Você está na página 1de 33

Os autores e a editora empenharam-se para citar adequadamente e dar o

devido crédito a todos os detentores dos direitos autorais de qualquer


material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos caso,
inadvertidamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida.

Não é responsabilidade da editora nem dos autores a ocorrência de


eventuais perdas ou danos a pessoas ou bens que tenham origem no uso
desta publicação.

Apesar dos melhores esforços dos autores, da tradutora, do editor e dos


revisores, é inevitável que surjam erros no texto. Assim, são bem-vindas
as comunicações de usuários sobre correções ou sugestões referentes ao
conteúdo ou ao nível pedagógico que auxiliem o aprimoramento de
edições futuras. Os comentários dos leitores podem ser encaminhados à
LTC — Livros Técnicos e Científicos Editora pelo e-mail
ltc@grupogen.com.br.

Traduzido de
CONTEMPORARY URBANISM IN BRAZIL BEYOND BRASÍLIA,
First edition
Copyright © 2009 by Vicente del Rio and William Siembieda
All rights reserved
Gainesville: University Press of Florida, 2009
ISBN: 978-0-8130-3536-9

Direitos exclusivos para a língua portuguesa


Copyright © 2013 by
LTC — Livros Técnicos e Científicos Editora Ltda.
Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional

Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste


volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer
meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na internet
ou outros), sem permissão expressa da editora.

Travessa do Ouvidor, 11
Rio de Janeiro, RJ __ CEP 20040-040
Tels.: 21-3543-0770 / 11-5080-0770
Fax: 21-3543-0896
ltc@grupogen.com.br
www.grupogen.com.br

Capa: Leônidas Leite


Produção digital: Geethik
Ilustração da capa: Pintura de Luiz Carlos de Menezes Toledo
Ilustrações de abertura de parte: Christian Monnerat

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
D486

Desenho urbano contemporâneo no Brasil/organizadores Vicente del Rio e


William Siembieda ; [tradução Denise de Alcantara]. - 1. ed. - [Reimpr.]. -
Rio de Janeiro : LTC, 2018.il. ; 28 cm.

Tradução de: Contemporary urbanism in Brazil: beyond Brasília


Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-216-2465-3

1. Desenho urbano - Brasil 2. Urbanismo - Brasil. I. del Rio, Vicente,


1955-
II. Siembieda, William J.
13-03249 CDD: 711.43
CDU: 711.432
Comentários sobre a Edição Norte-Americana

“Altera radicalmente o nosso entendimento no momento em


que o Brasil está assumindo o seu lugar no palco mundial. Seu
foco em forma urbana, desigualdades, planejamento e
democracia irá interessar pesquisadores urbanos, professores,
profissionais e políticos no mundo todo.”
Michael Dear, professor titular da University of California,
Berkeley

“Eu sempre quis visitar o Brasil, mas depois de ler (este livro)
sinto-me desencorajado. Antes, eu poderia ter feito uma
viagem rápida, talvez um ecotour na Amazônia seguido por
uns dias no Rio, mas agora preciso de várias semanas para
visitar meia dúzia de grandes cidades brasileiras (...) Este livro
é uma coleção estimulante de artigos de urbanistas e
arquitetos brasileiros, e lida não apenas com urbanismo
contemporâneo no seu país, mas também com a história que
levou ao urbanismo que hoje é contemporâneo.”
Frank Gruber, jornalista do The Huffington Post

“Claramente o melhor livro sobre urbanismo brasileiro. Um


instrumento fundamental para se estudar, entender, valorizar e
tirar lições da experiência urbana brasileira, o que é
particularmente importante aos urbanistas de hoje... A
aventura brasileira – com seus erros e conquistas – é
extremamente atraente, sugestiva, pedagógica e,
definitivamente, admirável; este livro abre uma porta e nos
convida a entrar em um ambiente mágico – desconhecido para
a maioria de nós, senão desvalorizado ou esquecido.”
Javier de Mesones, presidente honorário da Associação de
Urbanistas Espanhóis e membro fundador da Associação
Internacional de Planejadores Urbanos e Regionais
(ISOCARP)

“Soberbamente ilustrado, este livro cobre um impressionante


conjunto de experiências urbanas no Brasil. Trata-se de uma
referência para aqueles interessados em urbanismo
contemporâneo em países em desenvolvimento, e demonstra
claramente que a cidade é um instrumento para a obtenção de
justiça social; que o lugar, o projeto e a sensibilidade ao
multiculturalismo são importantes; e que a democracia
participativa é forjada através da experiência e do desenho da
esfera urbana.”
Peter Ward, professor titular da University of Texas, Austin

“Oferece aos estudiosos uma discussão atualizada sobre a


evolução do urbanismo em um país que tem exercido
liderança na aplicação do estado da arte ao desenvolvimento
urbano.”
Eduardo Rojas; analista-chefe do Banco Interamericano de
Desenvolvimento

“Este livro irá agradar o leitor interessado em cidades


mundiais, assim como o amante do Brasil e de sua gente,
buscando atualizar seu entendimento sobre a evolução e o
estado das suas áreas urbanas. Os maravilhosamente
detalhados estudos de caso de diversas cidades incluem
aquelas que continuam sendo relativamente pequenas e as
que se tornaram megacidades mundiais. Aprendemos sobre
sua história, as forças sociopolíticas que as moldam e as
formas físicas resultantes.”
Anne Vernez Moudon, professora titular da University of
Washington, Seattle

“O Brasil é um país imenso onde uma enorme variedade de


demandas e oportunidades de planejamento e projetos
urbanos tem surgido durante as últimas décadas. O país foi
abençoado com um grupo de profissionais extraordinariamente
competente e criativo (...). Muito se pode aprender sobre os
mecanismos usados para alcançar a variedade de resultados
positivos nas cidades brasileiras (...) É chegado o momento de
planejadores, urbanistas e arquitetos olharem o Brasil e
aprenderem a partir dos objetivos para melhorar a qualidade
de vida dos cidadãos, dos mecanismos criativos utilizados
para alcançá-los, e dos êxitos e limitações dos modelos e
procedimentos utilizados... Esta é a importante lição que
precisamos aprender. A publicação deste livro é sem dúvida
oportuna.”
Jon Lang, professor da University of New South Wales,
Austrália (da Apresentação da Edição Norte-Americana)
Sumário

Prefácio da Edição Brasileira


Apresentação da Edição Norte-Americana
Agradecimentos
Sobre os Autores

INTRODUÇÃO O CONTEXTO DO DESENHO URBANO NO


BRASIL

PARTE MODERNISMO TARDIO – Esforços para Controlar a


I Forma e a Função Urbanas

CAPÍTULO 1 BRASÍLIA: PERMANÊNCIA E METAMORFOSES


Maria Elaine Kohlsdorf, Gunter Kohlsdorf e Frederico
de Holanda

CAPÍTULO 2 PALMAS: DESENHO URBANO DA CAPITAL DO


TOCANTINS
Dirceu Trindade

CAPÍTULO 3 A PAISAGEM VERTICALIZADA DE SÃO PAULO: A


INFLUÊNCIA DO MODERNISMO NO DESENHO
URBANO CONTEMPORÂNEO
Silvio Soares Macedo

CAPÍTULO 4 SHOPPING CENTERS E O DESENHO URBANO


NO BRASIL: DOIS ESTUDOS DE CASO EM SÃO
PAULO
Gilda Collet Bruna e Heliana Comin Vargas

PARTE REVITALIZAÇÃO – O Desafio de Melhorar a Cidade


II Existente

CAPÍTULO 5 O PROJETO CORREDOR CULTURAL:


PRESERVAÇÃO E REVITALIZAÇÃO NO CENTRO
DO RIO DE JANEIRO
Vicente del Rio e Denise de Alcantara

CAPÍTULO 6 REVISITANDO O PELOURINHO: PRESERVAÇÃO,


CIDADE-MERCADORIA, DIREITO À CIDADE
Ana Fernandes e Marco Aurélio A. de Filgueiras
Gomes

CAPÍTULO 7 REVITALIZAÇÃO DE ORLA FLUVIAL NA


AMAZÔNIA – O CASO DE BELÉM DO PARÁ
Alice da Silva Rodrigues Rosas e Simone Silene
Dias Seabra

CAPÍTULO 8 REDESENHANDO BROWNFIELDS EM PORTO


ALEGRE
Lineu Castello

PARTE INCLUSÃO SOCIAL – Uma Cidade Melhor para


III Todos

CAPÍTULO 9 DESENHO URBANO, PLANEJAMENTO E


POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO EM
CURITIBA
Clara Irazábal

CAPÍTULO 10 RESGATANDO A IMAGEM DA CIDADE E O


PRAZER DAS RUAS: PROJETO RIO CIDADE,
RIO DE JANEIRO
Vicente del Rio

CAPÍTULO 11 O TERRITÓRIO METROPOLITANO EM


MUTAÇÃO: INTERVENÇÕES URBANAS
CONTEMPORÂNEAS EM SÃO PAULO
Carlos Leite

CAPÍTULO 12 TRANSFORMANDO FAVELAS EM BAIRROS: O


PROGRAMA FAVELA-BAIRRO NO RIO DE
JANEIRO
Cristiane Rose Duarte e Fernanda Magalhães

CONCLUSÃO UM OLHAR ESTRANGEIRO SOBRE O DESENHO


URBANO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO
William Siembieda

BIBLIOGRAFIA
Prefácio da Edição Brasileira

A gênese deste livro começou logo que me radiquei nos EUA


para lecionar na Cal Poly San Luis Obispo, em 2001, quando me
deparei com um grande desconhecimento do que é o Brasil e, mais
ainda, de tudo que diz respeito à produção da cidade e da
arquitetura depois de Brasília. Disposto a preencher essa lacuna e
a mostrar que o Brasil não era só o país do futebol, da bossa nova,
das favelas, e do que se retratava na mídia sensacionalista, no
final de 2002, montei o projeto de pesquisa Contemporary Urban
Design in Brazil: Beyond Brasília, recebendo apoio da Graham
Foundation for the Advancement of Studies in the Fine Arts,
prestigiosa fundação em Chicago.
Contando com a colaboração de meu colega e amigo William
Siembieda, o projeto de pesquisa virou projeto de livro, e demos
início a uma longa jornada de estudos e identificação de
experiências representativas no Brasil e de trabalho com diversos
colegas colaboradores. Inicialmente as editoras norte-americanas
contatadas rejeitaram a ideia do livro porque: a) elas esperavam
um livro centrado em projetos “fotogênicos” no campo da
arquitetura, mas o nosso enfoque de desenho urbano era por
demais amplo; e b) temiam que focar no Brasil reduziria muito o
“mercado consumidor”. Finalmente nos rendemos à compreensão
estreita de desenho urbano das editoras e alteramos o título
original em inglês de urban design para urbanism; nosso livro ficou
intitulado Contemporary Urbanism in Brazil: Beyond Brasília. Isso
fez com que as editoras passassem a ver o nosso projeto sob
outra perspectiva – desde as ciências sociais e o planejamento
urbano, o que coincidiu com o auge da última crise econômica
mundial que evidenciou o potencial emergente do Brasil, levando
uma importante editora universitária a aceitar o manuscrito.1 O
sucesso da primeira edição norte-americana, as resenhas
publicadas e os comentários que recebemos de nossos pares
mostraram que acertamos a estratégia e que o urbanismo e o
desenho urbano praticados no Brasil souberam superar o
paradigma modernista e o modelo representado por Brasília, e,
finalmente, que temos muito a ensinar ao mundo.2
No rastro da edição norte-americana, diversos colegas
comentaram que o livro também ajudaria a preencher uma lacuna
no Brasil, pois, embora diversas das experiências analisadas pelos
estudos de caso fossem conhecidas, ainda faltava uma publicação
que reunisse discussões aprofundadas sobre elas sob um olhar
analítico e integrado que mostrasse um quadro mais abrangente
do nosso desenho urbano contemporâneo.
Por outro lado, este livro representa ainda um desdobramento
natural de minha própria trajetória e envolvimento com o desenho
urbano. Há duas décadas publiquei um trabalho direcionado a uma
definição e uma metodologia para o desenho urbano, “profissão”
que eu havia abraçado e que estava apenas surgindo no Brasil (del
Rio, 1990). Naquela época, concluí por defini-lo como “campo
disciplinar que trata da dimensão físico-ambiental da cidade,
enquanto sistemas físico-espaciais e sistemas de atividades que
interagem com a população através de suas vivências, percepções
e ações cotidianas” (del Rio, 1990: 54). Desde então muito se
publicou em desenho urbano, particularmente em inglês, dado o
grande aumento de interesse em torno da qualidade do ambiente
construído e seus rebatimentos em nossas vidas enquanto
indivíduos e seres sociais. Por um lado, esse interesse se encontra
diretamente ligado ao surgimento dos movimentos chamados new
urbanism e smart growth, nascidos nos EUA; pelo outro, aos
esforços mundiais no sentido da sustentabilidade e da qualidade
de vida urbana: ambos se traduzem em cidades, bairros e
arquiteturas voltados para o pedestre e o convívio social cotidiano.
Evidentemente, olhando por outro prisma, o interesse em desenho
urbano também reflete a expansão do capitalismo pós-industrial e
seus movimentos na produção e controle de ambientes urbanos
para o consumo – a fase atual do eterno conflito do homem, tão
antigo quanto a batalha entre o bem e o mal. De todo modo,
embora o entendimento sobre o desenho urbano varie, nos EUA e
em outros países sem tradição do urbanismo, este tende a ser
visto, muitas vezes e equivocadamente, como uma subárea da
arquitetura ou do paisagismo, dadas suas implicações físicas,
apesar de clara interdependência com o planejamento urbano.3
Felizmente, no Brasil, não apenas a arquitetura é compreendida de
forma mais ampla, como também o é a noção de desenho urbano.
Entendido como campo disciplinar, ele cresceu muito nos últimos
anos em terras brasileiras e, de modo geral, convive bem com o
planejamento urbano, o urbanismo, a arquitetura e o paisagismo –
tanto na academia quanto na prática profissional – o que nos
parece fundamental e muito sadio.
Acima de tudo, este livro entende o desenho urbano como,
simplesmente, a construção do lugar – o ambiente construído que
preenche nossos corpos e espíritos e permite a nossa existência
enquanto indivíduos e seres sociais. E traduz bem a nossa busca
por lugares brasileiros, em um movimento antropofágico
contemporâneo. Que este trabalho possa contribuir nesse sentido.
Vicente del Rio
_____________
1
University Press of Florida, Gainesville.
2
Publicado em dezembro de 2009, o livro em inglês esgotou a sua edição original em
capa dura e foi editado em paperback em junho de 2011. As diversas resenhas
publicadas sobre o livro, na mídia especializada e até mesmo no The Huffington Post,
famoso jornal independente da internet, foram altamente positivas.
3
Discutimos os fatores históricos que levaram a isso em del Rio, 1990.
Apresentação da Edição Norte-Americana
O QUE APRENDER COM O DESENHO URBANO BRASILEIRO
1
CONTEMPORÂNEO?

No mundo inteiro as grandes cidades estão tendo que se


reinventar e aprender a lidar com enormes contradições urbanas.
As cidades estão mais heterogêneas, mais politizadas, mais plurais
e mais pragmáticas do que nunca. Mais do que os grandiosos e
otimistas esquemas de tempos ainda recentes, que caracterizaram
o modernismo, hoje as relações entre o global e o local refletem,
sobretudo, processos de adaptação. Trabalhamos cada vez mais
com as complexidades de territórios fragmentados do que com
cidades e áreas urbanas de caráter homogêneo e entendimento
relativamente simples. Novas lógicas definem um novo urbanismo
que não pode escapar de ser global e, simultaneamente, deve
expressar uma localidade, um espaço e um lugar, e possuir
rebatimentos bastante específicos. Isso torna ainda mais evidente
a batalha enfrentada pelas cidades e as comunidades ao tentar
superar desafios políticos, sociais, econômicos e culturais. Nesse
novo urbanismo e no caminho de cidades mais justas, mais
pluralistas e de melhor qualidade de vida, o papel do desenho
urbano é fundamental.
Este livro entende o desenho urbano como a produção social das
cidades e do lugar, em suas dimensões materiais e simbólicas,
utilizando-nos da perspectiva proposta por Cuthbert (2006). As
cidades brasileiras podem ser consideradas exemplos do
urbanismo contemporâneo não apenas por apresentarem todas as
contradições do mundo capitalista em desenvolvimento, mas
também pelas promessas, êxitos e falhas de seus esforços de
planejamento e desenho urbano. As lições aprendidas a partir das
experiências brasileiras podem ajudar a compreender e a saber
lidar com cidades em geral, e contribuem para o avanço do estado
da arte do urbanismo e do desenho urbano, assim como dos
“estudos urbanos pós-colonialistas... descentralizando os marcos
referenciais em prol do conhecimento acadêmico internacional”,
como propõe Robinson (2006:168).

O Livro
Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil é uma investigação
sobre como as cidades brasileiras superaram a hegemonia do
paradigma modernista e estão sendo moldadas no alvorecer do
século XXI. Com doze estudos de caso em oito cidades, nossos
colaboradores discutem os avanços, acertos e erros da prática do
desenho urbano, assim como o papel e as relações políticas e
sociais que definem o seu contexto. Os estudos de caso nos
mostram que o desafio mais importante para o desenho urbano
contemporâneo no Brasil – e, de forma similar, para a maioria dos
países em desenvolvimento – é auxiliar na construção de uma
cidade mais igualitária, que ajude a costurar as lacunas espaciais e
econômicas entre os diversos grupos sociais e entre os domínios
do público e do privado. Pela experiência brasileira pode-se
perceber como modernismo e pós-modernismo convivem e
interagem para formar novas lógicas de utilização do espaço
urbano.
Com o desmoronamento do paradigma modernista, o
desmantelamento do regime militar e o retorno à democracia no
Brasil em meados dos anos 1980, o urbanismo brasileiro começou
a perseguir um novo paradigma e novos modelos para responder
às pressões dos desafios políticos, econômicos e sociais nos
níveis global, nacional e local. A despeito das desigualdades
sociais causadas por um desenvolvimento historicamente
desequilibrado, e mais recentemente pela globalização e pelo
liberalismo, o desenho urbano brasileiro evoluiu para além do
modelo de Brasília e seu modernismo, tornando-se mais eficaz na
resposta às demandas sociais.
As perspectivas e soluções inovadoras da experiência brasileira
proporcionam muitas lições a serem aprendidas, particularmente
no que se refere ao papel das agências estatais e de planejamento
na redução das desigualdades sociais, na resposta às demandas
da comunidade e em garantir o acesso a um domínio público
pluralista. Ao menos em tese, embora seja importante fazer notar,
como fez com propriedade Jones (2004), que o Brasil é o único
país na América Latina – e talvez um dos poucos no mundo –
onde, após a redemocratização, seguiu-se um processo decisivo
sobre que tipo de espaço urbano seria compatível com uma noção
mais inclusiva de cidadania. A Constituição Federal de 1988 inclui
uma visão da função social da propriedade e da cidade, assim
como artigos sobre políticas urbanas e ambientais. O Estatuto da
Cidade de 2001 (Lei Federal no 10.257) responde aos objetivos
constitucionais e regula sua provisão, estabelecendo um quadro
legal bastante progressista para a definição e o controle do
desenvolvimento urbano e o uso do solo. Tanto a Constituição
quanto a lei resultaram de longos debates nacionais em torno da
“reforma urbana” e proporcionam aos municípios ferramentas
fundamentais para a construção de cidades melhores e mais
justas. Essas são mudanças essenciais: como Lefebvre (1968)
afirma, o direito à cidade é uma forma superior de direitos
humanos.
É desnecessário lembrar que este livro não pretende prover uma
visão enciclopédica ou absoluta sobre o desenho urbano
contemporâneo no Brasil. Não apenas pela complexidade do tema,
suas múltiplas facetas e diferentes prismas pelos quais se pode
estudá-lo, mas também porque seria uma tarefa hercúlea, dado o
imenso território de nosso país, com quase 87% de seus mais de
190 milhões de habitantes vivendo em cidades e áreas urbanas,
espalhadas em 5.570 municípios (2013). No presente trabalho
interessou tentar identificar as principais tendências do desenho
urbano contemporâneo brasileiro e cidades e experiências
representativas. Como organizadores e colaboradores, esperamos
que os leitores se beneficiem das discussões aqui apresentadas e
que elas contribuam para o avanço do desenho urbano e o debate
sobre a qualidade das cidades não apenas no Brasil, mas em
outros países.

As Dualidades das Cidades Brasileiras


No Brasil, os agudos contrastes sociais e econômicos estão
intensamente arraigados nas cidades e seus espaços. Durante as
duas últimas décadas, a maioria dos comentários sobre o país e
suas cidades na imprensa internacional foi negativa.2 Tanto
agências de turismo quanto o consulado norte-americano
consideram as grandes cidades brasileiras – particularmente o Rio
de Janeiro – áreas de alto risco devido às elevadas taxas de
crimes de rua e assaltos. Os jornais constantemente expõem a
ineficiência, a brutalidade e a corrupção da polícia, assim como a
pobreza extensiva. Filmes recentes, como Cidade de Deus, Tropa
de Elite e Carandiru pioram a imagem do Brasil no exterior e
aumentam o sentimento de medo da audiência internacional.
Embora um tanto exageradas e distorcidas, as imagens e notícias
dos meios de comunicação expõem problemas reais que o Brasil
enfrenta.
Pode-se exemplificar a natureza contraditória do desenvolvimento
urbano no Brasil observando o Rio de Janeiro, bom representante
dos processos sociais, políticos e econômicos que ditam a forma
das cidades brasileiras. Talvez mais do que qualquer cidade no
Brasil, o Rio é percebido em âmbito internacional por imagens
conflitantes. Sem dúvida, o Rio é uma das cidades mais
problemáticas do Brasil. Para começar, o déficit habitacional é
enorme. Em 2005, um total estimado de 1,4 milhão de pessoas na
área metropolitana morava em habitações sub-humanas (inclusive
favelas, cortiços superpovoados, loteamentos ilegais, entre
outros).3 Desses indivíduos, 88% constituíam famílias cujo
rendimento era três vezes menor que o salário mínimo mensal.
Dados censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) indicam que o número total de favelas na cidade cresceu
de 513 em 2000 para 734 em 2010, abrigando mais do que 1,3
milhão de pessoas – 20% da população total da cidade. E a
realidade é provavelmente pior: a maioria dos pesquisadores
concorda que esses dados são subestimados por causa de
problemas metodológicos na coleta de dados nas favelas. A
paisagem urbana do Rio reproduz a opulência e as amenidades de
primeiro mundo, lado a lado com a miséria e a carência de serviços
básicos do terceiro mundo.
Por outro lado, a violência e a audácia cada vez maior dos
criminosos e do crime organizado no Brasil urbano são alarmantes.
Em 2010, a média de homicídios por arma de fogo no Brasil foi de
20,4 para cada 100 mil habitantes, bem acima do índice
considerado tolerável pela ONU que é de 10, colocando o Brasil
entre os países mais violentos do mundo.4 Neste mesmo ano,
dentre as grandes cidades, o recorde ficou com Maceió, cujo índice
foi de 94,5, enquanto na cidade de São Paulo ele foi de 10,4 e no
Rio de Janeiro, apesar da queda registrada entre 2000 e 2010, ele
foi de 23,5. Os índices de assaltos, arrastões e roubos, com ou
sem violência, colocam as cidades brasileiras entre as mais
perigosas. Um exemplo curioso da audácia dos criminosos que
impacta silenciosamente as nossas cidades são os constantes
roubos dos fios de cobre usados para a iluminação pública e os
semáforos: apenas em agosto de 2011 a cidade de São Paulo
registrou 655 toneladas de cabos roubados!5 A escalada de crimes
gerou uma paisagem urbana de medo intensamente marcada por
condomínios fechados, casas e edifícios gradeados, aumentando o
medo e reduzindo a vida social e noturna.
A Desigualdade Persistente
Thomas Skidmore, estudioso norte-americano que há muito estuda
a história do desenvolvimento brasileiro, nota que a derradeira
contradição da sociedade brasileira é que, apesar da justa
reputação de sua generosidade pessoal, o país e o fato de que
continua a ser uma das sociedades mais desiguais, representando
“todos os problemas do mundo capitalista em desenvolvimento”
(Skidmore, 1999: xiii). Historicamente, os modelos de
desenvolvimento definidos pelas classes dominantes brasileiras
nunca favoreceram uma distribuição mais equilibrada de riqueza, e
sua participação assimétrica na globalização está apenas piorando
a situação (Skidmore, 1999; Sachs, 2001; MacLachlan, 2003).
Mesmo após a democratização, o perfil econômico da população
brasileira ainda não mudou o suficiente para resgatar as dívidas
históricas. Embora tenha havido uma queda da pobreza e o poder
de compra das populações de baixos salários tenha aumentado
desde que a espiral inflacionária estancou nas últimas duas
décadas, as desigualdades sociais e a concentração de renda
ainda estão entre as piores do mundo. Segundo recente relatório
da ONU, o Brasil é o quarto país mais desigual da América Latina.6
Os dados censitários de 2010 mostram que, enquanto os 10%
mais ricos da população brasileira ganhavam 44,5% do total de
rendimentos, os 10% mais pobres ficavam com apenas 1,1%. Essa
situação de desigualdade levou Sachs (2001) a afirmar que o
Brasil é um país pobremente desenvolvido por ter adotado um
modelo de crescimento socialmente perverso, no qual a riqueza é
progressivamente concentrada. Esperamos que o processo
democrático e um desenvolvimento econômico mais justo venham
a, por fim, alterar mais significativamente essa trajetória.
Nesse contexto, a escala e a complexidade da questão urbana no
Brasil são imensas. A população total cresceu de 52 milhões em
1950 para mais de 190 milhões de pessoas em 2010, e no mesmo
período a porcentagem de habitantes urbanos cresceu de apenas
36,1% para além dos 85%. Em 2010 o Brasil possuía 14 cidades
com população superior a um milhão de habitantes, e, embora as
grandes cidades não estejam experimentando tanta migração
como ocorrido no passado, as cidades médias vêm crescendo em
um ritmo muito mais acelerado e, como previsto, têm acumulado
os mesmos problemas enfrentados pelas grandes metrópoles.
Além disso, os dados sobre as grandes cidades podem ser
enganosos. Por exemplo, a Grande São Paulo – uma conurbação
de 39 municípios – ocupa quase 125 km2, e sua população de
aproximadamente 19 milhões de pessoas (2010) pode chegar a 21
milhões em 2015 (Wilheim, 2001:476). Embora entre 2001 e 2010
a população da Grande São Paulo tenha crescido a uma taxa
inferior a 1%, o Grande ABC sofreu aumento populacional de mais
de 4% no mesmo período, tendo o município de Mauá uma
variação de 8,61%!
As cidades brasileiras também enfrentam grandes conflitos em
outro nível. A globalização, as forças transnacionais e de mercado
e o modelo empresarial de gestão urbana estão gerando cidades
cada vez mais fragmentadas, com espaços privatizados, shopping
centers, condomínios fechados e enclaves sociais. No Brasil, nas
últimas duas décadas, a globalização econômica se aliou ao
liberalismo na construção da cidade, e muitos veem a cidade como
um produto a ser rotulado e vendido em mercados nacionais e
internacionais, como um empreendimento que deve ser tomado
como qualquer outro negócio e como lugar para a “economia
criativa” (Arantes, Vainer e Maricato, 2000). Nas grandes cidades,
o planejamento integral e de longo prazo está perdendo terreno
para o planejamento estratégico baseado no “urbanismo de
resultados”: projetos que são visíveis com efeitos de curto prazo.
Vejamos agora o lado positivo da moeda, iniciando pelo Rio de
Janeiro. Em primeiro lugar, assim como o Brasil, o mundo ainda
comparte muitas imagens positivas da cidade, graças, por
exemplo, à política de boa vizinhança dos EUA durante os anos
1950 e 1960 e à reputação internacional do futebol e da música
brasileira. Diversos aspectos da metrópole carioca – seu ambiente
urbano, sua linda paisagem, seu oceano e suas praias, sua música
e sua complexa rede de atrações culturais e animados espaços
públicos – tornam o Rio atrativo, diversificado, interessante, e uma
“cidade celebrada internacionalmente” (Kotler et al., 2006:151). O
Rio é conhecido como capital do samba e dos desfiles de
Carnaval, pela bossa nova e as “garotas de Ipanema”, pela cultura
praiana e pelo estilo de vida distintamente carioca, além de ser o
berçário de muitos outros movimentos, estilos e símbolos culturais.
Hoje, a vida noturna no Rio ainda anda bem e saudável. As
tradicionais áreas de boemia, os centros de bairro, os espaços
revitalizados do Centro, juntamente com as festas populares e o
Carnaval, os já tradicionais fogos de artifício de Ano-novo ao longo
das praias, os eventos e concertos públicos, são muitas as
atrações que continuam levando multidões a conviverem nos
espaços públicos cariocas durante todo o ano.
Em nível internacional, apesar de uma percepção negativa do Rio
ainda persistir por causa do estigma da criminalidade, conforme
mencionado anteriormente, uma pesquisa que durou seis anos e
envolveu 23 países, feita por uma equipe de psicólogos sociais da
Universidade Estadual da Califórnia em Fresno, concluiu, em 2003,
que o Rio de Janeiro era a “cidade mais hospitaleira do mundo”,
seguida por San José, na Costa Rica, e Madri, na Espanha. O
estudo sugere que a hospitalidade, a espontaneidade e a abertura
do carioca, que está sempre pronto para ajudar e fazer novos
amigos, são virtudes fundamentais no Rio. Mais recentemente,
uma pesquisa entre os membros ligados ao Urban Land Institute,
associação de pesquisa em desenvolvimento urbano com sede em
Washington, classificou o Rio como uma das cidades favoritas fora
dos Estados Unidos, pelas suas qualidades singulares.7
Do ponto de vista da macroeconomia, as coisas parecem estar
indo bem no Brasil, que, há muito lidera a economia da América do
Sul e é atualmente considerado uma das mais importantes
economias do mundo. O retorno da democracia nos anos 1980 e a
estabilização da economia nos anos 1990 pavimentaram o
caminho para uma nova posição do Brasil na comunidade global.
Em 2011, os investimentos estrangeiros diretos no país atingiram o
valor recorde de US$ 101,7 bilhões, o melhor resultado desde
1947.8 No entanto, apesar de a confiança no Brasil ter aumentado
entre banqueiros e investidores na última década e de o “custo
Brasil” ter diminuído significativamente, a competitividade do país
ainda é considerada muito baixa em nível internacional.9 Em 2012,
por exemplo, o Brasil caiu duas posições, para 46o no ranking entre
os 59 países cujo desempenho é avaliado todos os anos pelo IMD
- Institute for Management Development e publicado no seu
Anuário de Competitividade Mundial.
Um fato importante na melhora da imagem internacional do Brasil
foi que, em 2006, o Brasil anunciou a sua autossuficiência na
produção de petróleo, o que, junto com a entrada profícua do
etanol feito a partir da cana-de-açúcar na indústria automotiva,
iniciada nos anos 1970, configurou importante passo em direção
ao desenvolvimento econômico. Além disso, com a crescente
preocupação mundial sobre os efeitos negativos da queima de
combustíveis fósseis, o Brasil tem sido elogiado por seu
pioneirismo no uso de etanol e gás natural como fontes de energia
alternativas. Em filme da campanha política do governo da
Califórnia de 2006, o ex-presidente americano Bill Clinton defendia
políticas apoiando a energia alternativa e aclamava as realizações
brasileiras, dizendo: “Se o Brasil pode fazê-lo, a Califórnia também
pode.”
As reformas institucionais no Brasil também pavimentaram o
caminho em direção a cidades melhores e mais justas e abriram
canais para maior participação cidadã. Desde a queda do regime
militar, os movimentos sociais nacionais e uma crescente
participação da população na vida pública elevaram as
expectativas de uma nova ordem social e as pressões para a
construção de cidades mais responsivas às demandas sociais e à
herança cultural brasileira. Observando de uma perspectiva
internacional, não foram poucos os avanços desde a instituição da
Constituição Nacional de 1988: o Estatuto das Cidades, os
processos de orçamento e o planejamento participativo adotados
em diversos municípios, os milhares planos diretores revisados e
finalizados, o fundamental trabalho do Ministério das Cidades e
outros avanços em planejamento e projeto em níveis nacional,
estadual e municipal. Como Skidmore (1999: xiii) observou, o
Brasil é “uma das mais impressionantes realizações em termos de
construção de nação no mundo moderno”.

Fundamentos deste Livro


O presente livro é uma investigação sobre como o desenho urbano
brasileiro tem respondido a antigas e novas dualidades e como tem
se adaptado às complexidades da cidade contemporânea.
Enquanto se transforma em um estado moderno, o Brasil enfrenta
sérios e persistentes problemas, e já existe uma consciência geral
de que a cidade é uma arena fundamental para engendrar o
desenvolvimento equilibrado, a justiça social e a plena cidadania.10
Veremos que essa coincidência tem gerado muitas respostas
distintas e eficazes e novos modelos de desenho urbano.
Se entendermos modernismo como a expressão de um processo
específico de modernização (Harvey, 1989; Jameson, 2006),
veremos que em muitos aspectos a condição moderna nunca foi
plenamente atingida no Brasil, e, assim, que a modernidade
permanece incompleta. Entretanto, em contraste com Jameson
(2006), que vê o pós-modernismo como um fenômeno que ocorre
somente após o triunfo da lógica modernista, em nossa análise
sobre o urbanismo e o desenho urbano brasileiro, notamos que os
modelos do modernismo e do pós-modernismo coexistem.
Por um lado, a implementação de uma agenda de modernização
ainda conduz a construção da cidade brasileira, como claramente
sugere a visão contida no quadro institucional e legal. Apesar do
significativo aumento da participação democrática e das parcerias
público-privadas em anos recentes, a cultura do urbanismo e do
desenho da cidade brasileira se baseia, fundamentalmente, em um
projeto político nacional e em um sistema governamental
centralizado e paternalista que busca o bem-estar público. Os
projetos políticos, assim como as ações em níveis nacional,
estadual e municipal, a forma e a estrutura urbanas refletem a
lógica capitalista da propriedade. Percebemos ainda, em termos de
morfologia, função e expressão, que o urbanismo, e
consequentemente o desenho urbano pós-moderno, vem
ocorrendo nas cidades brasileiras e que múltiplas lógicas de
produção do espaço urbano têm emergido. Isso pode conduzir a
um rico conjunto de projetos de cunho local, guiados não por uma
ideologia totalitária de avanço coletivo, mas por uma expressão
localizada do que realmente importa e funciona para as pessoas
em suas cidades e bairros.
De acordo com Maricato (1997), o planejamento no Brasil possui
uma forte herança positivista (e, portanto, modernista), que,
historicamente, conduziu o Estado a assumir um papel central na
promoção do equilíbrio econômico e social e na garantia da
existência de um mercado consumidor. Mesmo nos presentes
tempos de desregulamentação e liberalização da economia, o
Estado é o responsável por evitar as disfunções do mercado e
garantir a reprodução da força de trabalho. Nessa visão, o desenho
urbano é tão fundamental para a equidade social e as estratégias
de desenvolvimento quanto o é para os investimentos de capital e
social, a reprodução da força de trabalho e a valorização
progressiva da propriedade do solo.
Por outro lado, a condição pós-moderna brasileira surge na medida
em que o projeto de modernização nacional se afastou de um
processo de “destruição criativa” (Harvey, 1989: 22), vindo a
aceitar diferentes realidades concorrentes. A concomitância de
ambos os paradigmas pode ser um lembrete de que o projeto
modernista tenha permanecido inacabado (Jameson, 2006; del Rio
e Gallo, 2000). Talvez o quadro conceitual do pós-modernismo
seja a melhor ferramenta para o entendimento da experiência
urbana contemporânea brasileira, como também a de outros
países com uma história de colonialismo e ditadura. A atenção do
pós-modernismo sobre o papel do espaço e da construção da vida
cotidiana proporciona uma forma de entendimento da ação social
(Dear, 2000). Por exemplo, São Paulo, assim como Los Angeles, é
polinucleada e fragmentada e tem um espraiamento substancial
para além de suas franjas. Em ambos os casos, os mecanismos de
produção social e simbólica do espaço, ainda que conduzidos por
bases históricas, refletem fortes tendências pós-modernas.
Com a democratização e as novas forças políticas e econômicas
sendo expressas nas cidades, o desenho urbano brasileiro
enfrenta um dilema pós-moderno similar ao que os EUA e os
países europeus enfrentaram por décadas: a contradição entre
interpretar um papel sinóptico e reativo (refletindo verdades e
ideais universais) versus um papel oportunista e proativo (refletindo
respostas a demandas de mercado e ao oportunismo político)
(Loukaitou-Sideris e Banerjee, 1998). Esse dilema assombra
planejadores e urbanistas contemporâneos e reflete as oposições
entre os sistemas de valor do modernismo e do pós-modernismo
(Ellin, 1999): deveria nossa luta ser por mudanças estruturais
duradouras, ou deveríamos agir no sentido de promover diferenças
limitadas e localizadas? As cidades brasileiras expressam esse
dilema, e ambos os lados parecem se complementar e se
alimentar das consequências um do outro, enquanto as paisagens
urbanas do país revelam as tensões entre global e local, público e
privado, coletivo e individual. Assim como a cultura brasileira, essa
tensão resulta em tentativas positivas de tornar a cidade uma parte
valorizada da vida brasileira.
Em reconhecimento a essas demandas, aos vários problemas de
desenvolvimento e à necessidade de um largo espectro de
soluções, o desenho urbano brasileiro superou o domínio
modernista e agora o considera um entre outros modelos
possíveis. Tomando por base a tipologia proposta por Lang (2005),
o desenho urbano brasileiro se afastou do “projeto total” em
direção a soluções incrementais e a varejo. A universalidade da
solução modernista, seu funcionalismo, a mentalidade de que um
tamanho serve a todos e a percepção de que o projeto se inicia por
uma tábula rasa, por exemplo, não mais fazem parte dos discursos
cultural e de projeto. Problemas complexos não podem mais ser
reduzidos a simples fórmulas, nem suas soluções podem ser
baseadas somente no racionalismo. Nesse sentido, o desenho
urbano brasileiro se tornou pós-moderno, não como reprodução
reacionária do status quo sob novas formas nem como um novo
discurso estético – o que é totalmente irrelevante aqui –, mas
porque reconheceu a fragmentação, a heterogeneidade, as
diferenças, o pluralismo e o pragmatismo (Harvey, 1989; Jameson,
2006; Dear, 2000). Isso muda a concepção da cidade e de sua
cultura, reconhece os precedentes históricos e as diferentes
tipologias, valoriza as soluções de cunho local e as parcerias
público-privadas e leva à participação comunitária e à democracia
como forças dominantes (Watson e Gibson, 1995; Ellin, 1999).
Assim, reconhecendo tipos distintos de processos de construção
de cidade, pode abarcar a diversidade e permitir respostas a
diferentes públicos, ao mesmo tempo em que aceita distintas
formas de expressão cultural.
Os artigos e estudos de caso deste livro mostram um desenho
urbano que é a resposta a um urbanismo pós-moderno como
processo social de produção e consumo do espaço público (Dear,
2000). Nesse processo existe uma polaridade constante entre, por
um lado, mercados versus lugares e desapego versus
pertencimento, e, por outro lado, entre o domínio público versus o
privado como expressão do uso e da significância do espaço
urbano (Zukin, 1988). A desregulação, por exemplo, é uma faceta
interessante, já que parece ser um dos modus operandi do
urbanismo pós-moderno. Sem dúvida, a desregulação vem
definindo novas relações econômicas e de poder no nível das
superestruturas nacional e regional; entretanto, seus efeitos nas
cidades não são tão evidentes. Em contraste, a participação
democrática e a nova legislação nacional introduziram as cidades
brasileiras em uma nova era de regulação de uso do solo e
desenvolvimento urbano. São oportunidades que provavelmente
resultarão em mais heterogeneidade, pluralismo e pragmatismo
por todo o país. Esses efeitos estão em evidência em cidades que
têm buscado reinventar o seu propósito social por meio de
programas inovadores, tais como o orçamento participativo. E,
ainda assim, a sociedade brasileira crê firmemente em um modelo
de desenvolvimento nacionalista e avançado e que as cidades e
um desenho urbano consciente podem mudar a sociedade e
alcançar estágios mais avançados de desenvolvimento humano e
social.
Os leitores certamente irão notar o tom otimista sobre os rumos do
desenho urbano contemporâneo no Brasil deste livro. Esperamos
demonstrar que o Brasil está forjando um desenho urbano criativo
pós-moderno, no sentido em que ele aceita diferentes lógicas e
modelos ao abraçar a busca nacional por cidades melhores e mais
justas.

Estrutura do Livro
Inegavelmente, encontramos várias mudanças positivas no
desenho urbano brasileiro contemporâneo. Muitas cidades estão
investindo na remodelação do domínio público por meio de
diversas abordagens que provam que o modernismo e o pós-
modernismo realmente coexistem. Um aspecto positivo do
urbanismo contemporâneo brasileiro é o uso de forças
complementares advindas tanto do modernismo quanto do pós-
modernismo.
O livro se inicia com uma discussão sobre a evolução do
urbanismo no Brasil, de modo a proporcionar aos leitores não
familiarizados com essa faceta do desenvolvimento brasileiro uma
base histórica para o entendimento das condições atuais. A
Introdução apresenta as principais razões pelas quais o
modernismo continua a ser uma forte influência na construção das
cidades, para melhor (incorporando a funcionalidade tão
necessária em áreas de rápido desenvolvimento, por exemplo) ou
para pior (facilitando a segregação espacial e social, por exemplo).
Também comentamos sobre alguns dos efeitos negativos do livre
mercado e da economia global nas cidades brasileiras, e também
sobre as mudanças positivas recentes nos contextos político-
institucional e legal que têm conduzido a processos mais
democráticos e a um desenho de cidade mais socialmente
responsivo.
O livro divide-se em três partes, refletindo as três tendências que
consideramos as principais no desenho urbano brasileiro
contemporâneo, resultado de um estudo prévio cuidadoso sobre o
desenvolvimento das cidades e o do desenho urbano no Brasil.
Escolhemos aquelas experiências de construção de cidade que
pudessem contribuir para um melhor entendimento de uma nação
em desenvolvimento e que pudessem ensinar lições úteis ao
mundo desenvolvido. Infelizmente, como dito anteriormente, devido
à enormidade de nossa tarefa, tivemos que ser muito seletivos em
nossas escolhas de estudos de caso.
Dezoito pesquisadores colaboram, com doze estudos de caso em
oito diferentes cidades, representando regiões e realidades
distintas no Brasil. As cidades selecionadas variam desde as
metrópoles globais e mais populosas até capitais regionais. Os
estudos de caso ilustram os diferentes modos com que o desenho
urbano brasileiro tenta alcançar a grande meta de auxiliar no
avanço da teoria – e, portanto, responde ao paradigma original da
modernidade. Diferentemente do tempo em que a modernidade
dominava o desenvolvimento urbano brasileiro, não há, no
presente momento, nenhum modelo universalmente aceito ou uma
doutrina que dite as soluções de todas as cidades.
Na introdução de cada parte do livro, discutimos brevemente as
tendências mais relevantes e os estudos de caso que as
representam. O fato de que identificamos o modernismo tardio
como primeira tendência não configura uma novidade, devido à
enorme importância política e cultural do modernismo no período
de formação do Brasil como um estado moderno nos anos 1930
até o final da ditadura militar, no início dos anos 1980. O
paradigma modernista serviu como uma combinação perfeita aos
ideais positivistas da jovem nação sedenta de modernização e
desenvolvimento, desde o início do processo de industrialização e
integração, a construção de Brasília, e a reconstrução da nação
nos anos 1960 e 1970. O regime militar centralizou o poder e se
apoiou no modernismo em sua busca totalitária, tecnocrática e
racionalista por uma ordem social ideal (Holston, 1993; Harvey,
1989). O modernismo bem serviu aos grandes projetos de
desenvolvimento e ao desenvolvimento capitalista com suporte do
Estado durante o regime militar.
Após meio século de domínio da cena cultural e política brasileira,
o paradigma modernista, como era de se esperar, permanece
sendo uma forte influência. Os estudos de caso mostrarão como os
preceitos modernistas ainda estão presentes em grande parte do
urbanismo brasileiro e seu desenho urbano, particularmente na
legislação urbanística existente e na perspectiva positivista dos
líderes políticos e das políticas urbanas. Entretanto, obrigado a
reconhecer a existência de diferentes conjuntos de valores, o
urbanismo modernista no Brasil passou a coexistir com outros
urbanismos, modificados para o que optamos por denominar
Modernismo Tardio, tendência que toma a primeira parte do livro.
Os estudos de caso apresentados conduzem o leitor a Brasília
(onde o “modernismo clássico” sobreviveu entre outras morfologias
urbanas nem sempre reconhecidas) e à capital Palmas (um grande
exemplo de cidade racionalista construída nos anos 1990), para a
paisagem dominantemente verticalizada de São Paulo e seus
shopping centers vistos como polos de crescimento. Veremos que,
assim como o modernismo, o modernismo tardio se revela como
uma batalha para controlar o desenvolvimento urbano, sua forma e
função, em prol de um futuro previamente idealizado.
A segunda parte do livro lida com a Revitalização, outra tendência
do desenho urbano contemporâneo brasileiro. Como o
ressurgimento da democracia no Brasil em meados dos anos 1980
coincidiu com o auge de uma grave crise econômica e de
estagnação, tirar proveito da cidade existente da melhor forma
possível e respeitar os contextos social e físico passou a ter
sentido em termos políticos e econômicos. Naquela época, o
fortalecimento dos movimentos ecológicos e da participação
pública e o crescente interesse em preservação e em marketing
urbano com foco em lugares começaram a reorientar o desenho
urbano para longe do paradigma modernista de “destruição
criativa” (Harvey, 1989:16). Política e economicamente, o modelo
corbusiano de urbanismo tipo ”arrasa-quarteirão” tornou-se quase
impossível.
Dos esforços profícuos do Projeto Corredor Cultural no Rio de
Janeiro, à renovação controversa do Pelourinho em Salvador, à
revitalização das áreas ribeirinhas de Belém e à revitalização
conduzida pela iniciativa privada de áreas industriais em Porto
Alegre, os estudos de caso de revitalização demonstram a luta
nacional para aprimorar a cidade existente, usando a história e o
contexto como recursos sociais, econômicos e culturais. Nesse
sentido, o desenho urbano contemporâneo brasileiro está mais
perto dos ideais pós-modernistas: como demonstrado pelos
estudos de caso, ele reconhece o valor dos precedentes históricos,
de usos diversificados, do desenvolvimento sustentável e do
crescente papel das comunidades e do setor privado como
parceiros nos projetos.

Você também pode gostar