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Alagoinhas-BA
2020
JUSTIFICATIVA
1
Segundo HALL, a identidade é composta por diversas outras identidades, sendo que em alguns casos
estas podem ser contraditórias. Essa fragmentação constrói o indivíduo pós-moderno, enquanto pessoa
sem identidade fixa.
Coutinho, apesar de sonhar com sua poesia sendo consumida pela massa sabia que seu
intelecto estava mais próximo da marginalidade.
De acordo com Miglievich Ribeiro, a colonialidade é a face da modernidade
que por muito tempo se manteve oculta 2, e nesse sentido Coutinho enfrentou e lutou
livro a livro no intuito de liberta-se das amarras da modernidade/colonialidade.
Em sua escrita fica inegável a dor de um devir 3 homem gay, nordestino, e sua
poesia transgressora, o que o fez carregar em si o estigma do ser não amado diante da
exposição vazia de se estar vivo em uma cultura sertaneja com todo o seu
conservadorismo. É dor diante da genialidade de se entender um escritor (quase
invisível).
Em “Pode um subalterno falar?” 4, Gayatri Chakravorty Spivak consegue
abraçar Araripe Coutinho em seu não lugar de fala, abrindo as janelas para o
entendimento de que mesmo o poeta tentando ser lido e reconhecido jamais será
escutado, uma vez que sua voz não será compreendida pelos detentores do poder (de
fala). Ao ser confinado à marginalidade, Araripe Coutinho estará pra sempre preso ao
que o pós-colonialismo dita.
Essa proposta de investigação dialogará com os escritos subalternos, como
forma de amparar a poesia de Araripe Coutinho e assim desvendar o quão libertador
para o escritor foi esse não pertencimento social, uma vez que a partir desta liberdade
poética, o escritor ousou tratar de temas ligados à cultura LGBTQIAP+ 5 sem demonstrar
tolhimento ou arrependimento, já que a relação homopoética foi algo constante.
Nesta performance em prol da liberdade sexual, a poesia araripiana encontrará
na Teoria Queer seu embasamento, ao misturar o masculino e o feminino, enveredando
pela desenvoltura sociocultural de não se classificar em nenhum gênero.
A Teoria Queer6 nasce do desconforto de não se entender pertencente a nada
estabelecido e assim, ao mesmo tempo, se liberta das amarras sociais da questão homem
e mulher. Butler, por exemplo, pontua que as sociedades regulam e constroem os papeis
sexuais das pessoas, na tentativa de colocar os sujeitos em caixinhas, para que se
encaixem e, consequentemente, encaixem sua sexualidade, porém, mesmo com tanto
2
MIGLIEVICH-RIBEIRO, Adelia. Por uma Razão Decolonial: desafios ético-político-epistemológicos à
cosmovisão moderna. Civitas. Porto Alegre. V. 14, n. 1, jan-abr de 2014, p. 68.
3
Devir quando usado por DELEUZE e GUATTARI refere-se a um ponto de partida do sujeito, de onde
não se sabe onde chegará.
4
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? 1. ed. Trad. Sandra Regina Goulart.
5
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Queer, Interssexual, Assexual, Pansexual.
6
A teoria Queer começou no final dos anos 80, nos E.U.A. O termo Queer pode ser traduzido por
estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro, extraordinário. Louro (2004, p. 38).
empenho em domesticar os corpos e seus sentimentos. “Os corpos não se conformam,
nunca, completamente, às normas pelas quais sua materialização é imposta” (BUTLER,
2000, p. 154).
Esta proposta de pesquisa será apresentada para o curso de mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural do Departamento de Linguística,
Literatura e Artes da – Campus II da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e precisa
existir para fazer justiça à poesia de Araripe Coutinho, e ao poeta em si, tendo assim
como base a Linha de Pesquisa 1 - Literatura, Produção Cultural e Modos de Vida.
7
Termo usado por BOAVENTURA (2002) para explicar o conflito do presente pela sociologia das
ausências como se move no campo das experiências sociais.
entre Coutinho e a sociedade sergipana é possível assistir no Youtube, no filme “Doc.
Araripe Coutinho”, dirigido pelo jornalista, Pascoal Maynard, quando o ex-governador
de Sergipe, Albano Franco8 (que vem de família escravocrata), ao falar do poeta
declarou: “Todas as vezes que ele me procurava para algum problema, nós
solucionávamos porque eram problemas justos e sérios”. “Os grupos subalternos sofrem
sempre a iniciativa dos grupos dominantes, mesmo quando se rebelam e se insurgem: só
a vitória ‘permanente’ quebra, e não imediatamente, a subordinação” (GRAMSCI,
2007, p. 2283).
A poesia de Araripe Coutinho pode ser vista como uma quebra dos paradigmas
sociais, onde para existir dialogará com a Teoria Queer em sua liberdade de não se
classificar masculina nem feminina, sendo assim atemporal e não só sexual, e nunca,
jamais, normativa. Neste contexto, o poeta diversifica seus temas e performances
sociais, não se prendendo nem a sua sexualidade nem tampouco ao gênero, firmando
assim uma ponte com Teresa de Lauretis, que elaborou as “tecnologias de gênero” 9,
pontuando que o gênero não é uma propriedade natural dos corpos, sendo um conjunto
de efeitos decorrentes das política de Estado, do cinema, da literatura, das famílias e
instituições.
Ao transitar pelo não-binarismo, a poesia de Araripe Coutinho mostra que o
não normal pode e deve se projetar como literatura, anulando assim os “dispositivos" 10
de poder que constituem os sujeitos e as suas organizações.
Objetivos
Objetivo Geral:
Discutir a homopoética de Araripe Coutinho enquanto um escritor que resiste à
lógica moderna/colonial gerando escritas outras que dialogam com o pensamento
decolonial gerando outros processos de subjetivação nas práticas políticas/sexuais que
desobedecem aos ditames canonizados.
Objetivos Específicos:
8
ALBANO FRANCO tem 79 anos, sendo destes 36 anos de vida política (foi governador duas vezes,
senador, deputado federal e deputado estadual de Sergipe). Faz parte da elite política sergipana, foi dono
da TV Sergipe (filiada da TV Globo). A família Franco permanece sendo uma das mais influentes no
campo da política sergipana.
9
Termo usado por TERESA DE LAURETIS para indicar que o gênero é formado por várias instâncias tal
qual a sexualidade.
10
Para FOUCAULT, o dispositivo atua como um aparelho, uma ferramenta constituindo sujeitos e os
organizando.
• Articular a produção bibliográfica do autor com as teorias pós-colonialistas,
os Estudos Subalternos e os Estudos Culturais;
• Analisar a produção araripiana juntamente com a Teoria Queer para
desmonopolizar o pensamento fundante da epistemologia moderna.
• Facilitar o acesso à obra de Araripe Coutinho, enquanto poeta brasileiro
anulando assim as possíveis fronteiras epistemológicas que cercam o nordeste do
restante do Brasil.
• Identificar em sua obra a luta contra o estigma e a invisibilização existenciais
como parte de enfrentamento da racionalidade hegemônica.
Metodologia
Nessa proposta, trabalharemos com a pesquisa qualitativa que irá inicialmente
se debruçar na produção poética de Araripe Coutinho, buscando assim identificar a
diversidade de seu estilo de escrita e temas abordados. Se faz de fundamental
importância também pesquisar os parâmetros de sua vida enquanto personalidade
cultural sergipana para traçar paralelos com sua as obras.
A análise destes dados acontecerá a partir do aparato bibliográfico dos diversos
teóricos que embasam a Crítica Cultural. Desta forma, o conteúdo teórico deste trabalho
será baseado nas leituras, análises e fichamentos de autores como: Michel Foucault,
Antonio Gramsci, Homi Bhabha, Gayatri Spivak, Walter Mignolo, Stuart Hall,
Boaventura de Souza Santos, Félix Guattari, Jacques Derrida, Giogio Agamben, Judith
Butler, Donna Haraway, Gilles Deleuze, Guacira Lopes Louro, Teresa de Lauretis e
Monique Witting, Boaventura de Souza Santos, Hilda Hilst, Caio Fernando Abreu, João
Silvério Trevisan, Adelia Maria Miglievich Ribeiro, Paul B. Preciado, entre outros
autores e autoras. Sendo assim confeccionada a dissertação a ser defendida.
Cronograma
Resultados esperados
O decolonialismo busca no subalterno possibilidades de ampliação de vozes
silenciadas por muito tempo, encontrando na Teoria Queer um ponto fundamental para
a “liberdade” dos indivíduos. Ter base para fundamentar ideias e produções é de suma
importância para amplificar mudas vozes. Este trabalho é uma tentativa de se fazer
ouvir a voz do poeta Araripe Coutinho ultrapassando muros sociais, geográficos e de
ideias. Aqui busca-se um diálogo com a crítica cultural na intenção de mesclar mundos,
teorias e saberes como uma maneira de fazer um saber poético resistir ao tempo, sendo
ao mesmo tempo resistência social e valorização intelectual.
Esta pesquisa é necessária para servir de farol a quem passou a vida inteira nas
sombras, dando assim a Araripe Coutinho o seu reconhecimento enquanto escritor
brasileiro, poeta e jornalista. Ao amplificar seu discurso, sua poesia e seus aspectos
sociais será possível conversar com os milhares de autores brasileiros e suas escritas
desconhecidas.
Referências Bibliográficas
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do "sexo" In:
LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2.ed.
Tradução dos artigos: Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
DELEUZE, G. & GUATTARI, F. “O que é uma literatura menor?”. In: Kafka: Por
uma literatura menor. Tradução Castanon Guimarães. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
DP&A, 2002.
SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia
das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 63, pp. 239-280, out. 2002.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? 1. ed. Trad. Sandra Regina
Goulart.