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Brasília, 2012
RESUMO
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INTRODUÇÃO
1 O termo “única” foi usado aqui de forma superficial e genérica, apenas para ilustrar que não havia
previsão de desenvolvimento econômico ou produção industrial significativos em Brasília. Tal
movimentação econômica seguiria dando-se pela região Sudeste do Brasil. A mudança da capital foi
efetivada por um conjunto de fatores em áreas diversas (HOLANDA, 2002), que serão desenvolvidos
mais à frente. Esta nota deve apenas explicar que o uso do termo foi feito como figura de linguagem
textual, e não como afirmação embasada bibliograficamente.
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2
A OCUPAÇÃO DO LAGO: PREVISÃO E PRESENTE
2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Segundo o artigo 5º,
todos são iguais perante a lei, garantindo-se o direito aos princípios fundamentais: vida, liberdade,
igualdade, segurança e propriedade.
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3A Constituição Federal, em seu artigo 182, especifica que a cidade exerce sua função social quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Segundo as
diretrizes gerais do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), a garantia do direito a cidades sustentáveis
compreende condições dignas de vida, incluindo cidadania e direitos humanos, a participação popular
na gestão da cidade, de aproveitar seu cotidiano com qualidade de vida sob os aspectos social e
ambiental. Todos esses preceitos se fazem subentendidos no discurso do relatório de Lucio Costa
para Brasília (CODEPLAN, 1991).
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2.1
ASPECTOS SOCIAIS NO USO DO ESPAÇO PÚBLICO
! Além dos fatores da configuração dos espaços da cidade, da ocupação
ocorrida desde sua implementação até hoje, e das políticas públicas, existe o fator
social e cultural intrínseco à sociedade atual, representado pela maior segregação
social, cada vez mais expressiva na sociedade contemporânea, que se pode
constatar empírica e superficialmente através da valorização dos itens de luxo, como
bem ilustrada por Vieira (2012), a respeito do shopping Iguatemi JK, inaugurado em
meados de 2012, em São Paulo:
2.2
ESPAÇOS PÚBLICOS ÀS MARGENS DO LAGO
! A privatização dos espaços parece refletir esse novo “valor” social
(PARENTE, 2006). As ocupações vistas ao longo da orla do Lago Paranoá
privilegiam pequenos grupos, quando não apenas uma família, em áreas
potencialmente públicas e benéficas para o cumprimento da função social do
espaço, e da quebra de fronteiras entre solidão e companhia, que contribui para a
maior tolerância ao diferente, reforçando uma forma descomprometida de estar entre
outros, o que também aumenta a sensação de segurança e conforto pessoal, e que
poderiam fornecer à cidade o sentido de urbanidade, como interação entre cidadãos
no espaço coletivo (GEHL, 2006; JACOBS, 2000 apud. TENORIO, 2012; MELLO,
2008).
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! A prerrogativa do uso do solo nos dias de hoje não pode ser creditada apenas
à iniciativa privada e à sociedade dos chamados novos-ricos. Desde seu projeto, e
mesmo com a − boa − intenção de Holford, ainda que a orla devesse permanecer
intocada, seu uso poderia se fazer por estabelecimentos privados, como balneários,
restaurantes e clubes esportivos, aos quais se permitiria a ocupação até a beira
d’água. As habitações deveriam estar recuadas dessa, para permitir o tráfego das
pessoas para a contemplação da paisagem. Ora, ainda que essa liberação das
margens esteja no texto, a intenção privada também se encontra no projeto,
desenho e texto, enquanto os “bosques e campos de feição naturalista e rústica para
os passeios e amenidades bucólicas de toda a população urbana” (COSTA, 1957
apud. CODEPLAN, 1991), não. Estaria implícito que nas áreas vazias próximas à
orla, no desenho, seriam destinadas a esses bosques? (Figura 2)
! Ainda que a resposta fosse “sim”, a verdade é que a Brasília sonhada por
Lucio Costa e Comissão Julgadora não se concretizaria. Era uma cidade que já
privilegiava uma classe mais abastada, com padrões espaciais de modo de uso e
apropriação dos lugares abertos distintos daqueles da classe mais baixa, como
explicitado no desenrolar da história da relação entre poder e povo no Brasil4 .
! Não houve uma destinação de atividades eficaz para todas as margens,
resultando em uma grande quantidade de áreas intermediárias, sem qualquer tipo
de uso, próximas a propriedades privadas, que terminaram por invadí-las (MELLO,
2008). Soma-se a essa característica o fato de as áreas da margem abrigarem a
setorização de atividades. As margens contíguas à cidade servem ao setor de
clubes e estabelecimentos comerciais, condomínios fechados, todos com algum tipo
de restrição a acesso ou determinados grupos sociais, ora com entrada restrita,
como é o caso dos condomínios, ora com serviços acessíveis a apenas um nicho
social muito específico. Já na margem das penínsulas, o uso é inteiramente
habitacional. Essa especificação gera fronteiras, que são tidas como barreiras na
cidade, dificultando o acesso e desestimulando o uso dos espaços pela comunidade
(JACOBS, 2000).
! A privatização das margens parece uma “marca de nascença” na cidade. No
decorrer dos anos, o acesso ao Lago Paranoá continuava destinado àqueles filiados
a clubes ou proprietários de seus lotes nas penínsulas. Foram feitas
recomendações, vindas da Terracap, para que esse acesso fosse mantido intacto e
arborizado, e, dado o fracasso dos parques populares, perdidos em “favor” dos
clubes privados, restava a esperança de que fosse feito o calçamento das
penínsulas, às margens d’água, para passeios da população, com previsão de
atividades de aluguel de meios de transporte para favorecer e incentivar o flanar dos
usuários (TERRACAP, 1985).
! Não seguidas as recomendações, a população de mais rica, dominante em
relação à posse e acesso ao corpo d’água brasiliense, além de não permitir o uso
dos espaços por qualquer outra parcela da comunidade, continua sem ocupar
efetivamente os espaços públicos, gerando uma desertificação desses, o que
propicia o mal-uso ou a atração de atividades indesejáveis.
4 Conforme referido na introdução do trabalho. Para mais informações sobre esse aspecto, ver
Holanda, 2002, p. 285-300.
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! Como explicitado por Jacobs (2000), esses hiatos de uso acabam por
contaminar as ruas e regiões adjacentes, até que se crie uma grande área
subutilizada. Até mesmo dentro das propriedades privadas, como as habitações na
beira do lago, de posse desses mesmos indivíduos, seu uso se dá muito
eventualmente, somente pela própria família ocupante, e em horários muito
determinados, em decorrência do horário comercial. Outro uso das margens é feita
por terrenos dos estabelecimentos comerciais, também elitizados, nos quais a
configuração edilícia e a oferta de produtos e serviços neles inseridos não estimulam
o acesso democrático5 da população.
! O tipo de apropriação e uso dos espaços não se dá somente pelo fator sócio-
cultural. A arquitetura como variável independente também cumpre seu papel,
influenciando no uso dos espaços. A localização das construções em terrenos
particulares ou dos estabelecimentos comerciais viram as costas às margens. O dito
fundo das edificações se volta para o Lago, enquanto estimulam a atividade interna,
tanto nas casas dos Lagos Norte e Sul quanto nos centros comerciais como Pier 21.
E se nas casas o quintal arborizado indica, no mínimo, uma intenção de
possibilidade de o ocupante chegar à margem, os centros comerciais priorizam
estacionamentos que separam o fluxo contínuo dos usuários ao Lago, além de não
proporcionar espaços aprazíveis para seu usufruto.
! Sabendo que os corpos d’água exercem uma atração sobre as pessoas
(BREEN; RIGBY, 1996 apud. MELLO, 2008), é interessante observar que, nos
espaços em Brasília, o tipo de uso do espaço é feito visualmente (HOLANDA, 2002).
Aproveita-se as vistas do Lago Paranoá como paisagem, como fundo à experiência
vivida nos centros comerciais ou de dentro de casa. O Lago funciona como moldura
a uma situação, um potencializador de outra apropriação, que valoriza a última,
porém, mantém o espaço admirado sem uso efetivo (Figuras 3 e 4).
5 O termo democrático, neste caso, diz respeito à não-restrição do espaço. Sua conotação seria
melhor aplicada em se tratando de espaços públicos e abertos, sem quaisquer vedações próprias de
edifícios (PARENTE, 2006). Contudo, dado que os estabelecimentos comerciais dos quais trata o
texto não têm nenhum tipo de restrição explícita por meio de linguagem que não arquitetônica, são
passíveis de acesso de qualquer pessoa, sem impedimento de acesso. Logo, ainda que mais
restritivo, se comparado com um espaço aberto, é igualmente permissivo em termos de livre acesso e
presença de pessoas.
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3
CONCLUSÃO
4
BIBLIOGRAFIA
BRAGA, M., O Concurso de Brasília: Sete Projetos para uma Capital. São Paulo:
Cosac Naify, Imprensa Oficial do Estado, Museu da Casa Brasileira, 2010.
GEHL, J., Life Between Buildings: Using Public Space. Copenhagen: The Danish
Architectural Press, 2006.
GEHL, J., New City Life. Copenhagen: The Danish Architectural Press, 2006.
JACOBS, J., Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MELLO, S. S., Na Beira do Rio Tem uma Cidade: Urbanidade e Valorização dos
Corpos D’Água. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). - Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Brasília: Universidade de Brasília, 2008.
VIEIRA, W., Brasiliana: Shopping de Luxo? Carta Capital Online. São Paulo, 13 jul.
2012. Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/shopping-de-luxo/> .
Acesso em: 10 out. 2012.