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Em A paixão segundo G.H.

, a protagonista do romance de Clarice Lispector passa por uma


transformação que é também uma meta-morfose do mundo. Adentrando uma hiper-
temporalidade em que passado e futuro se confundem, G.H. alcança uma zona da existência
regida pela promiscuidade e reciprocidade dos seres:

O encontro de G.H. com a barata é precedido pela visão do “mural” desenhado a carvão no
quarto da empregada Janair: um homem, uma mulher e um cão.

o quarto da empregada, associando a pobreza à ancestralidade, parece se constituir como uma


caverna pré-histórica, ou então uma gruta de acesso à origem do mundo, ao centro da Terra,
ao “núcleo da vida”

É ali que surge a barata, como uma espécie de guardiã da porta dessa gruta, ou de guia de G.H.
nessa viagem pelo espaço-tempo.

Essa a-temporalidade ou hiper-temporalidade transparece no fato do livro começar e encerrar


com seis travessões, indicando circularidade, mas também interrupção, suspensão do curso
normal do tempo e do mundo, um intervalo, e ainda algo em andamento (que a frase que
segue aos travessões inicie com uma minúscula e esteja no gerúndio e se repita – “estou
procurando, estou procurando” – reforça este caráter em ato da narrativa e sua
temporalidade).

Epifania

Interseção de pensamento e linguagem

Luis Costa Lima

3 momentos (círculos) claramente delimitados, a caminhada da alma ao alcance do seu núcleo

1 – a personagem precisa de um apoio, ela tem medo do que vê, medo de ver; os 2 primeiros
são etapas para oq ela vê no último; perigo das racionalizações (tripé); perder o medo do feio

2 – afastamento das crenças e dos valores; fica desnuda a face da vida sensação de
inexpressividade; encarar o não-ser como aproximação da verdade. Ela vive na superestrutura
de um edifício e da sociedade, não tem problemas financeiros, e vive sozinha em seu
apartamento

Passagem da destruição para a construção

Busca de prazer – procura da grandeza de Deus, mas atinge o polo contrário

“a curiosidade me expulsara do aconchego”

3 – o trágico é revelado quando se deixa de encarar o homem e o mundo com a fraude de


máscaras sentimentais

O imundo é o que se esconde por detrás do encharcamento sentimental do mundo

Trágico da existência humana não é o mesmo que fatalismo, não implica em imobilidade

GH conversa com Deus e expõe suas dúvidas, mas percebe que ele está muito mais próximo do
neutro cotidiano
Levada pelo encontro e morte da barata, GH penetra num círculo de experiência e de
constatações inéditas. E, a partir deste, volta ao cotidiano com outros olhos.

Sua dúvida anterior é respondida: será que a preocupação com Deus é uma maneira de
escapar ao presente? Um tripé? Não, Deus está incorporado à atualidade e ao tempo presente
do homem

Mesmo na reconstrução, mantém a negação da beleza: desconfiança do seu poder de


enfeitiçamento das coisas, desse modo mascaradas

Recusa de encarar Deus como um refúgio situado mais além

Via mística, cujas etapas são dadas pela passagem de cada círculo; essa experiência mística não
leva à comunhão da alma com Deus, mas ao Seu reconhecimento e encontro nas coisas que
compõe o presente humano

O símbolo e a coisa (João Camillo Penna)

33 capítulos, numeração cabalística da idade de Cristo, como passos da via crucis, paixão,
hóstia
Manual prático do ódio

Associada à tematização da violência inscreve-se a representação da realidade marginal e


periférica que, por sua vez, coloca o leitor no rumo de uma espécie de notícia crua da vida
brasileira. Esta discussão está intrinsecamente ligada ao interesse em trazer para o centro a
massa dos excluídos sociais – grupos históricos e socialmente desfavorecidos e, por isso,
silenciados – e, assim, tratar da desigualdade social e econômica, da criminalidade, das
injustiças, da miséria e da violência policial, bem como dos espaços não valorizados
socialmente: a periferia dos grandes centros urbanos ou os enclaves murados em seu interior,
como as prisões.

Na literatura contemporânea o espaço urbano, especialmente o das grandes cidades, é que se


constitui como cenário privilegiado, e de onde emerge a diversidade sociocultural e,
consequentemente, de onde se acenam recorrentes disputas e conflitos.

É então na força desse cotidiano urbano, nessa violência na e da cidade, que se inscreve um
mal-estar que não é circunstancial, mas existencial, porque ligado a crises e conflitos vividos
por sujeitos sociais cindidos, despedaçados, desenraizados, marginalizados, excluídos,
abandonados à deriva, expostos a uma sem ordens de violência e/ou a uma vida cotidiana
burocrática e impessoal.

A violência pode manifestar-se no plano da linguagem e das representações, como evidência


de dissidência ou da iminência de uma situação de caos social; ou então como expressão de
novas expressões do social, cada vez menos passível a avaliações reguladoras e/ou
moralizantes; ou ainda como enunciação genuína e, às vezes, legítima de conflitos vivenciados
no dia-a-dia da vida social.

é o da literatura dedicar-se à defesa das causas e das experiências dos oprimidos, como é o
caso de Ferréz, que cria uma escritura de testemunho, sendo sujeito ele mesmo da realidade
sobre a qual o escreve e, portanto, na qual interferem imperativos éticos.

Sua escrita tem a pretensão de tornar visível a voz periférica, por meio de uma estratégia
narrativa na qual o próprio excluído narra a sua história e a do seu povo. Neste sentido, o
cenário é o da periferia e o contexto narrativo o do cotidiano de seus moradores.

O escritor tem grande atuação junto à sua comunidade, desenvolvendo projetos e


disseminando a voz da periferia. Pode-se dizer que Ferréz construiu uma identidade a partir da
palavra escrita, inserindo-se no circuito cultural e editorial, seja pelas publicações ou pela
participação em eventos culturais, literários, debatendo sobre literatura e outros temas, tanto
no Brasil quanto no exterior.

O uso de um teor testemunhal, de uma intenção clara de representar seus iguais por meio da
ficção. Sob este aspecto, a posição do autor é evidente: pela escrita literária dar voz aos
moradores da periferia, representando certa “cor local” no texto que, em síntese, expressaria
a realidade absoluta do cotidiano das pessoas que viviam no bairro Capão Redondo. O excesso
de realismo, da representação da vida real provocariam, portanto, efeitos de realidade ao
leitor.

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