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Teoria Literária I
Prof. Jorge de Almeida
São Paulo
2014
Em uma carta enviada ao seu pai em 1926, Aldous Huxley relata que já ensaiava a
estrutura formal, bem como a proposta literária, na qual seria construído o seu romance
Contraponto:
I am very busy preparing for and doing bits of an ambitious novel, the sum of
which will be to show a piece of life, not only from a good many individual
points of view, but also under its various aspects such as scientific, emotional,
political aesthetic, etc. The same person is simultaneously a mass of atoms, a
physiology, a mind, an object with a large shape that can be painted, a cog in the
economic machine, a voter, a lover, etc. etc. I shall try to imply at any rate the
existence of the other categories of existence behind the ordinary categories
employed in judging everyday emotional life. It will be difficult, but interesting. 1
1 HUXLEY, Aldous. Letters of. London: Chatto & Windus, 1969, pp. 274-275
responsáveis por terem criado a situação tenebrosa que estava posta - e se continuar a
seguí-los não significaria avançar para uma destruição completa da sociedade. E se a
representação artística se apoiava nos três sistemas que vinham sendo apontados como
críticos para a criação do cenário de guerra - racionalismo, cristianismo e capitalismo -
para se constituir, é natural que ela também tenha tido a necessidade de se reconstituir.
Contraponto se insere nessa situação em específico. No romance, é comum ver
como os personagens, membros da elite burguesa da Inglaterra do começo do século
XX, observam uma decadência de seus valores aliada à decadência de seu estilo de vida.
O conflito de todos os personagens vem de um descompasso entre o que é ditado pelas
normas do seu ambiente social e reafirmado pela sua inteligência racional, e o que
gritam seus instintos corporais e físicos. A busca pela reafirmação de valores para com
os quais balizar a vida leva, na maioria dos casos, ao rebaixamento total para a busca de
valores supérfluos e fúteis (a busca de John Bidlake pela fama e prestígio ou a
importância dada por Dennis Burlap à riqueza material, mesmo que secretamente) ou à
negação completa desses valores em busca de um estilo de vida hedonista (Lucy
Tantamount, a “flor consumada da civilização”) ou decadentista (Maurice Spandrell,
que nega a vida em qualquer sentido). É sintomático também que os personagens jovens
são os mais desiludidos com a perspectiva de encontrar sentido para as suas ações, já
que recebem dos pais um conjunto completo de valores que já não tem aplicação
nenhuma no ambiente à sua volta. Mark Rampion é claramente a voz central do enredo,
pois apresenta a necessidade encarada por todos os personagens de encontrar um
equilíbrio entre o “corpo” e a “mente”, abandonando a hipocrisia e vivendo a
potencialidade humana.
Na forma narrativa do romance, porém, é que Huxley realmente explicita a sua
visão de realidade pós-guerra. A contemplação de um mundo fragmentado despertou
diferentes posturas nos romancistas, cada um visando dar conta de uma realidade não-
linear e complexa à sua maneira. Junto com a contestação do racionalismo científico,
veio a certeza de que a percepção empírica da realidade, do espaço e do tempo pelo
humano é delimitada pela sua própria experiência, que é por natureza subjetiva. Frente
a isso, a postura do narrador - antes objetiva, com causalidade e distanciada - acaba, na
maioria dos casos, tomando dois rumos: priorizar a introdução total na psicologia de um
personagem, e o tempo se torna exclusivamente o da memória; ou se afastar
completamente dessa e narrar o mundo sem intermediários psicológicos, através do
tempo da ação:
Contudo, o que Huxley ousa em Contraponto não se qualifica como nenhuma das duas
abordagens. Ou melhor, chega a uma síntese das duas.
A técnica particular de contraponto narrativo usada pelo autor na obra imita o
contraponto musical muito presente no classicismo erudito. Através dessa técnica, o
compositor mantém uma relação interdependente e harmônica entre diversas linhas
melódicas independentes, com alguma frequência em tonalidades dissonantes. A
postura narrativa de Huxley se expressa muito ligada a isso, já que se caracteriza pela
descrição minuciosa dos pensamentos, memórias e sensações de uma multidão de
personagens que, apesar de representarem oposição, se complementam e se afetam
mutuamente. Na marcante cena de Spandrell e Illidge logo após terem assassinado
Everard Webley, o leitor acompanha o tempo da memória dos dois personagens quando
Illidge rememora a humilhante situação social a que foram sujeitos ele e sua família pra
tentar justificar sua ação assassina e Spandrell deixa o cadáver de Webley o levar em
uma reflexão sobre a vacuidade da vida, e também da morte. Mas esse deslocamento
também é acompanhado por um foco nas ações dos dois criminosos de limpar a casa e
esconder o cadáver, que acontecem no tempo concreto da ação, porque elas também são
determinantes para o desenrolar das histórias dos diferentes personagens. A tensão
narrativa existe na dialética desses dois planos, por compreender justamente a
articulação deles na realidade contemporânea.
2 ROSENFELD, Anatol. “Reflexões sobre o romance moderno”. In: ROSENFELD, Anatol.
Texto/Contexto I. São Paulo: Perspectiva, 1993. p. 96
Ao se fazer a escolha de construir a narrativa pelo ponto de vista múltiplo ao
invés do singular, Huxley busca dar conta da representação da vida de uma nova
maneira. Philip Quarles, o alter ego romancista de Huxley em Contraponto, explicita
esse método, ecoando a carta enviada ao pai do autor anos antes:
3 HUXLEY, Aldous. Point Counter Point. New York City: Avon Publications. p. 301
Bibliografia:
HUXLEY, Aldous. Point Counter Point. New York City: Avon Publications.