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A CIDADÁ PARADOXAL
As feministas francesas
e os direitos do homérn
2002
© 1996 by Harvard University Press
Título original
On/y Paradoxes to Offer
Publicado segundo acordo firmado com a Harvard University Press
Coordenação editorial
Zahidé Lupinacci Muzart
Tradução do inglês
Élvio Antônio Funck
Revisão técnica
Marco Antônio Toledo Neder
Apresentação
Miriam Pillar Grossi
Revisão
Luís Felipe Guimarães Soares
Rita Maria Xavier Machado
Zahidé Lupinacci Muzart
Editoração
Letras Contemporâneas
Capa
Fábio Brüggemann
Sobre gravura A Versailles, à Versailles! 5 de outubro de 1789,
Anônimo, séc. XVIII. Paris, Museu Carnavalet
C D U 396 [2002]
Prefácio............................................................................. 17
Bibliografia........................................................................................... 287
9
Apresentação
oan W. Scott é urna das autoras mais citadas, no campo dos estu
J dos de género no país. E isso principalmente por três traduções em
português, os textos “Gênero, uma categoria útil de análise histórica” 1,
“Experiência” 2 e um capítulo na coletânea História das mulheres no
Ocidente.3 N o entanto, apesar da notoriedade de Joan W. Scott em
terras brasileiras, este é seu primeiro livro traduzido em português, gra
ças à iniciativa da Editora Mulheres de Florianópolis.4
A cidadã paradoxal: as feministas francesas e os direitos do ho
mem foi publicado inicialmente em 1996, em inglês, pela Harvard
University Press, com o título On/y paradoxes to offer (Apenas parado
xos para oferecer). Quanto ao título da edição brasileira, preferiu-se
acompanhar o da tradução francesa, datada de 1998 e editada pela
Albin Michel, na sua Bibliothèque Histoire. Os dois títulos são ilustrativos
do que este livro pode significar para o feminismo e a história das
mulheres não apenas nos Estados Unidos e na França, mas também
no Brasil. Joan W. Scott, especialista na história da França no século
11
XIX, é também uma das principais teóricas contemporâneas da histó
ria das mulheres e do feminismo.
Escrito por uma norte-americana, o livro nos traz um olho: es
trangeiro sobre a história do feminismo francês, ao mesmo tempo em
que dialoga com um dos principais estereótipos produzidos pelas teó
ricas dos estudos de gênero, norte-americanas coetáneas, a saber, a
dicotomía igualdade/diferença. De forma incisiva, a autora desconstrói
neste livro a idéia de que haveria dois tipos antagônicos de feminismo,
o da igualdade e o da diferença, mostrando que ambos os conceitos,
muito mais do que posições distintas, são duas estratégias discursivas
utilizadas pelas feministas desde a Revolução Francesa, que vieram
obtendo diferentes rendimentos políticos em sucessivos momentos his
tóricos. A o analisar os modelos pelos quais as norte-americanas per
cebem e opõem o feminismo francês ao norte-americano, Joan W. Scott
está também nos ajudando a pensar na diversidade do feminismo con
temporâneo em diferentes lugares do mundo.
O livro se divide em seis capítulos. N o primeiro, a autora se situa
em relação ao debate e às teorias sobre gênero e história das mulheres,
introduzindo o leitor que não conhece seus trabalhos e re-atualizando
o que os conhece nas suas principais posições. Nos quatro capítulos
seguintes, recom põe a trajetória de importantes militantes feministas
francesas — Olym pe de Gouges, Jeanne Deroin, Hubertine Auclert e
Madeleine Pelletier — , que contribuíram decisivamente para o debate
a respeito da participação política das mulheres na República France
sa, seja pelo acesso ao voto, seja pelo direito de ser votada. Por detrás
da contradição do Estado francês, que só permitiu o voto das mulheres
em 1944, Joan W. Scott analisa essa luta complexa, que se inicia no
bojo da própria Revolução Francesa e que continua até o presente,
com o é o caso da lei da paridade só recentemente votada na França.
O capítulo 2 é dedicado a Olympe de Gouges, que ousou publi
car em 1791, a “Declaração dos Direitos das Mulheres e da Cidadã” ,
referência fundamental para a história do feminismo e a da Revolução
Francesa. Joan W. Scott demonstra, no decorrer do capítulo, com o o
feminismo, m ovim ento que nasce na França daqueles tempos da R e
volução, deve se defrontar com a ambigüidade que os homens, revolu
cionários, sentem quanto à representação política e à cidadania das
mulheres. Em sua vida Olympe rompeu com uma série de papéis atri
buídos às mulheres, iniciando pelo abandono do nome de seu pai e do
de seu marido, passando pela interessante carreira de escritora de p e
ças abolicionistas e feministas para teatro, culminando com sua con
denação à morte pela guilhotina em 1793. Acusada de viver de exces
12
A C ID A D Ã iríARAuO XAL
13
-J
14
N o capítulo o, Joan W, Scott retorna as questões levantadas no
início do livro a respeito do feminismo contemporáneo, articulando-o
com as conquistas políticas obtidas pelas mulheres ao longo desses
três séculos. Â reflexão felfa por Joan W. Scott neste livro é de grande
importância não apenas para aquelas/es que se debruçam sobre a his
toria do feminismo, mas também por aquelas/es que “fazem ” o fem i
nismo hoje: militantes, teóricas e simpatizantes do movimento feminis
ta brasileiro. O debate prom ovido por estas quatro mulheres desde a
Revolução Francesa em suas lutas pela representação política femini
na na Assembléia Legislativa é surpreendentemente contemporâneo e
exemplar, na contraposição ou no reforço de argumentos que continu
am sendo utilizados: contraposição para quem veta a candidatura das
mulheres, porque a veem com o “antinatural” em relação às funções
reprodutoras próprias de sua fisiología, e, ao contrário, reforço para
quem defende o ingresso das mulheres na política, porque nelas reco
nhece uma rara “sensibilidade” social que decorre justamente da ma
ternidade (argumento de Jeanne Deroin, já em 1848).
A o dissecar os discursos produzidos por estas quatro feministas
francesas, ao longo de três séculos, a autora acaba remetendo o/a leí-
tor/a, ao debate atual entre feministas francesas em torno das lutas
pela paridade na representação política das mulheres, debate que divi
de inúmeras feministas entre “paritárias, igualitaristas liberais, diferen-
cialistas militantes de esquerda, universalistas, etc” .5 Além disto, o li
vro permite desconstruir estereotipos difundidos por algumas teóricas
feministas norte-americanas sobre o feminismo da diferença, marca, para
algumas do french feminism 6 e posição teórica que também influencia o
campo dos estudos de género no Brasil. Traduções de textos fundadores
são também atos políticos, e a escolha da Editora Mulheres, de traduzir
A cidadã paradoxal, certamente permitirá novas leituras, no Brasil, não
apenas da obra de Joan W. Scott, mas também das interpretações que
têm sido feitas sobre os diferentes feminismos no mundo.6 7
6 Ver a respeito das tutas contemporáneas sobre paridade na França, outro texto de
Joan W. Scott traduzido em portugués: La querelle des Femmes no final do século
XX, na Revista Estudos Feministas. Florianópolis, UFSC, volume 9, número 2, 2001.
7 Sobre a visão equivocada das feministas norte-americanas que classificam o feminismo
francés, cujas principais teóricas são Luce Irigaray, Julia Kristeva e Héléne Cixous, como
o feminismo da diferença, ver excelente artigo de Eleni Varikas: “Féminisme, modemité,
postmodernisme: pour un dialogue des deux cotés de l’océan”, em Le futur antérieur
(París, LHarmattan,, 1993), no suplemento Feminismes au Présent, p.59-84.
15
Prefácio
17
JO Al Í SCOTT
18
política. A posição xemimsta era paradoxal.Segundo a revolucionária
francesa Qlympe de Gouges, eram mulheres que “só tinham parado
xos a oferecer” : se, por um lado, pareciam aceitar definições de género
com o verdadeiras; por outro, elas as recusavam. Aceitação e recusa
simultâneas punham a nu as contradições e omissões nas definições
de gênero que eram aceitas em no me da natureza e impostas por lei.
As reivindicações feministas revelaram os limites do princípio de liber
dade, igualdade e fraternidade e levantaram dúvidas em relação a sua
aplicabilidade universal. Criticavam não só o uso que faziam das í dá ias
de diferença sexual, mas também a forma autoritária de pretender
fundamentá-la na natureza. Eis a razão por que a história dessas rei
vindicações tem grande relevância para nós hoje em dia, visto que os
políticos ainda procuram legislar em tom o de significados de gênero
com base na presumida imutabilidade do masculino e no feminino
supostamente ditada pela própria natureza. Se pudermos entender as
lutas das feministas francesas em termos de uma política de indecisão,
talvez possamos entender melhor e, portanto, abordar de forma mais
nítida os conflitos, os dilemas e os paradoxos de nossos tempos.
19
Ju-iiM v\. Sl u i í ,•
20
PR EFA C IO
21
Relendo a História do Feminismo
A q u e le s q u e n ão co n se g u e m reler
são o b rig a d o s a ler a m e sm a história e m toda parte.
(Roiand Barthes)
23
Ju an w . bCOíT
24
RELENDO A HISTÓRIA DO FEMINISMO
25
JOAN V/ 3COlí
26
RELENDO A HISTÓRIA D I FEMINISMO
27
mas fáceis de resolver53 é um comentário que
resume a situação de Oiympe de Gouges e das
feministas de sua época e das épocas subse-
qüentes. O paradoxo consubstancia-se não so
no fato de que Oiym pe de Gouges conteste
idéias amplamente consolidadas sobre os be
neficios da educação e do progresso científico,
mas também no fato de que a própria posição
de Oiym pe de Gouges com o mulher na França
revolucionária seja produto de paradoxos dos
quais era absolutamente consciente.
A exemplo do que acontece hoje, na ép o
ca de Oiympe de Gouges, o vocábulo “parado
xo” era freqüentemente usado fora do seu senti
do técnico. Os lógicos o definem tecnicamente
com o uma proposição que não pode ser resol-
vida, que é verdadeira e falsa ao mesmo tempo.
(O dicionário Robert dá com o exem plo a afir
mação do mentiroso: “Eu estou mentindo” ). Para
a retórica e a estética, o paradoxo é um sinal de
capacidade de equilibrar pensamentos e senti
mentos complexamente contrários uns dos ou
tros e, por extensão, da criatividade poética. O
uso comum do termo guarda resquícios desses
significados formais e estéticos, mas com maior
freqüência emprega-se o vocábulo “paradoxo”
para significar uma opinião que desafia o que é
dominantemente ortodoxo, que é contrária à tra
dição (literalmente: transgride a doxa). O para
doxo marca sua posição de enfrentamento à tra
6 P ara o significado dos dição, acentuando as diferenças entre ambos.6
v o c á b u lo s p a r a d o x o Aqueles que fazem circular um conjunto de ver
( ‘paradoxe’) e contradi
dades desafiadoras, sem, contudo, abalar as
ção ( coníradiction’ ) v. Le
Petit Rohert, 1986, v o l.l,
crenças ortodoxas, criam uma situação que até
p. 1353 e 380, respecti certo ponto se coaduna com a definição técni
vamente. ca do paradoxo.
A historia do feminismo, porém, não é ape
nas urna historia de mulheres diferentes emitin
do opiniões discordantes; tampouco de “mulhe
res que reivindicam os direitos do H om em ” , ou
seja, não se trata de uma história que constitua
28
RELENDO A HISTÓRIA DO FEMINISMO
29
cabe no verbeíe "individuo” na hncgclopéche.
30
RELENDO A HISTORIA DO FE' D? H504C
31
comportamento moral, por outro lado ele esta™
belecia uma diferença entre a sensibilidade pro
funda e desejável do homem e os sentimentos
efêmeros da mulher. Tais diferenças decorriam
das diferenças de seus órgãos internos e deter
minavam seus papéis sociais. Os homens eram
por natureza seres morais completos (e, portan
to, melhores representantes do ser humano); as
14 C A B A N IS , 1802. A gra mulheres não eram bem assim.14 Aqui, então,
deço a Andrew Aisenberg aparecia uma das contradições úteis, e mesmo
por esta referência.
necessárias, ao conceito de indivíduo abstrato:
articulado com o a base fundamental de um sis
tema de inclusão universal (contra as hierarqui
as e privilégios de regimes monárquicos e aris
tocráticos), tál conceito podia também ser usa
do com o um padrão de exclusão ao definir
com o não indivíduos, ou menos do que indiví
duos, aqueles que se diferenciavam da figura
prototípica do ser humano.
Quando o individualismo abstrato se refe
ria a esse indivíduo prototípico, fazia uma g e
neralização sobre todos os seres humanos e ao
mesmo tempo evocava uma noção de individu
alidade com o sendo única. Para que se pudes
se conceber, porém, a unicidade de um indiví
duo, exigia-se ainda uma relação de diferença.
Afinal, o que era um indivíduo senão uma uni
dade distinta? C om o distinguir sua natureza
unitária a não ser que se lhe imponham limites,
contrastando-a com outras? Em outras palavras,
a individualidade exigia a própria diferença que
a idéia do indivíduo humano prototípico pre
tendia negar.
Orientado com a finalidade de eliminar
privilégios políticos, o conceito do indivíduo
abstrato ao m esm o te m p o p r o v o c o u e
desconsiderou questões sobre o processo que
esta b elecia os lim ites da in d ivid u a lid a d e.
Desconsiderá-lo, porém, não era resolvê-lo ou
eliminá-lo; o problema da diferença perm ane
cia. O indivíduo abstrato, um tipo singular com
32
RELENDO A HISTÓRIA DO FEMINISMO
33
JCtó'lW SCOTT
34
KhLhNDO A HISTORIA DO FEMINISMO
distinguía o hom em da mulher servía para
•erradicar as diferenças de cor e raça entre os
homens; a universalidade do individuo a b s te
to ío l dessa m a n eira e nesse m o m en to
estabelecida com o uma masculinidade comum,
C om o veremos nos cáptelos que seguem,
atribuir gênero à cidadania foi um tema persis
tente no discurso político francês, Rousseau,
cujas formulações foram amiúde usadas pelos
revolucionários franceses mais tarde, constitui
um exem plo importante. Era a consciência que
o hom em bnha da diferença sexual, manifesta
da no desejo de possuir um objeto amado, que
o distinguía dos “selvagens” , segundo Rous
seau. Esse desejo era a base não só do amor
que ligava um homem a uma mulher, mas do
ciúme e da discórdia política entre homens. Se
por um lado o homem deve perseguir seus de
sejos, sustentava Rousseau, por outro, a mu
lher deveria reprimir ou redirecionar os seus
para salvaguardar os Interesses da harmonia
19 R O U S S E A U , 1950. social.19 O exemplo dado por Rousseau não é
de maneira nenhuma o único. Mais de cem anos
depois, Emile Durkhelm, ao escrever contra o
egoísm o moral do indivíduo Rousseauniano,
Insistia em afirmar que os laços de amizade —
de “solidariedade” — -vieram a substituir as for
mas mais primitivas e calculadas de trocas hu
manas. Seu m odelo de amizade era o de uma
“sociedade conjugal” , pois se baseava na atra
ção exercida por uma diferença fundamental
Se as relações sociais dependessem de seme
lhança, argumentava ele, não funcionariam:
35
20 D U R K H E IM , 1933, p. • que são distintas. Nem os sentimentos nem as
62. Ern alguns escritos relações sociais que derivam desse sentimentos
populares julgava-se que são os mesmos nos dois casos.20
a igualdade dav a origem
não só à fusão de identi
dades e à eliminação dos
O tipo de atração p ela diferen ça que
limites, mas tam bém ao Durkheim queria apresentar com o “solidarieda
ódio. O socialista Jules de orgânica53tinha seu melhor exemplo, segun
Valles, po r exem plo, te
do ele, na heterossexualidade, na qual não p o
m ia que as escolas exclu
dia haver o problema da semelhança fundamen
sivas para mulheres oca
s io n a r ia m "le coeur tal. E precisamente porque o hom em e a mulher
e n g a rç o n n é , et d e cet são diferentes que se procuram tão apaixona-
e n g a rç o n n e m e n t p e u t damente. Acrescente-se ainda que sua atração
n aitre je n e sais q u e l
mútua baseia-se no fato de que são precisamente
mépris de rh o m m e ". Ci
tado por Eugénie Pierre,
suas diferenças “que exigem a presença dos dois
em resposta ao socialista para que haja fruição mútua33.21 Essa atração
Jules Valles, em La C i- apaixonada pela diferença tornou inconseqüen-
topenne. Paris,n. 26, déc.
tes (mas não comprometeu) as diferenciações
1881.
de poder sancionadas pela lei. O “ afastamento
da política33 sofrido pelas mulheres, que, para
21 D U R K H E I M , 1933, Durkheim, era uma característica da civilização,
p.56. fazia parte do novo sistema de divisão do tra
balho. N a medida em que a cidadania era ain
da função da individualidade, ela só podia ser
vista com o prerrogativa dos homens.
Em relação ao tema da individualidade,
não poderla ter havido um contraste mais con
tundente do que aquele apresentado por Cesare
Lombroso, autor que era muito apreciado na
França durante a Terceira República: “Todas as
mulheres caem na mesma categoria, ao passo
em que cada homem é um indivíduo em si, ori
ginal; a fisionomia daquelas se conforma a um
padrão generalizado; a destes é, em cada caso,
22 L O M B R O S O e FERRE- um caso único33.22
RO, 1 8 9 6 , cita d o em As variações históricas em relação a esses
G E L F A N D , 1983, p.50. temas, abordadas nos capítulos seguintes, são
de im p o rtâ n cia cru cial, p o is d e r iv a m de
epistemologías específicas e historicamente dis
tintas que provocaram mudanças no significa
do do termo “indivíduo” . O conceito de indiví
duo, originariamente definido em termos de
36
RELENDO A HISTÓRIA DO FEMINISMO -
37
J O AN W. S C O T T
38
petentss para por ern prática as exigencias da
coerência. A fím de atingir esses objetivos, tais
sistemas políticos negam ou reprimem a con
tradição interna, a parcialidade ou a incoerên
24Sobre coerência v. DER- cia.24 Dessa forma, a coação da “diferença se
RIDA, 1978. xual” foi urna forma de conseguir a exclusão
das mulheres da categoria de indivíduos ou ci
dadãos, exclusão essa que, não fosse pela “di
ferença sexual” , seria incoerente. Os primeiros
revolucionários e os republicanos que vieram
depois tinham, afinal de contas, baseado seu
governo na premissa de que todos os indivídu
os humanos (quaisquer que fossem suas dife
renças) eram igualmente (e naturalmente) d o
tados de direitos. As feministas aceitaram a
obstinação dos republicanos quanto à necessi
dade de coerência, e foi exatamente por ser esse
compromisso com a coerência partilhado por
todos que elas reclamaram que o sistema não
cumpria suas próprias exigências. Desafiando
e atacando com o hipócrita e contraditório um
republicanismo que apregoava princípios uni
versais e excluía as mulheres do pleno exercício
de seus direitos políticos. As feministas, entre
tanto, sentiram na carne a dificuldade de resol
ver as próprias incoerências: acabaram se dan
do conta de falhas subjacentes ao sistema polí
tico-ideológico que adotaram, e assim com e
çaram a questionar-lhe a estruturação original
e admitir a necessidade de repensá-lo. Essa foi
(e é) a força e o perigo do feminismo, a razão
por que provocava não apenas m edo como tam
25 IR IG A R A Y , 1991, p. bém desprezo.25
118-132, especialmente As estratégias feministas foram exemplo de
p. 122-125.
uma habilidade quase mágica de farejar e ex
plorar ambigüidades nos conceitos fundamen
tais da filosofia, da política e do senso comum.
Tal habilidade, de m odo algum mágica, é claro,
era o resultado, na verdade, de um posiciona
mento discursivo que não só se situava dentro
de uma contradição, mas ainda era de per si
39^
JOAN W. 5COTT-
40
KELhNDO A HI51O k Iá DO hhMINISMU
41
V'Ã SC O i i
42
Rh.LJz.NDL'HIS I OhlA DO LhMlNISMO
43
JOAN W. SCOTT
44
RELENDO A HISTORIA DO FEMINISMO
45
JCcdd w” . 3CCiTT
46
RhJJzNDO í- HISTORIA 0-0 rhMIf TISrTC'
blema para aqueles que procuram apontá-io. Os
paradoxos feministas, por isso, têm sido inter
pretados com o produtos das próprias confusões
das feministas, tendo essa interpretação se tor
nado a justificativa de sua contínua exclusão,
Repetidas vezes, seus apelos em favor da im
plementação coerente do princípio de igualda
de universal tiveram a respos O de que as fem i
nistas eram perigosas e mm ro incoerentes (a
acusação de serem “mulheres masculinas” ou
“ homens femininos” — uma combinação im
possível — era sempre a expressão de que esse
senso de incoerência era uma anormalidade).
Olympe de Gouges foi guilhotinada pelos Jaco
binos sob a acusação de cometer excessos de
imaginação; Jeanne Deroin foi ridicularizada
por querer virar o mundo de cabeça para bai
xo; Hubertine Áucleii foi comparada à Medusa
e vista com o “afligida por loucura ou histeria,
um a doença que a fazia considerar os homens
com o seus iguais” , segundo relatório da polícia
30 C itado em G O R D O N , de 1880;30 Madeleine Pelletier foi considerada
1990, p. 85. uma fonte de desorganização moral pelos gru
pos contrários à limitação de natalidade na dé
cada de vinte e confinada numa instituição para
doentes mentais até o fim da vida.
Os paradoxos que as feministas ofereci
am não eram inteiramente criação sua, e pres
taremos à história do feminismo um desserviço
se ignorarmos isso. Escrever a história do fem i
nismo com o se fosse simplesmente uma ques
tão de escolher a estratégia correta — igualda
de ou diferença — implica dizer que uma ou
outra dessas opções realmente existia, e que uma
solução ou fechamento da questão era e é, em
última análise, possível. A história do feminis
mo não é, porém, a história de opções disponí
veis ou da escolha tranqüila de um projeto vito
rioso; é, antes disso, a história de mulheres (e
. de alguns homens) constantemente às voltas
com a absoluta dificuldade de resolver os dile-
47
JOAN W. SCOTT
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Os Usos da Imaginação:
Olympe de Gouges na Revolução Francesa
49
JOAN W. SCOTT
50
letra a característica universal da Revolução e,
ao chamar a atenção para as diferenças que as
mulheres incorporam, revela os limites dessa
universalidade, em face da sua tentativa para
doxal de representar as mulheres como indivi
duos abstratos.
51
JOAN W. 5CU T i'
52
OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA
53
5C07T
54
GO U uhS r ia r e v o l u g a . g e n a n c a g a
55
JuAN W. si^uí í
56
OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA
57
JOaAI vv. scott
58
24 Clíãdc em L A C O U E - £U COiii O oUtí-o. H aV lcí, ales i i d O rtlcilS, d lia s
LABARTH E, 1989, p. 47.
facetas nesta confusão. O Imitador perdia o sen
so adequado do eu e não conseguia apreciar
23 E n q u a n to qu e para as características que tornavam o outro dife
R ousseau o "perder-se" rente de si; tanto o imitador quanto o objeto da
em sonhos era desejável, im itação eram questionados por causa da
V oltaire tratava s e m e
indefinição das fronteras que lhes delimitassem
lh ante “ e s ta d o ” c o m o
uma perda permanente
as diferenças. Por isso, Rousseau advertia no
do eu. Rousseau celebra prefácio de La n o u v e lle Héloise: “Por q u e r e r
va o senso de perda no mos ser o que não somos, acabamos acredi
primeiro passseio de Les tando que somos algo que não nós próprios, e é
rêveries du p ro m en eu r
assim que ficamos loucos” .24
solitaire: "Tiré, je ne sais
comment, de Fordre des Voltaire, ao ver o perigo dos excessos im
c h o ses, je m e suis plícito na imaginação ativa, expressou-o em ter
precipite dans um chaos mos da perda do poder regulador da razão, que
incom prehensible oü je
é a marca identificadora do eu.25 Enquanto a
n’aperçois rien du tout, et
ficção e a poesia eram produtos aceitáveis da
plu s je p e n s e à m a
situ atio n p ré se n te et mente criadora, as imaginações “fantásticas”
moins je puis com pren- dos contos de fada iam longe demais. “Sempre
dre ou je suis". "Extraído, destituídas de ordem e bom senso, não é possí
não sei como, da ordem
vel apreciá-los; nós os lemos por fraqueza e os
das coisas, precipito-me
num caos incompreensí
condenam os pela razão” .26 A partir de uma
vel em que nada percebo perspectiva diferente, Condillac partilhava da
e, quanto mais penso em preocupação relativa aos perigos com que a
m inha situação, m enos
imaginação ativa ameaça o entendimento, pois
sei onde m e encontro".
ela tem o poder de recombinar as impressões
ROUSSEAU, 1 776,
v o l.l, p. 995. sensoriais de maneira “contrária à verdade” .27
A correção dos perigos potenciais da ima
26 "Toujours dé p o u rv u es ginação ativa está nas forças reguladoras e sem
d ’ordre et de bon sens,
pre vigilantes da razão. O limite entre ficção e
[eü es] ne peu v e n t être
estim ées; on les lit p ar realidade, erro e verdade, loucura e saúde men
fa ib le s s e , et o n les tal, desordem e ordem necessita de um policia
c o n d am n e p a r raison". mento constante, exercido pelos mecanismos in
"Imagination", in Encyclo-
ternos de autogoverno. De fato, a imaginação
pédie, 1751-1765, vol. 8,
p. 561-562.
ativa é característica somente dos indivíduos
que se auto-regulam e se autogovernam, os quais
27Citado em GOLDSTEDM, com freqüência se tornam os agentes externos
1987, p. 92. reguladores daqueles que não conseguiram con
trolar a si próprios. O verbete para “songe” (so
nho) na Encyclopédle parece incorporar a im
plicação dessa dupla regulagem, a interna e a
59
JOAN W, SCO TT
60
o u /m p e d e g o u g e s n a r e v o l u ç ã o f r a n c e s a
61
nunca laia ao coraçac dos selvagens, ¿A mecU-
da que os seres humanos começaram a viver
mais próximos uns dos outros, a imaginação
não só começou a expressar desejos, mas fi
xou-os num único objeto: a[os homens] adqui
riram imperceptivelmente idéias de beleza e m é
rito, que logo deram origem a sentimentos de
preferência” . Daí surgiram as paixões gêmeas
do amor ( “um sentimento delicado e agradá
vel” ) e do ciúme ( “fúria impetuosa” ). Sem ima
ginação não havería amor, nem comércio, nem
criatividade, mas também não havería concor
rência, nem paixões assassinas, nem guerra. A
imaginação foi ao mesmo tempo o fundamento
e a semente da destruição da organização soci
34 R O U S S E A U , 1950, p. al e da organização política.34
247, 229, 241. N a concepção de Rousseau a imaginação
e o desejo eram uma coisa só. A imaginação,
advertia no Emile, “revela despudoradamente
para o olho não apenas o que ele vê desnudo,
mas também o que deve estar coberto. N ã o há
roupa, por mais recatada que seja, que um olhar
inflamado pela imaginação não penetre com
35 R O U S S E A U , 1979, p. seus desejos” .35 As mulheres também eram im
134. Citado em ZERILLI, pulsionadas pelo desejo; na verdade, eram os
1944, p. 55. V. também
seus desejos que estimulavam os dos homens.
SCH W ARTZ, 1984;
W E ISS, Penny A., 1987; Segundo Rousseau, a maneira de reduzir, tal
e MAY, 1984. vez até de eliminar, em ambos os sexos, o peri
go dos excessos eróticos, era reprimi-los na
mulher. Dessa forma, a educação de Sofia visa
a torná-la uma criatura modesta e desapegada
de si, cuja única meta é servir o marido; tem
como tarefa reforçar a visão que Emílio constrói
de si e não procurar o próprio eu por intermédio
do dele. A chave de sua educação está no con
trole, senão na repressão, de sua imaginação.
Ou talvez seja melhor dizer que a finalida
de da educação de Sofia seja servir de tela so
bre a qual Emílio possa projetar sua imagina
ção. Nesse sentido, ela exercita apenas uma ima
ginação passiva, nos termos do século XVIII,
62
OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUÇÃOTRANCESA
63
■JOAN W. SCOTT
64
OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA
65
mulneres, mas se eu for tomada como o ase de
julgamento, posso muito bem submeter trinta pe
, Ce n e ~- P °in i à moi è ças para serem analisadas” .41
rep o n d rá d e tout m o r
Em 1788, Olympe de Gouges entrou na
sexe, m ais s ’il fa u t e r
juger par m oi-m êm « política com um panfleto, L e t t r e a u p e u p le , o u
peux mettre frente pièces P r o j e c t d'une caísse patriotíque ; os estados g e
rais (já convocados, mas ainda não reunidos)
m f pde75. GOUGES^
poderíam resolver a crise financeira do reino
por m eio de um fundo patriótico para o qual
todos os cidadãos contribuiríam voluntariamen
te. Dizia estar escrevendo com o “membro do
zG O U G E S , 1788a, p .8. Público” 42 para este mesmo Público, isto é, aque
le corpo de opinião esclarecida que surgiu no
século XVIII com o oposição institucional à au
43 BAKER, 1 9 87 e 199 toridade absoluta do rei.43
OZOUF, 1987; G O l
D O N , D a n ie l 198
Nada havia de incomum em identificar-se
L A N D E S , 1988- C H A com o membro do Público. Durante o Antigo Re
T.ER, 1991. gime, as mulheres estavam entre os que se opu
num ero d a s d is c u ss õ nham intensamente ao absolutismo, e sua ati
aq u i m e n c io n a d a s ci vidade assumia formas políticas mais ou m e
H AB ER M A S, 1989
nos abertas. Os salões, administrados por mu
lheres de elite, patrocinavam debates que con
tribuíam para transformar o grupo numa “opi
nião pública” crítica e contestadora. Esse pú
blico incluía mulheres, mas somente as ricas,
44 G O O D M A N , 1 9 9 2 V instruídas e de bom nome social.44 Olympe de
também, 1 9 8 9
Gouges não era uma saloníère e não participa
va de tais centros de sociabilidade educados e
letrados, embora se tratasse de uma arena dis
ponível para a participação das mulheres na
vida pública. N a verdade, ela se associava a
círculos mais militantes e reformistas de homens
de imprensa, cujos jornais apelavam para uma
representação mais ampla e menos afetada.
Nina Gilbert vê esse jornalismo de oposição —
exemplificado pelo L e Journal d e s D a m e s em
seus vinte anos de história (1759-1778) — como
a fonte principal não somente da insistência
com que Olympe de Gouges estimulava a parti
cipação das mulheres na política, mas também
de grande parte do feminismo republicano da
66
OLYMPh Oh GOUGhS NA EEVQLIG^ÂG1FRANCESA
45 G h L B A R í , especial Revolução.45
mente p. 29-37, 1987.
A o mesmo tempo em que exigia tornar-se
membro do Público, Olympe de Gouges estava
consciente da credibilidade limitada que as mu
lheres tinham para falar de assuntos políticos.
A posição dessas mulheres era, nos últimos anos
do Antigo Regime e no início da Revolução, na
46 Sobre esses debates, v. m elhor das hipóteses, assunto de d ebate.46
A P P L E W H IT E e LEVY, Olympe de Gouges discutia persistentemente a
1990; B R IV E , 19 89 - favor da emancipação completa, contra os que
1991; FR ITZe M O RTON,
recusavam admiti-la e os que preferiam adtav
1976; H U F T O N , 1992;
M E L Z E R e R A B I N E , tais debates. “Este sexo, fraco demais e há mui
1992; e S P E N C E R , 1984. to oprimido, está pronto para jogar longe o jugo
de uma escravidão vergonhosa” . E ela ainda
47G O U G E S , 1788, p. 104. acrescentava: “Eu me coloquei a sua frente” .47
Ela lembrava a seus leitores que as mulheres não
eram levadas suficientemente a sério, muito em
bora, com o suas próprias e sábias sugestões de
monstravam, elas pudessem ser fonte de idéias
políticas inteligentes e louváveis. Seus escritos
rebatiam de m odo direto, e com exemplos que
provavam o contrário, a idéia de que as mulhe
res eram muito pouco práticas e demasiadamen
te frívolas para o sério exercício da atividade
política. Era bem verdade, ela reconhecia, que
algumas mulheres se entregavam demasiada
mente ao “luxo” , mas mesmo as mulheres boni
tas acabariam reduzindo suas compras assim
que se abrisse esse fundo patriótico, “porque a
^ G O U G E S , 1788, p. 27. beleza não exclui a razão e o amor à pátria” .48
Suas idéias ligavam-se principalmente à facção
republicana de Girondinos e de m odo especial
a Condorcet, que escreveu que “os direitos do
homem resultam simplesmente do fato de que
ele é um ser sensível, capaz de adquirir idéias
morais e de com elas raciocinar. A mulher, que
tem essas mesmas qualidades, deve necessari
49 C O N D O R C E T, 1790a, amente dispor dos mesmos direitos” .49 Diferen
p. 98. ças funcionais e biológicas, segundo ele, eram
irrelevantes, pois não constituíam “uma diferen
ça natural entre homens e mulheres que pudes-
67
JuAil Vv. SCO Ti
68
OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA
69
ção de sujeito '‘ativo’7. Levando-se em conta,
porém, que o cidadão ativo já era definido com o
um indivíduo do sexo masculino, com o podería
ela defender a causa das mulheres?
Á a p a re n te c o n tra d iç ã o — en tre a
irrelevância e a relevância da diferença sexual,
entre a igualdade e a diferença — estava no
próprio âm ago do projeto feminista que queria
tornar a mulher um sujeito.político. A tentativa
de realizar esse projeto envolv ;o um ato de auto
m ação no qual a mulher, definindo-se com o
tal, assumia as tarefas público-políticas execu
tadas por homens. “Ela se fez um hom em pelo
57LAIRTULLIER, 1840, p. país77.57 isso, porém, levou Olym pe de Gouges
93. inevitavelmente à paradoxal “lógica da aparên
cia” . N a medida em que sua imitação se saía
bem, acabava assinalando a diferença que pro
curava superar, a qual sempre via com o uma
maravilha e uma alegria (veja a referência que
ela faz de si: aqui está uma mulher que se faz
Hom em !). Considerando-se que a diferença ine
rente à mulher implica a distinção ativo/passi-
vo, a semelhança por ela alcançada não esta
b e lec ia sua autonom ia, mas sua antítese.
Olym pe de Gouges representava o papel reser
vado aos homens de forma instrumental, a fim
de tomá-lo disponível às mulheres. Essa repre
sentação desafiava o que se entendia de m odo
consensual e inquestionável com o qualidades
masculinas e femininas, e, pior, expunha a na
tureza contraditória e exclusiva da associação
vigente entre “H om em ” e “Cidadão” ativo. Além
disso, podería ser interpretada (e o foi em 1793)
com o falsa, porque era uma identidade simula
da, justificando portanto a tese da exclusão.
Para Olympe de Gouges, a imaginação ati
va conduzia à cidadania ativa. De fato, ao usar
uma para obter a outra, revelava aspectos da
conexão dessas duas noções. Em ambas, o v o
cábulo “ativa” tem conotação de independên
cia e produtividade, revela o uso dos mecanis-
70
OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA
71
JOAN W. SCOTT
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OLYMPE DE COLIGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA
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JOAN W SCO i i
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OLYMPh Dh GOUGES NA KJbVOLUÇÃO FRANCESA
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OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA
77
73 "La couleur de fhom m e ob rar"73 Mas ao mesmo xempe em q u e procla
est muancée, co m m e
mava que a própria natureza com provava seus
dans tous les anim aux
que la Nature a produits,
pontos de vista, ela também insistia que suas
ainsi que les plantes et les interpretações eram mais do que um simples re
m inérau x. P o u rq u o í le flexo da natureza. Nesta, os seus projetos podi
jour ne le dispute-t-il pas am ter raízes, mas, na verdade, eram arranjos
à la nuit, le soleil à la lune,
produtivos e aplicações destinados à socieda
et les étoiles a u firm a-
ment? Tout est varié, et de humana do que ela tinha visto na natureza.
c’est la la beauté de la Nesse sentido sua imaginação em ativa, não
N atu re. P o u rq u o i done passiva: uma reflexão aprofundada agindo a
détruire son O uvrage?"
partir da verdade transparente.
G OUGES, 1788c.
Em matéria de im aginação O lym pe de
Gouges se recusava a aceitar os limites de gê
nero. A semelhança de Condorcet, ela defendia
a idéia de que a razão e a capacidade de pen
sar desconheciam limites relacionados com
sexo. Ofereceu uma prova da capacidade de se
auto-regular quando atribui um juízo errôneo
que havia feito (sobre as boas intenções do rei
para com a Assembléia Nacional) à temporária
desorientação de sua imaginação, a qual “an
dou sem rumo” (explicou ela). Reconhecer essa
desorientação foi por si só uma correção, um
e x e m p lo ca b a l de sua c a p a c id a d e d e
™Repentir de M adam e de autocontrole.74
G o u g e s , s e te m b ro de Para Olym pe de Gouges, a imaginação
17 91 . N e s s e p a n fleto ,
oferecia uma boa maneira de escapar das fron
Olym pe de G o u ges res
ponde aqueles que duvi
teiras restritivas ligadas ao gênero e de demons
daram de seu patriotismo trar sua relevância de forma nova e contrária
p o r q u e e la criticou a aos conceitos anteriores. Em Séance r o y a lle , cujo
Constituição. Essas críti subtítulo era “Les songes patriotiques” , obra
cas, explica ela, vieram
d ed icad a ao D uque de O rléans em 1789,
quando "minha imagina
ção divagava". G O U G E S , Olympe de Gouges imaginava uma entrevista
1791, p. 1. real na qual falava primeiro o Duque e depois o
Rei, ambos reafirmando a necessidade de se
manter o veto real (que a Assembléia queria
abolir). Utilizava-se de várias vozes para pro
var seu ponto de vista: primeiro, da própria voz,
dedicando a obra ao Duque e lembrando-lhe
da necessidade de as mulheres escritoras serem
reconhecidas e da promessa que fizera de asse-
78
OLYMPE Dh GOUGES NA REX/Ol Ul'AO ãKANOESA
79
impresso poderla exercer influência no Duque em
pessoa, sugeria Olympe de Gouges timidamen
76 "O n s’ap p ro c n era te, e assim “talvez se aproxime da realidade” .76
peut-être de la réalité". Uma vez que os sonhos questionavam e
G O U G E S , 1789b, p. 19.
m esmo reorganizavam as fronteiras entre fic
ção e realidade, também acabavam m exendo
com os limites que estabeleciam para as dife
renças sexuais. As descrições que Olym pe de
Gouges fazia de si mesma assumindo identida
de de homem poderiam ser tomadas por alguns
leitores de hoje com o exem plo de sexualidade
77 V B U T L E R , 1993a, p. transgressiva.77N ão creio, porém, que fosse esse
93-120. o caso. O que ela provavelmente pretendia era
eliminar a questão da identidade sexual das dis
cussões políticas, ao mesmo tempo em que as
sumia a importância da atração heterossexual
nas relações sociais. Ela não defendia a tese de
que as mulheres deveríam se tornar homens fí
sica ou psiquicamente e julgava que o desejo
pelo sexo oposto desempenhava um importan
te papel na construção do eu. Ela queria produ
zir uma identidade política para as mulheres,
que ao mesmo tem po se apropriasse das quali
dades (supostamente masculinas) que serviam
para afirmar a individualidade, incorporando-
as num indivíduo que pudesse ser definido como
78 N a Encyclopédxe, v. 5,
mulher. O que estava em jo g o era um exercício
p. 601, Em ulação [ ‘Em u-
de emulação, ou seja, o impulso no sentido de
lation) é definida com o
aquela "nobre e genero adquirir para si mesmo ou para si mesma as
sa paixão que adm ira o qualidades morais ostentadas por uma figura
m érito, a b e le z a , e as idealizada.78 Emulação não significava aquisi
aç õ e s d o s outros; q u e
ção das características físicas da masculinida
tenta imitá-los e m esm o
superá-los". N ã o tem re de, mas o exercício contínuo daqueles proces
lação algum a com os sen sos de auto-instrução naquela época reserva
timentos baixos de ciúme dos aos homens. De onde, porém, deveria pro
ou inveja; na verdade, era
vir a afirmação do eu? Dentro da econom ia da
vista co m o estím ulo à
atração heterossexual, ela só poderia provir do
ação corajosa, pois apre
senta um m o d e lo , um outro da mulher: o homem.
e x e m p lo s o b r e o q u a l Olympe de Gouges parece ter aceitado a
p o d e ser co n stru íd o o heterossexualidade sem discussão ou dúvida,
próprio eu.
tanto em sua própria vida quanto na socieda-
80
GLYMPE DE GOUGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA
81
/V.'SL
82
OLYMPE D GUÜG-S MA iAtVOLGCÃO FRANCESA
83
lheres, “A mulher tem o direito de subir ao ca
dafalso; ela também deveria ter o direito de su
84 Déclaration, p. 99-112. bir à tribuna” .84 O que significava não só falar
Para um a leitura diferen em público, mas específicamente poder dirigir-
te deste docum ento, v.
se aos delegados da nação reunidos em assem
G E H A R D , 1994.
bléia. Se as mulheres estavam sujeitas às forças
coercitivas da lei, argum entava O lym pe de
Gouges, então deveríam também ser participan
tes ativos da formulação das leis
N o art XI, Olympe de Gouges considera
a liberdade de expressão com o o mais precioso
direito da mulher e diz porquê: “A livre comuni
cação de idéias e opiniões é um dos mais preci
osos direitos da mulher, pois garante que os pais
reconheçam seus filhos. Qualquer cidadã, por
tanto, pode dizer livremente: eu sou a mãe de
teu filho, sem ser forçada por um preconceito
bárbaro a esconder a verdade” . Nessa formula
ção, a liberdade de expressão conduz não só à
partilha de responsabilidades em relação aos
filhos entre pai e mãe, mas também modifica a
im agem dos homens com o puramente racio
nais, chamando a atenção para eles com o se
res sexuais. A liberdade de expressão dá voz aos
op rim id os, perm itindo-lhes trazer à luz as
trangressões cometidas pelos poderosos e exi
gir que sejam postas em prática as obrigações
sobre as quais a coesão social e as liberdades
in d ivid u a is se fu n d am en ta m . O ly m p e d e
Gouges, ao contrário de Rousseau, faz com que
seu art. XI pressuponha que as mulheres dirão
a verdade, mesmo em se tratando de sua gravi
dez — que só elas, em geral, sabem a quem atri
buir. A gravidez, portanto, se transforma em um
tema epistemológico e não apenas natural, e fica
evidente que a maternidade é também uma fun
ção social. O art. XI se movimenta em m eio a
registros do universal e do particular; revela o
interesse específico que as mulheres têm em
exercer sua liberdade de expressão e o interes
se específico que os homens têm em negar-lhes
84
üLYMPh DE GOUGhS NA REVOLUÇÃO FRANCESA
85
salvas nessa igualdade, pois do contrário seria
ociosa a noção de união. As difere-' 'as, porém,
não se referiam a questões de hie '. nula, nem
de exclusão social e política da muiber. O casal
estava “unido, mas igual em força e em virtu
d e” ; essa união não subordinava um ao outro
nem obliterava a visibilidade e a função da mu
lher. Bem ao contrário, os cônjuges teriam di
reito de transmitir suas propriedades com o bem
lhes aprouvesse; os filhos poderiam receber o
sobrenome do pai ou da mãe, e todos seriam
legítimos, frutos de quaisquer uniões. As famíli
as se transformariam em unidades de amor e
afeição que transcenderíam os desejos ou inte
resses específicos de cada cônjuge, segundo ela,
volúveis. Acima de tudo, o “contrato social” de
Olympe de Gouges acabaria com a subordina
86 U m a outra maneira de ção das mulheres, porquanto retiraria dos ma
dizer isso seria usar a no ridos a autoridade sobre os filhos e também pro
ção de Carole Pateman
priedades; o poder patriarcal seria anulado com
sob re contrato sexual.
O lym pe de G o u ge s d e
a eliminação da exclusividade de, para a famí
nuncia e reverte os ter lia, o nom e do pai ser o único a ter significação
mos do contrato sexual (o perante a lei. 86
acordo entre homens so Olym pe de Gouges julgava que suas pro
bre a troca de mulheres)
postas de reforma do casamento coincidiam
que subjaz ao contrato
social e, inevitavelmente, com os limites da lei universal em que se basea
im pede que, dentro de vam as sociedades, e, segundo acreditava, ofe
seus termos, as mulheres reciam um novo arranjo para as relações entre
alcan cem a igu ald ad e .
mulheres e homens, semelhante aos que a Re
P AT E M A N, 1988. V. tam
bém R U B IN , 1975.
volução criara. Se a hierarquia dos governos
podia ser modificada por uma Assembléia N a
cional e se a soberania podia ser atribuída ao
povo, por que, então, não acalentar planos que
pusessem fim à escravidão e alterassem os la
87Sobre a virtude das m u
ços legais do matrimônio? Tais planos não ape
lheres, em geral ligada
acima de tudo à castida nas tornariam as leis francesas conformes com
de e à fid e lid a d e , v. os princípios da lei universal, argumentava ela,
O U T R A M , 1987, p. 120- eles, ainda, melhorariam os padrões morais e
35 e ,1989 p. 126. Sobre
tornariam as mulheres mais virtuosas.87
um conceito mais geral de
virtude, v. B LU M , 1986. Embora Gouges apelasse para a lei de uma
maneira direta, sua noção de lei era na verdade
86
OLYM Ph Dh GOUGhS MG REVOLUÇÃO FRANCESA
87
JOAN W. SCOTT
88
OLYMPE DE GOUGES N A EEVCGUÇÃO FRANCESA
89
JOAN W. 5COTT
90
pe ele 'Joages, suas propostas podiam ser des
prezadas por serem absurdas e improváveis;
não representavam grande ameaça. A consoli
dação da lei jacobina, a partir do final de 1792,
porém, sobre impor urn estreitamento das liga
ções entre leí, ordem, virtude masculina e dife
rença sexual, tentou, ainda, que o estado sub
metesse ou pelo menos controlasse a expressão
pública da imaginação. Visto que a política
jacobina se baseava numa visão epistemológica
que atribuía significação única e transparente
aos objetos físicos, à representação visual, e,
até mesmo, à linguagem e ao pensamento, as
idéias de Olympe de Gouges começaram a se
tomar perigosas. Seus apelos à imaginação im
plicavam uma atrevida falta de consideração
para com a realidade, para com as correspon
dências estabelecidas entre idéias e coisas. Em
seus escritos e ações ela parecia deliberadamen
te obscurecer questões bem claras, pela manipu
lação de signos cujos referentes eram ambíguos.
Embora a questão dos direitos da mulher
viesse à tona muitas vezes durante a Revolu
ção, foi abordada com inusitada freqüência em
1793. Nesse ano, durante discussões sobre uma
nova constituição (que nunca chegou a ser
implementada) o deputado de Ille-et-Vilaine,
Jean Denis Lanjuinais, comunicou à Conven
ção que, não obstante vários pedidos contrári
os, seu comitê seria favorável a negar o direito
de voto à mulher. Segundo argumentava, até
mesmo no futuro, “é difícil acreditar que as mu
lheres sejam, algum dia, chamadas a exercer
direitos políticos. N ão está em mim chegar a
pensar que[...]homens e mulheres venham a ti
rar algum proveito de uma decisão favorável ao
92Archives Parlementaires voto da mulher” .92
63 , p. 564 (1781-1799). Depois da execução de Maria Antonieta,
em 16 de outubro, os ataques contra o papel
político da mulher ficaram mais acirrados. Apro
veitando-se de um incidente no qual se defron-
91
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OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA
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OUfMph Uh GOUGhS NA ríhA/OLUCAO FRANCESA
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01V7VJPH DE GOUGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA
97
no aíirníon que ti íé nñu tivora oportunidade de
106 "Procès d ’ O lym pe de ficar grávida, pois que uma parteira e um médi
Gouges..., 1912”, p. 159. co por ele chamados não conseguiram confir-
mar-lhe a gravidez. Dados esses fatos, o pro
m otor sugeria que O lym pe de Gouges tinha
107 O U T R A M , 1989; e “apenas imaginado” um eventual contato com
FURET, 1981. um hom em e, portanto, urna subseqüente gra
videz com a finalidade de adiar ou evitar sua
108 C it a d o em execução.106A referencia à imaginação, naquele
LAIRTULLIER, 1840, p. momento, foi uma terrível ironia da parte de
140. Observa-se a seme
Fouquier-Tinville: era com o se a perturbação
lhança com os comentá
rios de Chaumette, alguns mental de Olympe de Gouges tivesse ido tão
dias m ais tarde: "Lem - longe que, mesmo a própria tentativa de usar
brem -se daquela virago, com o argumento o aspecto mais fundamental
aqu ela m ulher-hom em
de sua natureza — a condição de mulher ( e de
[cette fem m e-h om m e], a
desnaturada Olym pe de
procriadora) — foi considerada com o mera
Gouges, que abandonou excrescencia de sua imaginação. O signo “mu
todos os cuidados de seu lher” não podia ter referente naquele monstro
lar, p o r q u e q u e r ia se que era Olym pe de Gouges.
engajar na política e co
Foi com o traidora do centralismo jacobino
meter crimes... Tal esque
cimento das virtudes de (igualado à preservação da integridade da R e
seu sexo a levaram ao pública) que Olympe de Gouges foi, por fim,
patíbulo", citado em LE V Y executada em novembro. Em julho, quando ela
et alii, 1979, p.2 2 0 . A
tinha sido presa, havia a ameaça de fragmen
co nd enação que C h au -
mette fazia era a voz ra tação nacional, não só sob a forma de guerra
cional, se bem que vene civil e de invasão iminente, mas também sob o
nosa, do magistrado que aspecto de transgressão de gênero e degenera-
tinha identificado urna
ção moral do indivíduo. A resposta dos jacobi
falaciosa e am eaçado ra
nos foi puxar as rédeas, já que controle político
falsificação e que, desta
forma, não só protegia a e controle pessoal eram uma coisa só, avalian
feminilidade, conforme a do um nos termos do outro.107 E à luz desse pa
fizera a natureza, m as râmetro que pode ser lido o artigo sobre a m or
também a masculinidade.
te de Olym pe de Gouges em La Feuille du Salut
A e x e m p lo d a q u e le s
doutores e m agistrados
Public: “Olym pe de Gouges, que nasceu com
citados por Diderot, "urna uma imaginação exaltada, tomou seus delírios
palavra" de Chaum ette por inspiração da natureza. Ela queria ser um
exorcizava os sintom as
homem político. Ela assumiu projetos de pesso
das outras mulheres que
as pérfidas que queriam dividir a França. Pare
p o d e ria m ser afetad as
pela doen ça contagiosa ce que a lei puniu essa conspiradora por ter es
de Olym pe de Gouges. quecido as virtudes próprias de seu sexo” .108
Foi um epitáfio particularmente apropria-
98
OLYMPE DE ;oí i ma : )LUÇAO f r a n c e s a
99
Em 1798, Olym pe de Gouges personifica
va o próprio perigo de caos e de ilegalidade que
a “imaginação exaltada” ou “a imaginação dos
sonhos” representava para a ordem social e ra
cional, bem com o para o senso de masculinida
de e de feminilidade subjacentes a essa mesma
ordem. Um perigo que, para Rousseau e seus
intérpretes jacobinos, era sinônimo de mulher.
Seja nas tentativas de codificar, no século
XVI11, o vocábulo “imaginação” , seja no uso que
dele fez Olympe de Gouges, é impossível esta
belecer, hoje em dia, distinções precisas. Essa
am bigüidade de significado, aliás, foi para
Olympe de Gouges não apenas fonte de sua afir
mação com o cidadã ativa — muito embora as
mulheres jamais conseguissem incluir tal direi
to na Constituição de 1791 — , mas ainda, para
os adversários, sinal de sua incapacidade de
raciocinar dentro dos limites da lei. Quanto à
noção da imaginação em si, cabia à autorida
de legalmente constituída, que agia em nome
da razão, decidir se e quando a linha de trans
gressão fora ultrapassada pela ré.
100
OLYMPE DE GOUGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA
101
■2 perdeu a. sanldcide mentciL Um deles, Mi che leí,
para quem quMquer intromissão feminina nas
coisas da política era perigosa ( “todas as áreas
115 Citado em DEVANCE, ficam destruídas pelas mulheres” ),115 afirma que
1977, p. 345. Olym pe de Gouges era “uma mulher infeliz,
cheia de idéias generosas” , que se tornou “o már
tir e o joguete de sua sensibilidade instável” . Sua
verdadeira natureza feminina se revelou, diz ele,
quando, “aplacada e banhada em lágrimas, tor
nou-se de novo mulher, fraca e trêmula, e de
monstrou ter m edo da m orte” . Perante a reali
dade inexorável da guilhotina, porém, encheu-
se de coragem (reassumindo a velha atitude
116 MICHELET, 1854, p. masculina):116 “Filhos da mãe pátria” , exclamou
400-401.
ela, “vós vingareis minha morte” . Os que assis
tiam à execução responderam (aparentemente
117Citado em L E W et alii, sem ironia), “Viva a República!” 117
1979, p. 259. A caracterização de M ich elet de uma
Olym pe de Gouges instável e oscilante entre fra
queza e força, entre masculino e fem inino é
reaproveitada pelos irmãos Goncourt, que na
sua história da Revolução, escrita em 1864, a
rotularam de “louco heróico” , usando o mas
118Citado em DEVANCE, culino de propósito para designar seu mal.118
1977, p. 346. Esta ênfase dos irmãos Goncourt coincidia com
o crescente interesse (já antes do final do século
consideravelmente maior) dos m édicos pelos
problemas psiquiátricos, cujo foco eram as pa
tologias individuais e coletivas. Um certo Dr.
Guillois analisou os autos do processo de
Olym pe de Gouges e seu diagnóstico foi o de
que se tratava de uma patologia mental (bem
peculiar, hoje em dia): sua sexualidade exacer
b a d a (causada por uma m en o rra gia), seu
narcisismo (evidenciado pela predileção por
banhos diários) e sua total ausência de senso
moral (provada por sua insistente recusa a ca
sar-se novamente) constituíam sinais inequívo
cos de um caso de histeria revolucionária. Olym
pe de Gouges, além disso, era para ele exemplo
do que acontecia quando as mulheres tentavam
102
OLYMPE Dh GOUGES NA REVOLUÇÃO FRANCESA,
103
JOAN W. SCOTT ■
104
Os Deveres do Cidadão:
Jeanne Deroin na Revolução de 1848
105
JOAN w SCOTT
106
JEANNh DEKOFN NA REVOLL^ÇÃO DE 1848
107
JOAN w. s e c a r
108
JEANNE DEROÍN NA REVOLUÇÃO DE 1848
109
nações pSí4J íã i íSCGU a'ü&í ío. 0 logo S ílta O ab fe
ministas também nela se inscreveram em nome
das mulheres.
O direito ao trabalho impôs considera
ções sobre diferenças sociais e acabou por ori
entar a política no sentido de eliminar as desi
gualdades. O sufrágio universal (masculino) foi
nesse sentido um compromisso com a aprova
ção e com o cumprimento dos direitos positi
vos. Esse sufrágio, com o tal, contradizia a teo
ria da igualdade política formal, enunciada em
termos dos direitos do indivíduo abstrato. S e
gundo essa teoria, as diferenças sociais eram
vistas com o irrelevantes para a determinação
da participação política, e portanto não deve-
riam ser objeto de ação ou atenção. Alexis de
Tocqueville, ao defender a idéia dos direitos
formais, disse: “A Revolução exigia que, politi
6 C itad o em G A R N IE R , camente, não houvesse classes” .6Todos os h o
1848, p. 111-112. mens estavam em pé de igualdade com o elei
tores e com o sujeitos da lei; essa era a única
espécie de igualdade que um governo d em o
7BALIB A R , 1994, c a p .2 e crático podia garantir.7
9. V. tam bém R O S A N - Se o voto — direito de todos os indivíduos
V A L L O N , 1992a, p. 280- — era o instrumento que traria a transforma
281; e a Introdução de
ção social, seguia-se, então, que todos os que
Jacques R a n c ié re a
FRAISSE, 1992, p. 12-13. desejassem mudanças sociais deveriam ter di
reito ao voto. Isso já bastava às mulheres para
suas reivindicações. Além disso, com o operári
as elas se incluíam nos programas de implemen
tação de empregos, junto aos centros de em
prego do governo, e, ainda, se beneficiavam das
subvenções governamentais a favor das coop e
rativas de produtores. Havia, portanto, razões
de sobra para acreditar que também eram con
sideradas cidadãs. Se o direito ao trabalho pro
cedia do direito ao voto e mesmo a ele prece
dia, e se o direito ao trabalho das mulheres já
tinha sido reconhecido pelo governo por atos
concretos, com o era possível negar-lhes o direi
to ao voto? Essa negação não se originava de
110
JhAiNí IhUhRQIN MA Rh1/QLUÇÃO DE 1843
111
JOAN VASCOTT
112
JEANNE DEROIN NA REVOLUÇÃO DE 1848
113
16O Art. 13 dizia: "A C ons Ca íiZeSiüC üU'3 3. c o n s titu iç ã o ’ uOVC yc.íciü flf o s
tituição garante aos cida
meios de aquisição de propriedade” pela via
dãos o direito ao traba
lho e à indústria. A socie
do trabalho; defendia, porém, que esses meios
dade favorece e estimula consistiam na liberdade irrestrita de procurar e
o d e se n v o lv im e n to d o aceitar em prego [ ‘7a liberté du travail”]. (Esta
trabalho através do ensi foi, finalmente, a formulação que predominou
no primário gratuito, da
na constituição adotad a em n o vem b ro de
form ação profissional, da
ig u a ld a d e d e rela çõ es 1848.) 16 Cormenin resumiu a equação entre tra
entre patrão e operário, balho e propriedade da seguinte maneira: “O
das instituições de previ direito ao trabalho subentende o direito à pro
dência e de crédito, das
priedade na pessoa do trabalhador, que deseja
instituições agrícolas, das
associações de voluntári
progredir da mesma maneira com o nós progre
os e do estabelecimento, dimos; sem nosso trabalho ou sem o trabalho
no Estado, nos departa de nossos pais, com o teríamos chegado aonde
mentos, e nos municípi chegamos?” 17 Essa propriedade “na pessoa do
os, de trabalhos públicos
trabalhador” poderia ser uma forma de propri
próprios para empregar a
m ão -d e-o b ra desocu pa edade ou os meios para adquiri-la. A ambigüi-
da; a Constituição garan dade da associação entre trabalho e direito a
te assistência à criança propriedade abriu espaço para que fosse con
aban do n ada, aos enfer
cebida a igualdade política entre os homens, o
mos e aos idosos sem re
cursos, cujas famílias não
que Alexandre Ledru-Rollin expressou da seguin
podem s o c o r r ê -lo s ". te maneira: “quer [um homem] trabalhe para si
BASTIDE, 1945, vol. 2, p. próprio, quer para ti, tu ainda o consideras um
326. homem com o tu [...] politicamente, reconheces
17 "Le droit au travail im
que é um homem, igual a ti, um cidadão” .18
plique le droit de propri- A noção de trabalho como propriedade “na
été dans la personne de pessoa do trabalhador” permitiu que os legisla
l’ouvrier, qui veut y par- dores, que estabeleceram uma base comum in
venir com m e et par les
dependente de condição social, transformassem
m êm e s m oyens que
nous y som m es parv e- novamente a questão social numa questão de
nus; car sans notre travail representação política formal. A base comum
personnel ou sans celui por eles estabelecida era a masculinidade com
de nos pères comment y
partilhada, representada pela posse de proprie
serions-nous parvenus?"
BASTIDE, 1945, vol. 2, p.
dade. Segu ndo o republicano A lphonse de
55. Lamartine, “a propriedade não é uma lei mas
um instinto, uma condição inerente à própria
natureza humana” . A propriedade era o cora
18"Q ue [1’hom m e] travaille
pour lui-m êm e ou pour ção da vida, o elemento vital da sociedade.19 A
vous, vous sentez encore propriedade era a expressão do eu; nesse senti
qu ’il est hom m e comme do, o trabalho era uma forma de propriedade.
vous... politiquement, y
O que os homens tinham em comum não era
114
JbAlNNE DhRõíN NA KhVOLXJCÀO DE 1848
115
JUANW. SCO i I
116
JEANNh DEEOIN NA EEVüLDÇAo DE 1848
117
deviam cuiclciclvs maternos a seub ninem rirei h
esses os deveres que tinham de respeitar em tro
ca do cuidado e da proteção que recebiam dos
maridos na condição de dependerem deles e de
a eles pertencerem.
O fato de que as mulheres também eram
trabalhadoras e reconhecidas com o tais pelos
decretos que prometiam direito ao trabalho cri
ava um problema: se o trabalho garantia a in
dividualidade, e se a mulher trabalhava, com o
é que a cidadania podia ser negada às mulhe
27 "U n e a s s e m b ié e res? Enquanto a legislatura procurava deixar
legislativa en tiérem ent mais claras as idéias sobre o direito ao traba
com posée d ’hommes est lho, na tentativa de compatibilizá-las com as
aussi incompetente pour
teorias dos direitos políticos formais e da cida
faire des lois qui régissent
une société c o m p o sé e dania dos homens, as feministas trouxeram n o
d ’hommes et de femmes vamente à baila a questão dos direitos sociais,
que le serait une assem exigindo que os interesses das mulheres tam
biée entiérement com po
bém fossem levados em consideração.
sée de privilégiés p o u r
discúter les intéréts des
O voto era uma forma de garantir um inte
travaiileurs ou une as resse social claramente definido, para Jeanne
sem biée des capitalistes Deroin: “Uma assembléia legislativa composta
pour soutenir l’honneur
de homens é tão incompetente para fazer leis
du pays", em. V opinión
des fem m es, n.4, m aio
reguladoras de uma sociedade composta de
1849. A publicação des homens e de mulheres quanto seria uma assem
te jornal foi bastante irre bléia composta inteiramente de privilegiados
gular. S u a primeira edi para defender os interesses da classe proletá
ção, um a espécie de pré
ria, ou uma assembléia de capitalistas para d e
via, apareceu em 21 de
agosto de 1848, mas só fe n d e ra honra do país” .27
co m eçou m esm o a ser Para Jeanne Deroin, direitos eram instru
publicado mais regular mentos destinados a representar e satisfazer in
m en te em ja n e ir o d e
teresses; essa era a finalidade concreta que o
1849, e esta foi a edição
sufrágio universal pretendia alcançar, não uma
que recebeu o número 1.
O número 2 apareceu em formalidade vazia. O sufrágio exclusivamente
10 de março, o número masculino salvaguardava um interesse restrito
3, em 10 de abril, o nú em nom e da liberdade e da igualdade. Uma
mero 4, em maio. Parece
igualdade apenas formal, em outras palavras,
ter h avido um nú m ero
em junho ou julho, mas não era mais que uma máscara da desigualda
não encontrei exemplar. de social perpetuada. Segundo Deroin, a natu
O número 6, a última edi reza generizada [gertdered] do sufrágio expunha
ção, apareceu em agosto.
uma contradição (entre o direito concreto ao
118
JE AN N E DEF.OÍN Na R E V O LU Ç Ã O DE 1848
119
JOAN V'J 3 COTI
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JEANNE DEEOIN NA REVOLUÇÃO DE 1848
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JLAH W, SCOTT
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JEAMMElDEEOIN MA RESOLUÇÃO DE 1848
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JEAWNE DEROIN NA REVOLUÇÃO DE 1848
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JOAN V/„ SCOTT
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JEANNE DEROIN NA REVOLUÇÃO DE 1848
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JEANNE DEROIN NA REVOLUÇÃO DE 1848
129
aS cundiçoes 6 o produLO ds seu iraualiiu. riste
era um trabalho autodefinido e correspondente
a um dever social cumprido, razões sobejas que
qualificariam a mulher (com o trabalho sem e
lhante qualificava o homem) para exercer o di
reito ao voto.
Áo defender a idéia de que gerar filhos era
um trabalho socialmente necessário, Jeanne
Deroin recusava-se a aceitar a diferenciação se
gundo a qual os homens eram trabalhadores
produtivos (pois transformavam matéria prima
em algo de valor) enquanto as mulheres eram
consideradas apenas uma força da natureza.
Esse nivelamento de funções foi tomado por seus
críticos com o uma negação de toda diferença
de gênero, pois revelava até que ponto a natu
reza do trabalho associada ao gênero — e não
à própria natureza — construía as diferenças
entre homens e mulheres. O fato de Jeanne
Deroin insistir que um trabalho próprio de mu
lheres as qualificava com o cidadãs foi, ironica
mente, tom ado com o uma afirmativa de que
homens e mulheres eram uma coisa só. Pierre
J. Proudhon se insurgiu contra ela da seguinte
maneira: “A igualdade política dos dois sexos,
isto é, a admissão de mulheres para funções
públicas próprias de homens, é um sofisma
refutável não apenas pela lógica, mas pela cons
ciência humana e pela natureza das coisas. O
homem, à medida que sua razão se desenvolve,
55 "Légalité politique des pode ver a mulher com o sua igual, mas nunca
deu x sexes, c’est-à-dire
a verá com o o mesmo ser que ele” 55. A falta de
1’assimilation de la femme
à l’ h o m m e dans les
lógica dessa insistência na lógica, a substitui
fonctions politiques, est ção de argumentos sérios por uma recusa ira
um de ces sophismes que da, demonstra a trem enda importância que
re p o u s s e n t non Proudhon dava à necessidade de manter ho
s e u le m e n t la lo g iq u e ,
mens e mulheres separados e o papel crucial da
mais encore la conscience
humaine et la nature des idéia de esferas distintas para que tal separa
d io s e s ”. P R O U D H O N , ção se perpetuasse.
L e Peuple, Paris, 12 abril A resposta de Jeanne Deroin revelou a na
1849.
tureza da convicção de Proudhon em esferas
130
JEANNE D E h O IN N A RE'- -O LU Ç ÃO DE 1848
131
J u a n w , s c O ’i i
132
JEANNE DEROIN NA REVOLUÇÃO DE 1848
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JOAN W. SCOTT
134
JEANNE DEROIN NA-REVOLUÇÃO DE 1848
135
política, a opinião das mulheres, tenham elas
inclinação republicana ou aristocrática, pode ser
70 "En poiitique, 1’opinión resumida numa idéia de amor e de paz [...] To
des femmes quelles que das são unânimes em desejar que uma política
soien t leurs ten d an ces de paz e de trabalho acabe por substituir a polí
r é p u b lic a in e s ou
tica cruel e egoísta que incita os homens a se
a ris to c ra tiq u e s , peut
encore se résumer en une destruírem reciprocamente [...] Em todas as te
p e n s é e d ’a m o u r et de orias [sociais], aquilo de que as mulheres m e
paix [...] Elles s’accordent lhor entendem é do princípio da associação.70
toutes à vouloir que ía
• A fim de defender a causa da complemen
poiitique de la paix et du
travail vienne remplacer
taridade, Jeanne Deroin foi além da simples rei
cette poiitique égoiste et vindicação de paridade, porque teve que criar
cruelle qui excite les hom- (contra a opinião dominante) a possibilidade de
mes à s’entre-détruire [...] uma mulher independente e provida de tudo, que
Dans toutes les théories
(para ser equivalente ao homem) fosse auto-su
so c ia le s , ce que Ies
fe m m e s ont le m ie u x ficiente. Essa mulher, então, assumiria sua posi
compris c’est le principe ção no quadro dos interesses gerais e do bem
de Fassociation". "Q u ’est- social, deslocando o homem; este, se insistisse
ce que l ’o p in io n des
em excluí-la, demonstraria estar agindo por inte
fe m m es? " D E R O IN ,
1848a.
resses egoístas e revelaria sua disposição de im
por leis baseadas não na justiça, mas na arcaica
71V opinión des femmes, “lei do mais forte” .71 N a verdade, a mulher de
n. 4, m aio 1849.
Jeanne Deroin muito mais substituía o homem
do que o completava, pois, ao igualar-se a ele na
busca do bem social, simultaneamente tentava
estabelecer a própria independência. Desta for
ma, arruinava o ideal que constituía a base da
complementaridade, ou seja, desfazia a união
interdependente do casal heterossexual.
A o considerar a política com o domínio das
mulheres, pondo em pé de igualdade o lar e o
Estado, Jeanne Deroin distinguia sua noção de
complementaridade da de muitos de seus con
temporâneos, os quais expressavam as diferen
ças entre os sexos em termos da localização do
hom em e da mulher “em esferas separadas” . A
justificativa oferecida para a Lei de 28 de julho
de 1848, que vedava à mulher qualquer parti
cipação em clubes, seja com o observadora seja
com o membro, era bem clara: “Som ente a vida
privada é que serve para a mulher; ela não é
136
JEAN N E DEROIN NA REVOLUÇÃO DE 1848
137
dar publicar em outro jornal, urna voz que
Proudhon não o permitiu no seu, ela não apon»
lava para o absurdo da argumentação do arti
culista baseada na natureza, pedia apenas que
P Proudhon especificasse quais os órgãos do
corpo eram necessários para as funções de le
gislador: “Se a natureza é tão clara a esse res
peito com o o senhor parece crer, então eu me
75 Citado por TIXERANT, rendo a sua argumentação” .75
1908, p, 86. Essa troca de farpas entre ambos sinaliza
o impacto radical que tiveram as idéias e as ati
tudes de Jeanne Deroin, as quais invertiam as
explicações cotidianas para as diferenças entre
os sexos, e as tornavam menos um efeito da bi
ologia do que da organização social. Jeanne
Deroin não punha em dúvida que característi
cas e obrigações diferentes devessem ser atri
buídas a homens e mulheres; o que ela procu
rava, de fato, era dar intensidade ainda maior
às diferenças, a fim de consolidar a identidade
política das mulheres e reforçar sua teoria em
favor de direitos iguais para homens e mulhe
res. A d m itia , m esm o, serem as m ulheres,
constitutivamente, mais delicadas, mais fracas,
de natureza mais afetiva e mais inclinada à com
paixão do que os homens, porém tais diferen
ças nada tinham a ver com sua capacidade de
76D E R O IN , "Profession de exercer direitos.76 Jeanne Deroin foi ainda mais
foi", p. 12.
longe: argumentando que, historicamente, o erro
das mulheres foi pretender negar a diferença;
tentaram se ver livres do jugo que as oprimia
77 D E R O IN , 1853, p. 11. “tornando-se semelhantes ao hom em.77Agindo
assim, as mulheres se tornaram meras imitações,
e versões grotescamente inferiores, pois não es
tavam representando a si próprias de forma ati
va. A alternativa de Jeanne Deroin foi dar ênfa
se às diferenças, e de m odo especial à maior
delas, a responsabilidade única da maternida
de, a fim de conquistar reconhecimento inde
pendente e distinto.
138
JhANNh DílKOíMNA KhVGLUÇAO DE 1848
139
temporáneos de Jeanne Deroin dependiam da
tese das “ esferas separadas de ação” para esta
belecer os limites físicos entre o masculino e o
feminino. Transpor as fronteiras entre o lar e o
fórum levava ao hermafroditismo, acusavam
eles, levava à perda das características que dis
80 GAUTIER, 1849. tinguem o hom em da mulher.80 O perigo da
androginia era a possibilidade de um corpo se
xualmente indecifrável, portanto monstruoso.
Partilhar espaço político implicava partilhar di
reitos políticos; a criação de uma igualdade
niveladora era pintada — e- entendida -— com o
uma aberração natural. “As mulheres não são
feitas para serem estadistas” , opinava Ernest
Legouvé, cujas conferências, em abril de 1848,
atraíam ao Collège de France grandes grupos
de entusiasmadas feministas. Embora apoiasse
o movimento por meio da educação e de mu
danças no Código Civil, Legouvé não aprovava
que as mulheres tivessem direito ao voto, pois
tal direito transgredia os limites espaciais que
estabeleciam a diferença sexual. A emancipa
ção da mulher podia ocorrer apenas dentro da
81 L E G O U V É , 1 8 49 . família; mulheres na política era um absurdo.81
Jeanne Deroin foi tão en Os críticos e os caricaturistas das campa
tusiasmada com os ap e
nhas feministas ilustravam com freqüência as
los de Legouvé para que
m elhorasse a co n d ição
idéias de Legouvé. Daumier e outros jogavam
das mulheres, que p ro com o tema da inversão de papéis, desenhando
meteu reimprimir partes mulheres como políticas feias, de aspecto cômi
do seu livro. V. L' opinion co, jocosamente representadas como imitadoras
des fem m es, n. 2 (10 ,
do homem; ou, então, mulheres com ares mas
maio 1849). O comentá
rio de Legouvé é citado culinos a rejeitar, a conselho de Mme. Deroin,
em T E R R A G E , 1910, p. sua condição materna; havia caricaturas de cri
334. V. tam bém O FF E N , anças abandonadas nos braços de pais deses
1986, p. 452-484.
perados, enquanto suas mães brincavam de p o
lítica; havia as que, de um lado, retratavam mu
lheres com monóculos, charutos e barba, e, de
outro, homens que vestiam saia. Uma caricatu
ra, em série, representava um homem diante da
porteira do Clube de Mulheres, suplicando-lhe
para entrar, a fim de que pudesse levar suas cal-
140
JEA N N E DEROIN NA REVO LUÇÃO D E 1848
141
Apelava-se para a violência, para a hosti
lidade e para o ridículo a fim de impedir a trans
gressão do espaço social, e, portanto, dos limi
tes impostos pelo gênero. Essa transgressão era,
de diversas formas, representada com o uma
castração — com o uma ameaça ao sinal que
caracteriza a diferença masculina e que é o sím
bolo de poder do homem, agora am eaçado de
86Além de caricaturas, ha ser nivelado à mulher em seus direitos políticos.86
via também relatos, escri A implicação de que a castração era conseqü-
tos hum orísticos sob re
ência da fusão das esferas de ação do hom em e
Jeanne D eroin. V., por
exem plo, U Illustration,
da mulher dá a entender que, no discurso das
21, abril 1849, p. 123- esferas separadas, a integridade de corpos se
125. xualmente distintos não repousava na espiritu
alidade, nem na biologia, nem em atividades
especializadas, mas nos espaços segregados
dentro dos quais tais atividades se realizavam.
N ão era a natureza, mas a organização social
que produzia a diferença sexual. Era esse o pon
to ao mesmo tempo reconhecido e negado pe
los que defendiam a separação das esferas de
ação; essa era a contradição que ficava revela
da pela recusa feminista em admitir esferas se
paradas.
Durante a Revolução de 1848, as feminis
tas concretizaram uma convicção: entraram na
esfera pública porque estavam convictas de que
era um lugar que também lhes pertencia. Desta
forma, desafiaram diretamente a justificativa se
gundo a qual sua exclusão se devia à biologia
ou à natureza. Seu protesto visava a expor, por
meio de ações que tornavam auto-evidente sua
capacidade com o cidadãs, a “mentira” de um
87Sobre o sufrágio univer regime que lhes negava o direito de voto.87 S e
sal e os direitos individu melhante lei não se enraizava no terreno firme
ais, v. TIXERANT, 1908,
de uma realidade preexistente asseguravam as
p. 31-32, e 1986, p. 288-
289. feministas. N a verdade, a própria lei a consti
tuía, isto é, engendrava aquela realidade — a
da segregação das mulheres — , a qual era de
vida à lei que regia o assunto. Aqui as feminis
tas viram o seguinte paradoxo: em conformida-
142
JEANNE
143
JO A N W. S C O T T
144
JEANNE DEROIN NA REVOLUÇÃO DE 1848
145
necessário para escreverem o texto certo.
Jeanne Deroin procurava demonstrar que
estava à altura da tarefa de falar em público e
que uma mulher, na verdade, tinha qualificações
para articular suas idéias. Quando experimenta
va “uma forte em oção” , que temia pudesse en
fraquecer sua retórica, ela a atribuía à importân
cia da ocasião (foi a primeira a trazer à tona a
grande questão dos direitos civis e políticos da
mulher perante uma platéia reunida em comício
eleitoral) e a sua “inexperiência com o discurso
parlamentar” . Tal inexperiência se originava de
situações com o as que enfrentara no começo,
quando os fortes, invocando antigos privilégios,
tentavam silenciar as vozes dos fracos. Corrigida
essa injustiça, todas as pessoas poderíam dis
cursar perante uma assembléia pública com igual
desenvoltura. N ão cabia aos homens o m ono
pólio do desempenho dos deveres de ordem pú
blica e do exercício dos direitos políticos.
O fato de ser mulher, de estar fora dos li
mites impostos a ela, e de sair-se bem num fórum
político considerado impróprio para ela, tudo
isto redundava em força política para ações de
Jeanne Deroin. Superou sua “timidez natural” ,
explicava ela, porque agia em nome de uma
causa maior, porque “se dedicava” ao cumpri
m ento de seu dever: “ Q u ando M. Eugène
93 " Q u a n d M. Eugène
Pelletan me disse, certo dia, que eu agia com o
Pelletan m e dit un jour
que j ’agissais comme si je
se estivesse dando tiros de pistola na rua para
tirais um coup de pistolet atrair a atenção, ele tinha razão; eu não queria,
dans la rue pour attirer porém, chamar a atenção para mim mesma,
1’attention, il avait raison, mas para a causa que defendia” .93 Quer para
mais ce n’était pas pour
si, quer para a causa, é inegável que as aten
attirer 1’attention sur moi,
mais sur la cause à laque- ções se voltaram para uma mulher num espaço
lle je me dévouais". Tre público. O simples fato de pedir a palavra num
cho da carta de Jeanne com ício eleitoral de socialistas-dem ocratas
Deroin a Léon Richer ci
atraía a atenção sobre ela, com o se “tivesse
tado por s e r r iè r e (1981, p.
26). (Fonds Bouglé, Bibii-
dado tiros na rua” , isto é, com o se, ao agir com o
othèque Historique de la hom em — apropriando-se de um falo — , per
Ville de Paris.) turbasse a ordem pública e infringisse a lei.
146
JEANME DEROIN NA PEVCODÇÃQ DE 1848
147
JoÁN Vv. 3CU i i
148
JEANNE DEROIN NA REVOLUÇÃO DE 1848
149
id O fiib , j_1S p f O í S f Í L l d n id OíaCa>_ tunsu/c H a s
97 O texto do discurso de exéquias de Jeanne Deroin , em 1894.97
Morris não foi localizado . Embora tivesse permanecido urna convic
por nenhum pesquisa ta feminista até o fim da vida, Jeanne Deroin
dor.
acabou acreditando que o m om ento para seu
tipo de clividade já tinha passado. Já em 1849
eí? m inscrevia na história do feminismo que
c c n -.t h com O iym pe de G ouges. Em seu
“C '' os 4s 1' emancipation de la fem m e” , dizia
aos leitores que Oiym pe de Gouges, “com o to
d o : as criadores de uma nova idéia [...] abrira
a erada sem chegar ao destino” e, ainda, que
a revolução de fevereiro permitira que todas
98 "C o m m e tous Ies aquelas mulheres, com o sua estimada amiga
initiateurs d ’u n e id ée
Pauline Roland, denunciassem o sufrágio uni
nouvelle[...] [elle] a frayé
la route sans atteindre le versal com o uma mentira que excluía a metade
but: elle est m on tee à da humanidade. Acrescentava, depois, que “em
l’échafaud sans obten ir le 1849, uma mulher mais uma vez recorreu às
dro it d e m o n te r à la
autoridades constituídas para reivindicar para
tribune [....] En 1849, une
fe m m e vien t e n c o re
as mulheres o direito de participar dos traba
frapper à la porte de la lhos da Assembléia Legislativa. N ã o foi ao v e
cité, réclam er p o u r les lho mundo que ela se dirigiu [...] E chegado o
fe m m e s le d ro it d e m om ento de a mulher participar do movimento
participer aux travaux de
social, do trabalho de regeneração que está co
l’A ssem blée Législative.
C e n’est p as a u v ie u x meçando a tomar form a” .98Jeanne Deroin con
m onde q u ’elle s’addresse seguiu tomar de assalto a tribuna — e escapar
[...] Le moment est venu com vida — , fato que não equivaleu, no entan
pour la femme de prendre
to, à conquista, para as mulheres, do direito de
part au m ouvem ent soci
al, à l’oeuvre de régéné-
acesso ao fórum público. C om o ela própria
ration qui se prep are". mencionou, foi a primeira mulher a tentar con
C it a d o p o r Z É V A È S , quistar cargos públicos. Em seu jornal, muitas
1948, p. 129. colunas foram dedicadas à crônica da longa luta
das mulheres pela emancipação política, a con
quistar. M esm o assim ela fe z história. N a
verdade,ela acabou se inscrevendo num proces
so que evidenciaria a capacidade da mulher de
99 S o b re a historia deste fazer história — capacidade negada por mui
período, v. ORR, 1976 e tos historiadores (homens) de sua época, que
1990; B A N N , 1984;
viam o papel da mulher com o atem poral e
BARTHES, 1970, p. 145-
55; C R O S B Y , 1991; e transcendente, e que só consideravam os ho
MOREAU, 1982. mens capazes de provocar transformações.99
150
JEANNE DEROIN NÂ-_EEV03JJÇÃ:Q d e igdg
151
JCAN w, SCOTT
154
Os Direitos do “Social”; Hubertine Auclert
e a Política da Terceira República
155
JOAN W. SCO'TT
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HUBERTINE AUCLERT E A POLÍTICA DA TERCEIRA-REPÚBLICA
157
■JuAl 1Vv. SCO iT
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HUBER1INh AUCLhRT t A FUL! i ICA DA i ERCEIRA REPÚBLICA
159
JOAN W. SCOTT
160
HUBEETINE AÜCLEET E A POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
O hom em é um a n im a l s o c ia l, como há
muito se disse; o in d i v íd u o , então, é muito mais
homem por ser socializado, isto é, por fazer par
te de um grupo social. Sou tentado a dizer que
somente então ele é um super-homem. O super
homem não é, de modo a lg u m , como Nietzsche
o concebeu, aquele que consegue impor sua oni-
161
•/'Oa N W. ¿C U i i
162
HUBERTINh AUCLbRT h A POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
163
JOAN W. SCOTT
164
HUBERTiNE AU L vRI e a po lítica da. t er c e ir a repú blica
C o m o p r o g r e s s o da c iv iliz a ç ã o , o c é r e b r o
d o s d o is s e x o s fic a ca d a v ez m a is d ife re n c ia d o .
C o n f o r m e [ L e B o n ], essa ta b e la p r o g r e s s iv a é
d e v id a a o c o n s id e rá v e l d e s e n v o lv im e n to d o c râ
n io m a s c u lin o e a o e sta d o e s ta cio n á rio , e m e s m o
re g re s s iv o , d o c r â n io fe m in in o . “D e s s a f o r m a ”,
d iz e le , “ e m b o r a a m é d ia d o c r â n io d o h o m e m
p a ris ie n s e seja e q u iv a le n te à d o s m a io re s c râ n io s
165
SCOTT
166
HUBbRTÍNE AUCLhRT E A P O L ÍT IC A DA I ERChIRA R E P Ú B LIC A
167
d a ib lom e um zato independente de ação do
Estado, 2 anterior a eJa. A e vola c a r, o overo, não
servia para elucidar as contradições be uma te
oria democrática criada por urna república cuja
legitimidade não mais se apoiava na soberania
d o povo. E aqui que entra o feminismo, denun
c ia n d o e in c o rp o ra n d o tais con tra d ições.
Hubertine Auclert é um exem plo característico.
Hubertine Auclert se recusava a aceitar
que a teoría da evolução íosse justificativa para
a exclusão política das mulheres, pois isso con
trariava as prorne: .as republicanas de igualda
de para todos, independentemente de diferen
ças sociais e funcionais. Excluídas as mulhe
res, ficaria provado que a desigualdade política
era um efeito da divisão social do trabalho, o
que iria acarretar profundas implicações para
a questão dos direitos, em geral, e não só para
os direitos das mulheres: “Antes de ser invocada
pelos adversários do voto das mulheres, a idéia
de subordinar o exercício de um direito a um
papel social já tinha sido usada com o objeção
25 "liidée de subordonner ao sufrágio universal entre os homens ” .25
l’exercice du droit à une Em 1879, Hubertine Auclert chamou a
question de role, avant
atenção dos participantes do Congresso N acio
d ’étre in voqu ée par les
adversaires du vote des nal de Trabalhadores em Marselha para o fato
fe m m e s , a servi de que os homens que toleravam a exclusão da
d ’objection au suffrage mulher estavam sempre sujeitos a perder seus
universel pour les hom -
direitos e, conseqüentemente, a sofrer eles pró
mes". A U C LE R T , 1881.
prios o peso da exclusão: “ Uma república que
relega as mulheres a uma posição inferior não
tem moral para reconhecer a igualdade entre
26 "U n e R e p u b liq u e qui os homens” .26
maintiendra les fem mes Hubertine Auclert procurou estabelecer
dans une co n d itio n
uma aliança com os socialistas que apoiavam
d ’infériorité, ne po u rra
p a s fa ire les h o m m e s
a doutrina da soberania popular, segundo a qual
é g a u x ". AUCLERT, a única form a de governo realmente represen
1879a. tativa era a “república social” . Ela tentou pro
var que a negação do direito de voto às mulhe
res estava ligada à negação do caráter político
da questão social, argumentando que, visto as
168
HUBERTINE AUCLhK í h A POLÍ í ICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
169
JOAN W. SCOTT
170
HUBERTINE AUCLERT E APOLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
171
pela habilidad* de alcançar o meio-termo equi
librado entre o s argumentos persuasivos e os co
ercitivos, de elaborar raciocinios lógicos e de
prom over ações diretas. Entretanto, necessita
vam provar, também, que nada tinham a ver
com algumas mulheres cujas ações acabaram
por simbolizar tudo aquilo que era politicamen
te ameaçador para a República e cuja figura —
profundamente enraizada no imaginário políti
co republicano — era, na época, perigosamen-
te identificada com o conceito de “mulher” , de
tal maneira que até mesmo o simples exercício
de algumas atividades consideradas apenas
aceitáveis para homens (mesmo assim com res
trições) poderíam fazer com que a lembrança
delas ressurgisse.
Havia dois clichês que tomavam a mulher
inimiga da República. O primeiro dizia respeito
à figura (já algo desgastada, porque remontava
à R e vo lu çã o do século X V III) da m ulher
indisciplinada, sexualmente agressiva e irracio
nalmente desordeira, que a iconografia popular,
representando a Comuna de Páris, freqüentemen-
te usava. Pára a Terceira República as pétroleu-
ses, essas fúrias que empunhavam tochas e ame
açavam incendiar Páris durante os últimos dias
do levante contra o novo governo, identificavam
36 H ERTZ, 1983, p. 27-54; os excessos da Revolução com os excessos das
G U L L IC K S O N , 1 9 91 ; mulheres.36 Estas realmente lutaram por seus di-
T H O M A S , 1963. reitos e representaram um papel muito impor
tante na mobilização política, durante os dias da
Comuna. Depois, tais atividades se tornaram re
presentativas do caráter subversivo do movimen
to. Com efeito, o emblema da própria Comuna
era uma mulher, uma incendiária, cuja fúria de
senfreada ameaçava reduzir a cinzas os sistemas
de propriedade e de governo que eram a base da
ordem social. E de um observador o seguinte
comentário: “As mulheres se comportavam como
feras, jogando petróleo por toda a parte e se dis
tinguindo pela fúria com que lutavam; uma mul
172
HUBEKTlNE ÂÜCLbRi £ A POLÍilCA DA 'i hEGEIRA EEPÚBAICA
173
JOAl i77v SC07T
174
H ü B E R T IN E - L C L E E 7 E A P O L ÍT I C A D A TERCEIRA R E P Ú B U C A
175
aceitar a reverenciei da ierceirn Pepuolieci so
Positivismo, ao secuiarismo e à ciência, ela se
revelava com o uma pessoa eminentemente ra
cional e disciplinada por força da lógica, uma
palavra, aliás, recorrente em seus escritos. Ten
tava convencer as mulheres a demonstrar mais
capacidade lógica do que aqueles que as opri
miam e, freqüentemente, denunciava a desigual-
44AUCLERT, 1889a, 5 7 2 dade com o “injusta e ilógica” ,44 Ela submetia
76. os argumentos contrários aos direitos da mu
lher à prova da lógica: alguém seria capaz de
dizer que as funções específicas do padeiro o
impediam de votar? Pois fazê-lo “seria tão lógi
co” quanto privar a mulher de seus direitos,
porque elas fazem suas tarefas domésticas e
45AUCLERT, 1881, p . 92. cuidam dos filhos .45
Para Hubertine, as mulheres mereciam
direitos porque são seres lógicos e não as fa
náticas indisciplinadas que as fantasias repu
blicanas produziram; e, neste sentido, não ex
cluía nem m esm o os indivíduos construídos
pela im aginação de Olym pe de G ouges ou as
mães carinhosas de Jeanne Deroin. Feminis
tas que eram, por força de suas campanhas a
favor do vo to e de sua identificação com uma
tradição construída ou “ inventada” , Olympe
d e G o u g e s , J ea n n e D ero in , e H u b ertin e
Auclert ficavam , porém , separadas pelas di
ferenças inerentes aos contextos de suas é p o
cas — diferenças originárias não só de acon
tecim entos históricos, de ênfases ou de por
menores, mas de arenas discursivas onde se
construíam os próprios conceitos de “ mulher”
e se definiam seus direitos.
O m étodo de Hubertine Auclert era cientí
fico, dentro dos padrões da época; a verdade
para ela era uma questão de fatos, os quais se
riam eloqüentes por si sós. Embora acreditasse
que o enquadramento de um fato num raciocí
nio lógico eliminava a contradição, seus própri
os argumentos — com o os de Gouges e os de
176
HUBhETINh AUCLhK í h A POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
177
voz e as maneiras grosseiras dos homens que
ali trabalham; finalmente, elas recairiam num
estado puramente natural e se tornariam sim
ples rro ote fêm eas". Tornar-se, “simplesmente
fêmea"' significava, é claro, voltar à animalidade,
estado •ainda pior do que a escravidão ou a
barbárie: “ Onde está a negra de Havana ou a
mulher de um harém turco que concordaria em
trocar a h a c ie n d a espanhola ou a residência tur
ca por um emprego numa tipografia?" Para ele,
portanto, a feminilidade era a pedra de toque
do progresso da civilização, e somente o confi
namiento doméstico era capaz de manter as mu
lheres “delicadas” e “elegantes” , a civilização
50ALARY, 1883, p. 15,18: francesa dependia da “ mulher no lar” .50 Em sua
"elle se deforme, prend le resposta a Jacques Alary, Hubertine afirmou que
regard, la voix, et Tallure
a função de tipógrafa era, com o muitas outras,
gro ssière des h o m m es
q u ’elle frequ en te dan s
apropriada para as mulheres e apontou com fir
l’atelier; elle r e to m b e meza para a realidade dura de fatos relativos
enfin à Tétat de nature ou aos trabalhos, por tradição, executados pelas
de sim ple fem elle [....] mulheres. Será que o trabalho de uma tipógrafa
Quelle est la négresse de
seria menos m onótono do que o de uma balco
la H avane ou la
circassienne de Constan- nista, de quem se exigia que ficasse de pé o dia
tinople qui consentirait à inteiro; ou mais perigoso do que o de funcioná
échanger La m a is o n rias de lavanderia, obrigadas a mergulhar as
tu rq u e ou 1’hacienda
mãos em água escaldante e a manipular pesa
e s p a g n o le contre u n e
place dans Timprimerie?"
dos ferros de passar cheios de brasas? Será que
o alto salário de um funcionário de tipografia
induziría mais à corrupção do que o incrivel
mente baixo salário que uma operária recebia
por sapato costurado, a qual, por pura compen
sação, era obrigada a prostituir-se? Os fatos da
vida da mulher trabalhadora contradiziam cla
ramente as afirmativas de Jacques Alary , sus
tentava Hubertine Auclert, e os que se recusa
vam a admitir esses fatos agiam ou por interes
51A U C LE R T , 1883/1884, se próprio ou por má-fé .51
p. 80-84. Um desses motivos eram os argumentos
com que abertamente justificavam a exclusão
da mulher da política. Quando usavam o pre
texto de proteger a República de seus inimigos
178
HUBERTINE AUCLERT E A POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
179
ía, a, assim reforçariam a opiaiao predoi ninan-
te sobre el as: “Vamos demonstrar que não
estamos do lado deles. Vamos nos levantar e
fazer com que nossos gritos de protesto sejam
ouvidos de uma extremidade à outra da Fran
ça. Vamos declarar em alta voz para o mundo
54 "Montrons que nous ne que nós queremos a luz, a liberdade ” .54
som m es pas avee eux. N ã o obstante todos esses fatos e dem ons
L e v o n s -n o u s , et q u e , trações, a tentativa de Hubertine Auclert apre
d ’un bout à l’autre de la
sentar provas contra a hipocrisia preponderan
F ra n ce , n otre cri de
protestation soit entendu. te era paradoxal, visto que, por definição, hipo
D is o n s b ie n hau t au crisia consiste em negar interesseiramente o que
m onde que nous se sabe ser a verdade. De certa forma, porém, a
v o u lo n s la lu m iére, la
estratégia funcionou favoravelm ente, pois dei
liberté". A UCLERT, 1877,
p. 10.
xou bem claras a sua sinceridade e a ausência
de interesse pessoal nos atos que praticava. A o
mesmo tempo, Hubertine reconheceu a dificul
dade que havia em construir algo em política
com auxílio de raciocínios lógicos. Se os obstá
culos eram criados por interesses particulares
ou de grupos, então não haveria raciocínios,
por numerosos e irrefragáveis que fossem, que
tivessem força persuasiva. N o fim das contas, o
necessário era combinar a força e a razão. Quan
do Hubertine Auclert anunciou a form ação de
sua Sociedade Nacional pelo Voto Feminino, em
1883, ela declarou seu compromisso de traba
lhar não com a força mas com a “persuasão” ,
55AUCLERT, 1883, p. 132. isto é, com a força do raciocínio lógico .55 N o
mesmo artigo, exortava as mulheres a criar uma
força que contrabalançasse a dos homens: “não
se pode exigir da natureza humana mais perfei
ção do que ela tem; enquanto os homens, sozi
nhos, fizerem as leis, eles as farão para si pró
56"On ne peut exiger de la prios e contra nós ” .56
nature humaine plus de -A História demonstra com que intensida
perfection q u ’elle n’en
de os homens sempre quiseram preservar seu
comporte. Pendant que
les hommes feront seul les poder, dizia ela. O apoio que as mulheres da
lois, ils les feront pour eux vam às revoluções passadas nunca foi garantia
contre nous". A UCLE R T , de que os homens, uma vez vitoriosos, haveri-
1883, p. 133.
am de com elas partilhar o poder. Descartando
180
LIBERTELE AUCLERT E A POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
181
JOAN W, 5COTT
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HUBERTINE AUCL ERT h A POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA •
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O IT
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JOAN W. SCOTT
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HUBERTINE AUCLERT E A POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
187
.gemí. Ela tentava, entretanto, não comunal: mn
com ouiro, a íim de que não se perdesse a p :-s-
sibilidade de apelar para a identidade pcdttca
de cada mulher separadamente. Aqui, mais urna
vez, surgia o paradoxo da “diferença sexual” :
não havia com o defender os interesses específi
cos da mulher, quando a luta pela igualdade de
todos (isto é, igualdade com os homens) era a
meta final.
Em 1881, Hubertine Auclert expôs suas
idéias sobre a necessidade de um jornal e de
uma organização devotados ao interesse das
mulheres: Para aqueles que nos acusam de ser
mos exclusivistas, de tornarmos a questão das
mulheres uma questão à parte, nós responde
mos que seremos obrigadas a pôr em evidência
o problema da mulher enquanto a mulher for
tratada de maneira diferente. Enquanto a mu
lher não tiver o poder de intervir, a fim de defen
der seus interesses, onde quer que estejam em
jogo, nenhuma alteração das condições políti
66 "A ceux qui nous co-econôm icas vai trazer melhorias para sua
accuseront d ’ étre exclu- condição .66
sifs, de faire de la question N ã o fica bem claro nessa afirmação se os
des femmes une question
interesses das mulheres resultam da discrimina
particuliére, nous répon-
d o n s q u e n o u s seron s ção de que são vítimas ou se a discriminação é
o b lig é s d e fa ire u n e que as impede de defender os interesses já exis
q u e stio n d e s fe m m e s tentes. Essa imprecisão, na verdade, fundamen
aussi longtem ps q u ’il y
ta a identidade coletiva das mulheres, fazendo
a u ra une situ atio n
particuliére faite aux fem
dela a causa e o produto de uma mobilização
mes, et q u ’avant que cette conjunta.
situ atio n ait cessé Quais eram os “ interesses das mulheres” ?
d ’exister, av an t q u e la Hubertine Auclert raramente dava maiores ex
fe m m e ait le p o u v o ir
plicações sobre eles, a não ser quando se tra
d ’intervenir partout oü
ses intéréts sont en jeu tasse de fazer do direito ao voto, ao mesmo tem
p o u r les d é fen d re, um po, um interesse e um meio de defender outros
c h a n g e m e n t d a n s la interesses. Costumeiramente, por outro lado,
condition é c o n o m iq u e
opunha esses “outros interesses” com o que cha
ou politique de la société
ne remédierait pas au sort
m ava “o interesse do sexo [intérêt du sexe]” da
de la femme". La Citoyen parte dos homens. Esse desejo egoísta de dom i
ríe, 13 fév. 1881. nar social e sexualmente era a raiz de toda a
188
HUBERTÍNE AUCLERT E A POLÍTICA DA TERCEIRA PJEPÚBLICA
189
JuAT-i Vv’. SCOTT
190
MUBEE7INE -üCLERT E A POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
191
O espírito de camaradagem para o quai
apelava, e que praticava, tinha raízes na sem e
lhança e não na diferença, no reconhecimento
de que os dois grupos eram desprovidos de p o
der. Os interesses dos trabalhadores e das mu
lheres eram interesses de explorados, isto é,
de m em bros do corpo social que o Estado ti
nha a obrigação de defender e proteger. A não
ser que os explorados xjudessem representar
se no poder. O Estado, contudo, nunca iria
cumprir suas obrigações, pois não era uma
instituição que se pautasse pela neutralida
de, longe disso, porém — ■com o acontecia na
fam ília burguesa patriarcal — , caracterizava-
se por ser uma form a de poder baseada no
g ênero e na classe.
Para Hubertine Auclert, a alternativa con
sistia em não abandonar a idéia de uma rela
ção entre o Estado e o social, mas em reformulá-
la, e com ela o m odelo familiar que lhe servia de
base. A analogia entre Estado e família preser
vava um espaço para uma identidade distintiva
da mulher, a qual Hubertine julgava obrigatório
manter se não quisesse ver os interesses da
mulher serem absorvidos pelos dos trabalhado
res, segundo a lógica de suas próprias reivindi
cações. N a nova família, em lugar do domínio
paterno, ela oferecia cooperação entre pai e mãe:
ambos representavam e governavam as neces
sidades sociais de seus membros. “N ã o é pos
sível ser pai e mãe ao mesmo tempo” , escreveu
ela num panfleto de 1908. “Seria considerado
72 "II ríest pas possible, en
estranho que o hom em exerça os papéis de pai
effet, d ’étre à la fois hom -
me et fe m m e , on e de mãe na família, mas, de acordo com a le
trouverait étrange q u ’un gislação, permite-se que os homens desempe
hom m e cumulát dans la nhem esse duplo papel . ” 72 N a verdade, a repre
famille le rôle de pére et
sentação das mulheres era o único m eio de ga
de mére et Ton admet que
les h o m m e s cu m u len t
rantir integridade e “virilidade” para a Repúbli
dans la c o m m u n e ce ca, não apenas porque as “ habilidades dom és
double rôle". AUCLE RT, ticas” próprias da mulher eram necessárias à
1908a, p. 13. adm inistração da “ casa m aior” , “Ia cuisine
192
HüBüR i íNh ALA
193
co e ao Estado. Enquanto o social permaneces
se com o objeto de legislação e não pudesse fa
lar em seu próprio nome, negava-se aos homens
(em especial à classe operária) e às mulheres o
direito fundam ental da ■auto-representação
(m esm o que o h om em pudesse v o ta r). Â
dissociação do social e do político — mães e
pais, homens e mulheres —- foi conseqüência
■da privação do direito de cidadania às mulhe
res. A o se negar ao social um papel político ati
vo para lutar em favor dos próprios interesses,
os direitos concretos e a justiça social torna
ram-se reféns de regulamentações administra
tivas e não de ações políticas. Quando isso acon
teceu os cidadãos, os homens, acabaram fican
do impotentes para representar, eles próprios,
seus interesses sociais (e econômicos).
O interesse do social, portanto, era um in
teresse de mulheres, não porque elas realmente
tivessem maiores preocupações com a saúde, o
bem-estar e a justiça, mas porque essas áreas
eram consideradas alheias à esfera política, e ,
por isso, analogamente atinentes às mulheres:
“As mulheres francesas têm um senso de dem o
cracia utilitária. Q u ando fo re m eleitoras e
candidatas, irão exigir ã form ação de assem
bléias administrativas e legislativas para melhor
entender as necessidades da natureza humana
77 "Les Françaises ont le e satisfazê-las . ” 77 Para Hubertine Auclert, a
sens de l’utilitarism e emancipação da mulher resultaria na emanci
d é m o c ra tiq u e . Q u a n d
pação do social e na restauração da potência
el les seront électeurs et
éligibies, elles forceront da cidadania, uma potência que se concretiza
les assembiées adminis- ria somente quando as carências (sexuais, so
tratives et législatives à se ciais, simbólicas) dos homens em relação às
p é n é tre r d es b e s o in s
mulheres se consubstanciassem na extensão dos
humains et à les satisfai-
re". A U C LE R T , 1908a, p.
direitos políticos a todas elas.
20 . A noção de um estado menos paternalista
e mais paterno-maternal também alimentava as
reflexões de Hubertine Auclert sobre a política
francesa na Argélia, onde m orou por quatro
anos com o mulher de Antonin Levrier. Em arti-
194
HUBERTINE AUCLERT E A POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
195
79 " C 'e s í en v o y a n t le E observação do quanto o p r e c o n c e i -
p e ía
préjugé de race dominer ' t o r a c ia ldomina tudo n a A r g é l i a q u e c h e g a m o s a
tout en Algérie, que Ton e n t e n d e r o a b s u r d o do p r e c o n c e i t o s e x u a l. E a s
comprend bien Tabsurdi-
s im q u e a ra ça á ra b e, tã o b e la e tã o b e m d ota d a ,
té d u préjugé de sexe.
é to ta lm e n te desp reza d a p e lo s e u ro p e u s , os q u a is ,
A insi la race a r a b e , si
n o e n ta n to , r a r a m e n te s ã o t ã o s im p á tic o s e t ê m
belle et si bien douée, est
absolument méprisée par tantas h a b ilid a des n a tu ra is q u a n t o os árabes. A q u i
196
As argelinas, então, poderíam desenvolver as vir
tudes do republicanismo secular pelo exercício
do voto, e a “missão civilizadora55 estarla no
caminho certo. N a época, escreveu anos mals
tarde, “mulheres brancas educadas55 não p o
diam votar, ao passo que “negras selvagens”
podiam. Embora Hubertine apoiasse o direito
que tinham as “nativas 55 de votar numa repú
blica, considerava esse tratamento preferenci
al em relação à mulher branca “um insulto con
81 A U C L E R T , 1 9 08a, p. tra a raça branca 55. 81 N a verdade, o precon
196-197. ceito racial era o fulcro desse argumento. As
mulheres francesas “civilizadas55, que já haviam
triunfado sobre os instintos e paixões do cor
po, eram, afinal, agentes mais confiáveis das
políticas coloniais francesas. A semelhança das
mães numa família, seriam a fonte da discipli
na e da moralidade para toda a nação e seus
membros. E, também, à semelhança das mães,
iriam educar seus filhos para que se tornas
sem cidadãos leais à República. (Quando, p o
rém, se tratava dos outros filhos — os “nati
vo s” — , a analogia da família, antes redefinida
para que os papéis do pai e da mãe fossem
igualados, mantinha, então, todas as conota
ções de hierarquia e dependência.)
Em suas considerações sobre a mulher ar
gelina, Hubertine Auclert transformou o interes
se das mulheres em sinônimo perfeito de inte
resse nacional. Seus argumentos, entretanto,
não eram totalmente originais. Seu objetivo era
utilizar o conhecimento que as mulheres tinham
do social para a formulação da política, era
transformar a mulher numa parceira que usu
fruísse das mesmas vantagens e de todos os di
reitos atribuídos ao homem na administração
da nação. Enfim, seu desejo era acabar com a
separação entre o político e o social, sem apa
gar, por completo, no entanto, as diferenças en
tre homem e mulher. A identidade da mulher
com o eleitorado político particular seria con-
197
JUAN -A'. SCO Ti
198
HUBERTINE A U C L E R T E A P O L ÍT IC A D A TE R C E IR A REPÚBLICA
199
"OIT
)0 F R E U D , 19 55 ,
de posse de seu pênis, o que fica assegurado por
"M e d u s a ’s H e a d ", vol. s e u e n r ije c im e n t o .90
18, p. 273.
A Medusa, portanto, tem um efeito duplo:
é ao mesmo tempo uma ameaça para a força
sexual do homem e sua confirmação; ao incor
91D evo muito à análise fei porar o horror daquilo que poderia ser, a ima
ta por Neil Hertz (HERTZ, gem intensifica o desejo, a fim de preservar o
1 9 8 3 ). V. ta m b é m que é. 91
CROSBY, 1991, p. 41; e
N a versão do agente eleitoral, a violenta
FREUD, 1955,
"Fetishism", vol. 21, p. interrupção do exercício do direito ao voto (Hu-
152-157. bertine Auclert pisoteou as cédulas espalhadas
200
HUBERTHME AUCLERT E A POLÍT ACEIRA R E PU B LIC A
201
JOAN W. SCOTT'
202
HUBERTINE AUCLERT E A POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBLICA
203
masculino. O grito da guerra de.-Haber ilne
Auciert ora anunciava a intenção de comparti
lhar, ora de conquistar esse poder exclusivo. Em
qualquer dos casos, o resultado seria o mesmo:
despojar a cidadania de sua capacidade de
conferir ou de confirmar a masculinidade, pri
vando, assim, o Estado do papel de represen
tante do p a l
Se as mulheres, de fato, podiam, na políti
ca, fazer co m o os hom ens, de que form a
discernir, então, as diferenças entre os sexos?
C om o tornar aceitável o papel do Estado? A o
forçar seus contemporâneos a confrontar essas
perguntas, Hubertine revelava a relação sutil
entre diferença sexual e a política, o que aca
bou por ser não só a origem da hostilidade que
sofria e mas ainda a fonte da força crítica de
seu feminismo.
204
de. Amargamente, Hubertine ah amava essas
neófitas de oportunistas que, sempre “fingindo
ter inventado o movimento” , só endossavam a
luta pelo direito ao voto “depois de estudar,
101 C ita d o p o r H A U S E , demoradamente, a direção do vento ” . 101 Des
1987, p. 206. p re za v a -lh e s a tim id ez e ressen tia-se da
usurpação do que ela considerava seu lugar de
direito na História.
De certa forma ela tinha razão. O funeral
de Hubertine Auciert, em 1914, atraiu grande
número de feministas, que ouviram fervorosa
mente mais do que uma dúzia de orações fúne
bres. Sua morte foi manchete de primeira pági
na nos jornais da época; as reportagens elogia
vam-lhe o “ardor” e a “perseverança” , extraor
102HAUSE, 1987, p. 216- din ários . 102 Um obituário no La fem m e de
218. demain assegurava que Hubertine Auciert tinha
feito jus ao título de “mãe do voto das mulhe
res, no dia em que este se tornar realidade em
103 "Nécrologie, Mme. H u nosso país ” . 103 Mas, depois de conquistado o
be rtin e A u c iert". La direito ao voto, Hubertine raramente recebeu
Fem m e de Demain, mai
de suas sucessoras esse tipo de crédito, e, ain
1914, artigo encontrado
nos Fonds Auciert, Bibli-
da que tivesse mais uma vez atraído atenção
othéque Marguerite D u - sobre si e sua luta, na década de 1970, quando
rand. as feministas começaram a compilar histórias
do movimento, sua primeira biografia só foi es
crita, em 1987, por um homem, um historiador
americano, cujo relato faz justiça ao desejo de
Hubertine Auciert de ser lembrada por sua ex
clusividade nas lutas feministas da época em
que viveu e por ter sido erroneamente interpre
tada pelo pensamento retrógrado das correntes
moderadas e legalistas do movimento sufragista
francês que veio logo depois do seu. “Na socie
dade Suffrage des Femmes, tentamos forçar o
desenvolvimento de idéias feministas com o jar
din eiros que tentam inutilm ente fo rçar o
florescimento das plantas” , escreveu ela nas
notas pessoais que legou à posteridade, “ mas
[...] forçar não produz novas convicções. Ai, leva
tempo para que as flores desabrochem, assim
205
JOAN W. SCOTT
206
HUBERTINE AUCLERT EA POLÍTICA DA TERCEIRA REPÚBUCA
207
t") A.r\¡ V/ .qrOTT'
208
HUBERTINE AUCLERT E A POLÍTICA DA TEFL
210
O INDIVIDUALISMO RADICAL DE IÍADELEINE PELLETIER
211
3 Rara esta formulação, objetos, da reforma;'5 na verdade, seu feminis
RILE'/, 1988, p. 51. m o hauria forças das críticas (de direita oti de
esquerda) do racionalismo, da democracia de
massas, do reformismo parlamentarista. Era um
feminismo radicalmente individualista. A meta
de Madeleine Pelletier era resguardar não so os
direitos individuais de qualquer subordinação
a sexo, mas ainda os próprios indivíduos de
vmculação com categorías de identidade social
que coibissem sua aptidão para criar, deixan-
do-os, desta forma, livres para moldar o pró
prio destino. “O único dever da sociedade é não
interferir na atividade de ninguém; que cada
pessoa se oriente na vida a seu bel-prazer, com
4 "L e seul d e v o ir de la todos os riscos e perigos . ” 4
société est de n’entraver O feminismo de Madeleine Pelletier con
personne dans l’exercice
funde os argumentos daqueles que pretendem
d e son activité, q u e
chacun s’oriente dans la
que um preexistente e manifesto interesse grupai
vie comme il lui plaít et à sustenta as reivindicações das mulheres por di
ses risques et périls". P E reitos políticos e que a política das mulheres não
LLETIER, 1908, p. 41. é mais que um reflexo de sua experiencia cole
tiva. Para Madeleine Pelletier era exatamente o
contrário: o feminismo não era um m eio de
melhorar o status social da mulher, mas um meio
de dissolver completamente a categoria. Seu
exem plo endossa a tese de que tem havido his
5A fra se é de T a n ia toricamente feminismos “sem mulheres” .5 Para
Modleski, que não chega ela, o feminismo oferecia não apenas uma saí
a entender as várias ten
da para a passividade humilhante da vida da
tativas dos que ela critica
maioria das mulheres, mas também uma alter
por historicizar a catego
ria das "mulheres", visto nativa para a afirmação da sua identidade de
que, na verdade, histori- “mulher” . Somente de posse dos seus direitos
cizaram "gén ero", num políticos, a identidade da mulher podería se
esforço de retirar d a dife
transformar: “Ela será um individuo antes de
rença sexual seu caráter
essencial excessivo. V. ser um sexo . ” 6
M O D LESK I, 1991.
Madeleine Pelletier foi muito cedo e duran
6 "Elle sera um individu te a maior parte de sua vida adulta afiliada ao
avant d ’étre um sexe". PE- socialismo. Aderiu à então recentemente funda
LLETIER, 1906, p. 44. da Seção Francesa da Internacional Operária
(SFIO: Section Française de Y Internationale
212
O INDIVIDUALISMO -RADICAL DE MADELEINE PELLETIER
213
J O A Í i 7-T'7 S C O T T '
214
O INDIVIDUALISMO RADICAL D E MADELEÍNE PELLETIER
215
comprometer-lhe o funcionamento. O inconsci
ente aparecia na linguagem ou como linguagem,
diminuindo a possibilidade de uma expressão
pura e racional pelo individuo. Indofendente
m ente de com o os psicólogos e filósofos o avali
avam — quer como uma influência nociva a
controlar, não importando o custo, quer com o
um a força positiva para liberar o individuo — ,
todos concordavam que o inconsciente era um
fenóm eno de difícil apreensão.
N a opinião de Le Bon, o inconsciente era
perigoso. Para ele, “os fenôm enos sociais visí
veis parecem resultar de uma operação imen
sa e inconsciente, que de m odo geral ultrapas
sa o alcance de nossa análise [...] O papel que
o inconsciente desempenha em todos os nos
sos atos é imenso, e o da razão muito pequ e
no. O inconsciente atua com o uma força ain
12LE B O N , 1960, p. 6-7. d a d e s c o n h e c id a ” . 12 E, ainda, o im p a cto
destrutivo do inconsciente é com parável a “m i
cróbios que aceleram a decom posição de cor
13A analogia do microbio pos mortos ou enfraquecidos.” 13 O filósofo bel
é freqüentemente usada ga G eo rg es Dwelshauvers, discípulo de H.
por L e Bon. V. L E B O N ,
Bergson, não sentia tanta ansiedade em rela
1960, p. 18, 28, 126.
ção ao inconsciente, mas revelava a mesma
convicção expressa por Le Bon quanto à difi
culdade em apreendê-lo. G. Dwelshauvers des
crevia “ certos conjuntos de condições que d e
terminam atos conscientes sem serem neces
14 "Certains ensembles de sariamente conhecidos pela consciência . ” 14 O
conditions déterm inant próprio H. Bergson era arrebatado pelas notá
les acts de la conscience
veis possibilidades que o inconsciente apresen
sans étre nécéssairement
connus de c e lle -c i". tava para a reflexão sobre o funcionamento da
BERGSON, 1909, p. mente. Ele descrevia o inconsciente com o “tudo
807. S o b re B ergson v. aquilo que pode aparecer em estado conscien
D E LE U ZE , 1991, e JAY,
te depois que aquela lente de aumento [uma
1993.
analogia com o m icroscópio] chamada aten
ção intervém, contanto que o significado da
palavra atenção seja ampliado e passemos a
entendê-la com o uma atenção de tal form a
alargada e intensificada que ninguém a possui
216
O INDIVIDUALISMO RADICAL DE-M ADELEIN E PELLETíER
217
, ■JOAN W. 3COTT
218
O INDIVIDUALISMO RADICAL DE MADELEINE PELLETIER
219
JO.ATI W. 3COTT
220
O INDI vIDÜALlSMO RADICAL DE MAD e LEINE PuLLETlER
221
JUAN rj- : .• -
222
OÍNDÍ,,:- ja l : S M U R A D I C A L D E MADhLhíNE PELLETIER
223
iTici que u própriu siatus de u^nero como repre
sentação lingüística nunca foi posto em dúvida..
Ou, pelo menos, nunca foi posto em dúvi
da por aqueles que não eram afetados pela
equação estabelecida entre sexualidade fisioló
gica masculina, masculinidade e individualida
de. As mulheres, porém, a quem essa equação
afetava, percebiam que esse raciocínio exclusi
v o da construção da individualidade era uma
contradição e usayam a crítica individualista à
língua para fundamentar sua alegação. O fem i
nismo de Madeleine Pellelier pode ser entendi
do exatamente dessa forma: é uma tentativa de
tornar os preceitos do individualismo do início
do século XX coerentes com a própria filosofia
que a eles subjaz. Madeleine se referia à dife
rença sexual como um “sexo psicológico” , um
conjunto imaginado e socialmente imposto de
hábitos adquiridos que nada tinham a ver com
32PELLETIER, 1914, p.ll. a fisiología.32 Argumentava que a equação com
que seus contemporâneos identificavam a mu
lher pelo corpo, distinguindo-a pelo sexo fisioló
gico, contradizia a própria noção de individua
lidade com o transcendência de identificação
coletiva. Conclamava, por isto, as mulheres a
se tornarem indivíduos, rejeitando qualquer
identificação com o feminino. A medida, porém,
que procurava demonstrar a irrelevância do
corpo sexuado para definir o conceito de indi
víduo, Madeleine Pelletier se dava conta de que
não podia dispensar totalmente a significação
disponível na língua, ou seja, tratando-se de di
ferença sexual não havia linguagem neutra. Por
isso, a fim de dissociar-se do feminino, endos
sou o masculino, e continuou a orientar suas
atividades de acordo com os parâmetros signi
ficativos da “diferença sexual” fundada na na
tureza. Sua adesão ao individualismo radical,
assim, incorporou e revelou o m odo pelo qual o
conceito de indivíduo se apoiava na repressão
(mas não na resolução) da contradição nele re-
224
O INDIVIDUALISMO RADICAL DE MADELEINE PELLETIER
225
corpos físicos do homem e da mulher, tornando
a masculinidade possível para ambos os sexos.
Insistia para que as feministas se “virilizassem” ,
e vestissem suas filhas “en garçon” (com rou
pas de menino), “É necessário que elas sejam
36"II faut être des hommes homens socialmente7', escreveu ela .36 E claro que
s o c i a l e m e n t " . o fato de as mulheres se tornarem “ homens so
PELLETIER, "Mémoires",
cialmente” não resolveu todos os problemas le
p. 18.
vantados por suas diferenças.
Esse projeto de re-apresentar as mulheres
foi o foco do trabalho de Madeleine Pelletier já
rio inicio de sua vida estudantil. C om o jovem
estudante de Medicina, sob a tutela dos antro
pólogos-anatomistas Letournou e Léonce Man-
ouvrier, demonstrou que as tentativas de usar
sexo ou raça para explicar diferenças de tama
nho do cérebro, ou as tentativas de usar tama
nho do cérebro para medir diferenças raciais e
sexuais na inteligência eram basicamente en
ganadoras. Num estudo feito em esqueletos de
homens e mulheres japonesas publicado em
1900, Madeleine Pelletier fez medidas do tama
nho do crânio em relação à massa óssea, de
m odo especial à massa do fêmur. Ela descobriu
37"Une íoi mystérieuse; un que os esqueletos de mulheres tendiam a ter
arrangem ent particulier
capacidade craniana maior proporcionalmen
du tissu osseux qui aurait
avec le sexe des rapports
te a sua altura e peso, mas nem por isso dedu
aussi étranges q u ’incon- ziu que a mulher tinha inteligência superior. N a
nus [....] Si la femme a um verdade ela desprezava a idéia de “uma lei mis
cráne plus lourd que son teriosa, um arranjo especial de tecido ósseo re
fémur ce ríest pas en tant
lacionado a sexo, pois a idéia lhe parecia tão
que femme; mais en tant
q u ’étre plus gréle et dont estranha quanto desconhecida” ; seu argumen
le tissu m u sc u la ire et to, na verdade, era que estavam sendo exami
o sseu x est m o in s nadas diferenças de estatura física, não de sexo.
développé que celui de
“Se o crânio da mulher é mais pesado do que
l’h o m m e". V. “R e ch er
ches su r les in d ic es
seu fêmur, não é porque ela seja mulher, mas
p o n d é rau x du cráne et porque ela é um ser de menor envergadura,
des principaux os longs cujos ossos e tecidos musculares são menos
d ’une série de squelettes desenvolvidos do que os do hom em ” .37 N a ver
ja p o n ais” , P E L L E T IE R ,
dade, continuava ela, as diferenças entre esque
1900, p. 519.
letos pequenos e grandes eram mais significati-
O IN D E d L U A L E ECO RAL'Iüi-iu LE O Í A D E L E IN E PELLETIER •
227
40 PELLETIER, 1914, p. iletler dava ênfase à importando da psicologia.40
64, s 1908, p. 41. “A brecha profunda que separa psi eclógicamen
te os sexos é acima de tudo ■-ara da socieda
41 "Le fossé p ro fo n d qui d e . ” 41 E procurou eliminar es: a distorção, apa
se p a re p s y c h o lo g iq u e - gando a diferença feminina no comportamento
ment les sexes est avant e na subjetividade das mulheres. Já que a fem i
tout 1’ o e u v r e de la
nilidade consistia apenas em sua representação,
so c ié té". P E L L E T I E R ,
1923, p. 9.
e já que as mulheres perpetuavam sua subser
viência quando aceitavam normas reguladoras
e explorava: -; em proveito próprio sua diferen
ça feminina, r meta das feministas deveria ser
evitar qualquer comportamento tipicamente fe
minino. “A observação de criancinhas brincan
do mostra que nos primeiros anos de vida os
dois sexos têm a mesma mentalidade; é a mãe
que começa a criar o sexo psicológico, e o sexo
42 "Lobservation des petits psicológico feminino é inferior. ” 42 Usar vestidos
enfants dans leurs jeux, longos e chapéus adornados com flores e pas
montre q u ’au début de la
sarinhos, adotar um m odo de caminhar reque
vie, la m entalité est la
mêm e dans 1’un et 1’autre brado, comportar-se de m odo insinuante ou
sexe; c ’est la m ère qui exageradamente m o d e s t o , mostrar uma exces
commence à creer le sexe siva delicadeza na linguagem ou nos sentimen
psychoiogique et le sexe
tos, recusar-se a sair à noite por “não ser apro
p s y c h o lo g iq u e fém inin
est in fé rie u r".
priado” , agüentar a sede para não entrar num
PELLETIER, 1914, p . l l . ambiente inadequado — “todos esses com por
tam entos aparentem ente inócuos ( ‘tous ces
m e n u s usages’) formam, no seu conjunto, as
^P E LLE T IE R , 1906, p.44, diferenças psicológicas dos sexos . ” 43
e 1908, p. 32. Para um a A principal tarefa do feminismo, segundo
discussão recente sobre
Madeleine Pelletier, era analisar esse com porta
estas questões, v. também
B U T LE R , 1993, p. 1-2. mento e providenciar uma alternativa para ele.
A semelhança do psicanalista, a feminista deve
analisar racionalmente os atos inconscientes
(atos tão rotineiros que escapam da esfera da
reflexão consciente) e forjar uma nova subjeti
vidade para as mulheres, livre da marca da fe
minilidade. Aqui Pelletier tomou uma posição
firmemente racional. C om o em qualquer tipo de
movimento, pensava ela, as pessoas instruídas
(as que escaparam das categorias de identida
de na qual nasceram) devem liderar as massas.
228
O INDMDÜALL MC' r a d i c a r s e i a l d e l e i n e -p e l l e t i e r
229
JUAN SUOTT
230
O INDIVIDUALISMO RADICAL DE MADELEINE PELLETIER
231
Va O pO ü2:' ajaS líiBS iâlLSVã. ic B ç ¿3 ITiSSiiiCS ÍTS-
j es quando usados pelas mulhe *bs socialistas so
lapavam seu discurso público no que respeitava
àquele poder que seus argumentos procuravam
reivindicar. O poder do homem, em contraste,
vinha do fato de manterem coberta a única par
te de seu corpo que importava — o pênis.
As roupas masculinas tornavam os h o
mens desejáveis. Era somente por meio da su
gestão que podia ser mantida a identificação
fantasiosa entre a masculinidade (o pênis) e o
poder fálico. “O falo” , escreveu Jacques Lacan,
“só pode desempenhar seu papel se estiver v e
51 L A C A N , 1982, p. 82. lado ” .51 E sugere, ainda, que o privilégio mas
culino se baseia na fantasia (uma noção errô
nea, portanto) de que o pênis anatômico é o
falo simbólico e que os homens, conseqüente-
mente, são indivíduos poderosos e autônomos.
N a verdade, continua J. Lacan, os homens ab
dicaram da autonomia ao subordinar-se à lei
(a Lei do Pai, imposta pela ameaça da castra
ção). Estão ligados, com o irmãos, pela aceita
ção da lei, com cujo poder, imaginariamente,
se julgam identificados. A identidade masculi
na é alcançada positivamente pela cidadania
masculina (participar politicamente era confir
mar a posse de um falo) e negativamente pela
exclusão das mulheres, definidas com o o Ou
tro, porque, nelas, a ausência do pênis é equi
vocadamente entendida com o ausência do falo.
A identidade masculina, porém, é sempre ins
tável, pois deve manter a ilusão de que os ho
mens têm o falo (o poder simbólico que a sim
52 L A C A N , 1982, p.84. V. ples posse do pênis não pode assegurar), ao
ta m b é m CORNELL, mesmo tempo em que tentam encobrir sua au
1 9 91 , e s p e c ia lm e n te
sência. “ Parecer” , segundo Lacan, “acaba subs
p.53; Elizabeth G R O S Z ,
1 9 90 ; "R e a d in d the
tituindo o der’ , a fim de proteger o falo, por um
Phailus", GALLO P, 1985, lado, e mascarar sua ausência, por outro” .52
p. 133-156; e a Introdu Dentro dessa ambigüidade que envolve
ção a MITCHEIJL e ROSE, “parecer” e “ter” , Madeleine Pelletier localizou
1982.
não somente a fonte do poder masculino, mas
232
O INDIVIDUALISMO RADICAL DE MADELEINE PELLETIER
53 ^ E L L E D E R 1914 ~
também a oportu nidade^.?. que as mulheres
10; 1908, p. 31; e "M é-
o reivindicassem para si. h, o;rnbolicameníe, po
moires", p. 9, 35, 38. V.,
tam b é m , B E N S T O C K , deríam fazê-lo quando vestissem roupas mas
1986, p. 48; e R O BERTS, culinas. Re-vestir deste m odo o corpo feminino
1993, p. 657-84. significava marcar sua autonomia e sua i n d i v i
dualidade (não havia estilo neutro, destituído
54"Ce sont les porteurs de
de gênero). O processo deveria começar o rne is
cheveux courts e de faux cedo possível. As meninas, conforme MadekL c
cois qui ont toutes les Pelletier insistia ju n to às mães, deveríam mor
lib ertes, tou s les cabelo curto e roupas de meninos. As íerninis-
pouvoirs, eh bien! Je por
tas, por sua vez, deveríam abandonar, ,n o seu
te m o i au ssi c h e v e u x
courts et faux cois à la face m odo de vestir, tudo o que significasse feminili
des sots el d e s méchants, dade. A própria Madeleine usava cabelo à es
bravant les injustices du covinha, colarinho engomado, gravata e casa
voyou de la rué, et de la
co masculinos muito tempo antes do final da
femme esclave en tablier
Primeira Grande Guerra, quando esse m odo de
de cuisine". PELLETIER,
1912a, citado por B A R D vestir virou moda. 53 (Também usava calças em
em "L a virilisation des certas ocasiões, embora fosse um traje proibi
fem m es et l’égalité des do para mulheres, no início do século XX, em
sexes", 1992, p. 92. A
Paris.) Travestir-se significava para ela uma
equação entre a igualda
de e os trajes masculinos transgressão das normas dominantes na épo
já tinha sido o bservada ca, uma forma de afirmar sua individualidade
por L a u r e -P a u l FLO- perante a multidão que a desaprovava às cla
BERT, 1911, p. 3: As cal
ras: “Aqueles que usam colarinhos postiços e
ças "representavam a au
cabelo curto gozam de toda a liberdade, de todo
toridade; eram o privile
gio dos homens, isto é, o poder. Pois bem! Eu também uso cabelos cur
do mestre". A questão das tos e colarinhos postiços perante os tolos e os
rou pas p re o c u p a v a s o m iseráveis, en fren ta n d o os insultos dos
b re m a n e ira M a d e le in e
desordeiros nas ruas e os da mulher-escrava que
Pelletier. Q u an d o ela se
referia à pressão imposta
usa avental” .54 Usar roupas masculinas era um
pela sociedade às pesso aspecto fundamental de sua política feminista.
as a fim de que se confor “Gosto de exteriorizar minhas idéias, de carregá-
m assem com os m odos las sobre mim com o a freira seu crucifixo, ou
de trajar, citava um exem
como a revolucionária sua rosa vermelha. Uso
plo: "A menor originalida
de de cor e de formas em esses sinais exteriores de liberdade, a fim de que
nossas roupas, a m o d a digam e proclamem que desejo a liberdade” .55
d e n o s so s p e n t e a d o s , Em 1919, escreveu: “Minhas roupas proclamam
n o s so s gesto s, n o s so s
aos homens que sou igual a eles” .56
m odos de ser em geral,
tudo faz com que a socie
Madeleine Pelletier se deliciava quando
dade se ponha em guar conseguia “passar” por homem, embora isto,
da. O que é o mês de pri- eventualmente, a pusesse em perigo. Num en-
233
JOAN W. SCOTT-
234
O IN D IV ID U A LIS M O R A D IC A L DE M AD E LE IN E PE LLE TIE R
235
:T;£ tenta, da mesma forma que nác me tenta a
67 Carta ds M adeleine Pel viagem para Cítara.” 67 Embora os relatórios
letier a Arria Ly, datada de policiais se referissem a Madeleine Pelletier como
2 de novem bro de 1911,
lésbica, ela não freqüentava os círculos que tor
citada por S O W E R W IN E ,
1987, p. 25.
naram Paris “a capital de Lesbos” no inicio do
século X X .68 Por outro lado, ela insistía que era
68 Os relatórios d a polícia celibatária. Embora ela às vezes defendesse a
de 1916 estão citados por
idéia de que celibato não era sinônimo de cas
G O R D O N , 1990, p. 122.
Sobre Paris com o sendo tidade, em seu próprio caso ela era bem clara:
"a capital de Lesbos", v. “Eu não quis educar meu senso genital” , escre
B E N S T O C K , 1986. veu ela a Ly, em 1908, “minha escolha é conse
quência da situação injusta das mulheres.” 69
69 "Je ríai pas voulu taire Vinte e cinco anos mais tarde, quando passou
l’éducation de m on sens a existir maior liberdade para a expressão se
genital; un tel choix n’est
xual das mulheres, Madeleine Pelletier ficou ainda
que la conséquence de la
situation injuste faite à la
mais veemente: “Certamente considero que uma
fe m m e ". C it a d o por mulher é livre em seu corpo, mas essas ativida
LOUIS, 1992, p. 117. des do baixo-ventre me causam profunda re
pugnância” .70 Se ela tivesse encontrado algo
70"Certes, je considére que com o a chocante declaração de M onique Wittig
la femme est libre de son
de que as lésbicas não são mulheres, talvez as
corps, mais ces affaires de
bas ventre me dégoutent
sumisse uma posição diferente em relação à
p r o fo n d é m e n t: m oi, questão da identidade das lésbicas.71 Nas cir
aussi, je suis vierge". Ci cunstâncias da época, início do século XX, de-
tado por LO UIS, 1992, p. clarar-se lésbica significava, para M adeleine
113.
Pelletier, ou um exagero da própria feminilida
de (no estilo classe-alta de Natalie Barney e de
Sidonie G. Colette) ou uma ênfase à própria
71W IT T IG , 1981, p. 53.
sexualidade, se bem que de forma “ invertida”
(com o Radclyffe Hall, Romaine Brooks e a Mar
quesa de B ebbey ) . 72 Contudo, para Madeleine
72V. B E N S T O C K , 1986. Pelletier, exatamente o que aviltava a feminili
dade era laborar para que as mulheres se tor
nassem reles objetos de desejo sexual, nenhu
ma dessas opções era, portanto, aceitável.
Além disso, ela parecia partilhar do ponto
de vista predominante em seu tempo, segundo
o qual a homossexualidade era uma anomalia
(que, no entanto, deveria ser tolerada); a cura,
julgava ela, dependia de uma sociedade mais
justa. As lésbicas, escreveu ela num romance
236
utópico, U n e vía n o u v e íle (j ?32), eram normal
mente mulheres solteiras que não conseguiam
achar um companheiro certo ou mulheres ca
sadas tão oprimidas por seus maridos, ; por
carência, procuravam carinho ern outras mu
lheres. Assim que as mulheres obtivessem “1a
liberté sexuelle” — isto é, igualdade total com
os homens ~—, o fenômeno do “saíismrE desa
73 PE LLE TIE R , 1932, p. parecería gradualmente.73 Por outro ladee -aso
206. Para seas pontos de os homens e as mulheres chegassem a se iden
vista sobre a hom ossexu
alidade, v. O C T O N , 1934.
tificar muito próximamente nas roupas, no modo
Para a historia das atitu de agir e na subjetividade podería ocorrer o
des da sciedade em rela desaparecimento da distinção entre heterosse-
ção ao homossexualismo xualidade e homossexualidade. Se o indivíduo
nesta época, v. CO PLE Y,
deixasse de ver a família como “célula social”,74
1989.
se as pessoas não se diferençassem mais pelo
“sexo psicológico55, se as mulheres se tornassem
74 PELLETIER, 1926, p. “virilizadas55, os homens mais viris, não acaba
20- 22 .
riam, então, todas as relações sexuais por ser
de fato relações homossexuais? E provável que
Madeleine Pelletier tivesse em mente uma no
ção mais complexa de desejo sexual, e que con
siderasse a diferença dos sexos necessária, mas
de uma maneira mais flexível do que as permi
tidas pelas rígidas categorias de diferenciação
sexual da época. Mesmo assim, ao associar a
realização da igualdade político-social à elimi
nação de toda diferenciação sexual, Madeleine
Pelletier revelava a ligação entre heterossexuali-
dade e desigualdade dentro dos termos d o indi
vidualismo que ela reivindicava.
Madeleine Pelletier, porém, não projetava
por um futuro homossexual utópico, nem opta
va por algo semelhante, embora em seu roman
ce Une ule nouuelle imaginasse um tempo em
que os homossexuais “teriam os direitos da ci
dadania” . Os líderes do futuro, segundo o ro
mance, entendiam que a homossexualidade não
era “normal” mas “ consideravam arbitrário e
arcaico submeter carícias a regulamentações,
designar o que era permitido e o que era proibi-
JOAN W SCU Í í
238
I: IDMDUALISMO r a d ic a l d e m a d e l e in e p e l l e t ie r
23 9
"L-smánt qui est né asi Quanto ao feto, a idéia de que ele tinha
u n individu, mais le íostus
direitos era absurda, pois, por ser parte do cor
au sein de l’utérus ríen est
pas un; ii fait partie du
po da mãe, não tem existência autônoma: A
corps de la mère". P E L criança, depois de nascer, é um indivíduo, mas
LETIER, 1978, p. 137. o feto no útero não é; é parte do corpo da mu-
lher [ . . . . ] 53 A mulher grávida não são duas pes
soas, mas uma, e ela tem o direito de cortar o
cabelo e as unhas, de emagrecer ou engordar.
O direito que temos sobre nossos corpos é ab
84 P E L L E T IE R , 1926, p. soluto .84
57. Entretanto, se o direito absoluto sobre seu
corpo era uma garantia da individualidade da
mulher, era também um obstáculo para que ela
fosse inteiramente aceita nas fileiras (masculi
nas) do indivíduo abstrato, já que o corpo em
questão tinha que ser visto e protegido com
toda sua diferença feminina. A fim de evitar
esta contradição, Madeleine Pelletier procurou
uma form a de superar completamente o sexo.
Embora ela se referisse aos impulsos sexuais
com tolerância e imaginasse uma época em
que o prazer viria a ser a única m otivação de
parceiros compatíveis, ela também esperava o
dia em que a evolução humana progredisse de
tal form a que fosse superada sua herança ani
mal. A função sexual “é uma função fisiológi
ca, com o a alimentação ou a circulação” , e
deveria ocupar a mesma posição na escala de
valores humanos — necessária, mas não da
mais alta ordem. “A sexualidade é uma função
85 "L a sexualité est une natural, mas não é uma função nobre ” . 85 S e
fonction naturelle, mais ce gundo ela, Freud dava ênfase exagerada ao
n’est p as u n e fonction
poder exercido pelos impulsos sexuais na d e
n o b le ". P E L L E T IE R ,
1923, p. 13. V sua con
terminação do comportamento (com o a m aio
tribuição p a ra O C T O N , ria dos psiquiatras franceses, ela fazia forte
1934, p. 70: o sexo "é a objeção às teorias de Freud sobre a sexualida
expressão de um a neces de infantil). De muito maior importância era a
sidade [...] com o a neces
capacidade intelectual humana, que , uma vez
sidade de comer e de res
pirar". devidam ente desenvolvida e usada, vinha a ser
a verdadeira fonte da felicidade: “A gam a de
prazeres animais ultrapassa-se rapidam ente
O'INDMúUAOSMO RADICAL DE MADELEINE PELLETIER
86 "L a 'cqm m s cíes joles [ E j Mas a vida da mente e Infinitar, xcvp mais
animales es-t vite parcou-
variada.” 86 Quando Madeleine Peí i .[lee suge
rue [...] M ais la vie de
Fintellectuel est infiniment
riu que a “familia cerebral” deveM substituir
plus variée". PELLETIER, a “familia sexual” , apelou parí a segui ere ilus
1919, p. 104. tração para exemplificar seu impacto s<Mee as
m u lh eres: “A o in vés de ser ■ m a ¡ornea
em poleirada sobre sua ninhada " o urna ga-
linha-choca, a mulher será um pensante,
artífice independente de sua pace a íeiíada-
87"Au lieu d ’étre la femeile de.” 87 O contraste fica entre o annoal e o hu
penchée sur sa couvée, mano, entre o sexual e o cerebral, entre a rnãe
com m e une mére poule,
e a artífice, entre um ser a serviço de sea ■ o
la fem m e sera un etre
pensant, artisan indépen- po e um ser cuja mente molda seu destino.
dan t de son bo n h eu r". Esta ojeriza pela materialidade, pelo cor
PELLETIER, 1935, p. 72. po, levou Madeleine Pelletier a sugerir a possi
bilidade de eliminar completamente o sexo, ofe
recendo com freqüencia o celibato com o al
ternativa, garantindo às mães feministas que
se tratava de uma escolha perfeitamente apro
priada para suas filhas. “ Os médicos que es
creveram sobre os perigos da castidade têm
concentrado sua atenção apenas nos homens;
as mulheres não têm os impulsos sexuais tão
imperiosos quanto os homens” . O único obs
táculo a urna vida casta era a solidão, mas isso
poderia ser evitado, se as jovens convivessem
88 P E L L E T IE R , 1914, p. com várias outras.88 N o romance autobiográ
114. V. ta m b é m fico de M adeleine Pelletier, Lafem m e uierge, a
PELLETIER, 1923, p. 10.
heroína foge dos envolvimentos sexuais e vive,
por isso, uma vida verdadeiramente indepen
dente. Quando observa que certos romances
nela provocam sensações libidinosas, pára de
lê-los. De tempos em tempos, tem “um sonho
89 P E L L E T IE R , 1933, p. erótico” .89 Sua saúde, entretanto, nunca se
16.
abala por isto.
241
liberar-se sem renunciar ao amor, que não mais
será algo baixo A mulher vai viver sua vida
90 "C e rte s , elle r íé t a it pas
sexual sem se sentir aviltada,90
sans sexe; .elle au ssi
é p r o u v a it d es désirs, m a is A inteligência superior de Marie vai per
e lle a v a it d ú les r e fo u le r
mitir que eia sublime seus Impulsos sexuais sem
p o u r ê tre lib re, e lle n e le
r e g r e t t a it p a s [ . . . ] E lle ,
ressentimentos. À repressão estabelece sua su
M a r ie , a v a it r e m p la c é perioridade em relação aos outros ( “quão pou
1’ a m o u r par la v iecos, porém, o conseguem ” )- “N o futuro,” as
c é ré b ra le , m a is c o m b ie n coisas podem ser diferentes, mas ele parece ser
p e u s o n t c a p a b le s d e le
adiado indefinidamente. O cam inho para o
faire. P lu s ta rd la fe m m e
p o u r r a s ’ a ffr a n c h ir san s
admirável mundo novo passa pela afirmação
re n o n c e r à l’ a m ou r. II ne da individualidade, pelo triunfo da mente sobre
s e r a p lu s p o u r e lle u n e o corpo, da razão sobre o desejo, do masculino
c h o s e v ile [...] L a fe m m e
sobre o feminino. É um caminho que se abre
p ou rra , sans ê tre
para as mulheres de inteligência superior que
d im in u é e , v i v r e s a v i e
s e x u e lie " . P E L L E T Í E R , escolhem percorrê-lo e cuja escolha dá início a
1 9 3 3 , p. 2 4 1 . um lento, mas inevitável processo de mudança.
Em Une vie nouvelle, uma tentativa de fic
ção utópica, M adeleine Pelletier levou suas
idéias sobre o tema aos limites da lógica. O
herói, Charles Ratier, que no início do romance
é um jovem sensual, com muitas amantes, al
cança o ponto culminante de sua carreira ao
abandonar o sexo para se dedicar ao estudo da
ciência. Aprende, então, a regenerar órgãos
humanos e, assim, a vencer a morte. O resulta
do de suas descobertas, ao mesmo tempo, re
duz ainda mais a necessidade da reprodução.
O progresso da ciência, aliado a uma tendên
cia geral de queda no crescimento da popula
ção, promete um futuro no qual o individualis
m o se torna uma possibilidade cada vez mais
real. “O declínio populacional” , Madeleine Pel
91 " L a d é p o p u la t io n , lo in
letier escrevera anteriormente, “longe de ser um
d ’ é t r e u m m a l, e s t u m mal, é um bem essencial, pois é o corolário da
b ie n e ss e n tie l, c o r o lla ir e evolução geral dos seres; é a expressão da vitó
d e 1’ é v o lu t io n g é n é r a le
ria do indivíduo sobre a espécie . ” 91 Contudo,
des ê tre s , elle est
uma vitória ainda maior é vaticinada, quando
l’ e x p re s s io n d e la v ic to ire
d e l’ in d iv id u sur T e s p è c e". astronautas descobrem na lua um tipo de co
P E L L E T ÍE R , 1 9 2 6 , p . 6 0. lonização — presumivelmente, uma amostra
242
u INDIVIDUALISM; RADICAL DE MADELEINE PELLETÍER '
243
JOAN W. SCOTT
244
O IN DM DÜALISM O RAD ICAL D E M A LELEILIE P E L LE T IE R
245
99 "La nuit les. oandes e gritando propostas obscenas/5 ^ (Aqui a ex
■d’hornryies ivres parcou-
posição do órgão masculino significava a. au
ra ie n i íes rúes em
sência tío falo — uma ocorrência sociopolítica
exhibant leurs organes et
en h arlant des p ro p o s — e, c o n s e q u e n t e m e n t e , a-falencia da posse do
obscènes". PE L LE T IE R , poder a ele vinculado.) Até. que um ditador b e
1932, p. 37. nevolente restaurasse a ordem e impusesse a lei,
a defesa das mulheres, acrescenta Madeleine
Pelletier, foi vestir roupas masculinas, eclipsar
sua identidade sexual, a fim de que não aca
bassem presas de estupradores. A nova moda,
que pegou, permitiu que elas, à semelhança dos
homens, se identificassem por m eio do falo, en
quanto um Pai não surgisse para declarar sua
Lei. Quando, porém, um ditador assumiu e or
ganizou a reconstrução da sociedade, tca políti
ca no sentido estrito da palavra” desapareceu.
(E o sexo voltou para a esfera própria. A
animalidade e as outras funções corporais eram
mais apropriadas no âmbito privado, julgava
100 P ELLE T IER , 1932, p. Madeleine Pelletier. ) 100 As pessoas, felizes de tal
201 . m odo com a vida, aceitavam sem questionar
ser governadas por uma minoria; não tinham
desejo algum de entrar em competição com o
Pai: “As massas se desinteressam pelos negóci
101 "La masse se désinte- os públicos . ” 101 Só a elite votava, e seu poder
ressait des affaires publi era legitimado pela inteligência. O falo estava,
ques". PELLETIER, 1932,
então, na posse de poucos, de ambos os sexos.
p. 178.
Virilidade equivalia a qualidades elevadas da
mente, não a posse de um pênis.
Cética em relação à democracia das mas
sas, Madeleine Pelletier, no entanto, fazia cam
panhas para que as mulheres conseguissem o
status de cidadãs. Tinha plena consciência dos
limites de sua posição: a mulher, a fim de con
quistar a condição de indivíduo — a “única re
alidade” respeitada — , tinha de ser reconheci
da politicamente com o mulher. Historicamen
te, a cidadania era vista com o o reconhecimen
to dos direitos de indivíduos pré-existentes.
Madeleine Pelletier revertia essa relação de cau
salidade, revelando a maneira pela qual a cida-
246
D INDMDUAUSMO RADICAL Dh MADELhINE PELLETIER
247
aos historicamente distintos (e incoerentes) de
indivíduo, num mesmo momento histórico. Essa
tensão era às vezes aliviada e às vezes intensifi
cada pelo fato de que, tanto o cidadão univer
sal do século XVIII, quanto o intelectual, do sé-
■.Vo XX, na sua condição de indivíduos, eram
. imbolicamente identificados masculinos.
Foi talvez essa tensão que fez com que
Madeleine Pelletier acabasse exagerando em .sua
auto-representação masculina, pois ela queria
afirmar tanto seu direito à cidadania, quanto sua
superioridade intelectual em relação à multidão
ou a qualquer grupo (quer de mulheres, de femi
nistas, de socialistas, de operários, quer de mili
tantes de partidos políticos) — um esforço para
doxal e duplamente masculino! Sua aparência e
seu comportamento faziam com que ela desto
asse em qualquer organização de que fizesse
parte. Os anarquistas e os socialistas, tentando
fazê-la ver que seu corpo era o fundamento
ontológico de sua identidade, insistiam em que
ela deixasse crescer o cabelo e passasse a usar
saia. Um de seus mentores socialistas, Gustave
H ervé, apresentava-lhe Louise Michel com o
modelo, alegando que esta havia chegado à lide
rança do partido sem desistir de sua feminilida
de. Por que razão não podia ela fazer o mes-
103 P E LLE T IER , "M ém oi- m o ? 103 Madeleine Pelletier, embora se referisse
res"’ P- 4 3 - ao assunto com desdém, não deixava de se
comprazer com a impressão de singularidade que
criava. N ão parecia mulher, nem homem; não
era feminina bastante como as colegas feminis
tas, não era máscula por completo com o seus
camaradas socialistas: era uma anomalia. Era
singular, mesmo entre os de vanguarda, e essa
singularidade equivalia a um sentimento de su
perioridade, pois é fácil perceber as repetidas ten
tativas de impor sua individualidade ao longo de
todo o itinerário político que percorreu.
Madeleine Pelletier foi mais ativa politica
mente nos anos que antecederam a Primeira
248
O ÍNDMDUALISM0 RAD ICAL D E M A D F T FTNF PELLET7EP
249
JOAN W. 5COTT
250
O INDIVIDUALISMO RADICAL DE MADELEINE PELLETIER
251
JOAN W. SCOTT
252
O H 4 D M D U A L IS M O RADICAL DE M AD E LE IN E PE:__ - ' :T;
110PE LLE TTBR; nM a candi tudo sobre o evolução dos muihereo i>:urno à
da ture à la députation",
independência [...] [e se apresentou] corn j urn
1910, citad o por
C O R D O N , 1990, p. 126.
exemplo dessa evolução ” . 110 Em 1922, na qua
lidade de membro do Partido Comunista, en
quanto reconhecia a necessidade de uma or
111 M A IG N ÍN , 1992, p.
ganização para as operárias e outra para a;
164 .
cam ponesas dentro d o partido, ao mesniu
tem po (agora, na qualidade de feminista), in
112Sobre a historia do ne-
sistia que intelectuais evoluídas, com o era u
omaitusianismo na Fran seu caso, não deveriam ser distinguidas dos
ça, v. R O N S IN , 1980; hom ens.111
M cLAREN, 1978, p. 461- embora Madeleine Pelletier tivesse perma
85. S obre o movimento
necido na SFIO até 1920, quando a organiza
pró-natalidade d o inicio
do sé c u lo XX, v. ção se dividiu, ela trabalhou intensamente tam
ROBERTS, 1994, p. 93- bém para que o movimento neomaltusiano pro
147; e COLE, 1996. gredisse. Ela escreveu Uémancipation sexuelle
desfemmes, em 1911, republicou, em forma de
panfleto, o capítulo sobre o direito ao aborto,
113 M cL a r e n , 1976, p .
4 7 5 -4 9 2 ; ARMEN-
em 1913 e incluiu o mesmo capítulo em La
G A U D , 1966; G A Ñ I, rationalisation sexuelle, publicado em 1935.
1979, p. 1023-43-, SAU- Além disso, ela dava palestras regulares sobre a
VY, 1966. A este respeito, questão do controle da natalidade, debatendo
Madeleine Pelletier fez o
seu mérito em fóruns públicos, em especial nos
s e g u in te c o m e n tá rio :
"S e m p re m e pergu ntei do Club du Faubourg nos anos trinta. E possível
por que o P S U [Partí S o- que tenha praticado abortos, pois tinha forma
cialiste Unifié] se mostrou ção m édica . 112
hostil à p ro p agan d a
Sua defesa do controle populacional pelo
n e o m a ltu sia n ista . [...]
Paul Robin, na verdade,
aborto e pelos contraceptivos se baseava na con
transformou o neomaltu- vicção de que o indivíduo era responsável por
sianismo num verdadei sua condição econômica e social, uma convic
ro sistema social [...] D e ção que se opunha à maioria das análises soci
certo m odo, ele foi um
alistas da estrutura do capitalismo. 113 (Se H ervé
reform ador que queria ,
em primeiro lugar, melho era uma exceção, graças ao seu a p o io ao
rar a situação do operari neomaltusianismo, essa parece ter sido uma das
a d o p e la lim itação d a razões para Madeleine Pelletier aderir à facção
p ro cu ra do trabalho, o
do socialismo que ele liderava.) Essa causa pre
que ocorrería se houves
se um a sábia limitação da
enchia, ao mesmo tempo, as concepções do in
fertilidade do operariado dividualismo dos sécs. XVIII e XIX, pois fazia
[...] assim entendido, o do controle sobre o corpo a expressão literal (e
neomaltusianismo foi, de a precondição) da posse irrestrita do eu. Foi uma
certo m odo, um partido
causa que também mudou a ênfase do indivi-
253
5-'2parado do socia i V •no dualismo, pois tornou o Estado e suas leis, e não
O controle da natali
a massa ou as convenções sociais, o alvo da
dade voluntário, porém,
oposição necessária para a existência do indi
não é necessariamente li
gado à teoria social. De víduo.
qualquer forma que v e Essa concepção de M adeleine Pelletier
jamos o futuro da socie chamou a atenção também para o corpo da mu
dade, não resta a menor
lher em relação à conturbada busca por uma
dúvida de que, no pre
sente, é mais fácil para identidade independente de sexo que qualquer
uma família de operários mulher quisesse empreendeu H avia um para
alimentar dois filhos do doxo nesse compromisso político — tão concre
que alimentar seis". Cita
tamente centrado no corpo feminino— assumi
do por C O RD O N , 1990,
p. 137.
do por Madeleine Pelletier: insistir que a mente,
e não o corpo, era a chave da individualidade;
que a diferença sexual era uma questão de há
bitos psicológicos adquiridos; que as atividades
do “baixo-ventre” eram dipensáveis, porque
decididamente inferiores às elevadas atividades
da mente, mas, ao mesmo tempo, envolver-se
em campanhas que chamavam a atenção para
os corpos das mulheres (uma referência física
in d iscu tivelm e n te m arcad a p e lo s e x o ),
teorizando sobre a autonomia que elas deveri-
am ter quanto a usarem-nos com o bem enten
dessem. O trabalho de Madeleine Pelletier em
fa v o r d o d ire ito a o a b o rto r e v e la v a m a
interdependência da oposição mente/corpo que
ela tão tenazmente sustentava: o eu autônomo
não era apenas uma conquista cognitiva, mas
114 C O R N E L L , 1991, p. uma entidade material, um corpo integral. 114
9,13. A questão da diferença sexual, no que
respeitava ao corpo da mulher, se revelava
crucial: o aborto transcendia os limites da
maternidade impostos à mulher, ao mesmo tem
po em que chamava atenção para o seu cor
po, cuja influência era para ser negada. As leis
que proibiam o aborto estavam nos livros des
de 1810. O Art. 317, do C ódigo Penal punia
tanto quem fazia o aborto quanto quem assu
mia o procedimento. Em julho de 1920, após a
d e va sta çã o causada pela P rim eira G u erra
Mundial, acompanhando a onda de agitação
254
O INDIVIDUALISMO RADICAL L-E LMDl LEINE PELLETIER
255
nhecimenio científlcc' (ahcurnacaC- médica 3 3
prática) a serviço daqueCs que não podiam se
ajudar (Incapazes até de controlar seus corpos).
Num a peça teatral, “In anima vili, ou un crime
scientifique” (1920), Madeleine Pelletier põe na
boca de uma de suas personagens, um cientis
ta, as seguintes palavras: “A lei, a moral são para
hom ens e circunstâncias ordinárias [...] nós
somos homens extraordinários [...] coloquem o-
117Citado por G O R D O N , nos à altura em que nòs devem os situar. ” 117
1990, p. 48. Corno médica, ao libertar os corpos das mulhe
res do aspecto mais opressivo da lei, Madeleine
Pelletier transcendia a própria lei; e, deste fato,
na verdade, resultou nada menos que a repre
sentação literária de sua própria individualida
de. Por um paradoxo, entretanto, ela se fez re
presentar por um indivíduo eminentemente mas
culino, ou seja, o médico-cientista-intelectual,
por ela definido com o hierarquicamente opos
to não apenas ao seu objeto de trabalho, o cor
po reprodutor da mulher, mas também à auto
ridade externa e ilegítima do Estado. A o mes
mo tempo, ao devolver a integridade física ao
eu da mulher, que de outra forma a teria perdi
do, a própria Madeleine Pelletier ficou no lugar
da lei, o que teve várias implicações. Ela reco
nhecia a força da lei para criar indivíduos (ou
se negar a fazê-lo), mas ao mesmo tem po argu
mentava que a liberdade absoluta dos indivídu
os — cidadãos ou não— existia independente
mente de regulamentações estatais.
O fim da vida de Madeleine Pelletier ilus
tra de forma contundente o poder definidor da
lei e os limites que esta impõe para impedir que
o indivíduo controle sua auto-representação. Em
1933, ela fo i perm an en tem en te v ig ia d a e
investigada pela posição profissional que ado
tava em favor do aborto. Suas palavras e ações
a tornaram uma adversária poderosa aos olhos
dos que se opunham àquela prática, e, freqüen-
temente denunciada, tornou-se um exem plo da
256
arneaÇci i a mi ñisca para o futuro da civilização
francesa. Em 1935, o Club du Faubourg foi pro
cessado por p rom over pornografia, porque
Madeleine Pelletier fez ali palestras sobre vários
tópicos constantes de seu livro La rationalísation
sexuelle, uma das quais sobre “E a noite de
núpcias estupro legal?” e uma outra sobre “A
118 G O R D O N , 19 90 , p. redução populacional e a civilização” . 118 Mo
219. último ano de vida foi presa e condenada por
supervisionar abortos. (E que não podia ela pró
pria fazer as cirurgias, porque, dois anos antes,
um derrame a deixara hemiplégica.) Seu esta
do de saúde levou, então, o juiz a determinar
que cumprisse pena num hospital, em vez de
numa prisão. Em conseqüência, embora gozas
se de perfeita saúde mental, passou o resto do
ano num manicômio judicial: morreu em de
zembro de 1939.
Historiadores perceberam a ironia da si
tuação: a primeira mulher a lidar com psiquia
tria foi, em seus últimos dias, encarcerada num
asilo para doentes mentais. Para M adeleine
Pelletier, porém, a contradição mais terrível es
tava na percepção legal e pessoal de sua situa
ção. O depoim ento de sanidade mental que
prestou não teve qualquer efeito sobre sua con
dição legal. “Vocês não conseguem imaginar
com o é terrível estar num asilo para doentes
mentais quando se tem consciência da própria
sanidade mental [...] Minha mente está mais
vigorosa do que nunca. E por isso que sofro tan-
119 G O R D O N , 1990, p. to” , 119 escreveu ela a Hélène Brion. Em outra
228. carta, contou à amiga que alguém lera para ela
uma notícia de que, na Suíça, havia planos de
mobilização de mulheres para o exército, e co
mentou que ela própria concebera essa mesma
idéia muitos anos antes e que, na época,
Gustave Hervé e todos os que leram seu artigo
sobre o assunto só a ridicularizaram: “E assim,
na França, que mulheres que se notabilizam por
seus pontos de vista intelectuais são tratadas.
257
- JOAN 77 5COTT - '
258
O INDMDUALI5MO RADICAL DE MADELEINE PELLETIER
259
:>t t
260
O ÍN DM D UALISM C EAD í C L E DE M AD ELEILÍE P E LLE T IE R
261
J l v M W. 5C u 11
262
O INDIVIDUALISMO R A D IC A L DE M AD E LE IN E PELLETIER
263
JCoCN'W. S C O T T
264
O INDIVIDUALISMO RADICAL DE MADELEINE PELLETIER
265
observou em suas memorias que “esse tremen
d o ''esforço [...] pôs fim a controversias que
4 C itad o p or H A U S E & duraram cinqüenta anos . ” 4 Louise Weiss, fe
KENNEY, 1984, p. 251. minista que, nos anos 30, antes do inicio da
Sobre o papel de Charles
Segunda Guerra Mundial, em preendeu a últi
de Gaullé e sobre as deli
berações que se seguiram
ma campanha em favor do direito fem inino ao
ao voto feminino, v. R O Y voto, com partilhava a impressão do genera!
& ROY, 1994. quanto à importância da decisão: “ O acesso
universal da mulher a um estado civil idêntico
ao do hom em é sem dúvida o fenôm eno coleti
vo mais importante da primeira metade deste
século. Ainda não conhecemos todas as suas
conseqüências, mas fico feliz de ter tom ado par
5 "E a cce ssio n m o n d iale te neste processo . ” 5 Exatam ente co m o em
des fem m es à un statut 1848, um G overno Provisório, na tentativa de
civil identique à celui des
im por a ordem republicana a uma situação de
hommes est sans doute le
plus grand p h én o m én e
caos político, concedeu o sufrágio universal a
collectif de la prem iére fim de legitimar sua posição com o represen
moitié de ce siecle. N o u s tante do p o vo soberano. David Thom son, his
n’ en c o n n a is s o n s p a s toriador político francês, caracteriza o m om en
encore toutes les consé-
to da seguinte forma: “ Os esforços para esta
quences, mais il me piaít
d ’y avo ir eu m a parí". belecer laços bastante tênues e fictícios de con
W E ISS, 1980, p. 268. tinuidade jurídica deram lugar a uma teoria d e
claradamente jacobina, ou seja, deveriam ser
realizadas imediatamente eleições gerais para
que fosse expressa a vontade geral’ do p o vo
soberano. Renascera mais uma vez a tradição
revolucionária. A Quarta República, ao invés
de surgir, formalmente, com o uma continua
ção da Terceira, emergiu de um imenso esfor
ço criativo da vontade nacional, exercido por
6Thomson, Dem ocracy in intermédio do sufrágio universal e livre . ” 6 D i
France, p. 232. ferentemente de 1848, porém, o sufrágio uni
versal incluía desta vez os direitos de cidada
nia das mulheres.
A inclusão das mulheres tem sido explicada
com o uma tentativa calculada de De Gaulle e
de seus correligionários de afastar uma temível
vitória comunista no novo governo. Das mulhe
res, presumidas com o mais conservadoras que
os homens, esperava-se que contrabalançassem
266
CIDADAS MAS NAO INDIVÍDUOS
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JOat LVJ s c o t t
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CIDADÃS IvL-CD^-O IIIDPÃDUOS
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JOAN A' SCOXT
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CIDADÃS MAS NÃO INDIVÍDUOS
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SCOTT
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GIBADAS NIAS NAO INLT7IDÜOS
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JOAN W. 500TT
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CiDADÃSNIAS NÃO INDIVÍDUOS
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JOAN W :OTT
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ClDADAS lAAc? l A u iHJj í í í j LJOS
277
- JOAN W. SCÜi ,
278
CIDADÃS MAS NÃO INDIVÍDUOS
d i r e it o s a b s tr a to s , . a c a b a m o s d e d i z e - lo , 'n u n c a
f o r a m s u f ic ie n t e s p a r a a s s e g u r a r p a r a as m ulhe-
r e s u m a p o s i ç ã o d e f in it i v a n o m u n d o ; e n t r e o s
d o is s e x o s n ã o e x i s t e ig u a ld a d e v e r d a d e ir a n e m
279
JQ/-J i 7/ oCOTT
280
leí, m as'lambem com uma transgressão de sua
humanidade inerente,
Mas palavras de Simone de Beauvoir, o
direito ao voto não resolveu o problema da sin
. bordinação das mulheres, mas deslocou o e v o
da contradição. N ão se discutia mais se a mu
lher tinha direitos ou não: assim que ela se tor
nara um indivíduo legal, os princípios univer
sais do republicanismo liberal puderam ser con
siderados verdadeiramente universais. Perma
necia, é claro, o problema dos direitos concre
tos, como já havia acontecido quando os ho
mens adquiriram direito universal ao voto, os
limites dos direitos formais relativos à correção
das desigualdades de poder econôm ico e social
ficaram mais evidentes. Com seus direitos polí
ticos assegurados, as mulheres puderam levar
(e de fato levaram) suas demandas para a are
na legislativa, apontando a contradição entre a
promessa de igualdade e sua realização. A ver
dadeira tensão, porém, pensava S. de Beauvoir,
estava alhures: a mulher “se estabelece perante
o homem não como um sujeito, mas com o um
objeto paradoxalmente investido de subjetivi
dade; ela se tornou simultaneamente o £eu’ e o
outro’ , uma contradição que acarreta conseqü-
32 B E A U V O IR , 1974, p. ências desconcertantes” .32 Enquanto pondera-
799. va sobre seu dilema, perguntava-se o que seria
preciso para alcançar aquela “ metamorfose in
terior” necessária para que as mulheres pudes
sem ser representadas com o indivíduos total
mente autônomos: “Será suficiente mudar leis,
instituições, costumes, opinião pública e todo o
contexto social para que homens e mulheres se
tornem verdadeiramente iguais?” Sim one de
Beauvoir evitou uma resposta direta. Pensava,
por um lado, que essas mudanças eram uma
precondição para a verdadeira igualdade, que
viria aos poucos; por outro lado, contudo, que
essa conquista exigiu da mulher um tipo de
transcendência que sua condição de objeto lhe
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JO A N W. SCOTT ■.
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O D A : ' A o ¿VÍAS N A U I N D I V I D U O S
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Mônica R. Schpun
Gênero sem fronteiras
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Entre resistir e identificar-se
Vera Queiroz
Hilda Hilst: três leituras
SÉRIE VIAGENS
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