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TEIMOSA
A construção Social da Brasília
recifense e a (r)existência
do seu amanhã
PAISAGEM
TEIMOSA
A construção Social da Brasília
recifense e a (r)existência
do seu amanhã
RECIFE | 2017
Não tinha como ser
diferente. Dedico esse
trabalho aos moradores da
Brasília, que com sua teimosia
e brio, têm ensinado a cidade
do Recife a {r}existir.
AGRADECIMENTOS
O que aprendi estudando a Brasília vai muito além do que está condensado nas páginas
que se seguem. Tive a oportunidade de conhecer não somente sobre a profissão que escolhi,
sobre o Recife, sobre a paisagem e sobre a comunidade Teimosa. Comecei a entender e a
descobrir um pouco mais sobre a vida, a natureza humana e sobre os sen mentos e a energia
vital que nos mo va como pessoas e como sociedade a (r)exis r.
Sem dúvidas, esse trabalho carrega muito de mim, mas também é o resultado da
contribuição de muitas pessoas queridas que es veram comigo durante todo o meu processo
de graduação e de pesquisa. Seria impossível contemplar a todos, mas aqui, gostaria de
agradecer diretamente àqueles que foram fundamentais para que eu trilhasse esse caminho e
chegasse até esse fechamento de ciclo pessoal e profissional.
Em primeiro lugar agradeço a minha família. Aos meus pais, Alba e Gomes, que
passaram pacientemente (às vezes não) pelo o que eu chamo de “ditadura do silêncio”, para
que eu conseguisse me concentrar, estudar e entregar esse trabalho; e as minhas irmãs,
Isadora e Clécia, pelo apoio indispensável que me deram em todos os sen dos.
Gostaria também de agradecer aos meus novos e velhos amigos, pela contribuição e
apoio:
A Thiago e a Bia, que me incen varam, me ajudaram e compreenderam a minha
ausência como madrinha por conta dessa pesquisa.
Às amigas que tropeçaram na minha vida por conta da arquitetura: a Yanne, a
professora do grupo, a Julia, que não sei por onde anda, a Bessa e a Débora, realmente
arquitetas, e a Mari engenheira. As noites de projeto, de maquete e de ponte de macarrão não
teriam sido as mesmas sem vocês.
Aos amigos maravilhosos que me encorajaram durante esse período: Piuzinho, Lins,
Pa nha, Carolzinha, Babi e Clarinha. Agradeço mais uma vez a Lins, por ter deixado esse
trabalho mais poliglota; A Babi, pelas injeções de ânimo; e a Clarinha, pela irmandade, apoio, e
carinho de sempre.
E aos amigos do intercambio e a própria Itália por terem me ensinado tanto.
Profissionalmente, muitos também contribuíram para que eu chegasse até aqui.
Agradeço especialmente:
Às equipes com quem trabalhei na CL engenharia, no GEMFI, no Escritório HZ e no
Pedala PE, e mais diretamente, a Fá ma Nogueira, Erica Costa, Norma Lacerda, Ariadne Paulo,
Kainara dos Anjos, Frederico Lima, Rosaly Almeida e Maíra Travassos.
E aos professores dessa universidade, que vêm me ensinando tantas coisas sobre a
nossa profissão e sobre a vida.
Mais especificamente sobre a Paisagem Teimosa, também são inúmeros os meus
agradecimentos. Dessa forma, meu muito obrigada especialmente:
Mais especificamente sobre a Paisagem Teimosa, também são inúmeros os meus
agradecimentos. Dessa forma, meu muito obrigada especialmente:
A minha orientadora Julieta Leite, que sem dúvidas foi a melhor pessoa que poderia
estar ao meu lado nesse processo. Muito obrigada pela orientação, pelos carões, pelos
conselhos, pela sintonia e pela amizade. Sem a sua contribuição, esse trabalho não teria saído.
Aos calouros Ju, Lua e, principalmente, Wesley, que já nasceu arquiteto. Sou muito
grata pela contribuição linda que vocês me deram.
A Allyson e Clara, amigos que me ajudaram com a revisão dos textos.
A Jamila por ter pensado junto comigo através do ParaINHO.
À Mapoteca da CONDEPE/FIDEM, ao Museu da Cidade do Recife, à FUNDAJ e à
Biblioteca da URB. Sobre esta úl ma, agradeço diretamente a Lucenilda, pelo carinho,
dedicação e confiança.
À professora Lúcia Veras, pela orientação sensível e indispensável para o fechamento
desse trabalho.
À professora Maria Ângela por ter me ajudado inicialmente na construção desse
estudo.
À professora Ana Rita Sá Carneiro, a Ariadne Paulo, a Mirela Duarte, a Fivos de Brito
e a todos aqueles que me auxiliaram com indicações bibliográficas e metodológicas.
Ao Conselho de Moradores de Brasília Teimosa, que tanto me ajudou a entender a
dinâmica do bairro e a sua história.
E por fim, a todos os moradores da Brasília, e em especial, aos que dedicaram um
pouco do seu tempo para par cipar das entrevistas aqui apresentadas. Pontuo
nomeadamente a colaboração de Maninho, que me guiou na comunidade, Den nho,
Celeste, Jane e Wilson. Jamais esquecerei da experiência que ve nesse lugar tão
especialmente construído por vocês: dos sorrisos, das lágrimas emocionadas, das histórias
empolgantes e da alegria de viver. Obrigada por serem tão teimosos e solares. Espero que,
de alguma forma, eu tenha conseguido lhes representar com esse trabalho.
Avante!
Escutem bem,
BRASÍLIA TEIMOSA
*Palavras de Moacir Luiz Gomes, então Presidente do Conselho de Moradores, em um comício realizado
na Rua “D”, atual Rua Badejo, em novembro de 1980.
{ RESUMO
}
A lógica de formação territorial das cidades brasileiras, e notadamente do Recife,
segue uma tendência de mercantilização liberal que vem tratando o território urbano como
mercadoria, não se atentando às relações entre as pessoas e os lugares, nem às
preexistências, aos valores subjetivos e às particularidades físicas e simbólicas desses
últimos. Os espaços urbanos resultantes dessas premissas compõem paisagens neutras, que
não representam a sociedade que a vive e a constrói.
Na contramão desse processo, Brasília Teimosa, comunidade recifense considerada
a ocupação de baixa renda mais antiga da capital, vem resistindo e impondo a sua presença
em um dos locais mais centrais e privilegiados paisagisticamente da cidade, situado em
meio a dois bairros elitizados, o Pina e Boa Viagem. Por conta disso, desde o início da sua
existência, há um conflito entre a sua permanência e a vontade de apropriação do seu
território pelo mercado imobiliário, que deseja expandir a sua atuação para esse bairro sem
considerar a sua história e as suas especificidades, assim como vem fazendo em suas
circunvizinhanças. Esse impasse se traduz palpavelmente ao se analisar a Brasília e o seu
entorno, se refletindo através da formação de um cenário paisagístico conflituoso. O
projeto de paisagem que se enseja à comunidade ameaça a sua existência, neutraliza as
suas particularidades, a sua memória e desimporta as relações existentes entre esse lugar e
os seus moradores, que o construíram e nele vivem atualmente.
Porém, a partir do entendimento que funda esse trabalho, baseado nas teorias de
Jean-Marc Besse, Augustin Berque e Michel Conan, as paisagens devem ser territórios feitos
e habitados pelas pessoas, refletindo as suas vivências, as suas histórias e se permitindo ser
apropriados fisicamente, afetivamente e simbolicamente por elas. Assim, frente à iminência
do apagamento de uma parte importante da história viva do Recife, através das pressões à
permanência do referido bairro no local onde ele se encontra, o presente trabalho tem
como objetivo final traçar Diretrizes Gerais de Conservação para a Paisagem de Brasília
Teimosa. Para elabora-las, estudou-se a construção social paisagística desse lugar partindo
de um olhar baseado no referencial teórico citado, procurando captar quais são os aspectos
relacionais entre ele e as pessoas que nele convivem, e os elementos físicos e subjetivos
que o tornam habitado, único e especial. Por meio do estabelecimento dessas orientações,
busca-se perpetuar a essência dessa paisagem no futuro da cidade.
Capa e Contracapa – Paisagem Teimosa vista do Cais José Estelita. Fonte: acervo pessoal da
autora.
Capa Introdução – Brasília Teimosa e o seu entorno conflituoso. Fonte: acervo pessoal da
autora.
Capa Capítulo 1 – Barcos na orla fluvial da Brasília. Fonte: acervo pessoal da autora. | P.58
Capa Capítulo 2 – A maré e as palafitas de Brasília Teimosa. Foto de Leopoldo Nunes para o
JC Imagens, tirada em 12 de agosto de 2002. Fonte: Flickr etudoverdade. Disponível em:
<https://www.flickr.com/photos/37303517@N02/3432275909/>. Acesso em: 18 jun. 2016.
| P.80
Capa Capítulo 3 – Praia do Buraco da Véia, 2015. Fonte: Flickr Rafael Reines, 2015.
Disponível em: <
https://www.flickr.com/photos/osvaldo_santos/9774222573/in/photostream/>. Acesso em:
15 jun. 2016. | P.184
Capa Capítulo 4 – Barcos na orla fluvial da Brasília. Foto de autoria de Ezequiel Vannoni,
Agência JCM, Foto Arena. Fonte: Flickr Ezequiel Vannoni. Disponível em:
<https://www.flickr.com/photos/52943624@N03/15836203668/>. Acesso em: 18 de jun.
de 2016. | P.264
Capa Conclusão – A Teimosa vista de cima. Foto de Flávio Gusmão, 2009. Fonte: Flickr Flávio
Gusmão, 201-. Disponível em:
<https://www.flickr.com/photos/flaviogusmao/4089822536/in/gallery-anaisismoura-
72157629258981606/>. Acesso em: 14 jun. 2016. | P.346
Capa dos Fundos – Paisagem Teimosa vista do Cais José Estelita e Barcos na orla fluvial da
Brasília. Fonte: acervo pessoal da autora.
INTRODUÇÃO
Imagem 1 – Bairro de Brasília Teimosa. Acima, pode-se ver um pequeno pedaço do bairro
do Pina. Fonte: Skyscrapercity Raul Lopes, 2013. Disponível em:
<http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1451744>. Acesso em: 19 jun. 2016. |
P.51
Imagem 2 – Bairro de Brasília Teimosa e a sua Avenida Beira-Mar, 2013. Foto de autoria de
Marcos Pastich. Fonte: Flickr Marcos Pastich, 2013. Disponível em:
<https://www.flickr.com/photos/marcospastich/12500733143/>. Acesso em: 14 jun. 2016.
| P.51
Imagem 3 – Brasília Teimosa vista a partir de sua orla fluvial (que fica de frente para a Ilha
de Santo Antônio e São José), 2014. Foto de autoria de Ezequiel Vannoni, Agência JCM, Foto
Arena. Fonte: Flickr Ezequiel Vannoni. Disponível em:
<https://www.flickr.com/photos/52943624@N03/15836203668/>. Acesso em: 18 de jun.
de 2016. | P.52
Imagem 2 – Arrecifes vistos do alto do Forte do Picão, 1875. Percebe-se a força desse
elemento paisagístico ao longo da história do lugar. Após os navios, encontram-se os
territórios correspondentes ao atual Bairro do Pina. Autor: Marc Ferrez. Fonte: FERREZ,
1988, p.23. | P.84
Imagem 3 – Panorama feito entre os anos de 1826 e 1832, de autoria de João Steinmann.
Neste recorte, vê-se em primeiro plano o Bairro do Recife, em segundo, os bairros de Santo
Antônio e São José, e em terceiro, a Ilha do Nogueira, ainda em seu estado natural quase
intacto. Fonte: FERREZ, 1984, p.58 e 59. | P.91
Imagem 4 – Vista da paisagem local após a construção do Dique, que se encontra ao fundo.
Em último plano, a Ilha do Nogueira. Foto de Autoria de F. du Bocage, 1910. Título original:
Obras do Porto. Fonte: Villa Digital. Coleção Benício Dias. Acervo Fundação Joaquim
Nabuco. Ministério da Educação. Disponível em:
<http://villadigital.fundaj.gov.br/index.php/fotografias/item/673-obras-do-porto>. Acesso
em: 22 mar. 2017. | P.91
Imagem 5 – Cartão Postal com pintura retratando o bairro do Pina (sem data). Fonte:
Coleção José Paiva Crespo. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da Educação. |
P.92
Imagem 7 – Mocambos do Pina. Pintura sobre papel de autoria de PH. Von Luetzelburg,
1936. Coleção Benício Dias. CEHIBRA - FUNDAJ. Fonte: SILVA, 2008b, p.47. | P.95
Imagem 10 – Cartão postal da Ponte do Pina em 1916. Fonte: Coleção Josebias Bandeira.
Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da Educação. | P.98
Imagem 15 – Ponte do Pina ampliada na década de 1920. Título Original: "A 'gigolô' no
cavalete de via única sobre o Rio Pina na linha de Boa Viagem". Autor desconhecido. Fonte:
The Trams of/Os Bondes do Recife, [20--]. Disponível em:
<http://www.tramz.com/br/re/re20.html>. Acesso em: 19 jun. 2016. | P.102
Imagem 16 – Cartão Postal da Avenida de Ligação, atual Herculano Bandeira, em 1925 (data
aproximada). Foto de Autoria de L. Gabriele. Coleção Josebias Bandeira. Acervo Fundação
Joaquim Nabuco. Ministério da Educação. | P.102
Imagem 18 – Perspectiva do Recife já com o aterro do Areal Novo. Em primeiro plano, vê-se
a Ilha de Santo Antônio e São José, e ao fundo, as áreas correspondentes aos atuais bairros
do Pina e Brasília Teimosa. Fonte: Blog Francisco Miranda, [20--]. Disponível em:
<https://chicomiranda.wordpress.com/tag/fotos-de-recife/#jp-carousel-11735>. Acesso em:
19 jun. 2016. | P.109
Imagem 19 – Foto aérea do aterro recém terminado. Essa península corresponde à maior
parte do território atual da Brasília Teimosa hoje. Acervo do Museu da Cidade do Recife.
Reprodução Assis Lima/ Fundarpe - 2010. Fonte: SILVA, 2008b, p. 52. | P.110
Imagem 20 – Brasília Teimosa recém-loteada (anos 70). Autor e ano desconhecidos. Fonte:
Textos & Contextos: O Blog Almanaque, 2010. Disponível em:
<http://textosehcontextos.blogspot.com.br/2014_07_01_archive.html>. Acesso em: 17
abril 2017. | P.114
Imagem 23 – Vendedor de Caju em Boa Viagem na década de 1940. Como neste exemplo,
uma boa parte da população pobre residente neste bairro e no do Pina e Brasília Teimosa
tinha na natureza o seu meio de subsistência e trabalho. Fonte: Villa Digital. Coleção Benício
Dias. Autoria de Benício Whatley Dias Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da
Educação. Título original: Vendedor de Cajus. Disponível em:
<http://villadigital.fundaj.gov.br/index.php/fotografias/item/3068-vendedor-de-cajus>.
Acesso em: 22 mar. 2017. | P.122
Imagem 26 – Avenida Boa Viagem, década de 1950. Fonte: Villa Digital. Coleção Benício
Dias. Autoria de Benício Whatley Dias. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da
Educação. Título original: Avenida Boa Viagem. Disponível em: <
http://villadigital.fundaj.gov.br/index.php/fotografias/item/1773-avenida-boa-viagem>.
Acesso em: 22 mar. 2017. | P.125
Imagem 27 – Praia de Boa Viagem com sua orla já um pouco verticalizada em 1965. Fonte:
Villa Digital. Coleção Benício Dias. Autoria de Katarina Real. Acervo Fundação Joaquim
Nabuco. Ministério da Educação. Título original: Praia de Boa Viagem. Disponível em: <
http://villadigital.fundaj.gov.br/index.php/fotografias/item/1773-avenida-boa-viagem>.
Acesso em: 22 mar. 2017. | P.126
Imagem 30 – Encontro entre a Avenida Boa Viagem e a Avenida de Ligação (atual Avenida
Herculano Bandeira) na década de 60. Ao fundo, à direita Brasília Teimosa com seu Areal já
loteado e ocupado. Perceber a mudança em relação à paisagem natural original dos bairros,
que nesse período já estava bastante aterrado e com pouco verde e área de mangue. Fonte:
Blog Conheça o Recife Antigo, [20--]. Disponível em:
<http://blogdojmaia.blogspot.com.br/p/historia-do-recife.html>. Acesso em: 18 jun. 2016. |
P.128
Imagem 35 – Cartão postal da Avenida Boa Viagem verticalizada na década de 1970. Fonte:
SkyscraperCity, 2010. Disponível em: <
http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1103073>. Acesso em: 18 jun. 2016. |
P.133
Imagem 37 – Planta esquemática do projeto proposto pela URB para a área de Brasília
Teimosa em 1974. Fonte: ALVES, 2009, p.99. | P.142
Imagem 40 – Protestos contra o “Muro da Vergonha” feito pelo Iate Clube. Fonte: Diário de
Pernambuco. Recife, 23 jan. 1980. Local, p. 5. Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=029033_16&pasta=ano%20198&pes
q=Buraco%20da%20velha>. Acesso em: 28 ago. 2017. | P.146
Imagem 41 – Foto artística de Benoit Doncoeur, em 1983, mostrando o bairro de Brasília
teimosa e a sua precariedade. Fonte: Site Benoit Doncouer, [20--]. Disponível em:
<http://www.benoitdoncoeur.com/es/page_11414.html>. Acesso em: 18 jun. 2016. | P.147
Imagem 42 – Brasília Teimosa no final dos anos 70. Ao centro, o icônico Padre Jaime,
militante do bairro, provavelmente na antiga rua “M”, atual Dragão do Mar. A rua de barro
reflete a situação do bairro como um todo nesse período. Perceber também as casas de
madeira, uma maioria na época. Fonte: acervo do Conselho de Moradores de Brasília
Teimosa. | P.147
Imagem 43 – Mais uma foto da rua “M”, atual Dragão do Mar entre a década de 70 e 80.
Fonte: Brasilina Teimosina (Perfil do Facebook), 2016. Disponível em:
<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=238433876539704&set=a.136866180029808
.1073741827.100011192807604&type=3&theater>. Acesso em: 14 abr. 2017. | P.148
Imagem 44 – Foto Aérea da área do Pina e Brasília Teimosa tirada em 28/12/1979. Foto de
Sidney Waismann. Percebe-se a clara divisão entre os dois bairros feita pelas avenidas
Herculano Bandeira e Antônio de Goes. Fonte: Biblioteca da URB. | P.148
Imagem 47 – Foto aérea de Brasília Teimosa e Pina. Em primeiro plano, o Iate Clube e os
arrecifes, que compõe uma grande linha de força com os arrecifes. Foto aérea tirada em
28/12/1979. Foto de Sidney Waismann. Fonte: Biblioteca da URB. | P.149
Imagem 54 – Palafitas da orla marítima no final dos anos 80. Fonte: acervo do Conselho de
Moradores de Brasília Teimosa. | P.155
Imagem 55 – Palafitas da orla marítima no final dos anos 80. Fonte: acervo do Conselho de
Moradores de Brasília Teimosa. | P.155
Imagem 59 – Vila da Prata em 1987. Fotografia de Valdir Afonso. Fonte: Biblioteca URB. |
P.158
Imagem 60 – Vila da Prata em 1987. Fotografia de Valdir Afonso. Fonte: Biblioteca URB. |
P.159
Imagem 61 – Boa Viagem com orla e interior bastante verticalizados. Foto de autoria de
Gustavo Penteado, tirada em 04 de novembro de 2006. Fonte: Panoramio Google Maps,
2007. Disponível em: <http://www.panoramio.com/photo/465543>. Acesso em: 14 jun.
2016. | P.163
Imagem 62 – Final do Pina e início de Boa Viagem na primeira metade dos anos 2000. Foto
de autoria de Eduardo Lins Cardoso. Fonte: Panoramio Google Maps, 2007. Disponível em: <
http://www.panoramio.com/photo/6278370>. Acesso em: 14 jun. 2016. | P.164
Imagem 63 – Paisagem de Brasília Teimosa e Pina vista dos arrecifes. Foto de autoria de
Diego Bis, tirada em de julho de 2006. Fonte: Flickr Diego Bis. Disponível em: <
https://www.flickr.com/photos/a_leste/197156139/>. Acesso em: 18 jun. 2016. | P.164
Imagem 64 – Obras concluídas em Brasília Teimosa. Provavelmente a Rua Dagoberto Pires
na década de 1990. Fonte: Biblioteca da URB. | P.170
Imagem 67 – Orla após a realocação dos moradores. Sem passar por um projeto de
requalificação, a beira-mar sofria um processo recorrente de ocupação por palafitas. Fonte:
Blog Conselho de Moradores de Brasília Teimosa, 2012. Disponível em: <
http://conselhodemoradoresdebrasiliateimosa.blogspot.com.br/p/fotos-e-videos.html>.
Acesso em: 09 abr. 2017. | P.173
Imagem 68 – Brasília Teimosa e sua orla antes da abertura da Avenida Brasília Formosa.
Perceber a linha de força dos arrecifes na paisagem. Ao fundo, a ilha de Santo Antônio e São
José. Fonte: Site Patrimônio de Todos.gov, 2009. Disponível em:
<http://patrimoniodetodos.gov.br/pastaimagem.2009-07-02.4357058635/brasilia-teimosa-
antes-da-intervencao/image_view_fullscreen>. Acesso em: 18 jun. 2016. | P.174
Imagem 69 – Brasília Teimosa antes da requalificação da orla. Perceber a linha de força dos
arrecifes na paisagem, reforçada pela mureta de contenção. Foto de Alexandre Auler.
Fonte: Flickr Alexandre Auler. Disponível em: <
https://www.flickr.com/photos/alxauler/9170370/>. Acesso em: 18 jun. 2016. | P.174
Imagem 71 – Palafitas em Brasília Teimosa nos anos 2000. É perceptível a falta de estrutura
dessas edificações, que em sua maioria eram feitas de madeira, e conviviam com o esgoto e
o lixo lado-a-lado. Foto de Lívia Brandão. Fonte: Flickr Lívia Brandão. Disponível em:
<https://www.flickr.com/photos/liviabrandao/2057131326/>. | P.175
Imagem 74 – Brasília Teimosa e sua Orla antes das obras de requalificação. Fonte:
FERNANDES, 2010, p.98. | P.178
Imagem 75 – Brasília Teimosa, sua orla e a Praia do Buraco da Véia após a abertura da
Avenida Brasília Formosa. Fonte: Site Patrimônio de Todos.gov, 2009. Disponível em:
<https://gestao.patrimoniodetodos.gov.br/pastaimagem.2009-07-02.4357058635/brasilia-
teimosa-hoje/image_view_fullscreen>. Acesso em: 15 jun. 2016. | P.178
Imagem 76 – Conjunto Habitacional Brasília Teimosa ainda nos anos 2000. Fonte:
FERNANDES, 2010, p.96. Originalmente pertencente ao acervo de Lourdinha Santos. | P.179
Imagem 77 – Conjunto Habitacional Brasília Teimosa ainda nos anos 2000. Observar a
fronteira entre o conjunto e o restante da comunidade. Fonte: FERNANDES, 2010, p.97. |
P.180
Imagem 78 – Entrada do conjunto Habitacional Brasília Teimosa ainda nos anos 2000.
Fonte: FERNANDES, 2010, p.97. | P.180
Imagem 2 – Boa Viagem com seus comércios elitizados e tratamento diferenciado. Avenida
Conselheiro Aguiar, 2016. Fonte: Google Maps Street View, 2016. | P.191
Imagem 3 – A paisagem do Pina verticalizado frente a ZEIS Encanta Moça e ao Parque dos
Manguezais. Foto de autoria Eduardo Câmara Lima. Fonte: Panoramio Google Maps, 2010.
Disponível em: <http://www.panoramio.com/photo/14903263>. Acesso em: 14 jun. 2016. |
P.193
Imagem 4 – Palafitas na ZEIS do Pina. Foto de José Nunes. Fonte: Flickr José Nunes, 2014.
Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/123177437@N06/14245585648/>. Acesso
em: 14 jun. 2017. | P.193
Imagem 5 – Empresariais no Bairro do Pina. Fonte: Olx, 2017. Disponível em: <
http://pe.olx.com.br/grande-recife/lojas-salas-e-outros/sala-no-empresarial-rio-mar-trade-
center-oportunidade-115694508 >. Acesso em: 14 jun. 2017. | P.194
Imagem 6 – Demolição do tradicional Edifício Caiçara na Avenida Boa Viagem após o seu
terreno ser adquirido pela Rio Ave Construtora, 2016. Foto de Bobby Fabisak/ JC Imagem.
Fonte: Jornal do Commercio Online, 2016. Disponível em: <
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2016/04/07/edificio-caicara-e-
demolido-na-avenida-boa-viagem-229935.php>. Acesso em: 14 jun. 2017. | P.196
Imagem 7 – Ponto de encontro entre as orlas de Boa Viagem e Pina, 2013. Perceber a
homogeneidade na paisagem homogênea dos dois bairros. Fonte: Flickr Raul Lopes, 2014.
Disponível em: < https://www.flickr.com/photos/raullopes1983/11796349514/>. Acesso
em: 14 jun. 2017. | P.196
Imagem 8 – Avenida Boa Viagem e os seus prédios próximos à Praia. Fonte: Wikipedia,
2013. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Cal%C3%A7ad%C3%A3o_e_ciclovia_da_Praia_de_B
oa_Viagem_-_Recife,_Pernambuco,_Brasil.jpg >. Acesso em: 14 jun. 2017. | P.197
Imagem 9 – Praia de Boa Viagem sombreada pelos seus edifícios. Foto original pertencente
ao documentário “Um Lugar ao Sol”, de Gabriel Mascaro, 2009. Fonte: Assiste Brasil, 2017.
Disponível em: <http://www.assistebrasil.com.br/2017/04/um-lugar-ao-sol-o-brasil-dos-
abismos-sociais/>. Acesso em: 14 jun. 2017. | P.197
Imagem 10 – As ruas hostis do pina. Fonte: Google Maps Street View, 2016. | P.198
Imagem 13 – “O mar de prédios de Boa Viagem”, o mar que perdeu seu sentido. Fonte:
Crítica do personagem ParaINHO, da Arquiteta e ilustradora Jamila Lima. | P.199
Imagem 14 – O conflito entre as paisagens de Brasília Teimosa (em primeiro plano) e Pina e
Boa Viagem (ao fundo). Fonte: SkyscraperCity, 2011. Disponível em: <
http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1451744>. Acesso em: 15 jun. 2017. |
P.200
Imagem 21 – Praia do Buraco da Véia sendo amplamente utilizada. Fonte: URPIA, 2014. |
P.210
Imagem 25 – Bares e movimento na orla marítima. Fonte: acervo pessoal da autora. | P.214
Imagem 26 – Dona Leu, marisqueira do bairro exercendo sua atividade no Rio Capibaribe ao
lado da comunidade. Fonte: BRASÍLIA...2014. | P.214
Imagem 28 – Corte esquemático da primeira parte da orla. Fonte: elaborado pela autora. |
P.216
Imagem 30 – Corte esquemático da Segunda parte da orla. Fonte: elaborado pela autora. |
P.217
Imagem 33 – Quarta parte da orla, o Buraco da Véia, 2015. Fonte: Flickr Rafael Reines, 2015.
Disponível em: <
https://www.flickr.com/photos/osvaldo_santos/9774222573/in/photostream/>. Acesso em:
15 jun. 2016. | P.219
Imagem 34 – Corte esquemático da Quarta parte da orla. Fonte: elaborado pela autora. |
P.219
Imagem 35 – Pistinha e concentração dos barcos. Fonte: acervo pessoal da autora. | P.220
Imagem 38 – Vila Moacir Gomes atualmente. Fonte: Google Maps, 2016. | P.223
Imagem 48 – Shopping Rio e suas três torres empresariais. Fonte: SkyscraperCity, 2014.
Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1090149&page=505>.
Acesso em: 18 jun. 2016. | P.236
Imagem 52 – Situação hipotética de uma paisagem atual harmônica sem a Advocacia Geral
da União. Fonte: acervo pessoal da autora (modificado). | P.238
Imagem 53 – Edifício da Receita Federal na Avenida Antônio de Goes. Fonte: Google Maps,
2016. | P.239
Imagem 54 – Edifício da Receita Federal visto da Vila Teimosinho. Fonte: acervo pessoal da
autora. | P.239
Imagem 57 – Edifício Jopin visto da Rua Delfim, na Vila Moacir Gomes. Fonte: acervo
pessoal da autora. | P.240
Imagem 58 – Situação hipotética de uma paisagem atual harmônica sem o Edifício Jopin.
Fonte: acervo pessoal da autora (modificado). | P.240
Imagem 60 – Edifício do Empresarial ITC visto da Rua Francisco Valpassos. Fonte: acervo
pessoal da autora. | P.241
Imagem 62 – Edifício do Empresarial ITC visto da Rua Comendador Moraes. Fonte: Google
Maps, 2016. | P.242
Imagem 65 – Edifício Fred Dubeux visto da Área da Colônia. Fonte: acervo pessoal da
autora. | P.243
Imagem 66 – Situação hipotética de uma paisagem atual harmônica sem o edifício Fred
Dubeux. Fonte: acervo pessoal da autora (modificado). | P.243
Imagem 70 – Situação hipotética das Torres Gêmeas tendo uma altura reduzida. Fonte:
acervo pessoal da autora (modificado). | P.246
Imagem 71 – Primeira versão do Projeto Novo Recife. Fonte: Pini Web, 2012. Disponível em:
<http://piniweb.pini.com.br/construcao/urbanismo/projeto-novo-recife-no-cais-jose-
estelita-e-aprovado-em-275875-1.aspx>. Acesso em: 16 jun. 2017. | P.247
Imagem 72 – Versão atual do Projeto Novo Recife visto de Brasília Teimosa. Perceber as
duas torres já existentes no local à direita. Fonte: Site Novo Recife, 2014. Disponível em: <
http://www.novorecife.com.br/>. Acesso em: 16 jun. 2017. | P.247
Imagem 73 – Em primeiro plano, a versão atual do Projeto Novo Recife, e ao fundo, Brasília
Teimosa. Fonte: Site Novo Recife, 2014. Disponível em: < http://www.novorecife.com.br/>.
Acesso em: 16 jun. 2017. | P.248
Imagem 74 – Projeto Recife-Olinda no trecho do Cais de Santa Rita. Fonte: Blog Direitos
Urbanos, 2012. Disponível em: < https://direitosurbanos.wordpress.com/tag/cidades-
possiveis/>. Acesso em: 16 jun. 2017. | P.248
Imagem 75 – Pontos do Teleférico previsto para Brasília Teimosa. Fonte: Diego Martiniano
(página no Facebook), 2015 (modificado). Disponível em: <
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=680004375478411&set=a.125417587603762.
39063.100004065637040&type=3&theater>. Acesso em: 16 jun. 2017. | P.249
Imagem 76 – Hotel da Rio Ave e Brasília Teimosa ao fundo. Fonte: Blog do Jamildo, 2017.
Disponível em: <http://blogs.ne10.uol.com.br/jamildo/2014/04/11/prefeitura-recife-barra-
construcao-de-megahotel-da-rio-ave-em-brasilia-teimosa/>. Acesso em: 16 jun. 2017. |
P.250
Imagem 78 – Edifício Mirante do Capibaribe. Fonte: Expo Imóvel, 201-. Disponível em: <
http://www.expoimovel.com/imovel/apartamentos-lancamento-pina-recife-
pernambuco/372922/pt/BR>. Acesso em: 16 jun. 2017. | P.252
Imagem 80 – Edifício irregular na Rua Poraquê. Fonte: acervo pessoal da autora. | P.256
Imagem 1 – Brasília e suas casas anfíbias a Beira-Mar, antes da abertura da avenida Brasília
Formosa. Fonte: Blog Conselho de Moradores de Brasília Teimosa, 2012. Disponível em:
<http://conselhodemoradoresdebrasiliateimosa.blogspot.com.br/p/fotos-e-videos.html>.
Acesso em: 09 jun. 2017. | P.267
Imagem 2 – Brasília Teimosa antes do calçamento de suas ruas, que originalmente eram de
areia. Fonte: Brasilina Teimosina (Perfil do Facebook), 201-. Disponível em:
<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=168107063572386&set=a.168107033572389
.1073741837.100011192807604&type=3&theater>. Acesso em: 15 mar. 2017. | P.267
Imagem 3 – Brasília Teimosa sendo retratada em uma Cena do Filme Aquarius (2016). Ao
fundo, os prédios do Pina. Fotografia de Victor Jucá. Fonte: CAVANI, 2016. | P.268
Imagem 4 – Brasília Teimosa e as torres gêmeas da Moura Dubeux no Cais José Estelita.
Fotografia de Ivo Lopes Araújo. Filme Avenida Brasília Formosa (2010). Fonte: CAVANI,
2016. | P.269
Imagem 5 – Brasília Teimosa, Solo, 2010. Foto de Gabriel Britto. Fonte: Flickr Gabriel Britto.
Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/gabrielbritto/4722019681/>. Acesso em: 14
jun. 2016. | P.270
Imagem 6 – Brasília Teimosa, Território, 2013. Foto de Camila Almeida. Fonte: Flickr Camila
Almeida. Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/ideiologia/8601965680/
>. Acesso em: 14 jun. 2016. | P.271
Imagem 7 – Brasília Teimosa, Meio Ambiente Natural e Vivo, 2006. Foto de Alberto Benning.
Fonte: Flickr Alberto Benning. Disponível em:
<https://www.flickr.com/photos/benning/121524859/>. Acesso em: 15 jun. 2016. | P.271
Imagem 10 – Brasília verticalizada e adensada. Rua Estrela do Mar, 2017. Fonte: acervo
pessoal da autora. | P.277
Imagem 11 – Os arrecifes da Recife vistos do alto do Forte do Picão, 1875. Autor: Marc
Ferrez. Fonte: FERREZ, 1988, p.23. | P.282
Imagem 14 – Piscina natural formada pelos arrecifes na Praia do Buraco da Véia. Fonte:
URPIA, 2014. | P.284
Imagem 17 – Avenida Brasília Teimosa atualmente, com o muro de contenção entre a areia
e os arrecifes. Fonte: acervo pessoal da autora. | P.285
Imagem 18 – Praia de Brasília Teimosa em seu trecho próximo ao Pina, 2007. Foto de
autoria de Carlos M.G. Fonte: Panoramio Google Maps, 2007. Disponível em:
<http://www.panoramio.com/photo/14903263>. Acesso em: 14 jun. 2016. | P.287
Imagem 19 – Praia do Buraco da Véia e os seus Banhistas, 2016. Fonte: Brasilina Teimosina
(Perfil do Facebook), 2016. Disponível em:
<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=199019523814473&set=a.199019467147812
.1073741841.100011192807604&type=3&theater>. Acesso em: 15 mar. 2017. | P.288
Imagem 23 – “Banho de Choque faz Parte da Nossa História”. Imagem encontrada em uma
página do Facebook alimentada por fotos e conteúdos provenientes dos próprios
moradores. Fonte: Brasilina Teimosina (Perfil do Facebook), 2016. Disponível em: <
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=296309030752188&set=a.296309004085524.
1073741850.100011192807604&type=3&theater>. Acesso em: 15 mar. 2017. | P.290
Imagem 25 – Crianças jogando bola na praia na Brasília atual. Fotografia de Daniel Jacinto
Pereira, 2014. Fonte: Daniel Jacinto Pereira (Youtube), 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=3bTJtWOJllU>. Acesso em: 08 jun. 2017. | P.294
Imagem 26 – Crianças nas barras de exercício da orla. Fotografia de Daniel Jacinto Pereira,
2014. Fonte: Daniel Jacinto Pereira (Youtube), 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=3bTJtWOJllU>. Acesso em: 08 jun. 2017. | P.295
Imagem 28 – Quiosques e bares na Avenida Brasília Formosa, 2017. Fonte: acervo pessoal
da autora. | P.296
Imagem 31 – Pessoas conversando na beira do rio. Foto de Sergio Eduardo Urt, 2009. Fonte:
Flickr Sergio Eduardo Urt, 2009. Disponível em:
<https://www.flickr.com/photos/sergiourt/3970326952/>. Acesso em: 14 jun. 2016. | P.297
Imagem 32 – Festa de São Pedro, 2016. Fonte: Portal G1 de Notícias, 2016. Disponível em: <
http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2016/06/procissao-homenageia-sao-pedro-por-
terra-e-por-mar-em-brasilia-teimosa.html>. Acesso em: 24 maio 2017. | P.298
Imagem 41 – Quiosque na Orla de Brasília Teimosa (esquina da rua Dagoberto Pires). Fonte:
acervo pessoal da autora. | P.308
Imagem 42 – Restaurante Bar do Peixe, um dos mais tradicionais da Brasília. Fonte: acervo
pessoal da autora. | P.309
Imagem 43 – Bar nas proximidades da Praia do Buraco da Véia. Fonte: acervo pessoal da
autora. | P.309
Imagem 44 – Vendedor de Caldinhos na Praia do Buraco da Véia. Fonte URPIA, 2014. | P.310
Imagem 45 – Vendedor de Peixes na Praia do Buraco da Véia. Fonte URPIA, 2014. | P.310
Imagem 46 – Bares nas proximidades do Mercado de Brasília Teimosa. Fonte: BRASÍLIA,
2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZIgImbH_hRo>. Acesso em: 24
maio 2017. | P.311
Imagem 48 – Comércio na Rua Arabaiana. Perceber os mercados dos dois lados da rua.
Fonte: acervo pessoal da autora. | P.314
Imagem 52 – Venda de milho e espetinho na Rua Delfim. Fonte: acervo pessoal da autora. |
P.316
Imagem 58 – Casas da Rua Espardate na década de 1960. Fonte: BEZERRA, 1965. | P.324
Imagem 59 – Casas da Rua Estrela do Mar, 2017. Fonte: acervo pessoal da autora. | P.324
Imagem 60 – Brasília Teimosa e as casas que sentem a rua. Foto de Flávio Gusmão, 2009.
Fonte: Flickr Flávio Gusmão, 201-. Disponível em:
<https://www.flickr.com/photos/flaviogusmao/4089822536/in/gallery-anaisismoura-
72157629258981606/>. Acesso em: 14 jun. 2016. | P.325
Imagem 61 – Comércios que sentem a rua. Fonte: acervo pessoal da autora. | P.325
Imagem 62 – Casas que sentem o rio. Foto de Luiz Baltar. Fonte Blog Com mais de trinta,
2010. Disponível em: <http://www.anapessoa.com.br/?tag=brasilia-teimosa>. Acesso em:
15 jun. 2016. | P.326
Imagem 64 – Casas que sentem o mar na Avenida Brasília Teimosa, 2017. Fonte: acervo
pessoal da autora. | P.327
Imagem 72 – Meninos jogando bola na Brasília de ontem. Fonte: Edimilson Araújo da Silva,
Slide Brasília, 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XqYjyheZMbg>.
Acesso em: 08 jun. 2017. | P.335
Imagem 73 – Meninos jogando bola na Brasília de hoje. Fonte: BRASÍLIA, 2014. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZIgImbH_hRo>. Acesso em: 24 maio 2017. | P.335
Imagem 74 – Rua sendo vivida na Brasília de ontem. Perceber as casas que sentem a rua.
Fonte: Edimilson Araújo da Silva, Slide Brasília, 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=XqYjyheZMbg>. Acesso em: 08 jun. 2017. | P.336
Imagem 77 – Rua Badejo sendo vivenciada hoje. Perceber as casas que sentem a rua e o
mercadinho situado fora da zona comercial do bairro. Fonte: acervo pessoal da autora. |
P.337
Imagem 82 – Supermercado situado no bairro de Boa Viagem. Fonte: Blog do Jota Lídio,
2014. Disponível em: < http://blogdojotalidio.blogspot.com.br/2014_03_01_archive.html>.
Acesso em: 11 jun. 2017. | P.340
Imagem 83 – Rua da Brasília de ontem. Fonte: Edimilson Araújo da Silva, Slide Brasília, 2014.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XqYjyheZMbg>. Acesso em: 08 jun.
2017. | P.341
Imagem 84 – Rua Delfim na Brasília de hoje. Fonte: acervo pessoal da autora. | P.341
Imagem 85 – Avenida Domingos Ferreira em Boa Viagem. Fonte: Mapio, 201-. Disponível
em: < http://mapio.net/s/30497001/>. Acesso em: 08 jun. 2017. | P.341
Imagem 88 – Praia do Buraco da Véia e sua estreita faixa de areia. Fonte: Site Esse Mundo é
Nosso, 2014. Disponível em: <http://www.essemundoenosso.com.br/praia-de-boa-
viagem/>. Acesso em: 11 jun. 2017. | P.342
Imagem 89 – Praia de Boa Viagem e sua faixa de areia. Fonte: Blog Brasília Teimosa, 2009.
Disponível em: <http://pz.filho.zip.net/arch2009-04-19_2009-04-25.html>. Acesso em: 11
jun. 2017. | P.342
Imagem 91 – Avenida Boa Viagem, Beira-mar do bairro. Fonte: Mobilicidade Recife, 201-.
Disponível em: < https://www.mobilicidade.com.br/ciclofaixarecife/pontosturisticos.asp>.
Acesso em: 11 jun. 2017. | P.342
{ LISTA DE MAPAS }
INTRODUÇÃO
Mapa 1 – Brasília Teimosa e a Zona Sul do Recife. Perceber que o perímetro da ZEIS da
comunidade não corresponde ao perímetro do seu bairro. Fonte: Google Earth, 2017
(modificado). | P.49
Mapa 2 – Detalhe do mapa anterior correspondente à área dos atuais bairros do Pina e
Brasília Teimosa em 1641. 1) Primeiras ocupações; 2) Arrecifes; 3) Rio da Barreta; 4)
Localização aproximada da Fazenda da Barreta e do Forte Schoonenburg. Título Original:
Cidade Maurícia. Original localizado na Fundação Biblioteca Nacional. Mapa de autoria de
Cornelis Golijath. Fonte: SILVA, 2008b, p16. | P.87
Mapa 3 – Planta da Cidade do Recife e seus Arrebaldes em 1875 (recorte). Organizada pela
Repartição de Obras Públicas. 1) Arrecifes; 2) Antiga Barreta; 3) Dique do Nogueira; 4)
Lazareto; 5) Açude; 6) Viveiros; 7) Casa da Vivenda; 8) Rio da Barreta; 9) Cabanga; 10) Ilha
de Santo Antônio e São José; 11) Bairro do Recife. Fonte: Biblioteque Nationale da França.
Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b530985443.r=Recife>. Acesso em: 09
abr. 2017. | P.89
Mapa 4 – Detalhe da planta anterior correspondente à área dos atuais bairros do Pina e
Brasília Teimosa em 1875. Organizada pela Repartição de Obras Públicas. 1) Arrecifes; 2)
Antiga Barreta; 3) Dique do Nogueira; 4) Lazareto; 5) Açude; 6) Viveiros; 7) Casa da Vivenda;
8) Rio da Barreta; 9) Cabanga; 10) Ilha de Santo Antônio e São José; 11) Bairro do Recife.
Fonte: Biblioteque Nationale da França. Disponível em:
<http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b530985443.r=Recife>. Acesso em: 09 abril 2017. |
P.90
Mapa 5 – Cidade do Recife, 1906, de autoria de Douglas Fox (recortado). Ao sul, a Ilha do
Nogueira, atual Pina. 1) Arrecifes; 2) Antiga Barreta; 3) Dique do Nogueira; 4) Lazareto; 5)
Açude; 6) Viveiros; 7) Porto da Ilha; 8) Cabanga; 9) Ilha de Santo Antônio e São José; 10)
Bairro do Recife. Fonte: Laboratório Topográfico de Pernambuco, [20--]. Disponível em:
<http://www.labtopope.com.br/cartografia-historica/>. Acesso em: 12 mar. 2017. | P.97
Mapa 6 – Mapa esquemático feito a mão por Casttelus (nome completo não identificado no
material). 1) Arrecifes; 2) Antiga Barreta. 3) Dique do Nogueira; 4) Antigo Lazareto; 5)
Avenida Boa Viagem; 6) Avenida de Ligação; 7) Ponte do Pina; 8) Oficinas do Porto; 9) Mar;
10) Estação de Tratamento; 11) Cabanga; 12) Ilha de Santo Antônio e São José; 13) Bairro do
Recife. Título Original: Porto do Recife: planta geral das obras complementares. Fonte:
cedido pela CONDEPE/FIDEM. | P.103
Mapa 7 – Recorte do mapa esquemático anterior feito a mão por Casttelus (nome completo
não identificado no material). 1) Arrecifes; 2) Antiga Barreta. 3) Dique do Nogueira; 4)
Antigo Lazareto; 5) Avenida Boa Viagem; 6) Avenida de Ligação; 7) Ponte do Pina; 8) Oficinas
do Porto; 9) Mar. Título Original: Porto do Recife: planta geral das obras complementares.
Fonte: cedido pela CONDEPE/FIDEM. | P.104
Mapa 9 – Pina e Brasília Teimosa em 1943. 1) Arrecifes; 2) Areal Novo, ainda desocupado. 3)
Areal velho (área da Colônia) com as suas ocupações iniciais; 4) Avenida de Ligação
(Herculano Bandeira); 5) Ponte do Pina; 6) Avenida Boa Viagem; 7) Antigo Lazareto; 8)
Aeroclube; 9) Instalações da Rádio Station Pina; 10) Manguezal; 11) Cabanga; 12) Ilha de
Santo Antônio e São José; 13) bairro do Recife. Notar o arruamento ainda bastante inicial de
traçado irregular. Mapa elaborado pelo Serviço Geográfico do exército. Fonte: cedido pela
CONDEPE/FIDEM. | P.116
Mapa 11 – Montagem de Fotos Aéreas do ano de 1951 anterior. 1) Arrecifes; 2) Areal Novo,
ainda pouco ocupado. 3) Areal velho (área da Colônia) com as suas ocupações iniciais
(perceber o primeiro arruamento bem definido); 4) Avenida de Ligação (Herculano
Bandeira); 5) Ponte do Pina; 6) Avenida Boa Viagem; 7) Ruínas Lazareto 8) Aeroclube; 9)
Manguezal; 10) Ilha de Santo Antônio e São José. Perceber o arruamento bastante parecido
com a encontrada no início da década anterior. Fonte: fotos cedidas pela CONDEPE/FIDEM.
| P.118
Mapa 12 – Detalhe da montagem de Fotos Aéreas do ano de 1951 anterior. 1) Arrecifes; 2)
Areal Novo, ainda pouco ocupado. 3) Areal velho (área da Colônia) com as suas ocupações
iniciais (perceber o primeiro arruamento bem definido); 4) Avenida de Ligação (Herculano
Bandeira); 5) Avenida Boa Viagem; 6) Ruínas Lazareto. Perceber o arruamento bastante
parecido com a encontrada no início da década anterior. Fonte: fotos cedidas pela
CONDEPE/FIDEM. | P.119
Mapa 1 – Boa Viagem, Pina e Brasília Teimosa. Vias Principais e Zoneamento. Fonte: Google
Maps, 2016 (modificado). | P.189
Mapa 2 – Boa Viagem, Pina e Brasília Teimosa. 1) Ponte Paulo Guerra; 2) Ponte Agamenon
Magalhães; 3) Avenida Antônio de Goes; 4) Avenida Herculano Bandeira; 5) Avenida Boa
Viagem; 6) Avenida Conselheiro Aguiar; 7) Avenida Domingos Ferreira; 8) Aeroclube; 9)
Radio Station. Fonte: Google Maps, 2016 (modificado). | P.190
Mapa 3 – Mapa de cheios e vazios. Fonte: levantamento de campo feito pela autora. |
P.202-203 (anexo)
Mapa 4 – Mapa de Gabaritos. Fonte: Fonte: levantamento de campo feito pela autora. |
P.202-203 (anexo)
Mapa 5 – Mapa dos equipamentos públicos existentes no bairro. Fonte: elaborado pela
autora. | P.206
Mapa 7 – Mapa das centralidades do bairro. Fonte: elaborado pela autora. | P.213
Mapa 8 – Mapa de usos da Brasília. Fonte: elaborado pela autora. | P.210-211 (anexo)
Mapa 11 – Vila Moacir Gomes atualmente. Fonte: elaborado pela autora. | P.223
Mapa 16 – Projetos do entorno da Paisagem Teimosa. Fonte: elaborado pela autora. | P.232
Mapa 17 – Terrenos Vazios no entorno de Brasília Teimosa (numerados pela ordem em que
são citados no texto). Fonte: elaborado pela autora. | P.253
Mapa 1 – Zeis atual e Zeis proposta para a Brasília. Fonte: Google Maps, 2017 (modificado).
| P.273
Mapa 2 – Divisões da ZEIS proposta. Fonte: Google Maps, 2017 (modificado). | P.274
Mapa 5 – Orla e locais de banho. Fonte: Google Maps, 2016 (modificado). | P.287
Mapa 6 – Mapa das orlas vivenciadas. Fonte: Google Maps, 2016 (modificado). | P.293
Mapa 7 – Mapa da pesca em Brasília Teimosa. Fonte: Google Maps, 2016 (modificado). |
P.302
Mapa 12 – Polos de Movimentação e suas influências diretas. Fonte: elaborado pela autora.
| P.332
Mapa Esquemático 1/8 – 1641. Fonte: elaborado pela autora. | P.84-85 (anexo)
Mapa Esquemático 2/8 – 1875. Fonte: elaborado pela autora. | P.88-89 (anexo)
Mapa Esquemático 3/8 – 1925. Fonte: elaborado pela autora. | P.96-97 (anexo)
Mapa Esquemático 4/8 – 1951. Fonte: elaborado pela autora. | P.112-113 (anexo)
Mapa Esquemático 5/8 – 1975. Fonte: elaborado pela autora. | P.114-115 (anexo)
Mapa Esquemático 6/8 – 1997. Fonte: elaborado pela autora. | P.158-159 (anexo)
Mapa Esquemático 7/8 – 2007. Fonte: elaborado pela autora. | P.162-163 (anexo)
Mapa Esquemático 8/8 – Atual. Fonte: elaborado pela autora. | P.188-189 (anexo)
{ LISTA DE SIGLAS
}
APL | Assessoria de Planejamento
4.2 Notas Gerais sobre a Conservação da Paisagem Teimosa pela propriedade legal
| p.272
ANEXOS | p.368
A) Modelo base u lizado nas entrevistas semiestruturadas | p.375
UMA INTRODUÇÃO
{ 47 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | UMA INTRODUÇÃO }
1
CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. São Paulo: Cia. das Letras, 1990, p.11.
2
Nesse caso, fala-se mais especificamente do mercado imobiliário formal.
3
No caso específico do Recife, locais próximos ao mar ou às margens do Rio Capibaribe.
4
Esses padrões de formação socioespacial que conformam a cidade do Recife serão discutidos mais adiante,
no primeiro capítulo deste trabalho.
{ 48 }
Mapa 1 - Brasília Teimosa e a Zona Sul do Recife.
península triangular, que além da vizinhança com o marPerceber
e com oque
Rioo perímetro
Capibaribe, se conecta
da ZEIS da comunidade não
corresponde ao perímetro do seu bairro. Fonte:
{ 49 } Google Earth, 2017 (modificado).
{ PAISAGEM TEIMOSA | UMA INTRODUÇÃO }
península triangular, que além da vizinhança com o mar e com o Rio Capibaribe, se conecta
territorialmente diretamente com o Pina e indiretamente com Boa Viagem, dois dos bairros
mais valorizados economicamente da cidade. Paisagisticamente e visualmente, ela também
se liga às áreas mais centrais do Recife: as Ilhas de Santo Antônio e São José e a do Bairro do
Recife, onde foram locados o porto e as primeiras ocupações que deram origem à capital.
O começo da formação do bairro da Brasília5 data da década de 1950, quando
ocorreram as primeiras ocupações no seu território (FORTIN, 1987). O lugar foi apropriado
por uma população carente que resistiu “teimosamente”6 às inúmeras tentativas de
expulsão e de transformação da área em complexos turísticos e empreendimentos voltados
para um público abastado, que a essa altura já se concentrava em suas vizinhanças
(BRASÍLIA, 2014).
Pelos seus próprios meios, mesmo sem ter condições básicas de infraestrutura e
saneamento, os moradores lotearam a comunidade e nela construíram as suas casas
(SANTOS, 2011). Somente décadas depois, eles começaram a conseguir apoio
governamental para realizar melhorias no bairro, que atualmente chegou a sanar a grande
maioria dos problemas urbanísticos que nele se apresentavam nos seus primeiros anos de
existência (BRASÍLIA TEIMOSA, 1998). Um grande passo na conquista de mais segurança em
relação à sua permanência se deu em 1983, quando a partir de uma modificação na LUOS
recifense7 (Lei de Uso de Ocupação do Solo), o local passou a ser reconhecido como uma
ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) (ALVES, 2009). Mais recentemente, em 2003, foi
feita a requalificação da orla da Brasília, de onde houve a retirada de mais de 500 palafitas,
e a construção de uma Avenida Beira-Mar (SILVA, 2008b). Essa última obra transformou
completamente a paisagem da região, hoje constituída por casas térreas ou de baixo
gabarito que se comunicam intimamente com mar. Atualmente essa comunidade se
encontra na RPA-6 (Região Político Administrativa 6) da cidade, assim como os seus bairros
circunvizinhos, Pina e Boa Viagem. Os três fazem parte da ZUP 18 (Zona de Urbanização
Preferencial), mas como já dito, a Brasília também é considerada uma ZEIS (Zona Especial de
Interesse Social)9.
5
A Brasília, na Brasília, não somente Brasília, ou em Brasília. Essa é a forma como a população que ali reside se
refere ao bairro, e, portanto achou-se por bem usa-la em algumas situações dentro desse trabalho.
6
Os termos “Teimosa” ou “Teimosia” estarão muito presentes ao longo do trabalho, por se considerar que
eles são importantes no que diz respeito à simbologia e a história do bairro no contexto geral da cidade, tanto
para aos ali residentes, quanto para o Recife como um todo. A importância desse termo, inclusive, foi um
aspecto levantado durante o trabalho de campo com a população.
7
Lei 14.511 de 17/01/83.
8
Segundo a Lei de Uso e Ocupação do Solo do Recife, fazem parte dessa zona “áreas que possibilitam alto e
médio potencial construtivo compatível com suas condições geomorfológicas, de infraestrutura e
paisagísticas” (PREFEITURA DA CDADE DO RECIFE, 1996).
9
O perímetro da ZEIS de Brasília Teimosa não coincide exatamente com os limites do bairro, se estende um
pouco para além dele (RECIFE, 2017).
{ 50 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | UMA INTRODUÇÃO }
Imagem 1 - Bairro de Brasília Teimosa. Acima, pode-se ver um pequeno pedaço do bairro do Pina.
Fonte: Skyscrapercity Raul Lopes, 2013.
Imagem 2 - Bairro de Brasília Teimosa e a sua Avenida Beira-Mar, 2013. Foto de autoria de
Marcos Pastich. Fonte: Flickr Marcos Pastich, 2013.
{ 51 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | UMA INTRODUÇÃO }
Imagem 3 - Brasília Teimosa vista a partir de sua orla fluvial (que fica de frente para a Ilha de Santo Antônio e
São José), 2014. Foto de autoria de Ezequiel Vannoni, Agência JCM, Foto Arena.
10
O Parque dos Manguezais Josué de Castro é a maior área urbana de mangue das Américas. Situado no
coração do bairro do Pina, ele atualmente é permeado pela Via Mangue e por comunidades de baixa renda,
sendo constantemente alvo de várias tentativas de projetos por parte do setor imobiliário, que não se
sensibiliza pela sua condição de Unidade de Conservação (OLIVEIRA, 2015).
{ 52 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | UMA INTRODUÇÃO }
Imagem 4 - Em primeiro plano, o bairro do Pina, e em segundo, o de Boa Viagem. Fonte: Site Dicas de Hotéis,
2014.
{ 53 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | UMA INTRODUÇÃO }
percebe que a paisagem da Brasília é Teimosa. Apesar de todas as pressões para a expulsão
da comunidade, principalmente após as melhorias nela ocorridas nas últimas décadas, ela
resiste como um cenário muito particular dentro da cidade. O que se percebe no local é
uma clara materialização do que se afirmou no início deste texto. Diversos grupos sociais
atuam ou desejam atuar sobre essa mesma paisagem a partir de comportamentos
conflitantes baseados em entendimentos e nas significações diversas que se tem sobre ela.
Ao mesmo tempo em que os moradores da comunidade a percebem como o local
que abriga a sua história e onde se perpetuam os seus hábitos existenciais, como por
exemplo, os de trabalho, através da pesca e da proximidade com o mar, e os de lazer, como
pelo uso da famosa praia do Buraco da Véia localizada no seu território, outros grupos
contrários à permanência do bairro onde ele se encontra podem o perceber como uma
ótima oportunidade de criação de empreendimentos lucrativos ou de uma nova área para
moradia e diversão de alto luxo. Esses desejos de futuro para a Brasília são divergentes e
geram comportamentos também não harmônicos, que são impressos fisicamente na sua
paisagem. Por estarem tão latentes, essas oposições podem ser percebidas até mesmo em
uma primeira análise visual do quadro existente na atualidade (imagem 5).
Imagem 5 - Em primeiro plano o bairro de Brasília Teimosa, de classe baixa e horizontal, e ao fundo, os
arranha-céus elitizados do bairro do Pina, 2014. Fonte: Flickr Leonardo Malafaia, 2014.
Nessa situação, onde há a coexistência de simbologias conflitantes, que por sua vez,
ensejam projetos de paisagem também muito discrepantes entre si, como reconhecer os
valores que devem “comandar” a criação do cenário de devir? Quais são esses valores? O
caso é que, pelo entendimento sob o qual se fez o presente estudo, considera-se de
fundamental importância a consideração da individualidade das paisagens para a tomada
dessa decisão. O caráter individual de cada uma delas se dá pelas relações humanas e
{ 54 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | UMA INTRODUÇÃO }
sociais com elas criadas, que por sua vez geram as identificações, percepções e simbologias
que dão origem as ações que as transformam (BERQUE, 2010). Dessa forma, claramente, a
história da paisagem, que também é a história dos grupos que as formam e as habitam deve
ser protagonizada (BESSE, 2014).
A paisagem Teimosa é habitada de maneira distinta das suas circunvizinhas,
formando uma unidade em si mesma. Cabe ressaltar que as características que a
distinguem do seu entorno não são somente físico espaciais, mas também simbólicas. A
conotação que se tem sobre ela é bastante diferente da que se observa nos seus bairros
vizinhos, Pina e Boa Viagem. A partir disso, se entende que não se deve privilegiar um
projeto de paisagem que queira transformar a Teimosa em uma extensão dos seus vizinhos,
neutralizando as particularidades dos seus símbolos e da sua história.
Da observação da iminência desse processo neutralizador, que ameaça apagar do
futuro um conjunto importante de relações sociais e particularidades palpáveis e subjetivas
pertencentes à memória passada e presente do Recife, surge a urgência da presente
pesquisa investigativa. Assim, o objetivo principal desse estudo é o de traçar diretrizes para
a Conservação da Paisagem Teimosa, levando-se em consideração a permanência dos
elementos físicos e simbólicos que a tornam tão singular.
Para alcançar esse fim, tornou-se necessário seguir as etapas apresentadas
didaticamente nos quatro capítulos desse trabalho, que terão seu conteúdo brevemente
explicado a seguir:
{ 55 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | UMA INTRODUÇÃO }
{ 56 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | UMA INTRODUÇÃO }
{ 57 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | UMA INTRODUÇÃO }
{ 58 }
{ }
CAPÍTULO 1
DA PAISAGEM À TEIMOSA
1
VARDA, Agnès. Les plages d’Agnès. Franca, 2008, (110min). Disponível em:
<http://opiniaoenoticia.com.br/cultura/entretenimento/as-praias-de-agnes-de-agnes-varda/>. Acesso em 15
de fevereiro de 2017.
{ 59 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
mesma paisagem e a ela atribuir diversas conotações, que podem ser conflitantes ou
harmônicas entre si. Em caso de conflitos, como ocorre no exemplo da comunidade de
Brasília Teimosa, também serão observados sob quais mecanismos e relações de força e
poder essas paisagens são formadas.
Por fim, em um último momento, nossa discussão chega à Teimosa. Procura-se
começar a perceber como a teoria vista até aqui se aplica à Paisagem da Brasília, e a partir
de que aspectos isso acontece.
{ 60 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
urbana envolve muitos outros aspectos, que ultrapassam essa questão estética e visual,
como por exemplo, os relacionados à sociologia, à política, aos simbolismos e às relações
econômicas e de poder, que também se materializam na realidade das cidades.
Essas portas serão comentadas sinteticamente a seguir, a partir dos seus aspectos
mais relevantes para o entendimento do que se considera Paisagem no âmbito deste
trabalho.
2
Toda essa sessão, que conta com a descrição das portas e das suas características, foi baseada no livro “O
Gosto do Mundo: exercícios de Paisagem”, de Jean Marc Besse, 2014.
3
Como, por exemplo, a geografia, a história, a arquitetura, o urbanismo, a filosofia, o paisagismo, a
jardinagem, a ecologia, a literatura, e as artes visuais e cênicas em geral. Cada uma dessas áreas tende a
privilegiar uma das portas elencadas por Besse (2014) no seu entendimento do que é a paisagem.
4
A questão da apropriação do território e da paisagem será tratada com mais detalhes adiante.
{ 61 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
A partir da segunda ótica apresentada, esses fatores e valores não palpáveis citados,
juntamente com as relações de força e poder inerentes a uma sociedade, fazem com que a
paisagem seja ainda mais que uma interpretação mental: ela é a representação de uma
realidade social e cultural, de um indivíduo ou de um grupo5. Valores estéticos são
considerados, mas esses também são vistos como uma construção social sujeita a todos os
elementos acima referidos.
5
É interessante destacar que, nesse caso, a representação de uma sociedade pela paisagem pode ser
consciente em alguns momentos (BESSE, 2014). Mais adiante, nos próximos capítulos, se verá como a
paisagem de Brasília Teimosa e os seus elementos são representações conscientes do bairro para a população.
6
Para pensar essa porta, Besse (2014) se baseia principalmente na teoria de John Brinckerhoff Jackson,
principalmente em dois dos seus livros que foram traduzidos para o francês: A la découverte du paysage
vernaculaire. Arles/Versailles: Actes Sud/ENSP, 2003; De la necessite des ruines et autres sujets. Paris: Le
Liteau, 2005.
7
Segundo o Dicionário Infopédia (2017), a palavra palimpsesto pode ser definida como “papiro ou pergaminho
que contém vestígios de um texto manuscrito anterior, que foi raspado ou apagado para permitir a
reutilização do material e a posterior sobreposição de um novo escrito”. Neste trabalho, o conceito do
palimpsesto será utilizado como uma metáfora para expressar a sobreposição de histórias, vivências,
significados e relações sociais de vários tempos distintos expressos em uma mesma paisagem.
{ 62 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
entendido como espaço físico, fabricado, habitado e transformado pelo ser humano,
coincidindo com o seu ecúmeno8. Ou seja, se considera que antes de qualquer
transformação de um território, é necessário um ambiente natural, um substrato, com
fatores materiais e ambientais, que independem, totalmente ou parcialmente, das
ocupações e ações humanas, bem como da apropriação social dos espaços para existir.
Apesar da maior valorização do natural nessa abordagem, não se pode confundi-la
com a visão naturalista ultrapassada apresentada no inicio deste capítulo. Aqui a paisagem
continua sendo percebida como um conjunto das dimensões materiais e ambientais,
culturais e humanas, sendo as pessoas e grupos sociais o ponto de encontro entre esses
fatores.
8
Entendido como toda a área do globo terrestre habitada pelos seres humanos (MICHAELIS, 2017).
{ 63 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
9
A Paisagem é o Meio Ambiente Material e Vivo das Sociedades Humanas (BESSE, 2014).
10
A Paisagem é um Território Fabricado e Habitado (BESSE, 2014).
11
Paisagem é uma Representação Cultural e Social (BESSE, 2014).
{ 64 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
Na antiguidade, o mundo e tudo o que nele existia era visto como um todo único: o
kosmos12. Para os gregos, o kosmos significava a totalidade de tudo o que existe
(DOSENHOR, 2017). Contrário do caos, ele era o universo organizado, ordenado, harmônico,
incluindo seus habitantes (GUTIÉRREZ, 2011). Ou seja: o mundo era as pessoas e as pessoas
também eram o mundo. Ambos existiam, cresciam e se desenvolviam juntos, de maneira
integrada, nos seus aspectos palpáveis e físicos, mas também nos subjetivos e
antropológicos (BERQUE, 2000, 2010).
No ocidente, notadamente a partir da modernidade, que tem suas bases no século
XVII e rebatimentos até os tempos recentes, os avanços científicos fizeram com que o
mundo e a verdade começassem a ser vistos como algo puramente objetivo, dissociados da
dimensão humana. O objeto e o sujeito são separados, não se aproximam, não se
relacionam.
Na sociedade ocidental13, a ideia de Paisagem surge através da pintura, de forma
extremamente ligada a esse pensamento moderno. Nos quadros, ela era retratada como
uma entidade autônoma, e não em relação às pessoas. Apenas os seus aspectos físicos
eram mostrados, não havendo a intenção de exprimir sua simbologia, seu “algo mais”,
características que fossem para além do palpável. No século XX, a paisagem do Movimento
Modernista também foi pensada e concebida a partir dessa lógica (BERQUE 2012). Os
lugares e as paisagens existiam apenas em si mesmos, assim como cada pessoa
individualmente. As relações entre os indivíduos e o mundo eram desconsideradas por se
tratar de algo subjetivo.
Ainda no século XX, essa dicotomia começa a se esfacelar. Começou-se a perceber a
inconsistência de ver como verdade apenas o cartesiano e científico, e de se conceber a
ideia das pessoas separadas dos lugares (fisicamente, socialmente e ambientalmente). O
surgimento da ecologia e da fenomenologia foram importantes nessa quebra de paradigma
(BERQUE, 2012)14.
Ainda que a utopia moderna de um universo neutro oposto ao Kosmos, indiferente
aos indivíduos e desprovido de subjetividade tenha sido contestada e teoricamente
ultrapassada, as raízes desse pensamento deram frutos que ainda podem ser observados
12
A definição de Kosmos segundo o dicionário online DOSENHOR (2017) é: 1) “arranjo ordenado, ou seja,
decoração”. 2)”(por implicação) do mundo, incluindo seus habitantes”.
13
Notadamente na Europa, onde surge esse movimento de modernização, sendo o local cerne das primeiras
descobertas científicas.
14
Com a ecologia, para a sobrevivência da humanidade, percebe-se a importância do sujeito se considerar
parte do mundo em seus amplos aspectos, e não puro manipulador dele. Já na fenomenologia, a questão da
subjetividade do espaço começa a ser explorada e difundida, gerando a reflexão e quebrando o conceito
dicotômico moderno do mundo e do indivíduo como dois elementos separados.
{ 65 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
15
O ecúmeno de Berque (1994, 2000) se diferencia sutilmente do tratado na segunda porta de Besse (2014),
apesar de esse autor aparentemente se basear naquele. No primeiro caso ele simboliza um meio entre as
pessoas e o universo, o espaço relacional da terra. No segundo, pode ser considerado mais como o espaço
habitável no mundo, parcialmente independente dessas relações. O que coincide em ambas as abordagens é o
fato de esse ecúmeno simbolizar a casa de todas as paisagens.
{ 66 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
16
Referência a Besse (2014), que fala da paisagem como sendo uma representação mental, social e cultural
em sua primeira porta.
17
Aqui há uma alusão às duas primeiras portas de Besse (2014).
18
“A Paisagem é um Território Fabricado e Habitado” (Besse, 2014).
19
Processo chamado por Berque (2010) de “Impregnação Mútua”.
{ 67 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
particular, única, tanto em suas características físicas quanto em relação à subjetividade que
lhe é agregada.
Paisagens
A partir de sua relação com o mundo através da mediança, as pessoas fabricam e
habitam um território. Por consequência, este as representa mentalmente, culturalmente e
socialmente, se tornando uma paisagem (BESSE, 2014).
É importante ressaltar que aqui, habitar não significa morar, e sim inscrever hábitos
em um lugar, torna-lo habitado. Habitar nada tem a ver com as qualidades objetivas de um
lugar, mas sim com os acontecimentos que nele se encenam. “Habitar é a arte de viver”
(BESSE, 2014, p.131).
Quando um grupo habita um local, ao mesmo tempo se apropria dele, e nessa
apropriação, nessa criação de hábitos, por consequência, simbolismos coletivos e
individuais surgem agregados à imagem do lugar. Quando o material se veste dessa
simbologia coletiva, nasce a paisagem (BESSE, 2014; CONAN, 1994).
Michel Conan (1994) afirma que para se entender a paisagem em sua completude é
necessário se atentar a essas suas relações de apropriação e simbologias. Para tanto, ele faz
uma análise de como se processam os chamados “ritos sociais”, ou seja, os hábitos20.
Os grupos sociais que agem sobre a paisagem, apesar de pertencerem à mesma
sociedade, são diversos e se agrupam a partir das suas relações de propriedade com o
território. Estas relações são vistas como “ritos de interação provenientes de um direito ou
de um costume21” (CONAN, 1994, p.4). A apropriação do território é consequência disso. Ela
é o “conjunto das condutas pelas quais as pessoas realizam essas relações de propriedade”
(CONAN, 1994, p.4).
Esses ritos de interação com um lugar são os responsáveis por produzir
“sentimentos, símbolos e ideias comuns, partilhados pelos membros do grupo que
os pratica sob três condições: 1) que eles gerem interações com a participação de
todos os membros do grupo, conjunto ou subgrupo; 2) que eles obedeçam a
modelos que especificam práticas e palavras [condutas]; 3) que os grupos
disponham de, ao menos, um objeto simbólico, um emblema que encarne a ideia
do grupo. Assim, cada grupo que exerce uma relação de propriedade sobre um
20
O que Besse (2014) chama de hábitos equivale ao que Conan (1994) trata como ritos sociais. E alguns
momentos de nosso estudo, esses ritos serão lidos como práticas sociais.
21
Ou seja, a apropriação por “direito” pode ser exemplificada como quando se tem a posse de uma casa ou
um terreno. A por “costume” é a que acontece por meio do estabelecimento de hábitos, ritos sociais sobre o
território.
{ 68 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
22
Conan (1994) baseia essa parte de sua teoria nos estudos de Randal Collins, que por sua vez, foi influenciado
por Emile Durkheim e Erwin Goffman.
23
Assim como Besse destaca em sua primeira porta, “A Paisagem como Representação Cultural e Social”.
24
Por esse motivo, alguns ritos sociais, principalmente os ligados à cultura, por vezes, apenas tem razão de ser
em um lugar específico, mantendo uma forte ligação com o mesmo, que assim, é considerado Paisagem (ritos
como, por exemplo, aqueles ligados ao turismo, a aspectos geográficos, à história do local ou a algum
acontecimento especial que ali se encenou) (CONAN, 1994).
{ 69 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
DOMÍNIO
{ 70 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
social” (MICHAELIS, 2017), base das ações que criam e transformam as paisagens, que por
esse motivo também são sempre culturais25.
As culturas podem ser tantas quanto forem os grupos sociais. Ela não é estática, pois
para continuar existindo precisa ser transmitida pelo conjunto de pessoas que a possuem e
a defendem a partir da perpetuação dos hábitos que dela se originam, bem como dos
simbolismos26 agregados a eles. Isso ocorre porque a cultura “é, ao mesmo tempo,
determinada pela consciência e pelas práticas humanas e determinantes delas”
(COSGROVE, 2006, p.225).
As diversas culturas e simbolismos ligados a uma mesma paisagem reforçam o seu
caráter individual e único. Porém, quando eles coexistem de maneira não concordante, os
grupos sociais dominantes, a partir do poder que possuem, geralmente comandam o
processo de formação paisagística, impondo os seus valores simbólicos, culturais e
ideológicos aos demais (COSGROVE, 2006).
Esse domínio pode ocorrer de várias formas, e visa controlar todos os “meios de
vida: terra, capital, matérias-primas e força de trabalho” (CONSGROVE, 2006, p.230). A
reprodução da cultura de um grupo é fundamental para que uma dominação efetiva seja
exercida sobre os demais. Dessa forma, percebe-se que de maneira sutil ou perceptível, o
domínio27 do fazer a paisagem, também é uma forma fundamental de defesa e propagação
de uma cultura e de seus simbolismos (CONSGROVE, 2006). Neste caso, a cultura e todas as
relações simbólicas, afetivas e de identificação dos dominantes com uma paisagem são
privilegiados, neutralizando esses aspectos quando se referem os demais grupos excluídos.
O poder que legitima o domínio de um grupo sobre os outros no fazer da paisagem
pode ser obtido de formas diversas, que varia a depender de cada sociedade onde ele se
expressa (CONSGROVE, 2006). Apesar disso, na maioria das vezes, ele se dá a partir de uma
posição social e financeira privilegiada, de onde também se origina a influência política.
Nesse cenário, as elites, as classes sociais mais abastadas, costumam ser as dominantes na
formação da realidade das cidades (VILLAÇA, 2001).
25
Ainda que as paisagens estejam intactas, em seu estado de base natural, como na terceira porta de Besse
(2014), elas também são culturais, visto que através de um contato mínimo com o ser humano, ele a
transforma a partir da atribuição de valores simbólicos provenientes da sua cultura (COSGROVE 2006).
26
Por vezes Cosgrove (2006) trata a questão dos simbolismos e do símbolo de maneira diversa de Conan
(1994). Enquanto este último considera o símbolo como um valor subjetivo (porém real), criado a partir dos
ritos sociais praticados em uma sociedade, que por sua vez geram comportamentos e rebatimentos físicos na
paisagem, aquele primeiro os tem como códigos físicos utilizados no fazer da paisagem, de forma a expressar
a cultura e os valores de cada grupo que a cria.
27
Cosgrove (2006) classifica as paisagens como a dos grupos dominantes e a dos não dominantes
(alternativas). Essas últimas são divididas em residuais, emergentes e excluídas. As residuais são as que
mostram as marcas do passado, permitindo a sua reconstrução. As emergentes são as feitas por novos grupos
sociais, expressando um novo desejo de organização física e social, tendo um caráter “vanguardista”. As
excluídas são aquelas construídas por grupos sem visibilidade, como, por exemplo, as minorias sociais, de
classes sociais, gêneros e posições sociais menos favorecidas (COSGROVE, 2012).
{ 71 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
Com isso, ainda que haja a coexistência de vários valores simbólicos imperantes
sobre uma mesma paisagem, aqui, os que geralmente encabeçam a sua formação e
transformação, fazendo valer as suas vontades, seus símbolos e sistemas morais são esses
grupos, estabelecendo uma relação de domínio conflituosa com os demais (BESSE, 2014).
Assim, percebe-se que ao longo da história do mundo, as paisagens vêm sendo um meio
pelo qual
“algumas classes (...) puderam representar o seu mundo e a si mesmas, assim
como o seu papel na sociedade. Essa relação paisagística com o mundo, na
verdade, acompanhou o surgimento e o desenvolvimento do capitalismo, ou seja,
a transformação do território ao mesmo tempo em mercadoria e espetáculo (...).
A paisagem, mais precisamente, serviu ideologicamente para “naturalizar” a
dimensão desigual das relações sociais, ocultando a realidade dos processos
históricos e conflitantes que a produziram.” (BESSE, 2014, p.105-106)
Daí conclui-se que, o domínio sobre as paisagens também são uma maneira das
elites imporem seu poder, sua ideologia, suas simbologias e sua vontade de superioridade
nos lugares, invisibilizando os grupos sociais que não pertencem a elas, bem como as
ideologias que vão contra os seus interesses (COSGROVE, 2006). Nesse contexto, as
paisagens expressam o poder que a gere (BESSE, 2014), ao mesmo tempo em que
neutralizam as ligações estabelecidas entre os grupos subjugados e os lugares, não se
atentando a elas (BERQUE, 2010).
NA PAISAGEM RECIFENSE28
A lógica espacial e paisagística conflituosa antes discutida também se apresenta
claramente no Recife (VILLAÇA, 2001), onde se localiza o objeto desse estudo. Percebe-se o
protagonismo da elite na criação e na transformação dessa cidade, dominando os outros
grupos sociais através da imposição da sua cultura, de seus valores morais, estéticos e
simbólicos, de seus interesses, e da sua percepção sobre o espaço urbano como um todo.
28
Os autores base para a construção dessa última parte do capítulo são Flávio Villaça (2001) e Vera Tângari
(2013). Sabe-se que os mesmos são provenientes de escolas diversas dos autores citados nas sessões
anteriores. Inclusive, se tratando diretamente da paisagem, tem-se ciência de que Vera Tângari tem uma
abordagem positivista e geralmente voltada para o estudo das áreas livres e dos vazios urbanos. Apesar disso,
é importante perceber que o entendimento base de paisagem aqui utilizado não baseia nesses últimos, e sim
na teoria dos primeiros nomes discutidos, notadamente, Augustin Berque, Michel Conan e Jean-Marc Besse.
Utiliza-se esses outros, que claramente se relacionam com a segunda porta de Besse (2014), de forma
complementar, para auxiliar na compreensão de como se dão os processos de formação da paisagem urbana
na prática. Como dito anteriormente, as diversas abordagens paisagísticas existentes (as diferentes portas) se
relacionam entre si, se entrelaçando em alguns momentos. Neste trabalho essa correlação foi fundamental
para compreender como se deu a construção social da Paisagem Teimosa, objeto desse estudo.
{ 72 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
29
“A força mais poderosa (mas não única) agindo sobre a estruturação do espaço intra-urbano tem origem na
luta de classes (...)” (VILLAÇA, 2001, p.45). “Luta de Classes” foi um conceito cunhado por Karl Marx, ainda
hoje largamente utilizado nas discussões políticas, econômicas e sociais como um todo, se estendendo
também aos debates em relação à apropriação e dominação dos territórios, como neste caso. Ele é o termo
utilizado para designar os conflitos sócio-políticos e econômicos entre a burguesia e o proletariado (aqui
interpretados como elites e classes sociais mais pobres) em seus amplos aspectos (CONCEITO... [20--];
LEFEVRE, 1978).
{ 73 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
organização da sociedade que os ocupa (BESSE, 2014). Daí, conclui-se que os conflitos
espaciais ajudam a gerar paisagens também conflituosas.
30
Nas cidades brasileiras, ainda que essas situações conflituosas apresentem particularidades, alguns aspectos
são universais, e podem ser observados também no contexto recifense. Segundo os estudos de Vera Tângari
(2013), as principais divergências encontradas dentro desses padrões de construção espacial e paisagística das
cidades brasileiras foram, “principalmente, [relativas] aos aspectos de constituição do suporte geobiofísico
(...); ao processo histórico de ocupação, principalmente no que diz respeito à origem de formação de seu
território e o seu papel político; à identidade cultural de sua população, tendo em vista a sua origem,
formação étnica, modos de produção, valores territoriais e simbólicos” (TÂNGARI, 2013, p. 8). Em sua
pesquisa, a autora procura perceber quais são os padrões espaciais recorrentes na construção das paisagens
brasileiras, relacionando-os com a forma como as cidades foram ou não planejadas. Ela baseia seu estudo
principalmente nas obras de Flavio Villaça, David Harvey e Milton Santos, as cruzando com a análise de nove
cidades distintas localizadas no país (Manaus - AM, São Luiz - MA, Fortaleza - CE, Natal - RN, Maceió - AL, e
Ribeirão Preto, Suzano, Sorocaba e Santa Maria - SP).
31
Aqui, a “Pobreza” é considerada sob o ponto de vista abordado por Milton Santos em seu livro Pobreza
Urbana (1978). Segundo ele, a pobreza não é só um problema material ou econômico, mas também político e
social. “O termo pobreza não só implica um estado de privação material como também um modo de vida – e
um conjunto complexo e duradouro de relações e instituições sociais, econômicas, culturais e políticas criadas
para encontrar segurança dentro de uma situação insegura” (BUCHANAN, 1072, p.225 apud SANTOS, 1978,
p.10).
{ 74 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
Com esse modelo de distribuição social radial, o Recife tem a sua mobilidade
comprometida, ao passo que elege como desejável o padrão de transportes individuais,
gerando uma grande e crescente demanda por maiores extensões viárias, que visam
atender prioritariamente aos interesses da elite (TÂNGARI, 2013), tornando as paisagens
cinzas e impessoais.
Um caso emblemático para exemplificar essa questão é o da Via Mangue, projeto
que teve suas obras iniciadas em 2008, e liga os bairros da zona sul do Recife ao seu centro
de maneira direta, não se prestando ao uso do ônibus de transporte coletivo (DE MORAIS;
SILVA, 2010). Uma outra questão é que se entende que o conjunto viário dos bairros de Boa
Viagem e Pina foi feito e expandido gradativamente, ao longo de todo o século XX, de
acordo com o aumento do uso dos veículos individuais naquela área da cidade (ALVES,
2009; MOREIRA, 1995). Apesar das vias ali construídas não passarem dentro do território da
Brasília, elas trazem impactos visuais e sociais diretos à sua paisagem como se verá nos
próximos capítulos (MAGAROTTO et al., 2013).
Um outro ponto é que os bairros elitizados recifenses, em sua grande maioria,
convivem lado a lado com ocupações de baixa renda. Deve-se atentar que mesmo com o
afastamento das classes sociais mais baixas para as franjas da cidade, sempre existem
espaços ocupados por elas próximos aos núcleos mais abastados. Elas se instalam nesses
locais com o objetivo de estar perto das oportunidades de trabalho ou subempregos
oferecidos pelos mais ricos, evitando os grandes deslocamentos ocasionados pelo modelo
centro-periférico (TÂNGARI, 2013). Geralmente, apesar de nesses casos essa população
pobre se localizar de maneira circunvizinha às elites, pela concentração de terras nas mãos
dessas últimas, só lhe resta ocupar as áreas por elas rechaçadas, que podem ter sido
rejeitadas tanto pela sua precariedade ambiental (não existindo condições mínimas de
habitabilidade e segurança), quanto pela impossibilidade da realização de ocupações
formais em seu interior, por conta de proteções ecológicas ou legais como um todo. Em
geral, as classes sociais mais baixas ocupam esses espaços relegados não somente nas
proximidades das áreas privilegiadas, mas também em todas as outras zonas da urbe. Pelas
poucas oportunidades habitacionais que estão à disposição desses grupos, há sempre uma
grande quantidade de ocupações informais no Recife, numericamente e espacialmente
maior do que as dos núcleos elitizados (TÂNGARI, 2013).
Em Boa Viagem e no Pina, há uma grande concentração de comunidades humildes
nas áreas mais distantes da orla, quase sempre nas proximidades do mangue, e muitas
vezes se instalando no local por meio da construção de palafitas e casebres (mocambos). De
forma contrária, Brasília Teimosa se destaca por estar em um local bastante privilegiado, de
paisagem esteticamente e ambientalmente diferenciada (ALVES, 2009).
{ 75 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
32
Um ponto crucial a ser observado no presente trabalho, é que o controle das elites sobre o governo se dá
não só em relação aos maiores investimentos na sua área de domínio, mas também através de uma legislação
que favorece o seu domínio em relação às demais classes e grupos sociais (VILLAÇA, 2001).
{ 76 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
33
Estando presente de forma um pouco menos incisiva também no bolsão elitizado existente na zona norte da
cidade, como por exemplo, nos bairros das Graças, Parnamirim, Jaqueira, Poço da Panela e Casa Forte (ALVES,
2009).
34
Há dois tipos de segregação. A primeira é a voluntária, feita pelas elites, os dominantes, que como já foi
discutido, tem o poder em relação à criação do espaço urbano e das paisagens. A segunda é a involuntária,
que resta como “opção” para as classes sociais mais pobres e os demais grupos excluídos, coadjuvantes no
fazer da cidade (VILLAÇA, 2001).
{ 77 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
independente e separada dos ritos sociais e das relações trajectivas que os demais grupos
dominados com ela estabelecem, neutralizando a pluralidade da multiplicidade de
percepções e significados que ela contém. Vista assim, essa paisagem deixa de ser tratada
como Kosmos, ou seja, como um meio relacional entre os indivíduos e o mundo, e passa a
se comportar de maneira mercantilista, como um meio neutro, sem particularidades. Esse
ponto é um impasse fundamental que anima este trabalho.
Trabalhando sobre esse ponto, se desenvolverá o cerne deste estudo. Nos capítulos
posteriores, procura-se compreender as diferentes simbologias criadas ao longo da história
dessa paisagem, de forma a captar quais significados e relações com ela são construídas e
existem atualmente, bem como a descobrir quais são os desejos de futuro que a ela se
impõem. Para isso, tornou-se necessário o estudo da construção social da Paisagem
Teimosa e do seu entorno, que será apresentado imediatamente a seguir, em seus aspectos
físicos, subjetivos e relacionais (simbólicos e perceptivos).
{ 78 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
{ 79 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 1 – DA PAISAGEM À TEIMOSA }
{ 80 }
{ }
CAPÍTULO 2
1
PENA FILHO, Carlos. Guia Prático da Cidade do Recife. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 1996, p. 179.
2
A Paisagem é uma Representação Cultural e Social; A Paisagem é um Território Fabricado e Habitado; A
Paisagem é o Meio Ambiente Material e Vivo das Sociedades Humanas (BESSE, 2014).
{ 81 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
sociais criaram com ele uma pluralidade de ritos e relações de identificação, “o fabricando e
o habitando”, de forma que a Paisagem Teimosa resultante se os “representasse
socialmente e culturalmente”3, se vestindo de um caráter que a torna singular.
Assim, a fim de analisar a história da construção social do objeto de estudo,
procurou-se perceber como se deu o enlace entre a sua sociedade e o seu território por
meio dos pontos previamente citados: a natureza, as simbologias, as percepções, as
culturas, os hábitos, os comportamentos e as transformações antrópicas que a formaram.
Para tanto, tomou-se como base a iconografia existente sobre o local (mapas e fotos),
bibliografias históricas, entrevistas, documentos e alguns dados técnicos e legais relevantes.
Para uma compreensão didática desse processo de formação, o período considerado foi
dividido em três momentos distintos dessa paisagem: o dos seus antecedentes, o da sua
formação pela sua resistência e o da sua consolidação. Mapas esquemáticos4 foram
elaborados para uma observação mais clara das permanências e mudanças ocorridas, tanto
em relação aos aspectos naturais originais, quanto aos relativos às ocupações humanas que
nele se deram.
É importante observar que, apesar do alvo de nossa investigação ser o Bairro de
Brasília Teimosa, a história de sua paisagem é interligada a dos seus bairros circunvizinhos,
Boa Viagem e Pina, e por vezes, indissociável. Portanto, alguns fatos históricos sobre estes
últimos serão citados para uma melhor compreensão da evolução paisagística e espacial da
área em questão.
3
Primeira e segunda porta de Besse (2014): “a Paisagem é uma representação cultural e social” e “a Paisagem
é um território fabricado e habitado”.
4
Sugere-se que para uma análise mais efetiva, se faça uma comparação dos mapas desse capítulo com o mapa
da situação atual da Paisagem Teimosa, encontrado entre as páginas 190 e 191 desse trabalho.
{ 82 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 1 - Desenho esquemático da geografia físico-morfológica do Recife, feito por J.C. Branner em 1904. Fonte:
CASTRO, 1966, p.17 in BEZERRA, 2017, p.40 (modificado).
Com exceção dos morros, todos esses elementos que fundamentam a cidade se
encontram muito presentes na Brasília. Ela se situa em uma área litorânea, sendo uma
península triangular banhada pelo mar e pelo Rio Capibaribe, onde até a década de 1930,
quando sofre um aterro, apenas existia a água. Originalmente, a sua região também
{ 83 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 2 - Arrecifes vistos do alto do Forte do Picão, 1875. Percebe-se a força desse elemento paisagístico ao
longo da história do lugar. Após os navios, encontram-se os territórios correspondentes ao atual Bairro do
Pina. Autor: Marc Ferrez. Fonte: FERREZ, 1988, p.23.
{ 84 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
O local onde estão atuais bairros do Pina e Brasília Teimosa passou um grande
período de sua história praticamente inalterado, conservando por muito tempo as suas
características naturais primeiras (SILVA, 2008b) (mapa 1 e 2; mapa Esquemático 1). Ao
contrário de como se apresenta hoje, antes, esse território enlameado se caracterizava
como um conjunto de ilhas (ARAÚJO, 2007). Entre elas, as mais conhecidas eram a do Bode,
a do Nogueira, a do Pina (ou do Lazareto), a da Raposa (que abrigou a Rádio da Marinha no
século XX), a das Cabras e a do Felipe (onde funcionou a destilaria da Bacardi até a década
de 1990) (SILVA, 2008b).
O relativo isolamento do local em relação ao restante da cidade, além da
possibilidade de subsistência pela pesca, atraia negros livres, escravos fugidos e outros
trabalhadores para essas ilhas (SILVA, 2008b), que começaram a habitar essa paisagem
principalmente por uma necessidade econômica e de abrigo. Porém, apesar de ter uma
“aparência de território do vazio, de terras sem dono, sem lei, [ali] escondiam-se formas
particulares de exploração econômica, de propriedade e posse do espaço litorâneo, há
muito solidificada” (ARAÚJO, 2007 apud SILVA, 2008b, p.31).
De maneira tímida, a ocupação do local se deu desde o início do século XVII, tanto
para fins religiosos, quanto para os econômicos. Desde 1600, os Jesuítas possuíam terras
em sua orla. Ali, eles construíram uma Fazenda (Fazenda da Barreta)6 (mapa 1 e 2), onde
5
Nesse discurso, podem ser vistas claramente as três primeiras portas de Besse (2014).
6
Também foi construído um nicho com uma imagem de Nossa Senhora do Rosário (SILVA, 2008a).
{ 85 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
além das plantações, existia uma casa grande e uma senzala. Além disso, neste mesmo
período, a área correspondente à Ilha do Nogueira foi utilizada para atividades ligadas ao
comércio de açúcar com a Europa7. Para atendê-las, houve a construção de um armazém
(SILVA, 2008b).
Ainda no século XVII, pela sua proximidade com o Porto do Recife, a localidade foi
utilizada como base para a conquista dos Afogados (1632- 1633) (FORTE...2013) durante a
Invasão Holandesa em Pernambuco8. Por conta disso, a população que ali residia naquele
período se evadiu, retornando apenas depois que as forças pernambucanas ocuparam o
local e o tiraram da posse dos invasores. Durante o período de sua estadia na área, os
Holandeses construíram um pequeno forte no Pontal do Pina, o Fortim Schoonenburg,
como meio de defesa do Porto (mapa 1 e 2). Após a saída desses colonizadores, a edificação
foi destruída por um incêndio, e as terras do local voltaram a servir essencialmente como
áreas de plantação, pesca e pequenas atividades ligadas a esses usos9 (SILVA, 2008a,
2008b).
Após esses anos, a primeira mudança significativa na paisagem do local ocorreu em
meados do século XIX, em 1849. Dentro das obras de melhoria do Porto do Recife, um
dique foi construído fechando a barreta10 existente ao norte do território (Dique do
Nogueira) (mapa 3 e 4; mapa Esquemático 2; imagem 3 e 4). O objetivo da obra era o de
conter as movimentações de areia causadas pelo trajeto de pescadores e jangadas que iam
da Vila Rua da Jangada (atual Cabanga) até a área do Pina (SILVA, 2008a).
Por dificultar o deslocamento dos pescadores na região, o fechamento do dique fez
com que a população residente na Vila Rua da Jangada se mudasse definitivamente para o
Pina. Os habitantes que ainda restaram no local acabaram se mudando após um incêndio
que aconteceu posteriormente (SILVA, 2008a, 2008b). Além da modificação já citada, nessa
reforma, realizaram-se aterros nas ilhas que formavam a região, e nelas foram instaladas
oficinas de montagem e manutenção de equipamentos portuários, estrutura ferroviária e
embarcações. Essas atividades geraram uma atração de mão-de-obra, que se dirigia à área
em busca de empregos (SILVA, 2008b). Assim, transformações físicas na paisagem alteraram
7
Essas atividades foram encabeçadas pelos irmãos Pina – André Gomes Pina e o “Cheira Dinheiro”. Seus
nomes acabaram batizando as ilhas, e posteriormente, o bairro do Pina, que conserva o seu nome até a
atualidade. Umas das ilhas tinha o nome de “Cheira Dinheiro”, sendo depois chamada de Fernão Soares, de
Ilha da Barreta - pela proximidade com a abertura natural dos arrecifes chamada de Barreta (mapas 1 e 2) - e
em 1710, de Ilha do Nogueira (CENTRO JOSUÉ DE CASTRO, 1993; SILVA, 2008a). É importante ressaltar que,
esse último nome foi frequentemente usado para designar o território do Pina como um todo nos documentos
historiográficos. Aqui também o usaremos para denominar esse bairro em alguns momentos.
8
O domínio Holandês sobre Pernambuco se estabeleceu entre 1630 a 1654 (SANTANA, [201-]).
9
Outro episódio histórico sucedido no local ocorreu durante a guerra dos mascates, quando em 1711, tropas
do Partido da Nobreza de Olinda ocuparam a Ilha do Nogueira (SILVA, 2008b).
10
A Barreta era uma abertura existente no meio dos arrecifes. Ela tinha largura suficiente para a passagem de
embarcações.
{ 88 }
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
a relação das pessoas com o local. Os novos usos ligados às atividades portuárias também
foram determinantes nesse processo.
Os dois fatores de atração habitacional citados, a implantação das oficinas portuárias
e o fechamento da barreta, impulsionaram a ocupação da região do Pina nesse período.
Com a ida dessa grande quantidade de pessoas para as ilhas, as áreas “secas” existentes
começam a se exaurir, fazendo com que a população, por conta própria e com os seus
próprios meios, também começasse a aterrar a área, criando mais espaços aptos à
construção (mapa 2 e 4; mapa Esquemático 1 e 2).
Imagem 3 - Panorama feito entre os anos de 1826 e 1832, de autoria de João Steinmann. Neste recorte, vê-se
em primeiro plano o Bairro do Recife, em segundo, os bairros de Santo Antônio e São José, e em terceiro, a
Ilha do Nogueira, ainda em seu estado natural quase intacto. Fonte: FERREZ, 1984, p.58 e 59.
Imagem 4 - Vista da paisagem local após a construção do Dique, que se encontra ao fundo. Em último plano, a
Ilha do Nogueira. Foto de Autoria de F. du Bocage, 1910. Fonte: Villa Digital. Coleção Benício Dias. Acervo
Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da Educação.
Neste período, a população do Pina ainda era constituída essencialmente por uma
população de baixa renda, principalmente trabalhadores portuários e pescadores, alguns
{ 91 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
deles ex-escravos11 (SILVA, 2008a). As suas casas eram construídas com o material local, se
confundindo com a paisagem já um pouco modificada em relação à original, alterada
principalmente por conta dos aterros realizados. Esta “se compunha de praia com piscinas
naturais, um extenso coqueiral, sítios de fruteiras e pequenos aglomerados de casas de
palha; mangue, viveiros e a maré” (SILVA, 2008a apud SILVA 2008b, p.15). As poucas
construções do bairro12 se localizavam em lugares mais elevados que a cota geral, se
acomodando à topografia e sem delimitação de lotes. O terreno do local ainda se
configurava como alagado e formado por ilhas, que eram ligadas por troncos de coqueiros
(SILVA, 2008a) (imagem 5).
Imagem 5 - Cartão Postal com pintura retratando o bairro do Pina (sem data). Fonte: Coleção José Paiva
Crespo. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da Educação.
11
Após serem “libertos”, os negros passaram a ocupar os alagadiços do Pina e de outras áreas da cidade com
os seus mocambos.
12
A Casa Grande da antiga Fazenda Jesuíta (transformada em casa de veraneio), as Ruínas do Fortin
Schoonenburg, o Lazareto e a casa do Coronel João Guedes eram as únicas edificações em alvenaria existentes
na época.
13
Antes da sua construção, em 1850, criou-se um hospital provisório para atender pacientes com febre
amarela, fechado no mesmo ano. Somente depois o Lazareto foi construído. Não há um consenso sobre a data
de sua fundação. Silva (2008a) afirma ter sido em 1853, Fortin (1994) em 1854 e Costa (in BARTHEL, 1989,
p.38) em 1858. O terreno onde ele se encontrava foi dividido ao meio para a construção da Avenida
{ 92 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
existiram até quando, em seu lugar, foram construídas as Escolas Reunidas Landelino Rocha,
no século XX. Nesta época, consta nos relatórios do estado Sanitário da Província de
Pernambuco, uma outra construção de madeira localizada na Ilha do Bode, também com o
objetivo de receber doentes em quarentena (SILVA, 2008b)14 (mapa 4).
No final do século XIX, ocorreu um grande crescimento demográfico no Recife,
ocasionado pela chegada de uma população carente proveniente das zonas açucareiras e
do sertão. Esse contingente de pessoas ocupou as áreas desvalorizadas da cidade, entre
elas, o manguezal alagadiço da Ilha do Nogueira, ali se instalando como os que já se
encontravam no local, se caracterizando essencialmente como uma colônia de pescadores e
fazendo os seus mocambos e palafitas nas proximidades com o mar, utilizando matéria-
prima natural. Como medida emergencial, visto esse crescimento repentino, ainda neste
século, o governo fez alguns aterros na região, baseando-se nas ideias higienistas já
difundidas no período, transformando-a em terra firme e “O mangue é um camaradão. Fornece
sanitariamente habitável (SILVA, 2008a). Apesar dessa tudo, casa e comida, mocambo e
caranguejo” (Josué de Castro, Homens e
intervenção pública pontual, os protagonistas responsáveis pela
Caranguejos, 2001, p. 107).
criação e transformação dessa paisagem nesse período ainda
eram a gente humilde que ali habitada.
No contexto geral da cidade, percebe-se que, como se verá adiante, até as primeiras
décadas do século XX, a Ilha do Nogueira e suas áreas circunvizinhas não eram de interesse
das elites (ARAÚJO, 2007). Em meados do século XIX, quando o banho de mar começou a
difundir como prática salutar entre esse público15, as praias de Olinda eram as mais
requisitadas. A de Boa Viagem16 e Pina eram evitadas por conta de seu difícil acesso. Além
disso, esta última abrigava o Lazareto e tinha uma população pobre estigmatizada, fatores
repelentes que criaram uma reputação ruim associada simbolicamente à área (BARTHEL,
1989).
Conselheiro Aguiar, se localizando mais precisamente no seu cruzamento com a Rua Souto Filho. Em seu lugar,
hoje existem duas escolas, a Landelino Rocha e a Delmiro Gouveia (BARTHEL, 1989; BRAGA, 1980).
14
O Lazareto também era conhecido como Hospital da Bubônica. Ele era um local de quarentena, onde
ficavam viajantes e negros vindos da Europa, por conta do surto de cólera. A construção de madeira
posteriormente citada existia para o mesmo fim, mas recebia doentes contaminados com Bexiga (BARTHEL,
1989).
15
Antigamente era mais costumeiro frequentar o rio ou as casas de banho (BARTHEL, 1989).
16
A Praia de Boa Viagem começou a ser um pouco mais frequentada para veraneio após a inauguração da
estrada de Ferro São Francisco, que ligava o Recife ao Cabo (BARTHEL, 1989).
{ 93 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 6 - Vista do Pina em 1922. Nota-se o conjunto de mocambos em meio ao coqueiral e alagados.
Acervo Museu da Cidade do Recife. Reprodução Assis Lima/ Fundarpe - 1990. Fonte: SILVA, 2008b, p.26.
{ 94 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 7 - Mocambos do Pina. Pintura sobre papel de autoria de PH. Von Luetzelburg, 1936. Coleção Benício
Dias. CEHIBRA - FUNDAJ. Fonte: SILVA, 2008b, p.47.
17
Nesse período, barricas de madeira que trouxeram o concreto norueguês utilizado na reforma do porto
eram vendidas para a população, que as usavam como matéria prima para a construção de suas casas. Ainda
nesses anos, poucas edificações do local eram de alvenaria (SILVA, 2008a).
18
A ponte era estreita, feita de ferro e lastro de madeira e tinha 715 de extensão (SILVA, 2008a).
{ 95 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 8 - Canteiro de Obras na Ilha do Nogueira, entre 1911 e 1914. Autoria de F. Du Bocage. Fonte: Villa
Digital. Coleção Benício Dias. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da Educação.
Imagem 9 - Obras do porto no Dique do Nogueira em 1910 (data aproximada). Autoria de F. Du Bocage. Fonte:
Villa Digital. Coleção Benício Dias. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da Educação.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 10 - Cartão postal da Ponte do Pina em 1916. Coleção Josebias Bandeira. Fonte: Acervo Fundação
Joaquim Nabuco. Ministério da Educação.
19
A relação com o mar acontecia desde muito cedo. Alguns pescadores começavam as suas atividades ainda
crianças (SILVA, 2008a).
{ 98 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Desde sempre, ela teve uma reputação de lugar elitizado, “Para ver um banho popular, vá ao Pina.
contrastando com a imagem que se tinha do Pina (ARAÚJO, O Europeu achará curiosíssimo, num
banho como o do Pina, a variedade de
2007).
cor da gente recifense. Domina um
Até o início da década de 20, o bairro de Boa Viagem moreno avermelhado, mas veem-se
ainda guardava as características originais da sua paisagem, uma todas aquelas cores de frutas (...)”.
(FREYRE, 1934 in ARAÚJO, 2007, p.511)
mistura de coqueiral e alagados forma dos pelas águas do Rio
Jordão, tendo ocupações muito esparsas e pouco significativas “O Pina, minha querida, é uma praia de
banhos muito aprazível. Vive-se aqui
(imagem 11). Esse cenário começa a mudar drasticamente
comodamente, folgadamente, livre dos
quando em 1924, dentro do contexto explanado anteriormente, preconceitos e exigências sociais”
durante o Governo de Sérgio Loreto (1922-1926), começa-se a (Depoimento encontrado no jornal O
VERÃO, 1927, p.1 in ARAÚJO, 2007,
construir a Avenida Beira-Mar, concluída em 192620 (ALVES,
p.456).
2009) (mapa 6; imagem 12, 13 e 15). A sua criação foi um marco
“Mas não é só junto ao rio/ que o Recife
de grande impacto para o Recife como um todo, pois ela
está plantado,/ hoje a cidade se estende/
“transferiu os rumos do crescimento da cidade por sítios nunca pensados/ dos subúrbios
para a região sul. De uma localidade habitada por coloridos/ aos horizontes molhados./
pescadores e poucas casas de veraneio, sem falar Horizontes onde habitam/ homens de
dos manguezais, que proliferavam por toda parte, pouco falar/ noturnos como convém/ à
passou ao local mais valorizado da cidade (...)” fúria grave do mar./ Que comem fel de
crustáceos/ e que vivem do precário/
(BARRETO, 1990, p.144).
desequilíbrio dos peixes./ Nesse lugar, as
mulheres/ cultivam brancos silêncios/ e
Grandes mudanças no sistema viário foram feitas para nas ausências mais longas,/ pousam os
viabilizar essa obra. Uma delas foi a reforma e ampliação da olhos no chão,/ saem do fundo da noite,/
tiram a angústia do bolso/ e a
antiga ponte do Pina, em 1922 (imagem 15). A partir de então, a
contemplam na mão./ Só os velhos
passagem de veículos foi facilitada e os bondes começaram a adormecem,/ Lembrando o tempo que
chegar à orla21. Juntamente com eles, veio também o foi/ vazios como o vazio/ e fácil sono de
um boi”. (Poema “A Praia” – Carlos Pena
posteamento da área, que se estendeu pela Avenida de Ligação Filho)
(atual Herculano Bandeira), a dividindo em duas faixas com
sentidos opostos (mapa 6; imagem 16). Esta última foi construída em 1923, começando na
Ponte do Pina e se estendendo até a Avenida Beira-Mar, se tornando importante eixo de
ligação do bairro com o restante da cidade (ALVES, 2009; ROCHA, 1976). Ademais, nessa
mesma época, houve a criação da Avenida Cabanga, a atual Saturnino de Brito (mapa 6).
20
A criação da Avenida Beira-Mar foi bastante polêmica. Segundo críticos contrários à sua construção, a obra,
que visava prioritariamente à modernização e o embelezamento da cidade, era muito custosa e não deveria
ser de prioridade do governo. É importante ressaltar que, apesar de já existir moradores na área antes da
Avenida, a abertura desta beneficiou principalmente os donos das terras desabitadas que existiam ao longo de
seu percurso. Para facilitar a sua construção, alguns terrenos foram cedidos pelos proprietários, que sabiam
que posteriormente, com a valorização da região, teriam posses mais valorizadas (ALVES, 2009). O
empreendimento foi justificado pelo governo pela necessidade de expansão da área habitável da cidade,
alegando que a existente já se encontrava esgotada.
21
Inicialmente, a linha do bonde teve como terminal o ponto localizado ao que hoje corresponde ao atual
Posto salva-vidas 1 da orla.
{ 99 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Além dessas avenidas, obras de saneamento foram feitas para dar suporte à ocupação do
local, como por exemplo, a retificação do Rio Jordão, a instalação de rede de esgoto, água e
energia elétrica na região (inclusive iluminação pública também) e a já citada implantação
da rede de bondes, que passava por toda Avenida Beira-Mar (SILVA, 2008b).
Imagem 11 - Boa Viagem em 1908, antes da abertura da Avenida Beira-Mar. Na época as ocupações eram
espaçadas e o local era basicamente uma mistura de coqueirais e alagados. Autor desconhecido. Fonte: Blog
Caderno Recifense, [20--].
Imagem 12 - Obras durante a construção da Avenida Beira-Mar, em Boa Viagem, em 1923. Autor desconhecido.
Fonte: Blog Paulo Eduardo Lubambo Lyra, 2012.
{ 100 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 13 - Avenida Boa Viagem recém-inaugurada, em 1925. Fonte: Filme Veneza Americana,
1925. Direção de Hugo Falangola.
Imagem 14 - Cartão Postal da Avenida Boa Viagem em 1939 (data aproximada). Coleção de
Josebias Bandeira. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da Educação.
{ 101 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 15 - Ponte do Pina ampliada na década de 1920. Autor desconhecido. Fonte: The Trams of/Os Bondes
do Recife, [20--].
Imagem 16 - Cartão Postal da Avenida de Ligação, atual Herculano Bandeira, em 1925 (data aproximada). Foto
de Autoria de L. Gabriele. Coleção Josebias Bandeira. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da
Educação.
{ 102 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
{ 103 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
{ 104 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Nesse momento, a paisagem de Boa Viagem se tornou o “Praia de boa Viagem, a linda praia de
emblema da modernização Recifense22, sendo vista como seleta palacetes bonitos e paraíso das criaturas
formosas é para onde converge a fina
e elitizada. Cabe destacar que essa significação dada a ela
elite social. Os autos chegam ali repletos
também surge em consonância com a “moda” de se morar nas de gente fidalga – que se vão confundir
praias urbanas brasileiras, nascida a partir da ocupação da Orla às espumas brancas do mar” (BOA
VIAGEM, 1934, p.5 in ARAÚJO, 2007,
de Copacabana, no Rio de Janeiro (MOREIRA, 1994). Assim, essa
512).
obra fabricou uma paisagem que representou culturalmente os
anseios da elite recifense naquele momento. Pela maior identificação dessa camada social
detentora de poder e influência política com a Praia de Boa Viagem, os investimentos
públicos foram direcionados massivamente para ela, enquanto a do Pina foi relegada
(ALVES, 2009).
A ocupação do local se deu de forma rápida, porém, inicialmente se restringiu
apenas aos lotes lindeiros ao mar e à construção de palacetes e chalés (MOREIRA, 1994)
(imagem 14). As novas vias, a construção de novas edificações e os novos elementos
infraestruturais criados (posteamento, saneamento, entre outros) conferiram a este bairro
um tratamento diferenciado do restante da cidade, o modificando drasticamente, e
transformando de maneira significativa a paisagem de coqueirais e enlameados que o
caracterizava originalmente23 (MOREIRA, 1994).
Percebe-se aqui, um dos primeiros exemplos de como se conseguiu manipular as
iniciativas e o capital governamentais para atender aos seus interesses de pessoas alheias à
história dessa região (ALVES, 2009), que conseguiram protagonizar a modificação
paisagística do local24. O incentivo público foi decisivo nesse processo, pois além do aporte
estrutural para o uso daquela praia, a legislação da época também incentivou a construção
de novas edificações (HERRERA, 1992)25.
É importante observar que, apesar das alterações ocorridas na zona sul do Recife
terem sido realizadas, em sua grande maioria, de forma direcionada para Boa Viagem, o
Pina se encontra no meio do caminho entre esse local e o centro da cidade e outras
localidades, recebendo diretamente os impactos das transformações urbanísticas e
paisagísticas nele ocorridas. Avenidas e pontes que davam acesso à praia também passavam
22
Essa reforma fez parte do conjunto de obras de modernização realizadas na cidade nesse mesmo período.
Para mais informações sobre essas reformas e o espírito modernizador recifense da época, consultar:
MOREIRA, Fernando Diniz. Universidade Federal de Pernambuco; Departamento de Arquitetura e
Urbanismo. A Construção de uma Cidade Moderna: Recife (1909-1926). Recife, 1994.
23
Como dito no primeiro capítulo deste trabalho, o espaço das elites, em geral, tende a ser tratado
ambientalmente e paisagisticamente de maneira diversa do restante da cidade (VILLAÇA, 2001).
24
Aqui se faz referência aos pontos explanados no primeiro capítulo, em relação aos principais padrões
existentes na construção social das paisagens (TÂNGARI, 2013) e na segregação urbana resultante desse
processo (VILLAÇA, 2001).
25
A legislação facilitava essas construções permitindo que, por exemplo, imóveis construídos até 1930 fossem
isentos de impostos (HERRERA, 1992).
{ 105 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
por esse bairro intermediário, que desde o início sofreu com a demanda viária criada para a
expansão do Recife nessa direção. Apesar de na época o Pina não ser tão valorizado e bem
estruturado quanto Boa Viagem, pela proximidade entre os dois bairros, ele também
começou a se valorizar economicamente, principalmente a partir da segunda metade do
século XX, como se verá a seguir (ALVES, 2009).
Na medida em que as condições infraestruturais eram dadas a esse bairro de
passagem, entre elas, notadamente o aterro (muitas vezes feito
“O tubarão é feroz, mas o homem tem a
inteligência” (depoimento de Quiabo pelos moradores pobres com os seus próprios meios) e a criação
Duro – SILVA, 2008b, p.37). do sistema de vias que conduzia à praia, os grupos dominantes da
cidade se interessavam cada vez mais por ele, começando a
pressionar fortemente a população humilde dos mocambos e palafitas a abandonar os
terrenos que ocupavam. Porém, juntamente com essa valorização do solo, se intensificava
também a luta dessa gente pela posse da terra por ela tradicionalmente ocupada (DE
MORAIS, D.P.; SILVA, L.R.S., 2010). Nesse momento, começa a surgir a necessidade de se
apropriar da área não somente pelo habitar, mas também de maneira legal.
A criação da Avenida Boa Viagem e a repressão das ocupações de Baixa renda
existentes no Pina estavam de acordo com o tipo de atuação que o governo tinha naquele
período. Na década de 1930, o poder público direcionou a sua atuação no Recife de duas
formas: a primeira delas foi com planos de embelezamento e modernização seguindo os
moldes higienistas, fazendo a higiene física e também social, através de retaliações às
ocupações pobres em áreas valorizadas da cidade, como no caso dos bairros em questão; e
a segunda com uma repressão sútil às classes trabalhadoras através de represálias a
movimentos operários, e também pela legislação26 (BARRETO, 1990).
26
Dentro desse contexto, em 1939, no governo de Agamenon Magalhães (1937-1945), foi criada a Liga Social
Contra o Mocambo. Ela era uma entidade privada que se dizia humanitária, mas que traçou como meta
prioritária a erradicação de mocambos e casebres incentivando a construção de casas para a população de
baixa renda. A ideia era “limpar a cidade não só pelo embelezamento, mas atender a outros interesses, com a
abertura da área ocupada pelos mocambos ao mercado imobiliário e ao interesse da igreja católica em
contraposição ao partido comunista” (ALVES, 2009, p.90, grifo nosso), que tinha grande aceitação entre a
população mocambeira (ALVES, 2009). Tentava-se aliviar as tensões trabalhistas através da doação de casas
populares, mas em contrapartida, medidas repressoras como demolições sem indenização ou aviso e
proibição da construção dessas moradias precárias dentro do perímetro urbano foram exemplos de ações
tomadas pelo poder público na época. A década de 1940 também foi marcada pela pressão exercida por esse
órgão (BOTLER, 1994).
Em 1945, o Serviço Social Contra o Mocambo, de caráter estadual, assumiu as responsabilidades da liga,
porém de forma mais voltada para as questões sociais propriamente ditas e para habitações de classe média.
Posteriormente o programa de erradicação de mocambos foi perdendo importância e a questão da moradia
popular foi incorporada aos programas nacionais, como o Sistema Financeiro de Habitação e o Banco Nacional
da Habitação (BNH), criados em 1964 (BARRETO, 1990), que também se utilizavam do déficit habitacional para
exercer controle social sobre a população.
{ 106 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
A atuação da liga e depois do Serviço Social Contra o Mocambo acirrou ainda mais os ânimos e as
necessidades em relação à questão da posse de terra nas comunidades da cidade como um todo (BARRETO,
1990).
27
O início da ocupação da área data da mesma época da construção da Brasília de Kubitschek, a Capital
Federal. Por isso e pelo histórico de lutas da população, que insistia em permanecer no local mesmo com a
represália por parte do governo e a demolição das casas construídas, ela foi batizada com o nome pelo qual é
conhecida hoje.
28
Se referindo à colônia de pescadores z-1.
29
A areia da “Coroa dos Passarinhos”, foi levada até essa nova área para aterra-la. Segundo Oswaldo Silva “A
Coroa dos Passarinhos é a parte de terra que aparece no meio da Bacia do Pina na Maré Baixa, no passado se
constituía de areia branca com uma vegetação rasteira e os jovens do Bairros de São José se aventuravam
naquele local para tomar banhos nas tarde ensolaradas” (2008a, p.30).
{ 107 }
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manifestações populares (SILVA, 2008a). Outras festas culturais também já haviam ganho
destaque, inclusive as ligadas à dança e à religiosidade, sendo essa última um aspecto muito
forte nesse bairro30 (ARAÚJO, 2007). Nesse período, já havia se consolidado um pequeno
comercio local de feira, pequenas vendas e serviços que atendiam a população ali residente.
Juntamente a isso houve a abertura de muitos restaurantes, mostrando uma vocação
gastronômica até hoje atribuída à região. Dentre as edificações importantes construídas
nessa época na região do Pina e Brasília Teimosa, cabe ainda destacar a importância cultural
e paisagística a Igreja Matriz do Rosário, criada em 193231 (SILVA,
“Pescadores e prostitutas são duas
classes desprezadas pelo mundo que 2008a).
pouco vê o pescador e pouco vê as Também nesses anos, numa localidade chamada “Curral
prostitutas. São duas classes exploradas
das Éguas”, próxima à área da Colônia, começa a se instalar uma
porque nem o pescador faz o preço do
peixe, (...) e a prostituta também não faz Zona de prostituição, que recebia um público de visitantes, da
o preço da sua carne” (Depoimento de elite de Boa Viagem e de pessoas que chegavam pelo porto. Além
Seu Salviano, morador de Brasília
disso, na época da segunda guerra, quando a base militar se
Teimosa para uma matéria do Jornal do
Commercio) (FAVELADOS...1989). instalou no bairro, os americanos frequentavam os cassinos, bares
e as muitas gafieiras ali existentes, também movimentando esse
mercado. Esse uso reforçou mais uma vez o estigma marginal dado pela cidade ao Pina
(ARAÚJO, 2007; SILVA, 2008a).
30
Tanto as ligadas à igreja católica, quanto à evangélica e às de Matriz Africana, sendo essas últimas
fortemente reprimidas na época (SILVA, 2008a).
31
Ela substituiu uma antiga capela de madeira existente no bairro desde o início do século (SILVA, 2008a).
{ 108 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 17 - Perspectiva do Recife em 1932. Em primeiro plano, vê-se a Ilha de Santo Antônio e São José, e ao
fundo, as áreas correspondentes aos atuais bairros do Pina e Brasília Teimosa. Fonte: Ana Maria Costa Fraga
(Pinterest), [20--].
Imagem 18 - Perspectiva do Recife já com o aterro do Areal Novo. Em primeiro plano, vê-se a Ilha de Santo
Antônio e São José, e ao fundo, as áreas correspondentes aos atuais bairros do Pina e Brasília Teimosa. Fonte:
Blog Francisco Miranda, [20--].
{ 109 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 19 - Foto aérea do aterro recém terminado. Essa península corresponde à maior parte do território
atual da Brasília Teimosa hoje. Acervo do Museu da Cidade do Recife. Reprodução Assis Lima/ Fundarpe -
2010. Fonte: SILVA, 2008b, p. 52.
{ 110 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Mapa 8 - Proposta para o aeroporto no Areal do Pina, provavelmente datada do ano de 1934 1) Arrecifes; 2)
Antiga barreta; 3) Dique; 4) Coroa dos Passarinhos; 5) Aeroporto; 6) Mar; 8) Avenida Herculano Bandeira; 9)
Ponte do Pina; 10) Cabanga; 11) Ilha de Santo Antônio e São José. Fonte: FORTIN, 1987.
{ 111 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
O estudo da história dos bairros de Boa Viagem e Pina nas épocas que precedem à
formação da Brasília, nos ajuda a entender em que contexto ela surgiu. Contexto esse que
não é somente temporal, mas também físico e simbólico.
Conhecendo o tipo de ocupação preexistente na região e as conotações que a ela
vinham sendo imputadas até então, se compreende com mais facilidade como a
comunidade se relaciona, se assemelha ou destoa das suas vizinhanças.
As características divergentes entre os bairros dão pistas de como o impasse entre
os desejos de permanência e expulsão da Teimosa, existente desde o seu nascimento, vem
se desenvolvendo ao longo dos anos e a partir de que mecanismos sociais e territoriais são
exercidas as pressões sobre ela. Desse modo, se pode compreender como se deu a
construção do cenário paisagístico incoerente que vem se consolidando no local,
ameaçando a Brasília e imprimindo na cidade os conflitos morais e de interesses presentes
em torno de sua existência.
“Eu protestei, quiseram me pegar. Eu
corri para o lado, briguei com a polícia.
Então começamos a luta (...). Aquela
2.2.1 Décadas de 1940 a 1960: a apropriação Teimosa e a
terra foi formada pelos peixes que
morrem, pelas madeiras e outras coisas consolidação de uma Paisagem de conflitos
da natureza. Então essa terra não tem
dono, é de todos que nela habitam. (...)
Cada um que invadia um terreno, só O Areal Novo começou a sofrer invasões nos anos 50,
tinha direito a uma casa, porque só
temos uma cabeça e pra uma cabeça, é tendo um aumento populacional gradual no decorrer dos anos. As
um chapéu” (Depoimento de Seu Lulu, secas ocorridas no estado no final dessa década (1957 e 1958)
para uma matéria do Jornal do
impulsionaram esse processo, já que por conta delas, muitos
Commercio – FAVELADOS...1989).
retirantes se deslocaram para o Recife e ocuparam, entre outras
“Daqui não saio, daqui ninguém me tira
áreas, a Brasília Teimosa (mapa 9 a 12; mapa esquemático 4)
Onde é que eu vou morar?
Se derrubam meu barraco é de lascar (FORTIN, 1987; SILVA, 2008a).
Ainda mais com 4 filhos, As invasões dos primeiros moradores da Brasília sofreram
Onde é que eu vou morar?”
grande repressão por parte do governo. À noite, a polícia
(Marchinha de Carnaval cantada pelos
moradores nas suas lutas. Transcrita em derrubava as casas que eram construídas dia após dia pela
um folheto da Chapa 2 para as eleições população. A cada derrubada, havia a construção de uma nova
de 1995 do Conselho de Moradores de
série de habitações, em número maior que o anterior, de forma
Brasília Teimosa)
que as retaliações diminuíram, visto a impotência do poder
público frente à luta do povo32 (BRASÍLIA, 2014). Como exemplo dessa teimosia, tem-se o
episódio ocorrido no carnaval de 1958, quando, se aproveitando da deficiência de
32
Um episódio interessante que demonstra a força da luta do povo pelas suas terras aconteceu em 1956, no
dia em que Juscelino Kubistchek (JK) foi empossado presidente da república. Um grupo de pescadores da
{ 112 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
fiscalização nesse período, 300 famílias invadiram o local (MOURA, 1990)33. As primeiras
habitações eram muito rudimentares, de madeira e pau-a-pique. Além disso, a
infraestrutura e saneamento eram precários, não existindo acesso à energia elétrica, água e
drenagem (BRASÍLIA, 2014).
A área do Areal Novo se uniu ao Areal Antigo (“área da Colônia”), tanto pela
proximidade geográfica, quanto para facilitar as conquistas de direitos sociais e de
melhorias estruturais para o local, como por exemplo, a regularização fundiária34, a
construção de habitações formais, a infraestrutura urbana e a criação de equipamentos de
saúde e educação para a população (BOTLER, 1994). Desde o início, movimentos e grupos
culturais estiveram lado-a-lado nas conquistas e nas discussões promovidas pela
comunidade (SILVA, 2008a).
Em 1953, a Federação das Colônias de Pesca de Pernambuco conseguiu um
aforamento autorizando a ocupação da área do Areal Novo de forma legítima. O local foi
dividido entre os associados e pescadores da região do Cabanga, que foram vítimas de um
incêndio criminoso35 em seus mocambos no ano anterior. Em 1955, no entanto, a
Federação transferiu parte desse terreno para a construção do Iate Clube do Recife
(construído em 1977), e posteriormente o diretor deste mesmo clube, Roberto Eugênio
Maçães, conseguiu adquirir em seu nome uma parcela dessas terras (CONSELHO DE
MORADORES DE BRASÍLIA TEIMOSA, 1979). Por esse motivo, o aforamento foi suspenso,
deixando a questão da posse daquele local indefinida. Em 1958, a continuação dos
moradores na área foi permitida sem maiores garantias. A criação do Conselho de
Moradores de Brasília Teimosa, em 1966, foi fundamental nesse processo de luta pelo
direito à terra (BRASÍLIA, 1998).
Apesar da suspensão do aforamento, como meio de se apropriar do local e assim
garantir a permanência no terreno, os associados da Colônia de Pescadores Z-136, entidade
colônia Z-1 de Brasília Teimosa fez uma viagem aventureira de jangada, do Pina até o Rio de Janeiro, onde
foram ao encontro do presidente portando um memorial com as reivindicações da população (BRASÍLIA,
2014). Esse episódio gerou visibilidade para a comunidade e consequentemente fortaleceu a sua batalha.
33
Segundo Barthel (1979), a maioria das invasões que ocorria na cidade acontecia às sextas-feiras à noite ou
em dias festivos em geral, como nesse caso, exatamente para aproveitar as brechas de fiscalização nesses
períodos.
34
Segundo Alfonsin, Regularização Fundiária “é o processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídico,
físico e social, que objetiva legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em
desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando acessoriamente melhorias no ambiente urbano
do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária” (1997, p.24 apud
SILVA, 2001, p.75).
35
Na época era muito comum a ocorrência de incêndios criminosos provocados por proprietários de terras
invadidas. Eles eram feitos como forma de expulsar a população ocupante queimando “acidentalmente” os
seus mocambos (ALVES, 2009).
36
No período da segunda guerra mundial, a Marinha criou as Colônias de Pescadores com o objetivo de
proteger a costa do país. A Colônia Z-1 de pescadores, vinculada a Brasília Teimosa, foi a primeira criada em
Pernambuco (MORAES, 2011).
{ 113 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
ligada ao bairro, pelos seus próprios meios, lotearam o Areal em sua maior parte. Dois mil e
cem lotes de 12x18m foram criados de forma planejada, com um traçado regular
perpendicular ao oceano atlântico, que permanece idêntico até a atualidade37 (imagem 20,
mapa esquemático 5) (FORTIN, 1987; SANTOS, 2011). Essa é uma característica que
diferencia o espaço da comunidade dos construídos em outros assentamentos de baixa
renda, não só de suas circunvizinhanças, mas de toda a cidade, que geralmente possuem
uma malha viária não ortogonal e irregular. Assim, vê-se que, ainda que de forma bastante
diversa, e a partir de parâmetros e interesses diferentes, tanto o território de Boa Viagem (e
em partes, o do Pina), quanto o de Brasília Teimosa foram planejados e fabricados de
maneira consciente.
Ainda nessa época, as casas da Brasília permaneciam sendo de chão batido e
construídas artesanalmente, com materiais rudimentares, que iam desde barro, até papelão
e embalagens, sem condições mínimas de habitabilidade (imagem 21) (SILVA, 2011).
Imagem 20 - Brasília Teimosa recém -loteada (anos 70). Perceber a linha de força dos arrecifes ao fundo. Autor
e ano desconhecidos. Fonte: Textos & Contextos: O Blog Almanaque, 2010.
37
Posteriormente, se verá que o bairro sofreu um processo de adensamento. Ele é possibilitado em partes
pelo traçado ortogonal estabelecido. Além disso, o tipo de subdivisão dos lotes feito durante esse período
{ 114 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 21 - Construção de mocambos em Brasília Teimosa, em 1959, no início das ocupações. Autor
desconhecida. Fonte: Brasilina Teimosina (Perfil do Facebook), 2016.
inicial de consolidação do bairro facilitou sucessivas subdivisões: os primeiros 2100, em 1987 já tinham se
transformado em 3000 (FORTIN, 1987).
{ 115 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
{ 116 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
38
Ver discussões do primeiro capítulo, principalmente no que toca à teoria de Conan (1994).
39
Exemplos de vilas que acolheram as realocações realizadas na época são a Vila das Lavadeiras e dos
Operários, na Zona Sul, e a dos Comerciários, na Zona Norte da cidade (SILVA, 2008a).
{ 120 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
alagados)40. Quanto a isso, Brasília Teimosa vem fugindo desse padrão desde ao início de
sua existência, já que mesmo com todas as pressões exercidas sobre ela, a comunidade
resistiu e resiste defendendo o seu direito de habitar o seu território e nele fundar a sua
história.
Imagem 22 - Pescadores em Brasília Teimosa, 1957. Autor desconhecido. Fonte: Brasilina Teimosina (Perfil do
Facebook), 2016.
40
Ver discussão da sessão 3 do Capítulo 1.
{ 121 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 23 - Vendedor de Caju em Boa Viagem na década de 1940. Como neste exemplo, uma boa parte da
população pobre residente neste bairro e no do Pina e Brasília Teimosa tinha na natureza o seu meio de
subsistência e trabalho. Fonte: Villa Digital. Coleção Benício Dias. Autoria de Benício Whatley Dias Acervo
Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da Educação.
A partir da década de 50, houve uma maior consolidação do bairro de Boa Viagem,
que se transformou em um local de primeira residência (ALVES, 2009) (mapa 13; imagem
24, 25 e 26). Nessa época, o sistema de iluminação e pavimentação da área foi reconstruído
e os coqueirais e ambientes naturais completamente modificados para dar lugar às novas
edificações (ARAÚJO, 2007; SILVA, 2016). Começou-se a construir os primeiros arranha-céus
da orla do bairro, e as suas antigas casas de madeira foram gradativamente substituídas por
outras de alvenaria42 (SILVA, 2008a). Com o aumento significativo do número de habitações,
41
Idem.
{ 122 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
criou-se uma42demanda crescente por serviços que lhes dessem apoio, fazendo com que
novos usos começassem a se fazer cada vez mais presentes na região, que a essa altura, já
se transformava no segundo centro principal da cidade. Na década de 60, o processo de
consolidação do bairro segundo esses moldes se intensificou, e ele continuou a crescer em
ritmo acelerado43 (ASSIES, 1991) (imagem 27 e 28). Todas essas mudanças continuavam em
consonância com a vontade de se construir uma paisagem que significasse modernidade
para o Recife.
O processo de ocupação veloz de Boa Viagem nesses anos também tem a ver com a
lei 2.59044 de 1953, que transformou o bairro em Zona Urbana (desde o zoneamento de
193645 a região era considerada suburbana). Com isso, ele se valorizou para o mercado
imobiliário, visto que essa mudança possibilitou um aumento da taxa de ocupação do local
(subindo 7%) e do coeficiente de aproveitamento do solo. Ademais, como desde 191946 era
proibida a construção de mocambos nas zonas urbanas (ALVES, 2009), essa alteração foi
mais uma forma de promover uma “seleção social” na área, a camuflando por meio das
políticas governamentais higienistas.
É nesse sentido que, como citado no início do capítulo47, a Paisagem Recifense
“mostra e esconde a sua gente”. Nesse caso, o espaço da elite era permitido e incentivado
nos locais privilegiados do Recife, como em Boa Viagem, já que ele simbolizava a ideia de
modernidade que se queria mostrar esteticamente e socialmente. Enquanto isso, as
aglomerações de palafitas e mocambos, feitas pela população humilde, por deflagrarem um
caráter de desordem, exatamente o oposto do desejável para representar a imagem da
cidade, eram retiradas dos bairros centrais e escondidas nas periferias.
As mudanças ocorridas na zona sul também estimularam a
“Recife,
ampliação do sistema viário da região. Em 1953, é criada a Ponte Ao clamor desta hora noturna e mágica
Agamenon Magalhães paralela a antiga Ponte do Pina (imagem Vejo-te morto, mutilado, grande,
Pregado à cruz das grandes avenidas”
29). Em 1968, a Avenida Antônio de Góes foi criada, ligando esta
(Trecho do poema “Recife Morto” –
nova Ponte à Avenida Beira-mar, sendo paralela a Avenida de Joaquim Cardozo).
Ligação (imagem 30). No local por onde ela passa, foi demolido
um conjunto de ruas estreitas, com casas de madeira desordenadas, que antes faziam parte
da zona de prostituição então existente no Pina na época.
42
Nesse período, ganham destaque os primeiros arranha-céus da época: o Acaiaca, o Califórnia, e em seguida,
o Holiday (imagem 28). Este último, existente até os dias de hoje, originalmente abrigava 416 apartamentos
distribuídos ao longo dos seus 17 andares. Compondo essa paisagem moderna, também surge o primeiro
Hotel de Boa Viagem, em 1954 (SILVA, 2016).
43
Nos anos 60, o bairro de Boa Viagem cresceu 10,4% em relação ao decênio anterior (ASSIES, 1991).
44
Lei 2.590, de 24 de novembro de 1953. O perímetro do bairro considerado urbano ia desde a Avenida Beira-
mar até a Avenida Conselheiro Aguiar, terminando na fronteira do município (ALVES, 2009).
45
Pelo zoneamento ditado pelo Código de obras de 1936, que altera a lei 1.051 de 1919 (ALVES, 2009).
46
Lei 1.051 de 1919 (ALVES, 2009).
47
Ver citação no início da sessão 2.1.1 deste capítulo (PROMORAR, 1980).
{ 123 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 24 - A Avenida Boa Viagem com construções ainda predominantemente horizontais na década de
1940. Fonte: Blog Diário de Pernambuco, 2015.
48
Ver discussão da sessão 4 do Capítulo 1, especificamente no que diz respeito aos padrões recorrentes de
formação espacial das cidades Brasileiras também encontrados no Recife.
{ 124 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 25 - Boa Viagem na década de 1950. Observar a paisagem começando a se modificar, com casas
predominantemente térreas situadas em meio ao coqueiral. Fonte: Blog Paulo Eduardo Lubambo Lyra, 2012.
Imagem 26 - Avenida Boa Viagem, década de 1950. Fonte: Villa Digital. Coleção Benício Dias. Autoria de Benício
Whatley Dias. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da Educação.
{ 125 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 27 - Praia de Boa Viagem com sua orla já um pouco verticalizada em 1965. Fonte: Villa Digital. Coleção
Benício Dias. Autoria de Katarina Real. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da Educação.
{ 126 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 28 - Boa Viagem verticalizada na década de 60. Em destaque, o Edifício Holiday. Fonte: Blog Caderno
Recifense, 2013.
Imagem 29 - Cartão postal retratando a Ponte Agamenon Magalhães entre as décadas de 1940 e 1950. Fonte:
Coleção Arnaldo Guedes Pereira. Autoria desconhecida. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da
Educação.
{ 127 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 30 - Encontro entre a Avenida Boa Viagem e a Avenida de Ligação (atual Avenida Herculano Bandeira)
na década de 60. Ao fundo, à direita Brasília Teimosa com seu Areal já loteado e ocupado. Perceber a
mudança em relação à paisagem natural original dos bairros, que nesse período já estava bastante aterrado e
com menos verdes e área de mangue. Fonte: Blog Conheça o Recife Antigo, [20--].
Enquanto Boa Viagem vicejava e era emblema de distinção social, já nessas décadas,
o Pina sofria com a falta de saneamento básico e infraestrutura. Como já foi dito antes, este
bairro não recebia tantos investipmentos públicos como aquele, estando carente em
infraestrutura e saneamento, além de ter sido em grande parte, ocupado por mocambos e
aglomerados de baixa renda (SILVA, 2016), sendo por isso estigmatizado e menos valorizado
economicamente que o seu vizinho. Ao longo dos anos, essa diferença entre o significado
dos dois bairros no contexto da cidade foi um dos fatores que contribuíram para que o
movimento de verticalização de Boa Viagem não ocorresse com a mesma velocidade no
Pina (SILVA, 2008a). Porém, além desse aspecto, outros motivos notadamente contribuíram
para isso.
Em 1941, o Aeroclube, criado no ano anterior, foi transferido para um grande areal
até então desabitado localizado do Pina (mapa 9 e 11; imagem 31). Também nessa década,
o governo adquiriu terrenos para a construção da Rádio Station (mapa 9) (SILVA, 2008a). A
existência desses equipamentos foi um limitador do cone máximo de gabarito para a
construção de edifícios em altura neste bairro. A presença do Aeroclube, por exemplo,
impunha um limite de até cinco pavimentos para os seus edifícios circunvizinhos, que não
podiam ter elementos metálicos em suas cobertas (CENTRO JOSUÉ DE CASTRO, 1993).
Dessa forma, por todas essas razões, ali havia uma valorização menor do solo e também
{ 128 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 31 - Aeroclube de Pernambuco em meio à paisagem do Pina no final da década de 50. A Avenida Boa
Viagem já timidamente verticalizada e a paisagem desses dois bairros bastante modificada em relação à
original. Autoria de Alcir Lacerda. Fonte: TC2 (Fotolog), 2005.
{ 129 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
esse mesmo motivo, já havia ocorrido uma diminuição drástica das áreas de mangue e
verdes da região. As novas avenidas que passavam pelo bairro e as suas novas edificações
também ajudaram a alterar a paisagem primeira do local. (SILVA, 2008a).
Imagem 32 - Perspectiva do Pina na década de 1940. Em destaque, Igreja Matriz do Rosário (Igreja do Pina) na
Avenida Herculano Bandeira, construída em 1932. Nesse período, a paisagem já havia sido bastante alterada e
os contornos das ilhas já se apagavam por conta dos sucessivos aterros realizados. Perceber os primeiros
arruamentos bem consolidados no bairro do deste bairro. Fonte: Pinterest Ana Maria Costa Fraga, [20--].
49
A Paisagem vista como ”Meio Ambiente Material e Vivo das Sociedades Humanas”, abordado na segunda
porta de Besse (2014),
50
O cinema era do grupo Luiz Severiano Ribeiro, e foi construído em estilo Art Decor. Em 1985, foi adquirido
pela prefeitura, que o transformou no Teatro Barreto Júnior (SILVA, 2008a).
{ 130 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 33 - Perspectiva de Brasília Teimosa e Pina em 1967. No plano central a Ponte Agamenon Magalhães e
a Avenida Antônio de Góes. Em segundo plano, à esquerda, o edifício do DNER, e à direita, o Clube Líbano
Brasileiro. Ao fundo, Brasília Teimosa e Pina, com a sua paisagem modificada pelos arruamentos consolidados.
Ainda observa-se a presença da vegetação e dos coqueirais, mais em quantidade muito menor aos originais.
Fonte: Brasilina Teimosina (Perfil do Facebook), 2016.
{ 131 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
2.2.2 Décadas de 1970 e 1980: daqui não saio, daqui ninguém me tira
Nas décadas de 70 e 80, Boa Viagem se tornou um bairro ainda mais valorizado
economicamente. Nesses anos, se intensificou o seu processo de adensamento e
verticalização, muitas vezes por meio de demolições das casas residenciais da Avenida
Beira-Mar para a construção de edifícios em altura, gerando um processo de renovação
arquitetônica nesse período (ALVES, 2009). Essas mudanças foram facilitadas por uma
alteração na legislação51, que tornou o coeficiente de aproveitamento do bairro52 maior do
que em todas as outras partes da cidade, o que aumentou o interesse do mercado
imobiliário pelo seu território (ALVES, 2009).
Acompanhando esse movimento, para servir ao público abastado que residia nessa
localidade, equipamentos de grande porte começaram a nela se instalar, como por
exemplo, o Shopping Center Recife, criado em 1980, numa porção sul de Boa Viagem
(ALVES, 2009). Grandes empreendimentos hoteleiros também surgiram no local, sendo em
sua maioria, considerados de alto padrão53 (SILVA, 2013). Todos esses fatores alteraram
Imagem 34 – Praia de Boa Viagem na década de 1970. Neste momento já é possível observar um aumento
considerável na verticalização local. No canto direito, ao centro, se vê o Aeroclube. Fonte: SkyscraperCity,
2010.
51
Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS). Lei 14.511 de 17/01/83 (ALVES, 2009).
52
O coeficiente máximo determinado foi de 3,3 (ALVES, 2009). Segundo essa lei, esse coeficiente consiste na
área máxima para construção permitida, que corresponde à área do terreno multiplicada por esse índice
(PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE, 1996).
53
Como, por exemplo, o Recife Palace, o Mar Hotel, o Hotel Savaroni, o Internacional Lucssim Hotel, o JPM
Turismo Hotel, o Vila Rica e o Idealy Hotel, a maioria deles, considerados de alto padrão (SILVA, 2013).
{ 132 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 35 – Cartão postal da Avenida Boa Viagem verticalizada na década de 1970. Fonte: SkyscraperCity,
2010.
54
Nos anos 70, a população de Boa Viagem já era de 158.442 habitantes, tendo um aumento de 104%, em
relação à década anterior (ALVES, 2009).
{ 133 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
mar (ALVES, 2009) (mapa esquemático 5). É nesse espírito que, na década de 70, são
construídas duas novas Avenidas de grande porte cortando o bairro: a Avenida Conselheiro
Aguiar, e a Avenida Domingos Ferreira. Em ambos os casos foi necessária a desapropriação
de muitas residências, principalmente as de uma população de baixa renda (SILVA, 2008b).
Em 1978, completando o conjunto viário local, foi construída a Ponte Paulo Guerra, que liga
o Cabanga à Avenida Herculano Bandeira (antiga Avenida de Ligação), fazendo a conexão
anteriormente estabelecida pela Ponte do Pina (ALVES, 2009) (mapas 14 e 15; imagem
36Imagem ). Mais uma vez, percebe-se que a criação dessas novas vias, juntamente com o
crescimento do número de edificações e de equipamentos instalados na região, fazem parte
de um projeto de paisagem que tenta se apresentar simbolicamente para a cidade através
de um status de distinção social.
Imagem 36 – Postal retratando a Ponte Agamenon Magalhães e Bairros do Pina e Brasília Teimosa ao fundo,
1971. Fonte: Fotolog TC2, 2008.
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estabelecidas com aquela paisagem, mas também a manutenção de uma subsistência ligada
a ela e aos seus elementos, como o mar e a natureza, e a sua localização dentro da cidade,
próxima ao centro e as oportunidades econômicas vindas da proximidade com as classes
sociais mais altas.
Sobre isso, em 1979, por exemplo, foi fundada a União dos Moradores do Pina
(UMP), que tinha como objetivo principal se articular para a conquista da posse das terras e
lutar contra os que ameaçavam a existência das comunidades do bairro55. A sua atuação
mais efetiva ocorreu a partir dos anos de 1983 e 1984, quando do nascimento do Projeto
Pina, que tinha a proposta de defender essas causas e trazer melhorias para o local56.
(PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE, 1988).
55
Santa Casa de Misericórdia, União, Marinha, empreiteiras, entre outros (PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE,
1988).
56
“O Projeto Pina foi concebido para ser uma Ação Global e Integrada, envolvendo todas as dimensões da vida
no bairro. Legalização da terra, serviços de drenagem e pavimentação, habitação, educação, saúde, lazer e
{ 139 }
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{ 140 }
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60
Este recenseamento foi feito entre março e junho de 1974 (CONSELHO DE MORADORES DO PINA, 1974).
61
O local seria dividido em 8 (oito) setores, 2 (dois) residenciais e 6 (seis) voltados para as atividades turísticas.
Os setores turísticos seriam: o Hoteleiro (com estacionamento, balneário, equipamentos de lazer), o Turístico
Recreativo (aquário, Clube Esportivo e Marinas), o Cultural (Cinema, Teatro, Laboratório de Ciências do Mar
vinculado à UFPE e Centro de Convenções), o comercial (comércios e serviços voltados para a população de
renda alta do setor de apartamentos, como por exemplo, bancos e shopping centers), o Pesqueiro (comércio
voltado para o Terminal Pesqueiro), o de Apoio (Terminal Fluvial, Bares, restaurantes, Boates, entre outros).
Dos residenciais, o primeiro era o dos apartamentos de luxo verticalizados e o segundo o da área pesqueira
(para onde seriam realocadas as famílias de pescadores que permanecessem no local, e alguns serviços
básicos de suporte a elas, como escolas e posto de saúde) (EMPRESA DE URBANIZAÇÃO DO RECIFE, 1974).
{ 141 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
local. Dessa forma, revelou-se mais uma vez a insistência do mercado, apoiado pelo poder
público, em transformar a comunidade em um polo hoteleiro verticalizado (ALVES, 2009).
Imagem 37 – Planta Esquemático do projeto proposto pela URB para a área de Brasília Teimosa em
1974.Fonte: ALVES, 2009, p.99.
{ 142 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 38 – Corte esquemático da orla marítima de Brasília Teimosa segundo o projeto de Jaime Lerner de
1979. Fonte: LERNER, 1979, p.68.
Imagem 39 – Perspectiva esquemática da orla marítima de Brasília Teimosa segundo o projeto de Jaime
Lerner de 1979. Fonte: LERNER, 1979, p.80.
{ 143 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
62
Como exemplo disso, observa-se um artigo de jornal com o título “Brasília Teimosa: Presente da Natureza ao
Turismo Recifense”, anunciando projeto apresentado pelo URB em 1974.
63
No período do projeto, nas décadas de 70 e 80, a militância das mulheres da comunidade foi fundamental
para a conquista das melhorias. Elas representavam a maioria massiva das pessoas que estavam engajadas
nesse processo (Luciberto Xavier, 2017).
{ 144 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
“sorrateira”, e com o apoio da URB, privatizando a Praia do “A Praia do Buraco da Véia/ É do povo de
Buraco da Véia (BRITO; MARGARITA, 2016). Esta sempre foi um Brasília/ Ninguém vai botar as mãos nela/
Seu Iate pode dar o pira
local muito importante para o lazer e a sociabilidade da
população ali residente, sendo um motivo de orgulho para os Se o Iate está querendo briga/ O povo vai
moradores, símbolo da comunidade, marcante, inclusive, na se reunir/ Teremos nossas mãos unidas/
E vamos ver quem vai sair
paisagem local (TEIMOSIA... 2013). Para defender os valores
simbólicos e as relações afetivas que tinham com esse lugar, em Tu... Tu... Tu... Tu... Tu-barão/ Tá
menos de uma semana, os Teimosos coletivamente, com as suas querendo água salgada/ Pois pode se
virar lá pra Candeias/ Não pense que a
próprias mãos, derrubaram essa divisão e reconquistaram a sua Teimosa é de nada/ Nós temos sangue
praia64 (imagem 40). quente nas veia
Enquanto o Teimosinho estava sendo elaborado, de forma
Bem feito, quem foi que te mandou/ Tu
deliberativa, um manifesto foi apresentado como forma de dar botar a mão no Buraco da Véia (Bis).”
uma resposta às pressões para a expulsão do bairro que ocorriam
(Marchinha cantada pelos moradores nas
com força naquele momento. A intenção era apresenta-lo na
suas lutas. Transcrita em um folheto da
visita do então presidente João Figueiredo à comunidade, mas Chapa 2 para as eleições de 1995 do
esta não ocorreu, já que o evento foi cancelado. Ainda assim, o Conselho de Moradores de Brasília
Teimosa – CHAPA 2 TEIMOSINHO, 1995)
documento foi publicado na íntegra em Jornal e exposto para a
sociedade (ASSIES, 2017)65.
“Sabemos ampla,
As propostas contidas no plano apresentado tinham uma abordagem da cobiça que desperta a
social,
nossa área nos exploradores de terras ou
política, cultural e econômica. Os objetivos e as melhorias principais que o Teimosinho
nos possuidores de melhor condição
buscou atingir foram a legalização da posse da Terra de uma maneiraeconômica”
segura e definitiva; as
melhorias na infraestrutura da comunidade como um todo e nos imóveis(...) individualmente
“Cremos que toda família deveria ter um
(com atenção especial aos da beira-mar e os da antiga Vila da Prata); a criação de novos
lugar próprio e seguro para situar seu
equipamentos de saúde e educação, bem como a geração de empregos paralar.osUm
próprio moradores;
lugar garantido. (...) É isso
e a realização das remoções necessárias, ao mesmo tempo em que mesmo, terra para os uma
se fornecesse que não tem terra,
e de graça, sem ônus, pois a terra, Deus
solução possível para o financiamento de residências pela populaçãodeudo bairro
sem tirar(CONSELHO
um só centavo de
DE MORADORES DE BRASÍLIA TEIMOSA, 1979) (imagem 41 a 47). As ninguém.”
propostas contidas no
(...)
plano apresentado tinham uma abordagem ampla, social, política, cultural e econômica. Os
“Na maioria somos gente pobre. Então a
objetivos e as melhorias principais que o Teimosinho buscou atingir nossa
foramurbanização
a legalizaçãodevedaser pra gente
posse da Terra de uma maneira segura e definitiva; as melhoriaspobre. na infraestrutura
Sem luxos, sem da autopistas. Mas
com o conforto que nos tem sido negado
comunidade como um todo e nos imóveis individualmente (com atenção especial aos da
durante esses longos e penosos anos”
beira-mar e os da antiga Vila da Prata); a criação de novos equipamentos
(Manifesto de deBrasília
saúdeTeimosa,
e 1979 –
BRASÍLIA,
educação, bem como a geração de empregos para os moradores; e a realização das 1979).
remoções necessárias, ao mesmo tempo em que se fornecesse uma solução possível para o
64
Essa história foi recorrente durante as entrevistas com os moradores, sendo contada com mais riqueza de
detalhes por Wilson Lapa, atual líder do Conselho de Moradores e José Bezerra dos Santos (Zezinho),
proprietário do restaurante Império dos Camarões, que afirmaram ter participado do ato.
65
Alguns de seus trechos estão sendo colocados ao longo do presente capítulo.
{ 145 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 40 – Protestos contra o “Muro da Vergonha” feito pelo Iate Clube. Fonte: Diário de Pernambuco. Recife,
23 jan. 1980. Local, p. 5.
{ 146 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 41 – Foto artística de Benoit Doncoeur, em 1983, mostrando o bairro de Brasília teimosa e a sua
precariedade. Fonte: Site Benoit Doncouer, [20--].
Imagem 42 – Brasília Teimosa no final dos anos 70. Ao centro, o icônico Padre Jaime, militante do bairro,
provavelmente na antiga rua “M”, atual Dragão do Mar. A rua de barro reflete a situação do bairro como um
todo nesse período. Perceber também as casas de madeira, uma maioria na época. Fonte: acervo do
Conselho de Moradores de Brasília Teimosa.
{ 147 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 43 – Mais uma foto da rua “M”, atual Dragão do Mar entre a década de 70 e 80. Fonte: Brasilina
Teimosina (Perfil do Facebook), 2016.
Imagem 44 – Foto Aérea da área do Pina e Brasília Teimosa tirada em 28/12/1979. Foto de Sidney Waismann.
Percebe-se a clara divisão entre os dois bairros feita pelas avenidas Herculano Bandeira e Antônio de Goes.
Fonte: Biblioteca da URB
{ 148 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 45 – Foto Aérea de Brasília Teimosa tirada em 28/12/1979. Foto de Sidney Waismann. Ao fundo, o
Iate Clube do Recife. Pode-se ver a força da linha dos arrecifes na paisagem. Fonte: Biblioteca da URB.
Imagem 47 – Foto aérea de Brasília Teimosa e Pina. Em primeiro plano, o Iate Clube e os arrecifes, que
compõem uma grande linha de força. Foto aérea tirada em 28/12/1979. Foto de Sidney Waismann. Fonte:
Biblioteca da URB.
66
Em junho de 1979 foi criado o PROMORAR (Programa de Erradicação da Sub-habitação), do governo federal.
Com ele, procurou-se legitimar assentamentos precários e favelas sem a realocação da população neles
residentes, criando mecanismos de adaptação às normas da cidade formal. Além de serem feitas melhorias
infraestruturais nos bairros, também poderiam ser concedidos empréstimos aos moradores para a melhoria
de suas casas (ALVES, 2009).
{ 150 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
67
A aprovação final do projeto foi feita em um plebiscito que contava com mais de 50% dos moradores do
bairro (ASSIES, 1991).
68
Assunto abordado principalmente com os entrevistados Ladimir Ferreira da Silva (Mika), que preside
atualmente o Ballet Deveras e dirige a peça “Daqui não saio, daqui ninguém me tira” (contando a história do
bairro), e o ex-líder comunitário Luciberto Xavier Tiradentes de Macedo (Piaba), que participaram ativamente
desse processo na época.
69
Sobre isso, um dos pontos principais requeridos foi o de que lotes vazios ou imóveis desocupados deveriam
ser direcionados para a população removida da antiga Vila da Prata e da Beira Mar, na época, como dito, as
áreas mais precárias do bairro (CONSELHO DE MORADORES DE BRASÍLIA TEIMOSA, 1979). Os terrenos
aforados a Roberto Maçães, proprietário do Iate Clube, teriam de ser expropriados e usados para fins do
projeto, assim como as benfeitorias invadidas pelo Capitão João Terra (figura bastante conhecida no bairro,
que se apropriou de terras sob domínio do porto) (FORTIN, 1987 in BOTLER, 1994). Um outro item levantado
foi a tentativa de facilitação da compra dos imóveis por inquilinos que morassem de aluguel nas casas do
bairro. Também era importante para a permanência da comunidade que, a venda ou transferência das
benfeitorias aforadas somente pudessem ser feitas a pessoas com o mesmo nível socioeconômico dos
moradores da comunidade, evitando assim a ação do mercado imobiliário no local (CONSELHO DE
MORADORES DE BRASÍLIA TEIMOSA, 1979).
{ 151 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 49 – Comício durante as eleições do Conselho em 1983, mostrando o engajamento da população nas
causas da comunidade. Em destaque, Osmar, uma liderança do bairro. Fonte: acervo do Conselho de
Moradores de Brasília Teimosa.
Imagem 50 – Multidão na rua protestando durante o carnaval na década de 1970, provavelmente, em frente à
igreja católica do bairro. Nem mesmo nesse período a população esquecia da luta, se utilizando da arte e do
humor para agregar os moradores. Fonte: acervo do Conselho de Moradores de Brasília Teimosa.
{ 152 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 51 – Multidão na rua protestando, provavelmente na década de 70. Fonte: acervo do Conselho de
Moradores de Brasília Teimosa.
70
No recenseamento feito pela comunidade em 1974, foram quantificadas as péssimas condições de
saneamento básico. Apesar de na época, por exemplo, uma grande parte já ter energia elétrica (87%), a
maioria ainda não tinha água encanada (73%) (CONSELHO DE MORADORES DO PINA, 1974).
71
Reproduzindo essa forma de construir já instituída no bairro. Se tivessem sido feitas, seriam uma forma
promover as melhorias na orla sem perder a imagem e a referência daquelas construções na paisagem da
Brasília ao longo dos anos.
{ 153 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
que além da reforma das vias secundárias existentes, se fizesse uma principal para servir ao
bairro como eixo de serviços e infraestrutura em geral (CONSELHO DE MORADORES DE
BRASÍLIA TEIMOSA, 1979) (imagem 52 a 55).
Imagem 52 – Moradores e o ônibus Brasília – Pina na década de 1970. Fonte: acervo do Conselho de
Moradores de Brasília Teimosa.
{ 154 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 54 – Palafitas da orla marítima no final dos anos 80. Fonte: acervo do Conselho de Moradores de
Brasília Teimosa.
Imagem 55 – Palafitas da orla marítima no final dos anos 80. Fonte: acervo do Conselho de Moradores de
Brasília Teimosa.
{ 155 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
72
Ainda naquele recenseamento, foi constatado que 42% dos chefes de família tinham renda de menos de um
salário mínimo (CONSELHO DE MORADORES DO PINA, 1974).
{ 156 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
{ 157 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 59 – Vila da Prata em 1987. Fotografia de Valdir Afonso. Fonte: Biblioteca URB.
{ 158 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 60 – Vila da Prata em 1987. Fotografia de Valdir Afonso. Fonte: Biblioteca URB.
A Vila da Prata foi estabelecida em 1982, em uma área antes pertencente a João
Terra, ao norte do Areal Novo. Para ela foram realocadas famílias desalojadas após as
reformas no tecido viário promovidas pelo Projeto Teimosinho. Houve a construção de 62
casas em lotes de 10x6. Em 1984, a Vila Moacir Gomes foi construída no terreno das
oficinas da Portobras cedido pela Prefeitura do Recife. Ela alojou as famílias das palafitas da
orla do bairro, e originalmente teve 119 casas criadas, sendo 55 delas duplex. O
parcelamento e o dimensionamento do lote foram semelhantes nas duas vilas (BOTLER,
1994) (imagem 59 e 60).
Mais tarde, em 1989, a Vila Teimosinho é inaugurada também em glebas que antes
pertenciam à Portobras, recebendo moradores do Pina e a população das palafitas que se
estabeleceu na orla de Brasília Teimosa depois da primeira realocação para a Vila Moacir.
Após a sua construção, essa última vila sofreu mudanças significativas no padrão
construtivo original das moradias, se tornando mais valorizada economicamente (BOTLER,
1994; SILVA, 2013).
{ 159 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
73
Essas obras de reestruturação da orla mudaram drasticamente o que ainda sobrava da Praia original do Pina.
Com o argumento de que a população carente que habitava nas suas circunvizinhanças não tinha nenhuma
área de lazer para usufruir na região, as dunas e a vegetação nativas foram tolhidas e substituídas por três
quadras poliesportivas e de futebol até hoje existentes na Beira-Mar (PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE,
1976).
74
Ver as discursões do capítulo 1 deste trabalho, especialmente as considerações de CONAN (1994).
75
No final de 1979, por conta do Projeto, atendendo a solicitações da Brasília, a prefeitura, durante o Governo
de Gustavo Krause, fez um novo pedido de aforamento para a área, requerendo a transferência da posse de
terra para os moradores (URB, 1982). A solicitação foi aceita pelo SPU (Secretaria de Patrimônio da União),
porém não englobou o bairro como um todo (BRASÍLIA, 1998; SILVA, 2013). Esse aforamento estabeleceu o
prazo de 5 anos para a cessão da posse de terra para a comunidade (BRASÍLIA, 1998).
Legalmente a entrega de títulos de posse aos moradores deveria ter sido feita por meio de escritura pública,
porém, visto a proximidade com o período eleitoral, como forma de agilizar esse processo, a prefeitura
{ 160 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
resolveu redigi-los por conta própria. Em 1985, percebeu-se que alguns deles consistiam em escrituras
particulares, não tendo validade jurídica. Posteriormente, somente alguns desses títulos puderam ser
transferidos por escritura pública (BARTHEL, 1979; MOURA, 1990). Também em 1985, a cessão do aforamento
da União foi renovada por mais cinco anos (BRASÍLIA, 1998).
76
Lei 14.511 de 17/01/83. Nessa lei também se extingue a área Rural do recife, e ela passa a ser considerada
100% urbana (ALVES, 2009).
77
Elas consistem em assentamentos habitacionais pobres, de formação espontânea e já consolidados,
passíveis de regularização fundiária e integração ao tecido da cidade (BARRETO, 1990).
78
Lei 14.947/87 (BOTLER, 1994). A maior consolidação do PREZEIS se dá em 1990, com a Lei Orgânica do
Município do Recife, e mais tarde, em 1991, com o Plano Diretor da Cidade (Lei 15.547/91). Em 1993, cria-se o
Fundo Municipal PREZEIS (Lei 15.790/93), que capta e gere recursos destinados ás melhorias e regularizações
das ZEIS (ALVES, 2009).
79
As COMULs são formadas por representantes da comunidade, do poder público e de organizações sociais
(BOTLER, 1994; SANTOS, 2011).
{ 161 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
80
Dados presentes em Silva (2006), baseados em informações da Prefeitura do Recife.
81
Lei 16.176/96, ainda em vigor atualmente. O coeficiente passa a ser igual a 4,00 (PREFEITURA DA CIDADE DO
RECIFE, 1996).
{ 162 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
mais uma vez a permanência da população pobre que ali habitava, nas comunidades e nas
ZEIS82.
Imagem 61 – Boa Viagem com orla e interior bastante verticalizados. Foto de autoria de Gustavo Penteado,
tirada em 04 de novembro de 2006. Fonte: Panoramio Google Maps, 2007.
82
Várias vezes já se tentou acabar com as ZEIS, tanto individualmente, quanto como instrumento válido na
cidade inteira. Em 2000, houve uma proposta do mercado imobiliário à câmara dos vereadores para tornar a
tornar essas Zonas Especiais disponíveis para o mercado. Ao mesmo tempo, a ADEMI (Associação das
Empresas do Mercado Imobiliário) apresentava a proposta chamada de Banco de Terras, onde se poderia
trocar lotes das ZEIS por áreas localizadas nas franjas da cidade, oferecendo em troca habitações e
infraestrutura para esses novos assentamentos. Nenhuma das duas propostas vingaram (ALVES, 2009).
{ 163 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 62 – Final do Pina e início de Boa Viagem na primeira metade dos anos 2000. Foto de autoria de
Eduardo Lins Cardoso. Fonte: Panoramio Google Maps, 2007.
Imagem 63 – Paisagem de Brasília Teimosa e Pina vista dos arrecifes. Foto de autoria de Diego Bis, tirada em
de julho de 2006. Fonte: Flickr Diego Bis.
{ 164 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
83
Em 1997, o valor médio do metro quadrado do Bairro de Boa Viagem chegava a R$1200,00. Acompanhando
a valorização do seu vizinho, no Pina esse valor era de R$900,00. Para efeitos de comparação, na cidade do
Recife, o valor médio máximo encontrado durante esse mesmo ano foi de R$289,42 (IBGE, [20--]).
84
Socialmente e espacialmente, o Pina se encontrava entre os Bairros de Boa Viagem e Brasília Teimosa.
Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano do Recife (2005), em 1991, Brasília Teimosa, Pina e Boa Viagem
tinham respectivamente uma população de 17.351, 26.781 e 88.289 pessoas; uma densidade demográfica de
aproximadamente 28.444hab/km², 4.258hab/km² e 11.725han/km²; e uma renda média de R$309,21,
R$638,37 e R$2586,95 por chefe de domicílio. Em 2000 esses valores mudaram, e eles tinham uma população
de 19.155, 7.589 e 100.388 pessoas; uma densidade demográfica aproximada de 29.289hab/km²,
4.452hab/km² e 13.601 hab/km²; e uma renda média de R$313,09, R$758,63 e R$2857,28 por chefe de
domicílio. A taxa de crescimento desses três bairros entre os anos de 1991 e 2000 foi, na mesma ordem dos
dados anteriores, de 1,39%, 0,26% e 1,26% ao ano.
{ 165 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
{ 166 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
{ 169 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 64 – Obras concluídas em Brasília Teimosa. Provavelmente a Rua Dagoberto Pires na década de 1990.
Fonte: Biblioteca da URB.
85
Nessa época, a maioria das casas ainda sofria com a questão dos alagamentos. Segundo uma pesquisa
realizada em 1990, 48,2% delas não alagava, 31,6% alaga eventualmente, 19,7% tinham um alagamento
frequente e 0,5% um alagamento permanente. Em relação às melhorias, tem-se que, nesse mesmo ano 90,5%
das pessoas já tinham acesso a água potável (PROMORAR, 1990).
{ 170 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 65 – Corrida de saco em frente ao Conselho de Moradores da Rua Parú em outubro de 2003.
Perceber as edificações em segundo plano, já verticalizadas. Fonte: acervo do Conselho de Moradores de
Brasília Teimosa.
Esse processo de adensamento, de uma forma geral, pôde ser visto no bairro de
Brasília Teimosa como um todo ao longo dos anos, e pode ser justificado pelo crescimento
das famílias e também pela implantação de comércios e serviços nas casas, as tornando de
uso misto (BOTLER, 1994).
É importante perceber que muitas vezes esses padrões construtivos vão contra o
próprio estatuto do PREZEIS vigente na comunidade, que regulamenta a taxa de ocupação
de até 80% do lote, determina um gabarito de até quatro pavimentos, e proíbe
remembramentos de lotes como meio de inibir a ação do mercado imobiliário na Brasília
(BOTLER, 1994; PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE, 1995).
Desde o loteamento da comunidade, por conta desse adensamento crescente, as
suas áreas verdes (principalmente no interior das quadras e terrenos) se exauriram quase
que completamente, acompanhando a tendência dos seus bairros vizinhos (mapa 19; mapa
esquemático 6; imagem 66). Em uma tentativa de melhorar a qualidade de vida dos
moradores, durante a década de 1990, houve a concepção do Projeto Teimosia Verde, que
tinha a ideia de criar mais desses espaços no bairro. Ele foi feito de forma comunitária, a
partir de reuniões abertas do Conselho com os habitantes do local, assim como acontecia
{ 171 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
com todas as decisões importantes a serem tomadas em relação à Brasília na época. Apesar
de ter começado a ser posto em prática, após o plantio de algumas árvores, o projeto parou
de avançar (Celeste Maria, 2017).
Imagem 66 – Faixas e estandarte do Bloco de Carnaval do Conselho de Moradores, o “Calada Nada”, que foi
nomeado fazendo uma referência às lutas da população do bairro pela permanência e melhorias. Nota-se
também uma faixa do Projeto Teimosia Verde, além de outras três com um conteúdo de protesto. Foto tirada
na década de 1990. Fonte: acervo pessoal de Celeste Maria Valença de Mendonça.
{ 172 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Esse tipo de moradia constituía um problema urbanístico, “Eu moro na beira da praia
social, ambiental e de salubridade grave, pois as condições de E levo as pancadas das ondas do mar (bis)
habitabilidade sob as quais os seus moradores viviam eram
E essa doença quem me deu foi o lixo
baixíssimas. A maioria dessas casas eram feitas de madeira e Que a prefeitura não quer vir tirar (bis)
outros materiais improvisados (BRASÍLIA TEIMOSA, 1998), e como
E a Portobrás não quer ceder o terreno
não havia nenhuma ligação entre elas e a rede de água e esgoto,
E a gente está morrendo
os dejetos eram depositados diretamente na maré86 (EMPRESA Não dá pra esperar”
DE URBANIZAÇÃO DO RECIFE, [200-]). Além disso, muitas vezes,
(Ciranda cantada pelos moradores nas
quando a maré enchia, a água entrava e até mesmo destruía
suas lutas. Encontrada em folheto da
essas habitações precárias, deixando a população sem teto. Chapa 2 para as eleições de 1995 do
Nesses momentos, o Conselho de Moradores abrigava essas Conselho de Moradores de Brasília
Teimosa - CHAPA 2 TEIMOSINHO, 1995).
pessoas, também promovendo atividades lúdicas, financeiras e
educacionais junto às crianças e aos adultos que ali permaneciam87 (imagem 67 a 71).
Imagem 67 – Orla após realocação dos moradores. Sem passar por um projeto de requalificação, a beira-
mar sofria um processo recorrente de ocupação por palafitas. Fonte: Blog Conselho de Moradores de
Brasília Teimosa, 2012.
86
Esses dejetos eram descartados no mar geralmente em sacolas plásticas jogadas através de alçapões
localizados no piso das palafitas. Bacias sanitárias sem ligação com a rede esgoto também eram utilizadas para
esse fim (EMPRESA DE URBANIZAÇÃO DO RECIFE, [200-]).
87
Informação obtida durante a entrevista com o atual líder comunitário do Conselho de Moradores, Wilson
Lapa.
{ 173 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 68 – Brasília Teimosa e sua orla antes da abertura da Avenida Brasília Formosa. Perceber a linha de
força dos arrecifes na paisagem. Ao fundo, a ilha de Santo Antônio e São José. Fonte: Site Patrimônio de
Todos.gov, 2009.
Imagem 69 – Brasília Teimosa antes da requalificação da orla. Perceber a linha de força dos arrecifes na
paisagem, reforçada pela mureta de contenção. Foto de Alexandre Auler. Fonte: Flickr Alexandre Auler.
{ 174 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 70 – A maré e as palafitas de Brasília Teimosa. Foto de Leopoldo Nunes para o JC Imagens, tirada em 12
de agosto de 2002. Fonte: Flickr etudoverdade.
Imagem 71 – Palafitas em Brasília Teimosa nos anos 2000. É perceptível a falta de estrutura dessas edificações,
que em sua maioria eram feitas de madeira, e conviviam com o esgoto e o lixo lado-a-lado. Foto de Lívia Brandão.
Fonte: Flickr Lívia Brandão.
{ 175 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
“Quando eles fizeram essa avenida aí, A obra da beira-mar foi finalizada em 2004, e consiste em
queriam botar Brasília Formosa. Formosa uma das mudanças mais significativas na paisagem da
tudo bem, que é formosa mesmo, tanto é
comunidade desde o seu nascimento. A requalificação da orla foi
que veio o interesse deles. Mas o nome é
a luta. O nome tá no sangue da feita por meio da engorda da faixa de areia da praia, que após a
população. É Brasília Teimosa e vai ficar reforma ficou com uma média de 40 metros de largura. Além
Brasília Teimosa” (Depoimento de Felipe
disso, criou-se a Avenida Brasília Formosa88, com
Alves – Morador da comunidade para o
documentário “Teimosia não se Vende” – aproximadamente 1,3km de extensão. Essa via foi iluminada e
Teimosia...2013). recebeu quiosques, restaurantes e alguns equipamentos de
“Sabemos que a urbanização da beira- esporte e lazer ao longo de seu percurso. Também houve a
mar vai requerer um vultoso apoio recuperação de um trecho de 960 metros do muro de proteção
econômico federal, para nos defender da
violência do mar. Mas a urbanização deve
existente sobre os arrecifes localizadores entre o molhe do Pina e
se dar, mesmo sendo cara, de modo a Praia do Buraco da Véia (SILVA, 2008a). O projeto foi efetivo,
humilde e simples, para não assanhar porém, feito de forma simples, sem grandes luxos e com um
demais os especuladores imobiliários”
(Manifesto, 1979 – BRASÍLIA, 1979). tratamento diferenciado em relação ao Pina e Boa Viagem, o que
foi aprovado pela população. Para os teimosos, as mudanças
deveriam ser feitas dessa maneira a atiçar o mínimo possível o interesse das empreiteiras
pelo local (mapa 19 e 21; mapa esquemático 6 e 7; imagem 72 a 75).
As famílias realocadas foram atendidas pelo Programa Recife sem Palafitas89. Dada
a inexistência de uma área dentro da Brasília para o reassentamento dessas pessoas
(FERNANDES, 2010), elas foram transferidas para o Conjunto Residencial do Cordeiro.
Entregue em 2006, ele se localiza em um bairro homônimo na zona oeste recifense, a
aproximadamente 10 km de distância da comunidade. Para a sua construção, foi utilizada a
mão-de-obra dos próprios moradores das palafitas (BRASÍLIA, 2014; SANTOS, 2011).
A retirada dessa população do bairro para um local distante em relação a ele foi
contrária ao desejo da comunidade, que era o de apenas haver transferências para áreas no
interior do seu território, premissa levantada desde o Projeto Teimosinho. Além disso, sem
ter um aporte socioeconômico, parte das pessoas transferidas não teve renda suficiente
para pagar as novas despesas, decorrentes da mudança para as habitações formais, como
por exemplo, contas de água e de luz, abandonando o local em seguida (BRITO, 2016).
88
O nome Brasília “Formosa” dado a avenida não é do agrado da população, visto que simbolicamente o
“Teimosa” é importante pra reafirmar à cidade o caráter de resistência da comunidade (informação obtida
pela fala de membros da comunidade no ato de comemoração de 50 anos do Conselho de Moradores do
Bairro).
89
O Programa Recife sem Palafitas foi uma ação de âmbito municipal que visava solucionar a questão das
habitações precárias da cidade, como as palafitas, ou ainda aquelas que estivessem em áreas de fragilidade
ambiental, como nos morros, alagados e canais. A partir dele era proposta a regularização fundiária para as
famílias realocadas, e eram dadas as assistências a elas cabíveis, no que se refere ao auxílio moradia (no
período de construção das novas casas), à assistência social e ao monitoramento dos novos assentamentos
realizados (FERNANDES, 2010).
{ 176 }
. { PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 72 – Praia do Buraco da Véia durante as obras de requalificação da orla em 2003. Foto de autoria de Wilson Lapa.
Fonte: acervo do Conselho de Moradores de Brasília Teimosa.
Imagem 73 – Ponto de encontro da Avenida Brasília Formosa e os arrecifes. Foto de Jaciel Marcos tirada em 17 de
novembro de 2009. Fonte: Flickr Jaciel Marcos.
{ 177 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 74 – Brasília Teimosa e sua Orla antes das obras de requalificação. Fonte: FERNANDES, 2010, p.98.
Imagem 75 – Brasília Teimosa, sua orla e a Praia do Buraco da Véia após a abertura da Avenida Brasília
Formosa. Fonte: Site Patrimônio de Todos.gov, 2009.
{ 178 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 76 – Conjunto Habitacional Brasília Teimosa ainda nos anos 2000. Fonte: FERNANDES, 2010,
p.96.
{ 179 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Imagem 77 – Conjunto Habitacional Brasília Teimosa ainda nos anos 2000. Observar a fronteira entre o
conjunto e o restante da comunidade. Fonte: FERNANDES, 2010, p.97.
Imagem 78 – Entrada do conjunto Habitacional Brasília Teimosa ainda nos anos 2000. Fonte:
FERNANDES, 2010, p.97.
{ 180 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Esse foi o único projeto de realocação que propôs uma tipologia verticalizada
dentro dos perímetros da comunidade. É importante observar como essas edificações
destoam em relação ao restante da paisagem de Brasília Teimosa. O modelo adotado,
apesar de comportar um número maior de casas, em nada se parece com as habitações
preexistentes no lugar, não o representando. A relação dos moradores com a rua também é
diferente neste caso, já que em geral, as casas do local costumam ter acessos térreos e se
relacionam diretamente ou quase diretamente com a rua, com o mar e com a vizinhança. O
conjunto é todo murado, isolado do bairro, tendo apenas um pequeno acesso na sua
lateral. Na sua realização, claramente essas relações levantadas não foram privilegiadas,
gerando uma mudança nos hábitos da população que nele se encontra.
Os melhoramentos ocorridos na Brasília nas décadas “Chega de tanto levar porrada
anteriores, bem como a escassez de terrenos em seu entorno Vamos ver se a papelada
(Boa Viagem e Pina), fizeram com que ela se valorizasse Dessa vez é pra valer
Chega tá virando sacanagem
economicamente e fosse cada vez mais cobiçada pelo mercado As promessas são bobagens
imobiliário (BARTHEL, 1989). Essa tendência cresceu Que só faz aborrecer
Cansado dessa anarquia
exponencialmente depois da reestruturação da sua orla, que
Rasgo a fantasia
também causou uma especulação dentro do mercado informal da Na disputa do poder
própria comunidade, gerando um aumento nos preços de
Piui, Piui, Pua, Pua
compra, venda e aluguel dos imóveis, principalmente naqueles
Eu quero ver onde essa zorra vai parar”
localizados a beira-mar. Ademais, o custo de vida da Brasília se (Marchinha cantada pelos moradores nas
elevou como um todo, se refletindo também nos preços suas lutas. Encontrada em folheto da
Chapa 2 para as eleições de 1995 do
praticados nos comércios e serviços locais (BRITO, 2016).
Conselho de Moradores de Brasília
Algumas famílias, mais especialmente parte das que pagavam Teimosa - CHAPA 2 TEIMOSINHO, 1995).
aluguel, tiveram que sair da comunidade por falta de condições
financeiras de continuar habitando no local (BARTHEL, 1989).
Mesmo após o longo período de ocupação na comunidade no local onde se
encontra, a regularização fundiária ainda era uma questão pendente. Até 2005, apenas
cerca de 1800 de seus imóveis foram regularizados, o que aconteceu por meio de doação
ou pela Concessão de Direito Real de Uso (CDRU)90. O processo de legalização ficou parado
90
Atualmente existem hoje quatro instrumentos principais para se regulariza uma área ou um imóvel: a CDRU
(Concessão do Direito Real de Uso), a CUEM (Concessão de Uso Especial para fins de Moradia), a Usucapião
Urbana e o aforamento. Pela CDRU, terrenos públicos podem ser destinados ao acolhimento de uma
população de baixa renda ou se pode regularizar uma ocupação já existente dessa natureza. Essa concessão é
feita por um período de 50 anos, podendo ser renovada. A CUEM, assim como o instrumento anterior,
também não transfere a posse para o(s) morador(es), porém neste caso, o direito à terra é dissociado do
direito de superfície, podendo o morador, hipotecar a sua casa. Para ser efetivado, o morador tem que estar
ocupando o local sem nenhuma resistência por pelo menos cinco anos ininterruptos. A Usucapião é a posse
real dada para um morador que ocupa o local também por esse prazo mínimo e nessas condições. Ela só é
possível em propriedades privadas. O aforamento se dá em áreas específicas de domínio da União (SILVA,
2011).
{ 181 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
durante muito tempo, sendo retomado apenas em 2005, quando foi renovado o Contrato
de cessão de aforamento da área (SANTOS, 2011).
Na década de 90, a Brasília havia se consolidado como um lugar tradicional onde
podiam ser encontrados pequenos restaurantes ligados à comida regional, geralmente com
iguarias do rio e do mar. Esse pequeno polo gastronômico já atraia a população de outros
bairros, como Pina e Boa Viagem, além de alguns turistas. Os comércios e serviços
existentes no local também serviam às suas circunvizinhanças, atendendo à comunidade e
ao seu entorno mais imediato. Essa realidade permitiu uma certa troca social entre os
habitantes de outros bairros dentro do território da Brasília, ajudando a integra-la com a
cidade, diminuindo as barreiras entre ela e os seus vizinhos (BOTLER, 1994). A quase
erradicação nas décadas anteriores da zona de prostituição do Pina, anteriormente
localizada próxima ao Areal Velho (ALVES, 2009), também favoreceu essa aproximação à
comunidade. Nesse contexto, uma nova imagem menos estigmatizada é dada ao local.
Também sobre o significado da comunidade para a cidade, é de se destacar que,
inicialmente, as suas ruas tinham o nome de letras (A, B, C...), para haver uma identificação
rápida dos endereços pelos moradores, que muitas vezes, tinham um nível de escolaridade
muito baixo. Posteriormente, na gestão do Prefeito João Paulo, essas vias foram rebatizadas
com nomes de peixes, como, por exemplo, Golfinho, Parú, Arabaiana, entre outros, em
homenagem aos pescadores e a pesca do bairro (BRASÍLIA, 1998). Porém, segundo os
moradores, essa mudança ocorreu sem a consulta da população, que já estava habituada à
nomenclatura antiga (Antônio Carlos; Celeste Maria; Wilson Lapa, 2017). Ainda que esse
fato não tenha ocorrido pela vontade da própria comunidade, de uma forma indireta, ele
demonstra a imagem da Brasília para o Recife, que é a de um local tradicionalmente
pesqueiro e ligado ao mar, localizado em meio ao centro urbano.
{ 182 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
Pelo o que foi visto até então, apesar das enormes transformações ocorridas na
Paisagem Teimosa, ela continua guardando em si as características que a fundaram, tanto
fisicamente quanto socialmente. Percebe-se que mesmo com as alterações que se deram
no seu processo de ocupação, com a melhoria de ruas, das condições infraestruturais e de
habitabilidade em geral, e da arquitetura das casas que a compõem, as tipologias, os
gabaritos e a essência do seu território se conservou. As práticas sociais ali exercidas
também permaneceram. Os moradores desse bairro, que se criou a partir de uma colônia
de pescadores, continuaram se ligando ao mar, ao rio e a pesca, tirando da natureza local a
sua subsistência física e afetiva, como ocorreu desde o início.
A resistência desse tipo de vivência que dá o caráter da Teimosa, contrasta com o
que ocorreu no Pina e em Boa Viagem. A partir da elitização desses bairros e da sua
apropriação pelo mercado imobiliário, o tipo de ocupação que neles se implantou passou a
não mais se relacionar com as suas preexistências, dada a sua crescente verticalização, o
seu adensamento construtivo indiscriminado e expulsão daqueles que tradicionalmente
viviam no local. O fato do desenvolvimento desses bairros ter acontecido sem se atentar as
relações objetivas e subjetivas que ali existiam, bem como aos elementos físicos que
caracterizavam o seu âmago, fez com que as suas paisagens começassem a se neutralizar,
ou seja, a não mais contar a história que as fundou e a não mais representar a sua gente.
Esse processo de apagamento que ocorre no entorno da Brasília, também quer se
impor a ela. Porém como percebido, os seus moradores teimam não somente em nela
permanecer, mas também em conservar as características sociais, culturais e materiais que
a tornam única e especial.
Embasando-se na compreensão do processo de consolidação dessa paisagem
desenvolvido nesta parte do estudo, se partirá para o entendimento da Teimosa atual e do
impasse que anima esse trabalho: o da sua conservação frente às pressões que ameaçam a
sua existência e a sua história, o que será tratado logo adiante.
{ 183 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PAISAGEM TEIMOSA }
{ 184 }
CAPÍTULO 3
{ 185 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
1
CALVINO, Italo. A especulação imobiliária, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 8-9, grifo nosso.
2
Que vêm a embasar esse estudo a partir dessa etapa.
{ 186 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
3
O modelo das está anexado no final deste trabalho.
4
Dois dos entrevistados não moram mais na Brasília, o comerciante Claldemy Bezerra e o pescador José
Severino, o que tornou a visão de ambos bastante interessante. No primeiro caso, tem-se o relato do
contraponto entre a imagem e as simbologias agregadas ao bairro apreendidas por ele, que nasceu e viveu
quase a vida inteira no local, e pelos seus familiares externos a ele. No segundo, pode-se entender um pouco
como se dão as relações econômicas e afetivas que se tem com a comunidade e o seu processo de quebra.
{ 187 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
5
Das instituições, o CEPOMA (Centro de Educação Popular Mailde Araújo), com Isamar, e a Centro Escola
Mangue, com Taciana; dos estabelecimentos: Império dos Camarões, com Zezinho, e Camarão do Zito, com
Maria das Graças; das lideranças comunitárias, Wilson Lapa, que é líder do Conselho de Moradores; e dos
trabalhadores das águas, a marisqueira Dona Leu.
{ 188 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
{ 189 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
{ 190 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 1 - Boa Viagem e Pina adensados e verticalizados. Foto de Carlos Oliveira, divulgação da Prefeitura do
Recife. Fonte: SkyscraperCity, 2009.
Imagem 2 - Boa Viagem com seus comércios elitizados e tratamento diferenciado. Avenida Conselheiro Aguiar,
2016. Fonte: Google Maps Street View, 2016.
mercado imobiliário e do poder público. Isso faz com que essa paisagem tenha conotações e
características físicas diferentes das demais, expressando a cultura economicamente
dominante que a construiu (CONGROVE, 2006) (imagem 2).
As classes sociais mais baixas, historicamente pioneiras no ocupar e no habitar dos
bairros de Boa Viagem e Pina, continuam lutando por esse espaço, pelos seus privilégios
ambientais, pelos hábitos e práticas sociais com ele estabelecidas, e pela necessidade de
{ 191 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
permanecer próximas ao seu local de emprego, já que uma parte significativa dessas
pessoas ainda prestam serviços, biscates e trabalham para a elite local.
Como foi observado nas décadas anteriores, cada vez mais a população humilde foi
sendo deslocada para longe da orla, em locais próximos ao mangue, ambientalmente mais
frágeis, e muitas vezes não passíveis de ocupações formais e apropriação imobiliária. Dessa
forma, a ocupação do bairro se deu de maneira estratificada, e na medida em que se afasta
da beira-mar, se começa a perceber as diferenças socioeconômicas do tecido (ALVES, 2009).
Esse fator dá origem a uma paisagem conflituosa dentro dessa região, que materializa
também os conflitos sociais e as relações de poder e domínio ali existentes.
Em relação a isso, no Pina, percebe-se que houve uma grande resistência das
comunidades pobres no seu território, que ocupam hoje uma área bastante significativa da
porção centro-oeste do bairro, formando a ZEIS Encanta Moça, e, portanto, ao menos em
tese, tendo a sua permanência garantida por lei. A população moradora dessa zona ainda
vive em grande parte de uma forma anfíbia, mantendo uma relação estreita com as águas e
com o mangue, muitas vezes estabelecendo os seus hábitos de subsistência financeira e
afetiva com aquela natureza através de vários fatores, como a pesca, por exemplo. Também
é nessa região onde se encontram os piores índices sociais do bairro e onde pode ser vista
uma quantidade expressiva de habitações precárias, como as palafitas (DE MORAIS, D.P.;
SILVA, L.R.S, 2010) (mapa 1, imagem 3 e 4).
Nos últimos anos, a especulação imobiliária vem atingindo a localidade com bastante
força. Como exemplo disso, no início de 2017, Boa Viagem e Pina tiveram respectivamente o
terceiro e o primeiro preço médio mais caro do metro quadrado do Recife6. O
transbordamento daquele bairro para este já é uma realidade visível, havendo uma vontade
clara do mercado de incorpora-lo como um todo a sua dinâmica, sem considerar as suas
preexistências e a suas relações simbólicas e objetivas que ele tem com os seus habitantes.
Dada a desativação nas décadas anteriores da Rádio Station e do Aeroclube, que
estabeleciam limitações para as construções em seus entornos, a existência das áreas
pobres protegidas, juntamente com a presença do Parque dos Manguezais Josué de Castro,
são os únicos impedimentos existentes à apropriação do Pina pelo mercado imobiliário
(BARBOSA, 2014). Esse último é a maior área urbana de mangue da América Latina, e se
6
Em fevereiro de 2017, o valor médio do metro quadrado no Pina era de R$8172,00, e em Boa Viagem, de
R$6739,00, enquanto a médio do Recife era de R$6090,00 (AGENTE IMÓVEL, 2017).
{ 192 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 3 - A paisagem do Pina verticalizado frente a ZEIS Encanta Moça e ao Parque dos Manguezais. Foto de
autoria Eduardo Câmara Lima. Fonte: Panoramio Google Maps, 2010.
Imagem 4 - Palafitas na ZEIS do Pina. Foto de José Nunes. Fonte: Flickr José Nunes, 2014.
{ 193 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
7
Existe ainda uma ZAN (Zona de Ambiente Natural) no bairro do Pina, ao lado da comunidade de Brasília
Teimosa. Pela sua proximidade com a área de estudo, ela será abordada mais adiante.
{ 194 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
que a paisagem do Pina e de Boa Viagem se igualam, não sendo mais possível distinguir as
fronteiras entre uma e outra localidade (SILVA, 2016) (imagem 6 e 7).
É na praia em que a aridez desses bairros se expressa de maneira mais visível. Nota-
se que no seu processo de ocupação, não houve a preocupação com a possibilidade do
estrangulamento da orla pelas construções, que foram feitas e continuam a existir com o
aval público, dado por meio da legislação (atualmente o Plano Diretor e a Lei de Uso e
Ocupação do Solo do Recife8). Além das edificações terem gabaritos muito altos, elas estão
muito próximas à praia, se separando da rua por meio de grandes muros segregadores, sem
seguir nenhuma regra de escalonamento de altura em relação às suas distancias à beira-
mar. Hoje, a natureza dessa praia se encontra completamente descaracterizada, não se
assemelhando a sua paisagem original (COSTA et al., 2008). Essa grande densidade da orla
afeta ambientalmente o local de maneira grave. Uma prova disso é o sombreamento dado
pelos edifícios, cobrindo a areia e o mar a partir do início da tarde em alguns trechos
(OBSERVATÓRIO DO RECIFE, 2012) (imagem 8 e 9).
“Praias Urbanas, sem coqueiros, sem cajueiros, sem sol poente, cujos raios foram
aprisionados pela muralha de pedra dos edifícios que margeiam a Avenida Boa
Viagem. Restaram umas águas quase sem peixes. Uns mares quase sem sal, sem
estrelas, sem cheiro de maresia e de sargaço” (ARAÚJO, 2007, p.525).
Também no interior desses bairros a paisagem se faz hostil (LEITÃO, 2009) (imagem
10). Com a diminuição gradual dos verdes, manguezais e alagados da região e a substituição
desequilibrada desses elementos por uma ocupação densa e verticalizada, se anulam as
relações físicas e subjetivas (trajectivas) entre as pessoas e esse lugar, se apagam as suas
origens físico morfológicas e a sua história. Ainda que estejam entre o mar e o mangue,
observando-se atualmente o Pina e Boa Viagem, mal se pode perceber que ali, “tudo era, foi
ou lembrava água9”. Com o passar dos anos, essa região foi dando as costas à pluralidade de
significados que ela carregava e à individualidade do seu “palimpsesto”, que contava a sua
história e a história das pessoas que a produziram e habitaram, criando uma paisagem
neutra, que possui edifícios impessoais que poderiam estar em qualquer outro local da
cidade ou do mundo (imagem 11, 12 e 13).
Assim, atualmente, pela forma como vem se dando a apropriação e a transformação
do território desses bairros, há uma ameaça à permanência das áreas pobres e ZEIS da
8
Respectivamente, as leis 17511/2008 (ALVES, 2009) e 16.176/96 (PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE, 1996).
9
Aqui se faz uma alusão a famosa frase de Waldemar de Oliveira no início do capítulo anterior: “o que não é
água, foi, ou lembra água” (DE OLIVEIRA, 1942, p.38-39).
{ 195 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 6 - Demolição do tradicional Edifício Caiçara na Avenida Boa Viagem após o seu terreno ser adquirido
pela Rio Ave Construtora, 2016. Foto de Bobby Fabisak/ JC Imagem. Fonte: Jornal do Commercio Online, 2016.
Imagem 7 - Ponto de encontro entre as orlas de Boa Viagem e Pina, 2013. Perceber a homogeneidade na
paisagem homogênea dos dois bairros. Fonte: Flickr Raul Lopes, 2014.
{ 196 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 8 - Avenida Boa Viagem e os seus prédios próximos à Praia. Fonte: Wikipedia, 2013.
Imagem 9 - Praia de Boa Viagem sombreada pelos seus edifícios. Foto original pertencente ao documentário
“Um Lugar ao Sol”, de Gabriel Mascaro, 2009. Fonte: Assiste Brasil, 2017.
{ 197 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 10 - As ruas hostis do Pina. Fonte: Google Maps Street View, 2016.
{ 198 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 13 – “O mar de prédios de Boa Viagem”, o mar que perdeu seu sentido. Fonte: Crítica do
personagem ParaINHO, da Arquiteta e ilustradora Jamila Lima.
região, que temem ser gradualmente expulsas (SILVA, 2008b). Dentre essas localidades
pressionadas no local, sem dúvidas, Brasília Teimosa é uma das que mais sofrem assédios.
Por estar muito próxima às fronteiras do Pina e Boa Viagem, se situar
privilegiadamente na continuação de suas orlas, ter a sua península banhada também pelo
Rio Capibaribe e se conectar visualmente com o centro tradicional do Recife, essa última
comunidade de diferencia das demais da região e da cidade como um todo, sendo
considerada um ponto estratégico pelo mercado imobiliário local. A sua forma de ocupação,
arquitetura, gabaritos e dinâmica de organização são muito diversos dos encontrados nas
suas circunvizinhanças elitizadas.
Mas não é somente pelos seus aspectos geográficos e espaciais que esse bairro se
diferencia dos seus vizinhos. Como se verá adiante, ao contrário deles, a Teimosa continua
sendo uma parte viva da cidade, que guarda a sua história e se conecta com o seu território,
estabelecendo fortes relações físicas, simbólicas e afetivas com a população que a habita.
Porém, o mercado e os grupos que dela querem se apropriar não se atentam a essas
questões subjetivas, tendo a intenção de anular essa cultura a partir do estabelecimento de
um outro tipo de paisagem no local, não se atentando as preexistências da Brasília, a
tratando como um território neutro.
{ 199 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Esses conflitos ideológicos, culturais e simbólicos, entre uma população que resiste
teimosamente no lugar em que ela mesma construiu e os grupos sociais que agem por meio
de um mercado que visa transformar aquela paisagem de forma a refletir os seus interesses
de domínio e propagação cultural, dá origem ao cenário paisagístico conflituoso que se vê
no local, que exprime esses embates sociais de forma palpável (imagem 14).
Imagem 14 - O conflito entre as paisagens de Brasília Teimosa (em primeiro plano) e Pina e Boa Viagem (ao
fundo). Fonte: SkyscraperCity, 2011.
{ 200 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
“Porque o metro quadrado de Brasília Teimosa ficou muito escasso, então as pessoas cresceram família e começaram
a fazer algumas edificações de primeiro e segundo andar, até terceiro andar, né, então passa de pai pra filho (...)”
(Maninho, porteiro aposentado, 48 anos).
“(...) As famílias cresceram, aí, vão construindo pra cima, né, pra lá, né, fica muito apertado” (Edileuza Simões,
cuidadora, 58 anos).
“Meus filhos foram crescendo, (...) aí, levantou [a casa], uma mora aqui, outro mora lá trás, (...) e tá fazendo pra outra”
(Maria Rita, dona de casa, 74 anos).
10
Essa sessão se embasa fundamentalmente nas informações dadas pelos entrevistados e nas observações
feita in loco.
{ 201 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
índices sociais dos seus moradores nos últimos anos (IBGE, 2010)11. Mesmo com as
melhores condições econômicas alcançadas pela população da Brasília, dificilmente as
pessoas que nela vivem tem o desejo de se mudar ou de residir em um outro local com um
status mais elitizado, o que justifica o adensamento da área. Isso pode ser visto como um
reflexo das ligações afetivas e objetivas que elas têm com esse lugar (Edu Guerra; Júlio
Alcino; Taciana Melo, 2017).
“Eu fui o primeiro aqui nesta rua a fazer (...) a reforma da casa (...). Aí, resultado, só tinha a gente, daqui eu avistava as
corridas de jangada que existia aí na frente, era só subir e ficava vendo, hoje em dia é assim, cercando tudo aqui. Aí,
você anda por aí, e o engraçado que quem tá vindo morar aqui não é ninguém de fora, é daqui de dentro mesmo, o
pessoal daqui de dentro compram, reformam, fazem um prediozinho (Edu Guerra, técnico de construção aposentado,
68 anos).
“Eu moro aqui, primeiro, porque eu gosto, mesmo se eu tivesse condição de comprar uma casa melhor, eu preferia
comprar aqui, porque, pra mim, não tem bairro melhor que Brasília, é um bairro que tô perto da praia, é um bairro
perto da cidade, tem tudo, entendeu? Tudo tem aqui na Brasília” (Fernando Paes, motorista, 58 anos).
Imagem 15 - Brasília Teimosa e sua grande densidade construtiva atualmente. Foto de Osvaldo Santos. Fonte:
Flickr Osvaldo Santos, 2013.
11
Em relação aos seus vizinhos, Pina e Boa Viagem, a renda mensal média do bairro se elevou
proporcionalmente entre os anos de 2000 e 2010. Além disso, houve o aumento de alguns de seus índices
{ 202 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 16 - Brasília Teimosa densamente construída. Rua Badejo, 2017. À direita, percebe-se que a edificação
verde pertencente a um restaurante se encontra irregular por ter mais pavimentos do que é permitido para a
área. Fonte: acervo pessoal da autora.
{ 203 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
distante das fronteiras com o Pina, e não têm como opção adicional a utilização dos ônibus
que atendem a esse outro bairro (imagem 17 e 18).
Algumas pessoas também reclamam que, apesar da comunidade sempre ter sido um
local seguro e tranquilo, atualmente a ocorrência de assaltos e furtos cresceu em seu
território. O tráfico de drogas também foi levantado como um ponto problemático no bairro
(André Francisco; Claudete Barros; Dona Leu; Edileuza Simões, 201713).
“A demora dos ônibus, meu Deus, é um massacre (...)” (Wilson Lapa, radialista e atual Líder do Conselho de Moradores,
57 anos).
“(...) Os ponto negativo é só a insegurança, que ultimamente tá acontecendo (...)” (Jane Abreu, 61 anos,
Farmacêutica).
Imagem 17- Problemas de lixo e esgoto na área da Colônia. Fonte: acervo pessoal da autora.
13
Esses foram alguns dos entrevistados que se queixaram sobre essas questões, que foram recorrentes na
maioria das entrevistas.
{ 204 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
“(...) É uma casa em cima da outra, a arquitetura, não tem ventilação dentro das casas, aí, você vai pra calçada,
como todas as ruas vai dá pro mar, aí, a ventilação, ela circula” (Isamar Martins, bibliotecária, 55 anos).
“Não tem praças grandes, né, que a gente possa se encontrar, brincar e se divertir. (...) A diversão da gente é a
Praia do Buraco da Véia” (Wilson Lapa, radialista e atual Líder do Conselho de Moradores, 57 anos).
{ 205 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Em relação a essa malha viária e ao formato das quadras, também não se percebem
grandes mudanças. O fato de o bairro ter tido um loteamento planejado, com ruas de
traçado organizado e racional, contribui para a sua funcionalidade, não existindo a
necessidade de grandes alterações ao longo dos anos. Desse modo, hoje, o seu “anel viário”
principal, constituído pelas Ruas Comendador Moraes, Dagoberto Pires, Arabaiana, Delfim e
Francisco Valpassos, está definitivamente consolidado. Nesse percurso, que tem como eixo
principal a Rua Arabaiana, se concentra a zona comercial da Teimosa, abrigando diversos
tipos de comércios e serviços, que lhe dão autossuficiência. Também é por esse caminho
que passam as linhas de ônibus que atendem ao bairro, o que reforça a centralidade dessa
zona (GRANDE RECIFE CONSÓRCIO DE TRANSPORTE, 2017) (imagem 19 e 20).
A Avenida Brasília Formosa também se consolida como um importante eixo de
mobilidade, tendo uma ciclovia e abrigando em sua extremidade o terminal de transporte
público, localizado em frente à entrada do Iate Clube. Além disso, ao longo da extensão
dessa via se concentram diversos tipos de quiosques, restaurantes e bares, além de
sanitários públicos, pequenas áreas de estar, locais para exercícios, parquinhos infantis e a
academia da cidade. Por esses usos, e por margear a orla, ela se torna não somente uma
necessidade funcional, mas também uma importante zona de lazer, respiro e sociabilidade
para os moradores, que estabelecem nesse local muitos de seus hábitos, como o de brincar,
comer, pescar (profissionalmente ou por entretenimento), praticar esportes, beber,
conversar e tomar banho na praia, convivendo entre si e com a natureza, se relacionando
com o mar intensamente14 (imagem 21 e 22).
Assim, o anel viário da Arabaiana e a Orla podem ser vistas como as duas principais
centralidades do bairro, que agregam um maior número de pessoas, comércios e serviços. A
primeira abriga os usos comerciais mais gerais, tendo desde mercados, a lojas de
confecções, miudezas, bicheiros, pequenos restaurantes, bares, açougues e peixarias. Além
dos pontos fixos, se observa também uma grande quantidade de ambulantes com barracas
e bancas móveis, geralmente vendendo peixes, frutos do mar, frutas, verduras e alimentos
em geral. Ainda que o comércio seja variado, percebe-se uma maior comercialização de
alimentos, principalmente os extraídos do mar e do rio da Brasília, muitas vezes vendidos
pelos próprios pescadores como meio de subsistência (mapa 7).
Na segunda centralidade, a orla, percebe-se a formação de um polo gastronômico,
que atende tanto a comunidade, quanto aos turistas (URPIA, 2014), que geralmente vão
para o Buraco da Véia, para o Iate Clube ou para o Parque das Esculturas (ponto turístico
localizado próximo à comunidade), passando pela Brasília. Essas características também se
estendem para as “cabeças” de quadra que chegam à beira-mar.
14
Esses ritos foram identificados a partir das entrevistas, das observações in loco e dos levantamentos de usos
no bairro.
{ 208 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
“Naquela avenida principal [Rua Arabaiana], fica vendendo as coisas na calçada, assim, bebida, tira gosto, essas coisas,
assim, espetinho, é muito movimentado” (Maria das Graças, Comerciante, 67 anos).
“(...) Você não precisa sair da Brasília pra fazer muita coisa, você tem, é, um centro comercial bem bacana (...).
Brasília, ela te oferece esse leque de oportunidades” (Isamar Martins, bibliotecária, 55 anos).
“(...) Já deu vontade de morar próximo ao meu trabalho, que eu trabalho lá em Itapissuma, fica muito distante, fica a
52 quilômetro. Mas é “compricado”, quando eu penso aqui nessa orla, nas amizades, no comércio, no próprio
comércio, que a gente não precisa sair pra canto nenhum, tendo um comércio desse... (Júlio Alcino, cooperador de
empilhadeira, 40 anos)
“O mar é a natureza aonde você respira o ar puro, onde as pessoas vão fazer seu lazer, num é, e desfruta de muitas
coisa além da, do que, o mar pode oferecer, que é a pesca, outros tipo de coisa, assim, a natureza, o lazer”
(Maninho, porteiro aposentado, 48 anos).
“(...) Fez uma faixa de areia, né, que aí, esportivamente, a gente aproveita, dá pra jogar uma “peladazinha”, dá pra, é,
voleibol, futevôlei, é, (...) futebol de areia, dá pra pelo menos fazer algum tipo de programação (...)” (Wilson Lapa,
radialista e atual Líder do Conselho de Moradores, 57 anos).
{ 209 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 21 - Praia do Buraco da Véia sendo amplamente utilizada. Fonte: URPIA, 2014.
{ 210 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 22 - Avenida Brasília Formosa. Observar os bares, a ciclovia e o espaço para exercícios, todos nesse
trecho. Fonte: acervo pessoal da autora.
“(...) A gente vê assim, é a mesma coisa sair de meia noite, uma hora da manhã, parece festa,
entendeu?” (Verônica Ribeiro, comerciante, 52 anos).
“(...) Toda hora tem gente na Brasília acordado, ai é um bairro bom por causa disso” (José Severino,
pescador, 47 anos).
{ 211 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 23 - Praça Abelardo Baltar e o Mercado Público da Brasília vistos em um dia de domingo à tarde,
horário de menor movimento. Fonte: acervo pessoal da autora.
{ 212 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
{ 213 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
“Brasília Teimosa é construída em cima dos pescador, isso aqui existe hoje através dos pescadores, isso aqui
“(...) Como ela foi construída aqui, pelos pescadores, tem toda uma história (...). É uma comunidade urbana, mas de
pesca, né? (...) As pessoas que vivem ao entorno da comunidade, a maioria das pessoas ainda dependem muito dessa
questão da pesca, então, acredito que não teria outra localidade que pudesse ser melhor pras pessoas que vivem
aqui” (Taciana Melo, professora, 29 anos).
Imagem 26 - Dona Leu, marisqueira do bairro exercendo sua atividade no Rio Capibaribe ao lado da
comunidade. Fonte: BRASÍLIA...2014.
{ 214 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Dessa forma, grande parte das atividades culturais do bairro é ligada à sua história e
à sua natureza. Sobre isso, pode-se citar que algumas das mais de 50 instituições, ONGs e
escolas atuantes na Brasília15, focam as suas atividades educacionais e de conscientização
ambiental com adultos, crianças e adolescentes através de ações e iniciativas integradas ao
mar, ao mangue e ao rio16. Muitos desses grupos foram criados nas décadas anteriores,
quando a dança, a música, o teatro e as artes em geral, serviram para conduzir e fortalecer a
luta da comunidade por melhorias e pelo direito à permanência, sendo esses elementos
ainda muito fortes na cultura do bairro17 (Mika; Luciberto Xavier, 2017).
“(...) Dentro da própria comunidade há uma efervescência cultural muito grande, é uma coisa bem
bacana que eu acho” (Isamar Martins, bibliotecária, 55 anos).
“Olha, toda a história aqui de Brasília Teimosa foi feita com o auxílio da arte” (Mika, bailarino e
coreógrafo, 50 anos).
15
Dentre essas instituições e grupos culturais atuantes no bairro, tem-se, por exemplo, a Escola Mangue, o
Clube de Mães, o Balé Deveras, A Turma do Flau, o CEPOMA (Centro de Educação Popular Mailde Araújo), o
Grupo de Dança Sereias Teimosas, a Orquestra Frevo Brasil e o Maracatu Nação Erê.
16
Sobre esse trabalho com a natureza, destaca-se a atuação da Escola Mangue da comunidade. Ela foi fundada
em 2003, com o objetivo de promover atividades culturais e pedagógicas que conectem as comunidades
“ribeirinhas, estuarinas e de praia” aos seus saberes, as suas histórias e aos seus biomas (CENTRO ESCOLA
MANGUE, 201-).
17
Como prova disso, desde 2006, o Balé Deveras vem se apresentando com a peça “Daqui não Saio, Daqui
Ninguém me tira”, que conta a história do bairro a partir de cinco episódios de sua luta. O espetáculo vem
sendo apresentado em alguns teatros da cidade e atualmente tem uma turnê regional prevista para começar
em breve no nordeste (Mika, 2017).
{ 215 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 28 - Corte esquemático da primeira parte da orla. Fonte: elaborado pela autora.
{ 216 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 30 - Corte esquemático da Segunda parte da orla. Fonte: elaborado pela autora.
{ 217 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 32 - Corte esquemático da Terceira parte da orla. Fonte: elaborado pela autora.
{ 218 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Por fim, tem-se a Praia do Buraco da Véia. Ela, que já chega a ser um
ponto turístico da cidade, é intensamente utilizada como local de banho,
permanência e lazer pela população, sendo tida como um emblema da
comunidade, símbolo da sua paisagem. Nesse local, os arrecifes, que
acompanham a orla do bairro desde o Pina, se mostram expressivamente e
fazem uma ligação visual entre a Brasília, a Ilha de Santo Antônio e São José e
ao Bairro do Recife. Essas rochas formam piscinas naturais também bastante
utilizadas (URPIA, 2014). Cabe lembrar que, na década de 70, o Iate Clube
tentou se apropriar dessa praia por meio da construção de um muro (o “muro
da vergonha”), que foi demolido pela própria população, a reintegrado à
comunidade (BRITO; MARGARITA, 2016) (imagem 33 e 34).
Imagem 33 - Quarta parte da orla, o Buraco da Véia, 2015. Fonte: Flickr Rafael Reines, 2015.
Imagem 34 - Corte esquemático da Quarta parte da orla. Fonte: elaborado pela autora.
{ 219 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
{ 220 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 36 - Pier da Associação de Pescadores e barcos em toda a orla fluvial do bairro. Fonte: acervo pessoal
da autora.
É nesse lado da península que também se encontram duas das três vilas construídas
entre as décadas de 70 e 80 para a realocação das palafitas da orla: a Vila da Prata e a Vila
Moacir Gomes. Em conversa com os moradores, a zona onde se situam, principalmente nas
proximidades dessa primeira, é apontada como um dos locais de maior criminalidade dentro
do bairro (Maninho; Wilson Lapa, 2017).
Ambas as vilas têm vias mais curtas e estreitas do que as encontradas na malha
ortogonal planejada do interior do bairro, no centro do Areal Novo, que também se diferem
das ruas curvas e irregulares encontradas na parte mais antiga da ocupação do local, a
Colônia (Areal Antigo) (mapa 10, 11, 12; imagem 37, 38 e 39). Em todos esses casos, além
das ruas oficiais, ainda existe a presença de pequenos “becos” e travessas consolidadas.
Afora essas diferenças, percebe-se que a densidade, as tipologias e as alturas das
edificações dessas áreas são muito similares. O Areal novo, o Areal antigo, a Vila da Prata e a
Vila Moacir Gomes compõem oficialmente o bairro da Brasília.
A ZEIS do bairro se estende para além de suas fronteiras, e tem seus territórios
também reconhecidos pela população como pertencentes à comunidade. É nessa área onde
se situa a Vila Teimosinho, a terceira das entregues nos anos anteriores. Ela possui um
traçado semelhante ao das outras duas e edificações parecidas com as encontradas na
{ 221 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Teimosa como um todo (mapa 13; imagem 40). Pela presença da Praça em seu interior, ela
se torna ligeiramente mais aberta e menos densa que as demais zonas analisadas
anteriormente.
Imagem 37 e Mapa 10 - Vila da Prata atualmente. Fonte: Google Maps, 2016; elaborado pela autora..
{ 222 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 38 e Mapa 11 - Vila Moacir Gomes atualmente. Fonte: Google Maps, 2016; elaborado pela autora.
{ 223 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 39 e Mapa 12 – Área da Colônia atualmente. Fonte: Google Maps, 2016; elaborado pela autora.
{ 224 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 40 e Mapa 13 - Vila Teimosinho atualmente. Fonte: Google Maps, 2016; elaborado pela autora.
{ 225 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Ao lado dessa Vila, está o Conjunto Habitacional Brasília Teimosa que como já
explorado, destoa da tipologia e do tipo de ocupação que se pratica no local, se isolando das
vizinhanças por meio de um muro, que é aberto somente na sua entrada, situada na Rua das
Oficinas. Entre esse conjunto, a Vila Teimosinho, e a parte do Areal está concentrada a
maioria dos equipamentos públicos citados anteriormente, algumas das escolas e um dos
postos públicos que atendem a comunidade. Perto desse ponto também se encontra uma
ZAN (Zona de ambiente Natural) (mapa 14 e 15; imagem 41).
Imagem 41 e Mapa 14 – Conjunto Habitacional atualmente. Fonte: Google Maps, 2016; elaborado pela autora;
{ 226 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
O restante da área ZEIS que fica fora do bairro e alheia às zonas elencadas até então,
se caracteriza como uma transição entre a Brasília e o Pina. Nesses territórios e nas suas
proximidades são onde se aplicam as principais investidas e ameaças do mercado imobiliário
à Teimosa, que nela quer adentrar sem se sensibilizar pela sua condição de Zona Especial e
pelas ligações e relações que ela tem com os seus moradores18 (mapa 15).
Apesar da diversidade encontrada nas distintas partes do bairro, é notório um
aspecto de homogeneidade que compõe uma unidade que distingue a paisagem da Brasília
daquela das suas circunvizinhanças, que com ela conflita a partir de uma ocupação espacial
completamente distinta e de conotações e significados diversos (imagem 42). Mesmo
existindo essa homogeneidade, cabe dizer que as áreas situadas entre a Avenida Herculano
Bandeira e a Rua Francisco Valpassos, tanto pela presença de uma grande quantidade de
equipamentos públicos e do conjunto habitacional, que tem implantações e tipologias que
se diferem das demais edificações da comunidade, quanto por não fazerem mais parte do
perímetro da Brasília, somente da sua ZEIS, se comportam como uma zona de
amortecimento entre a paisagem da Teimosa e a do seu bairro vizinho (mapa 15).
Imagem 42 - A paisagem de Brasília Teimosa formando uma unidade. Fonte: Brasilina Teimosina (Perfil do
Facebook), 2016.
18
Como se verá na sessão seguinte.
{ 228 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
sua formação fizeram parte não somente fisicamente dessa paisagem, mas também nela
estavam inseridos pelas simbologias, e ritos que se tinha e se tem com eles. Assim, mais do
que representar uma permanência palpável, as águas continuam tendo um lugar central na
vida da população teimosa desde o seu nascimento como comunidade.
19
Parafraseando a frase “onde queres Leblon, sou Pernambuco”, da música “O Quereres”, de autoria de
Caetano Veloso.
{ 229 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
todo, pela complicação em se resolver a questão jurídica com a União, que originalmente
tinha o domínio das terras, e por último, pela forte pressão do mercado sobre o seu
território (BRITO; MARGARITA, 2016; SANTOS, 2011).
Em 2014, a Prefeitura do Recife implantou o recurso da Concessão do Direito Real de
Uso (CDRU) no bairro. Ela foi dada por 50 anos, sendo renováveis por mais 50. Porém, em
uma possibilidade tida como remota pelos órgãos governamentais, caso haja um interesse
público sobre aqueles terrenos, eles podem ser objeto de desapropriação. Se isso
acontecesse, haveria a indenização apenas dos imóveis, já que o terreno continua sendo de
propriedade da União (BRITO; MARGARITA, 2016). Segundo informações obtidas pelo
Conselho de Moradores e pelos entrevistados, hoje existem também algumas residências
que estão sob a Concessão de uso especial para Fins de Moradia (CUEM) (Celeste Valença,
2017; Wilson Lapa, 2017).
Esses instrumentos utilizados na Brasília não inibem o interesse que o mercado e os
grandes empreendedores têm por ela. Recentemente, podem ser destacados alguns
episódios onde isso se fez mais visível, tanto a partir de construções que já foram feitas,
quanto de outras que se ensejam concretizar na comunidade e no seu entorno (mapa 16).
“A gente tem essa questão, o pessoal acha que não, o prefeito diz que não, não sei quem diz que
não, mas assim, mesmo com essa questão da condição de ZEIS, hoje é muito grande as construtoras
aqui dentro” (Celeste Maria, professora aposentada, 61 anos).
“(...) Se dependesse dos grandes empresários, comprava um trator bem grande, passava aqui por cima
de todo mundo. (...) A gente sabe que, evidentemente, ia fazer a continuação de Boa Viagem,
construir prédios e mais prédios aqui na comunidade” (Wilson Lapa, radialista e atual Líder do
Conselho de Moradores, 57 anos).
{ 230 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
reais (BRITO; MARGARITA, 2016). Mesmo depois de firmado esse acordo, o dinheiro, que
deveria ter sido investido para melhorias na Brasília, “se perdeu” nos cofres públicos e
nunca chegou a ser visto pelos moradores20.
“Olha [sobre a construção do empresarial JCPM], em escala de 0 a 10, eu digo que foi ruim 9” (Wilson Lapa, radialista
e atual Líder do Conselho de Moradores, 57 anos).
“Brasília tem tudo, né? Tem tudo, além de ter tudo, de, assim, fica localizada numa área que é muito perto do centro,
Marco Zero, Boa Viagem, você quer ir no parque Boa Viagem, é perto, tudo é perto. É perto. É um bairro muito bom.
É por isso que as empreiteira fica tudo de olho. (...) JCPM (...) fez logo um prédio, né? (...) Ah, coisa boa que ele faz é
os curso que ele oferece pra os adolescente, né, muito bom, muito bom os curso. Mas isso já é pra [gesticulando um
abocanhamento com as mãos]... (...) Vê como ele é esperto? Um empresarial na entrada, já fez um shopping, tudo
pertinho. Cercando.” (Edileuza Simões, cuidadora, 58 anos).
Imagem 43 - Edifício do JCPM conflitando com a Paisagem Teimosa ao fundo. Foto de Francisco Edson
Mendes, 2008. Fonte: Panoramio Google Maps, 2008.
20
Segundo o Líder comunitário Wilson Lapa, apenas duas representantes da COMUL do bairro conseguiram
estar presentes nessas negociações. Ele também afirma que o dinheiro negociado chegou a ser depositado nos
cofres da prefeitura, mas que de lá, não se sabe mais do seu paradeiro. A ideia era que, visto o esgotamento
de terrenos no interior da comunidade para a construção de novas moradias, o montante fosse direcionado
para o recapeamento e o asfaltamento das ruas do bairro, o que acabou não acontecendo. Houve ainda um
boato de que o valor pago pelo Grupo JCPM foi investido pelo poder público no Conjunto Habitacional do
Cordeiro, na ocasião do reassentamento dos moradores das palafitas nos anos 2000, mas nada disso foi
provado (Wilson Lapa, 2017).
{ 231 }
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{ 232 }
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21
Várias versões do projeto foram apresentadas ao longo das diversas gestões. Uma das proposta previa uma
via suspensa sobre o mangue, sendo onerosa e ambientalmente inviável. Uma outra sugeria a criação de uma
via de circulação rápida que margearia a maré, e que pra ser construída precisaria realocar toda a população
ribeirinha que ocupava o local até então. Por fim, a proposta escolhida se utiliza das vias locais já existentes,
com a expulsão de uma quantidade razoável de pessoas em situação de baixa renda. Essas realocações geram
uma pressão por partes dos setores imobiliários que visam modificar a LUOS recifense, diminuindo as áreas de
ZEIS e atendendo assim aos seus interesses especulativos (SILVA, 2008a). O projeto final foi executado pela
construtora Queiroz Galvão.
{ 233 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
sul do Recife. Apesar de atender prioritariamente ao trânsito de Boa Viagem, ligando todo
esse bairro às áreas centrais da cidade, ela gera impactos no Pina, ameaçando diretamente
as suas comunidades, e indiretamente Brasília Teimosa. Idealizada ainda na década de 1990
(sob o nome de Linha Verde), essa obra foi iniciada apenas em 2008, com a construção de
uma passarela sobre a Avenida Herculano Bandeira e do Túnel Josué de Castro, que liga
aquela via à Rua da República Árabe Unida (DE MORAIS; SILVA, 2010). Propondo melhorar a
fluidez do trânsito da Região, o empreendimento previu a urbanização da borda do Parque
dos Manguezais e o reassentamento de uma população humilde que ali vivia22. A sua
criação, feita pelo poder público, além de tirar essas moradias carentes do local, ainda gerou
o aumento da especulação imobiliária da região e viabilizou algumas das obras privadas
feitas posteriormente (BARBOSA, 2014). Totalmente finalizada em 2016, essa via pode ser
vista como o começo da apropriação do manguezal do Pina, processo que pode
desencadear graves consequências ambientais para a cidade como um todo
(CONCRETO...2012) (imagem 46 e 47).
Imagem 46 - Via mangue em construção. Ao fundo à esquerda, a comunidade de Brasília Teimosa. Fonte: Blog
Priscila Krause, 2014.
22
Os moradores das comunidades Beira Rio, Jardim Beira Rio, Pantanal, Paraíso, Deus nos Acuda e Xuxa foram
realocados para três conjuntos habitacionais, dois localizados no Pina, e um no bairro da Imbiribeira
(Projeto...2011).
{ 234 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 47 - Traçado da Via Mangue. Abaixo, á direita, a comunidade de Brasília Teimosa. Fonte: Blog
Transporte na Região Metropolitana do Recife, 2013.
“O rico, a indústria, ela acaba com você, ela tira você da sua casa aqui pra fazer avenida pra passar carro, quer dizer,
ela (...) tira você do lugar que você é nativo, dali, criado e nascido ali, (...) é uma coisa que não existe. Tá tomando uma
coisa que é sua pra botar carro. Quer dizer, beneficia você? Não, beneficia a indústria. Quem vai ganhar dinheiro é
quem? A indústria. E você perdeu seu lugar que você morava há tantos ano, que você dizia assim “daqui eu não saio,
daqui eu não saio, daqui eu não saio”, e o rapaz veio, veio a prefeitura, veio o rico, tirou você dali, [dizendo] vou
pagar, compro o que eu quero, e tira você e pronto, pra fazer o quê? Área de carro” (Dentinho, pescador, 48 anos).
Um dos projetos que se beneficiou abertamente com essa dilatação do tecido viário
da região foi o Shopping Rio Mar, inaugurado em outubro de 2012 pelo grupo JCPM.
Atualmente, ele é o maior centro de compras das regiões norte e nordeste do Brasil
(BARBOSA, 2014) e se localiza na área da antiga fábrica da Bacardi, desativada na década de
90. Anexo ao seu edifício principal também foram implantadas 3 torres empresariais
verticalizadas23. Para a realização do shopping, foi necessário um grande aterro no mangue
anteriormente existente no local, processo mitigado com o replantio de uma área verde
expressiva no terreno do empreendimento, que ironicamente acabou recebendo um selo de
23
O shopping tem 4 pavimentos, com 401 lojas, 12 salas de cinema, teatro, academia e parque de diversão
distribuídos em uma área construída de 295000m². Os edifícios empresariais tem uma área de 98.572,55m²
{ 235 }
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Imagem 48 - Shopping Rio e suas três torres empresariais. Fonte: SkyscraperCity, 2014.
Essas duas grandes mudanças abrem caminho para a atuação do mercado imobiliário
na região, animando a ocorrência de novas obras e edificações (SILVA, 2014). Esse fato já
pode observado no entorno imediato da Paisagem Teimosa. Como exemplo disso, tem-se o
caso da abertura de uma via estendendo a Rua Francisco Valpassos na comunidade até a
Avenida Antônio de Góes, realizada no ano de inauguração do referido shopping, feito em
uma parceira entre o mesmo grupo que o construiu (JCPM) e a prefeitura do Recife
(SABOIA, 2012) (imagem 49).
com 958 salas. Ao todo existem 7869 vagas de estacionamento oferecidas pelo empreendimento (SILVA,
2014).
24
Sobre isso, percebe-se que “(...) nesse circuito de negociações e compensação, o ambiente físico-natural
passa a ser uma mercadoria. O discurso da sustentabilidade e da responsabilidade ambiental é ideológico e
{ 236 }
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Imagem 49 - Brasília Teimosa antes e depois da criação da ligação da Rua Francisco Valpassos à Avenida Antônio de Góes. Fonte:
Google Mapa, 2011; 2016.
“(...) JCPM criou essa avenida aqui na frente da loja, que não tinha essa avenida aqui, é nova, tem, sei lá, 3, 4 anos,
tem menos de 5 anos essa avenida aqui, ela não existia. (...) Essa avenida, ela morre aqui na frente da minha loja,
então não tem sentido, né, uma avenida dessa... Ela não foi feita pra morrer aqui na frente da minha loja,
entendeu?”(Claldemy Bezerra, administrador, 40 anos).
Atualmente existem outros edifícios verticalizados isolados que estão nas franjas da
Brasília, entrando visualmente em seu território. Entre eles, podem ser destacados
principalmente o da Advocacia Geral da União (construído em 2001, com 18 pavimentos), o
da Receita Federal (datado do mesmo ano, com 15 pavimentos), o Edifício Jopin (criado em
2011, com 22 pavimentos), o Empresarial ITC (do mesmo ano e com 25 pavimentos) e o
empresarial Fred Dubeux (de 2012, com 15 pavimentos) (PREFEITURA DA CIDADE DO
RECIFE, 2017) (imagem 50 a 67).
“Que nem você vê, já tá entrando os prédio, né, os prédio já tá entrando devagarzinho (...)” (José Severino, pescador,
47 anos).
consequentemente alienante, porque não é tão difícil observar que uma construção sendo considerada
sustentável agrega mais valor ao seu produto final” (SILVA, 2014, p.55).
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Imagem 62 - Edifício do Empresarial ITC visto da Rua Comendador Moraes. Fonte: Google Maps, 2016.
Imagem 63 - Situação hipotética de uma paisagem atual harmônica sem o edifício do Empresarial ITC. Fonte:
Google Maps, 2016 (modificado).
{ 242 }
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Imagem 67 - Edifícios do Pina invadindo a Paisagem Teimosa. Fonte: acervo pessoal da autora.
Sobre isso, cabe considerar a construção das duas torres residenciais da empresa
Moura Dubeux no Cais José Estelita, local que se conecta visualmente com a Brasília pela
sua lateral fluvial. Cada um desses arranha-céus tem 40 pavimentos, e foram nomeados
como Píer Duarte Coelho e Píer Maurício de Nassau. Por se localizarem nas proximidades do
centro histórico do tradicional Bairro de São José, elas acabam causando conflitos a
paisagem patrimonial ali pré-existente (VERAS, 2014). Por trás de um emblema de
implantação de um Recife “moderno”, o objetivo do projeto era o de ser uma âncora para a
requalificação daquela região através do desencadeamento de um processo de
gentrificação25 na área. Mesmo sendo alvo de diversas polêmicas e reações contrárias a sua
concretização, essas edificações conseguiram ser aprovadas e foram inauguradas no ano de
2006 (BARBOSA, 2014) (imagem 68, 69 e 70).
“(...) Aquilo ali, ó [apontando para o Cais José Estelita], aquilo ali existia uns tonel ali, ali se chamava o melaço, ali era
muita carreta, ali ainda, ainda tem uns tonel, tá vendo, ali tem uns tonel ali, ali era no melaço, tá certo? Aquilo ali, veja
só, aquilo ali, o certo aquilo ali é da gente que é pescador, ali é mangue, agora você vê (...), tomaram o da gente pra
fazer benefício pros rico, quer dizer, querem fazer ali, quer, vai ficar bonito, vai, pra eles, pra gente não (...). Como é
que o pescador, eu, eu sou nativo daqui tô vendo aquilo ali todo dia, passo ali todo dia, mas não passo ali daqui há
20 ano? (...)” (Dentinho, pescador, 48 anos).
25
Segundo Lúcia Veras, gentrificação “é uma palavra recente que indica um processo complexo de
transformação de um bairro ou região, quando novas dinâmicas imobiliárias substituem antigos usos e
habitantes por outros de maior poder aquisitivo, com o objetivo de ‘enobrecer’ lugares antes populares”
(2016, p.4).
{ 244 }
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Imagem 68 - Em primeiro plano, as Torres Gêmeas da Moura Dubeux. Ao fundo, Brasília Teimosa. Fonte: Blog
Acerto de Contas, 2008.
Imagem 69 - Brasília teimosa e as Torres Gêmeas ao fundo. Fonte: acervo pessoal da autora.
{ 245 }
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Imagem 70 - Situação hipotética das Torres Gêmeas tendo uma altura reduzida. Fonte: acervo pessoal da
autora (modificado).
Essa primeira intervenção no Cais preconizou o Projeto Novo Recife. Este consiste
em um empreendimento privado, que conta com um grande apoio da Prefeitura da Cidade
e do Governo do Estado. Localizado em um antigo terreno da RFFSA (Rede Ferroviária
Federal Sociedade Anônima), o seu plano original, previa 13 torres no padrão das da Moura
Dubeux erigidas anteriormente, cada uma tendo entre 36 e 45 andares, abrigando o uso
residencial, empresarial e hoteleiro. Essas edificações estavam divididas em cinco quadras,
cada uma com edifícios-garagens anexos (BARBOSA, 2014). O projeto gerou calorosos
embates entre os empreendedores e a sociedade civil, tendo esta última se manifestado
através do Movimento #OcupeEstelita e do Grupo Direitos Urbanos, que contestaram tanto
a descontextualização do empreendimento com a arquitetura histórica e com a paisagem
existente no local, quanto o uso elitizado e particular que se queria dar a essa borda d’água,
o mesmo problema encontrado nos dois arranha-céus já existentes no Cais. Após as
pressões sociais causadas, o poder público veio a cancelar o projeto. Porém, no ano de
2015, após ter passado por algumas reformas, o empreendimento foi aprovado mais uma
vez, agora com prédios de menor gabarito próximos à área histórica e com a utilização de
comércios e serviços em todas as suas edificações (VERAS, 2014). Atualmente, a questão do
{ 246 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
projeto ainda está indefinida, mas a prefeitura do Recife garante que ele será executado
(SABOIA, 2016) 26 (imagem 71, 72 e 73).
Imagem 71 - Primeira versão do Projeto Novo Recife. Fonte: Pini Web, 2012.
Imagem 72 - Versão atual do Projeto Novo Recife visto de Brasília Teimosa. Perceber as duas torres já
existentes no local à direita. Fonte: Site Novo Recife, 2014.
26
Parte fundamental dos questionamentos ao projeto apontam para a sua ilegalidade, visto a aparente
obscuridade como se deu o processo de venda e leilão do seu terreno (GRUPO DIREITOS URBANOS, 2012).
Para mais informações sobre a contestação da sociedade sobre esse projeto, bem como sobre as
características e detalhes do empreendimento proposto, consultar o blog do Grupo Direitos Urbanos
(disponível em: < https://direitosurbanos.wordpress.com/>. Acesso em: 29 mai. 2017). Para saber mais sobre a
visão do Consórcio sobre o caso, visitar o site oficial do projeto (disponível em:
<http://www.novorecife.com.br/>. Acesso em: 29 mai. 2017).
{ 247 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 73 - Em primeiro plano, a versão atual do Projeto Novo Recife, e ao fundo, Brasília Teimosa. Fonte:
Site Novo Recife, 2014.
Anteriormente a esse episódio, o espaço do Cais José Estelita havia sido pensado
como parte do Plano Recife-Olinda27, criado nos anos 2000, com início previsto para 2007.
Apesar de também ter uma forte ênfase na verticalização, este projeto parecia ser mais
coerente com as necessidades urbanas locais, visto que previa uma integração macro das
orlas daquelas duas cidades e tinha algumas preocupações sociais, urbanísticas e
paisagísticas inexistentes no Novo Recife, como por exemplo, uma grande ênfase no espaço
e no transporte público, e a urbanização e reintegração das comunidades e favelas que se
encontravam em meio a sua área de abrangência. Um dos setores de integração previstos
no plano era a comunidade de Brasília Teimosa, destacada pela sua forte vocação
gastronômica. Com a mudança de gestão do governo do estado, o projeto foi abandonado
(ROLNIK, 2012) (imagem 74).
Imagem 74 - Projeto Recife-Olinda no trecho do Cais de Santa Rita. Fonte: Blog Direitos Urbanos, 2012.
27
Para mais detalhes sobre o Projeto Recife-Olinda consultar uma reportagem sobre o tema encontrada no
site da Revista AU (disponível em: <http://www.au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/149/artigo26571-
2.aspx>. Acesso em: 29 mai. 2017).
{ 248 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 75 - Pontos do Teleférico previsto para Brasília Teimosa. Fonte: Diego Martiniano (página no
Facebook), 2015 (modificado).
{ 249 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
localização no interior da ZEIS da comunidade, onde não permite uma construção desse
porte e com esse gabarito. Ao receber essa negativa, a empresa tenta recorrer
juridicamente a esta decisão (MELO, 2016). Os moradores do bairro temem a construção
desse edifício, que poderia representar a perda de mais um pedaço da sua Zona Especial (a
exemplo do precedente aberto pela concretização do Empresarial JCPM) e atiçar ainda mais
os olhares das empreiteiras para a área. Além de necessitar da aprovação da comunidade,
pelo seu porte, o empreendimento precisaria apresentar legalmente um Estudo de Impacto
de Vizinhança, o que não foi realizado (BRITO; MARGARITA, 2016) (imagem 76).
Imagem 76 - Hotel da Rio Ave e Brasília Teimosa ao fundo. Fonte: Blog do Jamildo, 2017.
Além deste hotel, mais um edifício teve sua construção barrada na região, mas dessa
vez, fora da comunidade, no seu entorno. No terreno onde hoje se encontra o Clube Líbano
Brasileiro, um imóvel especial de preservação (IEP28), já há algum tempo, a construtora
Conic tenta construir um Empresarial de 23 pavimentos, com um edifício garagem e uma
nova sede para aquele clube. Por conta a sua relevância histórica, a prefeitura suspendeu a
demolição da edificação existente, um exemplar modernista da década de 1950
(JUSTIÇA...2013) (imagem 77).
28
Os IEPs (Imóveis Especiais de Preservação) são edificações que tem um valor patrimonial histórico, mas não
se situam em uma ZEPH (Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico – Cultural), sendo preservado
individualmente, como prevê a Lei de Uso e Ocupação do Solo vigente na cidade (PREFEITURA DA CIDADE DO
RECIFE, 1996).
{ 250 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Por último, há um outro empreendimento que chama a atenção por ter sua
construção prevista exatamente na fronteira com a ZEIS Teimosa. É o Edifício Mirante
Capibaribe, um condomínio clube de luxo da Construtora Moura Dubeux, que se localizará
no atual terreno da empresa Ecomariner, a oeste da comunidade. Ele possuirá 21
pavimentos, e privatizará uma parte da borda do rio29. Apesar do projeto ainda estar “em
planta”, ou seja, ainda não existir, os seus apartamentos já estão sendo amplamente
vendidos pelos agentes imobiliários (VIVA REAL, 201-) (imagem 78).
Além desses projetos recentemente construídos (mapa 16), previstos ou que tentam
ser concretizados, é importante se atentar para a existência de três grandes terrenos vazios
muito próximos à comunidade. O primeiro deles se localiza entre as Avenidas República
Árabe Unida e Herculano Bandeira, mas por se situar em uma Zona de Ambiente Natural e
estar cercado por vias que tem um nível superior ao seu, a sua utilização se torna mais
difícil. O segundo está em uma área estratégica, no cruzamento das avenidas Antônio de
Góes e Conselheiro Aguiar, em frente ao Empresarial JCPM, sendo usado frequentemente
em eventos transitórios, como parques infantis e circos itinerantes. O terceiro e último se
encontra exatamente no limite da ZEIS de Brasília Teimosa, na esquina da Rua José Mariano
29
Atualmente, a empresa Ecomariner já privatiza essa parte da orla do rio.
{ 251 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Como, segundo a LUOS da cidade, os bairros de Boa Viagem e Pina, vizinhos a Brasília
Teimosa estão situados em uma ZUP (Zona de Urbanização Preferencial), o potencial
construtivo desses terrenos é muito grande, e por isso, eles podem vir a abrigar edifícios e
empreendimentos de grande porte e altura, que também conflitariam com a paisagem da
comunidade. Além disso, cabe lembrar que isso também pode acontecer nas áreas já
ocupadas atualmente, visto o processo de renovação arquitetônica pelo qual a região sul do
Recife vem passando.
Essa atuação feroz do mercado imobiliário no Pina e na região de seu estuário, do
qual faz parte o bairro estudado, não ocorre por acaso. Atualmente, essa área pode ser vista
como um território estratégico, que faz o enlace entre o centro histórico da cidade, com
todas as suas vantagens locacionais e turísticas, e Boa Viagem, que apesar de possuir
características completamente diferentes, também é uma centralidade e possui essa mesma
vocação. Para esse fim, a partir de projetos como os analisados anteriormente, pretende-se
transformar a região em uma espécie de nova “vitrine” para a cidade (BARBOSA, 2014), que
venha a mostrar valores morais e estéticos que reproduzem uma cultura alheia a da
Comunidade Teimosa, a ameaçando e neutralizando as peculiaridades que a tornam única.
{ 252 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Mapa 17 - Terrenos Vazios no entorno de Brasília Teimosa (numerados pela ordem em que são citados no
texto). Fonte: elaborado pela autora.
{ 253 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
“Eles colocam aqui corretores batendo palma em casas que nem placa de ‘vende-se’ tem, (...) e em alguns casos eles
acabam, lógico, vendendo a casa” (Wilson Lapa, radialista e atual Líder do Conselho de Moradores, 57 anos).
“(...) As pessoas que moram aqui não tem pretensão de sair, mas as propostas que as pessoas fazem, às vezes,
imobiliárias, é muito maior, né? Então, assim, eu conheço pessoas que venderam e retomaram por uma questão de
não se adaptarem em outro local, mas eu acho que futuramente vai ter um crescimento muito grande. Talvez até
maior do que a gente deseje ter. (Taciana Melo, professora, 29 anos)
30
Aqui, Veras (2016) está se referindo especificamente ao Projeto Novo Recife, mas esta é uma reflexão que se
encaixa em uma análise geral dos projetos elencados nessa sessão, dada a grande semelhança existente entre
eles.
{ 254 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
“(...) Não me vejo fora de Brasília Teimosa, eu sei que tem muita gente que é grande de olho nela, construtoras, tudo
de olho, tem “muita laranja” também aqui dentro, muita gente que comprou pra empresa. Tem pessoas que num
pode ver dinheiro. A gente, hoje, a gente vê pessoas que sabe que não é da área morando aqui, são pessoas de
outro nível morando aqui. (...) É por isso que eu digo, eles usam, a, os laranja pra ter casa aqui (...)”. (Edileuza Simões,
cuidadora, 58 anos)
Em relação a isso, podem ser citados dois exemplos claros encontrados no local. O
primeiro deles se situa na orla marítima da área da Colônia, nas proximidades do bairro do
Pina, se tratando de uma casa com características bastante peculiares em relação às suas
vizinhas, no que diz respeito principalmente ao materiais, acabamentos e tipo de esquadrias
utilizadas (imagem 79). O segundo exemplo, se situa na Rua Poraquê, e se trata de uma obra
de um edifício de 6 pavimentos, dois a mais do que é permitido na Brasília. Segundo os
moradores da rua31, a obra possui um engenheiro (o que é incomum para a área) e o seu
proprietário não mora na comunidade, somente sendo visto esporadicamente, quando faz
visitas à obra (imagem 80).
Imagem 79 - Casa de arquitetura não convencional ao bairro de Brasília Teimosa. Fonte: acervo pessoal da
autora.
31
Estes moradores não quiseram ser identificados.
{ 255 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
{ 256 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
documentário “Recife MD32”, onde o superintendente comercial de uma das empresas mais
atuantes na região de Brasília Teimosa, a Moura Dubeux, fala da sua visão sobre a ocupação
e a apropriação da comunidade:
“Brasília Teimosa era um local que [se] não se tivesse dado a ocupação que foi
dada a ela, era um local excelente. É um local cercado de água pelos três lados, né,
então assim, hoje a ocupação que tá nela não se permite, não se permite mais se
fazer um empreendimento imobiliário, a não ser que haja uma intervenção severa
do poder público, que realmente rearranje aquele local, e assim disponibilize a
cidade para um novo empreendimento. Então, ela tá fadada a não passar daquilo,
a não ser que haja uma intervenção severa do poder público, que o poder público
ache que é importante que aquele local passe a servir à cidade com hotéis,
marinas, com equipamentos que incentivem o turismo... Mas isso é uma visão de
médio e longo prazo. A gente tem outras áreas da cidade importantes da cidade
pra reocupar (...), que tem uma relação fundiária mais simples” (Depoimento de
Antônio Vasconcelos, Superintendente Comercial da empresa Moura Dubeux em
Pernambuco, para o documentário “Recife MD33” – 2011).
“(...) O cara da Moura Dubeux, tem um documentário que ele diz que o lugar ideal [é Brasília Teimosa], eu odeio esse
documentário, mas é real” (Isamar Martins, bibliotecária, 55 anos).
32
RECIFE MD. Direção de Gabriela Alcântara e Marcelo Pedroso. Recife, 2017. (4 min.), son., color. Disponível
em: <https://vimeo.com/31354876>. Acesso em: 29 maio 2017.
33
Idem.
{ 257 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
“É, porque Brasília Teimosa não tem prédios, né, não tem edifício, entendeu? Não tem, então nessa linha, eu acho que
o bairro vai ganhar muito. Algumas pessoas pensam o contrário, eu já acho que vai ganhar muito” (Claldemy Bezerra,
administrador, 40 anos).
[A construção do JCPM] “Foi bom sim, primeiro que acabou com um terreno que estava ali na frente mais de, há mais
de quarenta anos o terreno tava lá, e eles construíram e trouxeram benefícios praquí, muito bom”.
(...)
“(...) Tirar Brasília Teimosa daqui, tira, se o governo quiser tira (...). Olhe a resistência para o progresso é burrice. Se vai
pegar isso aqui, vai ser um, um, quer ver uma burrice muito grande? A resistência que fizeram pra o Cais José Estelita
(...). (...) Como é que eu tenho uma coisa minha e eu não posso fazer nada? (...) Não, não tem nada negativo, o que
tem muito é agitação. Como eu lhe digo, é ignorância. Um povo que é manipulado por uma determinada classe, que
na verdade é política, é partidária (...). (...) Não tem nenhum Governo interessado nessa área aqui, não tem, nenhum. E
nem vai aparecer alguém que vá pensar nisso, [em tirar Brasília Teimosa de onde ela está,] é loucura pensar numa
coisa dessas” (Edu Guerra, técnico de construção aposentado, 68 anos).
“Hoje, o ponto negativo é a divisão dessas lideranças políticas, (...) porque elas foram cooptadas por partidos, por
interesse (...). É um bairro que apesar de toda essa divisão, a gente tem um nome a zelar, Brasília Teimosa não é à
toa”. (Isamar Martins, bibliotecária, 55 anos).
Ao mesmo tempo em que isso acontece, é vista uma clara vontade geral de
permanência e resistência por parte dos moradores. Como foi visto até então e será mais
aprofundado adiante, as relações estabelecidas entre eles e a Brasília são fortes e fundam a
dinâmica, a movimentação e as transformações que ocorrem na paisagem desse bairro ao
longo dos anos.
“(...) Eu acho que a gente não ia se acostumar em outro lugar distante daqui, ia ser uma revolução aqui dentro, eu
acho. (...) As pessoas daqui são unidas, teimosas. (...) Todo mundo tem suas divergências políticas, mas na hora de
defender Brasília Teimosa, todo mundo se une” (Jane Abreu, farmacêutica, 61 anos).
“(...) Eu só saio daqui pra o cemitério. Meus filhos também não quer sair daqui” (Maria Rita, dona de casa, 74 anos).
“Só [saio daqui] pra Santo Amaro [cemitério]. (...) Se tiver uma vaga lá, né? Se num tiver, me joga aí no mar. (...) Isso
aqui foi um movimento que eu participei, e, e lutei, e vou morrer aqui. (...) enterrei o meu umbigo aqui” (Antônio
Carlos, funcionário público aposentado, 66 anos).
“(...) Eu sou nativo e não pretendo sair daqui mais pra canto nenhum. (...) E aqui vou morrer, nasci aqui, aqui mesmo,
só daqui pra Santo Amaro [cemitério]” (Dentinho, pescador, 48 anos).
“Eles não tiram de jeito nenhum, pode botar o trator que for, mas não tira não. Aqui é menina dos olhos, né?”
(Alexandra Lopes, dona de casa, 40 anos).
{ 258 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
“(...) Vou deixar a minha casa pra ir pra canto nenhum (...). (...) Brasília Teimosa é Brasília Teimosa. (...) “Oxe”, eu
chamava o pessoal tudinho pra gente brigar. Não é só eu não, viu? É muita gente (...)” (Claudete Barros, vendedora de
carne, 66 anos).
Frente a esse impasse entre os desejos de futuro para a Paisagem Teimosa, que
conflitam entre a sua conservação, ansiada por quem a criou, a vive e a transforma, ou o seu
apagamento, de vontade do mercado imobiliário, quais são as premissas que devem
orientar as suas transformações no porvir? Veremos adiante.
“É uma história, entendeu? Uma história, entendeu? Que hoje as pessoas estão querendo apagar, e isso marca muito,
entendeu? (...) Tem marca, entendeu? Porque tem lugares que marca (...). Pra muita gente, isso aqui representa muita
coisa (...)” (Verônica Ribeiro, comerciante, 52 anos).
“(...) Quando a pessoa constrói uma obra, não quer desfazer não” (Maria Rita, dona de casa, 74 anos).
“(...) A gente construiu a Brasília, como é que você vai querer que eu abandone uma coisa que eu construí?” (Edileuza
Simões, cuidadora, 58 anos).
34
Ver as discussões expostas no primeiro capítulo desse trabalho, principalmente no que diz respeito às
teorias de Conan (1994).
{ 259 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
“(...) Eu amo Brasília Teimosa, eu gosto demais desse lugar aqui, aqui eu me sinto, posso está em qualquer lugar,
posso viajar, quando passo por ali, pronto! Me sinto em casa. (...) Quem mora aqui é feliz” (Jane Abreu, farmacêutica,
61 anos).
“É minha mãe, meu pai, minha irmã, Brasília Teimosa é tudo pra mim, tudo” (Claudete Barros, vendedora de carne, 66
anos).
35
Cabe perceber que o fato de Brasília Teimosa ser uma ZEIS reforça a sua característica de unidade de
paisagem, visto que sendo assim classificada, por lei, ela deve ser tratada de uma maneira diferente do seu
entorno.
{ 260 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
Imagem 81 - A Paisagem Teimosa e o seu entorno conflitante. Fonte: Brasilina Teimosina (Perfil do Facebook),
2016.
Imagem 82 - A Unidade de Paisagem de Brasília Teimosa. Foto de Maurício F. Pinho. Fonte: Panoramio
Google Maps, 2010.
{ 261 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
A própria conformação natural e antrópica da Brasília favorece que ela seja assim
classificada. A sua península triangular, banhada pelo mar e pelo rio se destaca na paisagem,
correspondendo exatamente também a uma parte de ocupações, gabaritos, cores, formas e
tipologias arquitetônicas que se diferem das suas circunvizinhanças, principalmente em
relação aos bairros do Pina e Boa Viagem. A leitura dessa singularidade se dá tão claramente
e fortemente que, muitas vezes, o seu território é lido como uma ilha36 pelos seus
moradores e pela população em geral (imagem 82).
A formação da Brasília, como visto, também ocorreu de maneira peculiar e pioneira,
que conta a história da teimosia e das relações profundas das pessoas com esse lugar, que
fundou e funda as suas vidas. Além disso, a vivência que ali se dá a partir das práticas sociais
e hábitos que nele se desenvolvem, como por exemplo, a pesca, a movimentação comercial
e gastronômica, a vivência da rua, os lazeres ligados ao mar e ao rio e a ligação sentimental
e racional que se tem com as águas, faz com que a comunidade tenha uma organização,
dinâmica e tipo de apropriação afetiva e simbolismos que também a tornam culturalmente
e socialmente única.
“(...) Brasília Teimosa fica diante dessas duas coisas, do lado do mar, do lado do rio, a Brasília Teimosa é uma ilha
maravilhosa (Maninho, porteiro aposentado, 48 anos)”.
“(...) A minha patroa, eu trouxe já ela aqui, ela disse que eu moro numa ilha, e realmente é uma ilha, é
entre o mar e o rio, eu moro entre o mar e o rio, então eu moro dentro de uma ilha, né?” (Fernando Paes, motorista,
58 anos).
“(...)Brasília em outro lugar, teria que ser perto do mar, senão, acho que não seria Brasília Teimosa” (Claldemy Bezerra,
administrador, 40 anos).
“(...) Se fosse em outro lugar não teria, não seria isso daqui” (Edu Guerra, técnico de construção
aposentado, 68 anos).
“Você tá aqui porque existe Brasília Teimosa, se Brasília Teimosa fosse em outro lugar, você não tava nem aqui”
(Dentinho, pescador, 48 anos).
“(...) Tem outras histórias por aí, mas eu acho que Brasília Teimosa, não mesmo, nunca (...)” (Djalma
Rodrigues, mecânico em refrigeração aposentado, 81 anos)
36
A Brasília é uma península, ou seja, “uma porção de terra cercada água por todos os lados”, com exceção de
um, que é exatamente por onde ela se conecta com o Pina. Apesar disso, as suas características a tornam tão
diferentes do seu entorno que, por vezes, ela é tida como uma ilha, que é uma porção de terra cercada por
todos os lados (MICHAELIS, 2017).
{ 262 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 3 – A TEIMOSIA DE HOJE E OS DESEJOS PARA O AMANHÃ }
sua essência, para que no porvir, ele continue contando a sua história, que também é a dos
seus moradores e da cidade, através do seu território, ao mesmo tempo em que permita
que ela seja escrita em seu “palimpsesto” continuamente. Nesse sentido, percebe-se a
importância de se atentar aos valores, identificações, conotações e desejos de quem vive,
cria e transforma37 a Brasília, e não de grupos alheios a sua realidade, que através de um
domínio político e econômico querem destitui-la de seu âmago. Por ser uma unidade, ela
deve ser tratada de uma maneira também única, diversa do seu entorno e de outros lugares
que tenham outras preexistências sociais, conotações e vivências.
Esse será o caminho que guiará as diretrizes de conservação para essa paisagem
expostas mais adiante. Partindo-se do respeito às fases de sua construção e à vida que nela
se dá, de forma a garantir não somente a sua permanência física, mas também a sua
capacidade de se fazer habitada, viva e apropriada no seu presente e no seu porvir.
37
“(...) Nunca se deve mexer na paisagem sem pensar naqueles que vivem nela. Afinal de contas, se a
paisagem tem um sentido e, sobretudo, se o projeto de paisagem pode ter um sentido, é porque o desafio é
tornar o mundo habitável para o homem” (BESSE, 2014, p.36).
{ 263 }
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{ 264 }
{ }
CAPÍTULO 4
1
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
{ 265 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
“Não consigo falar de mim sem falar daqui” (Mika, bailarino e coreógrafo, 50 anos).
“O lugar onde eu me criei, onde eu vivi tudo na minha vida, onde eu fui mãe, onde hoje eu sou vó, né? E é o bairro
que eu amo. (...) Brasília Teimosa tem história na minha vida. (...) Minha história bonita em um lindo bairro” (Adriana
“(...) Brasília Teimosa foi e tá sendo a minha vida, e tudo que eu possuei, possui, possuo, foi na Brasília Teimosa, não
foi de outro canto, aí, por isso que ela significa tudo pra mim, uma mãe e um pai”. (José Severino, pescador, 47 anos)
“(...) ela foi feita praticamente dentro do mar, né?” (Fernando Paes, motorista, 58 anos).
“Brasília Teimosa era maré” (Antônio Carlos, funcionário público aposentado, 66 anos).
2
Aqui, agradeço diretamente à contribuição preciosa da Professora Lúcia Maria Veras, que deu orientações
muito importantes para o fechamento desse estudo. Também foi dela a ideia, que achei bastante coerente, de
tratar os valores como “Teimosias”.
3
O entendimento pelo qual se deram as diretrizes gerais de conservação formuladas é o resultado de todo o
arcabouço teórico já discutido até então, como, principalmente, as teorias de Berque (2000, 2010, 2012),
Conan (1994) e Besse (2014).
{ 266 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 1 - Brasília e suas casas anfíbias a Beira-Mar, antes da abertura da avenida Brasília Formosa.
Fonte: Blog Conselho de Moradores de Brasília Teimosa, 2012.
{ 267 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Além disso, Brasília Teimosa resiste até os dias atuais sendo considerada a ocupação
mais antiga da cidade e se destacando por ser pioneira em vários sentidos (SILVA, 2011).
Como exemplo disso, pode-se citar a criação do seu Conselho de Moradores, o primeiro do
estado (BRASÍLIA, 1998); o traçado planejado da sua malha viária, incomum às áreas que
são fruto de invasões (FORTIN, 1987); a forma como a arte foi incorporada na luta pela sua
permanência, sendo uma ferramenta de agregação de pessoas e expressão dos seus
desejos (SILVA, 2008a); e a proposição de um projeto comunitário e participativo, o
Teimosinho, que inspirou a formulação de leis e instrumentos legais, como o PREZEIS
(ASSIES, 1991). Por todos esses aspectos, a comunidade acabou estimulando a “teimosia”
de muitos outros bairros do Recife e do país (Luciberto, Xavier, 2017).
Pela sua singularidade, desde o início de sua existência, a Brasília vem sendo muito
estudada, não somente no Brasil, como também internacionalmente. Afora os trabalhos
acadêmicos4, atualmente, ela é um dos lugares mais retratados da cidade pela cena artística
local e nacional, principalmente no que diz respeito ao cinema. Nos filmes, curtas-
metragens e documentários, geralmente ressalta-se o seu cotidiano, a sua relação com o
mar, a sua vocação gastronômica e principalmente a força da sua persistência frente às
pressões do mercado imobiliário, explorando-se visualmente a dicotomia conflitante entre a
sua Unidade de Paisagem e o seu entorno (imagem 3 e 4) (CAVANI, 2016).
Imagem 3 - Brasília Teimosa sendo retratada em uma Cena do Filme Aquarius (2016). Ao fundo, os prédios do
Pina. Fotografia de Victor Jucá. Fonte: CAVANI, 2016.
4
Como um exemplo de trabalho acadêmico internacional sobre a Brasília Teimosa tem-se o trabalho
intitulado: “Brasília Teimosa é Nossa”, dos estudantes Fivos de Brito Karagiorgas e Margarita Miha,
recentemente publicado na Grécia. Disponível em:
<https://issuu.com/margaritamiha/docs/brasilia_teimosa__issuu_>. Acesso em: 07 jun. 2016.
{ 268 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 4 - Brasília Teimosa e as torres gêmeas da Moura Dubeux no Cais José Estelita. Filme Avenida Brasília
Formosa (2010). Fotografia de Ivo Lopes Araújo. Fonte: CAVANI, 2016.
(...) “sempre foi um bairro com histórico de luta, a gente, sempre assim, é o marco, um marco, como um bairro que
quer uma coisa e ele consegue” (Taciana Melo, professora, 29 anos).
“A semana passada veio uns italiano fazer uma filmagem aqui, fazer uma, um trabalho sobre o bairro (...)” (Maria das
Graças, Comerciante, 67 anos).
“Brasília não pode acabar, porque Brasília Teimosa é Brasília Teimosa. É a mais histórica do mundo, do Brasil, de
Pernambuco” (Dona Leu, marisqueira, 61 anos).
Sendo assim, por toda a sua importância e pioneirismo, assegurar que a Brasília
permaneça também é reafirmar, para todos aqueles que nela se inspiraram, que é possível
resistir. É provar que se pode pensar em uma cidade que prioriza os seus habitantes, sendo
trajectiva como eles e se comportando como um meio relacional entre a sociedade e o
mundo, e não como um espaço-mercadoria, neutro de histórias e vivências. Permitir que a
Brasília viva é permitir que uma parte da história do Recife continue sendo vista e sentida
em seu “palimpsesto”.
Ressalta-se aqui que na defesa da conservação da Teimosa não se espera imobilizar
a sua paisagem, a congelando no tempo como um quadro, uma foto ou uma pintura. Trata-
la assim seria concebê-la para uma cidade morta. As cidades são vivas, e dessa forma, as
paisagens são entidades em constante mudança, refletindo a vivência humana, “sempre
frágil e a ser recomeçada, [em um esforço] para habitar o mundo” (BESSE, 2014, p.37).
{ 269 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Garantir que a Brasília permaneça sendo um território habitado é o desafio que aqui
se propõe. É necessário que ela continue tendo a capacidade de representar aqueles que a
constroem cotidianamente, permitindo a perpetuação de seus hábitos e práticas sociais,
que são responsáveis pela apropriação afetiva da sua paisagem, a vestindo continuamente
de simbologias. Ou seja: conservar a Teimosa é também manter vivos os valores simbólicos
a ela imputados, responsáveis por contar a sua história do passado e permitir que ela se
faça de maneira viva no presente.
Assim, como discutido anteriormente para se pensar na Paisagem Teimosa do hoje e
do amanhã com coerência, é preciso olhar atentamente as suas preexistências, extraindo
delas a essência do lugar. Assim, as mudanças que por ventura venham a transforma-la
devem refletir “algo que já estava aí. (...) Elaborar o que já está presente e que não se vê”
(BESSE, 2014, p.61).
De fato, o âmago da Brasília vivida não pode ser visto. Para senti-lo, foi necessário
trilhar o caminho metodológico que embasou esse estudo: olhar de maneira reflexiva para
construção da sua paisagem, entender as suas transformações físicas, e os comportamentos
sociais e as conotações ligadas a ela ao longo dos anos, chegando a compreender qual é o
seu estado atual, o seu funcionamento, a sua dinâmica, e a rede de relações objetivas,
subjetivas e afetivas que ela carrega consigo hoje. Dessa maneira, para a formulação das
diretrizes propostas adiante observou-se essa paisagem a partir de três esferas distintas e
indissociáveis, ligadas às abordagens (as portas) da teoria de Besse (2014), pelas quais a
Teimosa foi descortinada ao longo de
todo o trajeto investigativo que se deu
até então5.
A primeira delas diz respeito ao
Solo da Brasília. Aqui ele não é visto
como algo somente palpável, e sim
como a representação cultural e social
das pessoas que criaram esse lugar,
que o vivem e que o reinventam dia
após dia, ano após ano. É um
“palimpsesto” de “espessura que não é
apenas material, mas também
Imagem 5 - Brasília Teimosa, Solo, 2010. Foto de Gabriel simbólica” (BESSE, 2014, p.58), sendo
Britto. Fonte: Flickr Gabriel Britto.
5
Besse (2014) afirma que a os projetos de paisagem devem se orientar a partir dessas três direções: o
território, o solo e o meio natural. Nesse estudo, tenta-se entende-las de maneira integrada às 3 portas pelas
quais se observa a Teimosa: “a Paisagem é uma representação cultural e social”; “a Paisagem é um território
fabricado e habitado; e a “Paisagem é o meio ambiente material e vivo das sociedades humanas”.
{ 270 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
{ 271 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
que, ao longo do tempo, resistem teimosamente nessa paisagem e que devem ser
perpetuados no seu futuro, orientando toda e qualquer alteração ou projeto que se
promova nesse bairro, da menor a maior escala. Eles constituem o cerne da Teimosa e
devem ser observados para que se conserve a história, a cultura e os hábitos a ela ligados,
que são responsáveis por dar origem à riqueza de significados, sentimentos e simbologias
que a tornam única. Somente dessa forma, permite-se que as pessoas continuem habitando
o lugar a partir de uma apropriação humana trajectiva.
LEGAL
Para a sua permanência, a Unidade de Paisagem da Brasília Teimosa precisa ser
protegida do futuro que para ela vem se ensejando por meio dos grandes
empreendimentos que se avizinham do seu entorno sem considerar a sua história e a
vivência que nela se dá. As pressões do mercado imobiliário são grandes e bastante
incisivas, mas até então, pelo bairro constituir uma ZEIS, não é possível haver uma atuação
dentro do seu território.
“(...) Tem gente cercando as laterais aqui, né? Pra poder cada vez mais ir entrando. Existem algumas coisas que já
estão mais próximas, mas como ainda é área de ZEIS, então a gente ainda fica um pouquinho mais descansado por
conta disso” (Taciana Melo, professora, 29 anos).
Sobre essa questão, aqui se faz algumas recomendações para a defesa legal desse
lugar:
{ 272 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
nas suas fronteiras, visto que pela proximidade existente com a comunidade, os edifícios
verticalizados6construídos nesses espaços de transição tem (ou podem vir a ter) uma
tipologia completamente diferente da praticada na teimosa, conflitando com a sua
paisagem a descaracterizando (imagem 8). Nesse caso, o que se propõe é que essa nova
ZEIS se divida em duas partes: a principal, que guarda as mesmas características
morfotipologicas em todo o seu tecido, indo da Avenida Brasília Formosa até a Rua
Francisco Valpassos; e a de amortecimento, que possui qualidades um pouco diversas
daquela primeira no que diz respeito à sua malha viária, densidade e tipologias das
edificações, já tendo, inclusive, construções em altura; esta iria da Rua Francisco Valpassos
até a Avenida Antônio de Goes (mapa 1 e 2).
(...) “Por exemplo, o Mercado do Pina, na realidade é o Mercado de Brasília, porque é uma divisão que a gente não
sabe, é muito tênue, pra mim Brasília é até a avenida, mas se você for pra o mapa, (...) você acha ele dentro (...) do
Pina. Que dizem que é do Pina, né?” (Isamar Martins, bibliotecária, 55 anos).
6
Segundo o Plano Diretor Municipal do Recife, o objetivo da ZAN é “compatibilizar os padrões de ocupação
com a preservação dos elementos naturais da paisagem urbana, garantindo a preservação dos ecossistemas
existentes”, nesse caso, o do Rio Capibaribe.
{ 273 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Mapa 2 - Zeis atual e Zeis proposta para a Brasília. Fonte: Google Maps, 2017 (modificado).
Imagem 8 - A Paisagem de Brasília Teimosa e os edifícios conflitantes do Pina, 2012. Foto de José Rodrigues.
Fonte: Mapio José Rodrigues, 2012.
{ 274 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
3) Uma outra questão é que mesmo se tratando de uma área de grandes extensões,
com uma situação imbricada em relação à propriedade dos seus imóveis e alvo dos
interesses dos grupos empresariais que querem se apropriar do bairro, é urgente que as
edificações que estão no seu interior sejam regularizadas de forma a assegurar a posse dos
moradores que as detém. Muitas casas foram desmembradas, divididas, sofreram puxadas,
acrescimentos verticais e horizontais, e por vezes têm vários proprietários para cada uma de
suas partes. Desse modo, por essa condição peculiar bastante frequente na comunidade,
aponta-se a necessidade de uma avaliação atenta e individual para cada imóvel, utilizando-
se os instrumentos legais mais adequados para cada situação de regularização7.
4) Mesmo com a aplicação de todas essas proteções legais, é preciso que, na prática,
haja uma fiscalização do cumprimento dessas determinações. Frisa-se esse aspecto pela
constatação da existência de um mercado imobiliário clandestino de compra de casas na
Brasília, movimentado pelas empreiteiras que visam atuar na área. Isso se torna um
problema pelo fato de já significar uma infiltração desses grupos e de seus interesses no
bairro, gerando a expulsão branda de seus moradores e um acúmulo de construções
mantidas desocupadas, sem cumprir a sua função social8, adquiridas na esperança de que a
comunidade deixe de ser ZEIS em um futuro próximo.
Nesse sentido, assim como foi ressaltado no documento do memorial do Projeto
Teimosinho, formulado de maneira comunitária refletindo a vontade de seus moradores, é
importante que a venda de imóveis dentro da comunidade, tanto aqueles que se encontram
irregulares, quanto os já regularizados, seja feita apenas por pessoas que tenham
atestadamente o mesmo nível socioeconômico da população local, de forma a dificultar a
compra de edificações pelas grandes empreiteiras, tanto nominalmente, quanto pelo uso de
“laranjas” (CONSELHO DE MORADORES DE BRASÍLIA TEIMOSA, 1979).
“Eu ouvi falar que teve uma época que eles, o pessoal tava, vinha, avaliava, perguntava quanto era, se quisesse
vender, vendia (...)” (Edileuza Simões, cuidadora, 58 anos).
“As pessoas do próprio bairro têm que se conscientizar que Brasília Teimosa é nossa” (Jane Abreu, farmacêutica, 61
anos).
7
Alguns moradores, a minoria deles, já possuem a escritura pública de suas casas, que por vezes também já
sofreu subdivisões contemporâneas a expedição desse documento, dificultando mais ainda a sua
regularização. Também se sabe da existência de casos pontuais onde foram utilizadas a CDRU (Concessão do
Direito Real de Uso) e o CUEM (Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia) (Celeste Maria, 2017).
8
A Função Social da propriedade esta prevista tanto no plano diretor da cidade do Recife (lei 17.511/2008)
quanto na própria lei do PREZEIS (lei 16.113/95). De forma simplificada, ela consiste no dever de se utilizar
uma propriedade urbana em prol da qualidade de vida dos cidadãos, tendo, portanto, que abrigar um uso
(residencial, comercial, de serviços, equipamentos públicos, entre outros) (PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE,
2008).
{ 275 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
“É muito difícil lutar contra a especulação imobiliária? É sim, porque é o dinheiro, é o capital. (...) O que a gente pode
fazer é conscientizar a pessoa a não vender (...)” (Wilson Lapa, radialista e atual Líder do Conselho de Moradores, 57
anos).
6) Por esses riscos ocasionados pelas infrações legais, é necessário que as novas
construções e obras de ampliação e reforma, do perímetro atual e das novas áreas
englobadas, sigam de fato as diretrizes propostas pelo Plano de Regularização vigente para
o bairro. Dentre os pontos mais importantes a serem cumpridos, destaca-se aqui o respeito
aos lotes máximos de até 250m², à proibição de remembramento de lotes e ao gabarito
máximo de 4 pavimentos (térreo mais três andares). Uma outra vantagem em se cumprir
essas determinações é o de se conseguir freiar as construções exacerbadas dentro do
bairro, que já é o mais denso do Recife. Da forma desordenada como esse processo está se
dando, há um prejuízo das condições de habitabilidade e infraestrutura locais, gerando
impactos negativos na qualidade de vida dos moradores (imagem 9 e 10).
“Vê, você olha ali, aquilo tudinho é uma casa só, que um filho fez, o “oto” filho também fez, ai tem “oto” filho que vai e
faz, vai virar uma selva de pedra, eu acho. Isso me entristece (...). O bairro tá muito superlotado, encharcado de gente
(...). “ (Edileuza Simões, cuidadora, 58 anos).
“(...) Brasília, também, agora paga o preço do progresso, a gente paga também esse preço com a superpopulação
(...)” (Celeste Maria, professora aposentada, 61 anos).
{ 276 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
VALORES TEIMOSOS
{ 278 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
“A localização, essa orla, essa praia do Buraco da Véia que é um sucesso, a gente tem tanta história, esses canhão
aqui dos holandeses, só que tiraram, tem a piscina do canhão, né? A gente chama piscina porque era um aglomerado
de arrecife de pedra, formava um retângulo e perto dela tinha um canhão que era da época dos holandeses, mas
retiraram de lá, e lá perto da segunda porta da barra também existia um outro canhão ainda dessa época, e essa
divisão, você olha de um lado tem um mar, você olha do outro, tem a maré (...)” (Celeste Maria, professora
aposentada, 61 anos).
“(...) Gosto de olhar, pescar. De pescar, eu amo, é isso mesmo. Eu pescava muito, na porta, porque o mar ficava na
minha porta. Pegava uma lâmpada, não tem aquelas lâmpadas fluorescente? Eu cortava, quebrava, lavava, ela ficava
bem limpinha eu botava farinha de trigo, botava um cordão e um pedacinho de Isopor, chegava lá dentro do mar,
ficava sentada na pedra o dia todo, pegava uma bacia de peixe, viu? Pegava uma bacia de peixe, tinha um vizinho
que já chegava com uma bacia, "Amara, eu tô aqui", aí eu dava na hora, porque eu não tinha precisão de tanta
comida. Cada uma saúna deste tamanho! Você sabe o que é saúna? Que chama Tainha de água doce, de água
salgada, é um peixe grande. Tinha lâmpada que vinha só uma de tão grande. Botava dez lâmpada daquela e ainda
precisava de anzol. Eu gostava, aquilo era tão bom, viu?” (Amara Bezerra, empregada doméstica aposentada, 77
anos).
9
Termo usado pelo arquiteto Fábio Cavalcanti Gonçalves para se referir aos arrecifes em: “Paisagem como res
pública: a calçada do mar do Recife”, 2017, projeto de qualificação (Doutorando em Desenvolvimento Urbano)
– Universidade Federal de Pernambuco.
{ 279 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Por essas rochas se apresentarem com mais força até as fronteiras da orla da
comunidade e do Pina, elas reforçam o caráter de unidade de paisagem dado à Teimosa. No
ponto em que se pode perceber os arrecifes de forma mais expressiva é na Praia do Buraco
da Véia, no final da orla do bairro (imagem 13). Nesse local, ele é bastante vivenciado pelas
pessoas, que dele se aproximam através do banho de mar, e da utilização das suas seis
piscinas naturais: a do canhão, a do Seixo, a do Saberé, a da Cobrálica e a da Moreia (URPIA,
2014) (imagem 14). Elas são muito utilizadas pelas crianças, que podem usufruir do mar em
um local seguro. Os arrecifes são fundamentais para garantir a tranquilidade atribuída
peculiarmente às águas dessa praia.
Uma outra função que também se dá sobre essas rochas é a da pesca. Pescadores
profissionais e artesanais se colocam sobre elas para exercer essa atividade, se
concentrando em toda a sua extensão, estando em grande quantidade no início da
“pistinha” aberta nas proximidades do Iate Clube. Também é exatamente nesse ponto onde
essas rochas dividem o rio e o mar, marcando a passagem de um momento a outro da
paisagem (imagem 15).
Assim, percebe-se que os arrecifes não são apenas um elemento natural inerte,
indiferente. Eles fazem parte da vida das pessoas, que deles se apropriam para exercer as
suas práticas sociais, sejam elas de lazer, trabalho ou puramente de contemplação. Assim,
pelo papel que eles exercem na comunidade e pela sua idade no local, eles são um
elemento apropriado afetivamente pela população, sendo importantes e presentes na
imagem que se tem dessa paisagem.
Contemporaneamente, após a realização do Projeto Teimosinho, à frente do istmo,
foi feito uma mureta de contenção das águas marítimas. Antes da sua existência, as águas
do mar invadiam uma boa parte do bairro, gerando grandes problemas de habitabilidade
para os moradores. Com a sua chegada, esse impasse foi resolvido, mas pôde-se perceber
uma transformação na relação entre essas rochas, o restante do bairro e as pessoas, que
será mais explorada adiante. Apesar dessa modificação, que aparentemente conforma uma
barreira física e visual, e uma solução esteticamente desagradável, o relacionamento que se
tem com o istmo permanece muito viva (imagem 1 6 e 17).
{ 280 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Mapa 4 - Linha de força dos arrecifes na Paisagem Teimosa em 3 momentos distintos: 1641, 1975 e 2016.
Fontes: SILVA, 2008b, p16; CONDEPE/FIDEM; Google Maps, 2016.
Imagem 11 – Os arrecifes da cidade vistos do alto do Forte do Picão, 1875. Autor: Marc Ferrez. Fonte:
FERREZ, 1988, p.23.
{ 282 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 12 – Os arrecifes da cidade atualmente (2014). Em primeiro plano, o Bairro do recife; em segundo, a
Ilha de Santo Antônio e São José; em terceiro, Brasília Teimosa. Perceber a ligação entre as três localidades.
Fonte: Brasilina Teimosina (Perfil do Facebook), 201-.
Imagem 13 - Praia do Buraco da Véia e os arrecifes. Fonte: Site Patrimônio de Todos.gov, 2009.
{ 283 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 14 - Piscina natural formada pelos arrecifes na Praia do Buraco da Véia. Fonte: URPIA, 2014.
Imagem 15 - Barcos de Pescadores no início da Pistinha. Foto de Américo Pinto. Fonte: Brasilina Teimosina
(Perfil do Facebook), 2016.
{ 284 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 16 - Palafitas e os arrecifes antes da construção da mureta de contenção. Fonte: acervo do Conselho
de Moradores de Brasília Teimosa.
Imagem 17 - Avenida Brasília Teimosa atualmente, com o muro de contenção entre a areia e os arrecifes.
Fonte: acervo pessoal da autora.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
“A praia mais parece uma piscina, não tem perigo de afogamento, é super gostosa (...). (...) A diversão da gente é a
Praia do Buraco da Véia. (...) Há muitos anos atrás, o Iate quis se apoderar da praia do Buraco da Véia, né, passou um
muro durante a madrugada, e foi uma briga da gente da comunidade, e de dia a gente derrubou, a comunidade
derrubou. Tem até uma música que diz, (...): “a praia do Buraco da Véia é nossa, é do povo de Brasília, se o Iate tá
querendo briga...”. (...) Aí derrubamos e mostramos que a praia era da comunidade é a praia de Brasília Teimosa. (...)
A gente deixou bem claro que a praia era da comunidade, não particular, pertence ao povo” (Wilson Lapa, radialista e
atual Líder do Conselho de Moradores, 57 anos).
“Se eu for contar a minha infância aqui na Brasília... Eu, com 8, 10 ano de idade, tomava banho ali dentro do mar, eu e
os colega aqui, a gente mergulhava, saia nadando pra ver quem ia mais longe lá ‘dento’” (Fernando Paes, motorista,
58 anos).
“Então, não tem o Buraco da Véia ali? 3 hora da manhã já tem gente indo tomar banho na praia. Eu mesmo, final de
ano, quando é final de ano, a gente vê o povo direto, tirar as “mazila”. As “mazila” do ano que passou” (Claudete
Barros, vendedora de carne, 66 anos).
{ 286 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 18 - Praia de Brasília Teimosa em seu trecho próximo ao Pina, 2007. Foto de autoria de Carlos M.G.
Fonte: Panoramio Google Maps, 2007.
10
Esse foi um tema bastante recorrente nas entrevistas. Mesmo sem fazer parte da base do questionário
semiestruturado utilizado nas conversas, muitos moradores, como por exemplo, Wilson Lapa, Celeste Maria,
Júlio Alcino e Edileuza Simões, contaram esse episódio com ares de orgulho e saudosismo.
{ 287 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 19 - Praia do Buraco da Véia e os seus Banhistas, 2016. Fonte: Brasilina Teimosina (Perfil do
Facebook), 2016.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 21 - Banhista na Praia do Buraco da Véia. Observar os arrecifes que conformam a praia. Fonte:
URPIA, 2014.
Imagem 22 - Moradores tomando Banho de Choque na mureta. Foto de Daniel Pereira, 2013. Fonte: Site
Fotógrafo Daniel Pereira, 2013.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 23 - “Banho de Choque faz Parte da Nossa História”. Imagem encontrada em uma página do
Facebook alimentada por fotos e conteúdos provenientes dos próprios moradores. Fonte: Brasilina Teimosina
(Perfil do Facebook), 2016.
{ 290 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
“Somo rico, nós somos ricos, um marzão desses perto de casa, uma praia, um lazer de graça, você não precisa
pagar...” (Edileuza Simões, cuidadora, 58 anos).
“(...) É fonte de vida e de lazer, fonte de lazer porque os nossos meninos têm onde jogarem, onde correrem, onde
brincarem” (Isamar Martins, bibliotecária, 55 anos).
“(...) Aí, ‘mãe, eu vou aqui na praia’, dá um pulinho ali, dois minutos tá na praia, dez minutos tá voltando. Tem uma
liberdade imensa, né? Fica aquele negócio despreocupado (...). (...) O que eu gosto muito aqui é essa área aqui do
mar, do rio. Toda hora eu tô aqui, quando não tô em casa, eu tô aqui levando esse ventinho aqui. Qual é o rico que
pode tá aqui uma hora dessa?”(Soldado, Pescador, 57 anos).
“(...) A galera vem pra cá pra beber, pra ver a brisa do mar, [pra] ver a galera aqui” (Victor Vinícius, garçom, 22 anos).
“(...) Agora mesmo vai chegar junho, todo mundo se programa pra festa de São Pedro, né, aí tá todo mundo, os
pescadores, aí, tem o barco, aí, tem a procissão terrestre, depois tem a fluvial, e aí se mantém aquela tradição. Eu
acho que isso, assim, não se perdeu com o passar do tempo” (Taciana Melo, professora, 29 anos).
“(...) Tem muito vizinho meu que vão pescar de anzol, ainda tem essa paixão pelo mar. (...) Tem gente que passa a
noite todinha pescando ali no cais, aí que chama a orla, na orla ali. Muita gente passa a noite, meu irmão aí, faz isso,
ele, os filhos, e os amigos dele (...)” (Djalma Rodrigues, mecânico em refrigeração aposentado, 81 anos).
Além do banho de mar, outras práticas sociais e hábitos de cultura e lazer são feitos
em simbiose com as águas da Brasília.
A falta de áreas livres e verdes para permanência no interior do bairro e a relação
afetiva que a população tem com o mar e com o rio fazem com que as orlas, tanto a fluvial,
quanto a marítima, se tornem grandes áreas de convivência e sociabilidade.
Em relação à Beira-mar, percebe-se cotidianamente, uma grande concentração de
pessoas praticando esportes, como caminhadas, vôlei e futebol na calçada e na areia da
praia. Após a abertura da Avenida Brasília Formosa, esses usos foram facilitados, não
somente pela criação de uma faixa de areia regular, mas também pela implantação de
vários equipamentos, como a ciclovia, sanitários, academia da cidade, barras para exercícios
e parques infantis ao longo de toda a sua extensão. Por conta dessas últimas estruturas,
esse espaço também se torna um local onde podem ser encontradas muitas crianças
brincando. Além disso, é forte o hábito da contemplação e da conversa no entorno do mar e
do rio pela qualidade da ambiência por eles proporcionada (mapa 6, imagens 24, 25, 26, 27,
28, 29, 30 e 31).
Grande parte da vida boêmia teimosa se concentra nesses locais. Ao longo de toda a
Beira-Mar veem-se quiosques, bares e restaurantes que reforçam a vocação gastronômica
{ 291 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
do bairro, sendo frequentados tanto pelos moradores, quanto pela população dos bairros
vizinhos e da cidade como um todo. As proximidades da Praia do Buraco da Véia são
bastante utilizadas nesse sentido. Já se aproveitando da movimentação causada pelos
banhistas, há uma concentração de pessoas convivendo no local, principalmente durante o
final de semana, conversando, bebendo e comendo, com carros abertos e sons ligados,
fazendo uma espécie de festa na rua (mapa 6).
Sobre festas, a mais tradicional do bairro é a de São Pedro, santo padroeiro da
Brasília e da pesca, realizada anualmente no dia 29 de junho. Organizada pela Colônia Z-1,
ela se concentra na orla fluvial, na Rua Delfim (antiga rua A), e conta com fogos, uma
procissão a pé e outra de barcos (CABRAL, 2012). Mesmo sendo comandado pelos
pescadores, esse evento gera encontros e reencontros dos membros da comunidade em
geral, sendo uma ocasião especial para os moradores. Após a festa religiosa, começa-se a
profana, onde são feitos diversos shows com atrações populares e locais, que atualmente
são promovidos pela própria prefeitura da cidade na Beira mar da Teimosa (SANTOS, 2011)
(mapa 6, imagem 32).
Fora essas atividades feitas no entorno das orlas, como dito anteriormente, também
existe no bairro o costume da pesca, realizada não somente por pescadores profissionais,
mas também por moradores que o fazem por lazer. Esse hábito existia com mais força antes
da abertura da Avenida Brasília Formosa, pois muitos moradores que habitavam
anfibiamente o local, nas palafitas e nas casas de alvenaria próximas à maré, pescavam de
dentro de suas próprias casas.
Analisando a vivência que se dá pela presença do rio e do mar, percebe-se que, na
Brasília, uma permanência, uma movimentação e um leque amplo de atividades acontecem
para as águas, pelas águas e com as águas.
{ 292 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 24 - Pessoas jogando bola na praia no início da Ocupação na Brasília. Fonte: Edimilson Araújo da
Silva, Slide Brasília, 2014.
Imagem 25 - Crianças jogando bola na praia na Brasília atual. Fotografia de Daniel Jacinto Pereira, 2014.
Fonte: Daniel Jacinto Pereira (Youtube), 2014.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 26 - Crianças nas barras de exercício da orla. Fotografia de Daniel Jacinto Pereira, 2014. Fonte:
Daniel Jacinto Pereira (Youtube), 2014.
Imagem 27 - Parquinho e quiosque na Avenida Brasília Formosa, 2017. Fonte: acervo pessoal da autora.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 28 - Quiosques e bares na Avenida Brasília Formosa, 2017. Fonte: acervo pessoal da autora.
Imagem 29 - Orla sendo vivenciada (provavelmente na década de 70). Fonte: Edimilson Araújo da Silva, Slide
Brasília, 2014.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 31 - Pessoas conversando na beira do rio. Foto de Sergio Eduardo Urt, 2009. Fonte: Flickr Sergio
Eduardo Urt, 2009.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
“Porque é o lugar de sobreviver, é Brasília. Não tem lugar melhor que Brasília pra sobreviver. Tudo que você vende,
tudo que tiver de vender, você vende, e só faz crescer na Brasília. Nos outro lugar é mais difícil. (...) Porque aqui na
Brasília morre de fome quem quer, que você vai ali na beira do rio, pega um sururu, pega um marisco, pega uma
unha de véio, pega um peixe, dá pra sobreviver” (José Severino, pescador, 47 anos).
“Eu me lembro que, quando garoto, tinha aqui a antiga oficina, num é, aí, minha mãe vinha comigo, a gente bem
humilde, aí, subia os navios pra ajeitar e a gente ficava raspando o casco dos navios pra tirar exatamente o sururu,
unha de véio, marisco, pra poder se alimentar, pra poder comer, né, e era uma fase tão bacana da vida... (...) O mar
foi da sobrevivência, foi de uma importância muito grande pra o bairro da gente, ele sempre nos alimentou e ainda
alimenta até hoje” (Wilson Lapa, radialista e atual Líder do Conselho de Moradores, 57 anos).
“(...) A maioria das pessoas são, tem algum parente, são descendentes de pescadores ou vivem da pesca, indireta ou
diretamente, então é uma relação muito grande com o mar e com o mangue. É a relação maior que as pessoas têm
(...)” (Taciana Melo, professora, 29 anos)
A) A Teimosia Pesqueira
“(...) A maioria aqui é pescador, pescadores e pescadeiras. Relação mesmo que ser pai e filho, mãe com o mar (...)
(Piaba, funcionário público, 57 anos).
“O Rio Capibaribe é minha vida, é minha história, é meu amor, é tudo o Rio Capibaribe significa pra mim, é um ganha
pão, né? É uma alegria, uma felicidade que eu sinto muito de tá nesse Rio Capibaribe. (...) O rio tem o meio ambiente
tão bonito, pra gente ele é tudo na minha vida esse Rio Capibaribe (...).
(...)
O mar traz comida, o mar traz felicidade, o mar é saúde, o mar é tudo. Veja que onda bonita, você pode tá com a
maior raiva do mundo, com a maior tristeza, (...) eu vou pra beira do mar, ou pra beira do rio, se eu passar dez
minutos eu venho maravi...oxe! Parece que eu boei, só basta você olhar pro mar, teja aperreada e olhe pro mar,
quando quiser passar nas provas vá no mar, ou se você for evangélica você ora, se você for católica você reza, pra
“(...) Eles são os pais e as mães, porque tirando esse mar e esse rio daqui, vão viverem de quê?” (Soldado, Pescador,
57 anos).
“(...) Esse rio aqui é tudo pra gente, sem esse rio aqui a gente não “veve”, (...) se acabar esse rio aqui, acabou Brasília
Teimosa, acabou, acabou, isso aqui é pai e mãe de Brasília Teimosa, eu amo isso aqui, isso aqui, pai e mãe. (...) O mar,
não tem nem palavra. Se o mar acabar, acabou-se tudo pra gente, acaba tudo, se o mar acabar, acaba tudo. (...) A
gente pescador só enxerga o quê? O mar. O pescador só enxerga o mar. A vida do pescador é o mar, quer dizer, tira
o mar da gente, a gente ficou cego, aleijado e cotó, é, porque a gente vai andar pra onde? (...)Tira o mar da gente,
acabou tudo” (Dentinho, pescador, 48 anos).
{ 299 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
“O pescador, ele conhece a maré até pela mão” (Antônio Carlos, funcionário público aposentado, 66 anos).
“Aqui tem muitos pescadores que sobrevive da pesca, né, marisqueira, né, que sobrevive. A maioria dos pessoal aqui
tem a sobrevivência com o mar mesmo. (...) É, sobrevivência. Quer ver? Tiraram os pescadores ali das palafita,
“butaram” lá pro, pra Caxangá. Muita gente venderam e vinheram simbora pra cá (...). A maioria deles aqui é assim, se
botar pra longe, vão vender e vão voltar de novo” (Mauricéa da Conceição, dona de casa, 45 anos).
11
Um dos entrevistados, Zezinho, proprietário do Restaurante Império dos Camarões, afirma ter ido morar no
bairro por ser mais viável para o seu trabalho na época (anos 70). Ele era pecador e comercializava os seus
pescados no Mercado São José (localizado na Ilha de Santo Antônio e São José, vizinho à Brasília). Após algum
tempo ele parou de pescar e abriu o seu restaurante, que funciona desde a década de 1990 até os dias de
hoje.
12
Informação dada pelo Pescador Dentinho (Severino Francisco) em maio de 2017.
{ 300 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 33 - Pescadores em Brasília Teimosa, 1957. Autor desconhecido. Fonte: Brasilina Teimosina (Perfil do
Facebook), 2016.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 37 - Pescadores na Brasília. Fonte: BRASÍLIA, 2014. Fonte: acervo pessoal da autora.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
B) A Teimosia Gastronômica
“Você vê ali a orla, tem muitas pessoas que sobrevivem das barracas dali da orla, lá no Buraco da Véia,
conhecido internacionalmente” (Jane Abreu, 61 anos, Farmacêutica).
“Graças a Deus, hoje, a minha casa [o restaurante] é conhecida internacional, o que você imaginar, eu tenho
de cliente” (Zezinho, comerciante, 66 anos).
“O bom daqui, é que tem tudo, tudo fresquinho de comida, tudo mais barato que os outros lugares, tudo de
bom, tem tudo de bom” (Maria das Graças, Comerciante, 67 anos).
(...) É um bairro que a gente tem tudo, bem assistido, né, com comércio, restaurante, essas coisa (...) (Edileuza
Simões, cuidadora, 58 anos).
{ 306 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 41 - Quiosque na Orla de Brasília Teimosa (esquina da rua Dagoberto Pires). Fonte: acervo pessoal da
autora.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 42 - Restaurante Bar do Peixe, um dos mais tradicionais da Brasília. Fonte: acervo pessoal da autora.
Imagem 43 - Bar nas proximidades da Praia do Buraco da Véia. Fonte: acervo pessoal da autora.
{ 309 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 46 - Bares nas proximidades do Mercado de Brasília Teimosa. Fonte: BRASÍLIA, 2014.
{ 311 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
“Eu acho bom que aqui tudo que bota se vende, entendeu? Eu botei um negócio ali, agora estou aumentando. Tá
vendendo bastante. Com material de pesca, entendeu? Porque eu não vivo mais de pesca, aí botei material de pesca”
(Netinho, pescador aposentado, 51 anos).
“(...) Dia de sábado de manhã, nove hora da manhã, você passar na rua principal [Rua Arabaiana], tem casa que
vende verdura, em cada uma chega com caminhão de verdura e vende tudo, é todo mundo, compra tudo, é carne, é
galinha, tudo. Tudo aqui dentro” (Maria das Graças, Comerciante, 67 anos).
“(...) A gente encontra na Brasília tudo, ou quase tudo, é, comércio, vários tipos de comércio, supermercado, farmácia,
lojas de artigo feminino, masculino, é, frigoríficos, é, peixe, carne, frango, etc., etc., e várias outras coisas” (Maninho,
porteiro aposentado, 48 anos).
“(...) Aqui é uma verdadeira cidade dentro de outra cidade” (Jane Abreu, 61 anos, Farmacêutica).
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
(imagem 53). Esses usos fazem parte do ritmo que movimenta a vivência da Teimosa e dos
seus moradores.
O público que se utiliza desse centro comercial é, em sua grande maioria, interno,
mas também há um externo, formado por aqueles turistas que passam pelo local e pelos
moradores dos bairros mais próximos, como o Pina e Boa Viagem.
A Brasília, segundo os entrevistados, pela sua Praia, pelo seu rio, pela grande gama
de bares e restaurantes que ela agrega, e pelo amplo comércio que ela abriga, funciona
como uma pequena cidade, não sendo necessário se deslocar para outros locais a fim de
comprar ou exercer a maiorias das atividades praticadas no bairro cotidianamente13.
13
Além de toda essa sua autossuficiência, é importante lembrar que a Brasília está localizada em uma área
central, próxima a Boa Viagem, ao Shopping Rio Mar e ao centro da Cidade. Em tese, se algo não é encontrado
dentro do próprio bairro, muito provavelmente pode estar em seu entorno.
{ 313 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 48 - Comércio na Rua Arabaiana. Perceber os mercados dos dois lados da rua. Fonte: acervo pessoal
da autora.
{ 314 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
{ 315 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 52 - Venda de milho e espetinho na Rua Delfim. Fonte: acervo pessoal da autora.
Imagem 53 - Comércios próximos ao Mercado de Brasília Teimosa. Fonte: acervo pessoal da autora.
{ 316 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
“(...) É diferente a relação que essas pessoas têm, sabe, com aquele rio, com aquela croa. O pessoal tá assim, daqui a
pouco o povo vai ali e desce na croa, a croa tá seca, desce ali, coleta um marisco, daqui a pouco tá cozinhando na
porta de casa, debulhando, conversando, assim com a naturalidade que, aquilo pras pessoas que vêm de fora é uma
coisa diferente, mas aqui faz parte do cotidiano das pessoas, da vida. O pessoal passa aqui, a gente tá parado aqui,
daqui a pouco tá ali o pessoal com o mosquiteiro amarrado no pescoço tirando manjuba da praia, né? Então assim, a
coisa aqui é do dia-a-dia, né, apesar de ser uma comunidade urbana, mas é uma comunidade urbana tradicional de
pesca, né? A gente ainda tem muito essa característica (Taciana Melo, professora, 29 anos)”.
“(...) A gente aqui ainda consegue se sentar na calçada (...)” (Isamar Martins, bibliotecária, 55 anos).
“A rua enchia d’água, mesmo assim não deixava de ter as cadeirinhas, botava tijolo, botava zinco, e fazia a fogueira
pra você olhar a rua cheia d’água, “chei “ de fogueira acessa (...)” (Celeste Maria, professora aposentada, 61 anos).
“O pessoal que mora no interior não bota o colchão na frente de casa e vai dormir? Eu durmo aí ó [apontando para a
frente de sua casa, à beira-mar]! Tô em casa” (Antônio Carlos, funcionário público aposentado, 66 anos).
“(...) O mar perto... Abro minha porta e dou de cara com o mar. Num é bonito?! O sol nascendo, o sol nascendo, a lua
quando nasce, a gente fica assim olhando, ó, eu namoro esse mar. Me acordo aqui de madrugada, (...) ai quando eu
abro a porta, tá essa coisa linda (Claudete Barros, vendedora de carne, 66 anos).
[Se o mar tem relação com Brasília Teimosa?] Isso aí tem, minha filha! Isso aí eu sei lhe contar bonitinho. Eu morava
nos palafitas, minha casa não era palafita, minha casa era de alvenaria (...) Ali era tudo mar, minha casa era dentro do
mar e quando vinha a maré alta eu ficava nervosa, a minha outra filha me dizia assim ‘mãe, a senhora tá
acostumada!’, mas era muita água (...). (...) Eu chorava igual uma criança, mas quando passava tava tudo bem, sabe?
(...) Eu comprei essa aqui, mas eu gostava,(...) eu vivia assim olhando, ó! E depois que passou a pista, minha casa foi a
última a sair, que não era nem pra ter tirado (...). É aquela história que a gente conta: ‘Eu era feliz e não sabia’ , né? Lá
eu era mais tranquila assim, era mais... (...) Mesmo entrando água era, aí eu digo ‘Eu era feliz e não sabia’" (Amara
Bezerra, empregada doméstica aposentada, 77 anos).
Na Brasília, as ruas são extensões das casas. Isso porque, desde o início da história
desse lugar, as tipologias edilícias praticadas na comunidade, permitem a passagem do
espaço interno das residências ao externo das vias de uma maneira direta ou quase direta
(imagem 57). Atualmente, em todo o bairro, são encontradas basicamente 3 tipologias e
implantações diferentes de edificações, todas com esse mesmo tipo de relação com a rua:
{ 317 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
. 1)
Imagem 54 - Tipologia 1. Edificações encontradas em Brasília Teimosa. Fonte: ANJOS, 2013, p.95.
.
A primeira delas consiste em casas simples, de um único domicílio, encontradas
desde o início da ocupação da Teimosa, sendo similares às vistas em outras localidades da
cidade. Elas são térreas e geralmente não ocupam o lote em toda a sua totalidade. Hoje,
essa tipologia representa uma minoria em relação ao número total de edificações do bairro,
visto o processo de adensamento e verticalização que nele vem ocorrendo desde a década
de 80.
. 2)
Imagem 55 - Tipologia 2. Edificações encontradas em Brasília Teimosa. Fonte: ANJOS, 2013, p.96.
{ 318 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
. 3)
Imagem 56 – Implantação 3. Edificações encontradas em Brasília Teimosa. Fonte: ANJOS, 2013, p.96
(modificado).
Por fim, observa-se esse último tipo de implantação, onde as edificações, do tipo 1
ou 2, estabelecem uma relação “condominial” entre si, se organizando em torno de uma
pequena via (“beco”) semiprivada ou semipública.
Essas tipologias e implantações ocorrem em todos os tipos de edificações: nas
residências, comerciais, de serviços ou de uso misto, tanto no interior da comunidade
quanto nas orlas (mapa 10 e 11, e imagem 58, 59, 60 e 61).
Esse fator facilita a relação das pessoas com a rua, que se torna jardim, sala de estar
das casas, permitindo que haja uma maior interação entre vizinhos, moradores e
transeuntes locais (imagem 58, 59 e 60). Como prova disso, é frequente na comunidade o
hábito de se colocar as cadeiras na frente das casas e ali passar longos períodos de conversa
e contemplação do movimento do bairro.
Para o comércio, esse tipo de implantação se torna essencial para a visibilidade e
fluidez entre os compradores e as mercadorias, facilitando também a ocorrência do
burburinho comercial, da movimentação já anteriormente citada existente na Brasília em
torno dos seus comércios e serviços (imagem 61).
Nas orlas, os jardins viários são azuis. As relações estabelecidas com o mar e com o
rio nesses lugares se dão de uma forma muito direta por conta desse tipo de implantação
{ 319 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
praticado no bairro. No que diz respeito à orla fluvial, percebe-se que muitas casas se
prostram diretamente ao rio, sem nenhum elemento que os separe (imagem 62). Essa
relação imediata, antes também existente na orla marítima, foi quebrada no momento em
que se construiu a Avenida Brasília Formosa, que hoje se encontra entre a praia e as
edificações. Cabe mencionar que ainda que essa mudança tenha trazido uma melhoria na
qualidade de vida da população como um todo, elevando os níveis de habitabilidade da
Brasília, o relacionamento afetivo existente entre o mar e os moradores que residiam de
forma anfíbia com ele, nas antigas palafitas ou próximas a elas, é tão forte que algumas
pessoas se recordam nostalgicamente da época que assim habitavam (imagem 63). Hoje,
mesmo que a Avenida se faça presente, as relações das casas com o mar continuam
acontecendo de forma efetiva (imagem 64).
Aqui cabe um adendo: como discutido anteriormente, a construção do conjunto
habitacional do bairro, no ano de 2006, quebra com as tipologias e implantações edilícias
recorrentes na Teimosa. Através de um acesso indireto às vias, tanto pela condição predial
dada às edificações construídas, como pela existência de grande muro que separa o espaço
interno do condomínio do restante da Brasília, nesse caso específico, a rua não mais
constitui uma sala de estar com cadeiras, ou um jardim que proporcione a conversa e a
interação entre as pessoas. Ou seja, no local, essas relações de convivência foram perdidas
(imagem 65 e 66).
Embora o processo de adensamento e verticalização do bairro esteja se dando de
uma forma acelerada, com edifícios que, em grande parte, já ocupam toda a totalidade do
lote e frequentemente possuem dois ou três pavimentos, percebe-se que o conjunto
edificado do bairro continua constituindo uma unidade na Paisagem Teimosa. Além disso,
mesmo com as mudanças ocorridas ao longo dos anos, a relação pessoas-ruas-jardins não
se perdeu, sofrendo apenas adaptações (imagem 67).
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. }
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Imagem 59 – Casas da Rua Estrela do Mar, 2017. Fonte: acervo pessoal da autora.
{ 324 }
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Imagem 60 – Brasília Teimosa e as casas que sentem a rua. Foto de Flávio Gusmão, 2009. Fonte: Flickr Flávio
Gusmão, 201-.
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Imagem 62 - Casas que sentem o rio. Foto de Luiz Baltar. Fonte Blog Com mais de trinta, 2010.
.
Imagem 63 - Palafitas na antiga orla marítima da Brasília. Foto de autoria de Eduardo Câmara. Fonte:
Panoramio Google Maps, 2007.
.
{ 326 }
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Imagem 64 - Casas que sentem o mar na Avenida Brasília eimosa, 2017. Fonte: acervo pessoal da autora.
Imagem 65 - Conjunto residencial Brasília Teimosa e seus muros à convivência. Fonte: acervo pessoal da
autora.
{ 327 }
. { PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
Imagem 66 – Conjunto residencial Brasília Teimosa e seus muros à convivência. Fonte: acervo pessoal da
autora.
Imagem 67 – Edificações que conformam a Unidade de Paisagem de Brasília Teimosa. Perceber a diferença
entre a paisagem do bairro e o seu entorno (Pina e Boa Viagem). Fonte: acervo pessoal da autora.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
B) A Teimosia da (Com)vivência
“(...) Todo mundo vê pessoas na rua, seja de manhã, de tarde, de noite, de madrugada, aquele burburinho legal e
bacana. Uma vez que, de certa forma, todo mundo conhece todo mundo” (Wilson Lapa, radialista e atual Líder do
Conselho de Moradores, 57 anos).
“Acho que a convivência, assim, com os vizinhos, é aquele ‘bom dia’, ‘boa tarde’, ‘boa noite’ e ‘tudo bem?’" (Amara
Bezerra, empregada doméstica aposentada, 77 anos).
“(...) Apesar de muita gente ter mudado, apesar das vizinhanças ter se modificado, mas a solidariedade ainda existe
muito forte dentro do bairro, as características, né? Você passa perrengue como todo mundo passa, mas tem sempre
pessoas pra lhe ajudar” (Isamar Martins, bibliotecária, 55 anos).
(...) o que marca mesmo é a hospitalidade dos moradores, o cuidado que a gente tem um com o outro, a história de
luta que a gente tem, isso é que me apega muito, né, é, uma luta que é de todos (...) (Maninho, porteiro aposentado,
48 anos).
“ (...) Acho que a gente não saberia viver sem isso aqui, a gente já tá acostumado a acordar e olhar pra o mar, a
gente já tá acostumado a sentir, a saber quando é que vai chover, então tem uma relação, assim, bem afetiva e
sentimental com isso. A gente tem uma, não sei, é porque quando você mora muito próximo da praia você já tem
aquela relação com ela (...). (...) A gente tá acostumado, então, assim, a gente já se acorda e já sabe qual o vento, a
gente pode até não saber o nome, e isso é intuitivo desde as crianças, né? A gente vai pra praia, eles já sabem qual a
questão do vento, eles já sabem observar assim “vai chover! Tá vendo aquela nuvem?”, o céu escurece um pouco e
elas “já vai chover”, então você tem uma relação, assim, de afetividade muito grande com o mar, né, com a maré,
com os estuários, então é uma coisa, assim, de afetividade, né? E acho que é de importância muito grande, pras
pessoas, assim, que vivem, né? (Taciana Melo, professora, 29 anos)
“(...) Você olha, você vê, as meninas passa aqui, tem muitas, elas passam aqui, tem muitas que passam aqui no verão
de biquíni, é como se ela tivesse saído de casa direto pra o mar” (Edu Guerra, técnico de construção aposentado, 68
anos).
{ 329 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
e as conversas e festas no seu entorno, propiciam uma grande ebulição social no local
(imagem 68 e 69).
A orla fluvial também ajuda a criar a atmosfera dinâmica do bairro. Através das
relações que se tem com o rio, de apreciação da sua natureza e dos rituais de pesca nele
desenvolvidos, a sociabilidade se faz viva em todo esse lado da Brasília (imagem 70).
Fora esses dois polos que se situam nos limites molhados da Teimosa, tem-se
também um último, que está no coração do seu território: o anel viário comercial. A
movimentação proporcionada pelo seu tamanho e pela pluralidade de usos que nele se
situa é intensa, sendo esse um grande atrativo de pessoas, que ali trabalham, que vão
comprar algo, ou que vão usufruir de algum serviço oferecido no local (imagem 71).
Além desses fatores que se encontram em zonas específicas da Brasília, têm-se duas
outras características gerais que colaboram para a ocorrência das interações sociais no
bairro como um todo. Sobre isso, percebe-se que apesar de haver uma maior concentração
comercial e gastronômica no meio do seu território e à Beira-mar respectivamente, esses
usos estão espalhados por toda a Teimosa. A mistura de atividades, cada uma com uma
natureza diversa e com horários de funcionamento também diferentes, faz com que o lugar
esteja vivo ininterruptamente (mapa 13; imagem 77).
Uma outra questão crucial também já falada é a das casas que sentem a rua e
beiram as águas. O tipo de implantação que se tem no bairro, permite um acesso direito ou
quase direto às ruas, ao mar e ao rio, fazendo com que eles se tornem salas-de-estar
coletivas. Essa é uma característica dos três polos de movimentação citados e de toda a
área da Brasília em geral (imagem 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76 e 77).
Assim, a conformação física dessa paisagem, permeada pelas águas e moldada por
uma arquitetura dada ao espaço público, favorece o habitar. É na Teimosa onde se convive,
e onde se criam e se fazem vivas as relações trajectivas, simbólicas e emocionais de
vizinhança. Entre os vizinhos tem-se não somente os moradores, mas também as águas.
Com elas, que são as habitantes mais antigas desse lugar, a população se relaciona
objetivamente e sentimentalmente.
Os hábitos e práticas sociais intensos que são estabelecidos com a Brasília, com o
seu mar, o seu rio, e o seu território como um todo, são o que criam uma apropriação
afetiva da população por esse bairro, o vestindo de uma pluralidade de significados e
vivências que o tornam singular, único.
Por fim, um último fator muito importante que corrobora para esse sentimento de
identificação e pertencimento com a Brasília é o da história de luta de seus moradores. A
conquista e a construção desse lugar se deram a partir de uma batalha coletiva de sua
gente, que ocupou e criou, com suas próprias mãos e pelos seus próprios esforços, a
paisagem que hoje se faz presente. Assim, a luta, o engajamento afetivo da população em
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
defesa do seu habitar e de sua obra, foi um comportamento moral, de natureza não
palpável, gerador dos resultados físicos que atualmente constituem essa unidade de
paisagem.
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Imagem 68 - A (com)vivência na orla. Crianças jogando bola e pessoas bebendo, conversando, tomando
banho de mar e interagindo com os arrecifes. Fonte: BRASÍLIA, 2014.
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Imagem 70 - Pescadores e pessoas sentadas em frente às casas. Foto de autoria de Ezequiel Vannoni, Agência
JCM, Foto Arena. Fonte: Flickr Ezequiel Vannoni.
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Imagem 72 - Meninos jogando bola na Brasília de ontem. Fonte: Edimilson Araújo da Silva, Slide Brasília,
2014.
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Imagem 74 - Rua sendo vivida na Brasília de ontem. Perceber as casas que sentem a rua. Fonte: Edimilson
Araújo da Silva, Slide Brasília, 2014.
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Imagem 77 - Rua Badejo sendo vivenciada hoje. Perceber as casas que sentem a rua e o mercadinho situado
fora da zona comercial do bairro. Fonte: acervo pessoal da autora.
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C) A Teimosia da Simplicidade
“(...) Eu gostaria que pudesse ter sim um crescimento, mas que continuasse com as mesmas características, até
porque, eu não sei como seria a vida das pessoas que já estão habituadas nesse, nessa forma de viver, como é que
seria, né?” (Taciana Melo, professora, 29 anos).
“É uma vida bonita pra quem mora nela, viu? [Brasília] É a vida pra quem mora (...)” (Antônio Carlos, funcionário
público aposentado, 66 anos).
“(...) um bairro popular de pessoas simples (...)” (Djalma Rodrigues, mecânico em refrigeração aposentado, 81 anos).
A grandeza das relações objetivas, afetivas e simbólicas que ocorrem entre a Brasília
e os seus moradores se faz na simplicidade dessa paisagem.
Esse bairro, construído pela sua própria gente, desprovida de grandes recursos
financeiros e técnicos, tem um urbanismo, que apesar de simples, atendeu e vem
atendendo às demandas que a ele se apresentam. Nessa simpleza, as pessoas estabelecem
os múltiplos hábitos e práticas sociais que caracterizam o âmago da Teimosa. Essa questão
pode ser exemplificada de várias maneiras.
Ao se observar a escala dos objetos arquitetônicos que formam essa unidade de
paisagem, percebe-se casas simples, com tipologias populares, térreas ou com poucos
pavimentos, de uma estética humilde, feita com materiais economicamente acessíveis e
sem grandes luxos. Essa realidade também se aplica aos demais tipos de edificações
encontradas no bairro (imagem 78, 79 e 80).
Seguindo essa mesma lógica, o centro comercial local, que dá autossuficiência à
Teimosa e abriga uma gama razoável de comércios e serviços, é conformado por
estabelecimentos de pequeno porte, além de vendas e barracas informais, característicos
dos subúrbios (imagem 81 e 82).
Ainda que exista toda essa movimentação, até mesmo as ruas principais do bairro
não tem um tamanho expressivo. Mas, embora as suas calhas sejam estreitas, elas atendem
com eficiência às necessidades de mobilidade e de sala-de-estar coletiva dessa população,
que as vivencia plenamente como espaços de sociabilidade (imagem 83, 84 e 85).
A pesca, atividade histórica e típica praticada no bairro, é de caráter artesanal, não
exigindo para o seu pleno funcionamento, a existência de estruturas elaboradas de suporte,
como marinas, ou portos requintados. Os píers humildes, construídos na orla fluvial da
Brasília, as pequenas embarcações, as chamadas “baiteras”, e os próprios arrecifes do mar
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CAPÍTULO 4 – BRASÍLIA TEIMOSA COMO KOSMOS }
são os elementos suficientes para a perpetuação dessa prática, feita por lazer ou
profissionalmente (imagem 86, 87).
A orla do bairro também reflete essa simplicidade. Como de vontade dos seus
moradores, ela foi requalificada a partir de uma urbanização feita sem muitas ostentações.
A sua faixa de areia é estreita, e a própria Praia do Buraco da Véia, um emblema da
comunidade, tem um pequeno porte, se assemelhando a uma piscina de águas calmas.
Ainda que singelo, é nesse cenário onde as pessoas fazem os seus banhos, vivenciam as
pedras e piscinas naturais, conversam, brincam, bebem, comem, jogam bola, se divertem e
contemplam a natureza local. Os restaurantes e bares que ali se encontram também tem
uma arquitetura sem grandes requintes, semelhante à encontrada no interior do bairro
(imagem 88, 89, 90 e 91). Assim, o tamanho da praia se encaixa tamanho das relações e
práticas que se tem com ela.
A simplicidade dessa paisagem sobrevive e contrasta com a escala da sua
circunvizinhança. Apesar de o bairro estar em meio a outros dois de maior porte, Boa
Viagem e Pina, onde a escala dos objetos arquitetônicos, das relações e da cidade parece
ser muito maior do que a dela, a Brasília constitui uma unidade em si mesma, tendo um
outro tipo de território, demanda e vivência.
Como visto, vários projetos avantajados, que reproduzem a mesma lógica
encontrada nessa sua vizinhança, já se apresentaram e ainda vêm se apresentando com
frequência ao bairro14. Porém, ao perceber a discrepância da proporção entre esses
empreendimentos e a vida que se faz presente na Teimosa, que é responsável por torna-la
vivida tal qual como ela é ao longo da sua história, a população tem os rejeitado um após o
outro. Essa rejeição vai muito além de se defender a permanência ou a estadia dos
moradores no bairro, já que esses planos que pra ele se apresentam provavelmente
gerariam uma expulsão branda de pessoas. Essa é uma defesa do tipo de habitar que se tem
na Brasília, da dinâmica local, do tipo de movimentação que nela existe, das relações
afetivas com o seu rio, com o seu mar, e com o seu território, construído pelo seu próprio
povo: é a defesa de um palimpsesto físico e emocional.
14
Ver essa discussão no Terceiro capítulo deste trabalho.
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“A gente olha assim, a gente vê a grandeza do mar, olha por lado, olha a serenidade da maré, né? São dois
momentos distintos” (Celeste Maria, professora aposentada, 61 anos).
“O mar é Vida! (...) Fora a serenidade ou a agitação que ele nos proporciona (...)” (Isamar Martins, bibliotecária, 55
anos).
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{
CONSIDERAÇÕES FINAIS
{ 347 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CONSIDERAÇÕES FINAIS }
“Não tem outro lugar que caiba Brasília. (...) Nenhuma área, nenhum lugar que se pareça
com Brasília ou que coubesse Brasília dentro. Nem o tamanho da sua história (...)”.
(Celeste Maria, 2017)
1
BESSE, 2014.
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{ PAISAGEM TEIMOSA | CONSIDERAÇÕES FINAIS }
{ 349 }
{ PAISAGEM TEIMOSA | CONSIDERAÇÕES FINAIS }
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PAISAGEM TEIMOSA - MODELO BASE DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS
Nome:
Idade:
Profissão:
Tempo de Moradia na Comunidade:
Local de Moradia:
Data/local da Entrevista:
Parte II – Perguntas
Anotações Gerais:
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{ 374 }
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{ 376 }
{ 377 }
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PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA - INFLUENCIADORES Nº 1
[Pesquisadora] Você mora há quanto tempo aqui na comunidade? Ou mora desde sempre?
[Isamar] Não. Eu moro, deixa eu ver (...)... É de cinquenta e um, né? Cinquenta e um anos,
vai fazer cinquenta e dois.
[Pesquisadora] E você mora aqui por qual motivo? Assim, você escolheu morar aqui ou...?
[Isamar] A primeira coisa é... A gente veio morar aqui, é, por conta que ficava mais perto do
trabalho de meu pai, né? Meu pai, ele era torneiro mecânico ali... Da, da COMPESA, né?
Então ficaria bem próximo ao trabalho dele, naquele momento.
[Pesquisadora] E, uma vez que você mora aqui, você já pensou em morar em outro lugar?
[Isamar] Próximo de tudo, né? Perto do rio e do mar, que é fonte de alimento, né? Você aqui,
é, dificilmente você passa fome, porque você fica entre rio e o mar, é, além disso, a
proximidade com tudo, próximo da cidade, próximo de um centro como Boa Viage,
próximo, o deslocamento, é, é, embora hoje seja prejudicado, você pode se deslocar até a
pé, né? E as distâncias entre esses centros não são muito grande, é, é, a localização é
fundamental, Brasília Teimosa, eu acho que é o bairro mais bem localizado da cidade do
Recife. Por isso que eu não quero sair. Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira!
[Pesquisadora] (...) O que é que te agrada mais em morar aqui? E quais são os pontos
positivos e negativos?
{ 379 }
que tem dois momentos. Hoje, o ponto negativo é a divisão dessas lideranças políticas, hoje,
lideranças políticas. Porque elas foram cooptadas por partidos, por interesse, que, que, por
interesse de ter uma vida melhor, talvez, esses líderes façam essas opções. E hoje também,
é a história de Brasília Teimosa é, ela, ela, o que é bacana, já disse, por exemplo, os meus
vizinhos, eu tenho vizinhos aqui que são de, a maioria não tem menos de 10 anos, então, dá
uma certa, dá uma certa estabilidade, porque, por exemplo, é claro que vai haver
“encrenca”, é claro que vai haver, mas na hora, na hora que a gente precisa, a gente tá junto,
a vizinhança é boa, sabe, é, é, de você ficar, por exemplo aqui, a gente aqui ainda consegue
se sentar na calçada, porque, como a Brasília, ela é uma casa em cima da outra, a arquitetura,
não tem ventilação dentro das casas, aí você vai pra calçada, como todas as ruas vai dá pro
mar, aí ,a ventilação, ela circula. Além disso, possibilita que você converse você olhar a vida
dos outros, você passa as suas conversas para os vizinhos. É bacana isso, a convivência.
[Isamar] As relações. E outra coisa bem bacana que eu acho aqui também, é, a, Brasília ela
tem, por exemplo, você não precisa sair da Brasília pra fazer muita coisa, você tem, é, um
centro comercial bem bacana, você tem um comércio, o comércio, claro, oficial e o
comércio, aquele que vende fruta, que não tem nota fiscal, que tem diversas farmácias.
Você não precisa sair pra comprar uma coisa, assim de urgência, a não ser que seja uma
coisa que seja muito difícil, né?! Brasília, ela te oferece esse leque de oportunidades. Além
de ter, por exemplo, quem tem atividade comercial ter seu ponto comercial dentro do
próprio bairro, que eu acho bem bacana isso. Tem, é, é bem servida de escola pública
porque, é porque quando é bem servida de escola pública, é porque Brasília, por exemplo,
é, o Assis Chateaubriand, o João Bezerra, o Bernard Van Leer, o Henoch Coutinho, a Escola
Municipal Henoch Coutinho, o, o, são escolas que está dentro do território do Pina, mas ele
está mais próximo a Brasília do que do Pina. Por exemplo, o Mercado do Pina, na realidade
é o Mercado de Brasília, porque é uma divisão que a gente não sabe, é muito tênue, pra mim
Brasília é até a avenida, mas se você for pra o mapa ou alguma coisa em algum, que você vai
procurar você acha ele dentro de, de, (...) do Pina. Que dizem que é do Pina, né? Então eu
acho que as escolas, não tô dizendo que as escolas sejam de qualidade, mas existe várias
escolas, além das escolas que você, por exemplo, é, é, primário, primário é antigo, né? (...) A
gente tem um, um, acesso à escola bem bacana, a escola pública, não é que a escola pública
seja bacana, mas o acesso à escola, que foi uma das coisas que o PT1 possibilitou, foi o
acesso à escola, mesmo que ela não seja de qualidade, ela deveria também aliar o acesso à
qualidade. Eu acho que a gente caminhou muito, e a gente deu um retrocesso muito grande
agora. (...) Você perguntou outras coisas bacana, o que é bacana? A vida aqui, a cultura
popular, principalmente aqui, é bem forte, pois tem diversos grupos de danças populares
como o Deveras, como o próprio maracatu Nação Erê que é lá do CEPOMA, então a gente
tem uma diversidade cultural muito grande e com a diversidade a gente aprende. Eu me
lembro quando o maracatu saia na rua há 15, 20, 30 anos atrás, você era chamado de
“xangozeiro”, hoje, embora, eu não sei, isso pra mim não significasse um, como é que eu
diria? (...) Pra mim nunca foi depreciativo, mas pra quem falava sim, né? Hoje encara os
meninos passarem no maracatu ou com uma banda com muito mais tranquilidade como há
10 anos, mas é graças porque a população foi crescendo junto, escutando aquilo, se tornou
1
Sigla do Partido dos Trabalhadores.
{ 380 }
referencia, né? Porque tem o Balé Deveras, tem o grupo Angélica Caroline, tem vários
grupos de danças, de rock, de aqui dentro da própria comunidade que há uma efervescência
cultural muito grande, é uma coisa bem bacana que eu acho. É um bairro que sempre, por
exemplo, é, nós temos os polos, poucos nesse governo passado a ter seu polo, é, pra
comunidade ter suas festividades tanto no carnaval, quanto no São João, quanto, o que eu
acho bem bacana, é um bairro que, é um bairro que apesar de toda essa divisão, a gente tem
um nome a zelar, Brasília Teimosa não é à toa.
(...) Os pontos negativos, né? Você falou negativo e positivo. Negativo, por exemplo, hoje a
criminalidade, é, é alta, nós vemos que nossos meninos sendo cooptados pelo tráfico e
pelo, pelo em geral, é, tráfico, roubo (...). (...) é uma coisa que, que tá acabando também
com as comunidades, né? Em certos locais aqui você não pode, é, eu circulo, porque eu não
sei, eu sou mermo cabeça dura, mas tem locais que acho que uma pessoa que vem visitar
eu não aconselharia visitar com seu celular ou seu..., por conta daqui que da criminalidade
que também estão bem grande, bem exacerbado, bem, muito... (...) Mas acho que isso é em
todo lugar, se você for caminhando por Boa viagem, você, isso acontece muito também,
não tem segurança assim, né?
[Pesquisadora] E, você acha que Brasília Teimosa, ela poderia ter sido construída em outro
lugar?
[Isamar] Não.
[Isamar] Isso... Como eu já disse, (...) ela inicialmente era um local de pescadores. Então isso
já tem uma característica bem, teria que, além de ser bem próxima, não sei se é a primeira
colônia, mas, é... É... tem as suas características, né? Já tinha essa característica, ela não era,
não tinha, esse miolo aqui não existia, era água, né? Isso foi até, foi o porto do Recife foi
tirando areia e jogando pra o outro lado, aí começaria disso, você cavar um metro, você
encontra água salobra. Então, a gente, é uma característica de Brasília Teimosa, ela era pra
ser aqui, Brasília era pra ser aqui, a gente teve um importante, um importante papel que foi
justamente a Igreja, a Igreja Católica ela foi fundamental pra que houvesse a
conscientização, não seria conscientização, mas a gente saber que esse é o meu lugar que
esse eu tenho que lutar por ele, por nada, por ninguém, né? É, e aí começou a luta a partir
do teatro de rua, de encontro com a igreja, justamente que formava, era essa Igreja Católica,
nós tínhamos o teimosinho que era exatamente ligado à Igreja Católica, e mais um que era
ligado à Igreja Católica, a irmã Aurieta, né? Que é tida como uma, eu não sei qual é a ordem
dela, mas eu acho que a gente é dono do nosso lugar até hoje. Por que eu digo até hoje?
Porque a especulação imobiliária é muito forte, eu acho que a gente ainda não, a gente
ainda não tem um título de posse da terra, né? A maioria daqui não tem, porque Figueiredo
distribuiu uns títulos falsos, né? Distribuiu uns títulos falsos, mas a gente ainda não tem a
posse da terra, é uma área ZEIS onde você não pode construir edifícios de mais de quatro
andares ou é de três andares, eu não lembro bem a especificação dessa lei. [Interrupção da
pesquisadora: são quatro.] Então isso já dificulta pras grandes empreiteiras como é o caso
de João Paes Mendonça, da Moura Dubeux, o cara da Moura Dubeux tem um documentário
que ele diz que o lugar ideal, eu odeio esse documentário, mas é real, você fica entre rio e o
mar, você pode pescar, aqui é muito difícil a pessoa [passar fome], além de haver uma
solidariedade muito grande que ainda existe, apesar de muita gente ter mudado, apesar das
{ 381 }
vizinhanças ter se modificado, mas a solidariedade ainda existe muito forte dentro do bairro,
as características né? Você passa perrengue como todo mundo passa, mas tem sempre
pessoas pra lhe ajudar. No caso, a Igreja Católica foi fundamental pra existência de Brasília
hoje, o Pe. Jaime Kohmetscher que ele era oblatos2, ele era oblatos, uma pessoa
fundamental da nossa formação política e cidadã. Eu, eu... Sou a filha mais velha, então
quem ia pras passeatas era minha mãe, eu cuidava dos meus irmãos, mas eu fui sempre
uma observadora de tudo isso de toda essa luta, de toda essa coisa de buscar essa posse da
terra, né? Então acho que Brasília não seria em outro lugar, com toda a resistência, porque
não foi fácil, talvez a única resistência que a gente não vá conseguir é o poder do dinheiro.
Porque a gente teve o poder político, as manifestações, isso antes da ditadura, o conselho é
apego a isso, começa a se articular justamente com o Pe. Jaime e a Igreja Católica, o Padre
uma das características dele, se você procurar é, ele trabalha geralmente, ele é uma ordem,
trabalha em áreas de conflito, quando Jaime saiu daqui, né, Jaime foi pra Marabá que é uma
área de conflito. Então uma das características, dos oblatos é justamente trabalhar nessas
áreas de conflito pra dar um respaldo, é, político, no lidar com o cidadão a igreja, é, ela,
quando até Dom Helder era uma igreja altamente politizada e era um braço politizado e
aqui era muito efervescente isso, e quando entra Dom José, ele acaba com esse coisa, esse
lance político, afastando os padres, como o Pe. Reginaldo, como o Pe. Jaime, o Pe. Felipe,
que eram pessoas altamente ativas, e frequentadores das casas dos moradores, não era
uma igreja distante, era uma igreja muito próxima. A igreja Católica teve um papel
fundamental pra fixação nessa área.
[Pesquisadora] (...) E se por acaso, Brasília Teimosa fosse (...) deslocada pra outro lugar?
[Interrupção]
[Pesquisadora] Você já respondeu, mas eu vou perguntar mais diretamente agora, se você
sente que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o Mar, e por quê? E o que você acha
que o mar representa para um morador aqui de Brasília Teimosa?
[Isamar] O mar é vida na realidade, né? Você vai ali, né? Lá depois do paredão, ou depois,
catar ostras porque a maré, ela, maré pra você ter é fonte de alimento, acho que é vida. O
mar é Vida! Embora, por exemplo, eu nunca tenha dependido do mar, porque meu pai era
torneiro mecânico, mas eu sei o valor que ele tem pra Brasília Teimosa. O mar é Vida! Não
tem outra definição, ou morte, porque também muitos pescadores já se foram no mar, mas
essencialmente, o mar é vida. Geralmente os meninos começam a pescar muito cedo ou de
brincadeira hoje, já que você, você acha, é fonte de alimento, é vida. Acho que o mar tem
esse papel, tanta coisa, fora a serenidade ou a agitação que ele nos proporciona, porque
quando a gente vê a maré alta por mais que ele já chegou, a boca da maré até aqui na
frente de casa, né? Aquele borrazinha, o fim da onda, aí chegou aquele borrinha aqui, mas é
fonte de vida e de lazer, fonte de lazer porque os nossos meninos tem onde jogarem, onde
correrem, onde brincarem. Tem uma praia aqui que hoje é frequentada por outras pessoas,
2
Oblatos é um segmento cristão vinculado à igreja católica que agrega pessoas que mantém uma vida
baseada nos ensinamento de São Bento, associados à caridade, ao envolvimento nas causas sociais e na ajuda
ao próximo (TEIXEIRA, 2010).
{ 382 }
mas que antes, só realmente a comunidade frequentava, né? Mas é, hoje é bem mais gente
(...).
[Isamar] Eu tenho duas perspectivas, porque eu espero ver, eu espero ver, é, uma Brasília
Teimosa, ela com seus título de posse sem que os moradores eles se livrem de seus títulos de
posse, né? Porque é uma coisa que poderá ter surtido, ele consegue, ele compra sua casa,
compra a casa do vizinho, se eu deixo de querer vender a minha casa, eu posso deixar ali, mas
se ele vai colocar, por exemplo, eu já vi isso acontecer, o cara não quis vender a locadora e o
Bompreço foi e colocou a coisa de lixo bem próximo a locadora então não possibilitava o
acesso, o acesso era horrível. Eu acho que essas artimanhas que a especulação imobiliária, eu
espero que não aconteça aqui, espero que Brasília esteja aqui e que meus sobrinhos tenham
filhos e usufruam dessa comunidade. Agora tem um outro lado que eu acho que pode muito
bem acontecer, como já aconteceu com Beira Rio, né? Beira Rio foi totalmente tomada pelo
Grupo João Paes de Mendonça, a gente não sabe direito como foi que ele conseguiu, porque
ali era, eu não lembro de quem era o terreno da Barcadi, né? Que tem ali agora o Shopping
Center Rio Mar, tem ali o shopping Center, mas destruiu o ambiente, né? Que era vivo ali.
Agora também tem esses percalços, por exemplo, quem mora junto da comunidade do
Bode, que se torna violenta porque não tem o acesso e que o acesso ali eu fiquei
surpreendida com, eu saio do shopping encontro ali, em muito pouco tempo tem um
quartel da polícia militar, tava previsto anteriormente, mas a gente sabe o quanto o poder
do dinheiro da especulação é muito forte e eu respeito quando eu digo a respeito de, de
respeito positivo, não seria, a palavra não seria respeito. Mas eu sei que eles são muito
fortes e podem vir a destruir Brasília Teimosa se a população não vir a se “antenar”, ela vai
cada vez mais pra longe dos seus, como já tentaram fazer tantas vezes, mas só que a
população estava unida, hoje ela está fragmentada.
[Pesquisadora] (...) O que é Brasília Teimosa pra você, o que ela significa, o que ela
representa pra você?
[Isamar] Eu acho que Brasília pra mim, por tá dentro dessa comunidade, eu cresci como
pessoa, né? Cresci tendo valores definindo acho que a educação é primordial, é, uma coisa
que eu luto é pela educação de qualidade, pelo acesso à educação de qualidade, é, eu
integro hoje no fórum de bibliotecas comunitárias, um fórum do livro, da leitura, da
literatura de bibliotecas, graças a minha vida, a minha vivência, acho importante? Acho. Mas
eu acho uma coisa, [a] qualidade de vida que a gente tem aqui, talvez não encontre em outro
lugar, né? Essas coisas me fez, por exemplo, eu tenho emprego e financeiramente era bem
mais pago, eu trabalhava no comércio, muito bem estabelecida, um salário bacana, mas a
minha qualidade de vida e a qualidade da minha família era inferior a que eu tenho hoje,
tinha mais dinheiro, mas menos qualidade de vida, por exemplo, minha mãe só vivia
internada no hospital, assim, pressão alta, estresse. Hoje, é claro que ela passa por estresse,
é claro, é claro que ela passa, mas ela tem sempre, mas tem qualidade de vida, eu tenho
qualidade de vida, não vejo, quando eu olho pra uma criança que passou pela “blibioteca”
aquilo vale muito, quando eu vejo que ele entra numa faculdade, né? Hoje eu vejo fazendo
pós-graduação em dança aí, um exemplo vivo é minha sobrinha que começou com três
anos, sempre foi de escola pública, fez educação física, fez pós-graduação e hoje ensina
na..., tanto ela presta serviço pra comunidade, ela dá aula de percussão, numa ONG, como é
{ 383 }
claro que ela vai ter que ter seu rendimento, ela dá aula numa academia, né? Mas ela faz
isso e ela divide muito o tempo, é, comunidade, ela sabe a importância da comunidade e eu
acho que é exatamente isso, é qualidade de vida que a gente tem aqui, apesar de todos os
percalços, tempo passando rápido e você não dando tempo pra fazer uma série de coisas.
Mas a gente vê, por exemplo, uma criança que passou por mim, frequentou a minha
biblioteca, que descobriu a literatura através da..., porque uma opção que a gente tem foi a
ONG, foi a leitura literária, é claro que a gente tem alguns livros de referência, mas ele vai
ter esse acesso na escola, ele vai ter esse acesso na biblioteca pública do estado, mas se ele
não tiver, ele vai ter acesso a literatura se não for através de uma biblioteca que vá, que
possa possibilitar a literatura infantil, literatura juvenil e aí você ir passando porque a
formação leitura ela vai ser constante, e a literatura como toda arte, como dança, que
também é muito forte aqui, ela, a arte humaniza as pessoas, acho que e arte humaniza as
pessoas. A literatura também, ela te coloca num lugar do outro e aí como outras formas de
sentir a arte você, eu acho que isso é muito forte em Brasília Teimosa.
Outras Observações:
-
{ 384 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA - INFLUENCIADORES Nº 2
[Taciana] São várias atividades, a gente tem aula de percussão, aula de capoeira, tem aula
de dança e tem aula de educação ambiental, específica na área do manguezal, que é o que
a gente trabalha.
[Taciana] Eu gosto de morar aqui, eu nunca tive interesse de sair daqui não.
[Taciana] Não.
[Taciana] Primeiro porque eu gosto do bairro que eu moro, o bairro tem uma história, né? E
como eu fui sempre fui criada dentro de ONGs, onde a gente teve a questão muito da
valorização do espaço onde você vive então eu nunca pensei em morar em outro lugar não.
A minha intenção mesmo era crescer e vim trabalhar justamente com a ONG, onde a gente
{ 385 }
reforça o trabalho, que você não precisa sair do seu bairro pra adquirir uma coisa melhor,
você pode crescer dentro do bairro que você mora.
[Pesquisadora] (...) E o que mais te agrada em morar aqui em Brasília Teimosa? E quais são
os pontos positivos e negativos?
[Taciana] Eu gosto da praia, né? É próximo de onde eu trabalho, né? É um local bom, onde eu
posso criar as minhas filhas e é aonde reside à maioria dos meus parentes também.
[Taciana] Negativos, tem a questão da violência, como existe em qualquer bairro que fica
em periferia, né? Porque apesar de ser área bastante urbanizada, fica na periferia do Recife.
Tem a questão da violência, tem a questão da especulação imobiliária nesse momento, né?
Anteriormente a gente tinha a questão de palafitas, já hoje em dia não tem mais essa
questão, hoje as pessoas vivem em casas, né? Então é mais essa questão de violência e
especulação imobiliária, que as pessoas hoje em dia querem muito esse espaço aqui. Mas
fora isso, não tem nenhum ponto negativo.
[Taciana] Porque muitas das pessoas, assim, muita procura por compra de casa, né? Pra se
tornar empreendimentos, né? Porque na visão das pessoas, futuramente, é tornar isso aqui
num grande empreendimento. Existe, claro, a resistência das pessoas no momento, muitas
pessoas resistem a isso. Eu acredito que não vai ter essas compras, mas tem gente cercando
as laterais aqui, né? Pra poder cada vez mais ir entrando. Existem algumas coisas que já estão
mais próximas, mas como ainda é área de ZEIS, então a gente ainda fica um pouquinho mais
descansado por conta disso.
[Taciana] Em parte.
[Pesquisadora] Você acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em algum outro
lugar?
[Taciana] Não.
[Taciana] Porque eu acho que aqui, assim, na verdade, como ela foi construída aqui, pelos
pescadores, tem toda uma história, como, não sei se você sabe toda história total de Brasília
Teimosa, mas assim, é um local, é uma comunidade urbana, mas de pesca, né? Onde a gente
tem nas duas laterais, uma colônia de pescadores, e na outra lateral a gente tem uma
associação de pesca, então as pessoas que vivem ao entorno da comunidade, a maioria das
pessoas ainda dependem muito dessa questão da pesca, então acredito que não teria outra
localidade que pudesse ser melhor pras pessoas que vivem aqui.
{ 386 }
[Pesquisadora] Entendi. E se por acaso, por exemplo, Brasília Teimosa fosse deslocada pra
algum outro lugar da cidade, o que aconteceria? O que você faria?
[Taciana] Na verdade, assim, pra a maioria das pessoas, seria um incomodo muito grande,
como estou dizendo a você, aconteceu isso com uma grande parte daqui quando as pessoas
foram retiradas daqui das palafitas e foram realocadas pro Cordeiro, onde não tem nenhuma
característica de pesca, onde eles não poderiam sobreviver até, não só a questão da pesca,
mas também as pessoas que vivem aqui a gente fica a cinco minutos do centro do Recife e à
cinco minutos de Boa Viagem, então não seria uma localidade melhor, então quem faria
serviços mais próximos teve que percorrer uma longa distância, então eu acho que se fosse
realocado, seria um transtorno muito grande, até porque as pessoas que moram aqui estão
acostumados à essa proximidade.
[Pesquisadora] (...) Assim, algumas coisas você indiretamente já respondeu, mas vou
perguntando de uma forma mais específica, certo? Então, assim, você sente que Brasília
Teimosa tem uma relação forte como mar e como rio?
[Taciana] Tem, com certeza, a maioria das pessoas são, tem algum parente, são
descendentes de pescadores ou vivem da pesca, indireta ou diretamente, então é uma
relação muito grande com o mar e com o mangue. É a relação maior que as pessoas têm,
porque a gente tem uma grande, a gente tem a colônia de pescadores que é a mais antiga de
Pernambuco, é a Z-1, que é a primeira de Pernambuco, e a gente tem a associação de pesca
lá, que é onde ficam atracados a maior parte dos barcos, tem as vilas que ficam no entorno,
que são onde as pessoas coletam a maior quantidade de mariscos. Então, assim, ela é
totalmente, vive ainda dessa questão da pesca.
[Pesquisadora] (...) E o que você acha que o mar e o rio representam para um morador de
Brasília Teimosa? E o mangue também, né, como você citou?
[Interrupção]
[Taciana] é fonte de sobrevivência, tem uma importância muito grande, né? A gente não...,
acho que a gente não saberia viver sem isso aqui, a gente já tá acostumado a acordar e olhar
pra o mar, a gente já tá acostumado a sentir, a saber quando é que vai chover, então tem
uma relação, assim, bem afetiva e sentimental com isso. A gente tem uma, não sei, é porque
quando você mora muito próximo da praia você já tem aquela relação com ela, não sei
explicar direito, né? Porque a gente tá tão acostumado com isso aqui, que é esse espaço aqui,
que a gente não sabe como colocar isso às vezes em palavras.
{ 387 }
crianças, né? A gente vai pra praia eles já sabem qual a questão do vento, eles já sabem
observar assim “vai chover! Tá vendo aquela nuvem?”, o céu escurece um pouco e elas “já vai
chover”, então você tem uma relação, assim, de afetividade muito grande com o mar, né,
com a maré, com os estuários, então é uma coisa, assim, de afetividade, né? E acho que é de
importância muito grande, pras pessoas, assim, que vivem né? Eu assim, apesar de morar
aqui na Brasília, eu passei a ter mais esse contato depois que eu vim trabalhar aqui na
escola, por quê? Porque existia um grande, as pessoas que moram do lado de cá, porque
assim, a Brasília tem dois lados e tem a principal que é Arabaiana, então tem o lado que é
da praia e o lado que não é da praia [do Buraco da Véia]. Então normalmente as pessoas
que vivem aqui, elas não tem muito essa vivência de vir na beira da praia, de tomar um
banho, dessas coisas. Então assim, depois que eu passei a trabalhar aqui, aí eu tive mais
esse contato, mais contato com o pescador, mais contato com a croa, aí você vê que é
diferente a relação que essas pessoas têm, sabe, com aquele rio, com aquela croa, o pessoal
tá assim, daqui a pouco o povo vai ali e desce na croa, a croa tá seca, desce ali, coleta um
marisco, daqui a pouco tá cozinhando na porta de casa, debulhando, conversando, assim com
a naturalidade que, aquilo pras pessoas que vêm de fora é uma coisa diferente, mas aqui faz
parte do cotidiano das pessoas, da vida. O pessoal passa aqui, a gente tá parado aqui, daqui a
pouco tá ali o pessoal com o mosquiteiro amarrado no pescoço tirando manjuba da praia, né?
Então assim, a coisa aqui é do dia-a-dia, né, apesar de ser uma comunidade urbana, mas é
uma comunidade urbana tradicional de pesca, né? A gente ainda tem muito essa
característica, agora mesmo vai chegar junho, todo mundo se programa pra festa de São
Pedro, né, aí tá todo mundo, os pescadores, aí tem o barco, aí tem a procissão terrestre,
depois tem a fluvial e aí se mantém aquela tradição. Eu acho que isso, assim, não se perdeu
com o passar do tempo.
[Taciana] Olha, eu espero, assim, minha visão pode ser outra, eu acredito que vai tá muito
mais urbanizada, [com] muito mais construções, mas assim, o que eu esperava é que eles
continuasse, claro que com a questão que existe de evoluir, né? De crescer, de crescimento
mesmo, mas eu acho que eu gostaria que continuasse com as mesmas características, né?
Apesar de demonstrar um grande crescimento no futuro, até porque as pessoas que moram
aqui não tem pretensão de sair, mas as propostas que as pessoas fazem às vezes, imobiliárias,
é muito maior, né? Então, assim, eu conheço pessoas que venderam e retomaram por uma
questão de não se adaptarem em outro local, mas eu acho que futuramente vai ter um
crescimento muito grande. Talvez até maior do que a gente deseje ter.
[Pesquisadora] Entendi. Mas, no caso, esse crescimento que você fala, maior do que vocês
imaginam é em relação a...
{ 388 }
chato você ter que sair do seu local e ter que se realocar pra outro espaço porque não
consegue mais sobreviver daquilo. Então, eu acredito, espero que as pessoas, acredito que as
pessoas aqui sempre têm um histórico de luta e de resistência, eu acho que as pessoas vão
continuar com esse mesmo pensamento.
[Pesquisadora] Entendi. E pra você o que Brasília Teimosa significa e representa pra você?
[Taciana] Ah, o bairro sempre me representou como uma motivação pra luta, entendesse? O
bairro, sempre foi um bairro com histórico de luta, a gente, sempre assim, é o marco, um
marco, como um bairro que quer uma coisa e ele consegue. Determinado, as pessoas que
vivem aqui são determinadas, as pessoas vão viver nele, vão à luta, batalham pelo que
querem, pela melhoria do próprio espaço, sabe? Isso sempre foi dessa forma, né? E aí a
gente instiga as crianças pra que elas permaneça nesse mesmo pensamento de luta, de
batalha, de permanência...
[Taciana] Associações que... Existe várias instituições aqui, né, no bairro, e teve várias
instituições que começaram a partir da luta do bairro, né? Então, que a gente tem aqui, a
gente tem aqui, foram construídas três vilas a partir da luta pela construção das casas daqui
da orla. Então, foram construídos três espaços aqui em Brasília que é a Vila Moacir Gomes, a
Vila Teimosinho e a Vila da Prata. São três vilas que foram construídas a partir da luta das
pessoas. A questão da urbanização, também foi construído a partir das lutas, a questão dos
ônibus foi a partir da luta, né? Então existiram vários movimentos sociais que fizeram com
que as pessoas lutassem e fossem atrás de uma melhoria pra o próprio bairro.
Outras Observações:
Taciana é professora da Escola Mangue.
PAISAGEM TEIMOSA
{ 389 }
ENTREVISTA - INFLUENCIADORES Nº 3
(...)
[Pesquisadora] Como é que surgiu, assim, a peça [Daqui não Saio, Daqui Ninguém me Tira]?
[Ladimir] A peça “Daqui não Saio”, (...) em 2006, eu ganhei um prêmio de criação e
transformação na área de dança, festival de dança, que era pra poder transformar, criar,
fazendo uma direção de dança que pudesse ampliar o trabalho do Balé Deveras, que é um
grupo de ballet que a gente tem aqui há 37 anos, e aí, desse trabalho, a gente começou.
Como eu nasci aqui, e tinha minha influência com o teatro de rua, eu ainda queria fazer
alguma coisa que tivesse a ver com a minha história, e o Balé também tinha nascido aqui
dentro, e a gente começou a pensar, a pensar no espetáculo que pudesse contar a nossa
história através da dança. E seria tudo o processo de luta da gente aqui, então os corpos que
iam falar dessa relação. E a gente começou a pesquisa, todo o grupo, eu envolvi o pessoal
nesse processo de pesquisa, de conversa com os moradores antigos, moradores atuais, pra
entender que universo era esse do passado e do presente e construímos um espetáculo que
conta 5 momentos de luta do bairro. O espetáculo chama-se “Daqui não Saio, Daqui
Ninguém Me Tira”, e a gente trata essa relação da ocupação mesmo, a ocupação, você
chegando aqui, a luta pra permanecer na terra, polícia que derrubava as casas que, que
construía de novo, e aí, alguns momentos de, de luta, ou seja, luta contra os bicho de pé,
água suja, e também finaliza com a relação da cultura, que o Deveras trouxe pra cá a
integração [não compreensível] e a cultura fosse, tentar fortalecer os jovens. Então ai, a
gente fecha o espetáculo nessa concepção, tentando tratar essa relação que a comunidade
teve uma, uma, um crescimento partindo da luta, a luta as mulheres, e tendo a força principal
que foi a cultura que hoje faz essa história ficar, permanecer, teatro de rua e a dança.
[Pesquisadora] (...) Como é que você acha que, na história, tanto o teatro quanto a dança
fortaleceram, assim... [a luta da comunidade]?
[Ladimir] Olha, toda a história aqui de Brasília Teimosa foi feita com o auxílio da arte. O
teatro, a música, a dança, a dança vem depois, mas o teatro de rua e a música feita por Luiz
Carlos (...), era um processo muito constante, era o, a motivação, a mobilização das pessoas
partia através disso, ou seja, a dança e o teatro de rua. Foi assim que foi escrito o projeto
que fez as mudanças daqui. O teatro de rua, que foi às ruas, em reuniões, provocar as
pessoas, falar sobre as suas necessidades, e que dentro dessas necessidades fosse escrito o
projeto de urbanização. Então foi muito essa prática, dizendo “fala, que a gente...”, era o
teatro que fazia com que as pessoas pudessem dizer o que sentiam e que falavam, então
{ 390 }
tinha a função de agregar as pessoas na rua, que é a função da expressão artística mesmo,
as pessoas não estavam, e daquela junção de pessoas, a gente fazia a inscrição, a escrita do
projeto. “O que é que tá faltando?”, “A casa tá assim”, “isso falta aqui”, “a rua”. Quem
motivava eram as músicas e era o teatro de rua, então, assim, foi um instrumento muito
forte da cultura nessa organização daqui. E também a própria igreja católica teve uma
influência muito grande. A sorte é que os párocos que passaram por aqui tinham essa
relação com a igreja libertadora de Dom Hélder, tinham essa relação já de entender que é
preciso mobilizar as pessoas, e a arte era o instrumento que a gente usava pra isso
acontecer. Eu era pequeno na época, menino novo, mas antes dos doze anos eu comecei a
participar desses processos, e aí, de lá pra cá, eu sempre acreditei que a arte é um
instrumento de transformação.
[Ladimir] A turnê do espetáculo que a gente fez agora, o espetáculo que a gente fez tá com
11 anos, fez no Teatro Apolo...
[Ladimir] Tem 11 anos. A gente fez uma temporada agora no Teatro Apolo e teve no Barreto
Júnior. Mas é um espetáculo muito, o tempo passa, e ele é muito atual. E não fala só da
relação de Brasília Teimosa, como a cidade do Recife são várias áreas de ocupação, então
quem assiste, tem a identidade muito próxima. Pode morar no Coque, pode morar na
Imbiribeira, pode morar no... Quem mora em área de ocupação, a realidade é a mesma.
Você chegar numa terra, e lutando pra poder conseguir água, transporte, a realidade é
geral. Brasília foi pioneira nesse processo de organização popular, mas as comunidades que
tem aqui sempre contam essa história. A gente pretende fazer agora, a partir do segundo
semestre, essa circulação, pra que as comunidades possam assistir e possam discutir
também, e até provocar que alunos da universidade, como de urbanismo, como de
arquitetura, como de ciência social, pra possa também vim assistir, participe do debate, pra
entender que construção foi essa, que hoje, depois de tantos anos, ainda é muito atual,
muito viva, muito recente. Ainda ocorre, ainda existem muitas ocupações ai, e as ocupações
que existem ainda lutam pra garantir que fique na terra. A gente aqui, a gente luta pra
garantir a posse da terra.
[interrupção]
[Ladimir] E tem essa história que é sempre contemporânea ao processo, sempre é atual.
Então a ideia é que a gente possa voltar agora pra segunda temporada, a gente quer tentar
fazer algumas cidades fora daqui, como Salvador, João pessoa e Natal. Mas a partir do
segundo semestre, a gente passa essa circulação, provocando mesmo, sem ter preocupação
com bilheteria, mas provocando esses grupos específicos. No caso de vocês, assistente
social, pessoal de conselho de moradores, de ocupação, e após isso, provocar uma
discussão. Que, pra construção do espetáculo, eu fiz isso, eu montei algumas cenas, e
durante o processo de criação, eu ia chamando as pessoas pra assistir e as pessoas iam
contribuindo, “tá faltando isso”, “tá faltando aquilo”, e a gente ia começando a colocar.
Como é um espetáculo de dança, então, era muito completo você passar uma história sem
usar a voz, então a gente teve que usar também textos. Uma parte a gente começa a
{ 391 }
contar, mas aí, pra não ficar um documentário, que não era a ideia, a gente usou vídeo, usa
vídeo também, os moradores antigos falam, dando depoimento também sobre isso, e você
vai costurando (...).
[Pesquisadora] (...) Pronto, é, você falou em relação a isso, né, que também comove outras
comunidades, outras pessoas que tem uma realidade similar, né? Você que estudou a
história daqui pra fazer essa peça e sabe da influência do teatro e da dança na história [da
comunidade], como você acha que Brasília Teimosa se diferenciou em relação às outras
comunidades nesse processo de luta e permanência?
[Ladimir] Eu acho que, é, por ser pioneira no processo, por ter o movimento popular muito
forte, por tá sempre a frente desse processo, em 66 já tava nessa luta, quer dizer, são 50
anos que essa luta começou, um pouco antes, né, que teve os primeiros moradores (...).
Tem uns pescadores que contam a história de como vieram pra cá, o que se passou, ou seja,
e um pouco antes, tavam montando o conselho. Aí começaram o loteamento, começou a
demarcar o terreno, até a preocupação com a própria demarcação, com a própria
preocupação da organização, já diferencia das outras também. Já existia essa preocupação,
que quando loteou, não loteava desordenadamente, entendeu? A gente hoje cresceu
verticalmente por uma questão de necessidade. A população triplicou, os filhos cresceram,
criaram filhos, e ai como não pode mais crescer pros lados, horizontal, ai tá crescendo
verticalmente. E a gente sofre, porque, como é zona ZEIS, não pode construir acima de dois
andares, ai isso já é uma discussão que a gente hoje tem que rever também, porque,
exatamente, a população cresceu, então precisa amadurecer essa discussão pra saber até que
ponto a gente pode crescer, pra também não começar a invadir os prédios aqui. Então, eu
acho que a gente tem esse diferencial, porque, primeiro, por ter um movimento popular
muito rico, por ter uma igreja católica, na época, libertadora, assim, influenciada por Dom
Hélder Câmara, então isso já foi um diferencial, hoje não é mais a mesma situação, e eu
acho que assim, é, serviu de exemplo. E, dos que ficaram, continuam ainda nessa luta. Sem
ser especificamente quem trabalha com cultura, alguns projetos sociais conseguem dar
continuidade. Tem que tentar que tenha a garantia dos direitos reservados, e, assim, e os
que conseguiram ficar até agora, conseguiram também se infiltrar, se envolver em outros
grupos que garantiram também outros direitos, além do direito na ficar na terra. Então acho
que isso é um diferencial muito grande daqui de dentro da comunidade.
Outras Observações:
A maior parte da entrevista teve o seu áudio extraviado, principalmente no que
compreende as perguntas semiestruturantes da entrevista. Frases do entrevistado anotadas
dos trechos não transcritos:
(...)
Não consigo falar de mim sem falar daqui.
(...)
A construção do lugar também é a construção das pessoas.
(...)
O correto é o que me faz bem (sobre a “ilegalidade” de Brasília Teimosa).
(...)
{ 392 }
{ 393 }
{ 394 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA - LÍDERES COMUNITÁRIOS Nº 1
[Pesquisadora] (...) Há quanto tempo você mora aqui, ou [você] mora desde sempre?
[Wilson] (...) Eu moro na Brasília Teimosa há 57 anos, vou fazer 58 agora em outubro. E eu
gosto de dizer sempre que eu sou nascido e criado em Brasília Teimosa, eu nasci em casa
mesmo, nem pra maternidade eu fui, sou da época de parteira, nasci aqui mesmo na terra.
[Wilson] Eu morei, enquanto solteiro, na Rua Francisco Valpassos, morei lá cerca de 22 anos
mais ou menos. De lá, eu me casei e fui morar na Rua Lupércio, que era a antiga Salgado
Filho, e há cerca de 32 anos eu moro aqui na Rua Espardate, que é a antiga Rua I.
[Pesquisadora] (...) Você acha que Brasília Teimosa poderia estar em outro lugar da cidade?
[Wilson] Não, não. Brasília Teimosa veio, é, aconteceu exatamente no lugar certo, é uma
mini ilha cobiçada por muita gente, né? Brasília Teimosa, eu não vejo ela colocada em outro
lugar não, só aqui mesmo. Que eu costumo dizer sempre que a nossa comunidade parece
cidade do interior, né, todo mundo vê pessoas na rua, seja de manhã, de tarde, de noite, de
madrugada, aquele burburinho legal e bacana. Uma vez que, de certa forma, todo mundo
conhece todo mundo.
[Pesquisadora] (...) E, nesse sentido, qual é a relação que você vê entre Brasília Teimosa e o
mar?
[Wilson] (...) É como eu coloquei agora há pouco né, Brasília Teimosa parece uma ilha, né,
cercada por água por todos os lados, é a praia, tem a bacia do Pina e a do Pina e a praia
daqui da Brasília Teimosa. (...) primeiro que se hoje a gente ainda tá aqui, a gente deve,
claro, aos invasores, ou melhor, aos ocupantes daquela época né, as pessoas ocuparam a
área, que na época era o Areal Novo do Pina, depois Brasília do Pina, e por fim, Brasília; sei
que você vai perguntar mais na frente, mas eu já tô adiantando. Brasília, porque foi
exatamente na época da construção de Brasília, Distrito Federal, né, e Teimosa pela
teimosia da comunidade, a comunidade construiu os barracos durante a madrugada, e
vinha a polícia e derrubava, no dia seguinte construíam mais barracos, e chegou um ponto
{ 395 }
tal que a polícia não tinha mais efetivo já pra derrubar a quantidade de barracos que
existiam, né. E, é, a grande, hoje não tanto, mas a grande sobrevivência do bairro da gente
foi exatamente o mar, né, a pesca, o que sustentou, é, as nossas famílias lá atrás. Eu me
lembro que quando garoto, tinha aqui a antiga oficina, num é, ai minha mãe vinha comigo, a
gente bem humilde, ai subia os navios pra ajeitar e a gente ficava raspando o casco dos navios
pra tirar exatamente o sururu, unha de véi, marisco, pra poder se alimentar, pra poder comer
né, e era uma fase tão bacana da vida, ou seja, o mar tem uma importância muito grande pro
bairro da gente, através dele, é, e foi ele que alimentou a gente. Hoje, eu repito, não tanto
quanto antigamente né (...) Mas o mar foi da sobrevivência, foi de uma importância muito
grande pra o bairro da gente, ele sempre nos alimentou e ainda alimenta até hoje.
(...)
[Wilson] Olha, digo sempre, o bairro da gente por ser um bairro de ocupação, né, é, a gente
ficou sem espaço pra lazer. Agora, com a retirada das palafitas né, recentemente a questão
da orla de Brasília Teimosa, que já existia dentro do Projeto Teimosinho, criado pela própria
comunidade, pelos moradores, que foi um desafio na época de gestões de prefeitos e
governadores como Gustavo Krause, por exemplo, de que a comunidade poderia continuar
caso ela mesmo fizesse o projeto e apresentasse às autoridades, né, aos governantes. E a
própria comunidade sentou, se reuniu e elaborou o projeto onde tinha as ruas né, tinha
posto de saúde, creche, comissariado, a urbanização da orla, é, esgotamento sanitário,
água, iluminação pública, transporte coletivo, segurança pública, etc, etc, etc. Mas, é, as
palafitas, era sempre um “ciclo” vicioso (...), pois por três vezes seguintes se retiravam as
palafitas, da primeira vez retirou as palafitas e construiu a Vila da Prata, que é próxima à
praia do Buraco da Véia, mas como não urbanizava, as pessoas invadiam novamente por
uma questão até de necessidade também, e ele conseguiu mais um terreno, construiu a
segunda vila, a Vila Moacir Gomes, mas não urbanizaram, ai as pessoas invadiram de novo,
ai desapropriou um campinho de futebol de várzea que a gente tem aqui, o campo do Pina,
foi para o lado do Jardim Beira-Rio, né, e então construiu, é, a Vila Teimosinho, por fim, não
restando mais terreno, né, só tinha mesmo o terreno onde hoje construiu o conjunto
habitacional Brasília Teimosa, né, na gestão do Lula com João Paulo, ai retiraram as
palafitas, ai foi a quarta vez a retirada, as pessoas foram morar lá no Cordeiro, no Casarão
do Cordeiro, e ai urbanizou, urbanizando não poderia mais haver invasão de palafitas, e ai, de
qualquer forma, fez uma faixa de areia, né, que aí, esportivamente, a gente aproveita, dá pra
jogar uma “peladazinha”, dá pra, é, voleibol, futevôlei, é, (...) futebol de areia, dá pra pelo
menos fazer algum tipo de programação, mas espaço pra lazer realmente a gente não tem.
Agora a gente tá tendo um parquinho de diversões na Rua das Oficinas, que vira realmente
um ponto de encontro todas as noites, né, por falta realmente de espaço, por falta de lazer
que o bairro da gente infelizmente não tem. Não tem praças grandes né, que a gente possa
se encontrar, brincar e se divertir.
[Pesquisadora] Entendi, então a diversão, no caso, é mais também ligada ao mar, né (...)?
[Wilson] Sim, exatamente à Praia do Buraco da Véia, né, a diversão da gente é a Praia do
Buraco da Véia.
{ 396 }
[Pesquisadora] (...) Essa questão da orla, quando vocês fizeram o Teimosinho, o tipo de
projeto que vocês queriam fazer era mais ou menos como o que tá hoje?
[Wilson] Era, era mais ou menos o que tá hoje. A diferença era que eu batalhei pra caramba
porque eu sabia que em tão pouco tempo que a nossa praia e a Praia do Buraco da Véia, ela
ficaria pequena. Quando retirou, hoje a orla é assim, né, aqui a avenida e aqui, por exemplo,
é a faixa de areia, né, que ficou, quando chega lá, aí, aqui tem a Praia do Buraco da Véia,
que é a nossa praia e eu sabia que com pouco tempo, pouco tempo mesmo, dois anos, três
anos, exatamente a praia ficaria pequena não só pra gente, mas também pra gente que vem
de fora. Porque hoje a gente conseguiu, uma conquista nossa do Conselho de Moradores,
junto com o próprio vereador da comunidade Eduardo Chera, (...) nós conseguimos (...) um
ônibus Prazeres - Boa Viagem, ele passava aqui só na Arabaiana, hoje ele vai até a Praia do
Buraco da Véia, volta, pega Arabaiana e vai “simbora”. E o Brasília Teimosa - Conde da Boa
Vista também ficava na Arabaiana e essa foi conquista do Conselho de Moradores, nosso
aqui. Hoje o terminal de ônibus é na praia do Buraco da Véia, e tá trazendo muita gente de
fora também, entendeu? E a praia mais parece uma piscina, não tem perigo de afogamento,
é super gostosa, e conclusão, na época do, que começou o projeto da urbanização da orla,
eu lutei, eu batalhei porque tinha também aqui exatamente uma área de praia da própria
comunidade e eu lutei pra que essa área daqui também fosse pra área da Praia do Buraco
da Véia, ai a praia ficaria maior, mas ai, infelizmente, não foi possível, veio até a Praia do
Buraco da Véia a urbanização a faixa de areia, ganho legal pra quem joga futebol, num é, foi
muito legal também pro pessoal, mas a praia continua do mesmo jeito, pequenininha,
somente isso, sabe? Era a ressalva, o adendo, que eu abriria nesse sentido, mas, no geral, a
urbanização é exatamente isso. Recentemente a gente encarou na COMUL, que é a
Comissão de Urbanização e Legalização da Posse de Terra, eu encarei uma briga no bom
sentido, aprovei pela COMUL o congelamento de toda e qualquer grande construção dentro
da comunidade, esse documento passou pelo Fórum do PREZEIS, que foi aprovado, e
PREZEIS, quer dizer, Plano de Regularização de Zonas Especiais de Interesse Social,
aprovado na assembleia, no fórum, foi encaminhado ao prefeito, já esse, Geraldo Júlio, na
primeira gestão e o PREZEIS é lei, né e no documento a gente pede o congelamento não só
da nossa área ZEIS, como também do entorno, ou seja, das proximidades. Recentemente, o
pessoal no Iate Clube... Bom, vou falar em Iate Clube, depois eu volto “praqui”. Há muitos
anos atrás, o Iate quis se apoderar da praia do Buraco da Véia, né, passou um muro durante a
madrugada, e foi uma briga da gente da comunidade, e de dia a gente derrubou, a
comunidade derrubou. Tem até uma música que diz, eu não me lembro dela totalmente, que
dizia, é: “a praia do Buraco da Véia é nossa, é do povo de Brasília, se o Iate tá querendo
briga...”, e aí segue, não me lembro mais o restante. Aí derrubamos e mostramos que a praia
era da comunidade, é a praia de Brasília Teimosa. Ai voltando...
[Wilson] Não, dias depois não. Eles construíram o muro, no dia seguinte, praticamente, ou
dois dias depois, não me lembro bem, a gente foi lá e derrubou o muro, porque se demorasse
muito ia ser complicado, a gente deixou bem claro que a praia era da comunidade, não
particular, pertence ao povo.
{ 397 }
[Wilson] Eu não me lembro não, eu era garoto, eu era jovem, adolescente, meus pais tavam
lá também ajudando a derrubar. (...) Mas voltando pros anos atuais, recentemente eles
queriam construir duas torres, ai depois “é uma torre só”, dentro da própria área do Iate
Clube. Legal, a evolução, o progresso, só que eu tive uma reunião com os donos da Rio Ave,
fui lá, fui chamado, tive uma reunião com eles e aí eles colocaram pra mim o porquê que eu
não aceitava (...), se ia ser melhor pra comunidade, gerar emprego, gerar renda. Ai eu fiz: “Até
onde você assume isso? Porque geralmente emprego e renda só gera no momento da
construção. Depois que tá construído, vocês trazem pessoas de fora pra ter os empregos de
camareira, de manobrista, de gerente, seja lá o que for”. Como é, infelizmente, o caso do
JCPM aqui na frente da entrada da Brasília Teimosa, né. O JCPM foi construído dentro de uma
parte que era área ZEIS de Brasília Teimosa. Na ocasião duas representantes nossas, saudosas
já, (...) negociaram com o Grupo João Carlos Paes Mendonça 1 milhão de reais e esse 1
milhão de reais foi depositado nos cofres da prefeitura, mas sumiu porque era pra ser
investido dentro de Brasília Teimosa, em moradia, em habitacional. Como não existia mais
espaço pra construir moradia, então foi feito um plebiscito na comunidade, a frente desse
conselho de moradores, e a comunidade decidiu então que essa verba devia ser investida no
recapeamento, asfalto de todas as ruas, né. Você vê, observe que as ruas são de
paralelepípedo, só algumas e a principal que é asfaltada, mas infelizmente esse dinheiro
sumiu, a gente tentou, batalhou, e ninguém sabe a finalidade. Teve uma história de que foi
investido lá no Casarão do Cordeiro, pra que [não compreensível] da palafita. Mas não
existe, porque a finalidade dessa verba era pra investir dentro de Brasília Teimosa, enfim,
sumiu. E eu diria mais, sumiu na Prefeitura do Recife, e não dentro das nossas
representatividades dentro da COMUL da época. Bom, enfim, é, então não pode ser
construído essa torre lá, mas nessa conversa com os donos da Rio Ave, eu disse a eles:
“’Vamo’ fazer o seguinte: vocês garantem já emprego e renda pra comunidade antes, durante
e depois”? “Sim”! “Então eu convoco a comunidade, a gente faz uma reunião no meio da rua,
vocês expõem essa boa vontade de vocês pra comunidade, se a comunidade aprovar, não
tem problema, eu assino embaixo, vocês poderão construir amanhã mesmo”, e eles não
vieram, não apareceram. Faz bem três, quatro anos e tá ai, tá barrado. Eu li uma matéria na
época, nos jornais que diziam que eles iam entrar com ações na justiça, para provar de que
a área do Iate Clube não estava dentro das delimitações ou limitações da área ZEIS de
Brasília Teimosa (...).
[Pesquisadora] Então, falando nesses projetos que querem fazer, como é que você vê
Brasília Teimosa daqui a 10 anos? Falando em geral, não só nesses projetos.
[Wilson] Eu já venho ouvindo há muitos anos de que, há 10 anos a Brasília Teimosa não
existiria mais, e a gente continua aqui, né? Há 10 anos, há 20 anos, ou seja, para cada
período a gente sempre ouviu isso, e talvez até seja uma realidade no futuro, sabe? Talvez
seja, mas ainda vai demorar muito, porque infelizmente existe a expulsão branca, né, que é
aquela que eles não podem expulsar a gente “na tora”, mas tiram a gente com a força do
dinheiro, né, comprando os imóveis. Eles colocam aqui corretores batendo palma em casas
que nem placa de ‘vende-se’ tem (...) e em alguns casos eles acabam, lógico vendendo a casa.
(...)
[Pesquisadora] Você acha que poucas pessoas não venderiam, no caso de uma proposta tão
alta?
{ 398 }
[Wilson] Poucas, muito poucas, porque é complicado. Tu sabes que a casa vale 100, ou 200,
ou 300, ou 400 ou 500 mil reais e o cara oferecer, digamos, 20% a mais do valor da tua casa
[não compreensível] a pessoa vende, dificilmente ela encontraria outra dentro de Brasília
Teimosa, aí você vai morar aonde? Longe daqui, que, sinceramente, quem é morador de
Brasília Teimosa não vai se acostumar em outro lugar não, não tem como.
(...)
[Wilson] Deixa eu colocar uma coisa assim pra ti. (...) na semana passada eu fui para um
congresso em Porto Seguro, na Bahia, (...) esse congresso daria pra mim, claro, um tempo
de descanso, de passear, de conhecer a cidade, mas agora tem o WhatsApp né? (...)
mantendo contato com minha filha, e eu me lembro que uma das coisas que eu postei, que
eu escrevi, foram exatamente assim “filha, eu tô com saudade da minha luta na
comunidade”. Entendeu? A Brasília Teimosa, pra mim, é o ar que eu respiro (...). Já marquei
uma quadrilha junina dentro do nosso bairro (...). Essa quadrilha, a gente foi bicampeão
pernambucano e bicampeão do campeonato da Rede Globo (...), e no campeonato
brasileiro na Bahia eu fui escolhido o melhor marcador do Brasil e nós trouxemos o troféu
de melhor produção do Brasil (...), representava o estado da gente, viajamos pelo grupo,
conheci São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Fortaleza, Minas Gerais, (...) pela dança,
pela cultura. (...) Tive a oportunidade de fazer uma rádio comunitária dentro da
comunidade, a Brasília FM. Nessa rádio nós prestamos muito serviço à população (...), como
cadeira de rodas, colchão d’água, cestas básicas, lutávamos (...) pelo direito da gente, e
tanto benefício essa rádio trouxe pra comunidade. Mas a partir do momento que eu vim
para o conselho de moradores, que nós ganhamos a eleição de dois em dois anos (...) uma
coisa é certa: é a comunidade que não quer que eu saia, né, porque essa é a única
instituição que Brasília Teimosa tenha, talvez, de 45 a 60 instituições (...), mas o Conselho de
Moradores é o pioneiro, existe há 51 anos, e é o único aqui que tem eleição aberta pra
comunidade (...).
(...)
[Pesquisadora] Como está a questão da regularização fundiária de Brasília Teimosa? Sei que
tá nessa questão da CDRU, mas assim, como é que tá em geral?
[Wilson] Se arrastando, e muito (...). Olha, acho que foi em 83, se não me engano, na gestão
do prefeito Gustavo Krause, ele entregou cerca de 2 mil (...) títulos de posse de terra à
comunidade, títulos legais, sabe? A gente gostou na época da redação, dando uma
segurança pra comunidade. Só que talvez, por falta de conhecimento das pessoas na época,
talvez não tenham explicado, as pessoas teriam de ir no cartório registrar o título de posse,
né, porque você passava a ter segurança juridicamente falando. Dos cerca de quase 2 mil,
apenas mil e quatrocentos é que foram no cartório e registraram (...), então juridicamente
esses títulos não tem validade. Aconteceu uma desapropriação há uns anos atrás no Pina
(...), na Vila Oliveira, aí as pessoas apresentaram os títulos entregues pela antiga COHAB,
atual CEHAB, só que não tinha nenhum registrado em cartório (...), ai apareceu uma “mal-
assombrada” dizendo que era dona do terreno, alguém de poder capital razoável, entrou
com uma ação na justiça, e aí ganhou, desapropriou as pessoas. A Brasília Teimosa não
{ 399 }
acredita nesse risco, né, de repente aparece algum suposto dono, porque a gente é área de,
digamos assim, invasão, é terra de Marinha (...). Passado esse tempo, vieram várias gestões,
vários prefeitos. Na minha gestão da COMUL, demos 37 títulos à moradores da Colônia, que
foi a primeira área da comunidade, a ocupação, que foi exatamente o CDRU. Na ocasião, a
gente não se ateve exatamente o que era esse título, mas era um título que dava segurança
à comunidade. Aí começaram a reclamar porque o título te dá segurança por 50 anos,
porém ele já tem na cláusula dele “renovável por mais 50 anos”. (...) Hoje, se você quiser
comprar, por exemplo, a minha casa e eu não tiver título de posse de terra, a minha casa se
valesse 300 mil, ela vai valer 200 mil, você vai adquirir somente o imóvel, a construção.
Quem tem título não, você passa, de certa forma, não a ser dono, mas ter a posse do
terreno. E o CDRU significa, deixa eu me lembrar, Concessão de Direito Real de Uso por 50,
renovável por mais 50. Alguns que entregaram na comunidade de Santo Amaro, que era o
CUEM, é Concessão de Uso Especial para fins de Moradia, esse não tem 50 mais 50, pra
toda a vida. Só que o que consta a redação na CDRU, não consta no CUEM. O CDRU dá
direito a você que mora na Brasília Teimosa, reside ali na sua casa, construiu para ajudar na
tua renda familiar botou uma farmácia, uma manicure e pedicure, botou uma vendinha,
uma lojinha, uma barraquinha, ai com o CDRU, você recebe esse título, contempla, só que o
CUEM não, (...) ai se você tem um comércio, você não recebe, ai tem todo um choque. A
gente veio tentando pegar o melhor da redação de cada um pra fazer tipo um só, só que eu
saí da COMUL, né, deixei inclusive, é, reuniões no domínio da união, né que é responsável
pelo terreno da gente que é Federal, de Marinha, é, ficou engatilhado um novo documento
transformando a nossa área, esse documento, um documento Federal, né que seria mais
forte que a Lei do PREZEIS, que é municipal e essa lei seria federal. (...) Então, tá meio que
parada essa questão da regularização fundiária dentro de Brasília Teimosa. Eu tenho, na
medida do possível, (...) poder, mas tem as condições de intervir. Eu tô pensando até de
puxar uma audiência pública pra trazer de volta essa questão da posse da terra, do título de
Brasília Teimosa. (...) só em cima dessa questão da (...) regularização fundiária, eu queria
somente tentar colocar o seguinte, de que nesse momento, torna-se impossível a gente de
Brasília Teimosa ter áreas que são de terrenos federais, terrenos de Marinha ou de Exército,
no caso, mas mais de Marinha, né, receber o título de posse da terra, a gente recebe a
concessão da terra, porque terreno de Marinha, supostamente, né, supostamente não, tá lá
na Constituição Federal de que, são terrenos de que caso o Brasil entre numa guerra, e
precise, ela terá de volta esses terrenos pra poder defender as nossas fronteiras (...). Mas
eu não acredito nisso, que o Brasil entre em guerra, principalmente, uma área como Brasília
Teimosa, né, porém, teriam que mudar a Constituição Federal, e aí cabe à Câmara dos
Deputados, depois passar também para o Senado, pra poder fazer essa mudança. Eu, uma
vez, casualmente, assistindo TV Senado, ai tinha um senador, não lembro qual o nome dele
e nem de que estado ele é, mas que atentava exatamente a essa questão, de que isso já
caducou, isso não existe mais, teria de ser mudada a constituinte, ou formar um adendo, sei
lá né, pra derrubar isso, pra que, de fato, a gente pudesse ter a posse da terra, entendeu,
mas nesse momento, devido, né, a constituição, dizer que áreas federais, em especial,
terreno de Marinha, não pode ser doado ao morador, é, se falou também naquele
usucapião, ai usucapião serve pra terrenos que são particulares. Aqui no Pina, por exemplo,
do lado bode tem pedaço do terreno do [não compreensível] do Pina que é da Santa Casa
de Misericórdia, ai é particular. Ai esse caso, o morador, individualmente, entra na justiça,
ou coletivamente, pra ter o direito do usucapião, né, o direito do título daquela terra que
ele mora, mas tem pedaço dentro do [não compreensível] no Pina de que é de Marinha, é
federal, ai esse não cabe, o título de posse de terra, e sim a concessão, entendeu?
{ 400 }
[Pesquisadora] (...) A gente já falou um pouco sobre, mas a questão da especulação
imobiliária em Brasília Teimosa, como é que tá essa questão, quais são os rebatimentos
disso na comunidade?
[Pesquisadora] E a questão do JCPM, qual é o rebatimento dele pra sociedade, o que é que
ele significa e o que ele significou pra comunidade?
[Wilson] Olhe, no que se refere ao João Carlos Paes Mendonça, das oportunidades que teve
com ele, pode até ser que se imagine que ele é uma pessoa, um ser humano com boas
intenções, um empresário que veio de lá de baixo, e tal, e após ele conseguir esse espaço,
como eu te falei, pra construir na área ZEIS da Brasília Teimosa, que deixou de ser pra ele
construir, ele tem feito parcerias com escolas, fazendo cursos, vendo o lado social, com
instituições também da própria comunidade. (...) Tem no próprio shopping Rio Mar (...) o
menor aprendiz. (...) muito jovem da Brasília, do Pina, em geral, é, estão lá, tem muita gente
trabalhando no shopping Rio Mar, muitos jovens se qualificaram por cursos que ele tem lá.
(...) o IJCPM, Instituto João Carlos Paes Mendonça, realmente tem qualificado os jovens da
comunidade, ai ele tem se preocupado, realmente (...).
[Pesquisadora] Mas em que escala você acha que a construção do JCPM foi boa ou ruim?
[Wilson] Olha, em escala de 0 a 10, eu digo que foi ruim 9, porque na minha concepção, na
minha intenção, ali naquela entrada da Brasília teria sido construída uma Upinha3, um mini
hospital pra atender Brasília Teimosa, Pina, ou seja, a circunvizinhança (...).
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) Como o nome das ruas de letras passou para o nome dos peixes?
[Wilson] Bom, primeiro é que a condição humilde é, ali de estudo das pessoas que chegaram
na comunidade na época, nossos pais e avós pescadores né, seria mais fácil você saber
identificar letras, ai por isso que se colocou o nome das ruas exatamente por letras
alfabéticas, de A à S. Repito que era mais fácil pras pessoas que eram humildes, não tinham
estudo, digamos assim, então o alfabeto era mais fácil. Já, parece que foi na gestão de João
Paulo, se não me engano, ai numa forma de homenagear os verdadeiros fundadores de
Brasília Teimosa, os pescadores, ai colocou exatamente o nome das ruas por nome de peixes,
como forma de homenagear a comunidade através dos pescadores (...).
3
A UPA (unidade de Pronto-Atendimento) é uma espécie de urgência e emergência vinculada ao SUS
municipal (Sistema Único de saúde). A Upinha seria uma versão reduzida dessa primeira.
{ 401 }
[interrupção]
[interrupção]
[Pesquisadora] Entendi. (...) Hoje em dia, quais os principais problemas que vocês têm? De
infraestrutura, de saneamento...
[Wilson] A demora dos ônibus, meu Deus, é um massacre, né, o deslocamento sanitário
melhorou muito, muito. Quando era responsabilidade da COMPESA (Companhia
Pernambucana de Saneamento), estado, a gente solicitava, quando vinha vim, era com
quinze dias. Hoje, desde que terceirizou o esgoto, (...) você liga, no mesmo dia, quase no dia
seguinte, já tão limpando. Então, deixou de ser um problema o esgoto sanitário de Brasília
Teimosa, mas hoje é transporte coletivo, é, voltamos a ter um pequeno problema com a falta
d’água dentro de Brasília Teimosa, já foi muito sério, mas hoje até que não é tanto, (...) a
insegurança, a gente passou a ter também insegurança, pequenos assaltantes dentro da
comunidade, pessoal passando, de bicicleta, de moto e levando o celular das pessoas. Na
verdade esses três e, infelizmente, a questão das galerias também, a infraestrutura, a falta
da limpeza das galerias, porém eu quero deixar bem claro de que boa parte da culpa
também é da gente dos moradores. A gente tem coleta de lixo diariamente aqui, de
segunda à sábado, mas infelizmente a gente ainda tá jogando lixo na rua, nas metralhas,
próximo às galerias.
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) Eu vou te pedir pra me ajudar. (...) eu consegui algumas imagens que
ainda não consegui identificar [a localização], queria que você me ajudasse.
[Wilson] (...) aqui era a sorveteria de seu Djalma (...). Ô rapaz, era “massa”, foi numa época
de São João, olha as fogueiras! (...) a gente adorava isso aqui, ó, quando chovia, fazia poças
de lama na rua, meu Deus, a gente ficava brincando dentro, não adoecia (...), não pegava
doença nenhuma, algumas vezes a gente pegava bicho de pé (...).
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) Na década de 90, (...) o que é que aconteceu, o que é que teve de
novidade?
{ 402 }
mas o alvo, o eixo principal hoje, ainda, pra finalizar, é, com chave de ouro, digamos assim,
é a posse da terra, pronto (...). [não compreensível] nos anos 90 já tinha conseguido tantas
coisas já na comunidade, ai veio mais, conseguiu mesmo algumas vilas, algumas moradias
dentro do bairro, que ainda o déficit habitacional é muito grande, é claro né, hoje a luta é
pelo terreno do antigo aeroclube lá no Pina pra construir habitação popular, não só pra
quem é do Pina, mas pra quem é também da Brasília Teimosa.
[Terceira pessoa – Alcydes Almeida Santos] Na Brasília, tem muita gente que vive de
aluguel.
[Terceira pessoa – Alcydes Almeida Santos] É 600, 700 reais um lugar, é, com três cômodos
né?!
[Wilson] “Oxe”, é. Se você ver o espaço que a gente tá aqui, a turma tá vendo pra alugar por
400 reais, 500 reais. (...) Um vãozinho só. Tá complicado. É o que diz naquela música de
Roberto Carlos: “não sou contra o progresso, mas apelo pelo bom senso, um erro não
compensa o outro, isso também é o que eu penso”. Entendeu? A revolução tá aí, pronto, aí o
empresarial João Carlos Paes Mendonça, Shopping RioMar do outro lado, né, orla de Brasília
Teimosa, avenida, aí, o progresso chegou.
Outras Observações:
A entrevista sofreu muitas interrupções de moradores que iriam tratar de assuntos diversos
com o entrevistado no Conselho de Moradores.
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA - LÍDERES COMUNITÁRIOS Nº 2
{ 403 }
Nome: Luciberto Xavier Tiradentes de Macedo (Piaba)
Idade: 57 anos
Profissão: Funcionário Público
Tempo de Moradia na Comunidade: 41 anos
Local de Moradia: -
Cargos/Atividades: Ex-presidente e vice-presidente do Conselho de Moradores. Ex-
Presidente da COMUL.
Data/local da Entrevista: 02/05/2017 – Sede da Escola Mangue (Avenida Brasília Formosa)
[Pesquisadora] (...) Eu tenho algumas perguntas pra fazer, mas se você quiser falar alguma
coisa antes...
[Luciberto] A permanência de Brasília Teimosa aqui, do povo, sempre teve essa história de a
gente não sair pra canto nenhum independente de qualquer questão que viesse pra cá [não
compreensível]. Até hoje tá consolidado Brasília Teimosa, mas a expulsão branca é grande,
continua ainda grande. (...) Aqui tem uma ocupação do solo que não foi do jeito que eles
(brancos) queriam, foi da forma como o povo quis fazer a ocupação. (...) Aqui em Brasília
Teimosa são poucas as casas que tem planta, geralmente a maioria não tem e funciona. A
população daqui de Brasília Teimosa vai lutar pra ficar aqui sem ter a especulação imobiliária,
(...) que a gente sabe que tem, ninguém é doido nem maluco, mas o povo, acho, que vai
resistir. (...).
[interrupção]
[Pesquisadora] Você foi líder do...
[Luciberto] Por ONG, não. Isso na época a gente não tinha financiamento nenhum não,
depois foi que a gente teve alguns financiamentos, né, antes era por conta da gente. A
{ 404 }
gente fazia arrecadação, fazia bingo, fazia teatro, as mães ajudavam, os pais ajudavam,
faziam uma coisa, outra. Ai depois a gente começou a fazer projeto e aí começou a vim
outros projeto, e até hoje tem projeto cuidando, não tá mais ligado como era antes, mas
trabalha com meio ambiente, trabalha com alfabetização, com cultura, várias coisas a gente
trabalha, (...), proteção de mangue, na área de pescadores, de várias colônias aqui na região.
[Pesquisadora] Entendi... Vocês começaram a fazer isso em que época mais ou menos, em
que ano, em que década?
[Luciberto] Em 80, 82, começamo esse trabalho. Foi em 82, ficou mais intensivado (...), em
82 a gente já fazia teatro e slide pra mostrar a situação daqui hoje, e em 85 slide pra
apresentar a história das palafita tudo, criava peça, várias peça registrada na época, pra
registrar era o maior trabalho do mundo, pra passar era a maior confusão do mundo, a
gente mudava o texto e voltava.
[Luciberto] Por conta da ditadura. Foi uma luta, uma luta grande da gente aqui, mas aí fica na
história, mas poucas pessoas têm o conhecimento e se lembra da luta; porque a gente não tá
lutando pra gente, a gente tá lutando pra uma questão social maior, por uma permanência do
povo aqui dentro, pra gente num sair, porque a gente tem direito da legalização da posse de
terra. Comprar casa de pessoas que tinha 10, 20 casas, um programa do governo do estado
que a gente, juntos, financiava a casa com o inquilino. (...) hoje tem gente que tem 2, 3, 4, 5
casa, e a gente também não vai, que são pessoas daqui que conseguiram uma condição
melhor, comprou casa, comprou de um, comprou de outro, entendeu. Mas aí a luta da
gente sempre foi essa, “por que é que eu tenho 5 e você não tem nenhuma”? Então eu
acompanho as pessoa que não tem condição nenhuma nem de pagar o aluguel, e
construímos várias vilas aqui, né, acho que Wilson [se referindo à Wilson Lapa, atual líder do
Conselho de Moradores] deve ter falado, ele praticamente não participou diretamente com
a gente, ele participava do movimento, mas não participava ativa da diretoria, mas ele
ajudou muito também, ele era como se fosse um locutor, (...) fazia locução dos eventos, das
lutas com a gente tudinho, depois que a gente se afastou por muito tempo, começou a
participar diretamente do conselho, da diretoria do conselho, mas antes ele participava da
luta com a gente, divulgano, falano, como se fosse locutor de rádio, que não tinha na época,
mas ele que passava, era ele que fazia. (...) Eu também nunca gostei de falar muito não, de
tá em rádio, de tá em televisão, nunca quis ser candidato a nada até hoje. (...) Tinha
condição de ser, mas até hoje não quero. (...) Agora não tenho interesse nenhum de tá aí,
de fazer coisa que, podia até ser importante pra o Recife um mandato dessas pessoas que
tem trabalho em comunidade, pode ser até mais importante que o trabalho das pessoas
que tá lá hoje, que tem a visão que muitos não têm. Mas a gente continua nessa luta,
trabalhando, fazendo reunião ainda, (...) mostrando a realidade, focando no que é a
questão do trabalho, que é muito importante a pessoa ter um trabalho pra viver, que sem
um trabalho a pessoa se perde no tempo, que tem que estudar. A gente foca muito nessa
questão da educação e do trabalho que a gente fez aqui a vida inteira. E muita gente não
sabe nem da vida da gente, eu sofri muito, vivi nas palafitas. Eu vim do sertão morar nas
palafitas. Sou de Sertânia, eu vim de lá pra cá estudar e peguei essa luta, até hoje.
{ 405 }
[Luciberto] Aqui, que eu vim estudar aqui em 76.
[Luciberto] (...) De 76 comecei a me fixar muito aqui, mais. Conheci uma pessoa, comecei a
morar com ela, (...) A gente conviveu e ficou morando aqui.
[Pesquisadora] Então você veio pra Recife morar especificamente aqui por causa dessa sua
companheira?
[Luciberto] Pronto, eu vim pra trabalhar em Brasília Teimosa por causa dela. Conheci ela na
cidade (...) Aí de lá pra cá eu comecei a visitar Brasília Teimosa, trabalhava com fotografia,
com teatro, com [incompreensível]. Ai eu comecei a, a gente se juntou, eu comprei um
barraco na beira da praia, e cabou-se, até hoje.
[Pesquisadora] (...) E por qual motivo você mora, hoje, em Brasília Teimosa?
[Luciberto] Hoje, eu moro em Brasília Teimosa pela luta, que a gente teve uma luta muito
grande pra permanecer aqui, tirar as palafitas, urbanizar a beira-mar, a gente, eu estou aqui
por causa da luta, a luta de querer uma condição de vida melhor pra população. E continuo
hoje ainda nessa luta pela melhor condição de vida para as pessoas que mora aqui. Só vou
sossegar quando não tiver mais condições de trabalhar, mas continuo trabalhando. Eu posso
tá onde eu tiver, eu vou continuar fazendo esse trabalho que eu sempre fiz. Pela luta.
[Luciberto] Não, porque tá no sangue essa luta da gente aqui, tá no sangue da gente, a gente
não tem como sair. Já tive várias propostas pra viajar, pra sair, pra ir embora, pra ir pra o
interior, pra trabalhar em todo canto, mas eu fico aqui, por causa dessa luta, desse vínculo
que a gente tem aqui. Pelos filhos que nasceram aqui, pela história da gente aqui. Por onde a
gente passa, todo mundo conhece a gente, fala com a gente, sabe, muitos sabem da história
da gente, respeita, nunca tive problema com ninguém, nunca tive problema com ninguém
aqui, nunca, em nada. (...) Essa é a minha história aqui dentro, porque eu moro aqui. E não
vou sair não. Só pra passear fora (...), mas aqui é meu lugar.
[interrupção]
4
Professor aposentado do departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de
Pernambuco.
{ 406 }
[Pesquisadora] Em relação a isso, o que você acha que é ruim no bairro hoje?
[Luciberto] Essa questão da população, não toda, mas alguns [saiam]... Por que a gente não
pode pedir que eles não saiam, né? É um direito deles de vender, né?
[Luciberto] Olhe, o que me agrada mais aqui, o que faz com que eu permaneça aqui, é como
ver Brasília Teimosa antes, como vê hoje, a transformação. (...) Uma coisa que deixa a gente
muito triste é, às vezes, você não consegue segurar, porque o dinheiro é forte, que a
especulação imobiliária é muito forte (falando das pessoas que vendem suas casas por causa
do dinheiro bom). (...) O que tem de melhor aqui é história, né, que a gente se orgulha da
história de Brasília Teimosa; tem problema? Tem, mas é calmo, a gente se dá bem com todo
mundo, todo mundo trabalha aqui, vários grupos, várias entidades do povo que trabalha
aqui com cultura, com educação, com formação, muita gente que trabalha com música, com
teatro, com dança. Tem um trabalho muito grande aqui, muito grande com educação, tem o
CEPOMA, tem aqui o Centro Escola Mangue, tem Aurieta com a Turma do Flau, tem muita
gente trabalhando aqui, um trabalho muito importante. E ai a gente se orgulha do povo aqui
fazer esse trabalho. Tem colônia de pescadores, tem uma cooperativa de pescadores, tem
muita gente trabalhando pra ajudar Brasília Teimosa a continuar do jeito que tem que ser. A
gente conseguiu muita coisa aqui, conseguiu saneamento, foi luta (...). Brasília Teimosa
quase toda tem saneamento... Teve o Projeto Teimosinho, foi muita luta (...).
[Pesquisadora] (...) Você acha que Brasília Teimosa poderia ter acontecido em qualquer
outro lugar da cidade?
[Luciberto] Olhe, eu acho que aqui é um exemplo, como teve Casa Amarela na época... E
Brasília Teimosa, teve Entra Apulso, Ilha do Destino, várias, várias ocupações hoje que existe
ainda né, o Pina, o Coque, tem vários bairros que tem história parecida com Brasília Teimosa,
mas Brasília Teimosa foi um exemplo de luta no Recife, junto com Casa Amarela, entendeu? A
gente se identifica com muita comunidade, com a luta da gente, com os Coelhos, com muita
comunidade, Santo Amaro, com muitas comunidades, Ilha de Janeiro, Xié, porque tudo foi
ocupação, terreno que o povo ocuparam, e a gente se identifica muito com essa luta. E aqui,
como é difícil pra gente, porque aqui, vamos dizer, era uma área especial, uma área que todo
mundo olhava, aqui podia fazer um condomínio fechado, fechar e aqui ser tudo de rico, aqui
seria um condomínio fechado, que só tem uma entrada, porque é uma entrada pra uma praia
particular. Mas a gente fica até hoje pra isso não acontecer. Mas que a gente se identifica
com muitos bairros, se identifica. Tem várias Brasília Teimosa por aqui, mas tem vários
outros bairro aqui em Brasília Teimosa de história de luta.
[Pesquisadora] Se, por acaso, Brasília Teimosa fosse deslocada daqui, e aí?
[Pesquisadora] Você acha que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar?
{ 407 }
[Luciberto] Grande, grande demais, porque a maioria aqui é pescador, pescadores e
pescadeiras. Relação mesmo que ser pai e filho, mãe com o mar (...).
[Pesquisadora] O que é que você acha que o mar representa pra um morador de Brasília
Teimosa?
[Luciberto] Vida, representa sobrevivência, tudo pra gente, pra cá, pro povo. A vida de Brasília
Teimosa é esse mar.
[Pesquisadora] Entendi. Então, como é que você vê Brasília Teimosa daqui a 10 anos?
[Luciberto] Olhe, eu queria ver do jeito que tá hoje, mas vai ser muito difícil. A arquitetura vai
ser mudada, muita coisa vai acontecer. Mas a gente vai continuar lutando pra que isso,
Brasília Teimosa, continue. Tem a questão do avanço do mar, os estudo aí que a gente não
sabe quanto em 10 anos esse mar vai avançar, essa é uma preocupação grande. E eu
sempre falo isso nas minhas reuniões em relação a dados técnicos, (...) não é em cima do
que a gente quer dizer, (...) o mundo inteiro sabe que o mar tá avançando, e as áreas que,
principalmente essa aqui da gente. A preocupação da gente aqui também é essa, até
quando, daqui a 10 anos esse mar vai tá, ocupando o lugar dele.
[Luciberto] Eu acho grande também. Tem vários projetos pra cá. Tem muita gente com
projeto pra cá. Tem muita gente com projeto na cabeça, muitos projetos pra cá. Esse Rio
Mar [shopping], esse projeto não é de agora não, é de muitos anos. Tava planejado há
muito tempo. E tem muitos outros projetos aí. [interrupção da pesquisadora: quais você
acha que...?] Olhe, eu acho que vem coisa grande pra cá, agora, como vai entrar não se sabe,
vai ser uma briga grande, como sempre foi. Mas a gente tem a noção que vai entrar, agora a
gente vai enfrentar, a gente tem mais ou menos a ideia de como é, mas a gente não vai
tocar nisso não, a gente vai esperar acontecer.
[Pesquisadora] Quando você diz que tem ideia do que, de como vai entrar, como é que você
acha [que vai acontecer]?
[Luciberto] Vai entrar no dinheiro. Pelo dinheiro, as pessoas vão ceder. E tem vários projetos
grandes, tem várias praia aí, tem várias praia isolada, só pra quem tem a chave. (...) Tu sabe
que vai ter a questão do teleférico? [interrupção da pesquisadora: foi confirmado isso?] Eu
acho que vai. (...) É bom, é importante pra onde você vai, né, mas você abre, você vai
começando abrindo, abrindo, abrindo, abrindo...
[Interrupção]
[Pesquisadora] (...) Por último, o que é que Brasília Teimosa representa pra você? O que é
que ela significa pra você? O que é que ela é pra você?
{ 408 }
[Luciberto] Olha, ela significa, pra mim, tudo, né?! A minha vida, a minha ascendência, o meu
trabalho que foi feito aqui (...). A minha referência é aqui. O povo me conhece por causa da
minha luta daqui (...). Brasília Teimosa, pra mim, foi a minha vida. A minha luta aqui, ela me
retribuiu mais do que a minha luta por ela. Meus filhos foram nascidos aqui, todos eles... A
minha luta, a minha história é aqui, o meu trabalho foi feito aqui, sobrevivo aqui e vou
continuar aqui até quando Deus quiser. Eu posso até ir pra outro canto, mas nunca vou
abandonar Brasília Teimosa. (...) Eu construí a minha vida aqui, a minha vida, os meus amigos,
a minha família, meus filho, minha ex-companheira, tudo foi aqui. A minha história é aqui, eu
não vou esquecer ela nunca, é igual a minha mãe, ela é minha segunda mãe, entendeu? (...)
[Pesquisadora] (...) Como foi o início, desde a formação até chegar ao Projeto Teimosinho,
de fato, até as transformações que aconteceram depois?
[Luciberto] Por que o Projeto Teimosinho? Porque o pessoal tava querendo expulsar todo
mundo, levantava, derrubava, levantava, derrubava, era confusão todo dia e a gente
começou a trabalhar com o povo pra... ou a gente faz alguma coisa aqui pelo povo ou a gente
vai ser expulso mesmo, e começou essa luta, começou a ter reunião por rua pra saber o que o
povo queria. Queria escola, queria creche, outro dizia que queria que urbanizasse a rua,
fizesse um posto médico, tudo que o povo discutia com a gente na rua. (...) Ai começou a
montar a questão do projeto Teimosinho, muita gente ajudando a gente [não compreensível]
(...), a gente retiraram as palafitas, o projeto demoliu. (...) Na época tinha tudo isso, projeto
formado, ficou tudo organizado, levamo pra Brasília numa comissão, fazer caminhada,
passeata na cidade, a questão dessa compra da casa quem tinhas duas três casa, essa
questão da regularização fundiária, tudo tá no projeto Teimosinho, creche, posto médico,
escola, tudo foi feito. O projeto veio nesse sentido, veio do povo, projeto de rua, não foi
projeto elaborado de cima pra baixo não, foi de baixo pra cima. Aconteceu tudo isso hoje
graças ao Projeto Teimosinho e do povo com a gente (...), o povo ia pra rua, a maioria mulher,
a maioria mulher, o cabra dizia: “não vai não”, a mulher vai. Os homi não queria. Era briga
confusão. E as mulhé em cima. Era 90% de mulher na reunião da gente, dificilmente tinha um
homem. Quem participou mesmo da luta foram as mulheres de Brasília Teimosa.
Pouquíssimos. Tinha homem? Tinha. Poucos. (...) Por que a mulher é mais determinada nas
coisas, elas queria que a coisa acontecesse. Falava com os homi, os homi dizia: “conversa! E
eu vou pra essa reunião besta!” (...) A mulher tava com a gente o tempo todo, caminhava,
nas passeatas, pra fazer a Vila da Prata, a Vila Moacir Gomes, a Vila Teimosinho, os
habitacional, tudinho as mulhé em cima! Pode pegar as ata da reunião. Só mulher. A
maioria era mulher. E não tinha esse negócio não. Onde a gente ia elas iam atrás. Não tinha
medo de nada. Quando a gente puxava elas iam. Iam de pé pra cidade, iam e voltavam do
Palácio, pra prefeitura, elas andando com a gente pra cima e pra baixo. Ai depois vieram as
outras etapas, vieram as novas escolas, como ali, a Escola Josué de Castro, aí veio a
urbanização, veio o saneamento, entendeu? Foram vindo outras coisas, tá entendendo? E
continuamos na luta dentro desse projeto aí, foi o que salvou Brasília Teimosa. Agora, o povo
foi muito importante dentro desse projeto, envolveu muita gente, a igreja católica ajudou
muito, Aurieta, Padre Jaime, Padre Felipe, Padre Jaime foi um grande, lutar aqui com a
gente, muita luta, a igreja sempre deu apoio, a Turma do Flau, com Aurieta, na época. Muita
gente, muita, muita, muita, teve muita gente importante na luta.
{ 409 }
[Pesquisadora] Quando chega um projeto, assim... O que eu soube foi que chegaram dois
projetos pra um complexo hoteleiro aqui, depois teve o de Jaime Lerner. O que acontece?
[Luciberto] A gente não deixava entrar nada, nem discutir a gente queria. (...) A gente fincou
o pé! Tá pensando que a gente brincava em serviço?! A gente ia pra cidade de pé! Teimosia!
A gente ia pra cidade de pé! Plantão, dormia no terreno pra construir o habitacional, entrava
pra os canto, não era brincadeira não. Imagina tu enfrentar gente que tinha dez casa, pra tu
vender nove e ficar com uma? Tem medo de morrer? (...) Tinha muita gente que dizia: é
meu, é meu, é meu! E a gente, “todos por um, vamo simbora”. Oxe, sangue no olho, tinha
que ter sangue no olho pra aperrear, se não corria da parada (...). Agora, o cara tinha direito
a casa dele e a casa de comércio, se ele tivesse um comercio, tinha direito ao comércio e a
casa onde morava. Mas hoje em dia não, tem gente que tem dez casa aqui, tem
apartamento, tem prédio. (...) Sem nenhuma liberação. E vai continuar fazendo, não tem
como impedir mais, não tem como fazer mais. O medo da gente também é esse, tá
entendendo? Que vão... Quem fala mais alto...
Outras Observações:
-
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA - LÍDERES COMUNITÁRIOS Nº 3
{ 410 }
Cargos/Atividades: Foi do Conselho Fiscal do Conselho de Moradores
Data/local da Entrevista: 04/05/2017 – Residência da Entrevistada (Rua Anequim)
[Celeste] Ai, eu amo Brasília demais, quase cinquenta e quatro anos em vim pra Brasília
Teimosa, a gente morava em Maria Farinha, aí, pai era marítimo e na ocasião a gente saiu
de Maria Farinha porque ele viajava, né? E aí, a gente foi morar em Caixa D’água, numa casa
que foi uma sede do glorioso time do Náutico do Capibaribe, que era uma concentração, e
de lá, como mãe ficou muito doente e ele ia viajar pra passar um bom tempo fora, que ele
era marítimo, né? Aí a gente veio pra casa de um primo dele aqui em Brasília Teimosa pela
condição de saúde de mãe, e a gente era seis filho pequeno, e a gente veio por esta
questão. A gente morou na Rua D, não é? Depois a gente foi morar na Rua A, na Badejo, né?
Depois a gente foi pra Rua Delfim, que antigamente era letra, e as pessoas colocaram, a
gente dormiu letra e acordou peixe, sem consultar e sem nada, né? Porque aqui era
pescador, então resolveram simplesmente passar, e a gente dormir de um jeito e acordar de
outro. Igual aos africanos, você dorme livre e acorda cativo. [Não compreensível] passou de
uma rua pro outro, você tá num outro país, na África, né? Aqui a gente acordou assim
[Interrupção da Pesquisadora: Mas como é que foi essa decisão?] Aqui em Brasília Teimosa,
daqui da feira pra cá, da Antônio Goes pra trás, o pessoal considerava Brasília Teimosa só o
alfabeto que era A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, tá entendendo? E se você chegar na Colônia, o
pessoal faz “eu vou na Brasília”, que considera Brasília com esses nome de peixe, né? Aí
você chega no pátio da feira, lá na frente da Herculano Bandeira, o pessoal faz “eu vou na
Brasília” eles não consideram, eles só consideram essa área que era letra e que passou a ser
peixe, por incrível que pareça, mas tudo é Brasília, tirando a Antônio Goes pra lá, né? Às
vezes o pessoal bota, mora no Pina, não é Pina, aqui é Brasília Teimosa. Porque já existia
Colônia no centro, a Colônia era ali no Cabanga, e aí os cara da [não compreensível] houve
um incêndio na Colônia lá, aí eles vieram pra esse trecho agora, onde é a colônia da Z-1,
certo? Aí quando eles também não queria a construção de casa aqui, o pessoal que veio do
êxodo rural da época da seca, né? De Brasília, por causa da fundação de Brasília Teimosa, de
Brasília, do teimosa que é justamente por isso, o pessoal que aqui chegava construíam as
casas, aí o pessoal que era da Colônia junto com a polícia derrubava, não queria nessa área
a presença das pessoas. Aí o Teimosa porque por esse derrubar e construir e derrubar, o
Brasília por causa... E isso aí veio, começou mais por causa da questão da, da questão do
êxodo rural, né? Do êxodo por causa da consequência da seca, né? Aí teve, Coroa dos
passarinhos, teve, vai Areal, e vários nomes daqui, e aqui era pra ser uma área com aqueles
tanques de, que deveria ser, né? Aí o pessoal veio e foi se organizando, mas tinha essa
questão dos que não queria a presença, e disso a questão do derrubar, até que chegou o
ponto que eles não tiveram mais como. Naquela época o pessoal já era batalhador e brigão,
né? Aí foi lá, defendeu, o governador, e teve gente daqui que, Seu Salviano e outros
pescadores que foram de jangada pra, até, né5? No Rio de Janeiro pra poder o direito de...
Essas histórias todas, tem uma história de pessoas guerreiras, uma história bonita que eu digo
sempre que hoje os jovens não tão nem aí, nem sabem dessa grandiosidade. A gente é um
5
Aqui Celeste relembra o episódio acontecido em 1956, no dia em que Juscelino Kubistchek (JK) foi
empossado presidente da república. Um grupo de pescadores da colônia Z-1 de Brasília Teimosa fez uma
viagem aventureira de jangada, do Pina até o Rio de Janeiro, indo ao encontro do presidente e portando um
memorial com as reivindicações da população (BRASÍLIA, 2014).
{ 411 }
bairro que fazia plebiscito pra resolver as coisas, as eleições aqui, a gente tinha projeto,
proposta, cada chapa trazia uma proposta, a gente tinha projeto, a gente teve Teimosia
Verde que foi o plano de arborização que tinha Poraquê do outro lado, ainda temos pés de
acácia, ainda não tem esse trabalho, a gente com dezesseis anos, e é o primeiro bairro, que
com dezesseis anos, o único bairro, a gente tinha direito a votar com dezesseis anos aqui,
foi implantado aqui, direito a voto a partir dos dezesseis anos, em Brasília Teimosa. Eleição
comunitária, os jovens com, a partir dos dezesseis poderia votar, bem além, bem aquém de
qualquer outra coisa, né? Discutia nos plebiscito, é, teatro de rua, teimosinho mais uma, a
gente levava as questões de moradia, de transporte, de tudo através do teatro de rua, porque
ficava numa compreensão melhor pro o povo, o povo compreendia melhor, então, assim, era
politizada tudo na ponta da língua, porque eles tinham conhecimento do movimento, do
que acontecia dentro do bairro, ninguém estava leigo e eu vejo muita gente que fez parte
dessa história vendendo, vendendo quer dizer, se corrompeu, e perdeu a sua referência de
luta, tá entendendo? As pessoas começaram com essas, abarganhamento político e
perderam essa história [Interrupção de terceiros: O poder público tinha medo de Brasília
Teimosa] É, respeito, porque as assembleias acontecia, a gente fazia as comissões, a gente
ia, aí na outra assembleia trazia a resposta dessa comissão, aí se fosse atendido a
solicitação, aí dali se tirava outro posicionamento, então até fazer os movimentos ia pra rua
mesmo, com faixa, com tudo, e ia protestar, e ia buscar os direitos da gente, duvido
nenhum órgão desse público aí não atender. Hoje em dia, pra você poder fazer uma reunião
aqui, o pessoal diz “ah, eu só vou à tarde, porque é meu horário de trabalho”. Antigamente,
CTTU, todos os segmentos políticos de habitação, seja lá o que fosse, eles estavam presente
independentemente do horário de trabalho deles, eles estavam presentes nas reuniões,
eles estava presentes pra fazer a reunião com a comunidade. Hoje não pode ter uma
reunião sobre segurança que está [não compreensível] o pessoal não está indo mais, eu
digo assim essas coisas do faz de conta não serve, sabe? Faz de conta, não serve isso, se a
gente vai fazer, tem que fazer bem feito, aí não, se eu vou discutir segurança, porque como
é que eu boto de duas horas da tarde no meio da semana? Eu não quero ninguém na
discussão da segurança da comunidade, né? E uma questão da segurança, do grupo de
segurança, não é nem pra ninguém ficar sabendo de nada, aquele é grupo aonde se discute,
onde se passa as dificuldades pra que seja mapeada dentro da comunidade, dos assaltos
como aconteceu até aqui, e a policia tomar seu posicionamento, aí a comunidade não deve
saber (...).
[interrupção]
[Celeste] Não. Eu moro em Brasília, né? [não compreensível] Uma casa dessa realidade não é
a de antigamente. Você olha assim, tem três, quatro famílias, assim, ou os filhos morando,
né? Ou os filhos, aqui mesmo eu moro embaixo mas eu tenho dois irmãos que moram em
cima. [Tem] muito, muito quarto, e outras construções irregulares estão acontecendo que a
COMUL deveria estar tomando uma posição diante disso e não está, estar fazendo vista
grossa, porque aqui o acordo é de até três andares, né? Até três andares, mas não me vejo
fora de Brasília não.
{ 412 }
[Celeste] Só triste, pela história dela, que a gente viveu nela, sabe? Pelo povo aguerrido, por
uma história tão bonita que tem, de luta, né? Isso perdeu, sou uma das poucas pessoas que
“arenga”, briga, pula, eu vejo muita omissão, muita omissão, eu vejo muita pessoa com
história de luta aqui e perder por causa de política olhando pro lado de lá, por causa de um
carro, questão financeira, por isso eu sempre estudei pra ser professora e ter o meu
trabalho pra não tá sendo subjugada nem dependendo de ninguém, sendo capacho de
ninguém, é as coisas que não quero. Nessa eleição , você vai, bota uma camisa de uma coisa
que não é o teu ideal, você tem que defender. (...) O homem tem vergonha de ser honesto,
espero nunca ter que chegar a isso não, tem que ser honesto.
[Pesquisadora] (...) E, o que mais lhe agrada em morar aqui em Brasília Teimosa, e quais são
os pontos negativos e positivos?
[Celeste] A localização, essa orla, essa praia do Buraco da Véia que é um sucesso, a gente tem
tanta história, esses canhão aqui dos holandeses, só que tiraram, tem a piscina do canhão,
né? A gente chama piscina porque era um aglomerado de arrecife de pedra, formava um
retângulo e perto dela tinha um canhão que era da época dos holandeses, mas retiraram de
lá, e lá perto da segunda porta da barra também existia um outro canhão ainda dessa época,
e essa divisão, você olha de um lado tem um mar, você olha do outro, tem a maré, essa
vista assim, e a gente era um bairro tranquilo, pacífico, e hoje tem a história de luta, de
aguerridos que éramos, né? Nós estávamos à frente, você votar com 16 anos, tínhamos que
fazer plebiscito...
[Pesquisadora] Pioneirismo?
[celeste] Pioneirismo, fazia plebiscito pra decidir as coisas na comunidade. Tinha essa questão
da politização do povo, (...) agora pouco teve espetáculo “Daqui não Saio, Daqui Ninguém me
Tira”, no Barreto Júnior, de Mika, né? Ele me pediu pra passar, mas eu não tive como ir, deu
o convite, mas eu não tive como ir.
[Celeste] É do pessoal do Deveras, Mika, ele é da Secretaria de Cultura agora, mais ele é
daqui do bairro, e ele tem essa ONG “Daqui não Saio, Daqui ninguém me Tira”, que é
justamente essa história de Brasília Teimosa desde o seu começo até... (...) A gente era um
bairro cheio de cultura, muita gente, muito artista, tanto na da área de teatro, é uma coisa
muito, né? [Interrupção da pesquisadora: era a arte ligada à luta?], Arte, muita arte, arte de
modo em geral, tanto na parte de dança, a gente, temos o Maracatu Nação Erê, né? Que é o
primeiro maracatu infantil, né? Dado, né? No Conselho de Moradores, tivemos como
referência, o primeiro conselho da América Latina, que foi referência para varias fundações
de outros conselhos, a gente tem uma história, as pessoas né? As pessoas não, é o bairro
que tem mais escolas públicas, acho que é seis ou sete, é, e é assim essa coisa que apaixona
a gente, agora o bairro cresceu, quase a gente não encontra as pessoas de idade, quase a
gente não encontra tanto as pessoas da época, né? Que preserva isso, né? Hoje até que a
gente tem, as falsas liderança aqui na comunidade, né? A questão do péssimo transporte
daqui até o cento da cidade, né? E a gente paga a passagem mais cara e é péssimo o
atendimento de transporte aqui dentro, né? A segurança aqui desandou, aqui em Brasília
teimosa você andava em qualquer dia e em qualquer hora dentro do bairro, hoje você não
tem esse respeito, nem os bandido daqui, que não deixava ninguém mexer com a gente, e
{ 413 }
daqui, hoje não tem, por causa dessa bandalheira toda, num é? É, fui professora, conheço
bem muito a comunidade, trabalhei com pré-escola, todas as faixa etárias, num é isso, fiz. A
gente fez parte da construção desse bairro e é a gente tem as mazelas, né? As promessas
que deveria ter sido diferente, né? A promessa deveria trazer bem estar, saúde, educação,
não é isso? Conhecimento, esclarecimento, a gente vive tanto em meio de informação de
comunicação, que eu nunca vi tanta má informação, porque as pessoas são muito mal
informada (...).
[interrupção]
[Pesquisadora] Você acha que Brasília Teimosa poderia ser construída em alguma outra
parte da cidade?
[Celeste] Não, até pela história dela, pela questão do êxodo, né? Por esse espaço existir, por
as pessoas terem vindo já por uma questão de necessidade, já naquela época, né? De
habitação, da questão da seca, né? Brasília tinha que ser aqui, esse local que ninguém queria,
que era cheio de bicho de pé, de cangaço, de areia fofa, você se emperrando... Hoje o pessoal
de poder aquisitivo, das construtoras, diz que aqui não é lugar pra pessoal pobre, é lugar de
gente rico, não é pra a gente ficar aqui, nem estar aqui. Mas quando a necessidade campeava
aqui dentro, né?! O Seu Biu Carneiro, quem olhava pra gente, vinha de carroça com água, o
carro pipa pra dar água pra gente, ele foi um dos únicos políticos que de verdade teve
importância grande dentro da comunidade, porque ele trazia o carro pipa pra dar água pra
comunidade, água pra gente. (...) O galão, você pegava uma lata de você despachar, pra
gente esperar chegar a água, não tinha nada das cacimbas, que hoje o pessoal faz tudo
cacimbas, né? Que depois vieram os poços, que a gente vivia de lavar roupa, né? De tudo,
só comprava água pra tomar água. Mas era uma história muito bonita. A rua enchia d’água,
mesmo assim não deixava de ter as cadeirinhas, botava tijolo, botava zinco, e fazia a fogueira
pra você olhar a rua cheia d’água, chei de fogueira acessa. A alegria do povo, da festa, do
carnaval, cheio de reverência, a gente tinha um bloco, que era do conselho ele, era o Calada
Nada, uma boca com a língua deste tamanho [gesticulando] que era a questão do povo de
não se calar, tinha estandarte, a questão da gente não se calar, calada nada, a gente era
guerreiro, de cantar, de fazer as músicas, do iate que tentou tomar. Quando soube passaram
um muro na Praia do Buraco, pra fazer uma praia particular e a gente disse não, o Muro da
Vergonha, e a gente foi e derrubou o muro. Mesmo assim ele se apossou, porque aquela
área todinha do Iate era da praia, da terra nova, que era outra área que ficava do lado de lá
onde o pessoal pescava, a gente chamava de terra nova, e é isso, né? Com o tempo, ainda
hoje, eles descaracterizavam isso aí, agora é zona ZEIS, porque agora o bairro é interessante,
mas na época não era interessante, depois das conquistas, né? Todas as precariedades...
[Pesquisadora] E se por acaso, a Brasília fosse deslocada pra outra parte da cidade, o que
aconteceria, e o que você faria?
[Celeste] Eu não vejo Brasília fora daqui, não tem outro lugar que caiba Brasília. Não tem
outro lugar com as coisas todas que Brasília tem, que caiba Brasília, ou que Brasília pudesse
levar toda essas coisas pra qualquer outro lugar. Nenhuma área, nenhum lugar que se pareça
com Brasília ou que coubesse Brasília dentro. Nem o tamanho da sua história, porque não
caberia o tamanho da história de Brasília.
{ 414 }
[interrupção]
[Pesquisadora] Você sente que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e com o
rio?
[Celeste] A se tem! Sobre essa divisão aí, essa pista, que chama pista da Cobrálica, né? Que
agora, que tinha umas fotos, dela assim, bem batido mesmo, não tinha mureta, não tinha
nada, você passava por ela e nem via nada, claramente mar do lado, sem nada, sem
obstáculo, só as pedra jogada, não tinha nem o Iate, só as pedra jogada, e o caminho feito,
né? Aí você não tinha mureta, não tinha nada, tinha o mar de um lado, e nisso, uma maré
maravilhosa o outro lado, aquilo ali não tinha mureta, não tinha nada, a piscina do seixo, que
era uma piscinazinha que tinha do outro lado, só cheia de seixinho, já era dela mesmo, já
era [não compreensível].
[Pesquisadora] O que a senhora acha que o rio hoje (...) representa pra o morador de
Brasília Teimosa (...)?
[Celeste] Sobrevivência, a maré, né? Da maré, porque é a junção do mar com o rio, né? A
maré é a sobrevivência daquele que vive de pesca, [não compreensível] muita gente ainda
sobrevive de pesca, muitas pessoas, né? O mar também com a questão da pesca, né? O
pessoal saia na época de jangada, né, no mar afora, naquelas jangadas se arriscando, né?
Então ele tem uma história de sobrevivência pra esse povo, com Brasília Teimosa. O lazer
também, né? E assim, a gente olha assim, a gente vê a grandeza do mar, olha por lado, olha a
serenidade da maré, né? São dois momentos distintos, você tem ponte, a gente não tinha
ponte. A gente andava de bote, a gente atravessava pro outro lado, a gente ia pro mercado
fazer compra, a gente ia pra cidade, a gente ia de “baitera6”, pagava né? A gente descia lá,
fazia as compra, e os transportes da gente era as “baitera”. É que hoje você vai para o
Recife Antigo, mas antes era o transporte que a gente tinha aqui era “baitera”. Era tão
interessante. Ai eu lembro que eu morava na Rua “D”, onde é a Vila da Prata hoje, chamava
Campo do Revolver. Era um campo de Areia cheio de avelós (...). E naquela época, quando a
gente vinha pra cá, pra casa de mãe, a gente, da casa onde a gente estava, a gente via as
proas. As proas era uma faixa de terra que secava onde tinha os batelões, né, aqueles navios
grandes que tava afundado, que ficou lá, né, tinha os destroços dele e daqui a gente via. E
eu achava engraçado que a gente fazia assim [gesticulando], e quem tava lá nas proas,
acenava, né? Já era alguém lá de casa que tava lá e a gente conseguia se comunicar, né,
com essa... Agora é do jeito que tá aí. É o preço do progresso, é tudo desorganizado, dão a
liberdade, mas sem a responsabilidade, torna-se libertinagem, né? O progresso sem
objetivo deixa de ser progresso. É uma desordem! É muita saudade, gente! A gente fica feliz
em saber que existia.
[Celeste] Do jeito que vai, eu não sei se ela vai estar aqui, descaracterizada vai estar, né? A
gente tem essa questão, o pessoal acha que não, o prefeito diz que não, não sei quem diz que
não, mas assim, mesmo com essa questão da condição de ZEIS, hoje é muito grande as
6
“Baitera” é o nome que os moradores dão para pequenos barcos a remo usados por pescadores e
marisqueiros da comunidade.
{ 415 }
construtoras aqui dentro. A questão da documentação da terra, a terra diz que não pode
dar, porque... Há uma contradição muito grande, com essa questão da posse, a gente tem o
direito à moradia, né? E nesse interim, o pessoal não tem feito, por ser a maior ZEIS, por ser
a primeira ZEIS, por ela ter características, totalmente diferente das outras ZEIS que surgiram
após ela, existe uma dificuldade muito grande de ordenamento de documentação, a gente
tem um documento dado por Gustavo Krause aonde dois mil e pouco ele registrou em
cartório e as outras pessoas receberam, mas não foi registrado em cartório, aí depois
vieram com um tal de CDRU, que era pra dar concessão de cinquenta anos de moradia [não
compreensível], cheio de restrições do CDRU que foi copiado do federal, a prefeitura copiou
do federal fazendo umas mudanças que tirava direitos do federal, que dava mais coisas,
mais condições, e que a prefeitura fez, aí fez um engendramento que não tinha sentido, que
a gente morava aqui há cinquenta anos, pra quê concessão de cinquenta anos pra uma
pessoa com direito de renovar se ela já está aqui há mais de cinquenta anos? Aí eu acho que
trinta e cinco pessoas, foi muito esclarecido, (...) eu creio que aqui na Brasília tenha uns
trinta em cinco CDRU’s. Aí, depois, vieram de novo com (...) o CUEM, o CUEM já limitava,
né? (...) Então a gente teve um embate muito grande (...). Essa história de cadastrar isso
aqui, já foi feito no governo de João Paulo, aí vem, coloca as plaquinhas na sua casa, aí
chama pra entregar, e nem eles mesmo sabem o que eles estão fazendo. Aí os daqui
começaram a fazer isto, pegaram os documentos de alguns nesse período agora e deixaram
tudo pra lá de novo. Qual é a sugestão? Aí tinha uma sugestão, por que não revalida todos
os títulos que Gustavo Krause, deu? (...) Por que não pega e legaliza esses outros
documentos da época de Gustavo Krause que não foram registrados em cartório? Então, o
que é que a gente sabe? Que essas pessoas que têm esses documento, mas não o carimbo
atrás de registro, poderia se dirigir ao cartório para fazer o registro sem ônus porque é uma
zona ZEIS. Mas o que acontece, essas informações, as pessoas não passaram pra população
(...). Era pra garantir o direito de moradia de seu bairro, só pra moradia, sem especulação,
sem nada, o pessoal que assumiu a COMUL não levou mais nada adiante, que é uma
discussão que a gente tava fazendo com o prefeito, trazendo com o PREZEIS, o pessoal do
PREZEIS, e o pessoal da COMUL. Aí havia uma discussão de que vamos trabalhar por quadra,
a gente chama uns amigos da advocacia, os moradores voluntários (...). Era pra ver cada
casa em cada quadra quem tinha esse documento registrado, quem é que não tem esse
documento, quem é que pode ser registrado, estudar cada caso. Por que é estudar cada
caso? Por que a realidade de hoje não é a realidade de antigamente. Ali mesmo fez uma
casa, aonde tem uma família, duas, três, quatro. A casa era do senhor que já faleceu, mas na
parte da frente tem mais não sei quantos [não compreensível], aí um pedacinho foi dado á
um filho, que ele registrou como dele, que não era dele, aí tem outro pedacinho que foi
dado a uma filha, e um filho dessa filha já fez um outro pedaço atrás, quando a prefeitura
passou cadastrou era separado, cada uma separado. Aí, isso já é um porém, né? Isso já é
outra história que tem que sentar pra discutir.
[Celeste] Brasília, Brasília faz parte da minha história de vida, da minha família, minha irmã
que nasceu aqui, há cinquenta e quatro anos, né? Da formação dos meus sobrinhos, né?
Morando aqui, meus sobrinhos-netos, a gente tem toda nossa história da família
fundamentada dentro de Brasília Teimosa. História, de luta mesmo, a gente é de uma época
em que a gente participou de todo processo de reivindicação, de luta desse bairro, dessa
{ 416 }
questão da orla, dessa questão da documentação da terra, né? Da moradia e tantas e tantas
de outras, essa questão de imobiliária, a luta pela questão do transporte, de saneamento
que corresponde aos moradores de Brasília Teimosa. Porque a gente tem um péssimo
atendimento no que diz respeito a transporte, o saneamento de Brasília, Brasília fede. O
saneamento básico que era pra dar qualidade de vida ao povo, à comunidade, porque foi
um projeto mal feito, mal executado, o próprio técnico teve uma vez aqui e disse que tava
tudo errado, então Brasília em vez de melhorar, uma estação de tratamento dentro do
bairro, o pessoal é que tem que ligar quando tá cheio, as muriçoca só falta carregar o
pessoal da redondeza. O saneamento básico de cem por cento, quando a gente é uma área
ZEIS, e nas áreas ZEIS tem um atenuante, né, a gente paga cem por cento de saneamento
básico pra um serviço que não é um serviço de qualidade, né? Que estoura, que não tem
um escoamento devido. Então, Brasília é um lugar onde eu vim morar, por uma questão de
saúde da família, de mãe, Brasília é o lugar onde meus sobrinhos, meus irmãos cresceram,
onde minha irmã nasceu, é o lugar onde meus sobrinhos cresceram, e acompanharam essa
história do bairro. Brasília é um lugar maravilhoso de se morar, um lugar lindo, com uma
orla... Pena que a gente não tenha tido o trabalho de prolongamento de Boa Viagem, que o
projeto que seria esse, né isso? Infelizmente tem o povo mal educado, que a gente tem a
coleta de lixo, mas que eles não cuidam, eles sujam demais o bairro, demais a orla, né isso,
que pudia ser bem melhor. Brasília é um bom lugar de se morar, aqui a gente tem de tudo a
nível de comércio, a gente tem muita gente que vem fazer compra aqui, o que você procurar
a nível de carne, de médico, dentista, tudo o que você precisa você encontra aqui dentro.
Mas Brasília, também, agora paga o preço do progresso, a gente paga também esse preço
com a superpopulação, Brasília, que há algum tempo atrás tinha uma faixa de vinte e cinco
mil habitantes, o IBGE diz que a gente tem dezoito, dezenove mil, mas a gente calcula uma
faixa de trinta e cinco mil habitantes em Brasília Teimosa. Um bairro que foi fundado já com o
olhar no futuro, porque aqui a gente já tinha o voto aos dezesseis anos, a gente já fazia
plebiscito pra discutir as questões, a gente tinha eleições de conselho aonde a gente tinha
proposta, tinha projeto pra dentro da comunidade... E... A Brasília é maravilhosa! Todo
mundo quer morar em Brasília.
Outras Observações:
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{ 418 }
{ 419 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – PESCADORES E MARISQUEIROS - Nº 1
[Edileuza] Ele fez uma casa aqui pra morar, essa casa não é minha não, eu não posso pagar
aluguel em outro lugar. [Interrupção da pesquisadora: tem a questão de trabalho também,
né?] É, porque aqui é muito bom de viver, né? Tem a maré, pra gente viver, né? Também, né?
Porque a gente ganha muito pouquinho pra dá, tem a maré também.
(...)
[Pesquisadora] O que mais lhe agrada em morar aqui em Brasília Teimosa? E o que a
senhora acha que é positivo e o que é negativo?
[Edileuza] Eu acho um bairro muito bom, tem pouca violência, antigamente tinha mais e o
que é o que todo lugar tem, eu gosto mais do Rio Capibaribe, que é minha vida. O Rio
Capibaribe é minha vida, é minha história, é meu amor, é tudo o Rio Capibaribe significa pra
mim, é um ganha pão, né? É uma alegria, uma felicidade que eu sinto muito de tá nesse Rio
Capibaribe, pena que ele é muito sujo, eu não posso tomar banho nele, que eu só, se eu
{ 420 }
pudesse eu pagava pra um monte de pescadores e marisqueira pra poder a limpar, porque
tá muito sujo, ele tá precisando, né? (...) O rio tem o meio ambiente tão bonito, pra gente ele
é tudo na minha vida nesse Rio Capibaribe. Porque eu criei meus filhos e eduquei, criei
mesmo no colégio do governo, mas, né? E ele é tudo, quando eu tô devendo qualquer coisa,
pego a “baitera” e vou mim bora lá pro shopping Tacaruna, depois vou pra lá no governo, vou
mim bora, lá mergulho, já peguei ostra até de novecentas gramas, tem aqui, também tem,
aí pego ostra, aí pego marisco, pego sururu, pego siri, venho mim bora, dô ao vizinho, tiro pra
vender e vou comprar as coisas e vou comprar o remédio e assim. Eu não queria nunca
abandonar esse Rio Capibaribe. E as pessoas também são muito boas pra mim, porque eu
sei receber as pessoas, eu sei dar amor, eu sei dar carinho as pessoas, tá entendendo? Aí
ninguém é ruim pra mim. Qualquer lugar pra chegar, eu vivo, eu sei viver.
[Edileuza] Eu queria mais saúde, violência, droga, né? (...) Violência em cima de violência,
esse homem que entrou agora, tá acabando com todo mundo, quer tirar INSS, não quer que
a pessoa trabalhe mais e é muita coisa que tá acontecendo que você endoida, não sabe pra
que lado você vai. Todo mundo roubando, não precisa roubar o outro. Quando os pobre vai
roubar, aí cadeia, né (...)? Os conselheiros daqui é muito bom pra mim, é tudo bom pra mim
o pessoal daqui, eu não vou mentir, não tem nada ruim pra mim, o que tá rim é só tá saúde,
só saúde. Vou dizer que vou falar a você que os conselheiro é rim, o corporativo é rim, eles
são tudo bom pra mim, todos são ótimos, tá entendendo? Então é isso. É saber viver, né?
Pergunte mais alguma coisa.
[Pesquisadora] A senhora acha que Brasília Teimosa podia ser construída em algum outro
lugar?
[Edileuza] Não, quer acabar com a gente? Não é você não, é os superiores, os que se acham.
[Edileuza] Porque Brasília não pode acabar, porque Brasília Teimosa é Brasília Teimosa. É a
mais histórica do mundo, do Brasil, de Pernambuco.
[Pesquisadora] E a senhora acha que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar?
[Edileuza] Sim.
[Edileuza] Porque é natureza já. O mar quer acabar, mas nem o mar vai acabar porque Deus
não vai deixar, nem o mar vai acabar porque Deus não vai deixar. Brasília Teimosa se chama
Ilha de Deus, é como a ilha de Deus lá, né? Brasília Teimosa pra mim se chama ilha de Deus.
[Pesquisadora] E a senhora acha, vendo isso, que o mar tem uma relação com a
comunidade? O que a senhora acha que o mar representa pras pessoas, o mar e o rio?
[Edileuza] É muita coisa boa, muita felicidade. É bom, até comida. O mar traz comida, o mar
traz felicidade, o mar é saúde, o mar é tudo. Veja que onda bonita, você pode tá com a maior
{ 421 }
raiva do mundo, com a maior tristeza, como eu fico aqui, sem poder ajudar o próximo, eu vou
pra beira do mar, ou pra beira do rio, se eu passar dez minutos eu venho maravi...oxe! Parece
que eu boei, só basta você olhar pro mar, teja aperreada e olhe pro mar, quando quiser
passar nas provas, vá no mar, ou se você for evangélica, você ora, se você for católica você
reza, pra você vê se não vai lhe ajudar. Se não fosse a violência e a droga ia ser riquíssimo
(...).
[Edileuza] Eu não vou tá mais viva (...). Eu vou ver Brasília Teimosa mais bonita, né? Mais pra
frente, né? Vai ser uma, eu queria que ela fosse uma cidade e tivesse um hospital, ou se
não, uma UPA, que melhorasse saúde, melhorasse saúde, porque saúde é tudo na vida. Se
você tem muito médico e não tem remédio, tem muito médico, tem muito médico, mas não
tem remédio. Porque eu não vou dizer que os médicos são ruim, pra mim não, pra mim eu
não encontro nada ruim (...).
[Pesquisadora] E em relação a esse pessoal que quer tirar Brasília Teimosa daqui, o que a
senhora percebe daqui a dez anos?
[Edileuza] O olho grande que ele tem, mas ele vai tirar não, dinheiro não compra nada não,
o dinheiro não compra felicidade, o dinheiro só traz ambição, tá entendendo?
(...)
[Edileuza] Muita coisa, menina, significa o paraíso, Brasília é minha vida, Brasília é meu amor,
Brasília é tudo. Eu quero fazer parte há muito tempo dessa história. Brasília do meu coração!
Então eu não tenho nada a reclamar, se eu tivesse uma ajuda, partilhar uma “baitera”, um
motor, aí eu ficaria mais feliz, ia me ajudar mais.
Outras Observações:
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PAISAGEM TEIMOSA
{ 422 }
ENTREVISTA – PESCADORES E MARISQUEIROS - Nº 2
[Severino] Moro.
[Severino] 48 anos, sou nascido e criado aqui. Sou nascido aqui do tempo do barro, do
tempo que a gente carregava água no galão, chafariz.
[Severino] Eu moro aqui porque a gente já é nativo aqui mesmo, eu sou nativo e não
pretendo sair daqui mais pra canto nenhum. Porque eu vivo da pesca, a pesca é meu sustento
do dia-a-dia, aí, se eu sair daqui pra outro canto, não vou ter o privilégio que tenho aqui, né?
Eu não vou me adaptar, e aqui a gente ainda pesca e em muito canto nem trabalho tem pra
viver, né? E aqui vou morrer, nasci aqui, aqui mesmo, só daqui pra Santo Amaro.
[Pesquisadora] (...) Pronto, então você nunca pensou em morar em outro lugar?
[Severino] Isso.
[Pesquisadora] O que é que mais agrada você em morar aqui em Brasília Teimosa? Quais
são os pontos positivos e os negativos?
[Severino] Agrada, os positivos, vale a pena investir nos positivos, e os negativos a gente faz
vista grossa, e faz de conta que não viu, não mexendo comigo, ai pode fazer o que quiser.
{ 423 }
(...)
[Severino] Eu não tenho nada o que falar, pra mim tudo é ótimo, que eu moro aqui 48 anos e
ninguém nunca mexeu comigo, né? Então não tenho nada que reclamar, sabe? Tem
algumas falha, mas falha todo mundo tem, aliás, o mundo todo tá cheio de falha, a gente
não pode discriminar ninguém, não pode reclamar de um pelo benefício de outro (...).
[Pesquisadora] (...) Em relação à Brasília Teimosa, você acha que Brasília Teimosa poderia
ter sido construída em outro lugar da cidade?
[Severino] Olhe, vou ser bem sincero. Pra mim, não, porque se fosse construir em outro lugar,
hoje eu não tava aqui, né, nem você também tava aqui, né. Você tá aqui porque existe
Brasília Teimosa, se Brasília Teimosa fosse em outro lugar, você não tava nem aqui. Tem
canto aqui, ó, vocês anda isso aqui tudinho, ninguém mexeu com você, mas tem canto no
Coque que se você entrar, você, talvez nem com a bolsa você saia, sua sandália, seu sapato,
capaz de sair até descalço de lá. Afogados, Coelhos, aqui não, aqui você anda essa área aqui
todinha e ninguém vai mexer com você. Você vai passar por meio de favela, por meio de
boca, vai olhar você, vai admirar, (...) a única coisa que vai acontecer com você é assim, mas
dizer assim, que vai chegar, vai roubar você a aqui dentro, é mentira.
[Pesquisadora] (...) E se por acaso, Brasília Teimosa, hoje, assim, fosse deslocada pra outro
lugar?
[Severino] Aí vai prejudicar muita gente aqui, principalmente pescador, porque aqui a gente,
Brasília Teimosa, é construída em cima dos pescador, isso aqui existe hoje através dos
pescadores, isso aqui é uma ilha ilhada de pescador, tanto é que existe a colônia Z-1 do Pina,
primeira associação do mundo é a Z-1 do Pina, é aquela primeira de lá. Isso aqui é a
associação, lá é a colônia, tendeu? Lá é a que tá todas as comunicação de Brasília Teimosa,
Brasília Teimosa existe por causa daquela colônia, aí de repente, começou a crescer,
começou virar, assim, ter líder comunitário, é, outra associação, aí, adiantando coisa,
médico, posto, creche, colégio, aí envolveu a associação pra trazer isso aqui pra dentro. Mas
sobre outras coisa, não tenho nada de reclamar de Brasília Teimosa, e eu sou muito
gratificado de existir aqui, porque quem entra aqui não quer sair.
[Pesquisadora] (...) E você sente que Brasília Teimosa tá, assim... Algumas coisas você já
respondeu, indiretamente, mas vou perguntar mais diretamente... Você acha que Brasília
Teimosa tem uma relação forte com o mar e com o rio?
[Severino] Não, não porque é muita gente. Não é que Brasília Teimosa não tenha, certo,
Brasília Teimosa tem, a gente cuida, mas só, é que esse rio aqui, esse rio aqui é um rio rico,
ele torna rico e torna o rio morto, ele é vivo esse rio aí, mas por quê? Não que a gente suje
ele, as indústria, o shopping suja, prédio, aqueles prédio novo, aqueles mangue que tem lá,
indústria suja, Boa Viagem o rio suja, tudo suja esse rio, porque a poluição só entra dentro
dele, e é um rio que [não compreensível]. (...) É porque a maré tá aqui ó, aqui tem esse rio,
{ 424 }
aqui dá sustento pra mais de 3 mil pescador dentro aqui, que pega aqui marisco, sururu, é
siri, unha de véio, é camarão, é peixe, tudo isso aqui o rio tem, agora devia ser melhor se
nossos órgãos competente olhassem e concentrasse a população que não poluísse o rio,
agora só que os rico só pensa neles, não pensa, a gente pensa no rio, mas ele não pensa.
[Severino] Não atinge. A gente não atinge o rio não, porque a gente, pronto, vamo supor, a
gente tem um coisa básico da gente, a cisterna da gente, o básico, pra não botar poluição
sobre, assim, resíduo, sobre nosso mesmo, em casa, no dia-a-dia, pra não colocar bagagem,
eu mesmo tenho meu reservatório em casa, se encher, eu vou e chamo o carro e o carro
vai, mas o rico não tem, o rico é dentro da maré, a cisterna do rico é a maré. É que nem
aquilo alí, ó [apontando para o Cais José Estelita], aquilo ali existia uns tonel ali, ali se chamava
o melaço, ali era muita carreta, ali ainda, ainda tem uns tonel, tá vendo, ali tem uns tonel ali,
ali era no melaço, tá certo? Aquilo ali, veja só, aquilo ali, o certo aquilo ali é da gente que é
pescador, ali é mangue, agora você vê que você fez, né, vê o dos outros, tomaram o da gente
pra fazer benefício pros rico, quer dizer, querem fazer ali, quer, vai ficar bonito, vai, pra eles,
pra gente não, porque vai chegar tempo que pescador não passa ali, a região vai ser área
fechada pra rico. Como é que o pescador, eu, eu sou nativo daqui, tô vendo aquilo ali todo
dia, passo ali todo dia, mas não passo ali daqui a 20 ano? Se eu tiver vivo daqui há 20 ano, 10
ano, eu não passo mais aqui, que nem meu filho, meu neto, não vai passar ali, quem vai
passar ali é só rico. O que é que ele quer fazer ali? Quer fazer prédio, quer fazer benefício pra
ele, loja, agora, quer fazer, agora, a poluição dali vai pra onde? Vai toda pra dentro do rio,
quer dizer, quem acaba, quem tá acabando com a natureza não é a gente, quem acaba com
a natureza é o rico. Você estuda pra proteger a natureza, enquanto você tá estudando pra
proteger a natureza, o rico tá pensando em destruir ele, né verdade? Porque veja só, de
primeiro, olhe, a gente, pra você ter o carro, você tem que ter uma garagem, você pega um
carro, você deixa no meio da rua. O rico, a indústria, ela acaba com você, ela tira você da sua
casa aqui pra fazer avenida pra passar carro. Quer dizer, ela acaba com todos os tipo de
plantação, tira você do lugar que você é nativo dali, criado e nascido ali, perdeu sua vaga pra
passar área industrial, é uma coisa que não existe. Tá tomando uma coisa que é sua pra botar
carro. Quer dizer, beneficia você? Não, beneficia a indústria. Quem vai ganhar dinheiro é
quem? A indústria. E você perdeu seu lugar que você morava há tantos ano, que você dizia
assim “daqui eu não saio, daqui eu não saio, daqui eu não saio”, e o rapaz veio, veio a
prefeitura, veio o rico, tirou você dali, [dizendo] vou pagar, compro o que eu quero, e tira
você e pronto, pra fazer o quê? Área de carro.
(...)
[interrupção]
[Severino] (...) não tem outra atividade, só sei viver da pesca. Ai você leva pra trabalhar numa
indústria, não sei trabalhar na indústria. Você aqui, chega, manda eu fazer uma rede pra você,
a gente faz uma rede pra você (...), vai fazer uma embarcação, eu faço um barco pra você, aí
chega na indústria, vou trabalhar de, é, ajudante, ajudante é ser o quê? Varrer o chão, aí tem
hora pra chegar, tem hora pra largar, é, receber ordem. Salário, não existe salário, você
recebe num mês, no outro a firma não paga, e aqui a gente “veve”, tem dia que a gente
ganha, “veve” bem, tem dia que a gente não ganha, mas “veve” bem também (...).
{ 425 }
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) Em relação a essa questão do mar, é, o que você acha que o mar
representa pra Brasília Teimosa? E o rio? Em relação ao morador de Brasília Teimosa.
[Severino] Tudo, esse rio aqui é tudo pra gente, sem esse rio aqui a gente não “veve”, no que
Brasília Teimosa tá aqui dentro, quem “veve” da pesca aqui, você contar aqui, tem muito mais
pescadora de marisco e sururu de que próprio trabalhador de indústria, isso aí, quer dizer,
que se acabar esse rio aqui, acabou Brasília Teimosa, acabou, acabou, isso aqui é pai e mãe de
Brasília Teimosa, eu amo isso aqui, isso aqui, pai e mãe.
[Pesquisadora] E o mar?
[Severino] O mar, não tem nem palavra. Se o mar acabar, acabou-se tudo pra gente, acaba
tudo, se o mar acabar, acaba tudo. (...) Tirou o mar da gente, a gente, “ói”, tirou o mar do
pescador, o pescador ficou cego, aleijado e cotó, é porque é onde a gente, vocês, só eu, a
gente pescador, só enxerga o que? O mar. O pescador só enxerga o mar. A vida do pescador é
o mar, quer dizer, tira o mar da gente, a gente ficou cego, aleijado e cotó, é, porque a gente
vai andar pra onde? Vai trabalhar, que a gente tem mão pra trabalhar, mas vai trabalhar
com o que? Tira o mar da gente, a gente vai ficar [não compreensível], vai trabalhar na
indústria cego, (...), nós vê, mas não sabe a atividade que a gente tá fazendo. Tira o mar da
gente, acabou tudo. Esse barco ai, esse barco é 20 dias de mar, esse barco aí ó. Aí tem aí,
“ói” [apontando], cinco pescador, tudo vai deixar suas família em terra atrás do ganha-pão,
vai vim ai 20 dia de mar (...).
[interrupção]
[Severino] Se eu tiver vivo, veja só, se eu tiver vivo, se Jesus permitir que eu teja vivo, que a
gente não sabe o dia de amanhã, né?! Pode ser melhor e pode ser pior, porque brevemente
vocês aqui, vocês vão perguntar daqui a 10 ano, você acha que daqui a 10 anos... (...) Eu
tenho 48 [anos], daqui que venha 10 ano, eu tô com 58 ano (...). Você acha que daqui a 10
ano você vai tá fazendo essa entrevista com eu aqui?
[Severino] Sabe por quê? Porque eu vou dizer a você, já tem gente querendo botar a gente
pra fora daqui. Os rico já querem botar a gente pra fora daqui. Os rico, já tem gente, Paes
Mendonça mesmo já tá de olho aqui dentro. Paes Mendonça nunca veio pra carnaval de
pobre, veio praqui brincar carnaval aqui só pra olhar o que é que tem aqui pra ver, e chegar,
dizer “eu quero essa casa aqui, eu quero aquela casa ali, bota pra fora e pronto”. O hômi
tem dinheiro. Aí daqui a 10 ano você vai tá fazendo essa entrevista comigo aqui, se eu tiver
vivo, eu faço ainda essa entrevista com você, agora, não aqui mais. Que daqui a 10 anos isso
aqui não existe.
{ 426 }
[Severino] Nada, não existe nada. Daqui a 10 ano já vai ter prédio aqui grande. (...) O ideal é
que as pessoa não vendesse. Mas, “ói”, eu moro aqui faz muitos ano, essa zona aqui era
tudo palafita (...). Num veio um presidente no mundo olhar pra Brasília Teimosa, o único
presidente ladrão que, que dizem que é ladrão, que fez pelo nordeste todinho foi Lula, ele
fez. [Dizem] “Não, porque ele roubou”, ele roubou mas ele fez pro nordeste. Agora ninguém
olha o que ele fez não, ninguém tá olhando o que ele fez não, tão olhando o que ele
roubou. (...) Quem é que tá roubando ai? Você ver, Michel Temer com Dilma, ele não
roubou não? Roubou, tá na presidência acabando com o que a gente tem, tá tirando todo o
dinheiro da gente. Quer dizer, um homem daquele tá no governo, tá no poder, né? Lula,
que não fez nada, pra quê prender ele, Lula. Não prenderam Lula ainda porque tão
tentando botar ele, mas não tem prova. Se ele vinher, eu voto nele, eu voto nele. Se ele
ganhar, isso aqui ainda, se ele ganhar, ainda tem chance de Brasília Teimosa resistir, mas se
ele não ganhar, pode dizer que daqui a 10 ano isso aqui não existe mais não, existe nada.
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) O que é que Brasília Teimosa significa pra você? O que ela representa
pra você?
[Severino] A vida, representa minha vida. A minha vida, a vida dos meu companheiro e todos
os morador daqui, né, é a vida da gente, que quem sair daqui, morre. Quem sair daqui, morre,
porque não tem como viver não, aqui a gente “veve”, a gente não vegeta não, a gente “veve”,
se sair daqui a gente não vai viver não, a gente vai vegetar (...). Quem sai de Brasília Teimosa
se arrepende até hoje, quer morar, quer voltar e não tem condições pra vim pra cá mais.
Quem sai [diz] “não, porque eu peguei um dinheiro bom”, pegou mas tudinho um dia vai se
acabar, tudinho vai se acabar. Tu vai querer voltar pra cá, vai ter condição não, mas nós vai
fazer o que, vai morrer lá, (...), a gente não morre não, aqui (...) a gente não vegeta não,
aqui a gente “veve”, lá vai morrer vegetando. A gente “veve”.
[interrupção]
Outras Observações:
Ao que Dentinho se refere como indústria, na maioria dos momentos pode ser lido como
mercado imobiliário.
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – PESCADORES E MARISQUEIROS - Nº 3
{ 427 }
Nome: Maurício Francisco do Nascimento (Soldado)
Idade: 57 anos
Profissão: Pescador
Tempo de Moradia na Comunidade: 49 anos
Local de Moradia: Vila da Prata
Data/local da Entrevista: 04/05/2017 – Associação de Pescadores de Brasília Teimosa (Vila
da Prata)
[Pesquisadora] Por qual motivo você veio morar aqui em Brasília Teimosa?
[Maurício] É porque aqui é um bairro que a gente tem liberdade, aqui nós temos muita
liberdade, vivemos mais da pesca que é o sustento de todos os pais de família daqui.
[Pesquisadora] Aí você veio criança, né? Aí você veio com seus pais?
[Maurício] Sim
[Maurício] Eles achou que aqui era mais, tem mais liberdade, tem mais campo de trabalho
pra eles.
[Maurício] Porque se eu sair daqui, eu não vou ter a liberdade que eu tenho aqui, né? Iria
ter que começar tudo novamente.
[Maurício] Liberdade pra pesca, liberdade pra andar toda hora da noite sem ter receio de
ser atacado, de nada.
[Pesquisadora] (...) E o que é que mais te agrada em morar aqui em Brasília Teimosa? E
quais são os pontos positivos e negativos?
[Maurício] Olhe, aqui os pontos positivos é porque todo pai de família gosta daqui e sabe
que aqui não vai lhe acontecer nada de mal, a não ser que eles mesmos procurem, né? E o
negativo é alguém que chega de fora pra querer assaltar aqui no bairro. Mas mesmo assim,
agora tá acabando com isso aqui, tá voltando à tranquilidade de novo.
[Pesquisadora] (...) E tem mais alguma coisa, assim, que você goste ou que você desgoste?
{ 428 }
[Maurício] O que eu gosto muito aqui é essa área aqui do mar, do rio. Toda hora eu tô aqui,
quando não tô em casa, eu tô aqui levando esse ventinho aqui. Qual é o rico que pode tá aqui
uma hora dessa? Que pode comer o que ele quer? O rico pra comer uma lagosta tem que
comprar, e a gente não. Não tem que comprar camarão, não tem que comprar peixe, não
tem que comprar nada disso. Tudo a gente tem na mão aqui. Porque hoje mesmo chegou
um barco ali de mantimento, chegou ali "e aí soldado, tá querendo um peixinho aí?" Eu
disse "quero", me deu um peixe, me deu lagosta, pronto, tá lá em casa na geladeira. E o
rico? Tem que comprar, se não comprar não come, e vai comprar congelado de quantos
dias?
[Pesquisadora] E, pra você, Brasília Teimosa poderia ter sido construída em outro lugar?
[Maurício] Porque, porque aqui foi o bairro escolhido pelo pescador, tentaram derrubar isso
aqui mas não conseguiram não. E meus avós me contavam que levantavam [as casas] à noite,
a polícia derrubava de dia, eles tornavam a levantar até surgir esse nome, Teimosa mesmo.
[Pesquisadora] (...) E se por acaso conseguissem deslocar Brasília Teimosa pra outra parte
da cidade? Se ela fosse deslocada pra outra parte da cidade, e aí?
[Maurício] Se fosse deslocada, pode até ser, mas eu acho muito improvável isso, viu?
Porque se reunir todos os pescadores daqui junto com a comunidade que tem, que não são
pescadores, não deixaria não. E ninguém vai trocar esse bairro por nenhum de fora não. Mas,
não vai mesmo.
[Pesquisadora] (...) E você sente que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e
com o rio?
[Pesquisadora] (...) E o que você acha que o mar e o rio são para Brasília Teimosa?
[Maurício] O que ele representa pra todas essas pessoas que moram aqui, eles são os pais e
as mães, porque tirando esse mar e esse rio daqui, vão viverem de quê?
[Pesquisadora] E como é que você vê Brasília Teimosa daqui a Dez anos (...)?
[Maurício] Daqui a dez anos, se eu tiver vivo, né? Eu acho que eu não estaria nem aqui agora
conversando com a senhora. Pode acreditar nisso, e, aliás, isso aqui já tinha privatizado e
passava bem por longe lá e ainda mais os vigilantes dizendo "se afaste". [Interrupção do
Pescador Dentinho: O negócio é não deixar eles comprar, eles chegam fazendo especulação
imobiliária pra ver se o povo vende as casas, e quem sair, não volta mais.]. E a maioria
dessas casas que deram ali na Nova Brasília, ali no Cordeiro, já tão tudinho aqui de novo.
[Interrupção do Pescador Dentinho: Os pescadores que mora lá, sai de lá de três horas da
manhã pra chegar aqui de três e meia, três e quarenta, de bicicleta. Aqui, a gente sai aqui de
duas horas, enquanto ele tá saindo de lá de três e meia, três horas, pra chegar aqui, de três
{ 429 }
e meia, três e quarenta, a gente ainda tá dormindo, porque quando ele chegar aqui de cinco
horas da manhã é hora da gente tá se acordando aqui pra ir pra maré. Enquanto ele tá
vindo de lá pra cá, a gente ainda tá dormindo. Quando ele chegar aqui, que ainda vai se
preparar, a gente dormiu mais do que ele que vem de lá pra cá. E quando é pra chegar aqui
de três horas da manhã, que tem que se acordar de duas pra escovar os dentes, se ajeitar,
coisa e tal, e se pegar ônibus, é que não chega mesmo. E a gente aqui dorme, a gente é
acostumado a sair pra maré aqui de duas horas da manhã, uma hora e meia da manhã,
quando a gente era pescador de jangada. Hoje em dia, a gente não é pescador de jangada,
acabou, mas era uma hora e meia da manhã, duas horas, se acordar pra ir pra o mar].
[Pesquisadora] Mas e aí, o que é que Brasília Teimosa representa pra você, o que ela
significa?
[Maurício] Pra mim ela significa muita coisa, viu? Porque foi daqui que eu aprendi muita
coisa, dentro da Brasília Teimosa, e ainda tô aprendendo. O mais velho nunca deixa de
aprender, sempre tem.
[Maurício] Aqui é um ótimo bairro porque as crianças aqui têm liberdade de brincar sem
você ter receio de nada, né? Aí, "mãe, eu vou aqui na praia", dá um pulinho ali, dois minutos
tá na praia, dez minutos tá voltando. Tem uma liberdade imensa, né? Fica aquele negócio
despreocupado tudo, Brasília pra mim significa tudo.
Outras Observações:
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{ 430 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – PESCADORES E MARISQUEIROS - Nº 4
[Pesquisadora] (...) Por qual motivo você veio morar aqui em Brasília Teimosa?
[Iraquitan] Porque eu me casei por aqui, minha “mulhé” quer ficar perto da mãe dela,
entendeu?
[Iraquitan] É. Minha esposa, né, não queria sair de perto da mãe dela.
[Pesquisadora] (...) Mas você já pensou em morar em algum outro lugar depois que veio...
[Iraquitan] É, tava dizendo a ela, você não quer morar lá, eu tenho uma casa no Rio Grande
do Norte, né, mas eu moro aqui na casa da minha sogra mesmo, mas tenho uma casa lá no
Rio Grande do Norte.
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) Mas o que é que lhe agrada em morar em Brasília Teimosa?
[Pesquisadora] (...) O que é que você gosta, quais são os pontos positivos que você vê, e os
negativos no bairro?
[Iraquitan] Rapaz, pra mim não tem diferença nenhuma não, tá tudo bem aqui, eu gosto.
{ 431 }
[Pesquisadora] Você gosta, né? Mas não tem nada assim que você diga “ah eu gosto
especialmente disso”, assim...
[Iraquitan] É, se pudesse, nós ia pro mar ainda, mas eu tenho problema de artrite, sou
aposentado por invalidez, ai não posso pescar mais, de jeito nenhum.
[Iraquitan] Isso.
[Iraquitan] Não.
[Pesquisadora] Ai, você acha que Brasília Teimosa podia tá em outro lugar da cidade?
[Iraquitan] Rapaz, acho que não, porque, é, o bairro dela é esse mesmo.
[Iraquitan] Porque é bom de se morar, é bom de se viver aqui, viu? Pra mim não tem nada
ruim não.
[Iraquitan] De tudo tem aqui, pertinho, procurar o rio, tem, procurar a praia, tem, tudo perto,
é, comércio, tudo a gente tem pertinho né? Tudo perto da gente (...).
[Pesquisadora] E você acha que a comunidade aqui, ela tem uma relação forte com o mar?
[Iraquitan] Porque, o, a comunidade aqui é mais de mar né, “veve” mais do mar, mais de que
outras coisa, mais a pescaria mesmo. Pega o sururu, pega o marisco, pega uma vara de pesca,
(...), tem “cumê” todo dia, a coisa do mar tem.
{ 432 }
[Iraquitan] Com certeza.
[Pesquisadora] Mas o que é que você acha? Assim, o que você acha que pode acontecer?
[Iraquitan] Muita gente querem tomar esse bairro aqui, né, pra melhor, né, mas a gente, pra
comunidade, não tão querendo, né, não querem sair daqui. Eu acho que não vai mudar
nunca, acho que não vai mudar nunca daqui a 10 anos. Se tivesse de mudar já tinha mudado,
o pessoal já tinha, né? Entregado na mão dos rico aí já.
[Pesquisadora] (...) E Brasília Teimosa, o que é Brasília Teimosa pra você? O que é que ela
representa, o que ela significa?
[Iraquitan] Bem, né, nada de mau, nada de ruim aqui pra mim, não acho nada, muito bom.
[Iraquitan] Pra mim, é manter um comércio pra ter mais conhecimento pra frente né, eu
acho bom que aqui tudo que bota se vende, entendeu? Eu botei um negócio ali, agora estou
aumentando. Tá vendendo bastante. Com material de pesca, entendeu? Porque eu não vivo
mais de pesca, aí botei material de pesca.
Outras Observações:
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{ 433 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – PESCADORES E MARISQUEIROS - Nº 5
[José] 47.
[José] Eu, no momento, agora, tô morando em Olinda, faz uns 4, 5 mese que saí daqui.
[José] Eu me mudei porque foi o jeito (...), senão eu ia morrer aqui mesmo. Ainda pretendo
vim pra cá.
[José] Porque é o lugar de sobreviver, é Brasília. Não tem lugar melhor que Brasília pra
sobreviver. Tudo que você vende, tudo que tiver de vender, você vende, e só faz crescer na
Brasília. Nos outro lugar é mais difícil.
[Pesquisadora] O que é que mais te agrada aqui? E o que é que você acha que tem de bom
e tem de ruim aqui?
{ 434 }
[José] Olhe, de ruim aqui na Brasília mesmo, eu acho que é só os aliciado, somente. O resto,
pra mim, tudo é bom.
[José] Porque tudo que você procura na Brasília tem. A hora que você quiser entrar na
Brasília, você entra, não tem medo de nada, não tem risco de nada. Toda hora tem gente na
Brasília acordado, ai é um bairro bom por causa disso.
[Pesquisadora] Você acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em outro local da
cidade?
[José] Não.
[José] Porque eu acho que o recurso de dinheiro não ia ser do jeito que é.
[José] Trabalho. Tem onde trabalhar. Porque aqui na Brasília morre de fome quem quer, que
você vai ali na beira do rio, pega um sururu, pega um marisco, pega uma unha de véio, pega
um peixe, dá pra sobreviver. No mês, se tirando marisco e sururu, você arruma seus 1000,
1500 reais. Ai a pessoa tá ganhando um dinheiro desse, vai correr pra onde? Todo mundo
aqui tem recurso de trabalho, vai ficar aonde tá ganhando, né?
[Pesquisadora] (...) O que é que você acha que aconteceria se Brasília Teimosa fosse
deslocada daqui?
[José] Rapaz, muita gente ia sofrer. Eu acho que ia voltar à mesma crise que era antigamente,
porque o recurso de trabalho ia ser outro. Os pescador ia ficar difícil de ir pro mar, os
marisqueiro ia ficar difícil pra ele pegar aquele crustáceo dele, os produto pra ele vender. Se
ele fosse morar no Jordão, pra ele vim pra cá, porque aqui ele pega o crustáceo dele,
“cunzinha”, trata, entendeu, tudo aqui dentro faz, vende tudo. Ai ele ia vim de lá pra pegar o
crustáceo, levar pra lá, ia pegar condução pra levar pra lá, ia cunzinhar lá aonde? Num tinha,
num tem como, ai sempre fica tudo difícil se sair daqui.
[Pesquisadora] (...) Você sente que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e
com o rio?
[José] Porque se o mar de uma hora pra outra pode acabar Brasília. Porque a Brasília não, o
Recife é muito baixo, o mar aí acaba logo.
[Pesquisadora] E o que você acha que o mar e o rio representam, são pras pessoas daqui?
{ 435 }
[José] É tudo.
[José] Porque, vou dizer uma coisa a você, se tiver 100 mil habitantes na Brasília, eu acho
que 60 [mil] “veve” do mar e do rio.
[José] Rapaz, a Brasília daqui a 10 anos vai ser uma coisa muito bonita, vai ser um paraíso,
mas não pra gente, é só pro rico.
[José] É que nem eu tô dizendo a você, né, muitos pobre vai sofrer por causa disso, porque o
pobre não vai poder entrar na Brasília.
[José] Prédio, prédio. Que nem você vê, já tá entrando os prédio, né, os prédio já tá entrando
devagarzinho, porque aqui mesmo, se uma casa dessas vale 200 mil, ai chega um rico, bota 1
milhão. Ele vai vender. De 200 pra 1 milhão, por que é que ele não vai vender? Vai vender, ai
compra outra por mais mil, outra por mais 500, ai daqui a pouco tem mais pobre aqui não,
tudo rico. Nem o pobre vai entrar, vai ser tipo um condomínio fechado, que nem ali o
Brennand.
[Pesquisadora] Mas como é que você gostaria que fosse daqui a 10 anos?
[José] Daqui a 10 anos eu queria que fosse um paraíso pro pobre, não um paraíso pro rico,
porque quem construiu a Brasília foi o pobre, não foi o rico.
[José] Pra mim, significa tudo, porque Brasília Teimosa foi e tá sendo a minha vida, e tudo que
eu possuei, possui, possuo, foi na Brasília Teimosa, não foi de outro canto, aí por isso que ela
significa tudo pra mim, uma mãe e um pai.
Outras Observações:
José Severino deixou de pescar, mas ainda continua vendendo peixe no comercio da
comunidade.
{ 436 }
{ 437 }
{ 438 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA - MORADORES COMERCIANTES - Nº 1
[Claldemy] Foi meu pai, que antes tinha uma mercearia, alimento, e em 79 resolveu, fora a
mercearia, abrir o armazém. Meu pai faleceu fazem 21 anos, e eu dei continuidade a
empresa.
[Claldemy] Não, já morei, casei e morei aqui, ai quando meu filho fez 5 anos, eu saí.
[Pesquisadora] (...) Morou 37 anos. E você morava onde e mora onde hoje?
[Claldemy] Meus pais moravam aqui, né, minha mãe ainda mora aqui, meu pai falecido, né,
minha mãe ainda mora. Eu sou nascido e criado aqui no bairro.
{ 439 }
[Pesquisadora] E você sabe por qual motivo eles vieram pra o bairro?
[Claldemy] Pra cá? Aí a história é bem longa. Meus pais são do interior, de Bezerros, e
vieram pra cá justamente no início de Brasília Teimosa. Papai chegou aqui em 64, 1964. Veio
pra cá porque aqui tava começando o bairro, né, ai ele veio pra cá pra colocar a mercearia,
como eu te falei, e tava começando o bairro, então esse foi o motivo deles, da escolha, no
caso. Papai ter escolhido Brasília Teimosa foi por esse motivo, pelo bairro tá se iniciando,
esse foi o motivo.
[Claldemy] Positivos, todos, eu adoro o bairro, sou filho do bairro. Positivos, todos.
Negativos, nós não temos agência bancária, né, nós já tivemos no passado um posto de
atendimento, que, não sei se você sabe, mas ficava ali na frente da Igreja Católica, e aí
depois desativaram, se eu não estou enganado, era o BANDEPE, né, o Banco do Estado de
Pernambuco, mas aí, depois desativaram. Eu acho que o único, a única coisa que falta em
Brasília Teimosa é isso, porque o resto, a gente tem tudo, todos segmentos a gente tem,
então só falta agência bancária. Ponto negativo, o trânsito, ele é desordenado, né, e a
segurança, não digo pelo bairro, mas no geral em si, a gente sente uma grande dificuldade
em termos de segurança. Eu sou muito satisfeito com o bairro, entendeu?
[Pesquisadora] (...) Mas você acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em
alguma outra parte da cidade?
[Claldemy] Brasília Teimosa? Não, porque como eu conheço a história do bairro, que papai
presenciou, né, é que o bairro foi construído na época da construção de Brasília, que aqui foi
muito a guerra das palafitas, a polícia derrubava de manhã e à noite a comunidade construía,
né, então isso foi porque no início da colônia de pescadores, a primeira colônia de pescadores
do estado de Pernambuco, essa aqui, a Z-1, então, [por] tudo isso não teria como Brasília
Teimosa ser em outro lugar. Poderia se fosse perto do mar, exemplo: a Ilha do Destino ali
atrás de Paulo Miranda, na Domingos Ferreira, aquela região ali, ela poderia ser uma Brasília
Teimosa, porque tem o mangue, mas não é o mar, é o mangue, tá entendendo? Então,
Brasília em outro lugar, teria que ser perto do mar, senão, acho que não seria Brasília
Teimosa.
[Claldemy] Acho que sim, porque não teria outra, porque foram os pescadores que vieram e
depois as famílias dos pescadores procurando uma alternativa de moradia. A história inicial é
essa.
[Pesquisadora] (...) Deixa eu te perguntar uma coisa: por que você decidiu sair do bairro?
{ 440 }
[Claldemy] Ela não é daqui, [não quer morar aqui] já por essa imagem negativa, eu sou filho
do bairro, eu não tenho essa imagem, mas minha família tem. [O motivo da saída foi] Minha
esposa então, foi mais uma pressão dela.
[Pesquisadora] Você acha que o bairro tem uma imagem, é, é, negativa em que sentido?
[Claldemy] Uma imagem negativa, porque antes, agora não, mas antes de Lula, antes do
presidente Lula retirar as palafitas por definitivo, que esse era um ciclo vicioso, né, é, era o
bairro, se eu não tô enganado, tinha quatro vilas construídas, todas elas havia a retirada das
palafitas, aí depois o pessoal ganhava as casas, vendia as casas das vilas, ia pro Ibura, pro
Jordão, passava um período lá, depois retornava para as novas palafitas. Então Lula retirou
as palafitas e revitalizou, a partir desse momento, mas até essa época, voltando um
pouquinho antes, Brasília Teimosa era uma zona de prostituição. Então, é muito,
prostituição, perigo, os carros da polícia não entravam em uma viatura, tinham que entrar
em comboio, porque o pessoal concentrava muita insegurança nas palafitas, tá
entendendo? Então por tudo isso, a imagem que ficou [foi a] da prostituição, marginalizada.
A imagem ainda hoje em Brasília Teimosa é a ideia marginalizada, entendeu? Principalmente
quem é de fora, a gente aqui dentro não, a gente sabe, tinha, mas não era todo mundo, né?
entendeu?
[Pesquisadora] (...) E se por acaso, Brasília Teimosa, hoje, fosse deslocada pra outro lugar? E
aí, o que você acha que aconteceria?
[Claldemy] Rapaz, eu acho meio complicado isso acontecer, mais uma utopia, mas seria
complicado né, porque o que vai haver, já existe esse interesse comercial, mas é mais na
parte litorânea de Brasília, que vai haver é que hoje Brasília é uma ZEIS, né, uma Zona de
Interesse Especial, mas da mesma forma que com JCPM foi reduzida a ZEIS pra ser construído
e edificado o prédio, né, então aqui também, isso é fácil de se resolver no município, mas eu
acho que o bairro todo não tem como, vai haver uma mudança, que se você trouxer pra cá
pra beira-mar de Brasília Teimosa edificações, isso vai melhorar o bairro, eu, algumas
pessoas acham isso negativo, eu não acho, eu acho isso altamente positivo que...
[Claldemy] É, porque Brasília Teimosa não tem prédios, né, não tem edifício, entendeu? Não
tem, então nessa linha, eu acho que o bairro vai ganhar muito. Algumas pessoas pensam o
contrário, eu já acho que vai ganhar muito.
[Pesquisadora] (...) E você acha que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e o
rio?
{ 441 }
[Pesquisadora] Vou perguntar mais diretamente ainda, você já respondeu mais ou menos.
Por que você acha [que tem]?
[Claldemy] Pela história do início, né, da Colônia Z-1, do início dos pescadores que fundaram o
bairro, por isso que tem essa, essa ligação forte. Mas hoje, o bairro não depende mais,
entendeu, o bairro já é autossustentável.
[Pesquisadora] Entendi. E hoje, você acha que, o que é que o mar e o rio representam pra o
morador de Brasília Teimosa?
[Claldemy] Hoje, somente estética, porque a própria colônia Z-1 tá muito desgastada, ela já
tá vivendo do subsídio do governo, então os pescadores, a entressafra, é, e pescadores
mesmo morando no bairro não tem isso, essa quantidade. Você ver, percentualmente
falando, eu não sei, dar essa informação, mas com certeza é um índice muito baixo. Então, o
bairro não depende mais, mas ainda existe? Lógico que existe, porque foi o primordial desde
que começou, ainda tem os resquícios, mas não que o bairro dependa, entendeu?
[Claldemy] Da mesma forma como JCPM criou essa avenida aqui na frente da loja, que não
tinha essa avenida aqui, é nova, tem, sei lá, 3, 4 anos, tem menos de 5 anos essa avenida aqui,
ela não existia. Da mesma forma como fizeram essa avenida aqui, existe um projeto muito
antigo, que com certeza isso vai, vai, vai ser efetivado, porque essa avenida, ela morre aqui na
frente da minha loja, então não tem sentido, né, uma avenida dessa... Ela não foi feita pra
morrer aqui na frente da minha loja, entendeu? Ela com certeza vai pegar aqui e vai cortar
essa, já existe esse projeto, que é tipo uma “Via Mangue” de Brasília Teimosa, entendeu? Já
existe esse projeto, então fazendo isso, é quando eu digo que o bairro vai modificar, porque
vai deixar essa parte que tem hoje a Vila Moacir, e que é a primeira vila, primeira vila ou
segunda vila (...), que a primeira é a Vila da Prata, pronto, então toda essa beirando a vila, vai
ser feita essa Via Mangue, pra poder dar encontro lá no Buraco da Véia, como chama, pra ter
acesso ao centro do Recife, esse é o projeto. Com certeza isso vai ser efetivado por conta que
o Shopping RioMar foi que desencadeou tudo isso, né, entendeu.
[Pesquisadora] (...) Você vê essa mudança no bairro, [mas] há alguma outra mudança que
você vê?
[Claldemy] Então, a mudança vai ser mais, quer dizer, assim, vai melhorar a imagem do bairro
com esses prédios, com esses edifícios.
[Clademy] Que eu acho não, que vão. Só não sei quando, mas que vão, vão.
[Pesquisadora] (...) Hoje, o que é Brasília Teimosa pra você, o que ela representa, o que
significa, assim, pra você e pra cidade? Assim, [já que] você tem esse olhar de dentro e de
fora...
{ 442 }
[Claldemy] Pra mim, Brasília Teimosa é um lugar onde se, é onde eu trabalho, é um lugar
importante e que eu gosto muito, como falei. Pra cidade, Brasília Teimosa representa um
desafio pra os gestores, a gestão municipal ou estadual e ter coragem de mudar, porque nós
somos um bairro altamente politizado, temos duas lideranças, temos dois vereadores
eleitos aqui dentro, então é complicado fazer qualquer tipo de mudança, complicado
porque o povo briga muito, por conta dessa história de, desse histórico de brigar, de defesa,
isso, então, mas quando o público quer, faz, a prova é essa avenida aqui que foi feita , é tá
saindo aqui na frente da loja. Então eu acho que o que Brasília Teimosa representa pra
cidade é isso, a coragem do prefeito e do governador de tomar medidas que são
necessárias. Por exemplo, a gente já participou de vários encontros pra ordenar o comércio,
pra ordenar o trânsito e é só reunião, ninguém coloca em prática, tá entendendo? Mas
acho que é um bairro que tem muito a mudar, em relação, diferente, a outros bairros que
tão, que é que pode ser feito em outro bairro? Criar uma praça, não sei o que, aqui não,
aqui tem muita coisa pra ser feita, tá entendendo?
Outras Observações:
-
{ 443 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA - MORADORES COMERCIANTES - Nº 2
[José] Rapaz, olha, só fazendo as contas, porque comecei isso aqui, na época, era tudo
favela mesmo, tudo barraco de “táuba”, é, comecei isso aqui na época de Joaquim
Francisco, um projeto de calçar Brasília. Eu como trabalhava no Mercado de São José, né, aí
vim morar aqui nessa barraca, isso aqui era uma barraca de “táuba”, né? Aí vim morar aqui,
aí passei 6 meses morando na casa do vizinho. Ó, o dono dessa casa [dizia] “essa casa é
muito boa. Todas as pessoa que ‘veve’ aqui vem morar na sua própria casa”, ai eu comprei
essa casa na época com 20 conto de réi, é, aí comecei trabalhando, tendo contato pra mim
pagar essa casa com 90 dias, eu passei 3 anos, ai depois dos 3 anos eu comprei [não
compreensível]. Aí comecei a fazer caldinho de camarão, aí comecei minha vida por aí. Aí foi
tempo que entrou o projeto de Brasília, de calçar Brasília, aí começou, né, começou a vim
aqueles pessoal famoso de fora, vinha o pessoal do governo, aquele deputado que era muito
famoso na época, que era estilista. O pessoal quando entrava com aqueles carro aqui, o
pessoal dizia [não compreensível], e começou por aí né? Graças a Deus, hoje, hoje a minha
casa é conhecida internacional, o que você imaginar eu tenho de cliente, né, eu tenho até um
jornal aí, há 30 anos, guardado esse jornal, aí teve uma briga [porque] depois [o] “Castelo
do Camarão abriu”, aí tem os dois brigando, uma espada, aquele negócio todinho, até o
jornal botou, né? E outra coisa também, disseram que em Brasília aumentou muito de preço
por causa do Império dos Camarões, né, que hoje aqui é, uma casa aqui, é mais cara que
você morar em Boa Viagem. Pronto, um barraco aqui eles querem cobrar uma fortuna né, é
700 [reais] pra uma barraca que se você olhar pra ela, você não quer nem de graça. 700,
800, uma melhorzinha 1500 “pau”, né, entendeu? Hoje tá muito caro isso aqui, e eu tenho
no jornal [não compreensível], “Brasília ficou muito cara por causa do Império dos
Camarões”.
[Pesquisadora] (...) Entendi, então o senhor tem cliente pra fora, né? E tem muita gente da
Brasília também, ou é mais de fora?
{ 444 }
[José] Eu trabalhava no Mercado São José, né, na época eu morava em Caixa D’água, mas
como aqui eu trabalhava no Mercado São José, eu pegava peixe aqui, aí fica mais perto pra
mim, aí comecei, aí vim morar aqui em Brasília, né? E quando eu vim foi pra passar 30 dias,
né? E eu tô aqui há 44 anos, é, o Império tá com 42.
[José] Pescava.
[José] Não.
[José] Não, porque, ó, vou dizer uma coisa a você, pra mim não tem lugar melhor que Brasília
não. Hoje, infelizmente, com toda a violência que tem aí, ainda é um bairro de negócio, né,
e infelizmente o povo que mora aqui não preza o lugar que mora, entendeu, não preza o, o,
mas aqui não tem lugar melhor que Brasília Teimosa não, isso aqui é uma ilha, você sobe
aqui em cima, você só vê mar. Só tem uma entrada e uma saída aqui, entendeu, não tem
medo aqui, infelizmente o pessoal é que deixa a desejar, que não preserva o lugar que
mora.
[Pesquisadora] (...) O que é que mais agrada o senhor em morar aqui e quais são os pontos
positivos e negativos que o senhor vê?
[José] Não tem. Você vê, de toda segurança, você de pés aqui, é a mesma coisa que em Boa
Viagem você de carro. Esse tempo todinho aqui, você veio na minha casa, é o único lugar
que tá tranquilo. Agora quando a pessoa vem pela primeira vez, aí fica com medo, “olha o
homem ai”, ai pensa que tá levando um lugar perigoso que nem o Rio de Janeiro, aqui não,
aqui não tem nada disso, feito Geraldo Freire disse “o único lugar que eu me sinto bem é
aqui”, enquanto lá no [não compreensível] eu já fui assaltado, parece foi duas ou três vez, e
aqui, ele coloca o carro lá embaixo, se sente bem aqui. Graças a Deus aqui nunca ninguém
mexeu com ninguém aqui.
[Pesquisadora] (...) Mas o que o senhor mais gosta daqui é essa questão também da
segurança?
{ 445 }
[José] Também, também. O pessoal respeita também. Se, bom, em todo canto sabe que
existe gente perversa, né? Aqui, graças a Deus, o pessoal me respeita, né? Vou dizer que
não tem? Ter tem, porque o que tá acabando com a nação é esse tal desse crápula, né, e
ninguém toma providência né, que antigamente você dormia com as porta aberta aqui, mas
hoje não, o pessoal usa a droga, ai arroba, mãe, pai, irmão, o que dirá os outros. Mas graças
a Deus ninguém nunca mexeu com a gente aqui.
[Pesquisadora] (...) O senhor acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em outro
lugar?
[José] Porque, primeiro, olha, Brasília, eu acho que é o lugar de Recife que tem mais
privilégio, né? É melhor que Boa Viagem, isso aqui é uma ilha.
[Pesquisadora] Mas, assim, quais as características de Brasília Teimosa que o senhor acha
que faz com que ela não pudesse ter sido construída em outro lugar?
[José] Olha, não, quando eu cheguei aqui, ainda peguei uma parte da briga de Brasília
Teimosa, que a gente botava os boneco na rua, na época de Moacir, né, Padre Jaime, Aurieta,
aquele pessoal, né, aqueles boneco. Era muita briga aqui, esses, aportava navio aqui, né, o
pessoal precisaram invadir aqui, fechar isso aqui, uma piscina natural pra o banhista aqui.
Quem derrubou o primeiro Iate aqui foi eu, quem derrubou foi Jessé, eu dei uma grade de
cerveja, de meia noite o caminhão derrubou o muro aí, e já tinha fechado, pra não entrar
ninguém, entendeu?
[José] Sim, fechou aqui pra não entrar ninguém, porque eles iam invadir pra eles essa área da
praia, né, aí quem derrubou foi eu na época, foi briga isso aqui, entendeu?
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) E se, por acaso, hoje, Brasília Teimosa fosse deslocada pra outro lugar da
cidade, o que é que aconteceria e o que é que o senhor faria?
[José] Rapaz, é, vai ser difícil, isso aí não existe não, aí não tem como não, viu? Que se
tivesse, o especulador já tinha tomado conta disso aqui.
[José] O que a gente pode fazer aqui é querer, e se o pessoal do conselho aqui, mais alguém,
conseguir, é, assim, liberar, como se diga, Brasília, porque não tem aquele título de posse, né,
registrar em cartório né, a única coisa que pode fazer isso aqui, não tem, aqui tem título de
posse né, ai pode legalizar isso aí, entendeu, mas eu acho, assim, difícil. Eu acho que sim,
não sei, aí quem sabe é os poder, né? Que você pra comprar o bom aqui, você tem que ter
{ 446 }
dinheiro pra investir, “praquí” o banco não financia, porque não tem, né, você tem que ter
dinheiro pra fazer tudo, bancar sozinho, porque nem Caixa, nem banco financeia nada
disso, e aqui é uma área ZEIS, né, zona ZEIS, né?
[Pesquisadora] O senhor sente que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e
com o rio?
[José] Primeiro que é uma área de pesca, né, toda uma área de pesca e todos os barco que
tem aqui, a maioria dos pescador de Brasília Teimosa convive da pesca daqui do rio, né? Você
chega aqui no meio do dia, você encontra mais de 100 pessoas pescando aí na proa, né,
daqui, entendeu?
[Pesquisadora] Entendi. O que você acha que o mar, o que ele representa? O mar e o rio, o
que eles representam pra o morador de Brasília Teimosa?
[José] Ah, muitas coisas, muitas coisas. Tudo o que você imaginar.
[José] O pessoal vive da pesca daqui, né, vive da pesca. O mar, se não tivesse isso aqui, o
pessoal vivia numa situação difícil, aqui todo mundo que, é, quer sobreviver aqui pega um
peixe, ou um camarão, ou um sururu, um marisco, e vai aqui, vai ali, a pouco tempo bota, tá
nos canto.
[José] Ah, eu espero bem melhor, né, bem melhor que o pessoal vai, com o tempo, vai se, é,
tem um conceito de Brasília Teimosa, que Brasília seria um dos melhores bairros do Recife,
né?
[José] Rapaz, aquela história, já apareceu muito, agora, aqui ninguém entrou ainda não,
porque é meio “compricado” pra entrar, né, mas se tivesse uma chance, já tinha entrado, né?
[Pesquisadora] Mas o senhor acha que daqui a 10 anos eles conseguem entrar?
[José] Não, eu acho muito difícil, viu? Pode acontecer, né? Eu não sei né, mas acho muito
difícil.
{ 447 }
[Pesquisadora] (...) o que Brasília Teimosa representa pra você, o que ela significa pra você?
[José] Pra mim, pra mim, tudo, porque comecei minha vida aqui, e graças a Deus, alguma
coisa consegui. Tudo aqui em Brasília Teimosa, né, entendeu?
[Pesquisadora] Tem mais alguma coisa que o senhor gostaria de acrescentar sobre Brasília
Teimosa? Sobre o que ela significa...
[José] Não, Brasília Teimosa pra mim é tudo aqui, não só pra mim, nem pra todos, não é? E
alguém que vem de fora fica encantado com Brasília Teimosa, né, entendeu?
Outras Observações:
Zezinho é proprietário do Restaurante Império dos Camarões, um dos estabelecimentos
mais famosos do bairro.
{ 448 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA - MORADORES COMERCIANTES - Nº 3
Esse restaurante nosso surgiu, porque, por causa que tinha uma peixaria na Rua A, agora a
Rua Delfim, e a gente botava camarão vivo pra vender, né? Mas chegou uma pessoa e foi e
botou um preço maior em cima dos nossos e a gente ficou sem poder comprar, né? E a
gente ficou sem poder comprar pelo preço. E aí, eu tava tentando fazer a casa de lado, aí eu
disse, eu vou modificar e fazer um restaurante pra vender camarão assado também. Aí fiz a
casa, a residência, modificando tudinho, fiz um restaurante. Aí não tinha estacionamento, o
pessoal começou a botar ferro nas calçadas pra não estacionar os carros, e a gente
também, quando terminou de fazer, estava sem dinheiro, foi um aperreio muito grande e
só tinha aonde botar um carro na calçada. A gente ficou sem poder funcionar, e aí a gente
imaginou assim: “vamo comprar a casa do lado”. E aí, a gente tinha um carro, vendeu e
comprou a casa do lado. Aí, fez estacionamento pra outro carro, derrubou a casa e fez
estacionamento. Aí começô a vim gente da rádio, da televisão, aí o jornal fez uma matéria,
muito maravilhoso, foi um sucesso estrondoso, entendeu? E deu um movimento bom, aí, a
gente comprou outra casa. Aí quando foi na semana seguinte o Diário de Pernambuco
telefonou pra mim pra fazer outra matéria, aí pronto, aí foi a maravilha do século, nós
compramos cinco casas e fez estacionamento, aí o movimento não tinha segunda, não tinha
terça, quarta era tudo a mesma coisa, o movimento era um só. Aí, a gente construiu esse
prédio, né? Lá foi ficando pequeno e foi fazendo, que o nome era Castelinho do Camarão
(...). Só que agora o movimento tá muito devagar por causa dessa crise econômica, o
pessoal tá comendo em casa mesmo.
[Maria] Não. Aqui frequenta ninguém da comunidade não, só pessoas de fora, só turista. Só
pessoa turista e da alta sociedade, né? [Interrupção da pesquisadora: pessoal de Boa
Viagem, do Pina...?] É, Piedade, Olinda, eu tenho cliente de Olinda, muito cliente de Olinda,
tem e vem porque gosta da comida, eu não tenho cozinheira, a cozinheira sou eu mesma.
Aí, eu faço comida eu faço melhor que eu posso, faço o melhor, é vinte e cinco anos
cozinhando, né? Cada dia eu procuro fazer melhor, né? Então, você nunca sabe tudo, você
aprende, você aprende todo dia, aprende algo mais.
{ 449 }
[Pesquisadora] E surgiu quando?
[Maria] Faz.
[Maria]É.
[Maria] Porque eu amo, amo esse lugar, pra mim, no Recife, não existe outro bairro, não sei
não! É maravilhoso! Tudo de bom, tudo de bom! Às vezes o pessoal fala assim "não porque
Brasília Teimosa é favela". Não, isso aqui já deixou de ser favela há muito tempo, desde que a
gente construiu o Castelo, isso aqui deixou de ser favela. Isso aqui é maravilhoso. As casas
aqui, você vê um quarto pra alugar, é mais caro que um kitnet em Boa Viagem [interrupção
da Pesquisadora: tá bem especulado aqui, né?] Você anda a qualquer dia, na noite você não
é assaltado, a gente não vê falar nessas coisas, porque isso aqui embaixo tem um senhor de
setenta e seis anos, a gente não tem segurança, ele também não serve de segurança aqui,
ele é somente pra indicar "suba por aqui, vá por aqui" só, entendeu? Mas graças a Deus aqui
é maravilhoso, né? Eu amo esse lugar.
[Maira] Não, não. Minha família mora toda em Natal, mas jamais eu pense em morar em
Natal, não gosto de lá não. (...) Eu vim pra qui sozinha, com dezesseis anos, eu vim pra cá
com dezessete anos, sozinha, sozinha, sem ninguém, e eu fiquei e até hoje estou com meus
filhos. Fiz a vida aqui, eu amo! Pra mim nenhum outro bairro do Recife nem interessa. Tá
vendo Boa Viagem? Não me enche [os olhos], não me dá vontade de morar lá. Boa Viagem é
muito mais perigoso do que isso aqui, você não anda de noite lá, de carro, você tem que
andar de vidro fechado e com muito medo e com medo, aqui você pode vim a qualquer
hora, três horas da manhã, tá cheio de gente. Naquela avenida principal, fica vendendo as
coisas na calçada assim, bebida, tira gosto, essas coisas assim, espetinho, é muito
movimentado.
[Pesquisadora] E o que lhe agrada mais aqui em Brasília Teimosa? E os pontos que a
senhora acha, assim, que são positivos e negativos? (...)
[Maria] O bom daqui, é que tem tudo, tudo fresquinho de comida, tudo mais barato que os
outros lugares, tudo de bom, tem tudo de bom, eu não acho que tem nada ruim, nada. O que
era ruim era essa rua aqui, era muito cheio de buraco, eu liguei pra prefeitura, e João Paulo
era prefeito, ele passou aqui eu falei com ele, com oito dias ele mandou acertar essa rua.
Tava de um jeito que não entrava nenhum carro aqui [Interrupção da pesquisadora:
antigamente, tinha muito problema de drenagem, né?] Tinha, tinha. Quando eu cheguei pra
morar aqui, não tinha água encanada, a água vinha de carroça, as ruas não era asfaltada,
{ 450 }
não tinha esses mercadinho, porque tem muito mercadinho hoje, desses grande, né? Não
tinha, quando eu vim morar aqui não tinha nada disso. [Interrupção da pesquisadora:
Mudou muito, né?] Foi.
[Maria] Eu morava no Pina e depois eu vim morar aqui, eu gostei, e fiquei, pronto.
[Pesquisadora] A senhora acha que Brasília poderia ser construída em algum outro lugar na
cidade?
[Maria] Não.
[Maria] Eu acho que só tinha que ser aqui mesmo, tinha que ser aqui mesmo.
[Maria] Eu acho que é o lugarzinho certo dela, viu? Em Natal tem outra Brasília Teimosa, viu?
A beira-mar também, numa praia famosa lá na praia do forte, Brasília Teimosa, foi a mesma
coisa que aconteceu aqui. O pessoal construía e a policia destruía, o pessoal construía, até
que não deu jeito, feito aqui, aqui também foi assim, né? (...).
[Pesquisadora] E se por acaso (...) Brasília Teimosa fosse deslocada pra outro lugar? O que é
que aconteceria? O que a senhora faria?
[Maria] Eu acho que não acontece isso não, Deus o livre que acontecesse isso, vai ser uma
tristeza, acho que não tem não, a população daqui é muito grande, não tem nem como o
prefeito fazer isso. Esse presidente agora tava dizendo até que ia dar as posses de terra das
pessoas que moram há muito tempo nessas periferias, mas eu já tenho os títulos de posse,
só que fica aquela coisa, se não vale, sabe? Um presidente dá, outro vem e fala, e aí, a gente
não sabe. Mas vale, que a prefeitura disse que se tem, tá tudo certo.
[Pesquisadora] Porque ele deu uns que tinham sido reconhecidos em cartório e outros que
não eram, né?
[Maria] Tinha uma casa que tinha e tudo era reconhecido pela marinha e tudo, até vendi
essa casa, fica na esquina de uma rua, essa eu tenho o título de posse e a maioria foi de
Gustavo Krause e depois foi Jarbas, não sei, não sei, sei que foi eles, né? Na época de
Gustavo Krause, a gente tinha um amigo que trabalhava na acessória jurídica da prefeitura e
o cara fez tudinho. Foi feito duzentos e uma casas, escritura púbica, aqui em Brasília
Teimosa, duzentos e uma. O prefeito ia fazer, mas ia ficar muito caro, aí ele não fez, a uma
foi a minha, mas foi eu que paguei, não foi o prefeito que pagou, não nessa época, quem
pagou foi eu, mas foi muito caro, mas naquela época era mais de quatro mil reais, imagina
hoje, né? E andava muito, tinha que muitas vezes ir no cartório, tanto canto que, às vezes, a
pessoa desistia, acho que até hoje se a pessoa quiser fazer a escritura pública, faz, só que é
muito caro, mas aqui em Brasília Teimosa existe duzentos e uma casas.
{ 451 }
[Pesquisadora] A senhora acha que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e
com o rio?
[Maria] Essa pergunta eu não sei dizer não, sabe? É porque aqui é rodeado de rio e mar, né?
Aqui é tipo quase uma ilha, né? É quase uma ilha.
[Pesquisadora] Mas o que a senhora acha que o mar e o rio, o que eles representam pra o
morador de Brasília Teimosa?
[Maria] Tudo de bom pras pessoas que pesca, que vive da pescaria, é tudo de bom, você
imagina um siri mole a gente tá comprando por quarenta e cinco reais, essas pessoas daqui
a maioria vive disso. Agora, não tem nada, vai e pesca ali dois, três quilo de siri e ganha cento
de cinquenta reais, imagina! Só passa fome aqui quem é preguiçoso, aonde você num bairro
como Engenho do Meio, Mustardinha... Meu Deus, acho que as pessoa ai passa fome, mas
aqui não. Você vê, eu ainda não vi em lugar nenhum um bairro com poder de compra tão
grande como aqui em Brasília Teimosa, dia de sábado de manhã, nove hora da manhã você
passar na rua principal, tem casa que vende verdura, em cada uma chega com caminhão de
verdura e vende tudo, é todo mundo compra tudo, é carne, é galinha, tudo. Tudo aqui
dentro, tem um poder de compra, imagina, acredito que bairro nenhum tenha. Porque eu já
morei em Engenho do Meio, detesto, eu num suporto, se dissesse, “se você morar em
Engenho do Meio, você todo mês você ganha cinco mil, o prefeito vai dar pra você”, [eu
diria] “não, pode deixar, deixa eu morar aqui mesmo sem ganhar nada”. (...) Eu trabalho
mesmo, até o da que não puder mais. Aqui é maravilhoso! É tudo de bom!
[Maria] Eu acredito que, eu nem sei sabe? Porque deveria tá melhorando e em vez de está
melhorando, tá piorando. Já melhorou muito, mas parou.
[Maria] As ruas, que tá tudo acabado. O prefeito faz, ninguém pode nem culpar o prefeito,
nem o governador porque eles fazem, os morador é quem destroem, a COMPESA7 é outra
destruidora, aonde a rua tá bonitinha, vem, quebra, e deixa tudo os buraco feito, não ajeita,
é, a COMPESA é triste.
[Pesquisadora] Mas assim, o que a senhora acha daqui a dez anos? Que vai tá melhor ou
que vai tá pior?
[Maria] Eu acho que pode tá melhor, né? Se não tiver nos fins dos tempos, eu acredito que
esteja melhor, porque eu tô achando que tá nos fins dos tempos.
[Pesquisadora] Mas a senhora acha que estaria melhor em que sentido, assim?
Saneamento?
[Maria] Saneamento fizeram aqui, mas não presta, o saneamento não presta, tem que
manter. Aí fica essas coisas feia. Os governantes manda fazer, essas firmas que ele contrata,
mas não faz as coisa direito, tudo material de segunda categoria, de repente se quebra
tudo, fica tudo acabado, pior. Aí fica esse, a lava-jato, essas coisas, aí fica complicado.
Contrata uns negócio que faz com dez milhões, e contrata por trezentos, aí eles não faz
7
Companhia Pernambucana de Saneamento.
{ 452 }
nada.
[Pesquisadora] O que é que é Brasília Teimosa pra senhora? O que ela significa o que ela
representa?
[Maria] Ela representa pra mim, é, sabe que eu não sei nem dizer, um lugar bom de morar,
um lugar muito bom se de morar, tranquilo.
[Pesquisadora] E o mar?
[Maria] Eu não gosto muito de mar, não, não gosto de praia, moro aqui, mas tá até longe
um pouquinho. Pra mim, praia não significa muita coisa não, eu gosto mesmo é do rádio,
você pega o ônibus aqui, em dez minutos você tá na cidade, pega o de volta, a mesma coisa.
Só é ruim porque tem pouco ônibus, a demora, é a espera, a única coisa de morar aqui é
isso, a única que é ruim, que não presta, é a espera dos ônibus, você fica e espera tanto que
você pensa até que já passou na Conde da Boa Vista, você espera uma hora e vinte e quatro
minutos. É isso que tem de ruim aqui. Mas aqui é tudo de bom, mas isso meu Deus do céu...
[interrupção]
[Maria] A arquiteta daqui do prédio foi Leni Teixeira, já ouviu falar? (...) Ela foi a arquiteta
daqui.
[Maria] Foi o engenheiro e ela modificou algumas coisas, né, janela, escada, foi tudo ela. Foi
feito com engenharia e arquitetura.
[Maria] É, quatro andares. É quatro andares, cinco com a casa de máquina (...). Eu fiz em
dois anos (...). O restaurante é no quarto andar, é uma vista linda! (...). O pessoal quando
vem fazer filme, quando vem fazer filmagem... A semana passada veio uns italiano fazer
uma filmagem aqui, fazer uma, um trabalho sobre o bairro, aí eles veio pra filmar lá de cima,
eles pedem pra filmar lá de cima. Fizeram um filme que filmaram o sol saindo lá de cima. Eu
tive que vim abrir de quatro horas da manhã pra ele esperar o sol sair, vê?! Essas coisas
assim a gente não pode faltar, né? Tem que colaborar, né?
Outras Observações:
Maria é proprietária e cozinheira do restaurante Camarão do Zito. A edificação do
estabelecimento é uma das mais conhecidas do bairro, tanto por ser uma das mais altas,
com 5 pavimentos, se destacando na paisagem por uma tipologia diversa das encontradas
no bairro, quanto pelo seu formato inusitado, de castelo, com duas torres. O edifício tem
um gabarito maior do que o permitido pelo PREZEIS, e a moradora afirma ter tido
problemas com um embargamento durante a obra.
{ 453 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA - MORADORES COMERCIANTES - Nº 4
[Vitor] Variado.
[Vitor] Quando fizeram o quiosque, aí fez a orla, fez o quiosque, aí depois deram o quiosque
a cada um, e abriu o bar.
[Vitor] Foi.
[interrupção]
[Pesquisadora] Por qual motivo você mora aqui em Brasília Teimosa (...)?
[Vitor] Não.
{ 454 }
[Pesquisadora] (...) o que mais te agrada em morar aqui em Brasília Teimosa? O que você
acha positivo e o que você acha negativo?
[Pesquisadora] Você acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em algum outro
lugar da cidade ou tinha que ser aqui mesmo?
[Pesquisadora] Se por acaso Brasília Teimosa saísse daqui o que é que aconteceria? O que
você faria? O que sua família faria?
[Vitor] Sei não. Eu ia pra outro bairro, né? Um bairro que fosse próximo, né?
[Pesquisadora] Você acha que Brasília Teimosa tem uma relação forte como mar?
[Vitor] Sim.
[Pesquisadora] E hoje, você acha que tem relação? O que você acha que o mar e o rio
representam para o morador de Brasília Teimosa?
[Vitor] [não compreensível] O povo vive aqui direto, acha a praia maravilhosa, [não
compreensível].
[Pesquisadora] E em relação às construções mesmo, as casas, aos prédios, como você vê?
[Vitor] Acho que os prédios vão tá tudo quarto andar [não compreensível].
{ 455 }
[Pesquisadora] Aí você acha que o pessoal vai subindo as casas?
[Pesquisadora] E o pessoal de fora, você acha que o pessoal consegue entrar na Brasília?
[Pesquisadora] (...) O que Brasília Teimosa é pra você, o que ela significa?
[Vitor] O bairro que eu nasci, que eu me criei aqui, né? Minha casa, né?
[Vitor] Uso.
[Pesquisadora] O que você acha de vantagem em estar na orla esse comércio (...)?
[Vitor] Porque a galera vem pra cá pra beber, pra ver a brisa do mar, [pra] ver a galera aqui.
Outras Observações:
{ 456 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA - MORADORES COMERCIANTES - Nº 5
[Jane] Na realidade, esse ponto já existia alugado. Que a minha mãe alugou, era farmácia. Aí
depois... O pessoal, passou, queria passar pra frente, aí minha mãe comprou. Comprou o
ponto, né? A loja. Porque a loja era dela. Ela comprou só o ponto da farmácia.
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) O público que vocês atendem é mais (...) o pessoal da comunidade? Ou
vem gente de fora?
[Jane] É mais da comunidade. Vem gente de fora também, mas só passando no carro. E vai
pro Iate, isso, e alguma coisa.
[Pesquisadora] Sim, aí, era da tua mãe [a farmácia] e aí passou pra você?
[Jane] Na realidade, começou por mim. Eu já comecei com eles. Eu já comecei, que quem
começou foi eu. Era só... O financeiro era o dela, mas o trabalho era meu.
[Pesquisadora] Entendi. (...) Então assim, por qual motivo, hoje, você mora em Brasília
Teimosa?
[Jane] Eu sempre morei aqui, eu vim com dois anos de idade. Eu sempre morei aqui. (...) Já
tô acostumada e... Eu acho que daqui, só [saio] quando morrer.
{ 457 }
[Jane] Eu acho que aqui é minha vida. Eu fiz a minha vida aqui e me acostumei já. Acho que
eu não devia morar em outro bairro não. Que aqui eu saio a hora que eu quero, e volto a hora
que eu quero e não tenho medo. Todo mundo me conhece.
[Pesquisadora] O que é que mais agrada você em morar aqui? E quais são os pontos
positivos que você vê, e os pontos negativos?
[Jane] Os positivos é que aqui é uma cidade, uma pequena cidade que tem tudo, perto do
centro, perto de praia. E os ponto negativo é só a insegurança, que ultimamente tá
acontecendo, a sujeira.... Só precisa melhorar isso, a sujeira e a insegurança. Mas o resto
pra mim, tá ótimo.
[Pesquisadora] (...) Você fala sujeira mais aqui, nessa parte mais central do comércio, ou em
geral?
[Jane] Não, em geral. Porque se você andar pelas ruas, infelizmente, é um bairro sujo. Não
que não passe a limpeza pública, passa. Mas eu acho que as pessoas precisam ter um pouco
mais de educação. Só isso. Eu acho que devia haver um trabalho mais efetivo dentro do
bairro, conscientizando as pessoas que não tem o costume da limpeza a ter limpeza.
[Pesquisadora] (...) Você falou da insegurança. Então, ao mesmo tempo em que você se
sente segura em andar por aqui, você se sente...?
[Jane] Porque eu conheço todo mundo. Mas mesmo assim, a gente, hoje em dia, de uns
meses pra cá, a gente tá com medo de andar pela rua certas horas. Que antes, a gente, uma
vez mesmo eu fui pro teatro Barreto Junior, o espetáculo terminou meia noite e a gente
veio a pé, eu e meu marido, de lá até cá. Hoje eu não faço mais isso, por conta da onda de
assalto.
[interrupção]
[Jane] Eu faço prestação de serviço pra um laboratório, aí faço coleta no meio da rua, não
aqui, na rua. É agendado, sabe? O pessoal agenda e eu vou nas casas de manhã, de seis
horas, é de seis as setes [que] eu faço essa coleta, agendo duas, três [no dia].
[interrupção]
[Pesquisadora] Você acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em outro lugar
da cidade?
[Jane] Não.
[Jane] Porque era pra ser aqui, justamente nesse lugar, Deus mandou a gente vim pra cá.
{ 458 }
[Pesquisadora] Por quê?
[Pesquisadora] Você disse que Brasília Teimosa tinha que ser aqui. Mas digamos que, hoje,
deslocassem Brasília Teimosa pra algum outro lugar... E aí, o que é que você faria? E o que
você acha que aconteceria?
[Jane] É muito difícil de imaginar isso, muito difícil, porque eu acho que a gente não ia se
acostumar em outro lugar distante daqui, ia ser uma revolução aqui dentro, eu acho.
[Interrupção da pesquisadora: Em sentido? que as pessoas iriam...] Se unir e lutar pra não
sair daqui, que as pessoas daqui são unidas, teimosas. E a gente tem, assim, algumas
lideranças aqui no bairro que ajuda muito a gente. [Interrupção da pesquisadora: E quem
são, quem você pontuaria?] Tem o conselho dos moradores, tem o Clube de Mães, tem a
Associação dos Moradores, que eles já ajudam, e na hora, todo mundo tem suas
divergências políticas, mas na hora de defender Brasília Teimosa, todo mundo se une.
[Pesquisadora] Você sente que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e como
rio?
[Jane] Tem coisa mais linda do que morar perto do mar e do rio? Tem não. É um sonho.
Muito. Tinha mais, porque o mar ele fornece muito, muita sobrevivência pras pessoas,
porque a pessoa não nem o que comer em casa, mas ele vai ali pesca, cata siri, sururu,
marisco, coloca na calçada, vende e leva o sustento pra casa, já alimenta seus filhos.
[Pesquisadora] O que você acha que o mar e o rio representam para um morador daqui de
Brasília Teimosa?
[Jane] Tudo. Você vê ali a orla, tem muitas pessoas que sobrevivem das barracas dali da orla,
lá no buraco da Véa, conhecido internacionalmente. Muitas famílias dependem do mar, do
comércio, da pesca.
[interrupção]
[Jane] Na segurança e na limpeza, porque é só o que falta aqui, porque o resto já tem tudo.
{ 459 }
[Pesquisadora] E em relação, a especulação imobiliária, o que você acha que vai acontecer
daqui a dez anos?
[Jane] As pessoas do próprio bairro tem que se conscientizar que Brasília Teimosa é nossa.
Porque tá vendendo suas casas pra especulação imobiliária vim, a gente tem que se unir, e
ver, muitas pessoas já venderam suas casas e hoje tá voltando pra Brasília alugada, em casa
de aluguel. Valeu a pena? Não valeu. Vender a sua casa, vai pra outro lugar, não se adapta lá
naquele lugar, vende lá e não dá mais pra comprar aqui, aí fica de aluguel, nem tem mais
casa, nem tem mais dinheiro. E isso é terrível. Você tem que pagar aluguel pra o resto da
vida, quando você tinha a sua casa, boa ou ruim, você tinha a sua casa. Porque eu acho
assim, a partir do momento que você vai pagar um aluguel, quando você tinha a sua casa, é
um sonho destruído. Por isso eu disse que a gente tem que se unir pra não vender as suas
casas, por que já aconteceu vários casos desses.
[Jane] Conheço, mas não sei assim apontar, as pessoas comentam aqui tudinho.
[Pesquisadora] O que é Brasília Teimosa pra você, o que ela representa e significa pra você?
[Jane] Eu sou suspeita porque eu amo Brasília Teimosa, eu gosto demais desse lugar aqui,
aqui eu me sinto, posso está em qualquer lugar, posso viajar, quando passo por ali, pronto!
Me sinto em casa.
[Pesquisadora] Alguma coisa [a] mais que você ache importante (...) [sobre] o significado de
Brasília Teimosa pra você, os moradores e pra cidade que você queira me dizer?
[Jane] Que as autoridades competentes elas pensassem direitinho antes de querer tirar a
gente daqui, porque aqui é uma verdadeira cidade dentro de outra cidade. E se eles
quiserem melhorar Brasília Teimosa, eles sabem como melhorar melhor do que eu. Eu acho
que quem mora aqui é feliz. Eu acho, particularmente, eu acho que eu não me sentiria bem
em outro lugar sem ser Brasília Teimosa.
[Jane] Eu conheço vários bairros por aí, e pra mim, quando chega ali no portal de Brasília
Teimosa, eu tô em casa.
[Cliente da farmácia] Eu trabalho mais de dez anos de táxi, conheci muita gente de Piedade,
Barra de Jangada [não compreensível]. Tinha uma casa na Brasília, meu amigo me obrigou a
vender, até hoje me arrependo, quem vendeu até hoje se arrependeu [não compreensível].
{ 460 }
[Cliente da farmácia] Todos eles pagando aluguel, aqui tem praia, tudo de bom, peixe,
carne, galinha, tem aqui farmácia, supermercado, não falta nada, falta só uma coisa: ônibus
pra gente. Só isso, mas o resto...
[Jane] Brasília é tudo de bom! É porque eu não saio muito mesmo, né? Eu saio muito pouco.
(...) Eu não saio muito daqui, passei cinco anos na faculdade, terminei agora, ano passado,
farmácia lá na Maurício8, mas eu ia de moto todo dia, ia de moto e meu filho me pegava na
volta de carro, ele estudava no ESUDA9, aí eu ia de motoqueiro e voltava com ele, aí eu não
tinha problema de ônibus por causa disso.
Outras Observações:
-
8
Faculdade Maurício de Nassau.
9
Faculdade de Ciências Humanas ESUDA.
{ 461 }
{ 462 }
{ 463 }
{ 464 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 1
[Djalma] Eu moro aqui em Brasília Teimosa desde 1950, final de 1957, e ainda não era
Brasília Teimosa na época, era conhecida como Areal do Pina. Nós viemos do interior, meus
pais de Pernambuco, uma cidade chamada Jurema, e viemos morar aqui. Desde aquela
época eu moro aqui, aí houve a invasão em 1967 pra 68, houve a invasão, nessa época eu
não eu estava aqui [não compreensível], estava em Maceió, quando eu cheguei, aí ainda
participei um pouco. Mas continuei participando da comunidade e por isso que eu nunca
quis sair daqui, porque a história de Brasília Teimosa é de conquista da comunidade, é muito
importante pra mim e pra muita gente, por isso que eu gosto de morar aqui. Casei aqui com
ela [se referindo à esposa], que ela também é do interior, e resido aqui ainda nesse
endereço aqui. Nesse mesmo, rua, naquela época era Rua R, Hoje é Rua Guarajuba, não é?
Nesse mesmo endereço. Meus pais moravam na outra rua, já faleceram, moram meus
irmãos aí, e eu continuo aqui, porque fazer parte, eu tenho orgulho de fazer parte
comunidade, né? E também de fazer parte das lutas da comunidade que eu moro. Por isso
que eu moro aqui, não saio daqui, só se me tirarem daqui, é como aquela “musicazinha”
"daqui não saio, daqui ninguém me tira. Onde é que eu vou morar?" Por isso que eu moro
aqui. Eu e muita gente.
[Djalma] Não, não. Fora daqui da comunidade que a gente mora não, porque cresceu muito,
né? Naquele tempo fazia parte do Pina, hoje em dia tem, eu gosto de dizer pras pessoas que
eu conheço que [tem] a comunidade do Pina, e tem a comunidade de Brasília Teimosa,
então eu moro em Brasília Teimosa, por tem muita gente, agora diminuiu mais, tem muita
gente que quando perguntava: "você mora aonde? Eu moro no Pina". Não, eu moro em
Brasília Teimosa, por causa que o nome de Teimosa, por causa da teimosia do povo, de
invadir, de construir, aí a policia derrubar, construía a noite, a policia derrubava de dia, até
que a policia deixou e ficou aí Brasília hoje, esse mundão de gente, né? Por isso que eu moro
aqui, eu faço parte dessa luta, né? Bonita.
[Pesquisadora] E (...) o que mais lhe agrada em morar aqui, e quais são os pontos positivos e
negativos que o senhor vê no bairro?
[Djalma] Positivo, o que eu vejo é um povo que, apesar de muita gente não morar aqui,
participa muito da comunidade, um bairro popular de pessoas simples, um bairro popular,
perto da cidade, é muito perto da cidade, de minutos de ônibus daqui pro centro da cidade
{ 465 }
de ônibus, de carro menos ainda, por esse motivo, é um bairro que as pessoas se
comunicam muito apesar de ter violência, algumas desavenças, mas as pessoas se
conhecem muito e participam das coisas da comunidade, da luta da comunidade, das
religiões, de tudo. `Por isso que eu gosto de morar aqui, puramente popular, que todo
mundo é participativo, por isso que eu gosto daqui e são saio daqui.
[Djalma] Olha, em morar aqui eu não vejo não, tem algumas coisas, mas pra mim não
diminui a minha afirmativa, eu moro em Brasília Teimosa eu nunca neguei, nem vou negar
enquanto eu viver não.
[Pesquisadora] O senhor acha que Brasília Teimosa poderia estar em algum outro lugar na
cidade?
[Djalma] Rapaz, podia ser, tem outras histórias por aí, mas eu acho que Brasília Teimosa, não
mesmo, nunca, era pra acontecer aqui mesmo, aqui. Hoje nós estamos aqui conversando,
essa aqui era uma área de mangue, de mato, aqui aonde eu estou falando com você era um
campo de futebol, eu morava do outro lado com o meu pai, e aqui era um campo de
futebol, aí depois da invasão, é muito bom morar aqui, eu acho.
[Pesquisadora] E se por acaso, ou por algum motivo, Brasília Teimosa, ela fosse deslocada
daqui, fosse pra outro lugar?
[Djalma] Eu podia ir porque, se fosse alguma coisa do governo, que perdesse, eu ia lutar
muito pra não sair, eu não saio daqui, não saio daqui, daqui ninguém me tira. Faça um projeto
grande, muito grande, aí tirava, mas acho que não tira não, o povo daqui é unido.
[Pesquisadora] O senhor sente que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar?
[Djalma] Com o mar? Tem, tem, por causa dos pescadores que a maioria dos pescadores,
agora nem tanto, mas antigamente moravam tudo aqui, pescadores pequenos assim, e
pescadores de barco também, ainda moram tudo aqui, porque é perto do mar, perto da
maré, aí como muita gente diz, tem muito vizinho meu que vão pescar de anzol, ainda tem
essa paixão pelo mar. Eu não, não tenho muito não, mas muita gente tem ainda, porque é
pertinho, né? Vai andando, tem gente que passa a noite todinha pescando ali no cais, aí que
chama a orla, na orla ali, muita gente passa a noite, meu irmão aí, faz isso, ele, os filhos, e os
amigos dele [Interrupção da pesquisadora: mas por lazer?] Por lazer, por lazer, a maioria é
por lazer agora, antes era pra sobreviver mesmo, por isso ainda mora muitos pescadores,
família dos pescadores ainda moram por aqui. Aqui mesmo mora aquele menino, marido
daquela menina de Nene, ele pesca, pesca aqui dentro da lama, vende, sobrevive mesmo do
mangue, eu não, eu agora até curso profissionalizante eu fiz, aí não vou mais pescar não.
[Pesquisadora] E, em relação ao mar ainda, o que o senhor acha que representa pras
pessoas daqui?
[Djalma] O mar representa pras pessoas? Olha, eu acho que representa assim, como eu
disse, primeiro num, aquela tradição de morar no mar e representa assim, aquela vontade de
dizer assim "eu moro numa comunidade que faz parte do mar, que é perto do mar", que
também representa muita coisa pra mim, né? Tomar banho de praia, muita gente vem de
outras comunidades pras nossas casas passar o dia porque é perto do mar, e se prepara e
{ 466 }
vão pro mar, depois volta e vai embora, enquanto as comunidades, a maioria não tem esse
privilégio que nós temos, de morar perto do mar, por isso também, aqui mesmo...
[Interrupção da Pesquisadora: a tradição, assim, de lazer, né?] De lazer, é, futebol, tudinho.
[Pesquisadora] Entendi. E como é que o senhor vê Brasília Teimosa daqui a Dez anos?
[Djalma] Eu não sei se estou vivo daqui há de anos, mas se tiver, gostaria que aqui fosse
maior, que evoluísse mais a educação, não é? E também, saúde, tem uns postos de saúde,
mas deveria ser melhor. Eu quero que ela cresça mais, seja assim, uma comunidade de
destaque dentro da cidade do Recife.
[Djalma] Já. Pra mim, já. Porque quando dizem assim "onde é Brasília Teimosa?", aí quem
sabe alguma coisa fala quem é Brasília Teimosa, porque tem muita gente que não sabe, por
exemplo, os filhos da gente já não sabe tanto, mas a gente que já chegamos há mais de 40
anos como eu, mais de 50 anos, sabe o que é Brasília Teimosa e o que, assim, a importância
que tem Brasília Teimosa na vida da gente e na vida da cidade, na vida até do Brasil mesmo,
porque é conhecido fora do país, né? [você não] Foi nem a primeira que veio aqui falar sobre
Brasília, perguntar sobre Brasília não.
[Pesquisadora] E, pra o senhor, o que é que Brasília Teimosa representa, assim, o que é que
ela significa?
[Djalma] Então, primeiro eu digo é, foi o lugar que escolhi pra mim viver, pra morar, pra
construir minha vida, meu futuro e da minha família, representa isso. E segundo, é, acho que
representa, assim, um lugar ou um bairro, assim, de muita luta, de muita representatividade
pra mim, para o povo e para a nação toda. Por isso que eu digo, Brasília Teimosa pra mim vale
muito, né? É tanto que é conhecida no Brasil e fora do Brasil, né? É um bairro que nasceu
aqui pela luta do povo, Brasília Teimosa é um bairro que nasceu pela luta do povo, é uma
conquista nossa, do povo. Por isso que o nome dela é Bairro de Brasília Teimosa, muita
gente tem vergonha de dizer, eu não tenho não, porque eu tenho vergonha? Não é crime, é
uma honra pra mim, é uma honra pra mim ser morador de Brasília Teimosa.
Outras Observações:
-
{ 467 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 2
[Amara] Eu morava no interior, né? Aí minha família veio pra cá, também vim, arrumei
emprego e fiquei.
[Amara] Porque aqui as coisas é mais perto, o que faltamos aqui é um posto médico, tem,
mas o que mais falta aqui é isso. Mas é tudo pertinho aqui, as coisas é tudo em cima, e o
que dizer? Também eu não saio de casa. Tem colégio pras crianças, não são tão [bons]... (...)
Tem, e não são distante. Meus filhos mesmo estudaram aqui, eu já tenho bisneto, eu tenho
28 netos e 31 bisnetos.
[Pesquisadora] O que mais agrada a senhora em morar aqui? E quais os pontos positivos
que a senhora vê no bairro? E os negativos?
[Amara] Assim, esse negócio de médico que é mais, a gente tem que sair pra longe, (...) que
aqui devia ter uma UPA também, é coisa que não tem, quando eles querem voto e chegam
aqui na cidade e ainda votam, prometendo que vai colocar um posto médico bom,
prometendo que vai fazer uma UPA, mas a gente sabe que não é verdade, mas eu espero
que daqui pra eu morrer, eu espero que tenha, é, e o negativo, pra mim tá ótimo.
[Pesquisadora] Mas, o que mais (...) agrada (...) a senhora de morar aqui?
[Amara] Acho que a convivência, assim, com os vizinhos, é aquele "bom dia", "boa tarde",
"boa noite" e "tudo bem?" e quando sair e passear, não posso ir pra praia, gosto de olhar,
pescar. [Interrupção da pesquisadora: a senhora gosta de pescar?] De pescar eu amo, é isso
mesmo.
[Pesquisadora] E a senhora acha que Brasília Teimosa (...) poderia ser ter sido construído em
outro lugar? Brasília Teimosa poderia ser em outro lugar da cidade?
[Pesquisadora] Mas a senhora acha que, por acaso, teria essa possibilidade dela...?
{ 468 }
[Amara] Não.
[Amara] Porque eu já disse pra você, aqui é tudo pertinho, feira, mercado, tem shopping
perto, tudo é perto. Eu acho assim, que [se] fosse pra outro lugar, tinha que ter distância
que nem assim. Digamos, o Cabo mesmo, tem um shopping, mas é tão distante que você
tem preguiça de ir lá, que eu já passei e já vi, o Costa Dourada, antes da cidade, e é muito,
assim, esquisito. Eu acho que se a Brasília fosse pra outro lugar, ia ser a mesma coisa e não
tinha estrutura pra fazer um shopping e aqui você tem. Não é? Dependendo dos homens,
né? Do governo que é uma benção.
[Pesquisadora] Digamos, se Brasília Teimosa saísse daqui, fosse pra outro lugar, e aí?
[Amara] Eu ia atrás.
[Pesquisadora] E, a senhora sente, por acaso, que Brasília Teimosa tem uma relação forte
com o mar?
[Amara] Isso aí tem, minha filha! Isso aí eu sei lhe contar bonitinho. Eu morava nos palafitas,
minha casa não era palafita, minha casa era de alvenaria, que agora era, você já entrou na
Rua Albacora? (...) Aonde é o terminal de ônibus? (...) Ali era tudo mar, minha casa era
dentro do mar e quando vinha a maré alta eu ficava nervosa, a minha outra filha me dizia
assim "mãe, a senhora tá acostumada!", mas era muita água, a minha cama era de cimento
acabava com tudo, a água quebrava as paredes, era um horror, carregava o colchão [não
compreensível], eu chorava igual uma criança, mas quando passava tava tudo bem, sabe? A
gente limpava tudinho e ficava ali, porque eu não tinha pra onde ir. Entrava governo, saia
governo, dizia que ia fazer [não compreensível]. Eu comprei essa aqui, mas eu gostava, só
que eu ficava nervosa, porque a maré alta, é mais a noite assim, três, quatro da manhã, aí,
os meninos pequenos, pegava de surpresa, aí, depois teve uma maré muito alta que
quebrou minhas parede, destruiu tudo, fiquei sem nada. Aí passou um bispo, da igreja dos
mormos, sabe? Aí viu a situação, aí mandou construir minha casa. A minha casa ficou uma
senhora casa, quando foi fazer a obra, aí um rapaz disse assim “chega dá pena de derrubar
uma casa dessa”. Mas quando a maré tava cheia eu não ia à rua, porque era meu portão, o
mar. [interrupção da pesquisadora: mas ficava muito alto [a maré], a casa da senhora?]
Ficava, era pedra, mas ela entrava, quem tava lá caia, quem tava na rua entrava, só as
crianças que gostava mesmo. Mas eu gostava, [não compreensível]. Eu vivia assim olhando,
ó! Quando eu escutava na televisão, minha filha dizia “mãe, tenha calma, a senhora tá tão
acostumada a morar aqui", mas não tem quem tenha não. [não compreensível]. E depois
que passou a pista, minha casa foi a última a sair, que não era nem pra ter tirado, porque
fizeram a pista bem assim, tirar meu muro, mas tá bom tô feliz aqui. [interrupção da
pesquisadora: Aí, a senhora teria preferido ficar lá?] Eu teria, mas é o que Deus quiser, né?
Eu me conformo com qualquer coisa, tá ótimo!
[Pesquisadora] E, a senhora acha que, o que o mar representa pra o morador de Brasília
Teimosa?
{ 469 }
[Amara] Pra muitos trabalhadores, pescador, que é a colônia, eles vive disso, de marisco, de
pesca, pra muita gente é ótimo. Muita gente gosta, eu nunca ouvi, assim, dizer " eu não gosto
da Brasília". É tão bom que esse homem aí que tá entrando quer tomar as casas da gente,
comprar, né? A minha eu não vou vender não. E vendo, pra uma que dê pra comprar, pra
mim e meus filhos, aí eu vendo. Mas, [Interrupção da pesquisadora: Esse homem que a
senhora fala é quem?] É, esse cara da [J]CPM, já comprou várias ali, lá fora, disse que ele vai
entrar nessa rua, que ele entre! Porque a minha não sei se eu vendo, dependendo, né?
[Amara] Eu não vejo mais, que eu não vou viver até dez anos mais, eu acho que não. Mas eu
acho que vai ser, pra quem vai ficar aqui, ótimo. Vai ter mais movimento, mais, vai ser uma
coisa melhor, eu espero que daqui a dez anos eu ainda teja aqui, mas eu acho muito difícil.
[Interrupção da pesquisadora: a senhora acha mais movimento em que sentido?] No
sentido comércio, Transporte, que aqui é. É o que é ruim aqui é o transporte, viu? Passa
horas e horas pra vim um ônibus, o que é ruim é isso.
[Amara] É pra fazer comércio, porque aqui é perto de Boa Viagem, de muitos lugares, né?
Tem praia à vontade, tem turista, o que é que eles querem? Brasília Teimosa. Já tiraram até o
nome, mas foi um reboliço, botaram Brasília Formosa, mas Brasília é Teimosa. Você sabe por
que o nome daqui, né? (...) Porque fazia os barracos, a polícia vinha e derrubava, noutro dia,
os barracos tava levantado, aí botaram o nome de Brasília Teimosa, que é Teimosa mesmo.
Muita gente não tem aonde morar, fazer o quê?
[Pesquisadora] O que Brasília Teimosa é pra a senhora (...)? O que é que ela representa, o
que ela significa?
[Amara] Aqui é o lugar que eu moro, não tem o que dizer. É tudo! É o lugar aonde eu boto
minha cabeça, descanso com meus filhos, cheguei à minha velhice e tá ótimo. Eu vim praqui
ainda jovem.
[Amara] Ai, eu pescava muito, na porta, porque o mar ficava na minha porta. Pegava uma
lâmpada, não tem aquelas lâmpadas fluorescente? Eu cortava, quebrava, lavava, ela ficava
bem limpinha, eu botava farinha de trigo, botava um cordão e um pedacinho de Isopor,
chegava lá dentro do mar, ficava sentada na pedra o dia todo, pegava uma bacia de peixe,
viu? Pegava uma bacia de peixe, tinha um vizinho que já chegava com uma bacia, "Amara, eu
tô aqui", aí eu dava na hora, porque eu não tinha precisão de tanta comida. Cada uma saúna
deste tamanho! Você sabe o que é saúna? Que chama Tainha de água doce, de água salgada,
é um peixe grande. Tinha lâmpada que vinha só uma, de tão grande. Botava dez lâmpada
daquela e ainda precisava de anzol. Eu gostava, aquilo era tão bom, viu? Pra...[Interrupção da
pesquisadora: Aí a senhora deixou [de pescar] quando veio embora pra cá [para casa onde a
entrevistada mora atualmente]?] Eu vim praqui, aí tamparam, só tem do lado das pedras, as
pedras só vai rede [Interrupção da pesquisadora: Aí tem que ser pescador mesmo, né?
Profissional...] É, ali, por ali em Brennand tem tanto pescador, aí me dá uma inveja, todo
mundo me conhece " vem, Amara, pescar" aí eu [digo] "vô não" , mas que eu gostava, eu
gostava.
{ 470 }
[Pesquisadora] A senhora acha que mudou alguma coisa, assim, o que é que mudou na sua
vida quando a senhora deixou de morar lá e veio morar aqui mais distante?
[Amara] É aquela história que a gente conta, "Eu era feliz e não sabia", né? Lá eu era mais
tranquila assim, era mais... [interrupção da pesquisadora: mesmo entrando água?] Mesmo
entrando água era, aí eu digo "Eu era feliz e não sabia".
Outras Observações:
Dona Mara morava em uma casa de alvenaria próxima às antigas palafitas. Ela se mudou
quando houve a retirada dessas habitações da orla para a construção da Avenida Beira-mar
do bairro. Ela foi indenizada e comprou uma casa em outro local da Brasília, onde vive hoje.
{ 471 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 3
[interrupção]
[Alcydes] Nasci na maternidade Pedro II, ao lado do IMIP, e desde criança, minha infância,
adolescência e adulto, a vida toda, a vida toda, né?
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) E por qual motivo você mora aqui, hoje, na Brasília Teimosa?
[Alcydes] O motivo é que eu já me adaptei na Brasília, e são vários motivos, porque a gente
encontra na Brasília tudo, ou quase tudo, é, comércio, vários tipos de comércio,
supermercado, farmácia, lojas de artigo feminino, masculino, é, frigoríficos, é, peixe, carne,
frango, etc., etc. e várias outras coisas. É um bairro muito próximo do centro e tem uma orla,
uma praia, onde a gente pode desfrutar da natureza, de um lazer. A praia como pesca e lazer
e outras opções, a gente tem um rio, né, que o Recife é banhado por Capibaribe e Beberibe, e
a gente fica bem próximo de um deles, né? E vários outros motivos né, eu podia enumerar, é,
por eu sentir mais confiança, por eu, é, o ir e vir, você ter o direito de ir e vir sem, sem ter
medo, sem tá com receio de nada, então, é uma comunidade que a gente já se adaptou e
que a gente leva a nossa vida numa comunidade dessa, você não quer mais sair daqui ou ir
pra outra comunidade, embora que você vá pra outra comunidade só visitar, mas pra o seu
local de origem você sempre volta (...).
[Alcydes] Já.
[Alcydes] Por causa da mobilidade também né. Mas eu só penso, eu só pensei, mas deixar
mesmo, eu não deixaria.
[Alcydes] Sim.
[Pesquisadora] Tudo? Mas assim, uma coisa que mais agrada a você.
[Alcydes] (...) São tantas coisas né? (...) Por o bairro ter tudo, assim, o que marca mesmo é a
hospitalidade dos moradores, o cuidado que a gente tem um com o outro, a história de luta
que a gente tem, isso é que me apega muito, né, é, uma luta que é de todos, e essa luta não
acaba, tem um histórico de luta que essa história vem, assim, no momento também
acontecendo. Pronto, a luta do povo.
[Pesquisadora] Entendi. E você acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em
outro lugar?
[Alcydes] Não, porque não seria Brasília Teimosa. Porque, é, até onde eu sei, e eu me
recordo, eu era criança, mas quando tava fazendo, num é, me parece que o nome era
[porque] Juscelino Kubitscheck tava fazendo Brasília, Distrito Federal, e as pessoas estavam
invadindo Brasília Teimosa, por isso que botaram o nome de Brasília Teimosa. Então, não
podia ser em outro lugar esse bairro.
[Pesquisadora] Mas, por que, quais características (...) que fazem com que esse bairro não
pudesse ser em outro lugar?
[Alcydes] Como eu lhe falei, são várias características, e uma delas são as pessoas, a pesca,
um bairro que você, as pessoas, se tiver desempregada tem onde botar um comércio, ir pra
praia vender alguma coisa pra arrumar seu sustento, num é, tem o mar que é riquíssimo,
então, é, a diversidade é muito grande, se você for enumerar, são tantas, que justifica tudo
isso, né, que você me perguntou [não compreensível].
[Pesquisadora] (...) Se Brasília Teimosa fosse deslocada pra outra parte da cidade, o que é
que aconteceria, o que você faria?
[Alcydes] Aí eu não ia permitir. Eu, minha comunidade, não ia permitir que a gente fosse
deslocado pra outra, que existe uma história, uma história não se muda, ok? A gente não
{ 473 }
pode mudar o que já passou, né, o passado, o presente nem o futuro, então isso não se
muda.
[Pesquisadora] (...) E vocês de Brasília Teimosa têm uma relação forte com o mar e o rio?
Por quê?
[Alcydes] Sim, muito forte. É, o mar, por exemplo, é, o oceano, é, tem pessoas que vive da
pesca. O mar é a natureza aonde você respira o ar puro, onde as pessoas vão fazer seu lazer,
num é, e desfruta de muitas coisa além da, do que, o mar pode oferecer que é a pesca, outros
tipo de coisa, assim, a natureza, o lazer, como eu falei, é, a mão de Deus não deixa que esse
mar invada, é, pra invadir, só pode ser a mão de Deus, porque o mar tão imenso, e quando
chega, né, numa certa parte, ele para, então Deus para ele, onde o mar ele enche, seca e
enche, então, isso é a natureza de Deus, a gente tá desfrutando de uma natureza de Deus, e
o rio é onde banha o Recife, onde a gente pode ter várias pontes, é, a parte histórica de
Recife, do Recife, os museus, as coisas que esse rio banha, não é, são várias pontes.
Inclusive tem a Ponte Paulo Guerra, que é bem próxima à Brasília Teimosa, não sei se existe
um projeto, mas me parece que existe, mas essas coisas pra sair do papel, demora, de se
fazer uma ponte ligando Brasília Teimosa ao centro do Recife, ali no Recife Antigo, não é?
Mais ou menos por ali ou no Cais de Santa Rita, por ali naquela área. E, então, esse rio é
muito importante pra, é, desaguar alguns canais, né, infelizmente o rio tá muito poluído,
não só por umas pessoas, mas, o, empresários, empresas, fábricas, que jogam dejetos nesse
rio. Também me parece que existe um projeto, não sei se é do governo federal, ou do
governo do estado, município, pra a dragagem desse rio, pra melhorar, limpeza e dragagem
desse rio, né, pra ser um cartão postal melhor de Recife. Essa é a importância que eu vejo no
mar e no rio. E Brasília Teimosa fica diante dessas duas coisas, do lado do mar, do lado do rio,
a Brasília Teimosa é uma ilha maravilhosa.
[Pesquisadora] (...) E o que é que o mar representa, o mar e o rio representam para o
morador de Brasília Teimosa?
[Alcydes] Ah, pro morador é tudo, porque os moradores já se acostumaram com essa beleza.
Por exemplo, as pessoas que saíram do interior do estado e vem visitar Brasília Teimosa vai
ficar de queixo caído por ter um mar e um rio tão grande e um bairro onde passa essas duas
coisas, e as pessoas ficam “Como é que pode tanta água perto de um bairro tão...”. Já vi
pessoas vindas do interior do estado e ficaram muito impressionados por ver tanta beleza,
então, isso representa pra Brasília Teimosa um cartão postal, ok?
[Alcydes] Ai, eu vejo, eu vejo, assim, o progresso, queira a gente ou não, o progresso vai
chegar.
{ 474 }
[Pesquisadora] De fora, assim, né, você diz?
[Alcydes] Sim, acho que um prédio comercial, não é, já tem um e, provavelmente, um hotel
[não compreensível] também e um residencial. Agora, desde que não seja no contexto da
zona ZEIS, que Brasília Teimosa é uma zona ZEIS, mas no entorno, sim. E alguns pontos
turísticos. A gente precisa ter, é, como eu falei, nessa parte do rio, onde vai haver alguns
diques e passeios de lancha, né, isso só vai melhorar o bairro. Então, eu vejo daqui a 10 anos
o bairro de Brasília Teimosa não sendo mais uma favela, e sim uma comunidade que
progrediu, não é, ainda as construções, elas foram feitas sem, vamos dizer assim, sem
planejamentos, sem um engenheiro, né, engenheiro que [não compreensível] e vamo
construir, construir no peito, na raça, mas que algumas já tão mudando, já tá botando
cerâmica, já tão pintando. Então, provavelmente daqui a 10 anos, essas edificações próprias
que as pessoas fizeram por conta própria, elas vão tá mudadas, vão tá melhoradas. E por
que fizeram primeiro andar, segundo andar, dentro de Brasília Teimosa? Porque o metro
quadrado de Brasília Teimosa ficou muito escasso, então as pessoas cresceram família e
começaram a fazer algumas edificações de primeiro e segundo andar, até terceiro andar, né,
então passa de pai pra filho, né, e aí só precisa uma regularização fundiária, um
planejamento, né, e eu vejo Brasília Teimosa daqui a 10 anos com muita conquista ainda.
[Pesquisadora] (...) O que Brasília Teimosa representa pra você, o que ela significa?
[Alcydes] Pra mim significa tudo, é por isso que eu vejo em Brasília Teimosa um local de,
futuramente, turístico, uma área boa de lazer, esporte, lazer, e melhorar também na
questão de saúde, segurança, né, em alguns pontos. Como o bairro, ele tá crescendo, e todo
o progresso, há um, né, é, as pessoas ficam visando, aquele lugar melhorou. Não só em
Brasília Teimosa, como nos bairros, é, Espinheiro, Boa Viagem, Aflitos, alguns bairros de
classe média, média-alta, também existe uma certa, é, violência como roubos, né isso?
Dentro de Brasília Teimosa a gente vê, a gente sabe que não é da comunidade, é pessoas
que vêm de fora, de outras comunidades que, infelizmente, veem Brasília Teimosa como
um lugar que tá crescendo, e as pessoas, a condição de vida vai melhorar. (...) Então, o que
representa pra mim é tudo de bom, tudo de melhorar, melhorar, tudo vai melhorar pra mim,
tudo em Brasília Teimosa é luta e conquista, então representa pra mim tudo, é minha vida, a
vida e a história da minha família, dos meus pais, que foram pioneiros aqui, minha mãe foi
uma das primeiras moradoras, o pai e a mãe da minha mãe foram um dos primeiros
moradores, né, e passou de pai pra filho. Então isso é tudo, é uma história, uma vida, né?
Outras Observações:
Maninho tem um problema grave de visão. Anteriormente ele enxergava normalmente,
porém, o seu caso vem se agravando nos últimos anos, e hoje ele praticamente não vê mais
nada. Apesar disso, pela sua vivência na comunidade, ele consegue se locomover com
destreza em seu território. O conheci no Conselho de Moradores, e nos dois primeiros dias
de entrevistas, ele se disponibilizou a me acompanhar na comunidade para me fazer
conhece-la e também conhecer alguns dos seus moradores. Mesmo sem enxergar, Maninho
foi os meus olhos na Brasília.
{ 475 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 4
[Pesquisadora] (...) Por qual motivo você veio morar aqui em Brasília Teimosa?
[André] Já.
[André] As família, né, mais perto um do outro, as localidade, fica uma mais perto da outra,
o centro, o comércio...
[André] Tranquilidade, né. Por causa da tranquilidade. Aqui no bairro, além de ser bom, dá
pra pescar também, né? Isso aqui é tranquilidade, você chega do trabalho, você quer
descansar, tem a calma, né? Pra recarregar as energias pra no outro dia trabalhar.
[Pesquisadora] (...) O que agrada mais você em morar aqui no bairro, e quais são os pontos
positivos e os negativos que você vê?
[André] Segurança.
[André] Negativo.
{ 476 }
[Pesquisadora] Mais algum ponto negativo?
[Pesquisadora] E positivo?
[André] Só.
[Pesquisadora] Você acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em algum outro
lugar da cidade?
[André] Por conta do, assim, aqui a gente tá tão acostumado a ver gente, ver esse mar aí, que
a gente se apaixona, amor à primeira vista. Quem vem de fora vê esse mar ai e se apaixona.
(...) Você mora distante do mar, a gente mora bem pertinho, ai vem aqui, a praia ali, ai se
apaixona logo, pronto, é isso.
[Pesquisadora] (...) E se por acaso, hoje, Brasília Teimosa fosse deslocada pra outro lugar?
[Pesquisadora] (...) Você acha que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e com
o rio?
[André] É. É uma renda, né? Vive da pescaria, a maioria dos pessoal aqui é pescador, né?
[Pesquisadora] Entendi. E o que você acha que o mar representa pra um morador de
Brasília Teimosa?
{ 477 }
[André] Minha visão?
[Pesquisadora] Mas você acha que ela vai melhorar ou vai piorar?
[André] Eu espero que ela melhore, né? Que ela melhore mais ainda. E no momento que a
gente vive, em termos, tá muito, você vê muitas coisas que você não quer ver, a
bandidagem tá crescendo, os jovens tudo se entregando às drogas.
[André] É, exatamente.
[Pesquisadora] (...) E, pra você, o que Brasília Teimosa é pra você, o que ela significa pra
você?
[André] Tudo.
[André] Só, a minha expressão só é essa, “tudo”. Boa, tranquilidade. Pronto, você chegar
aqui no bairro e disser assim... Pronto, é, você não mora aqui, aí, você, dá uma hipótese,
você é casada, “ah, tu conhece fulano?”, “conheço não”. “Mas tu conhece o esposo dela?”
“ah, André!, mora ali, ó”. Todo mundo logo conhece. Um bairro que se você chegar assim,
se você chegar ali, pronto, no meio da avenida, disser assim “senhora, vou pra Brasília
Teimosa, tu conhece um rapaz chamado André?” “André... André... Ah, é um vigilante,
baixinho, mora em tal canto, assim?” Todo mundo sabe quem é.
[André] É.
Outras Observações:
-
{ 478 }
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 5
[Verônica] Desde que eu me entendo por gente, (...) desde que isso aqui ainda era mangue.
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) A senhora provavelmente veio com os pais, né? A senhora sabe por qual
motivo eles vieram (...)?
[Verônica] É porque, desde pequeno, eles cresceram aqui mesmo, moravam aqui, aí saíram
de um lado, quando casaram, morava do outro lado, aí viram uma casa que foram fazendo,
entendeu? Aí, tão morando, já mora aqui já faz muito tempo, entendesse?
[Pesquisadora] A senhora mora aqui por quê? Por qual motivo a senhora permanece aqui?
[Verônica] Porque a única solteira que tem sou eu, tô aqui dentro de casa ainda para ajudar,
pra tomar conta dele sou eu, porque o resto tá tudo casado, tá tudo, saiu tudo, um mora
em Natal, outro mora em Olinda, outro mora no terminal de Setúbal.
[Verônica] Já pensei, mas, por enquanto, eu não posso pensar em nada agora, só pra
depois, entendesse? Porque eu não posso deixar os dois agora, não pode, isso só pro futuro,
futuro.
[Pesquisadora] Mas se a senhora pudesse morar em outro lugar, a senhora moraria onde? A
senhora permaneceria aqui?
[Verônica] Por mim, não tem nada de reclamar daqui, eu só não pensei nesse outro local
porque, nem nadinha não, entendesse? Porque pra vista de tantos lugares que tem da
bandidagem, eu acho que aqui, por mais que teja, a gente vê tudinho, a gente mora aqui há
mais de cinquenta anos, entendeu? Vejo assalto, vejo tudo, mas a gente tende a não...
Entendeu? Quando minha irmã chega, ela dorme aqui, deixa o carro aqui de fora e nunca
aconteceu nada, entendesse? A gente sai de madrugada aqui, não faz medo. Em outros
cantos, se você sair é arriscado, entendeu? Aqui mesmo, você sai de meia noite e vai pela
Brasília, agora se for pelo lado do bode, é muito difícil, entendeu? Pro lado de cá é mais fácil
[Interrupção da Pesquisadora: É mais seguro, a senhora acha?] É, embora que teja tudo...,
mas é mais seguro.
{ 479 }
[Pesquisadora] (...) O que a senhora acha ruim aqui no bairro, e o que a senhora acha bom?
E o que mais agrada a senhora em morar aqui?
[Verônica] O ruim é que tem hora que a gente tá lá, a gente vê assim, é a mesma coisa sair
de meia noite, uma hora da manhã, parece festa, entendeu? É agitado, entendeu? Porque é
bom e não é, né? Porque a madrugada você quer dormir, descansar, tudinho. É bom
agitação, porque o lugar que tem muitas pessoas é mais difícil ocorrer as coisas, você pode
ficar andando pro canto e pro outro, entendeu? Mais gente, agitado no mei da rua, mas...
Reclamando, aqui é bom porque é perto de tudo, você [ir] pra cidade, você não vai, porque
por aqui tem [tudo], entendeu? Não tem o que reclamar daqui [Interrupção da
Pesquisadora: Só mais ou menos essa...] É. Por conta do barulho, do barulho.
[Pesquisadora] A senhora acha que, por acaso, Brasília Teimosa poderia ter sido construída
em algum outro lugar da cidade?
[Verônica] Não, acho que o lugar pra ela foi certo mesmo, pra Brasília Teimosa.
[Verônica] Não sei, né? Porque eu já tô tão acostumada com o bairro, porque pra sair pra
outro, outro local, entendeu? Sair por aí, tudinho, eu não sei, eu só me agrado daqui, eu só
gosto daqui mesmo, entende? Possa ser que com o tempo, com mais idade, tudinho, você
se acostume mais, ainda não parei pra pensar nisso não, entendeu? Por que ia acabar
Brasília, e ia ficar como Boa Viage, destruir, vai ser poucas pessoas que tem residência agora,
entendeu? Porque isso aqui tudo estão tentando é urbanizar, colocar prédio, colocar isso aí
que estão fazendo. Quem conseguir continuar com suas casinha tudo bem, também quem
não conseguir...
[Pesquisadora] E, em relação a isso o que a senhora vê Brasília Teimosa daqui a dez anos,
daqui a dez, como a senhora vê Brasília Teimosa? O que a senhora acha o que vai
acontecer?
[Verônica] Eu espero que ela teja melhor do que tá, entendeu? Pra vista de quando estou
aqui, ela já mudou muito, entendeu? Modificou muito, entendeu? Tem muitas coisas
diferentes aí, mas precisa ainda, eu acho, acredito que mais, é, tem ensinar mais ao povo,
mais, como é que se chama, como é que eu falo, eu digo assim, pobre não é defeito, eu
acho que as pessoas deviam ter mais, aprender a ser mais dedicada, acho que devia ter, sei
lá, uma coisa pra ensinar as pessoas e tal, entendeu? (...) Porque aqui é um lugar muito
propício, qualquer coisa que você colocar aqui, a turma, tem coisa que quando se une,
algumas pessoas conseguem aquilo que eles querem, entendeu? Mas quando eles se
afastam, pra qualquer outra coisa, fica mais difícil, certo?
{ 480 }
[Pesquisadora] E em relação a essa questão que a senhora disse que o pessoal quer tomar
Brasília Teimosa, o que a senhora acha que pode acontecer em relação a isso? Assim, do
pessoal tomar, do pessoal não tomar daqui a dez anos... O que a senhora acha?
[Verônica] Porque eu acho que fala mais o que tem dinheiro, o que não tem, tem que ficar
submetido a essas coisas, quem precisa tentar, entendeu? Mas eu não acho que deveria ser
assim, deveria dar pra todo mundo, eu acho que as pessoas, porque têm, acho que não
deveria monopolizar, humilhar as pessoas que não têm, querer tirar dos que não têm, se
pode trabalhar, se pode utilizar das pessoas aqui pra outra atividades pra eles mesmo,
entendesse? Isso é questão de cada um.
[Pesquisadora] E a senhora sente que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o rio e
com o mar, ou não?
[Verônica] Sim.
[Pesquisadora] (...) O que a senhora acha que o mar representa pras pessoas aqui, o mar e o
rio?
[Verônica] Pra maioria aqui, eu tenho certeza, muitos vivem da pesca, entendeu? Que muito
vive da pesca, entendeu? Que uma certa parte da Brasília vive da pesca, entendeu? Vive da
pesca.
[Pesquisadora] E o que Brasília Teimosa representa pra senhora? O que ela significa?
[Verônica] Xô vê, um pedaço da minha infância, assim, né? Porque quando eu vim pra cá,
desde que eu me entendi por gente aqui, isso aqui era mangue, não tinha Brasília. Como eu
tô dizendo, era antigamente, aquelas feiras que o pessoal vinha, com aqueles sacos pesados
que tinha que... É uma história, entendeu? Uma história, entendeu? Que hoje as pessoas
estão querendo apagar, e isso marca muito, entendeu? Como se fosse um interior, porque
tem marca, entendeu? Porque tem lugares que marca, tem isso, aquilo outro, entendeu? Pra
muita gente, isso aqui representa muita coisa, entendeu? [não compreensível].
[Verônica] É, pra mim é, né? Eu creio que também pra algumas pessoas daqui, entendeu?
Porque quem viu Brasília e tá vendo aí como ela tá hoje, viu o crescimento dela, viu isso,
aquilo outro, viu o avanço, entendeu? E sente falta de muitas coisas que tinha no passado.
Outras Observações:
-
X
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 6
{ 481 }
Nome: Maria Rita da Silva
Idade: 74 anos
Profissão: Dona de Casa
Tempo de Moradia na Comunidade: 56 anos
Local de Moradia: Orla. Na curva antes da Praça São Pedro
Data/local da Entrevista: 07/05/2017 – Residência da Entrevistada (Avenida Brasília
Formosa)
[Maria] Quando eu cheguei praqui, aqui não tinha casa, não tinha nada, era o mar. (...) Eu
vim praqui pra dentro do Recife, isso aqui não tinha casa, [não compreensível]. Aí foi onde o
pessoal foi chegando, aí a Marinha não queria, o pessoal fazia a casa, a Marinha vinha e
derrubava. Um ano depois, quando a Marinha ia simbora, o pessoal levantava, e era assim,
até que ela deixou de mão, ela deixou, aí formou uma cidade que você vê, a Brasília no Pina
é uma cidade, né? Aí pronto, hoje em dia, a minha casa era de tábua, que eu não podia fazer
de alvenaria, aí eu fazia e me enfiei debaixo, quando a chuva vinha parecia que eu tava no
cao[s]. Mas, Deus é, a gente vai vivendo, né, e Deus vai nos vendo. Os meu filho foram
crescendo, aí entrou um no quartel, a outra é enfermeira, a outra trabalha, tudinho, aí
levantou, aí levantou, uma mora aqui, outro mora lá trás, sendo no primeiro andar, e tá
fazendo pra outra. E assim é, mas, o que tá me incomodando mais é negócio de maconha,
maconha, essas crianças tá ficando perdida, porque a gente quer criar os filhos de um jeito,
dentro de casa em uma, mas quando sai ninguém sabe o que acontece, né? E é muito, é
muito, o bairro eu acho belíssimo, viu? Porque é perto da praia, é perto da Brasília que tem
mercado e ônibus passa, tem carro, tem tudo, aqui não tem cheia. Eu acho uma delícia, viu?
Eu agradeço o Prefeito e o Governador que fez isso aqui, [Interrupção da pesquisadora: a
avenida, né?] a avenida. Porque quando eu cheguei era lama, lama, quando chovia o mar
entrava, quando eu vim praqui o mar entrava.
[Pesquisadora] A senhora já morava aqui mesmo, né? Sendo que era [uma casa] de madeira
antes?
[Maria] A gente que fez, mas era areia, era um areião, mas o mar quando enchia não tinha
muro, o mar vinha simbora. Hoje em dia tem, eu agradeço aquele Governador, Presidente,
como é?
[Pesquisadora] Lula?
[Maria] Eu agradeço muito ele (...). Eu mesmo falo, eu mesmo agradeço muito, muito
mesmo. Ele fez o muro, ajeitou, fez a pista e fez, dividiu aqui a rua da gente, eu tô muito
feliz. Eu agradeço, eu só saio daqui pra o cemitério. Meus filhos também, não quer sair daqui,
eu agradeço.
[interrupção]
{ 482 }
[Maria] Não.
[Maria] Oxe, porque eu acho maravilhoso, né? Porque se a gente for pra alguma outra
cidade, eu vejo barreira cair todo dia, a cheia, na cidade mesmo, na cidade, se chover 24
horas o mar vai invadir. E aqui não, só se for por vontade de Deus, né? O mar pode encher,
e nada pra Deus é difícil, mas aí eu confio muito em Deus, que Ele não vai fazer isso não.
[Pesquisadora] (...) E o que é que mais agrada à senhora em morar aqui, e quais são os
pontos mais positivos que a senhora vê e os mais negativos? [Quais] as coisas mais positivas
e as coisas mais negativas, e o que é que a senhora, assim, o que é que agrada mais, assim,
de morar aqui?
[Maria] Pronto, eu acho de um tudo, não tenho o que dizer não. Acho tudo bom.
[Pesquisadora] Entendi, mas a senhora gosta de quê, assim, aqui, o que é que a senhora
acha bom (...)?
[Maria] Eu acho dia de ano é muito divertido, dia de ano [novo], dia de São João... Só não
gosto de carnaval.
[Pesquisadora] A senhora acha que a comunidade poderia ter sido [construída] em algum
outro lugar da cidade? Ou tinha que ser aqui mesmo?
[Maria] Eu acho que não. Eu acho que o pessoal [não compreensível]. Porque quando a
pessoa constrói uma obra, não quer desfazer não.
[Pesquisadora] (...) E se por acaso tirassem a comunidade daqui, levassem pra outro lugar, o
que é que a senhora faria? O quê que a senhora acha que aconteceria?
[Maria] Eu prefiro vender. Mas não queria morar em outro lugar assim, feioso não. Eu ia
procurar outro lugar melhor, for pra um lugar do agrado da pessoa, né? Porque tem vez que
a pessoa quer tirar e bota em qualquer lugar.
[Pesquisadora] A senhora sente que a comunidade aqui, ela tem uma relação, tem a ver
com o mar (...)?
[Maria] Olhe, aqui é mais pescador, tem a colônia aí do pescador. E os meninos vai nascendo
na profissão do pai e vai continuando, é por isso que eles não querem, muitos não querem.
Meu marido mesmo, agora não, ele tinha dois barcos de pescaria, um filho puxou a ele, meu
genro também, aí, então, eles não querem sair de perto do mar.
[Pesquisadora] (...) O que é que a senhora acha que é o mar (...) pra essas pessoas que
moram aqui?
{ 483 }
[Maria] “Oxe”, rapaz, é a vida do pescador.
[Pesquisadora] Como é que a senhora imagina aqui, esse lugar daqui a 10 anos?
[Maria] Olhe, do jeito que vai, eu acho muito, muito perigoso. Olha, a gente, só Deus que
resolve, porque eu tô vendo tanta violência. Não é o bairro, não é a cidade, é a comunidade
que faz a violência, porque se não fizesse, menina, era um paraíso. É, é ladrão, é matando, é
tudo. E o Prefeito também, o governo tem que tá em cima, “oxe”. (...) Apois, minha filha, é
isso o que eu tenho de dizer, eu tenho meus filhos, eles adora aqui, nascido e criado aqui.
[Pesquisadora] (...) Agora, diga, a senhora, o que é que a senhora acha que (...) vai tá daqui
a um tempo aqui, assim, vai ter prédio, não vai ter prédio, as coisas vão continuar aqui...? O
que é que a senhora vê (...) de mudança?
[Maria] Olhe, minha filha, isso aqui, de primeiro, eu não dava nem um centavo, mas hoje em
dia, vai tirar os pobres, mais pobres, pra fazer. Porque no lado dali era tudo casinha, tudo em
cima de, dos pau, (interrupção da pesquisadora: as palafitas, né?) isso, ali era todinha,
todinha, que foi que chegaram, tiraram tudinho, né? Botaram pra lá, não sei pra onde,
espalharam, e aqui, eu já, a gente tá com medo, eu já tô com medo que venha pra tirar essa
área daqui. Eu gosto nem de pensar, aqui é perto de hospital, é perto de fazer as suas
compras, perto de pegar um ônibus pra ir pra cidade e tudo, aqui não falta água, graças ao
meu Deus, e eu acho aqui muito bom. O que mais demora são os ônibus. Fico na parada um
pouquinho [não compreensível].
[Pesquisadora] E o que é que esse lugar aqui representa pra senhora, o que significa?
[Maria] “Oxe”, minha filha, pra mim é tudo, minha filha. Pra mim, a gente se levanta, olha, vê
o céu, vê o mar. A gente toma o ar [da] natureza, da natureza, porque o que é que tem aqui
pra, né, poluição? Não tem, aqui tem a natureza do mar que traz o vento, e eu acho, eu não
troco o bairro daqui por nenhum. (...) Não tem, aqui tem a natureza do mar que traz o vento,
e eu acho, eu não troco o bairro daqui por nenhum.
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PAISAGEM TEIMOSA
{ 484 }
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 7
[Pesquisadora] (...) O que é que mais agrada você em morar aqui, quais são os pontos
positivos e os negativos que você vê?
[Rogério] Ponto positivo, é bom porque é perto de praia, a gente quer ir à praia, vai ali
rapidinho, tem shopping, tem tudo aqui.
[Pesquisadora] Entendi, ou seja, você consegue fazer as coisas por aqui, né?
[Pesquisadora] Você acha que a comunidade aqui poderia ter sido construída em outro
lugar da cidade ou tinha que ser aqui mesmo?
[Rogério] Porque...
[Mauricéa] A gente nasceu e se criou aqui e se acostumou com a localidade, né? Já passou a
vida aqui, ai se sair daqui, fica muita gente desorientada.
[Rogério] Se perde no mundo por aí... E não é à toa que a turma chama Brasília Teimosa, né?
[Rogério] Isso é!
[Pesquisadora] E se, por acaso, Brasília Teimosa fosse, hoje, deslocada pra outro lugar, e aí,
o que é que aconteceria? O que você[s] faria[m]?
{ 485 }
[Rogério] Eu acho que tem muita coisa a acontecer, gente de idade que mora aqui não ia
aceitar, principalmente, os novos também, né? De idade não vai aceitar porque, porque tem
gente que vai ficar doente logo, vai perder quem é mais velho que a gente, pode morrer, né?
[Mauricéa] Quer ver? Você chega no local, você constrói sua vida ali, você já se acostumou, já
se adaptou, faz de conta, tiram você de um lugar pra o outro, você fica todo perdido, sem
saber o que fazer. Porque ali, você cria neto, bisneto, tataraneto, tem colégio perto, trabalha
perto, entendesse? Ai, sei que de vez em quando rola confusão, protesto, né, que sempre
querem tirar o lote das pessoas que, de um local para o outro, que nem houve o negócio do
presídio ali, vê a bagunça que teve?!
[Pesquisadora] E vocês acham que Brasília tem uma relação forte com o mar, com o rio?
[Mauricéa] Tem, aqui mesmo tem aquele, aquele colégio que trabalha com o negócio dos
mangues.
[Rogério] É, o manguezal.
[Mauricéa] É, organizado aqui. Aqui tem muitos pescadores que sobrevive da pesca, né,
marisqueira, né, que sobrevive. A maioria dos pessoal aqui tem a sobrevivência com o mar
mesmo.
[Mauricéa] É, sobrevivência. Quer ver? Tiraram os pescadores ali das palafita, butaram lá
pro, pra Caxangá.
[Mauricéa] Muita gente venderam e vinheram simbora pra cá, né, porque são os carroceiros,
o pessoal trabalha com isso por aqui, né?
[Mauricéa] Até carroceiro, que não vive disso, mas vive da praia, né? A maioria deles, aqui, é
assim, se botar pra longe, vão vender e vão voltar de novo. É isso que acontece (...).
[Pesquisadora] (...) Então o que é que vocês acham (...) que o mar e o rio representam, aqui,
pra um morador da comunidade?
[Mauricéa] Rapaz...
[Mauricéa] Ah, gostam muito, viu? Muitos aqui faz, como é o nome, a caminhada, né, esses
negócio de, que os médico manda, né, é, tem as sobrevivência dele, como eu acabei de
dizer a você, eles gostam muito aqui do mar. Gostam mesmo.
{ 486 }
[Pesquisadora] Entendi. E como vocês veem a comunidade daqui a 10 anos?
[Mauricéa] (...) Porque os ricos já tão tudo de olho aqui. É, daqui a 10 anos eu acho que não
me vejo aqui mais não.
[interrupção]
[Mauricéa] Daqui a 10 anos vão fazer o possível pra tirar a gente daqui.
[Mauricéa] Já botaram pra... Já lutaram pra não conseguir tirar a gente, né, mas tão sempre
de olho aqui.
[Rogério] Poder eles tem, né? Aí, junta com o poder público, tudo, bota pra fora, com certeza.
A gente pedia assim, “da minha casa, só saio com 300 mil”, e aí? Ele chega e dá o que quer.
[Rogério] Feito aqui a orla, eles deram o que quiseram, só não me deram o pouco porque
não tem necessidade não, eu vou morar aonde? Porque esse dinheiro que você tá dando,
vai ali, e compra uma casa pra mim. Aqui mesmo, se você comprar, eu saio. Ele não vai
comprar porque sabe que tá caro.
[Pesquisadora] E o que é que Brasília Teimosa é pra vocês? O que ela significa pra vocês?
[Mauricéa] Rapaz, eu não posso dizer que pra mim é tudo, que pra mim, é, só quem é tudo
pra gente é Deus, né, mas eu acho que, é, se eu sair daqui, eu acho que eu não me adapto
em outro local não. Porque aqui é perto de tudo, né, ai já facilita mais a vida da gente.
[interrupção]
[Mauricéa] Rapaz, ninguém faz questão de sair daqui pra canto nenhum.
{ 487 }
[Mauricéa] É, tá na praia, a gente toma um “guaranázinho”, é...
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0PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 8
{ 488 }
Idade: 40 anos
Profissão: Cooperador de Empilhadeira
Tempo de Moradia na Comunidade: Nasceu na comunidade
Local de Moradia: Orla. Próximo da esquina com a Rua Dragão do Mar.
Data/local da Entrevista: 07/05/2017 – Residência do Entrevistado (Avenida Brasília
Formosa)
[Pesquisadora] (...) E hoje, por qual motivo você mora aqui em Brasília Teimosa?
[Júlio] Primeiramente, por conta da, assim, tô morando agora de aluguel aqui, né, mas
minha mãe mora aqui ao lado. Eu sempre morei com meus pais, quer dizer, fui casado,
passei 12 anos lá no Pina, depois voltei, continuei com minha mãe, aí, como minha mãe
ficou viúva, por esse motivo preferi ficar próximo à ela, e sem falar na qualidade do bairro,
né? Tô aqui sempre próximo à praia, o comércio é extenso. Tem variedades de coisa, o bairro
aqui é bom de se viver.
[Pesquisadora] Você gosta daqui pelo comércio, pela orla... Tem mais alguma coisa que você
(...) goste?
[Júlio] Por ter nascido aqui, só, assim, não tenho o que reclamar do bairro.
[Júlio] Tinha antes, há alguns anos atrás, assim, negativo, quando as palafitas, nera, o
pessoal morava em local impróprio. Quando dava cheia, ai muita gente era prejudicado,
entendeu, assim, o tráfico de drogas crescia muito naquela época. E com a saída das
palafitas, diminuiu bastante o tráfico de drogas aqui na Brasília. Ficou melhor de se viver.
[Júlio] Assim, já deu vontade, já deu vontade de morar próximo ao meu trabalho, que eu
trabalho lá em Itapissuma, fica muito distante, fica a 52 quilômetro. Mas é compricado,
quando eu penso aqui nessa orla, nas amizades, no comércio, no próprio comércio, que a
gente não precisa sair pra canto nenhum, tendo um comércio desse...
[Pesquisadora] (...) Você acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em outro
lugar da cidade? Ou tinha que ser aqui mesmo?
[Júlio] Tinha que ser aqui. Pela luta, de como foi feito isso aqui, né, porque quiseram tirar de
várias maneiras a gente daqui, né, várias vezes, mas assim, né, a força do povo, né, a gente
conseguiu resistir e ficar, né? Não sei se você conhece a história ali na, conhece a praia do
Buraco da Véia?
{ 489 }
[Júlio] Ali tinha um muro. Existia um muro, tava sendo ampriado pra [que] aquela, aquela
praia ali fosse praia restrita, só do Iate Clube ali, pra quem tivesse dinheiro usufruir dela.
Mas ai a gente conseguiu derrubar e, até hoje, não conseguiram levantar mais.
[Pesquisadora] (...) E se por acaso, hoje, Brasília Teimosa, ela fosse deslocada pra, pra outro
lugar da cidade, o que é que aconteceria, e o que você faria?
[Júlio] Ó, fazer, eu creio que não tem como fazer muita coisa, né? Porque depois que
tirasse, num tinha mais como voltar mais atrás. Assim, é como eu te falei, né, a gente tá
acostumado a viver nesse bairro aqui, né, praticamente todo mundo conhece todo mundo, os
vizinho se torna quase família, entendesse? Se a gente fosse deslocado pra outro lugar, ia
ficar complicado.
[Pesquisadora] (...) E você acha que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e
com o rio?
[Pesquisadora] Se ela tem a ver, assim, com as pessoas, se o mar e o rio têm a ver, assim,
com a vida das pessoas aqui no bairro...
[Júlio] Ah, com certeza, assim, é, são dois fatores que nos ajuda bastante, né, tanto o rio
como o mar. É, uma parte da sobrevivência do nosso bairro vem dos dois, né? Tanto do mar,
quanto do rio. Assim, muita gente nasceu através, assim, se alimentando dos peixe que
pegam aqui no mar, e dos crustáceo que pegam aqui no rio também, né, como sururu, unha,
ostra, e, assim, a ligação [é] muito forte, né, [que] nós temos com, com essas coisas.
[Pesquisadora] (...) Hoje, assim, pra um morador de Brasília Teimosa, o que você acha que o
mar e o rio representam (...)?
[Júlio] Tentando ser invadida. Com certeza, assim, (...) como aqui é invasão, não pode ser
vendido, né? Ninguém aqui, a maioria não paga IPTU, é meio clandestino, e tão querendo
fazer isso, tão querendo nos dá a posse de terra, pra que a gente possa vender pra quem tem
mais condições, né? E isso aqui se torne um complemento de Boa Viagem.
[Pesquisadora] Entendi, mas você acha que daqui a 10 anos, o pessoal ainda vai tá
tentando, ou vai ter conseguido, ou...
[Júlio] Não, a gente vai tá brigando, jamais essa... A gente é um pedacinho da parte do Brasil
que tá brigando pra aquela reforma trabalhista não sair, né?
[Pesquisadora] (...) E o que é que Brasília Teimosa significa pra você, o que ela representa
pra você?
{ 490 }
[Júlio] O que ela representa pra mim? Rapaz, tô tentando encontrar a palavra certa. (...)
Assim, é, como eu te falei, né, Brasília Teimosa, pra mim, é meu berço, né, é onde eu nasci, é
onde eu me criei. Minhas filhas não moram aqui, moram aqui do lado, no Pina, mas, é, assim,
elas se identificam muito também com esse bairro. Minha própria família, 70% de toda a
minha família mora aqui na Brasília, entendeu? Que assim, acho que se sair desse bairro aqui,
hoje, seria uma perca muito grande, não só pra mim, mas como pra todos os moradores, né?
[Pesquisadora] Entendi. Pronto, é, deixa eu te perguntar, já que você mora aqui na orla:
você acha que, que aqui na orla, o pessoal visa mais, você acha que é mais difícil... Se é mais
caro, se o pessoal de fora fica visando mais, qual é a diferença que você acha em morar aqui
e morar mais pra dentro da comunidade?
[Júlio] Não, assim, o pessoal cresce muito o olho pra morar aqui na orla, por conta, assim, da
própria orla, né? Por tá mais próximo ao mar, à praia, entendeu? Esse livre acesso que nós
temos aqui na, dessa avenida, e creio que muita gente tá de olho grande, né, pra querer
tomar posse dessa terra aqui por conta disso, quando vê esse lazer aí.
[Pesquisadora] Entendi.
[Júlio] Porque assim, quem tem dinheiro acha que tem que usufruir das coisas boas que Deus
deu, e o pobre tem que ir pro meio do mato, tomar picada de maruim.
[Pesquisadora] (...) Pronto, tem mais alguma coisa que você gostaria de dizer sobre Brasília
Teimosa, sobre o que você sente em relação a ela, sobre a história, sobre alguma coisa?
[Júlio] Não, é isso o que eu falei, é, são muitos anos de luta, entendesse? Assim, muita gente,
como eu te falei, muita gente tá querendo se apossar dessa terra, quem tem dinheiro, né,
mas a nossa luta vai continuar, da mesma forma de antes, de 50, 60 anos atrás, não sei mais
ou menos a história. Acho que eu tenho 40 anos, é, 40 anos de luta e pra dar continuidade
nessa luta ai, pra que ninguém tire a gente do nosso lugar.
Outras Observações:
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PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 9
{ 491 }
Nome: Edu Guerra
Idade: 68 anos
Profissão: Técnico de Construção (aposentado)
Tempo de Moradia na Comunidade: 31 anos
Local de Moradia: Rua Albacora
Data/local da Entrevista: 07/05/2017 – Residência do Entrevistado (Rua Albacora)
[Edu] Eu vim porque eu me juntei com essa menina [se referindo à esposa], aí vim praqui.
[Edu] Já morava.
[Edu] Tinha, mas era distante, tão distante, não tem de ser como esse aqui, você não
encontra por aqui, aqui tem de tudo, tudo. Tem saneamento, tem água, tem energia, tudo
aqui é asfaltado, comércio é dos mais variados, supermercado, os preços são melhores do
que nas grandes redes... Escola, tem tudo aqui! Eu reputo aqui, esse bairro, como sendo o
de maior concentração de escolas públicas. Tem escola do município, tem creche, tem
posto de saúde, tem colégio secundário, né? Hoje é segundo grau, né? Tem primeiro grau,
tem segundo grau, tem escola, tem, agora com a chegada desse prédio da JCPM, tem
cursos de capacitação, é um atrás do outro, assim, movimentou muito aqui a área.
[Pesquisadora] O senhor acha que foi bom ele ter vindo pra cá?
[Edu] Foi bom sim, primeiro que acabou com um terreno que estava ali na frente mais de,
há mais de quarenta anos o terreno tava lá, e eles construíram e trouxeram benefícios
praqui, muito bom.
[Edu] Inicialmente, eu tomo conhecimento dos cursos, porque é onde essa mocidade daqui
tá indo se aperfeiçoar, tá indo se capacitar, lá no curso do JCPM, como aqui, como no Rio
Mar também que eles têm aulas, são tudo a mesma rede, né?
[Pesquisadora] E quais as coisas positivas que o senhor vê? O senhor vê algum ponto
negativo no bairro?
[Edu] Olhe, o negativo aqui, é falta, entre aspas, do policiamento. E isso é em todo canto,
{ 492 }
está em todo canto, todos os lugares você tem esse problema, embora que aqui melhorou
muito, porque, vamos dizer, entre aspas, a própria população dá jeito. Quando pega um
cara aqui, encontra aqui que tão traquinando, a turma bota ele pra fora, aí nunca mais ele
vem.
[Edu] É, essa falta de segurança, que está generalizada no país todo [Interrupção da
pesquisadora: Que o senhor vê como problema geral, não como da comunidade?] Não
como da comunidade, o problema é geral, aí reflete aqui também.
[Pesquisadora] O senhor, por acaso, acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída
em algum outro lugar da cidade?
[Edu] Não.
[Edu] Porque essas terra aqui pertencia ao governo federal através da Portobrás. Você
quando vê assim aquelas fotos da refinaria, não tem aqueles tanques bem grandão? Bom,
aquilo junto do prédio da prefeitura ali, era chei desses tambores e iam tirar eles lá e botar,
ia fazer aqui. O projeto era de ele ampliar aquela área de estocagem de combustível e
construir nessa área daqui, mas foi tempo que falou-se em SUAPE10, isso há mais de
cinquenta anos, lá pra trás, já se falava em SUAPE. Então Newton Carneiro, que na época
era vereador, conhecendo isso aqui, sabendo, aí ele juntou o pessoal e trouxe pra cá pra
ocupar, porque o Pina mesmo só era até essa rua, essa daqui é a Rua Artur Bernardes, a de
lá é a Roberto Pires, então a divisa do Pina era até aqui, daqui pra trás chamava-se areal que
era terreno da Portobrás, isso todinho. Aí, quando fizeram, foi fazendo a ocupação e a
prefeitura tirava. De noite, eles faziam de novo, até que se solidificou, e foi tempo que,
depois junto com Gustavo Krause, junto com João Figueiredo, é, doou os lotes para os
moradores, aqueles que estavam morando no terreno, então daí passou a dar, entre aspas,
uma titularidade que até hoje não chegou o definitivo. Sempre, por exemplo, pra prefeito,
aí vem pra cá um bocado de gente sem vergonha, safado, se metem prometendo, dizendo
isso e aquilo outro, que vai dar título, até hoje nunca se resolveu.
[Pesquisadora] Então o senhor acha que deveria ser aqui por causa da história mesmo, né?
[Edu Guedes] É, e se fosse em outro lugar não teria, não seria isso daqui. Porque outros
lugares, por exemplo, aquela do DETRAN11, você vê aqui, se você consultar cada casa dessa
daqui, você vai ver o nível desse pessoal daqui, é médio pra cima. Se você vai no DETRAN, o
dinheiro do pessoal não chega nem a médio, os que melhoram um pouquinho sai de lá, em
qualquer outra comunidade, mas essa daqui, não, essa daqui o nível do pessoal é, eu digo
alto, é universitário, é o pessoal já formado, abre as coisas por aqui, entendeu? Outra coisa,
você tá aqui. O pessoal cresce e gosta de ficar, permanece aqui, entendeu? Permanece aqui.
Eu fui o primeiro aqui nesta rua a fazer, quando eu fiz a reforma da casa, faz uns vinte e cinco
10
Suape Complexo Industrial Portuário.
11
Departamento Estadual de Trânsito. Nesse caso, ele az referência a uma comunidade que mora vizinha a
sede do órgão em Recife.
{ 493 }
anos atrás, a gente fez a reforma da casa, aí fez isso aqui, isso aqui é como se fosse um
segundo andar, o primeiro andar o dormitório e o segundo andar é uma área de lazer e área
de serviço. Aí resultado, só tinha a gente, daqui eu avistava as corridas de jangada que existia
aí na frente, era só subir e ficava vendo, hoje em dia é assim, cercando tudo aqui. Aí você
anda por aí, e o engraçado [é] que quem tá vindo morar aqui não é ninguém de fora, é daqui
de dentro mesmo, o pessoal daqui de dentro compram, reformam, fazem um “prediozinho”.
Eu fiz nessa aí, comprei essa aí de junto, aí fiz quatro apartamento, um térreo, um primeiro,
um segundo, em terceiro, pra tudo alugar, é uma rendazinha que auxilia no salário mínimo.
[Edu] Não é que seria caro, aqui uma média de aluguel é setecentos reais, quando ela tem
garagem é que sobe mais, porque tem uma garagem, e a maioria devido o tamanho do
terreno não tem condições de fazer uma garagem. Aqui dentro tem um carro, aí o menino
bota aqui na frente, eu tenho carro, aí eu arrumei ali embaixo uma garagem pra botar ele,
quando o menino sai aqui de manhã e chega de noite aí eu coloco aqui, como eu não saio
muito, aí eu deixo na garagem.
[Pesquisadora] (...) Veja, se por acaso hoje Brasília Teimosa fosse deslocada pra outro lugar
da cidade, o que é que o senhor acha que aconteceria? E o que é que o senhor faria?
[Edu] Não, muito atrás. E, mais ou menos assim de 80, foi feito essa urbanização melhor,
né? Saneamento, calçamento, as ruas foram tudo calçada, e daí por diante, começaram a
fazer primeiro andar, segundo andar, terceiro andar.
[Edu] Depois que foi distribuído o título de posse, que não é título de posse, é meio que um
certificado que você está ali, isso já foi vendido pra outras pessoas, já foi repassado, então
houve um adensamento maior, né? A família fazia reforma, como primeiro andar, aí um filho
ia morar no primeiro andar, aí fazia o outro, fazia pra alugar, como eu fiz esse aí pra alugar, e
esse aqui é pra a família, é onde a gente mora, tem 4 quartos, é um quarto aqui embaixo,
dois em cima e mais um outro em cima. Aí pronto, tem aqui dois, quatro, seis pessoas
morando.
[interrupção]
{ 494 }
[Edu] Não, não que ela vá sair [a comunidade], a não ser que, é, o mar avance, né, e destrua
como destruiu parte de Olinda, né, porque ali no Varadouro, no Varadouro não, no Carmo,
no Carmo ali por trás da agência dos Correios. No Carmo, ali tinha mais de cem metros de
mar aberto, casa, tudo ali, e o mar aos pouquinho veio comendo, comendo, até que
botaram aquelas pedras ali, aí, e ele ficou por ali, até ele se arretar e sair derrubando que
nem derrubou lá em Rio Doce. Eu conheço essas orla aqui todinha. Então pra Brasília
Teimosa sair daqui, é só alguém pensar em realmente tirar, mas a dificuldade dele vai ser
muito grande, porque eles vão ter que botar num lugar urbanizado, porque dentro do
Recife não tem lugar, aí ele ia levar pra onde? Pra São Lourenço, pra Camaragibe, né, pra
Muribeca, lá pra dentro de Jaboatão, pro outro lado, já pegando divisa com o Cabo, que ali
já tem terra que pode fazer, mas aí ia fazer o quê? Ia fazer uma cidade, as ruas não seria
dessa largura, seria uma rua mais larga, né? Ela seria [não compreensível], e não tem
ninguém, ninguém, ninguém mesmo que pense nisso, por quê? Porque no Brasil a gente, a
gente não pensa em fazer, a gente pensa em economizar, tudo o que você vai fazer, você
pensa em não gastar muito. E por não gastar muito, muitas vezes faz as coisas precárias,
pronto (...). Então, as coisas, a gente tirar Brasília Teimosa daqui, tira, se o governo quiser
tira.
[Edu] Olhe a resistência para o progresso é burrice. Se vai pegar isso aqui, vai ser um, um,
quer ver uma burrice muito grande? A resistência que fizeram pra o Cais José Estelita, não sei
se você acompanhou esse... Ali, pra mim, é a maior burrice, aquele povo que tá ali, aquele
povo que tá ali, eu acho assim, que devia o governo pegar todos eles, e mandar eles limpar
aquele terreno tudinho, "vai, pega a inchara, vai limpar o terreno! Você não quer que o
terreno fique? Agora tem que cuidar do terreno". Como é que eu tenho uma coisa minha e
eu não posso fazer nada? Não pode, então você vai ter que fazer, aí tá ali, um projeto
imenso, ia dar uma série de empregos inicialmente, depois ia ter uma outra série de
empregos de pessoas trabalhando no sistema, mas não, o povo... Tá certo, houve fraude na
maneira da compra? Pronto, então pára, vamos concertar, vamos punir quem fraudou, o
correto era esse. Aí, daí por diante, não, agora todo mundo vai partir igual para daí, depois
fazer o projeto. Agora tá lá, aquele mausoléu todinho, parado. Tá ali, agora, tudo parado,
ninguém sabe quando, porque a nossa justiça não é justiça, é injustiça, porque ela, primeiro,
ela não agiliza as coisas pra fazer, pra que você possa realmente em pouco espaço de
tempo ter um problema solucionado. Pronto, aí fica essa esculhambação em todo canto,
todo canto.
[Pesquisadora] Mas, como é que o senhor vê, assim, o que, que o senhor vê de positivo,
assim, em por exemplo, em construir uns prédios lá no Cais, lá no JCPM, o que, que o
senhor vê de mais positivo? (...) O senhor vê alguma coisa negativa nisso?
[Edu] Não, não tem nada negativo, o que tem muito é agitação. Como eu lhe digo, é
ignorância. Um povo que é manipulado por uma determinada classe, que na verdade é
política, é partidária, começa a botar. Porque, olha, aqui dentro existe uns boatos de que, o
JCPM, aí não é JCPM, agora é Paes Mendonça, Moura Dubeux, Moura Dubeux tem aquele
prédio ali na avenida que era um posto de gasolina, que já eram deles o posto de Gasolina.
Aí eles tirou o posto de gasolina e construiu o prédio, e o prédio depois de pronto, alugou
{ 495 }
pra o Governo, pra botar a Secretaria de Administração, há poucos dias o Governo botou
um, uma nota no jornal pedindo às grandes construtoras que fizessem empreendimento pra
que eles pudessem alugar pra colocar os departamentos, as coisa tudinho, porque a máquina
cresce e não tem lugar pra botar, fica aquelas casa velha, pra dinheiro, caindo os pedaços,
que cabe 10 pessoas quando ele tem 200 pessoas na casa, então tão pedindo. Por exemplo,
essa área aqui do Pina é privilegiada, tem aí o [não compreensível], né, ali tem a Secretaria
de administração, tem o outro prédio da Receita Federal, também na avenida, tudo foi
construído pra isso, específico também pra alugar pra o Governo. Aí você veja que isso aqui
tá dando emprego pra muita gente, muita gente daqui tá trabalhando por aqui por perto.
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) Como é que o senhor vê Brasília Teimosa daqui a 10 anos? O que é que o
senhor acha que vai acontecer daqui a 10 anos?
[Edu] Olhe, quando a gente chegou aqui, tinha-se aqui em torno de 90% das habitações
eram de tábuas, depois veio um Governo, parece que foi Marco Marciel, não foi? Parece
que foi Marco Marciel, Gustavo Krause, aí saiu um plano de reforma, aí deu o material,
vendeu o material a custo barato tudinho, o governo subsidiando, aí mudou-se para, é,
alvenaria, então ficou o quê, hoje em dia, talvez aí não chega, não chega a 3% de habitação
de tábuas. Eu até passei essa semana, até mostrei uma casa que ainda é de tábua ali na rua,
e a gente conhece aqui uma, muitas. Então, vamos dizer 99% das habitações aqui é em
alvenaria. Dessas 99%, vamos dizer que, 40% já tá primeiro andar, segundo andar, terceiro
andar. E as outras tão, daqui a uns dias, você passa aqui, encontra aí, um muro ali, levanta.
Isso aqui não é vendido pras pessoas de fora, é vendido as pessoas daqui de dentro mesmo
que querem permanecer aqui. [Interrupção da pesquisadora: que vão ter filhos e tudo mais,
né?] É, se já tem, mantém, aí vai. Porque o pessoal de fora, só quem conhece quem sabe, é
que se interessa por isso aqui, porque o de fora quando ele vem comprar ele pergunta logo:
“E a escritura?", "não tem”, eu posso fazer uma escritura que você não registra", aí muitos
vêm assim "eu vou pegar um financiamento da Caixa, do banco financeiro", mas não pode
pegar, porque aqui não tem a titularidade, entendeu como é?
[Edu] Daqui a 200 anos, se Recife ainda existir, vai ser a mesma coisa, isso aqui não se sai
mais não, e sai, o Governo não tira uma cidade pra fazer uma barragem? Não tira? O
Governo não tira uma cidade? Acaba com uma cidade, não tira tudinho, desloca pra outro
canto? Isso aqui pode sair no dia que o Governo quiser. Arruma uma área grande lá,
urbaniza, faz tudo dentro dos parâmetros normais de habitabilidade, aí faz. Só não tem mais
cinema aqui dentro, mais aqui tinha a feira, eu não sei se você sabe o que é zona de
prostituição, ainda tem um restinho aqui, tem lá na entrada, na entrada, no lado do prédio
do JCPM (interrupção da pesquisadora: ali perto do Bar do Corno? Por ali?), pronto, o Bar
do Corno é a entrada, dali pra cá na segunda, terceira, chamada Rua do Jaú, e ainda tem
alguma coisa, mais a bebedeira, essas coisas tudo mais. Aqui tem supermercado grande, de
redes grandes, aqui tem comércio de, todos os supermercados aqui tem açougue, tudo
dentro dos padrões, a pessoa sair daqui só mesmo como eu saí pro sítio.
{ 496 }
[Pesquisadora] Só se tiver uma coisa totalmente diferente, né, da cidade?
[Edu] Não, não diferente, é fazer uma coisa que você quer fazer, que você vai pra fazer, mas
você sair daqui pra ir pra Casa Amarela, só se for pra você morar lá perto do mercado
público de Casa Amarela. “Mas eu me mudei”, “tais onde?”, “Lá em cima, no alto”. Tem que
descer pra pegar um carro, tem que descer, andar tudinho pra chegar até na avenida, e que
se você pegar um ônibus, superlotado, aí não tem como fazer isso, não tem nenhum
governo interessado nessa área aqui, não tem, nenhum. E nem vai aparecer alguém que vá
pensar nisso, é loucura pensar numa coisa dessas. Então deixa que o tempo, a natureza, o
mar venha, engula isso aqui, como a turma disse, desde quando eu vim morar aqui, que ela
tem, morava já, isso a 30, 35 anos, já faz 31 anos que eu estou aqui e faz, faz, faz em torno,
quase 40 anos. Como eu lhe disse, eu trabalhei em, na URB, e eu vivi aqui dentro fazendo a
medição do terreno, evitando conflito entre vizinhos, porque "não!”, “Entrou aqui!”, “a
cerca não era aqui, era ali!", então entendeu? E eu pela URB, eu era designado, foi quando
eu conheci e vim pra cá depois. Trinta e um anos eu tenho de convivência com ela, então 31
anos aqui e desde que quando eu cheguei aqui que diziam, “o pessoal vai construir tudinho,
mas o mar vai”...
[interrupção]
[Pesquisadora] Agora veja, com relação ao mar, o senhor acha que Brasília Teimosa tem
uma relação forte com o mar e com o rio?
[Edu] Tem, tem porque ela é imprensada, ela nem cresce pro mar, que ela não tem condição
de crescer, embora que o Prefeito João Paulo fez o maior crime ambiental e ninguém disse
nada, ninguém fez nada.
[Edu] A orla, porque ao invés dele tirar as habitações pra fazer, não, ele ocupou parte do
que era a praia.
[Edu] É, aterrou pra poder fazer o que a gente chama pista, fazer a rua, e o outro lado de
onde ele fez, existe um paredão, quer dizer, que se você andar ali você vê, tem um paredão,
aí tem uma faixa de terra, da faixa de terra tem a rua, tudo aquilo dali era praia, do paredão
até a calçada era praia. Aí ele também tinha que jogar o primeiro projeto, ele jogava tudo e
ficava a praia, ai depois, por quê? Por questões de indenizações, de indenizar, de transferir
esse pessoal, que esse pessoal que saiu tudinho, foi transferido pra um conjunto habitacional
do Cordeiro, ali junto do GOE12, e que já venderam muita coisa de lá e muita gente voltou,
porque eu já três vezes (...) trabalhei tirando o pessoal da orla (...).
[Pesquisadora] (...) O senhor acha que [a comunidade] tem que tipo de relação [com o mar
e com o rio]?
12
Grupo de Operações Especiais. Vinculado à Polícia Cívil.
{ 497 }
[Edu] De um lado tem o mar imprensando e do outro lado tem o rio, aí pronto, você não
pode aumentar, você não pode aterrar, embora que já fizeram um monte de coisa, a
tendência disso aqui é um dia desaparecer.
[Pesquisadora] (...) E hoje (...), o que o senhor acha que o mar e o rio representam (...) pra
um morador de Brasília Teimosa?
[Pesquisadora] (...) Em todos os sentidos (...). O que é o mar e o rio na vida dessas pessoas?
[Edu] Hoje, aqui, tem muitos pescadores, muitos pescadores e eles usam o rio, por exemplo,
tem aí os marisqueiros, tira o marisco do, da chamada Bacia do Pina, aí tira, apanha o
marisco, unha de velho, aquelas coisas todas, ali embaixo da terra que a natureza mesmo dá.
Eles tiram e sobrevivem com aquilo dali, limpa, tal, e vende o quilo por R$ 10,00, 15,00. Tem
do outro lado, o pessoal que tem barco que vai lá pra dentro, vão lá e pesca, trás um peixe,
você chegar aqui na esquina, não sei se você foi, você vê umas bancas de peixe e são peixes,
não são frescos porque você não está na beira da praia esperando o barco, mas o barco tá
ali, é peixe de uma semana, porque você compra logo 10, 20 peixe, aí bota no freezer pra
no outro dia botar pra vender, mas os peixes são tudo deles, de qualidade.
[Edu] Aqui vivem de renda, tanto do mar quanto do rio, ajuda e muito.
[Pesquisadora] E sobre o senhor, o que é que Brasília Teimosa representa pra o senhor?
[Edu] Olhe, eu posso dizer assim, pra mim é minha casa, porque aqui eu vivo e quando eu
quero você me viu, eu cheguei eu estava sem camisa, então a mulher saiu, foi ali embaixo,
ou no supermercado ou comprar alguma coisa. Aí, eu tô aqui em casa, pronto, eu levanto
coloco a sandália no pé, e sem camisa mesmo, eu vou, me sinto à vontade. Embora que ela
reclame, só não posso andar nu porque a turma bate em mim. Mas aqui é uma
tranquilidade, você olha, você vê, as meninas passa aqui, tem muitas, elas passam aqui, tem
muitas que passam aqui no verão de biquíni, é como se ela tivesse saído de casa direto pra o
mar. E eu lhe digo com toda sinceridade, a criminalidade é só voltada para o furto, pra o
roubo. O crime de morte é uma consequência desse roubo (...).
Outras Observações:
Edu lobo tem um posicionamento bastante diferente dos demais entrevistados. Ele não
acredita no perigo da comunidade ser invadida pelos grandes projetos alheios à população
local. Por esse mesmo motivo, ele também não entende as construções verticalizadas que
{ 498 }
ocorrem no entorno da Brasília como um fator de ameaça à permanência do bairro e de
seus moradores.
Após o final da gravação, o entrevistado disse a seguinte frase: “Quem sabe o que é Brasília
Teimosa, é quem vive dentro”.
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PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 10
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Profissão: Comerciante
Tempo de Moradia na Comunidade: Nasceu na comunidade
Local de Moradia: Rua Golfinho
Data/local da Entrevista: 07/05/2017 – Residência do Entrevistado (Rua Golfinho)
[Cledy] Tem violência como todo bairro tem, mas aqui [não compreensível], toda hora tem
gente na rua, tem.
[Cledy] Não!
[Cledy] Porque eu gosto daqui, foi onde eu nasci, conheço todo mundo aqui... E você
andando por outros bairros, dá seis, sete horas da noite e não tem ninguém na rua. Aqui
qualquer hora que você chegar, tem gente na rua.
[Pesquisadora] E o que mais te agrada em morar aqui, e quais são os pontos que você acha
que são positivos (...) e negativos no bairro?
[Cledy] Aqui é um bairro centralizado, aqui é bom pra o trabalho de comércio, como tu tá
vendo. Pra trabalho aqui é bom, só não trabalha quem não quer, porque aqui tem as marinas
aqui, pra quem trabalha com esse negócio de lancha, aqui o que não falta é emprego, né?
Agora o cara tem que ir atrás, porque se ficar parado não vai cair do céu não, né?
[Cledy] O único que tá pecando mais um pouquinho é o saneamento básico, que ainda vem
entupido, ter tem, mas falta só uma manutençãozinha, né?
[Pesquisadora] E você acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em algum outro
lugar da cidade?
[Cledy] Não.
{ 500 }
[Pesquisadora] Por quê?
[Cledy] Não seria a mesma, não seria a mesma, por causa da localidade dela, porque é perto
de tudo, tem a praia independente, tem, por causa da localização. Não preciso sair pra nada,
tudo tem aqui. Praia, ponto turístico, perto de tudo, comércio, banco, tem tudo aqui.
[Pesquisadora] E, digamos assim, se hoje, Brasília Teimosa fosse deslocada pra outro lugar
da cidade, (...) o que você faria? O que aconteceria?
[Cledy] Eu teria que ir, mas não seria a mesma não, por causa da localização, não iria ter esse
bairro que é aqui hoje não.
[Pesquisadora] Você acha que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e com o
rio?
[Cledy] Tem.
[Cledy] Por que eu acho que 40%, 30%, assim, da população depende do mar e do rio.
Principalmente o pessoal do lado de lá [Colônia], o lado de lá quem não é pescador é
marinheiro, o lado de cá também, quem não é pescador, é marinheiro. Trabalha com
fabricação de lancha, tudo uma ligação só, né, fabricação de barco.
[Pesquisadora] E, em relação a isso, o que você acha que o mar e o rio representam pra um
morador aqui da comunidade?
[Cledy] Representa muita coisa? Se não fosse o mar e o rio aqui, muita gente não tinha
sobrevivência, né? Quando ficasse desempregado, tinha que arranjar emprego do lado de
fora, né?
[Cledy] Porque os empresários vêm olhando aqui com outros olhos, já tem muita gente,
muito movimento de autodestrutivo aqui já. Temos aqui (...13). Tem outra cadeia de
empresários aqui, tão com os olhos já... 14.
[Pesquisadora] Mas isso é o que você acha que vai acontecer, mas o que você gostaria que
acontecesse?
[Cledy] Eu gostaria de melhoramento para bairro, né, assim, em termo de tudo, de
13
Aqui o entrevistado fala dos “infiltrados” ligados aos empresários e às empreiteiras que visam entrar no
território do bairro, muitas vezes, já morando na comunidade e atuando como “olheiros”. Por questões de
segurança não divulgaremos essa parte da transcrição aqui.
14
Idem.
{ 501 }
iluminação, de estrutura.
[Pesquisadora] E pra você, o que Brasília Teimosa representa pra você, pra sua vida?
[Cledy] É um bairro muito legal de se morar, assim, eu nunca tive o pensamento de se mudar
daqui.
Outras Observações:
O morador possui uma pequena venda na parte da frente da sua residência.
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PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 11
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Tempo de Moradia na Comunidade: Nasceu na comunidade
Local de Moradia: Rua Estrela do Mar
Data/local da Entrevista: 07/05/2017 – Residência da Entrevistada (Rua Estrela do Mar)
[Edileuza] Porque eu nasci, eu gosto da comunidade, né, nasci. Tem umas coisa hoje que não
é como antes, que me aborrece, mas eu gosto ainda. A casa é própria, né, também. Eu
continuo gostando de morar aqui. É um bairro próximo ao centro, é um bairro que a gente
tem tudo, bem assistido, né, com comércio, restaurante, essas coisa, né, o comércio é muito
bom aqui. (...) Perto do shopping, vai a pé se quiser.
[Pesquisadora] (...) Tem mais alguma coisa que a senhora goste? E quais são as coisas que a
senhora desgosta?
[Edileuza] As coisa que tá me desgostando é na área das drogas, as drogas tá muito aqui
dentro, destruindo as criança da gente, né, tá muito, muito, é muito, é demais. Acho que o
povo que vende droga, né? O bairro tá muito superlotado, encharcado de gente, que as
famílias cresceram, aí vão construindo pra cima, né, pra lá, né, fica muito apertado. O bairro, a
gente não tem a área verde, isso eu sinto muita falta, nós não temos aqui.
[Pesquisadora] Entendi. Tem mais alguma coisa que a senhora gosta aqui no bairro?
[Edileuza] Eu tenho filho fora do Brasil, e eu gostei de onde ele mora. Se num fosse pra
morar aqui, eu moraria lá. Gosto muito da área rural.
[Pesquisadora] (...) A senhora acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em
algum outro lugar da cidade?
[Edileuza] Por causa da população, porque foi o, Brasília Teimosa, a Brasília Teimosa, ela tem
o nome de teimosa por causa das pessoas, porque isso aqui foi mangue, isso aqui tudo foi
mangue, e as pessoas foram construindo e o governo derrubava, a polícia vinha, derrubava de
manhã e de noite o pessoal construía, sabe? Era um pessoal de luta, a gente lutava. E foi
construindo, que cansou o governo, o governo deixou que a gente morasse, porque não
{ 503 }
aguentava mais. Vinha, derrubava, e o povo construía. Vinha, derrubava e o povo construía,
e um líder, né, desse pessoal, do grupo, né, teve a permissão de ir até Brasília, que também
tava sendo construída, pra pedir pra ficar aqui. Essa era área da Marinha, né, da União.
[Edileuza] É, pela história. Por isso que é Brasília Teimosa, Brasília porque a Brasília tava
sendo construída na mesma época da ota aqui, e Teimosa por causa da teimosia do povo. O
pessoal lutava mesmo. Pra rua, levava pau da polícia, ia preso, levava padre, era tudo, ia todo
mundo pra luta. Hoje, eu não sei se ainda tem pessoas ainda com essa vontade, mas tinha
briga, viu? Mas a gente ainda briga, se precisar. Tentaram tirar a praia que tem o nome
Buraco da Velha, né, nossa praia, mas o pessoal não deixou não.
[Edileuza] Isso? Logo quando o Iate Clube se montou. Aí, o Iate Clube, perto da praia, dai
queria tomar metade, aí, ele cercou, aí, o povo foi lá e derrubou, que não podia, a praia não
era dele. A praia é de todo mundo, ele ainda queria cercar a praia.
[Pesquisadora] Pronto, e se, digamos, se Brasília Teimosa fosse deslocada daqui pra algum
outro lugar, o que é que a senhora acha que aconteceria? O que é que a senhora acha que
fariam?
[Edileuza] Ia ser horrível, a gente tudo acostumado aqui, todo mundo construiu sua casinha
aqui, ia ser uma guerra, pode crer, viu? Porque não me vejo fora de Brasília Teimosa, eu sei
que tem muita gente que é grande [e está] de olho nela, construtoras, tudo de olho, tem
“muita laranja” também aqui dentro, muita gente que comprou pra empresa. Tem pessoas
que num pode ver dinheiro. A gente, hoje, a gente vê pessoas que sabe que não é da área
morando aqui, são pessoas de outro nível morando aqui. [interrupção da Pesquisadora: Se
infiltrando aqui?] É por isso que eu digo, eles usam a, os laranja, pra ter casa aqui, pra depois,
né, aí as pessoas que num pode ver dinheiro, aí vende.
[Pesquisadora] (...) Aqui nessa rua, a senhora já viu alguma coisa sobre isso (...)?
[Edileuza] Teve uma época, eu não vi. Eu ouvi falar que teve uma época que eles, o pessoal
tava, vinha, avaliava, perguntava quanto era, se quisesse vender, vendia, mas eu, eu não vi,
eu ouvi falar.
[Pesquisadora] (...) A senhora acha que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e
com o rio?
[Edileuza] Menina, somo cercado pelo mar e pelo rio, a maré. Tem sim, nós temos uma
escola, não sei se você conhece, Escola Mangue, que faz um trabalho sobre o mangue, de
informação sobre o mangue, replanta, né, o manguezal. É aqui na orla mesmo [interrupção
da Pesquisadora: Eu fui lá.] Pronto, trabalha só, é forte isso, nativo da Brasília Teimosa,
nativo, né? Quem nasceu conhece a história. É muito forte isso. A sobrevivência, hoje, nem
tanto, mas a sobrevivência das pessoas que aqui vieram morar era o mar, ainda é, as pesca.
{ 504 }
Nós temos os portos aí, não sei se você já viu aí na Rua A, o pessoal vai, sobrevive de pesca.
Ainda, ainda vivemos, a maioria, né, vive de pesca.
[Pesquisadora] Entendi. E em relação a isso, o que é que a senhora acha que o mar
representa pra um morador daqui, [o] que é que o mar é?
[Edileuza] A riqueza. Somo rico, nós somos ricos, um “marzão” desses perto de casa, uma
praia, um lazer de graça, você não precisa pagar...
[Edileuza] Ai, meu Deus. Mais superlotada que, porque, cada dia mais cresce as famílias, né?
Vê, você olha ali, aquilo tudinho é uma casa só, que um filho fez, o oto filho também fez, aí,
tem oto filho que vai e faz, vai virar uma selva de pedra, eu acho. Isso me entristece, porque
só dá pra subir pra cima. [interrupção da Pesquisadora: Não tem mais terreno, né?] É, vou
ficar triste, viu? (...).
[Pesquisadora] E sobre esse pessoal que tá aqui querendo tomar Brasília Teimosa? Em
relação a isso, no futuro, como é que a senhora vê?
[Edileuza] Eu, eu fico, assim, pensando, se as pessoas não for como antes, lutadora,
batalhadora, assim, fincar o pezinho, “é meu e não vai tirar”; “Daqui não saio, daqui ninguém
me tira”, tem até uma música, é, eles consegue. Porque sabe, né, o dinheiro fala alto, né, pra
certas pessoas.
[Edileuza] Aqui mora sabe quantas família nessa casa? Aqui mora eu, meu irmão do outro
lado, é uma casa só, só que a gente dividiu a casa. Então, mora eu, meus dois filho, do outro
lado mora meu irmão, aqui em cima morava minha irmã, mas ela foi socorrer o filho que tá
no Rio em coma. Aí, o filho dela, que é casado, mora. Aqui é do meu filho, e em cima, ainda
vai ter a casa da minha filha, pra morar aqui comigo, se Deus quiser. Então, assim, como é
que eu ia fazer pra cuidar dessas pessoa tudinho? Num tem como. Teria que ser muito
dinheiro pra comprar uma casa pra cada um, né? Uma casa decente, digna de se morar, né?
[Pesquisadora] E, assim, o que é que Brasília Teimosa é pra senhora? O que ela significa pra
senhora?
[Pesquisadora] A senhora acha que as pessoas, em geral, tem esse sentimento da senhora?
De gostar daqui, de...?
[Edileuza] Eu acho assim, pessoas da minha idade, mais ou menos, que conheceu a Brasília
como era, descalço, não tinha, nós não tínhamos calçamento, não tínhamos esgoto, não
tínhamos água, e foi lutando pra que isso acontecesse, lógico, vai sentir a mesma coisa que
sinto, né? A gente construiu a Brasília, como é que você vai querer que eu abandone uma
coisa que eu construí? Aí, eu acredito que tem muita gente ainda que pensa como eu, mas
também tem muita gente que mudou, muita gente daqui, outros já se foram, já morreram.
{ 505 }
Só nessa rua, eu tô com quase 40 anos, mas eu já morei em outras ruas aqui. Casa de vó,
casa alugada, que a gente não tinha quando era criança, eu gosto daqui.
[Edileuza] Não tem tanto essa ligação. Pode até ter, né, mas não é como o sentimento, como
eu sinto, como outras pessoas da minha idade sentem, que participou da luta, que correu
atrás, que, que entrou na lama. Que era 6 meses de lama e 6 meses de poeira aqui, a gente
não tinha água, tinha um vereador que nos ajudou muito aqui, ele trazia água no carro pipa,
eu ia buscar na fila, ia com a lata à noite. Pegava água doce pra beber, nós tínhamos
cacimba, água “saloba”, nós tínhamos. Então quem viu isso, quem passou por isso, valoriza,
né, o que a gente tem hoje. Mesmo superlotada, mesmo, né, abarrotada, mas quem num
tinha uma rua calçada, que num sabe, nunca falta água, raramente falta água aqui. Vinte
minuto daqui pro centro da cidade, tem os posto de saúde, muitas áreas aqui, a gente tem
tudo, tem tudo perto, vai pro Rio de Janeiro pra ver. Detesto o Rio de Janeiro. Eu vou pra lá,
é muito longe, tudo lá é muito longe [não compreensível]. Brasília tem tudo, né? Tem tudo,
além de ter tudo, de, assim, fica localizada numa área que é muito perto do centro, Marco
Zero, Boa Viagem, você quer ir no parque, Boa Viagem, é perto, tudo é perto. É perto. É um
bairro muito bom. É por isso que as empreiteira fica tudo de olho, já ouvi falar que o projeto
de JCPM é fazer um condomínio fechado aqui. Eu tenho fé que isso não vai acontecer não.
Ele fez logo um prédio, né?
[Pesquisadora] A senhora percebeu alguma diferença, depois que ele construiu esse prédio?
Coisa boa, coisa ruim?
[Edileuza] Ah, coisa boa que ele faz é os curso que ele oferece pra os adolescente, né, muito
bom, muito bom os curso. Mas isso já é pra [gesticulando um abocanhamento com as
mãos]... Ele oferece vários curso pra adolescente, já, assim, os adolescente já vai enviar o
curso pra o shopping, que é dele também... Vê como ele é esperto? Um empresarial na
entrada, já fez um shopping, tudo pertinho. Cercando.
[Pesquisadora] (...) Tem mais alguma coisa, assim, que a senhora acha que é importante pra
uma pessoa que tá estudando Brasília Teimosa saber? Alguma coisa que a senhora queira
me contar?
[Edileuza] Da força do pessoal daqui. O pessoal aqui é forte pra brigar, não corre da raia não.
[Edileuza] É teimoso. Quando a gente entra pra lutar, a gente briga mesmo. São pessoas
muito batalhadeira, a maioria aqui sobreviveu de pesca, mulheres e tudo [não
compreensível].
[Edileuza] Não, não, eu pesquei só uma vez porque tava com desejo, tava grávida da minha
filha, mas não. Tava grávida e queria comer. Você conhece unha de velho? É uma, é um
{ 506 }
marisco, né, aí eu fui pescar ali na, você já viu ali a pistinha que tem ali? Eu fui pra lá pescar,
passei a manhã todinha.
Outras Observações:
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ENTREVISTA – MORADORES - Nº 12
{ 507 }
Local de Moradia: Orla. Na esquina da Rua Espardate.
Data/local da Entrevista: 07/05/2017 – Residência do Entrevistado (Avenida Brasília
Formosa)
[Antônio] Ah, porque, pra mim, foi o melhor lugar do mundo. Todo mundo tem vontade de
vim pra cá, não é só eu não. Quem vem, não quer sair, e quem chega, também não quer sair.
[Antônio] Já.
[Antônio] Não, só pra Santo Amaro [cemitério]. (...) Se tiver uma vaga lá, né? Se num tiver, me
joga aí no mar.
[Pesquisadora] (...) O que mais agrada o senhor de morar aqui, e o que é que o senhor vê de
mais positivo e (...) de ruim no bairro?
[Antônio] A praia, a praia eu gosto. E o que eu não gosto são esses vizinho “alma sebosa”.
[Pesquisadora] Tem mais alguma coisa que o senhor destaca, assim, de gostar ou de não
gostar?
[Pesquisadora] (...) O senhor acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em
algum outro lugar da cidade?
[Antônio] Não.
[Antônio] Isso aqui foi um movimento que eu participei, e, e lutei, e vou morrer aqui. Eu nasci
em Campo Grande, morei em Beberibe, morei em Portão do Gelo, morei em Boa Viagem,
mas enterrei o meu umbigo aqui.
{ 508 }
[Pesquisadora] Entendi, então pela história do bairro mesmo, né?
[Antônio] Pela história do bairro. Eu fui um dos que sofri até opressão [quando] criança, viu?
[Antônio] A polícia entrava, derrubava as casa hoje, quando era amanhã de manhã, tava tudo
em pé de novo.
[Antônio] Não, não chegaram não. Eu morava mais pra lá, mas aqui, dessa área aqui todinha
derrubaram, fazia de manhã... Só que chamou Brasília por causa da teimosia do povo. Essa
mesmo é fundadora, a “nega véia”. É a guerreira [se referindo à esposa].
[Pesquisadora] (...) Se Brasília Teimosa fosse deslocada pra um outro lugar da cidade?
[Antônio] Não.
[Antônio] Tava doido nada! Na época da repressão, não derrubaram, quanto mais agora!
[Pesquisadora] (...) O senhor sente que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e
com o rio?
[Pesquisadora] Se o senhor acha que Brasília Teimosa, ela tem uma relação forte com o mar
e com o rio?
[Antônio] Renda, quem ganha aqui, só morre de fome aqui na Brasília quem não gostar de
trabalhar. Que aqui, o que você pensar, tem. Se você pegar uma tarrafa e não soube sacudir,
eu sacudo pra você e o que vier é seu. Entendeu? Tem essa vantagem.
{ 509 }
[Pesquisadora] (...) E como o senhor vê Brasília Teimosa daqui a 10 anos?
[Antônio] Rapaz, daqui a 10 anos? Será que eu tô vivo? Rapaz, eu vou ver um bairro mais
avançado, mais evoluído, que a tendência é essa, o povo é teimoso. Cê nunca viu (...). Cê
nunca viu um povo tão teimoso, por isso já tem o nome Brasília Teimosa.
[Pesquisadora] Entendi, então o senhor acha que vai melhorar o bairro, [interrupção de
Antônio: A tendência é] em que sentido o senhor acha?
[Antônio] Em tudo (...). Em tudo. Brasília Teimosa, ela evoluiu mais de 300% pra o que era
antes. Isso aqui era o quê? Isso aqui era fonte de “fezi”. O pessoal “obrava” no “palafiti” e
jogava na maré, quando você passava pra ir pescar, ainda pegava aquelas tuninha pra
“cumê”! Gorda que só! Ô, rapaz, o retrocesso daquilo que você come!
[interrupção]
[Antônio] Eu fui na primeira gestão de Moacir Gomes Filho. Hoje sou diretor da associação
dos servidores da prefeitura. Não tem nada a ver com a pesquisa, mas eu sou diretor da
Associação dos Servidores da Prefeitura da Cidade do Recife. Diretor e fundador.
[Pesquisadora] (...) O que é que Brasília Teimosa é pro senhor? O que ela significa pro
senhor?
[Antônio] Rapaz, tudo. Tudo. O que você pensar de bom... Foi aqui que eu me constituí, foi
aqui que aprendi tudo, tudo. Só num fui malandro porque não nasci pra isso, nasci pra
trabalho, fui músico, toquei com os melhores cantores daqui de Pernambuco, hoje ainda
tenho meu violãozinho aí.
[Antônio] Tudo.
[Pesquisadora] Alguma coisa a mais que o senhor queira falar sobre a Brasília? Que o senhor
ache importante quem tá pesquisando saber?
[Antônio] Tudo que você pensar de bom, é, “maladragi” não existe, existe em todo canto,
mas não como aqui, “mai” assalto, você anda aqui de madrugada, qualquer hora da
madrugada cê anda. Se acontecer um assalto aqui, a participação é de fora, a padaria
assaltada, quantos ano faz?... É o lugar de você “butar” um colchão aí e dormir todo dia [à
beira-mar].
[Pesquisadora] Entendi.
{ 510 }
[Antônio] O pessoal que mora no interior não bota o colchão na frente de casa e vai dormir?
Eu durmo aí ó [apontando para a frente de sua casa, à beira-mar]! Tô em casa. (...) Muita
gente pensa uma coisa [sobre a Brasília], mas não é nada disso. (...) Isso aqui, quando foi
feito o Projeto Teimosinho, eu era diretor do Conselho, fui diretor do Conselho de
Moradores, a gente brigou, porque o projeto era pra fazer a Brasília toda, a prefeitura do
Recife só ”butou” a principal, aí, ninguém trabalhava mais, e saia 3, 4 ônibu de manhã pra ir
pra frente da prefeitura pra bater pé pra ninguém “trabalha” [não compreensível].
[Pesquisadora] E como foi essa luta do Teimosinho, hein, pra conseguir fazer?
[Antônio] Ah, foi muita luta, levei pau... Foi! 58, 59 ainda tava, o exército vinha, “butava” a
gente pra “corrê”, a gente saía daqui, corria pra outra esquina, aí, tava do “oto” lado, aí, eles
se perdiam, a gente... Outra coisa, a gente corria por baixo da palafita. Sabe o que é palafita,
né? E os palafita tinha as madeiras, e tinha os cinturões pra o mar quando batia, que puxava,
uma madeira segurava a outra, ai eles cismaram de vim correr atrás das... Aí se perdeu. Tudo
palafita, a gente sabia os buraco que entrava, eles, do jeito que “vinheram”, batiam com a
cabeça, quebraram a cara, “terminaro” desistindo. Brasília tem história. Eu acho que o bairro
daqui de Recife que mais tem história é Brasília Teimosa. Muita história, muita história, muita
coisa. Isso aqui, esse paredão aqui, o mar derrubou tudinho, o mar derrubou. [interrupção
da Pesquisadora: Esse murinho, né? Que tem ali?] É, esse murinho depois dos arrecifes, do
muro pra cá, o mar derrubou tudo, vinha bater aqui depois da minha casa. Quando o mar, a
maré era grande, ela ia aqui duas casas depois e chegou até perto da esquina algumas
vezes, não todo ano, mas algumas vezes, quando pegava o vento do, da maré de agosto, aí,
a turma disse que a maior maré é agosto, todo mundo de fora diz: “a maior maré é a de
agosto”, a maré de agosto tem “mai” vento. Ai ela sobe, entendeu? Ela faz mais rebuliço.
[Pesquisadora: vocês tinham que saber também, né? Quando o mar ia tá revoltado...] Ah, se
sabe, se sabe. O pescador, ele conhece a maré até pela mão. Ele olha assim: “ei, a gente não
vai sair hoje não, viu?” Que eu vou sair, né, que aqui a gente chama de ‘aqui dentro’, lá é ‘lá
fora’. Ai eles já olham assim “vai sair hoje não” [não compreensível]. É uma vida bonita pra
quem mora nela, viu? É a vida pra quem mora (...).
Outras Observações:
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PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 13
{ 511 }
[Pesquisadora] (...) E a senhora mora aqui há quanto tempo?
[Claudete] Não.
[Claudete] Porque aqui é o lugar que tudo que você quiser, você tem. Padaria, tem tudo, um
bairro (...) que tá adequado com a gente. Trabalho tem pra gente aqui, muito trabalho. Aqui a
pessoa não para, para se quiser. Até a maré tá ai pra ajudar.
[Pesquisadora] (...) E o que é que mais agrada a senhora em morar aqui na Brasília?
[Claudete] Não, eu me agrado de tudo, com tudo, com tudo aqui. O mar perto... Abro minha
porta e dou de cara com o mar. Num é bonito?! O sol nascendo, o sol nascendo, a lua quando
nasce, a gente fica assim olhando, ó, eu namoro esse mar. Me acordo aqui de madrugada,
porque eu vou trabalhar de madrugada, aí, quando eu abro a porta, tá essa coisa linda.
[Pesquisadora] (...) e o que é que mais a senhora vê de bom aqui no bairro? E de ruim
também?
[Pesquisadora] Mais alguma coisa positiva que a senhora queira falar? (...) Que a senhora
gosta no bairro?
[Claudete] Que eu gosto, difícil dizer o que eu não gosto daqui. Vizinhos, eu não tenho nada
contra meus vizinhos... (...) Então, não tem o que falar daqui. Quem quiser falar daqui, eu só
digo o contrário.
[Pesquisadora] (...) A senhora, que sempre morou aqui, a senhora acha que Brasília Teimosa
poderia ter sido construída em algum outro lugar?
[Claudete] Não, porque o terreno foi pra Brasília Teimosa. (...) E você vê que agora era nome
de peixe, antes era nome de letra (...) Tinha a Rua J, Rua H, né? Ai, ai, era em letra.
{ 512 }
[Claudete] Não, não, porque a gente erra. Pergunta “onde é a Rua Parú?” Eu sei onde é a
Rua Parú porque trabalho na Rua Parú. A Rua Espardate, é a rua que eu moro, mas se for,
muitas vezes, ele [se referindo ao marido] trabalhou na prefeitura, ai então, ele tem os
nomes tudinho, né, ai faz “é tal rua”, eu não sei fazer isso. A Rua Badejo pra mim é a Rua D.
[Claudete] É.
[Pesquisadora](...) Se Brasília Teimosa fosse deslocada pra outra parte da cidade, hoje, o
que é que aconteceria? O que é que a senhora faria?
[Claudete] “Oxe”, eu chamava o pessoal tudinho pra gente brigar. Não é só eu não, viu? É
muita gente, tem gente que saiu daqui e se arrependeram. Arrependeram de ter saído, de
terem vendido a casinha, e hoje a casa está com um valor enorme. Um valor enorme a casa.
Essas “casinha véia”, um terreno de 10 por 15, 10, 12, e hoje não pode voltar, não pode
voltar de jeito nenhum.
[Claudete] Tem não, de jeito nenhum que não tem. (...) Eu não dou nada [a casa]. Essa aqui
é valor de estimação. Eu não dou a minha casa, não saio daqui. (...) Essa casa minha aqui, só
do meu lado, são 3 quarto, 3 banheiro, cozinha, sala e o terraço. Aí, você vê, tendo alugado
mais um quarto, e tenho alugado mais dois quarto [não compreensível], é uma casa com
mais de 12 metros. Vou dar minha casa de graça a ninguém, é?
[Pesquisadora] (...) A senhora já respondeu, mas vou perguntar mais diretamente agora,
certo? A senhora acha que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e com o rio?
[Claudete] Tem.
[Claudete] Demais. O mar, a gente [não compreensível], aí cobre, a água do rio vem pra o
mar e a do mar vai pra o rio, então é união, eles se une.
[Pesquisadora] A senhora acha que o pessoal usa como, aqui, o mar e o rio?
[Pesquisadora] Vocês vêem muito o pessoal aqui usando a orla pra tomar banho, pra...
[Claudete] Então, não tem o Buraco da Véia ali? 3 hora da manhã já tem gente indo tomar
banho na praia. Eu mesmo, final de ano, quando é final de ano, a gente vê o povo direto, tirar
as mazila. As mazila do ano que passou. Eu vou dizer agora a você, viu? Eu pra sair daqui, só
se for amarrada, ou então no caixão, mas com os meus pés, ir, vou não. Diga assim: “vou ali
comprar um terreno no interior”, eu digo: “então você vai só”, porque eu não vou não, não
{ 513 }
vou deixar a minha casa pra ir pra canto nenhum, eu não gosto de [não compreensível], nem
sair daqui pro Ibura, pra Dois Carneiros, ver o que lá? (...) Brasília Teimosa é Brasília Teimosa.
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) Veja, como é que a senhora vê Brasília Teimosa daqui a 10 anos?
[interrupção]
[Pesquisadora] (...) O que é que Brasília Teimosa representa pra senhora? O que Brasília é
pra senhora?
[Claudete] É minha mãe, meu pai, minha irmã, Brasília Teimosa é tudo pra mim, tudo.
[Pesquisadora] A senhora gostaria de dizer mais alguma coisa que a senhora ache
importante pra alguém que tá estudando Brasília Teimosa aqui?
[Claudete] Não, venha morar em Brasília Teimosa pra você ver como é gostoso, pra você ver
como é gostoso morar em Brasília Teimosa!
Outras Observações:
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PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 14
(...)
[Pesquisadora] (...) E hoje, o senhor mora aqui, o senhor permanece aqui por qual motivo?
[Fernando] Eu? Eu moro aqui, primeiro, porque eu gosto, mesmo se eu tivesse condição de
comprar uma casa melhor, eu preferia comprar aqui, porque, pra mim, não tem bairro
melhor que Brasília, é um bairro que tô perto da praia, é um bairro perto da cidade, tem tudo,
entendeu? Tudo tem aqui na Brasília. Aqui só não tem banco e loteria, mas o resto tudo tem,
entendeu? (...)
[Fernando] O que mais agrada, eu não sei o que é, [se é] costume, ou se o lugar que é bom,
né? Eu me sinto bem aqui.
[Pesquisadora] Entendi.
[interrupção]
[Fernando] Olhe, sair daqui pra um lugar pior que aqui, melhor ficar aqui né.
[Pesquisadora] Mas (...) o que o senhor acha que tem de bom e de ruim aqui na
comunidade?
[Fernando] Aqui na comunidade? Olhe, veja bem, pra mim, eu, o que eu queria era que o
prefeito trabalhasse mais pelas ruas, pelo saneamento, entendeu? Só isso, “mai” a
vizinhança, é, não tenho o que dizer, entendeu? É porque você sabe que, hoje em dia, gente
safado tem em todo canto, né, aqui não fica atrás. Em todo canto tem gente safado, tem
ladrão, tudo tem “aviciado”, todo canto tem isso, né?
[Pesquisadora] Mais alguma coisa que o senhor goste ou desgoste aqui no bairro?
[Fernando] Não, é o que eu disse a você, né, pra mim, eu me sinto bem aqui.
[Pesquisadora] (...) O senhor que conhece a história (...) aqui da Brasília, o senhor acha que
Brasília Teimosa poderia ter sido construída em outro lugar da cidade?
[Fernando] Não, eu acho que tá num bom lugar, que eu trabalho de motorista particular,
sabe, particular, e a minha patroa, eu trouxe já ela aqui, ela disse que eu moro numa ilha, e
realmente é uma ilha, é entre o mar e o rio, eu moro entre o mar e o rio, então eu moro
dentro de uma ilha, né?
{ 515 }
[Pesquisadora] (...) Se a Brasília fosse deslocada pra outra parte da cidade, o que é que o
senhor faria? O que é que o senhor acha que aconteceria?
[Fernando] Se tirarem o povo daqui, não sei, acho que, pra mim, ir pra outro lugar, acho que
não tinha outro lugar “milhor” que a Brasília não, a não ser que fosse lá pro outro lado do
Pina, né?
[Fernando] Não, eu não ia de bem satisfeito não, “mai”, ia fazer o quê, né?
[Pesquisadora] (...) Aí, o senhor acha que Brasília tem uma relação forte, assim, com o mar e
com o rio?
[Fernando] Relação?
[Pesquisadora] É, se tem a ver com o mar, com o rio, assim, o que é que o senhor acha?
[Fernando] Eu acho porque ela foi feita praticamente dentro do mar, né? É, Brasília é mais
baixa que o mar, tá entendendo?
[Fernando] É.
[Pesquisadora] Entendi. E o que o senhor acha que o mar representa pra um morador
daqui, o que é (...) o mar e o rio pras pessoas?
[Fernando] Eu acho que o mar é tudo pra gente, pra mim é tudo, né?
[Fernando] Olhe, do jeito que tá as coisas, sei não viu, porque eu acho que os governantes
de, eles acha que só quem tem, só quem pode ter as coisa é os rico, o pobre não tem direito
a nada, tá entendendo?
{ 516 }
[Pesquisadora] Ai o senhor acha que (...)...
[Fernando] Eu acho que não, acho difícil eles querer tomar Brasília não, tendeu? Já tá
tomando devagarzinho, já começa a... Entendeu? Devagarzinho começa tomando, tá
tomando.
[Pesquisadora] (...) Mas o que é que o senhor gostaria que acontecesse daqui a 10 anos?
[Pesquisadora] (...) O que é que a Brasília representa pro senhor, o que ela significa?
[Fernando] Olhe, a Brasília tem muita história, né? Pra mim ela significa tudo, porque eu
tenho muito história. Se eu for contar a minha infância aqui na Brasília... Eu com 8, 10 ano de
idade, tomava banho ali dentro do mar, eu e os colega aqui, a gente mergulhava, saia
nadando pra ver quem ia mais longe lá “dento”. Hoje, se me der um milhão pra mergulhar lá
“dento” eu não vou, por causa dos tubarão. É, mas naquele tempo eu ia, tomava banho ali,
ó, cada um mais afoito de que o outro pra ir lá dentro, a gente nadava uns 200 metro,
mentira minha [se referindo a uma terceira pessoa]? Pronto, ele foi do meu tempo, “mai“
um pouquinho mais novo, ele se lembra disso. Tomei muito banho dentro do mar. Então
Brasília, pra mim, é muito bom.
[Pesquisadora] Entendi.
[Fernando] A minha infância toda foi em Brasília, aqui na Brasília. Na beira da praia, tomando
banho de praia e jogando bola, entendeu? É a minha história na Brasília, é. Não tive uma
infância muito boa, muito difícil, né, que a minha, eu fui criado sem pai, fui criado sem pai.
Minha mãe lavava roupa de ganho e eu ia com ela pra trazer a trouxa na cabeça. É, e eu
digo isso a todo mundo, tenho vergonha de dizer não, sabe? Hoje em dia, graças a Deus, eu,
hoje, eu vivo uma vida “milhor” [do] que [a que] eu vivia quando era “jove”. Que, hoje,
graças a Deus, o que eu quiser comer, eu como, “mai” naquele tempo eu não podia comer
o que queria, né? (...) Muito difícil (...).
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PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 15
[Alexandra] Aqui é uma localidade, um bairro que não tem igual não (...).
{ 518 }
[Pesquisadora] Você, você já pensou em morar em algum outro lugar? Por quê?
[Pesquisadora] O que é que mais te agrada em morar aqui em Brasília Teimosa? E o que é
que você acha bom aqui?
[Alexandra] Aqui, no momento, não tá lá essas coisa não, né, assim, de diversão, de
atividade pras crianças, mas assim, pra se locomover, né, porque é tudo perto, o centro da
cidade tá perto.
[Pesquisadora] Tem mais alguma coisa que você goste aqui no bairro?
[Pesquisadora] Você acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em algum outro
lugar da cidade?
[Alexandra] Acho que não, foi criada aqui, a luta foi aqui, eu creio que não.
[Pesquisadora] (...) Se Brasília Teimosa fosse deslocada, hoje, pra algum outro lugar da
cidade, o que é que você faria? O que você acha que aconteceria?
[Alexandra] É o que eles tão querendo, né? Eles não tiram de jeito nenhum, pode botar o
trator que for, mas não tira não. Aqui é menina dos olhos, né?
[Pesquisadora] (...) Você acha que (...) Brasília Teimosa tem a ver com o mar, com o rio, que
elas se relacionam?
[Alexandra] Aqui é tudo uma coisa só, se relaciona, é tudo a ver. Foi uma vila de pescador né,
ainda é, ainda tem muita gente que precisa, que necessita disso. Aqui é uma vilazinha.
[Pesquisadora] Entendi. E o que você acha que o mar e o rio (...) representam pra uma
pessoa aqui da comunidade?
[Alexandra] Aqui é renda, né? Aqui é renda. Aqui é tudo gerado em torno dele, a
sobrevivência daqui de todo mundo aqui é isso.
{ 519 }
[Alexandra] É, mais urbanizada, né, mais desenvolvida, que da vista que era, hoje em dia é
pra os lordes (...). É a menina dos olhos, dos olhos de quem tá fora, né?
[Pesquisadora] Entendi, mas você acha que vai tá mais desenvolvida, assim, em que sentido,
de...
[Alexandra] De tudo, aqui tem um comércio vasto, né, o que você procurar, você encontra
aqui, precisa nem pegar um ônibus e ir lá na cidade. É porque na cidade você não tá
encontrando é mais nada, e aqui tem tudo.
[Pesquisadora] (...) O que é que você acha que Brasília Teimosa representa pra você, o que
ela significa pra você?
[Alexandra] Pra mim, pra mim, também em relação aos meus filhos, não tem outra igual não,
eu amo esse lugar, né? Resumindo, né? Hoje eu tava falando com meu marido “se eu fosse
pra outro lugar, como seria a vida do meu filho?” [um lugar] maior, né? [Ele] joga bola,
pratica esporte, vai pra beira da praia pra lá, joga basquete, em outro canto não tem. Chega
de 6, 7 hora da noite, aqui não tem problema, tem, assim, isolado, né, você vai nessa orla,
você vê, mas em “oto” canto não tem essa liberdade pras criança. (...) É, a praia, a igrejinha
que é aqui perto, né, mercadinho. Minha vida é só isso aqui pra cá mesmo, pra casa mesmo,
mas é escola aqui perto pras minhas criança, pros dois. Eu acho que a mesma pergunta que
fizer por ai, vai ser, acho que, geralmente, a mesma resposta. Cada um tem suas queixa.
Mas não tem igual não, tem não. A liberdade que você sai, eu chego aqui, às vezes eu saio
com meu marido, volto 3, 4 hora da manhã, pego um “uber” pra chegar em casa. Em outro
lugar, ninguém quer entrar mais. Por isso que tão querendo tomar a Brasília da gente, né?
Outras Observações: -
PAISAGEM TEIMOSA
ENTREVISTA – MORADORES - Nº 16
{ 520 }
[Pesquisadora] Você já pensou em morar em outro lugar?
[Pesquisadora] (...) O que mais te agrada em morar por aqui? E o que você gosta, e o que
você não gosta?
[Adriana] O que eu gosto é a praia, as pessoas, a comunidade em si. O que eu não gosto são
os assaltos.
[Adriana] É.
[Pesquisadora] (...) Veja, a senhora acha que Brasília Teimosa poderia ter sido construída em
outro lugar?
[Adriana] Não.
[Pesquisadora] Se Brasília Teimosa fosse deslocada pra outra parte da cidade, o que é que
você acha que aconteceria?
[Adriana] Não, eu endoidava. Quero não, aqui é o, aqui a gente se sente muito bem. Eu não
{ 521 }
iria gostar não.
[Pesquisadora] (...) Você acha que Brasília Teimosa tem uma relação forte com o mar e com
o rio?
[Adriana] Porque é próximo demais. Se tu andar um pouquinho ali, tu vai encontrar o rio,
mais um pouquinho tu encontra o mar. Muito perto.
[Pesquisadora] Entendi.
[Adriana] E pra cá também, se tu andar um pouco ali naquele, naquele prédio, ali de frente já
é o mar, tudo muito próximo.
[Pesquisadora] O que é que você acha (...) que o mar e o rio representam pra uma pessoa
que mora aqui?
[Adriana] A beleza, a beleza do lugar, e a pescaria pra muita gente. A praia é o sustento de
muitas famílias, porque tem muita gente que depende do rio e do mar pra pescaria,
entendeu?
[Adriana] Eu espero que melhore mais, porque eu sou do início. Como eu disse a você, aqui
já foi muito escasso, não tinha ônibus, não tinha calçamento, não tinha água encanada. E
hoje em dia é tudo calçado, tem ônibus, tem, as ruas são asfaltadas, o ambiente melhorou
muito.
[Adriana] Muitas, e de lá pra cá avançou muito, né? Do início, que eu me lembro quando eu
era criança pra data de hoje, tá muito evoluído.
[interrupção]
[Pesquisadora] E, pra você, o que é Brasília Teimosa pra você? O que significa pra você?
[Adriana] O lugar onde eu me criei, onde eu vivi tudo na minha vida, onde eu fui mãe, onde
hoje eu sou vó, né? E é o bairro que eu amo. Se eu tiver de viver em outro lugar eu vivo, mas
Brasília Teimosa tem história na minha vida.
{ 522 }
[Adriana] Isso, tudo, né? Eu era bebê, fui criança, fiquei adolescente, mulher, como disse a
você, fui mãe e hoje sou vó. Tudo aqui, entendeu? Minha história bonita em um lindo bairro.
[Pesquisadora] Tem mais alguma coisa que você gostaria de falar sobre Brasília Teimosa,
que você ache que é importante no bairro?
[Adriana] (...) Ah, Brasília Teimosa tem muita luta, Brasília Teimosa eram casas de palafitas, de
madeira, e aí, desmanchavam, as pessoas refaziam as casas pra não desocupar, né? Porque
queriam que desocupasse, mas o povo tinha teimosia e refazia tudo novamente, até
conseguir conquistar o espaço de verdade, e aconteceu que conseguimos, né? E, hoje, Brasília
Teimosa é um dos bairros mais, eu acredito que é muito procurado pelas pessoas pra morar.
Porque é tudo perto, é tudo perto, hospital perto, o centro da cidade é perto, as praias é
perto, é tudo perto, então é um dos bairros mais procurados pra se morar. Então é um bairro
que, se fosse pra morar em outro lugar aqui em Pernambuco eu não iria, só iria ficar aqui no
meu bairro mesmo, porque é tudo perto, tudo próximo, uma coisa perto da outra,
entendeu? Brasília Teimosa é bom demais! Eu acho, né? Eu sou suspeita pra falar porque
quando você é nascida e criada num lugar você se torna uma suspeita pra falar do lugar.
Mas se ele fosse ruim eu falava, mas não é, assim, só tem aqui um pouco a violência, como
eu te falei, os assaltos que acontecem de vez em quando, mas fora isso, Brasília Teimosa é
muito bom, pra diversão, pra lazer, muita coisa aqui é bom.
Outras Observações:
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PAISSAGEM
AGEM TEI
TEIMMOSA
OSA || Raissa Gomes de Sales