentes do rio que leva o mesmo tem uma visão panorâmica da cidade.
nome da cidade. A chuva nos relembra sua De bicicleta é mais rápido que de carro e
localização em um profundo vale, devido às você não perde o ar fresco, as sombras
potentes inundações que tomam as ruas. das árvores, os tapetes coloridos de
As montanhas desse vale também formam flores e os enquadramentos preciosos
parte da vida urbana. Essenciais, são pontos do céu. Aqui a bicicleta é uma política
de orientação e contemplação constantes. pública de mobilidade, há estações
Em contraposição à cidade anterior, aqui gratuitas espalhadas pela cidade.
a natureza é a protagonista do nosso trajeto. No caminho até a universidade, há
A vegetação chama atenção do início ao três momentos de destaque em que as
fim por sua variedade de espécies, flores, montanhas, os jacarandás ou as acácias
texturas e cores. Esse vislumbre da magia amarelas deixam de ser preponderantes.
da natureza só é interrompido quando Primeiro, o bairro operário que antecede
cruzamos avenidas de trânsito mais intenso a estação Suramericana do metrô. Está
(Ochenta e San Juan , onde o barulho das cheio de oficinas mecânicas em um
folhas é substituído pelo dos carros. Aliás, ponto bem central da cidade, perto das
saímos de casa e estamos indo em direção universidades e do rio. Por esse motivo,
à Universidad Nacional de Colombia, que é surgiu o parque residencial Nuevo Naranjal,
vizinha da pequena montanha El Volador. projeto que derrubou uma quadra inteira
O percurso é todo feito em bicicleta, dessas oficinas para ser levantado.
havendo ciclovia na maior parte dele, O parque residencial possui unidades de
exceto por um momento, quando cortamos interesse social e um sistema de autogestão
caminho subindo um viaduto, de onde se de res duos, além das janelas urbanas ,
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aberturas entre os compridos edifícios Terminamos nosso trajeto com uma
criados por Laureano Forero. No entanto, memória de infância que se passa no Prado,
esse mesmo projeto inovador criou um bairro tranquilo próximo à universidade,
grande problema social, já que muitos mas a leste do rio. Depois de levantar
trabalhadores locais foram removidos das cedo no sábado, apagava no carro da
oficinas onde estiveram a vida toda, sem tia durante quase todo o trajeto, mas
que lhes tenham sido oferecidos novos acordava quando chegava nessa rua para
postos de trabalho. A velha história do observar suas lindas casas passando
projeto arquitetônico-urbanístico que resulta pela janela. Casas lindas que mesclam
em espoliação, transformação radical da estilos arquitetônicos europeus e locais,
paisagem e segregação socioterritorial. desejo da elite na época da construção.
E falando em problema social, vamos Uma rua muito calma, que faz o
ao segundo ponto de destaque do trajeto. passante sentir-se fora de Medelín. No
No estreito limite entre o rio Iguana e a final dela, um casarão azul e mostarda de
universidade existe uma pequena favela já esquina era o destino final da carona da
bastante inserida no contexto universitário. tia. A parte preferida da aula de balé era a
Aí moram pessoas que prestam vários hora do lanche porque a dança em si não
serviços aos estudantes, desde cópias agradava muito. A vergonha do próprio
de textos até aluguéis econômicos de corpo era um desafio, mas as colegas do
quartos. É uma comunidade que sofre balé também não ajudavam. Fazia pela mãe,
bastante com as enchentes e aloja muitos que dizia que tudo que se começa na vida
migrantes do Chocó, região na Colômbia é necessário terminar. Hoje não sente falta
onde está a maioria de sua população do balé, mas sim da bela rua que agora tem
negra. Também fazem festas incríveis. muitos cafés e algumas galerias de arte.
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Cerveja e salsa na saída da aula.
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0° 0° 0m 0h
CONJUNTO
PRESÍDIO MANGUEIRAS PEDRO TEIXEIRA
TRECHO DE FEMININO EM FRENTE AO COMÉRCIO BOM QUERMESSE
ACÚMULO DE LIXO JÁ TEVE FUGA PRESÍDIO ENTRADA NA PRAÇA
CONTROLADA
AVENIDA
PRIMEIRO PRIMEIRO ALMIRANTE PONTO DE TROCA
CONDOMÍNIO SUPERMERCADO FÁBRICA DA BARROSO DE ÔNIBUS E
DE CASAS ALTO DA REGIÃO COCA-COLA CORAÇÃO ENCONTRO DE
PADRÃO DA REGIÃO DE BELÉM AMIGOS
ORLA DO
ENCONTRO ENTRE RIO GUAMÁ
RIO GUAJARÁ E LUGAR DE PRAIA ICOARACI PRAIA OTEIRO
RIO GUAMÁ PASSEIOS
TURÍSTICOS
Belém é a memória da
cidade em expansão
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0° 0° 0m 0h
LINHA DO A PARTIR
TREM DAQUI VOCÊ AREAL QUE PORTÃO DE REGIÃO O CIRCO É
DIVIDE A PODE SER PODERIA SE BLOQUEIO DA RUA PERIGOSA PILHA DE AREIA MONTADO ENTRE
CIDADE ASSALTADO TORNAR UM COLOCADO PELA CAMINHAR NÃO NO MEIO DA VIA JULHO E AGOSTO
EM DUAS A QUALQUER PARQUE LINEAR VIZINHANÇA É UMA OPÇÃO
MOMENTO
MINISTÉRIO
BARRAQUINHAS PORTÃO DE PORTÃO DE PÚBLICO
DE CAFÉ DA BLOQUEIO BLOQUEIO EDIFÍCIO
MANHÃ DA RUA DA RUA ALIENÍGENA
ONDE
TRABALHA
Lima é um trajeto
casa-trabalho
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0° 0° 0m 0h
TRECHO DE
FORTE DE SANTO EDIFÍCIO OCUPAÇÃO INTENSA MORRO
ANTÔNIO DA BARRA OCEANIA AOS FINAIS DE DO CRISTO
SEMANA
Salvador é uma
cidade que aguça
todos os sentidos
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0° 0° 0m 0h
BASE DA CURSINHO
POLÍCIA POPULAR MURO DA TRECHO SORVETERIA RUA CENTRAL PAGODE
MILITAR DO BAIRRO PEGAÇÃO ESCURO ADRIANA DE COMÉRCIO
IGREJA DO
PADRE LEO RUA DAS CLUBE DE PONTO DE CASA DAS IRMÃS
PRAÇA GRÉCIA NÃO PERMITIA CASAS BONITAS FUTEBOL ONDE ENCONTRO QUE ESTAVAM MURO DA
LUGAR DA SOCIAL MULHERES ONDE MORAM OS O TIO JOGAVA COM AMIGOS SEMPRE NA JANELA PEGAÇÃO
DIVORCIADAS RICOS DO BAIRRO
CENTRO
CULTURAL
IUNA
Belo Horizonte é uma
ida à sorveteria
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0° 0° 0m 0h
WHITE
MARTINS AVENIDA COQUEIROS ORLA DA BAÍA CENTRAL
FÁBRICA DE BRASIL DE GUANABARA DO BRASIL
OXIGÊNIO
REGIÃO DE
SHOPPING-CH O PROSTITUIÇÃO
QUILOMBO
URBANO
O Rio de Janeiro
é o caminho do
Glória a Xerém
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Na verdade, o contrário. Mas assim bairros. Descer nela para trocar de ônibus
como o disco de Bethânia, nosso trajeto é uma experiência tenebrosa. Os coqueiros
faz menção aos lugares de origem. Às que enfeitam o canteiro central soam quase
diversas casas que temos na vida. Nesse como uma ofensa. Uma tentativa descarada
caso, uma na periferia da cidade vizinha de maquiar a hostilidade da avenida. A
e outra numa região central do Rio. No vontade de quem passa por ali todos os
meio do caminho entre as duas há lugares dias é descer e arrancar os coqueiros, para
totalmente inóspitos e outros bastante deixar explícito que aquele lugar representa
sedutores. Neste Rio de Janeiro são uma ferida urbana para muita gente.
importantes as marcações de tempo e Vamos então começar pela residência
espaço. Os trajetos curtos são os que atual e depois voltar ao passado. Para quem
carregam mais significado, enquanto há aterrissa no Glória pela primeira vez pode
pedaços muito longos quase sem memórias. ser assustador, por incrível que pareça.
Aliás, o que determina o entrar e sair da Os moradores de rua, as prostitutas e o
cidade não são seus limites administrativos shopping-chão (camelôs que vendem
e sim a percepção afetiva do espaço. A seus produtos sobre panos na calçada)
Rodovia Washington Luiz marca a saída de compõem uma realidade muito diferente
Xerém, enquanto que a (empresa) White para quem viveu a simplicidade de Xerém.
Martins e a vista da baía de Guanabara Com o tempo, essas complexas camadas
revelam que Duque de Caxias ficou para sociais vão se tornando familiares e deixam
trás. A Avenida Brasil nos leva cidade de causar medo e desconforto, para se
adentro. É uma comprida e hostil via adequarem à normalidade do cotidiano.
expressa que atravessa e divide vários
A subida da rua faz parte da subida O consulado da Suíça, um pouco adiante,
de um morro recortado por escadarias. reativa a sensação de estar numa zona
Começa repleta de bares, restaurantes rica da cidade, ainda que em meio aos
e mercadinhos. Um com péssimo camelôs, aos moradores de rua e à sauna
atendimento, outro com um ótimo PF gay. Sim, vizinha de uma escola católica
(almoço comercial). Um caro, só para bem tradicional e em frente ao bistrô
emergências, outro bom para comprar Grégora está uma casinha azul. Suas janelas
cerveja. Neste primeiro trecho, a generosas e adornos art-déco até enganam,
calçada tem inúmeras funções além do mas ali funciona uma sauna gay, o Club 117.
caminhar. Abriga uma pequena feira de Continuando a subida, passamos em
frutas, roupas e artesanatos, além de frente a um bar que causa desconforto
ser estacionamento de carrinhos do pela concentração de homens marrentos e
supermercado e de mototáxis. Também mal-educados na entrada. Depois entramos
tem barraquinha de açaí e chaveiro. Fora as em uma curva, subindo por uma escada
mesinhas de bar que sediam o campeonato perfeitamente ergonômica que circunda
de jogos de mesa do quarteirão. uma casa “mística”, que tem uma (planta)
Mais adiante está o bistrô Grégora, que espada de São Jorge na porta. Nessa
oferece uma atmosfera bem diferente da curva há um paredão coberto de graffiti e
que acabou de ser descrita. É um lugar a memória agradável da resistência de um
bastante querido, desejável de estar a quilombo urbano ali naquele quarteirão.
cada refeição. Para ir numa tarde tranquila, O trajeto termina chegando ao edifício
tomar um café e escrever. Um espaço “não- sombrio-meio-casa-da-bruxa que é a
utilitário”, que te convida a permanecer.
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casa atual. A antiga também pode parecer pela ditadura. Na região impera a cultura
meio sombria, mas por outro motivo. sustentada pela Igreja. Tem uma Igreja
Voltando à Xerém, no muro da travessa evangélica não a cada esquina, mas a
que leva à casa da infância, foi pintada uma cada passo. Então os meninos se casam
bandeira para celebrar a Copa do Mundo. e constituem família cedo. Daí tentam
Embora agora represente essa coisa ganhar a vida nessa fábrica ou no Centro
sombria e autoritária, a pintura dá o nome de Treinamento do Fluminense, logo
popular de “Beco do Bandeira” à Travessa ao lado, para sustentar a família.
Assunção. A entrada para a travessa As jovens esposas por vezes vão
está na Estrada de Xerém e perto dali há trabalhar nos salões de beleza ao redor
um rio que corre em paralelo, descendo da Praça da Mantiqueira, ponto central
a montanha. Uma vez esse rio alagou a do bairro, praticamente “o tablado da
região devido a uma tromba d’água, mas vida social de Xerém”. Lá você pode ficar
depois nunca mais causou inundação. sabendo quem começou a fumar e quem
Xerém é cercada por montanhas largou, quem engravidou, saiu da Igreja,
inexploradas. A Capela de Santa Rita trocou de marido. É onde a vida do bairro
de Cássia está no alto de uma delas e é acontece. Lá você vai às compras, à feira,
avistada no trajeto. A Pedra do Congonha além de fazer a mão, o pé e a sobrancelha
está em um ponto ainda mais alto, de todo no salão, ou então cortar o cabelo na própria
lugar dá para ver. É frequentemente usada praça, com o Bozó. Na adolescência, essa
como logotipo pelos empreendimentos da praça era um lugar que causava vergonha,
região. Próxima da saída para a rodovia você não queria estar ali porque sua tia
está uma fábrica de ônibus, que antes ia passar e te ver, e depois contar para
era uma fábrica da Fiat e antes ainda, sua mãe quando chegasse em casa.
um esconderijo de pessoas perseguidas
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0° 0° 0m 0h
FAIXA EXCLUSIVA
DE ÔNIBUS ESCOLA ONDE LOJA DE SHOPPING-GALERIA
MELHOROU O RIO TIETÊ QUERIA ESTUDAR CALÇADOS FOI DEMOLIDO
TRÂNSITO
NA PONTE
ESCOLA LANCHONETE
SALA DE MÚSICA AMARELINHO
SÃO PAULO FREQUENTOU ONDE SEMPRE
POR 15 ANOS ALMOÇAVA
São Paulo é a cidade
das compras
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0° 0° 0m 0h
RESTAURANTE
TEATRO MAIPO TEATRO SUIPACHA CONFITERÍA IDEAL
E -APARTAMENTO ONDE FOI UM TEATRO GRAN REX ÓPERA ORBIS PARA QUANDO CAÍA FECHOU PARA
SAUDOSO MONTÃO DE VEZES DO PETER PAN ELITISTA A ENERGIA E NÃO REFORMA E
PODIA COZINHAR NUNCA REABRIU
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inesquecíveis. Mas além disso, a experiência que o cruzamento esteja bloqueado
que o café proporciona deve dar créditos e atrás dele se forme um longo
à movimentação constante na Avenida de congestionamento, dando motivos para
Mayo. O lugar perfeito para simplesmente que os argentinos pratiquem um de
sentar e contemplar as pessoas passando. seus hábitos preferidos: reclamar.
Assim como a Avenida de Mayo, Mas não são só protestos que
a Corrientes também é lugar de movimentam o obelisco. Cada vez que o
contemplação. Lugar de caminhar. O tipo de Boca (Juniors) ou o River (Plate) ganham
lugar que te faz descer uma estação antes algum campeonato, é uma tradição que
da sua, para poder andar umas quadras até os torcedores se reúnam no obelisco.
chegar em casa. As livrarias funcionam até Também é parte da tradição terminar a
de madrugada e sempre têm movimento de comemoração no McDonald’s da Corrientes
pessoas devido aos já mencionados teatros, que, para alegria de alguns e tristeza de
cafés e cinemas. Os restaurantes e pizzarias outros, sempre acaba meio destruído
também são vários e marcam presença. no final da noite. As comemorações
O obelisco engrossa esse caldeirão das torcidas podem ser bem mais
sócio-cultural. No cruzamento da intensas que os próprios protestos. Seus
Corrientes com a Avenida 9 de Julio, pulos e gritos chegam a fazer o asfalto
o monumento acolhe manifestações vibrar. A rua parece ter vida própria.
populares quase diárias. É muito comum
51 52
chegada
As cidades latino
americanas podem ser
tudo isso, mas também
muitas coisas mais
CASA CASA
ATUAL ANTIGA
CASA DE CASA DE
AMIGO FAMILIAR
PARQUE PRAÇA
CEMITÉRIO ÁRVORE
MURO/GRADE/ FRONTEIRA POLÍCIA/
PORTÃO/LINHA INTERNACIONAL BIBLIOTECA PRESÍDIO
FÉRREA
ESTAÇÃO BRT
(BUS RAPID PONTO IGREJA CIRCO
TRANSPORT) ÔNIBUS
MONTANHA AREAL
NADA DEMAIS/
SEM COMENTÁRIOS
PRESSUPÕE PRESSUPÕE
AFETIVIDADE REFERÊNCIA
Imagens
Dávila Regina, Belo Horizonte, Brasil Eloá Mattos, Salvador, Brasil Michelle Diaz, Tijuana, México Sandra Serra, Santiago, Chile
Sebastian Gomez, Lima, Peru Sofía Castillón, Buenos Aires, Argentina
cartela de
relativos à
cidade
desejos
Luiza Vidotto
Trabalho Final de Graduação
realizado por Luiza Vidotto e
orientado por Eduardo Costa.
FAUUSP, 2021.
Cartela
de Desejos
faz parte
de uma
pesquisa
chamada
Histórias
do Cotidiano
Oi, moça. Posso te fazer
umas perguntas?
Eu tenho que pagar alguma
coisa?
Nada! É só responder
mesmo.
Então tá bom.
Você sabe como funciona
uma rifa?
Ah, sei o básico do básico.
Um carro!
Ah, um carro, talvez…
Olha, no momento eu
preciso de um carro,
porque, graças a Deus,
casa eu já tenho.
Acho impossível comprar
uma casa fazendo uma
rifa… mas se desse, seria
uma casa.
Nem eu sei, tem tanta
coisa... mas uma casa, vai.
Meu apartamento.
Eu melhoraria o transporte
público, no sentido de ser
mais acessível, mais barato.
Faria melhorias nas ruas e
no transporte público, tem
uns pontos de ônibus que a
gente encontra totalmente
detonados.
Debord, A sociedade do
Guy. espetáculo. Rio de
Janeiro: Contraponto,
p. 13–25 e 111-118, 1997.
Viviane Lucilia
Tiago Sebastião
Janete Regina
José Zacarias
Nicolas Rose
Laura Josiane
Fábio Ronaldo
Jane Valquiria
Vitor Isaías
Cássia Lúcio
Gleici Sueli
Taís Wilgner
Dana Zenaide
Gabriela Felipe
Impresso em Neue Haas
Grotesk e Inter sobre papel
Pólen e Colorplus