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Gabriela no tardo caminho de Amado: realismo crítico na obra de Jorge Amado

Bruno Guilherme Hatschebach (UNIOESTE)1


Aparecida Favoreto (UNIOESTE)2
Pensar pela própria cabeça custa caro, preço alto. Quem se
decidir a fazê-lo será alvo do patrulhamento feroz das
ideologias, as de direita e as de esquerda e as volúveis: há de
tudo, e todas implacáveis. Ver-se-á acusado, xingado,
caluniado, renegado, posto no pelourinho, crucificado. Ainda
assim vale a pena, seja qual for o pagamento, será barato: a
liberdade de pensar pela própria cabeça não tem preço que a
pague. (AMADO, 1992, p. 50 – 51).

Resumo: O artigo busca as conexões e distinções entre os romances O País do Carnaval (1931)
e Gabriela, cravo e canela (1958) no marcante ao afeto individuado e à educação social,
relacionando Gabriela personagem como a pedra de toque do picaresco afeto na obra de Jorge
Amado. Neste trabalho, cotejamos os romances citados, fazendo notar que a crítica à ideologia
pequeno-burguesa apresenta-se nas duas obras. Entretanto, em Gabriela, o autor apresenta uma
ruptura em sua forma literária, apresentando uma nova perspectiva de processo histórico. Não
mais o etapismo economicista do PCB, mas desvelando nesta os contornos das contradições
do processo, para além da determinação de classe, situando a luta entre as potencialidades
individuadas quais esbarram na resistência das tradições perante o novo; qual, ainda de forma
difusa, impõe a transgressão feminina.
Palavras-chave: Realismo crítico; afeto e educação social.

Abstract: This article searches for the connections and distinctions between the novels O País
do Carnaval (1931) and Gabriela, cravo e canela (1958) in the marked to individual affection
and social education, relating Gabriela character as the touchstone of the picaresque affection
in the work of Jorge Amado. In this work, we compare the novels cited, noting that criticism
of petty-bourgeois ideology appears in both works. However, in Gabriela, the author presents
a rupture in his literary form, presenting a new perspective of historical process. No longer the
economicism of the PCB, but revealing in this the contours of the contradictions of the process,
beyond class determination, situating the struggle between the individualized potentialities
which stand in the resistance of the traditions before the new; which, even in a diffuse way,
imposes female transgression.
Keywords: Critical realism; affection and social education.

1
Discente pesquisador, graduando na licenciatura em Pedagogia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná
campus Cascavel – PR. Membro do Grupo de Pesquisa História e Historiografia na Educação (UNIOESTE).
Atualmente desenvolve a pesquisa: Da subserviência às transgressões: uma análise histórica da obra de Jorge
Amado, vinculada ao Programa de Iniciação Científica da UNIOESTE.
2
Professora e pesquisadora do Mestrado em Educação e do Colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus Cascavel, PR. Graduada em História (UEM), mestre em Educação (UEM)
e doutorado em Educação (UFPR). Membro e líder do Grupo de Pesquisa História e Historiografia na Educação
(UNIOESTE).
Introdução

Jorge Amado (1912 – 2001), em seus romances delata as formas de convivência


familiares no interior da sociedade brasileira, intercruzando temas relativos ao afeto
individuado3 e à educação social, estes nem sempre pacíficos em seus timbres. Para
ponderarmos acerca destas questões, neste artigo, utilizamos a obra Gabriela, cravo e canela,
escrita em 1958. Neste sentido, ao passo que buscamos compreender como o autor narra seus
personagens em seu cotidiano e em contradições deste para com as tradições, também
buscamos relacionar o desenvolvimento do pensamento do autor, nos utilizando para isto,
comparativamente, da obra O País do Carnaval, escrita em 1930 e publicada em 1931.
Na obra O País do Carnaval, o autor narra o drama de Paulo Rigger4, que buscava a
felicidade. Nesta busca, nascido no Brasil e formado segundo a cultura intelectual europeia, o
personagem vivia o dilema de escolher a esposa entre o ideal cultural, os sentimentos e o desejo
carnal. Em um primeiro momento, Julie parecia atender os interesses moldados pela influência
europeia, ao passo em que, no desenvolvimento da história, Maria de Lourdes surge,
adequando-se aos seus costumes brasileiros. Porém, tal como Julie, Maria de Lourdes não
corresponde aos seus ideais de mulher e o personagem, sem se dar conta que aspirava uma
expectativa individual e não uma companheira, termina a história só e frustrado.
Em Gabriela, para além da saga da personagem retirante que busca trabalho na
abundante Ilhéus, Amado narra três relacionamentos amorosos em que a mesma viu-se
envolvida. Clemente, Nacib e Tonico Bastos, cada um em um contexto específico fez parte dos
sentimentos de Gabriela – entre os quais, Nacib, que desenvolveu desejos carnais e contraiu
matrimônio com papel passado. Entretanto, na sua forma de ser, Gabriela não adequa-se às
convenções de mulher casadoira da sociedade ilheense. Cerceada em sua forma de ser, se leva
pelos galanteios de seu padrinho de casamento Tonico Bastos. Diante de tal fato, Nacib vive o
dilema de amar a mulher não-monogâmica sexualmente e ver-se obrigado a seguir a tradição
de lavar a honra com sangue, para o qual o autor aponta um desfecho irônico: Nacib põe Tonico

3
Afeto individuado trata-se do sentido particular deste. Com base em Lukács, podemos afirmar que refere-
se ao afeto dado por uma época histórica, em que o indivíduo apropria-se dos conhecimentos sociais e tradições
e se relaciona socialmente nos limites dados pelos valores morais e sociais da sociedade na qual está inserido.
4 Segundo Duarte (1996, p. 41): […] o protagonista Paulo Rigger faz a figura do intelectual modernista
típico, contraditório, dividido entre a ideologia patriarcal herdada da família e os valores burgueses assimilados
durante a educação européia. O conflito entre cosmopolistimo e provincianismo domina as ações de Rigger, que
oscila entre duas personae: a do estrangeiro cerebral, refinado e experiente, e a do brasileiro romântico, possessivo
e preconceituoso, que busca encontrar aqui o seu lugar.
Bastos para correr pela praia, surra Gabriela e, junto a João Fulgêncio lembra que os
documentos do proclame foram falsificados, e, sendo assim, Nacib nunca foi casado. Logo,
não foi corno5. João Fulgêncio argumenta com base no direito da família, qual constava no
Código Civil que “[…] um casamento é nulo quando há erro essencial de pessoa” (AMADO,
2012, p. 279), argumento jurídico que pretere o fato. O casamento tendo sido realizado com a
falsificação dos documentos de Gabriela no cartório de Tonico Bastos tornou possível a
anulação do casamento.
No tocante a Gabriela, observamos um corte com as obras primeiras do autor, pois, em
conjunto com a crítica dos costumes e das obrigações sociais impostas às relações familiares,
particularmente ao feminino, Amado ao trazer como protagonista uma mulher do povo,
expropriada dos meios de subsistência e julgada pela moral grapiúna6, traz para o debate
literário a questão cultural na tangente ao ideal de transformação social. Segundo Germano
(2014, p. 139):

Comumente o trabalho de Amado é compreendido pela crítica como detentor


de dois momentos principais: o primeiro concentrado numa demarcação
político-filosófica dos ideais pertinentes ao Partido Comunista e a
‘propagandear’, através do discurso literário, os fundamentos de um Estado-
Nação bem enquadrado dos ditames eletivos ‘apropriados’ a essa estrutura; o
segundo, que tem Gabriela: cravo e canela como marco inicial, inaugura uma
nova fase que deixa o tom panfletário, por vezes proselitista e doutrinário das
obras anteriores, para adotar uma expressão textual compromissada com um
‘mínimo de literatura’ para um ‘máximo de realidade’.

Desta forma, distanciando-se da perspectiva predominante no Partido Comunista


Brasileiro (PCB), do qual ele foi representante nas décadas 1930 e 19407, questiona a leitura

5 […] A cena revela uma espécie de embrião da veia humorística do escritor, que desabrocha mais adiante
nas obras da fase pós–Gabriela. As passagens carnavalizantes reforçam os vínculos do livro com a faceta
demolidora do modernismo e, por outro lado, acusam também a presença do ‘espírito de Gregório’ – este
sim, herdeiro da tradição satírica e carnavalizadora da literatura ocidental. O poeta barroco deixa suas
marcas e mesmo, uma certa linhagem de irreverência ainda hoje viva, que Jorge Amado bem soube
incorporar. (DUARTE, 1996, p. 40. Grifo nosso)
6 Em Ilhéus, “cidade do interior”, Amado narra a regionalidade que se funda pelo cacau, que oculta e
obnubila as contradições necessárias ao florescimento do progresso: “[…] Tinham vindo atraídos pelo cacau mas
sentiam-se todos grapiúnas, ligados àquela terra para sempre.” (AMADO 2012, p. 23). Sobremaneira, os
habitantes “Chegavam e em pouco eram ilheenses dos melhores, verdadeiros grapiúnas plantando roças,
instalando lojas e armazéns, rasgando estradas, matando gente, jogando nos cabarés, bebendo nos bares,
construindo povoados de rápido crescimento, rompendo a selva ameaçadora, ganhando e perdendo dinheiro,
sentindo-se tão dali quanto os mais antigos ilheenses, os filhos das famílias de antes do aparecimento do cacau.”
(AMADO, 2012, pgs. 36 – 37)
7 Jorge Amado filiou-se ao PCB em 1932, e foi eleito Deputado Federal em 1945, membro da Assembleia
Nacional Constituinte. Na primeira metade do século XX, Segundo Favoreto (2015), as teorias pecebistas partiam
do pressuposto de que a Revolução Operária no Brasil se constituiria pelo desenvolvimento econômico, a qual
etapista de processo histórico. Assim, “[…] o rigor do romance de tese é substituído por textos
em que tanto a forma como o conteúdo apontam para o trânsito entre a prosa documental,
naturalista e didática e os acordes do lirismo poético, do subjetivismo e do ressurgimento de
linhas temáticas antes relegadas ao esquecimento.” (GERMANO, 2014, p. 139 – 140)
Buscando compreender o pensamento de Jorge Amado por intermédio das obras citadas
em relação ao contexto político e social vivido pelo autor, deitamos nosso olhar ante a
exposição estética e aos dilemas político-filosóficos vividos pelos protagonistas Paulo Rigger
e Gabriela.

De altas rodas e crepúsculos militantes: de Paulo Rigger a Gabriela

Na obra O País do Carnaval, ao narrar as relações e as decepções amorosas e filosóficas


de Paulo Rigger, Amado traça uma crítica às tradições intelectuais hegemônicas no Brasil até
a década de 19308, ao passo em que expõe uma nova perspectiva de análise dos sentimentos
amorosos.
No que se refere ao afeto, enquanto na literatura brasileira predominava a ideia de que
este sentimento era próprio ao indivíduo, desenvolvido em seu interior, Amado expõe que este
se constitui nas relações sociais, ao passo que recebe as influências econômicas e morais do
contexto em que os amantes estão inseridos. Da mesma maneira, para Amado, a felicidade
também não se constitui no encontro do parceiro predestinado, mas antes, trata-se de relações
amorosas mediadas por valores sociais que refratam ideais de homens e de mulheres.
Ao posicionar os sentimentos enquanto personificação do contexto histórico em que os
indivíduos estão inseridos, nos quais os indivíduos agem, refletem e sentem, o autor, pelo
drama de Rigger, também mostra que não existe um local para se encontrar a felicidade. Desta

deveria seguir as etapas do desenvolvimento histórico que Octávio Brandão havia preconizado em
Agrarismo/industrialismo. Sendo assim, seguindo uma suposta leitura marxista para o processo histórico
brasileiro, acreditava-se que a Revolução Operária só se realizaria posterior à consolidação da Revolução
Burguesa no Brasil, tese que foi criticada por Caio Prado Jr.,em 1950. Para Duarte (1996, p. 25) “[…] deviam os
comunistas num primeiro momento se aliar à pequena burguesia comercial e industrial com o fim de ‘vencer a
etapa’ da revolução democrático-burguesa. Precisávamos ter antes o nosso 1905 (ou o nosso 1789)… para só
então encaminhar a revolução socialista.”.
8 “De 22 a 30, o país vive o longo e penoso processo de esclerose do poder instituído e de seus esquemas
de sustentação. Os modernistas com certeza fazem a sua parte, tingem as nossas letras com as cores e as formas
do século, incorporam o erro-acerto da fala popular, ridicularizam os símbolos do regime. Mais que isto, procuram
combater o país idealizado pela literatura acadêmica ao contrastá-lo macunaimicamente com o Brasil primitivo e
atrasado. Mas não conseguem dar o salto que os levaria do universo dos contrastes ao das contradições de
classe.” (DUARTE, 1996, pgs. 21 – 22. Grifo nosso,).
forma, ao narrar as idas e vindas de Rigger, demostra um personagem que olha para o seu
espaço buscando a felicidade, porém só encontra uma territorialidade geográfica permeado por
indivíduos. Assim, na sua narrativa, Amado (1961, p. 17) escreve que: “Entre o azul do céu e
o verde do mar, o navio ruma o verde-amarelo pátrio. Três horas da tarde. Ar parado. Calor.
No tombadilho, entre franceses, inglêses, argentinos e ianques está todo o Brasil”.
Na crítica às tradições intelectuais, a nosso ver, por intermédio de Paulo Rigger, Amado
satiriza a cultura e o drama pequeno-burgueses9. Afirma Amado (1992, p. 465):

Os intelectuais da elite brasileira, os de esquerda e os de direita, irmão gêmeos


na pretensão e na tolice, uns quantos imitam os europeus, a maioria é
fotocópia dos ianques, de brasileiros não tem quase nada: mesmo livresco e
limitado, o saber os coloca acima da cidadania, sentem-se superiores,
repudiam a criação popular, viram a cara, tapam o nariz à rua, à praça, ao
folclore, o povo fede e eles são uns senhoritos.

Movido por seu dilema individual, Rigger percebe os problemas políticos e filosóficos
da sociedade brasileira, porém, os desvaloriza e prefere continuar a cuidar de suas questões
privadas. Neste mesmo sentido, no seu egoísmo pequeno-burguês, desvaloriza o “povo”
brasileiro, sem perceber que credita ao outro, exatamente o que é expressão da sua forma de
ser. Pois é essa mania de criticar tudo, “mania de fazer discurso” conforme Amado (1961, p.
107):

Que povo! Fez outro dia uma revolução e meses depois que combater essa
revolução! Que carnaval! E aquele major! Quando eu cheguei aqui, ele estava
saudando os caravaneiros liberais em nome das prostitutas da Bahia. Hoje,
ataca os revolucionários. Essa é a mania de fazer discurso... País do
Carnaval...10.

Porém, se o protagonista, em um movimento autocontemplativo volta-se na busca de


solução ao seu dilema, por outro, influenciado pela expectativa cultural de mulher ideal, vaga
de um lugar ao outro, de um colo ao outro, e neste vaguear, sempre há algo em suas escolhidas
que o desagrada. Culpando a amada ao se “aborrecer dela”, adia sua decisão sobre quem irá
lhe acompanhar pelo resto de sua vida.

9 “Hoje estamos acostumados a encontrar uma leitura simplista da sociedade, na qual os indivíduos são
distintamente divididos entre bons e maus; talvez essa seja ainda, a herança da leitura religiosa cristã de sociedade
ou, simplesmente, devido nossa condição social que anseia em determinar o que é certo ou errado.” (FAVORETO,
2002, p. 41).
10
A Revolução referida neste trecho trata-se do movimento liderado por Getúlio Vargas de 1930.
Desta forma, em um primeiro momento “arrastava a carne” para Julie (AMADO, 1961,
p. 40), desejo que se encerra com “a lua, no alto, escondendo-se atrás de nuvem” (AMADO
1961, p. 53), interpondo entre os amantes a agressividade e a subserviência 11. Encerrado o
enlace com a francesa, posteriormente Rigger cismou na brasileira Maria de Lourdes
casamento e prole: “[…] Eu até hoje, não tenho feito outra coisa senão procurar a Felicidade.
Encontro-a. Vou então me aborrecer dela?” (AMADO, 1961, p. 79).
Ao intento matrimonial, exaltando “a vida burguesa da família” (AMADO, 1961, p.
69), em que pese seu o seu sentimento para com Maria Lourdes, seu envolvimento com os
valores morais não lhe permite casar com a mesma, visto que, descobre que a moça não era
mais virgem: felicidade inaudita ao personagem. Por fim, Maria de Lourdes tem sua mão
desposada por Sebastião Hipólito, rival de Rigger (AMADO, 1961, p. 111). “[...] Paulo Rigger,
[…] que ironizava tudo que cheirasse a convencional, fracassara ante a sociedade.” (AMADO,
1961, p. 111). Desta forma, sofre mais um amor perdido:

Rigger passava os dedos por entre os cabelos, num gesto muito seu. Quisera
não pensar. Ergueu a cabeça de sôbre as mãos e levantou-se. Caminhou até a
janela. Tentou distrair-se com o movimento da rua. Um caminhão de lixo
recolhia o sujo do chão. A sua vida (não queria, mas o pensamento teimava)
estava muito suja. Qual seria o lixeiro que a limparia? Qual? (AMADO, 1961,
p. 111).

Sofrendo por desilusão amorosa – qual, aliás, fora atropelado por seu ego –, Rigger
busca nos bares companhia filosófica, enquanto narra sua insatisfação com o amor e com o
país do carnaval, sem perceber que apenas esperou uma satisfação ideal. Nada fez pelo país e
pelo amor!
Por fim, Amado termina a obra com Rigger navegando em busca de sua realização
pessoal e ali, repensa sobre sua vida. Fazendo um balanço, angustia-se por não ter encontrado
a felicidade. Nada fez e também nada compreendeu sobre o amor e suas razões. Para o
protagonista, afinal, os problemas eram os outros que não se adequavam ao seu ideal pequeno-
burguês.

11 As manifestações da violência são pressões psicológicas, maus tratos físicos, espancamentos, piadas,
cantadas, humilhações, assédio sexual, estupro e assassinato. A existência dessa violência coloca todas as
mulheres em uma situação de ameaça permanente. No Brasil, segundo dados de uma pesquisa realizada pela
Fundação Perseu Abramo, estima-se que a cada 15 segundos uma mulher sofre algum tipo de violência (FARIA,
2005, p. 21).
Rigger, em seu anseio individual dista de Gabriela personagem não apenas em sua
personificação no interior da divisão social e sexual do trabalho. Segundo Duarte (1996, p. 28):
“[…] o sentimento de revolta pequeno-burguesa, dominante em O País do Carnaval, começa
a ceder lugar aos pontos de vista de esquerda”, e desse modo, a segunda mostra-se sinestésica
e vibrante, irradiando dos tons o paladar em volúpia. Gabriela, enquanto crônica de costumes,
é uma obra engajada12, qual embora não forneça uma saída no etapismo histórico comum na
leitura pecebista, não subsume a qualidade estética da obra, visto que situa sua heroína na luta
individuada.

– O amor não se prova, nem se mede. É como Gabriela. Existe, isso basta.
Nada sei das estrelas, mas as vejo no céu, são a beleza da noite.

A obra Gabriela, em alguns aspectos mostra uma continuidade com a obra País do
Carnaval, principalmente no que se refere a crítica à moralidade pequeno-burguesa. Neste
caso, ao tratar do comportamento de Gabriela em paralelo aos de outras mulheres de Ilhéus,
Amado mostra a subordinação feminina e os limites morais da família mononuclear. Narra a
problemática de amar, quando se espera comportamentos idealizados por uma perspectiva
familiar determinada pelas relações sociais pequeno-burguesas. No caso, relações pessoais
mediatizadas por valores políticos, econômicos e morais da família grapiúna. Por outro, aponta
ruptura com a leitura etapista e economicista do PCB. Assim, ao tratar da Ilhéus da década de
1920, em seu realismo crítico expõe uma dialética no processo histórico brasileiro13. Neste
sentido, Amado demonstra como o desenvolvimento socioeconômico de Ilhéus impunha novos
acordos políticos e espaços econômicos, no qual ele situa a luta feminina, em que, diferentes
mulheres, em situações sociais variadas, lutam contra os limites sociais e econômicos impostos
pela tradição patriarcal. Desse modo, “No interior do ascenso do liberalismo progressista,
eclode uma nova forma de subjugação do feminino, deslocando contradições postas na norma
grapiuna para a liberal burguesa. Entretanto, isto não fere de morte a divisão sexual do trabalho,

12 Para Facina (2004, p. 40), engajamento revela-se na obra como um espelho, o qual revela a subjetividade
e a posição ética do autor diante dos dilemas no interior do contexto histórico. Partidarização pode ser definido
como compromisso com uma forma literária pré-determinada, conceito mais estrito que caracteriza o período
amadiano de 1933 a 1954, aludindo assim, a uma saída política para o dilema.
13 Do sangue derramado na luta pela posse da terra, adubo sem igual, não floresceram apenas as roças de
cacau, os frutos de ouro da riqueza, floresceu também a cultura grapiúna, singular. […] possuo um único mérito:
ter sido aquele que primeiro começou a contar a saga das terras grapiúnas. (AMADO, 1992, pgs. 485 – 486).
nem o consonante papel da mulher no trabalho doméstico e na criação dos filhos,
indispensáveis à reprodução societal. Trata-se apenas de uma reorganização político-social que
busca atender as mudanças econômicas que passava o Brasil naquele contexto.”
(HATSCHEBACH; FAVORETO, 2017, p. 362). Cada uma que se opôs, na sua forma de ser,
Amado traçou desfechos diferenciados, expondo sobremaneira novos contornos ao debate
sobre o processo histórico, pondo em questionamento o etapismo predominante no PCB.
Na sombra do progresso, pacto da lei, então resolvida no cabo do revólver. A exemplo,
Dona Sinhazinha, que assassinada, tem o processo marcado pelo moralismo de suas meias
pretas post mortem. Como afirmamos noutro momento (HATSCHEBACH; FAVORETO,
2017, p. 366):

Pacto tácito, a especificidade da misoginia reside no rebaixamento da


condição da mulher, seja este posicionamento defensado pela honra
manchada da masculinidade, qual culpa recai na mulher por meio dos valores
conservadores naturalizados, seja na concepção judaico-cristã, onde o
discurso de João Fulgêncio insere-se nesses contornos: “Mulher é tentação, é
o diabo, vira a cabeça da gente” (AMADO, 2012, p. 93). Ou por meio da
identidade familiar de corte naturalista, que justifica para os homens a traição
da mulher pelo sangue que lhe corre pelas veias, por herança (PATRICIO,
1999, p. 58). Neste sentido, a moralidade predominante justifica o
assassinato: "Dr. Maurício parecia já sentir-se no júri: – Fez o que faria
qualquer um de nós, num caso desses. Obrou como homem de bem: não
nasceu pra cabrão e só uma forma de arrancar os chifres, a que ele utilizou
(AMADO, 2012, p. 92).

A mulher julgada pela exigência de sua monogamia afetiva e sexual, enquanto que, o
homem era absolvido pelos privilégios impostos na masculinidade. No caso específico, “O
dentista era solteiro, jovem, desocupado coração, se a mulher o achava parecido com são
Sebastião que culpa tinha ele, não era sequer católico” (AMADO, 2012, p. 93. Grifo nosso).
Por meio do rebaixamento social do trabalho doméstico, limita-se as potencialidades femininas
à vida doméstica e silencia a voz feminina. Ecoa longe. Afirma Nobre (2005, p. 09 – 10):

Pelo senso comum e pelas regras da sociedade patriarcal, uma mulher só é


uma mulher completa se ela é mãe. O feminismo resgata que a reprodução, o
cuidado com o outro, são fundamentais para a humanidade. Enquanto isso, a
sociedade capitalista considera apenas a produção e o mercado, relegando a
reprodução como a ‘parte da vida inválida de ser vivida’. O feminismo pôs
em debate a função social da maternidade, a responsabilidade do poder
público em garantir serviços de saúde, de pré-natal e parto, creche e educação,
em outras políticas. E ao mesmo tempo, que as mulheres devem decidir se
querem ou não ter filhos e o momento de tê-los.

O coronel Jesuíno Mendonça, pelo sistema jurídico é acusado pelo assassinato da


esposa, “[…] dona Sinhazinha Guedes Mendonça e o cirurgião-dentista Osmundo Pimentel,
por questão de ciúmes.” (AMADO, 2012, p. 321), enquanto que, nos argumentos coloquiais,
muitos justificam o crime pela defesa da honra. Ao fim, a condenação que sentencia o coronel
nos provê de elementos para afirmarmos o deslocamento das contradições das relações
familiares como controle estrutural dos meios e modos de vida da classe trabalhadora para seu
estágio superior. O texto amadiano encerra no enlace das relações privadas limitadas pelo
destino coletivo quando “Pela primeira vez, na história de Ilhéus, um coronel do cacau viu-e
condenado à prisão por haver assassinado esposa adúltera e seu amante” (AMADO, 2012, p.
321).
Havendo dois eixos narrativos, Amado aponta interdependência entre os mesmos. Desta
forma, no eixo individual apresenta Gabriela, a qual possui uma personalidade específica que
foge das normas preestabelecidas da família mononuclear, ao passo em que o autor a situa em
um contexto mais amplo, no qual, juntamente com os novos contornos econômicos e políticos,
ocorre um desgaste da cultura patriarcal, enquanto surge uma nova tendência da vida feminina
que se revela nos desfechos dos dramas de Gabriela, de Malvina e no de Glória.
Gabriela, migrante e sem sobrenome. Entrevero, onde:

[…] vestida de trapos miseráveis, coberta de tamanha sujeira que era


impossível ver-lhe as feições e dar-lhe idade, os cabelos desgrenhados,
imundos de pó, os pés descalços. Trazia uma cuia com água, entregou nas
mãos trêmulas da velha, que sorveu ansiosa. (AMADO, 2012, p. 107).

Gabriela não era mulher para casar. “[…] cozinheira, mulata, sem família, sem cabaço,
encontrada no “mercado dos escravos”? (AMADO, 2012, p. 180). A expectativa da educação
feminina14 é o alijamento da potencialidade genérico humana do feminino, assevera Nobre
(2005, pgs. 17 – 18):

As mulheres pobres são tratadas como mais uma das patologias sociais, alvo
de políticas compensatórias, pois entendem que se são mais educadas
cuidarão melhor da família. São vistas como melhores gestoras dos recursos

14 Na voz de Maurício Caires “ – São coisas para homens. Não que eu as aprove. Mas não são coisas que
atinjam as famílias como esses clubes onde mocinhas e senhoras vão dançar, esquecidas das obrigações familiares.
O cinema é uma escola de depravação . . .” (AMADO, 2012, p. 94).
governamentais porque estariam mais preocupadas com o bem-estar dos
filhos do que delas próprias, e por isso, são as beneficiárias das políticas, tais
como renda mínima, acesso ao microcrédito, título de propriedade da casa.
Portanto, não são vistas como cidadãs, com direito a auto-determinação e
autonomia pessoal, mas a partir da sua responsabilidade com a família.

No eixo coletivo, Amado aponta uma contradição que se constitui no desenvolvimento


histórico-social de Ilhéus que, ao passo que é interdependente da modernização da
infraestrutura urbana, carrega as marcas do coronelismo cacaueiro “[…] quando floresciam as
roças nas terras adubadas com cadáveres e sangue e multiplicavam-se as fortunas, quando o
progresso se estabelecia e transformava-se a fisionomia da cidade.” (AMADO, 2012, p. 10).
Ainda na relação entre os eixos narrativos, Amado expõe uma autonomia relativa de
Gabriela em relação ao seu contexto. Pois, se por um lado, ela não foi educada segundo os
valores da família grapiúna e, assim sendo, não identifica a transgressão aos “bons” costumes;
por outro, ela sofre as sanções morais, sendo surrada e desabrigada por Nacib, ao passo em
que, para se casar, é induzida ao “erro”: seja pela exigência da monogamia ou por ter seus
documentos falsificados por Tonico Bastos:

Tonico aproximou a cabeça:


– Sou seu amigo, Nacib. Vou lhe ajudar. Pelos papéis, não se preocupe.
Arranjo tudo no cartório. Certidão de nascimento, nome inventado pra ela,
pro pai e pra mãe. Só tem uma coisa: quero ser o padrinho do casório. . .
(AMADO, 2012, p. 209).

Desejo de Nacib, sedução do aroma e dos sabores de Gabriela: “O juiz os declarou


casados: Nacib Ashcar Saad, de trinta e três anos, comerciante, nascido em Ferradas, registrado
em Itabuna; Gabriela da Silva, de vinte e um anos, de prendas domésticas, nascida em Ilhéus,
ali registrada.” (AMADO, 2012, p. 211).
Moralidade que a interpõe existir15: “Rir quando tinha vontade, fosse onde fosse, na
frente dos outros, não podia fazer. Dizer o que lhe vinha na boca, não podia fazer. Era a Sra.
Saad. Podia não.” (AMADO, 2012, p. 259). A aliança no dedo, expectativa social sobre o
arranjo, não alterava o que sentia Gabriela: “Mas, como evitar? Tudo quanto Gabriela amava,
ah! Era proibido à Sra Saad.” (AMADO, 2012, p. 260). E assim, Nacib (AMADO, 2012, p.
282) “[…] encontrou-se novamente solteiro, tendo sido casado sem o ser realmente, tendo

15 “No que se refere à saúde, a mortalidade materna continua sendo um dos problemas mais graves, uma
vez que, em geral, 95% dessas mortes poderiam ser evitadas. Essas mortes são provocadas por falta de
atendimento pré-natal, ao parto e em função de abortos realizados de forma insegura, pelo fato de esse ser crime
em quase toda a América Latina, com exceção de Cuba e Porto Rico.” (FARIA, 2005, p. 18).
pertencido à Confraria de São Cornélio sem realmente a ela pertencer”, despindo da Sra. Saad
as exigências quais a própria não se identificava. Prossegue Amado na descrição:

Nacib nem se lembrou do revólver, estendeu a mão pesada e ofendida, Tonico


rolou da borda do leito, para logo pôr-se de pé num salto, arrebanhar suas
coisas de uma cadeira e sumir. Tempo de sobra para atirar e não havia perigo
de erro. Por que não o fizera? Por que, em vez de matá-la, apenas a surrou,
silenciosamente, sem uma palavra, pancada de criar bicho, deixando manchas
de um roxo escuro quase violeta, em sua carne cor de canela? Ela tampouco
falou, não deu um grito, não soltou um soluço, chorava calada, apanhava
calada. (AMADO, 2012, p. 277).

Na ausência dos suspiros de Gabriela, Nacib “Estava vazio, sem nada por dentro, vazio
como uma jarra sem flor. Sentia doer o coração como se alguém lhe enfiasse devagar um
punhal. Não sentia ódio nem amor. Uma dor tão somente” (AMADO, 2012, p. 278).
Narrativa enxuta dos fatos, cuja crítica social supõe as formas reificadas da sociedade
civil e as relações políticas que a unificam de maneira contraditória. Em Gabriela, Amado traz
um distanciamento crítico-reflexivo qual sugere ao leitor o julgo pelo progressismo liberal16 ou
pelo conservadorismo ilheense. Se há em O País do Carnaval um naturalismo inconsequente
como “natureza desumanizada” (MÉZÁROS 2006, p. 177), no interior da obra amadiana,
opera-se uma continuidade, no que se refere a crítica da moralidade burguesa, e neste aspecto
traça críticas ao afeto idealizado. Porém, em Gabriela, por meio de um realismo crítico, há uma
ruptura com a elevação estética a partir de uma negação da negação no interior da obra do
autor. Para tanto, a individualidade das personagens femininas desnuda a resistência da cultura
patriarcal meio às contradições dos ideais liberais, muito embora objetivamente o destino
feminino esteja ainda cerceado pelos limites da família mononuclear. Neste movimento, entre
resistência do passado e um novo, ainda não evidente, Amado mostra um processo histórico
carregado de contradições entre as potencialidades individuais, o peso da tradição arraigada
nos costumes sociais e as novas tendências históricas. Logo, trata-se de indivíduos que tomam
posições diferenciadas como desenvolvimento desigual, relacionando-se de forma diferenciada
e pressionados pelas tradições e tendências históricas.

16 “No plano político, a atitude dominante era de rejeição ao coronelismo provinciano e à situação de
pobreza e atraso do país. O tenentismo surge como uma esperança e marca a visão de mundo adolescente com as
tintas do liberalismo e como o desejo de mudanças drásticas no quadro institucional. […] as reformas tenentistas
ganham foro de proposta eleitoral: voto secreto, voto feminino, liberdade organização e expressão, federalização
da justiça, reforma do ensino, maiores direitos para os trabalhadores. O caráter liberal–burguês dessas bandeiras
é incontestável. O momento era de eleições, não convinha dar destaque à faceta autoritária do projeto tenentista,
que buscava a modernização do país pela via de um regime de força.” (DUARTE, 1996, p. 24 – 25).
Nos apoiando em Mészáros (2006, p. 178), caracterizamos o romance universal
Gabriela (AMADO 2012) como realismo baianês:

[…] o realismo revela, com propriedade artística, as tendências fundamentais


e conexões necessárias que estão com frequência profundamente ocultas sob
aparências enganosas, mas que são de importância vital para um
entendimento real das motivações e ações humanas das varias situações
históricas.

O ditirambo amadiano revela nos valores estéticos de Gabriela uma crítica imanente à
arte dirigida17. Havendo nesta, sistemática crítica aos limites morais da família mononuclear
para a mulher, além claro da estrutura estilística que perfaz a obra de Amado, cobrindo toda
obra em humor e crítica irônica. Na obra Gabriela há engajamento, no momento em que o
engajamento literário amadiano vincula-se à posição do autor no interior das lutas de classe, e
não apenas à adesão formal ideo-política ao PCB. Assim, nas mediações entre os fatos e os
personagens, Amado expõe em Gabriela o movimento contraditório da história ilheense. Entre
a tradição e a modernidade, o autor narra a subserviência feminina enquanto controle estrutural
dos meios e dos modos de vida da classe trabalhadora, sendo dissolvida e remontada pelas
transgressões em contradição à moralidade. Nesse processo, ocorre uma interação entre os
personagens que, ao passo que impõe costumes, também amplia o horizonte de possibilidades
do feminino. Ao expor este movimento dialético na obra, Amado, no mesmo plano antitético,
desenvolve uma superação da sua obra.

Dos sinos a dobrar finados

No marcante ao conteúdo, o autor, nos parece, apresenta a apoliticidade apologética do


personagem Paulo Rigger. O centro de gravidade muda o endereço: de um intelectual pequeno-
burguês com influências teóricas europeias para a rosa do povo que, ao transgredir os costumes,
mostra uma relativa autonomia as tradições familiares, apesar de sofrer sanções impostas pelos
costumes sociais. Embora a crítica à individualização moderna esteja presente em toda a obra,
em especial O País do Carnaval (1931) como crítica da posição teórica e política pequeno-
burguesa, menos evidente é o duplo salto em Gabriela, cravo e canela (1958), como a

17 Nega, neste sentido, o caráter “abstrato, formal e negativo” da liberdade artística moderna, qual “[…]
‘campo de ação’ não seria outro senão um mundo de soberania subjetivista do autor” (LUKÁCS, 1967, p. 167–
168).
libertação dos sapatos apertados e não somente da sujeira em pó quais Gabriela evanesce no
romance universal.
Em Gabriela há um realismo baianês, universal por vias da superação de forma, aliado
à expressão consciente da determinação material da obra de arte e da condição política do
criador, processo que se põe na narrativa como acesso das mulheres à interface como lama
dissolvente da moral. Citando Hatschebach e Favoreto (2017, p. 361 – 362), a vida pública era
possível à mulher apenas por intermédio do homem, “Para a mulher ‘de respeito’, o casamento,
a prole, cama e mesa postas. Assim, no embate moral sobre o assassinato de Sinhazinha e
Osmundo, Amado (2012, p. 94) assinala o conservadorismo da moral na voz de Maurício
Caires: ‘A esse progresso, eu chamo de imoralidade’ (AMADO, 2012, p. 94.)”.
Da transição da República Velha à defesa, por parte do autor do romance, ao regime
constitucionalista, a crônica floresce a personagem Gabriela como a parturiente das
contradições no contexto da década de 1920, desafio de subsunção da força de trabalho
feminino ao capital. Afirma Iasi (1991, p. 03):

[…] embora incorpore a necessária diferenciação entre a dominação e a


pressão patriarcal e a dominação e exploração de classes sob o capitalismo,
concebeu não uma polarização mecânica, senão que uma interação dialética
onde a exploração de classe pode, e na realidade o faz, se dá por mediações
onde uma delas, uma das fundamentais, é a opressão sobre a mulher, a
hierarquização do poder e funções segundo o sexo.

Por intermédio de um realismo crítico, Amado rompe com o compasso amistoso com
os objetivos imediatos do PCB. Desta forma, alterou a órbita etapista e mostra a persistência
do movimento contraditório. Nos parece, Gabriela é uma critica aos limites do deslocamento
de contradições posto pela subsunção do trabalho assalariado feminino pelo capital, na qual a
subserviência do feminino se realiza enquanto particularidade superestrutural. Em Gabriela,
para tanto, não há identidade entre exploração e opressão: “Neste sentido, a luta específica da
mulher contra a situação particular de sua opressão, e desta forma a afirmação de sua
singularidade enquanto mulher é também o potencial de superação desta opressão e a
reafirmação do ser humano em sua integralidade genérica.” (IASI, 1991, p. 03).
O que mudava em Ilhéus fora o acesso feminino às pautas liberais, transgredindo a
norma da velha ordem e refundando a exploração sobre novas bases. Continuidades e rupturas
no interior da obra amadiana, ressaltam particularmente a subsunção do trabalho assalariado
feminino ao capital, quais se revelam no autor enquanto engajamento literário ao realismo
bainês.

REFERÊNCIAS

AMADO, Jorge. Gabriela, cravo e canela – crônica de uma cidade do interior. São Paulo:
Companhia das Letras: 2012.

_______. Navegação de Cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que


jamais escreverei. São Paulo: Círculo do Livro, 1992.

_______. O País do Carnaval. IN: O País do Carnaval, Cacau e Suor. São Paulo: MARTINS,
1961.

DUAYER, Juarez. Lukács e a atualidade da defesa do realismo na estética marxista. 5º


Colóquio Internacional Marx & Engels novembro/2007.

DUARTE, Eduardo de Assis. Jorge Amado: romance em tempo de utopia. Rio de Janeiro:
Record, 1996.

FACINA, Adriana. Literatura e sociedade – Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

FAVORETO, Aparecida. Morre o nobre, nasce o comerciante. v. I, nº I, p. 21-29, ago./dez.


2002.

_______. PIONEIROS DO MARXISMO E DA ESCOLA NOVA NO BRASIL: o lugar


da escola no processo histórico. Cad. Pes., São Luís, v. 22, n. 2, mai./ago. 2015

GERMANO, Patrício. Fronteiras, Travessias e Passagens… O Entre-Lugar do


Maravilhoso em “O Sumiço Da Santa” de Jorge Amado. IN: SWARNAKAR, S.,
FIGUEIREDO, ELL., and GERMANO. Nova leitura crítica de Jorge Amado. Campina
Grande: EDUEPB, 2014, pgs. 136 – 163.

HATSCHEBACH, Bruno. FAVORETO, Aparecida. Notas preliminares acerca do feminino


em Jorge Amado: da subserviência às transgressões em Gabriela, cravo e canela. REBELA,
v.7, n.2. mai./ago., pgs. 356 – 373, 2017.

IASI, Mauro. Olhar o mundo com olhos de mulher? (À respeito dos homens e a luta
feminista). Texto originalmente produzido em maio de 1991, como parte dos estudos do
Instituto Internacional de Investigações e Formação. Amsterdã – Holanda e modificado nesta
oportunidade para publicação.

LUKÁCS, Georg. Arte Livre ou Arte Dirigida? IN: Revista Civilização Brasileira. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
_______. Notas para uma Ética. São Paulo, Instituto Lukács, 2014.

MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. István Mészáros. – São Paulo:


Boitempo, 2006.

SOF – Sempreviva Organização Feminista. Feminismo e Lutas das Mulheres: análise e


debates. Miriam Nobre; Nalu Faria; Maria Lúcia Silveira. SOF: São Paulo, 2005.

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