Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
,
ARAWETE
os delises canibais
cole~ao ANTROPOLOGIA SOCIAL
,
. .
os deuses canibais
JORGE.-ZAHAR EDITOR
ANPOCS
Associa~ao Nacional de Pós-Graduaqáo
e Pesquisa em Ciencias Sociais
Copyright @ 1986, Eduardo Viveiros de Castro
1986
Direitos para esta edi9ao contratados com
JORGE ZAHAR EDITOR LTDA.
rua México 31 sobreloja
20031 Rio de Janeiro, RJ
CIP-Brasil. Cataloga9ao-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
ISBN: 85-85061-48-0
4
SUMARIO
PROLOGO
2. Conven~oes · • • e
• • • • • • . • • • • • • • • • • • • • • • • • •. t. • • • • • 14
3. Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .. . . . .
. ' 17
CAPITULO 1
l. Os Deuses Canibais • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
CAPITULO II
PONTOS E LlNHAS: · TEORIA E TUPl:NO·L'OGIA 81
. .
l. os· Tupi-Guarani : s·ibl iografia· . . . . . . . . . . . 82
3 . No t a -S re v e s·o b re a Ca te g o r i a d e P e s s o a . . 11 7
r
e A~ TU Lo 1 1 I
5
sumário
CAP1TULO IV
OS ABANDONADOS: O MUNDO E SEUS HABITANTES . . . . . . . . 183
1. Genese e Cosm.ografia do Mundo Atual ..... 184
3 •. A Po p u 1 a ~ ao d o Co s mo s : Ca t.e g·o.r i a s . . . . . . . 2 O4
4. Oeuses e Espiritos: .Espicies e ~odos de
a
Ma n i f e s t a ~ o . • . . • • . • . • • • . • • . . ·-. • . • . . . . • . 2 3O
CAPITULO V
ENTRE SI: RITMOS E ESTRUTURAS DA ~IDA SOCIAL 26 3
2. o DifTcil Comeco.:
. "
-os Tenetamo e Tii. Ñéi •.•. -300
~ ~
4. Paren·tesco
. '
e Outras ., Coisas, Substanciais
e Af i n ~ •... ~ . .. . . . • r ••• · -. . . .. .. .... ... _, . • • • •. • 36 5
( E) Concep~io,
.
s~xua.
. . l ldade,
. .
. ciclo
.. . .
.de vi·-
da .• .., ••.
. ~ ········.
. . ··· ··~······
• i • .,. • .. ···
. ····· 437
6
sumário
CAPITULO VI ' .
ENTRE OUTROS: MORTOS, DEUSES, XAMAS, MATADORES ... 465
CAPITULO VII
BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 701
APtNDICES
l. Aldeias Arawete ....... . ................. 718
7
!NDICE DAS FIGURAS
Aldeia 1981 . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. .... 281
Te r mo s d e Af i n i d'a d e . . . . . . . . . . . . ·. . . . . . . .· . ·. . . .- 4 O3
8
AP RESENT Ar;,AO
Diretor da An,pocs
9
•
Imortais Mo rtai s , Mo rtais Imortaís ,
vivendo uns a morte dos outro a,
morrendo una a vida dos outros .
(Heráclito)
10
PRÓLOGO
Sul.
.bre
. outros
. grupos da mesma familia lingÜistica. O horizonte últi
11
araweté: os deuses canibais
e o processo
• .1 ' '
; ,
;
• . ifr * ·. '
cimos, minha ' tese ·de -doutorarrie'n to - Arawet.é : · u.roa · visao da cosmolQ
g_i-a e da pessoa Tupi~Guarani - ., escrita :ern· maio-julho e defendí
12
prólogo
f azer em breve.
tivos, por exemplo). Por fim, creio que tanto o genero "etnogr~
' - '
f ia" cerno o estilo .. tese acadernica" continuam desempenhando fun
a
' '
13
araweté: os deuses canibais
2. CONVEN<;OES
14
prólogo
duzido com a ponta da l íngua virada para baixo (este som é prova
ingles '\bu t"); o til indica urna vogal nasal (todas as voga is Ara
w como o do ingles " lo~er". O sinal ' indica urna oclusao glotal
O t ra90 sob urna v ogal (como em Maf) indica a sílaba tón ica,
urna vez que a língua Araweté ainda nao . fo.i es:crita .por especiali~
tas.. O asterisco l*). antes de urna· palavra indica que esta é urna
mae" I FZDS = filho da filha da irma do pai, etc . . Ego é termo uti
as notas, que tem urna fun~ao muito impqrtante rio trabalho, além
16
prólogo
3. AGRADECIMENTOS
to, Beto e Fany Ricardo, Eunice Durham, Gilberto Azanha e Ma. Eli
sa Ladeira, Gilberto Velho~ Joana Carelli, Júlio Bressane e Rosa
Gallois, Lux Vidal, LÚcia Andrade, Roque Laraia, Waud Kracke, Bar
17
araweté : os deuses canibais
dem, em prepara9ao). ·
18
prólogo
saíram de seus cuidados por minha causa, pelo que lhes agr~de90.
les a todos , por este contexto excepcional, sine qua non. Gilbe r
A !ara Ferraz, que me levou aos Araweté, sern quem nao teria
19
·.
CAPÍTULO I
'
O PROBLEMA E O TRABALHO
21
araweté: os deuses canibais
l. OS DEUSES CANIBAIS .
dos Araweté.
rém, nao pára ai. Desde que, para construir a concepGao Araweté
22
introduqao
~odo, seria ·antes por urna redu~ao acentuada das formas institucio
meu ver, nao pode ser creditado apenas aos efeitos ·desorganizado-
mente ocupavam. Creio mesmo que eles estao entre o s grupo s Tupi
9oes sociais , sua eco nomia de símbolos e práticas rituais, tem .c~
23
araweté : os deuses canibais
pode-se dizer dos Araweté o que se disse dos Guaraní: aquí também
"tuda é palavra" (Meliá, 1978-: 57). Apenas, a palavra dos Araweté,
tar" c;::rro via privilegiada de acesso ao felOnen::>, o valor dos "casos sinples"
(n.Jrkheirn, 1968:6-9). Sugiro apenas que os Araweté apresentam a:in rnaior clare-
za oertas tensOes metafísicas 'l\lpi-G.larani, ocultas por vezes sob urna espécie
de burOcratisuo cosrológioo de seus vizi.ruX:>s de lingua e geografía. Tanpouc:o
estou suponcb quaisquer ircpli~ de orden histi5rico-evolutiv"a, can rreu . uso
da palavra "arcaica" - arcaica , de fato, é a palavra oos Araweté, a · palavra
que revela a diferen;a ariginária e fundaOOra.
24
.introdu~ao
25
araweté : os deuses canibais
creve o Devir no cora9ao desta sociedade. Eis assim que seu " cen
tro" está fora, sua "identidade" alhures, e que seu Outro nao -
e
wn espelho para o hornero, mas um destino.
x6n6rnico, onde todo ente real ou conceitual encentra seu lugar ero
weté. Nao pela razao óbvia que .ela nao se ajusta a nenhuma socie-
26
introdu~áo
mas porque os Araweté tendero para outra direc;ao. Para usarmos urna
que é urna. sociedadé . sem inte rior - ou, para dize-lo menos brusco,
0
Tudo se passa, ern suma, como se ·a simplicidade" Araweté
27
araweté : os deuses canibais
que aqui tarnbém 1 éomo para as sociedades Je 1 OS· "mortoS sao OU-
. .sobre a guerra. Afasto-ne delas, no entanto, no que elas inplicam urna .n etafísi
ca da: Sociedade cx::m:::> Sujeito Absoluto, interioridade auto-idéntica, e no que
desconhecem o problema essencial, a saber: a atitude diferencial face a dife -
r~, dentro desse universo vago da "sociedade prirnit iva" .
28
introdu~áo
29
araweté: os deuses canibais
sada e construida corno urna figura dual, ·sin tese delicada entre N~
vens, fuma9a, ern sua organiza9ao social frouxa e casual, sua au-
ern aparencia que ern essencia), sua plasticidade, e seu estilo ex-
30
introou~o
pode ser testemunhado pelo lugar de destaque que ocupam nas sínte
31
araweté: os deuses canibais
ram de base para tais sínteses 5 • Igualmente fácil, entao, será pe~
(5) caro os Piaroa (Kaplan, 1975) e os Trio (Riviere, 1969) do norte amazónico.
blema teórico.
te, divergem ao. máximo. Por isso queslionamo~ 'a idéia de que ex is
2. O PERCURSO: SINOPSE
32
introdu~~o
toes que ali me surgirarn (Cap. I, §3), o capitulo II ~az urna bre-
que nao quer dizer que ela seja suficiente para "provar" taís hi-
de, que é a parte centra~ e mais extensa da tese. Fi-lo, ern pri-
33
araweté: os deuses canibais
cial. Embora extensa, esta é urna parte que poderia ser mais deta-
34
introdu~ao
35
araweté: os deuses canibais
o quadro que emergía era urn de sistemas sociais simples ou sirnpli '
36
introduqao
nário nacional.
pi-Gua:rani.
. . ..
. ~ ,
· ~ neste contexto que se situam minha· escolna· dos Araweté, e
na, e tendo percebido, gra9as a -urna leitura dos livros de ' F.Fer -
nr=L i.des sobre a. guerra Tupina.mbá e do erisaio ·de ·H. Clástres · sobre
37
araweté: os deuses canibais
dio Xingu em que eles haviam sido aldeados pela FUNAI. Eu nada sa
(6) Até neados de 1983 o acesso aos Araweté era feíto por via fluvial. Partin-
do-se de Altarni.ra, cidade rnais próxima, a viagem até a aldeia t:aiava de tres
a dez dias, cxmfonne o nivel das águas oo Xingu (que neste trecho ap~nta
nn.ú.tas oorredeiras perigosas) e oo Ipixuna. Em 1982 iniciou-se. a abertura de
••
·:rna pequena pista de p:J\l.50 j unto ao Pasto. Sarente após a minha saída da area
el.a se tornou operacional, tenaO sioo acarada as pressas pela FrnAI devido aos
ataques Para.Kan.a de 1983. Isto fez a aldeia Araweté distar apenas urna oora de
v6o de Al tamira (18 O km em linha reta) .
38
introdu~io
39
araweté : os deuses canibais
40
introdu~ao
nisticos, "rito '' central da vida reli giosa Araweté. Note-se, sig -
dez e confusao. Devo, por fim, fazer urna ressalva. Embora os Ara.-
de Huxley (1963) - era fácil. ''Faze r'' antropologia i que era difí
41
araweté: os deuses canibais
(8) _ "Ct>servei que os selvagens los Tl.lpinarrbáj arnarn as pessoas alegres, gallx:> -
feiras e 1 ; 1=-P..rais, alx>rrecerxb os taci turn::>s, os avaros e os neurastenicos .•• º
{I.éry, 1972: 122). E eu pude oh5ervar, de fato, que urna das coisas que rnais
surpreendia os Araweté, no mrµ:>rtarrento oos brancas, eram as flu~ de
anuro e .hurror, sern razao aparente. A tristeza e a •• seriedade" sao
valores abso
lut:anente negativos, em geral. "Nao tir" (p-éka -i') · é um eufanisrco para o rancoJ:i,
e a myao de alegria (tori) tem una ressonancia filosófica profunda. E)n outras
línguas 'ffi, os cognat.os de tori designarn a atividade ritual (cf. Kamayurá
to?"tp), a l:x:>a ordern do m.mdo. A q:x:>Sicráo ética central na sociedade Araweté co
loca, de um lado, a alegria-tori, de outro a raiva (ña.ra) e a tristeza-sa1xiade
. - -
(ho'ira). A prineira define as rel..ac;xJes entre os aplhi-pihéi, os amigos "in-for
- - - -
rnais" que partilharn a:njuges; a segurx]a a relacrao can os inimigos; a terceira'
can os rrortos. A rx:x;ao de "medo-vergc:nha" (Ciy~), a meio canú..ntX> entre esses
p:)los, é arrbigua; noJ::Il\a.lm:mte é objeto de avali~ negativa, mas é o sentimen
tcratit.We prescrito entre i..I:nBo e ~ (e ~ entre B e Z; nao marca ne-
nhuma outra relac;=ao
soc.ial).Tristeza e raí.va nos fazern ficar "forá de si"
Cmo-a 'o), o que é perigoso :."" correnos o risco de matar ou de norrer.
42
introdu9ao
43 .
'
araweté: os deuses canibais
go que conviveu com os povos do Brasil Central, tudo isso era iné
dito. Para mirn, aliás, um dos tra~os mais surpreendentes da vida
.
Araweté era a desenvoltura feminina no . trato comos hornens -. es-
trangeiros ou patricios e, de modo geral, a pouca diferenciac;ao
entre o ethos masculino e o feminino. Isso, longe de ser um deta-
lhe pitoresco Arawet~, ·parece-me agora fundado . ern deterrnina96es
da · estrutura social Tupi-Guaran!.
Nao é preciso m,uita reflexao para p~r~eber que essa indife-
ren<;á ollmpi·c a (ou antes, "dionisiaca") dos Araweté ao que se con
venciono\1 chamar de "conven<;oes ~ociais" é, ela mesina, . wna conven
..
c;ao; e que .
a exuberancia - - p.rescri tas proscrevem a
e extroversao ir
44
introdu9áo
11
da da antropología social. E o que chamei de "indiferen9a Araweté
Ora, isso que chamo de ritualiza9ao , mais que urn mero en-
ferenciada 11
• E o ethos Araweté me surgía c omo articulado a urna
4.5
araweté : os deuses canibais
(11) Essa distínciao de duas "fornas sociais - de valor bastante retórico - nao
deixaria de evocar, para mu.i.tos, as tipologías de Macy Couglas construidas a
partir dos conceitos de "grid" e "group" (Ibuglas, 1973,. 19~2). Mas nao creio
que se trate disso; mu.i.to merns que ela possa ser objeto de urna reau;:ao neo-
- durkhei.miana. E nao apro:<l.rro os Araweté dos pigrceus de 'I\rrnbu.11. Ccrro já dis-
se antes , é essa diferen<;a das formas de ¡:ensar a diferenra, e.xpressa acirna ,
46
introdu~ao
47
araweté: os deuses canibais
os . padrees TG.
cos. Nada nos autoriza a postular que, ern algum hipotético (e re-
48
introduqao
Araweté; urna ro9a de rnilho ·e urn xarna bastarn para definir urna al-
contato com os brancas, ern 1916, quando fugiram ern dire9ao as mar
49
araweté·: os deuses canibais
50
•
introdu~o
vezes era apenas um: sernpre. corne9ando por um trautear . suave e sus
. -· - -
como se diz ern Araweté liwi p!"tiawa me l - até retornar ao silenci~
xama para fora de sua .casa, ¡:>ara o .seu pátio. Ali, danc¡:ava curva-
dades, trazidas por ~le, o xama, de sua v.iagem .aos outros mundos .
didos como . os próprios deuses, passear no solo .que urna vez pisa-
ram.
51
araweté: os deuses canibais
52
introdu~~o
53
araweté: os deuses canibais
QOes aumentaram, é claro, tao logo eles perceberam - para seu es-
panto e diversao - que ambos os assuntos me interessavam, e que
eu escrevia avidamente o que me diziam (era impossível, sobretudo
no come90 de minha estadia, _memori.zar aquelas listas). E logo pa!_
saram a me "examinar" periodicamente, para ver se eu havia de fa-
to, através de meus papéis, registrado sua palavra. Iwamay2, urna
...
;Jl ffi~S': m~=t-a~4t-- ·:ijji_il\Nl'l!_____
- ·--
54
introdu~~ó
canto xamánico, e vir a terra para tomar parte em urn cau.im,um ban
.
(.16} Una IX)ite, ~sisti a 1.1n ~ alegre de mu.l.hereS, pilancb miJbo, dedicar-
-se a rep:roduzir o estilo de pilar - a fort;a, o angulo de ai1enesso da m3o-de-
-pilao, o novirrento circular que cx::ilpleta a seq\Elcia, a resp.ir~ - de · vá-
rias .mulheres ]á falecidas. As crian<;as, a nedida qtE vao crescencb, vao senéb
apelidadas jCXX>sanente por nones de no.rtos, a:nfonre apresenterr: parti r.;ulari.da-
55
araweté: os deuses canibais
des qiE os reoordem. Creio que eu estava nesse caso, quando ne ccrcparavarn aos
nrirtos, e oonfornerren~ i~ne oonferincb "apelidos" .
lega ter esquecido algo, algurn fato de su'a própria hist.Ó ria pes-
tentaremos entender essa frase; . ela encerra urna verdade e urna men
les antes como ausentes que corno mortos) - seria urna "forma9ao ob
- tudo isso parece ter feíto parte da vida Araweté desde rnuito an
tes dos anos do contato. Cerca de 35 por cento dos óbitos nas úl-
- <.inclusive a dos adultos atuais) se deve a assal
timas 4 gerac;oes
56
no auge da epidemia de gripe, mergulhou a todos ern profunda cons-
através dos deuses e dos mortos~ essas duas legioes que povoam o
piques:
57
araweté: os deuses canibais
* * *
t difícil f alar de minha rotina de trabalho entre os Arawe-
té, dada a intermitencia ·de minha estada entre eles, e . dado que
a cada nova fase redefiniam-se métodos de trabalho, .relac;óes pes-
soais, e me$JDO minha situac;ao matrimonial e residencial. Nos dois
primeiros periodos de campo, eu estava com ~inha companheira (!a-
ra Ferraz); no~ últimos fui sozinho. várias vezea, fiquei na al-
deia com apenas mais um branco, o atendente de enfermagem do Pos-
to; ma~ além deste e do chefe do P.I., muita gente passou por lá
em 1981-3, por curtos períodos: camponeses contratados para servi
c;os no Posto, vis.i tantes, e·t nólogos (B.Ribeiro, Karl e Anton Lu-
kes.ch) •••. Mo.rei em diversas. casas no complexo Pos·t o-aldeia -- des
de urna cabana tradicional de: palha, que reformei, até a magnífica
casa de tábuas de lei erguida em· f ins de 19 82 como sede do P. I. Ip!
xuna (oujo rádio operei, na ausencia dos responsáveis). Cada nova
situac;ao residencial minha definia' uma rede de intera9oes mais i~ .
58
introdur;áo
lio de rneus bens e de mim mesmo (pelo menos no comec;o, éramos urna
leva ao rio. Ali, podia ser visitado por quern quisesse, e muita
(18) A oordialidade e extroversao Araweté nao .i.nplicam que nao haja ba.r.rallas
veladas entre parentelas e indivídtx:>s, sit~ ~ oonstrangi.rrento e vonta~'
~ pri.vacida~. e.ato verenos no cap. V, urna das f\nrOes das periódicas excur -
SOes a mata 1, OU dos acanpanEI1ta> tenporários junto as ra:;as 1 que oongregam pe-
qu:mos grup:>s ~ parentes, é justarrEnte a J..iberac;:ao ~ t.ensOes provenientes
da oonvi~cia em urna aldeia.
araweté: os deuses canibais
60
tre os Araweté. Morasse eu ainda na aldeia Araweté quando dos ata
. .
(19) Assim me disse. o entao Delegado Regional da FUNAI em Belén, logo a¡;.ós o
evento, em oonve.rsa telefOni.ca.
(urn povo que eles depois vieram a i.dentificar com os Arara, mas ·
creio que .por ind?<rªº do chefe do P.~. ) , comas cabe9as deles, A-·
raweté ..•. . E: verdade, di ss e-me al g uém certa ocas iao, que urna vez
No dia seguinte, porém - ou. mais tarde em minha casa - algurna al-
61
araweté: os deuses canibais
xar pela memória de um. dos homens mais ·- velhos da aldeia, querido
lho sábio, que ouvira, escrevera e sabia aquilo tudo. Mas, que
tigos . Os Araweté, sernpre que r eferern qualquer e v ento que nao te-
nharn presenciado, pospoem : "as sim disse fulano". Essa forma cita-
62
introdu~ao
xama. Toda informa9ao que me era transmitida sobre os· mundos nao-
do~ é o xama, mais que os "ances trais" - . e portanto o " indiv.l;:duo "
63
araweté : os deuses canibais
saber cosmológico, nada rnais natural, uma vez que todos escutam ,
te do fato de elas nao serem xamas. Como logo vim a perceber, nin
64
primeira do discurso, impedir a coincidencia entre o sujeito do
medida em que isto dependía dos canto s dos xamas . Esta po si~a o fa
rno kamara, branca (urna sub-espécie dos awi, inirnigos) ... Mas isso
65
araweté : os deuses canibais
querer a todo custo ser como ele (i.e. n6s), seja a puxá-lo (i.e.
a mim) para dentro de si. ! .certo que esta "abertura" dos Araweté
inter alia, porque era muito mais penoso ser um kamara, e vi ver
"os da FUNAI" - o que havia era mesmo urna pequena guerra de todos
66
e os Araweté. Mesmo nas circunstancias excepcionalmente tranqüi-
las do sistema Posto/aldeia no caso ·Araweté - que se devern ao
ethos "cordial" do grupo - a intera9ao entre indios e brancas se
'
fundava em urna série de mal-entendidos culturais, ern expectati-
vas estereotipadas e em demandas contraditórias. Assim, era muito
cornurn, entre os funcionários do Pesto, a emissao professoral (em
meu beneficio, quando eu havia acabado de chegar) de juízos sobre
o "caráter" típico dos Araweté: que eram pregui9osos, que passa -
varn fome por descuido e imprevidencia (e no entanto a popul~9ao
22
Araweté era visivelmente saudável e bern-nutrida) , que nao erarn
(23) CUrioso encontrar essa masma. cx:nparacrao, serrpre depreciativa para os 'l\l-
pi, na boca de um tratelhador da FtNAI entre os Wayapi (canpbell , 1982: 138) .
caro se ve, nao é sé> aos antrop51ogos que o contraste Je/I'Upi salta aos olh:>s,
nesrro que as raÜ)es e valores envolvidos sejam outros.
67
araweté: os deuses canibais
(24) Essa .prática resulta, em parte, das dificuldades sentidas pelos brancos
em guardar e pronunciar os n::::mas pessoais Araweté.
(25) o entao cN;fe do Poste (que o dei.xou ap5s ter sioo ferioo no ataque Para-
Jcana) enterrlia e fhlava algo tj.e Araweté, ~ cx:ntrário oos demais funcionários-
- o atendente de enfennagem, algmis trabalhadores brayais, suas familias. A
linguagem dcrni.nante ro Poste era feita de algunas palavras Araweté, qua.se irre
caihecíveis na pronúncia dos brancos, inserida.s em frases ern portugues, mais
alguns gestos e clidles ern urn proto-pidgin. o dle~e do poste era tarnrern aquele
68
f tmcionário que derronstrava maior curiosidad.e e interesse oo m::xb de vida e
ooncepyües Araweté, o que nao o inpedia de ser um entusiasmado "professor" de
técnicas e idéias ocidentais.
cevo acrescentar que os Araweté me pareciam mais discretos( et p:mr cause )
em seu deboche dos brancos, reservan:kro para situac;:ües em que a vítima nao
es
tava presente. Eram também, obviarrente, mais tolerantes diante .d os oostunes es
tranhos da outra etnia.
{26) · Dias, meses afio .eu -assisti a urna resrná cena: um grupo de. indios achega-
va- !?e. ao randlo que servia .de oozinha ·da Posto e, para o atendente de enfent:!él-
gem, perguntaVa: "o que voce está oozi.nhando?" - "Pedra", era a resposta inva-
riável . .E os indios riam, riam . .. Em seguida iniciava-se urna sessao delirante'
de invectivas dp atendente contra os Araweté ero particuiar, os indios em ger~
a humanidcrle em seu todo. r; os indios riam, riam. . • Havia toda urna série de
jogos desse ti!X).
69
araweté: os deuses canibais
até perceberem que eu nao era o kamara típico, isto é: urn prove-
.
dor de bens, professor de padrees de comportamento e higiene, a-
.
gressivo, paternal e repetitivo. Atípico eu era também, ademais,
e mateiro.
nos um Pesto Indígena junto a tima aldeia, que urna aldeia Araweté
to" para ficarem mais perto da fonte de bens que ele representava.
70
introdu~áo
a raiz de paxiúba).
71
araweté: os deuses can ibais
o que espanta, porém, foi a rapidez - entre 1981 e 1983 - com que
a maioria desses bens foram introduzidos e adotados. Até mar90 . de
1982, as contrapresta9oes Araweté limitavam-se a alguma carne de
ca9a e a algum milho, para a alimenta9ao dos brancas do Pasto. Na
quela data, iniciou-se a implanta9ao da chamada " cantina reembol-
sável", coma introdu9ao das armas de fago e um aumento considerá
vel de bens impo~tado s - e a obriga9ao dos Araweté produzirem ar-
tesanato para financiar essas importa9oes. A cultura material Ara
weté é sóbria e simples, e poucos de seus itens sao capazes de ob
ter boa coloca9ao no mercado (controlado pela FUNAI) . Até minha
SaÍda qa área, 0 Sistema de " c antina" ainda nao Se estabilizara t
embora algumas vendas já, houvessern sido r .e alizadas ' · coro ce.rto su-
. n ce i ro 2 7 .
ces so f ina·
(27) Os artefatos Araweté que entram mais fortenente rx:> sistema sao: o aroo e
as flechas, alguns adornos plunários, redes . de ·aigOO.ao, estojos de pal.ha, pe-
cras da indurentária feminina (as mulh~ receren algodao industrial para te-
ce-1os, neste oontexto). Erquanto estive na aldeia, .as transairOes se faziarn .de
m::rlo individual e infonna.l, entre cada indio interessado em um dado produto e
o cllefe' do Pasto, que recebia as pe:ras e as debitava numa lista; nao havia a
p~ao, por wrte do funcionário, de manter uma, ~valencia rronetária e
xata en~ as pec;:as entregues e os objetos reailiidos pelos indios em pagairento.
Mas cheguei a testanunhar ten::.renos cliriosos: cx::m:> o c:hefe do P.I. precisasse'
levar logo para Altamira urna partida de artesanato para pagar as trinta espin-
gardas que trow<era, induziu os h::::rrens a fabricarern arcos cx:xn as tábuas de rna-
deira de lei que estavam em estoque (para a cx::instru9ao da n::wa sede do Post.o).
(28) Ver F.Ribeiro 1981 para urna avalia~ do tip::> de assistencia nédioo-sani-
tária prestado pela FUNAI aos Araweté.
72
introduc;áo
nao a dos achaques físicos. ·t a mesma ati tude ·que subjaz a voraci
que vem deste rnurido. Tudo leva a impressao, portante, que os Ara-
9ao um caráter de teste ou prova cons tan tes a que' éramos subme ti
dos, os brancas . O que estava ern jogo nisso tudc , o que se elabo
73
araweté: os deuses canibais
(29) Olvi de algum trabalhador da FrnAI, ro Po$to, est.a idé1a, una vez: "se
a gente deixaSse, oo se eles pldessem, esse pavo tock> se lil.Jdava para Altamira
e em una senana n1nguém mais sab1 a que negócio era esse de Araweté ••• "
74
introdu~ao
ter sido encorajada ou bem aceita pelas equipes da FUNAI que ali
narn este espa90. Sucede, porém., que nao perdem sua identifica9ao
tas áreas e recursos. oá-se entao que · o espa90 coletivo Ar.a weté
chef e do P."I. '', "do chef e da Ajudancia da FUNAI", "da FUNAI", en-
75
araweté: os deuses can ibais
custas deles ... - me fazem pensar que eles [os Araweté] tan nos dentes urna
presa ben maior 00 que ¡xx:Jan engolir, e nao desoobriram isso ainda".
ni.
76
Foi dali, ern suma - do Pesto, e corno kamara - que falei de
e corn os Araweté. Foi desse "centro" que me pus ern rela9ao com
aldeia bem menos, e por menos tempo, que o normal para uro hornero
77
araweté: os deuses canibais
-no fe~to em 1981) - e suspeito que isso se deve aos efeitos cada
pedir emprestada a rninha. Posso dizer que deis objetos, e urna ati
vez, sernpre foi_, e contin.l iou sendo, a di ver sao favorita dos Arawe
era comum chegar alguérn e pedir para cantar ao gravador. Eles sen
31
.
t iarn .
um prazer enorme .
em ouvir a voz - · can.t a d a - repro d uzi. d a ; e
(31) Entenda-se, a voz dos ou:tros, o que os out.ros cantavarn. Aqueles que pe-
diarn para cantar ao gravador nao faziam rm:litci questao de se ouvirem (exceto as
cri~s).
varn de ver as fotos deles e de outros indios, que .eu lhes trazia,
78
introduq~
fala", o oñiña me' !_ 1 "aquilo que canta"¡ o i ni·r~, "caixa das al-
mas"¡ o ha'o ~e riro, "caixa Ida vozl dos espirites dos mortos" .
Foi quando alguém se referiu, , jocosamente, a urna fita que trazia
·o canto de um xama como "Ma-Ccln~ rir~", que descobri que os mor-
tos cantavam, no canto dos xamas; pois Mafc!no era alguém morto
há tempos, eu sabia.
79
araweté: os deuses canibais
treviam qual era afinal a · ticnica da minha magia ... Mais tarde
alguma forma.
80
CAPÍTULO II
PONTOS E LINHAS:
TEORIA E TUPINOLOGIA
l
I
81
araweté : os deuses canibais
l. OS TUPI-GUARAN!: · BIBLIOGRAFIA
Oswald de Andrade. Farei apenas uro breve ·balan9o ·da pr.odu9ao pro-
American I'ndians (Steward C.org.), 19.48), ero que pese sua desatua-
indispensável.
82
pontos e linhas
do século XX). Em 19.27 este autor publicou uma. análise das migra-
83
araweté: os deuses canibais
deste tipo de dado (se bem que nao tenha podido superar "pontos
84
pontos e linhas
cegos'' que sua teo ria criava, e que nao erarn demasiado diferentes
dos e nvolvidos na tentativa de Métrawc) 2 , · Fernandes escreveu urna
•
{2) Ver, por e.xenplo, as "tábuas" de infonnacr0es sabre a guerra Tq:>inarnbá ern
Fernandes 19 75, onde o autor rea:>rta o discurso cbs cronistas ern unidades ar-
bitrárias, ern tuCb senelhantes a "tr~s" de cultura material. Conpare-se es-
sas tábuas a:m a5 presentes em Métraux 1928. Para urna aprecia.c;ao crítica do.s
nétoCbs de Fernandes, ver Oliveira Filho 1980.
85
araweté: os deuses canibais
como os Nuer, este outro estudo evoca antes urna tradi<rao de tipo
86
pontos e linhas
sao, tal vez algo trivial I apÓ.i a-Se naO Obstante em urna análiSe
siva, a vingan9a olha para trás. por isso, Florestan t ern o valor
i nicia tório da execu9ao do cátivo por um e feito derivado de seu
87
araweté: os deuses canibais
tiva da guerra - para usarnos urna ~ao nietzscheana - e de uro ideal de autono
mia em que o out.ro é um instrt.Jirento de d:mstruc;ao especular do Eu, de modo si.ro
ples (Clastres) ou oorrplexo (Florestan). O perigo maio:r, na metafisica ''pr~.
nas páginas que seguem, é que essa heteronania é exatanente o principio funda-
dor das sociedades Tupi-Guarani. •
Para urna análise da obra etnológica de Florestan Fernandes, de urna perSpec-
tiva de "antropología da prcdu~ intelectual", ver Peiraoo 1983, orrle se tra-
93- o canpo intelectual que subjaz as rronografias Tupinarnbá.
88
pontos e linhas
•
Nas dé cadas de 30 e 40 iniciarn-se algurnas pesquisas de cam-
89
araweté : os deuses canibais
(5) Dn Wagley 1977, enoontranos una autocrítica lúclda dessa tendencia da épo-
ca.
rnos ern condi9oes de perceber ser rnais aparente que real, e que
90
•
No que diz respeito aos Tapirapé, tanto Baldus quanto Wagley vie-
91
araweté: os deuses canibais
antes, corno se verá, ern urna característica que parece ser consti-
tutiva da Pessoa TG: sua ambivalencia, sua rela9ao essencial corn'
a rnorte. O xarna Tapirapé encarna, ao mesmo tempo, a personalidade
ideal do hornero pleno e é urna po.tencia amea9adora e exterior a So-
ciedade: ele é indispensável e perigoso. " Sem nossos pancé, todos
nós Tapirapé morreriamos" (Wagley, 1977:195); e no entanto é por
obra deles que os Tapirapé morrem. ~odo bem e todo mal (p.193) re
caiam sobre as costas dos xarnas. Nao obstante, o xarna Tapirapé
92
pontos e linhas
quase literalmente neste livro {pps. 224, 231, 261). Apesar dis-
sao reportados como tendo tra9os Omaha, apud MacDonald, 1965) .Nes
rnais aprofundada, . ainda rna i s por _ ter si do desta cad o por Ri viere,
93
araweté: os deuses can ibais
que traz urna descri9ao rnais geral desta sociedade. Selvagens Amá
veis é rnais um livro de viagens que urna etnografía, embora o au-
ter seja antropólogo. Seu estilo cornplacente, etnoc~ntrico e su-
94
pontos e linhas
9oes no livro) desde a mitologia solar de Perry & Cia. até a psi-
la9oes perspicazes.
(C) Recentemente
95
araweté: os deuses canibais
car a etnograf ia geral dos Kayabi (TG centrais) por Georg GrÜnberg
(1970) 8 , no estilo "indiferenciado" da tradic;ao alema, com ent"ase na
(8) Este estudo será citado conforme a tradu9ao de E.Wenzel (rev. T.Hartrnann),
s/d., datil. , que rre foi cedida pelo Projeto I..evanta.Jrento Pops. Indígenas/CEDI.
para9ao global da organizac;ao social dos grupos Tupi con tempor a '
neos, com destaque para o parentesco 9 .
(9) laraia publioou t'.ambém uin estudo da situac;ao de oontato dos Tupi do ·T ocan
tins, in laraia & Da r--iatta,1963. Os suruI sao de especial intere~se, por serem
um dos p:>Ucos grupos TG. can urna organiza<;:ao clamca, já que o caso dos Parinti_!!
tin é de metades exogfunicas (mas ver Kracke, 1984) . Há o caso dos Tupi-cawahib
de Lévi-Strauss (1948:303-4), e o dos Wayapi - urn grande núrrero de clas eXoga
micos patrilineares e localizados, cf. P.Grenand, 1982:64-8 -,que me parece su
jeito a call9ao; de tcxia forma este sistema desapareceu. laraia, que trabalha
a:m um horizonte pan-Tupi (maior que TG) , postula urna proto-estrutura Tupi pa
trilinear e patrilocal, tanando os numerosos exenplos de matrilocalidade cerro
fruto de muda.rieras históricas {1972:34-6;1971). Discorde: a "regra" residencial
mais cx:::mum entre os TG é a uxorilocalidade "temporária" seguida de ambi- ou
neo-localidade e concebida oorro "servixc da noiva" · (isto é roa.is importante que
a "-localidade") e freqÜenterrente contornada pelos casarnentos oblíquos (MB/ZD),
poliginia, endogamia aldea, parentesco entre os cünjuges,dependendo do jogo po
lítico das parentelas e do status ·aos envolvidos. Regra se houver, é esta: os
poderosos nao rroram uxorilocalnente, .nem seus filhos hanens. Ver: o servü;o da
ooiva Parintintin (Kracke, 1978:35-ss); a uxorilocalidade e suas e.xcec;Oes (po
der) nos Kayabi (GrÜnberg, 1970:113,120}; a ~trilocalidade Guaraní e as exce
90es para os filhos dos- chefes religiosos (Schaden,1962:80); sobre a política
dos chefes Wayapi de reter fil.has e atrair genros, P.Grenand,1982:136(mas a en
dogamia atual minimiza o fator iesidéncia); nos Wayapi do Brasil, onde há um i
<leal de endogamia, a tende..ncia é uxorilocal (Gallois,1980:40);para a uxoriloca
96
pontos e linhas
97
araweté: os deuses canibais
urna dinámica . global, como no caso Je, mas urna tendencia que se a-
nologia TG.
98
pontos e linhas
ao longo dos anos 70 nao foi tao pequeno assirn, o fato é que a et
. '
nologia Tupi-Guaraní deste ·periodo ressentiu-se de certa falta de
kano.
( 10) Erx:Juanto escrevia esta tese , a Revista de Antropologia vols. 27 /28, que
publica as canunica~ apresentadas em novernbro de 1982 no "19 Encontro Tupi"
permaneceu no prelo, de nodo que enoo.ntrei algt.nna dificuldade em usar e citar
alguns trabalhos . Mas ver i nfra: Gallois 1985, MÜl ler 1985, Arrlrade 1985.
99
araweté: os deuses canibais
naó podem ser compa rados· corn a pobreza que se constata para os Tu
nao tenha sido até hoje tornada acess ível em tradu9ao para o por-
100
pon tos e linhas
tais da Cultura Guár·áni ( 1962) , que também faz uso de dados cole-
extraordinário 11
da religiao sobre todas as outras esf·eras da vida
101
araweté: os deuses canibais
sua preocupa9ao com a "mudan9a cultural" nio irnpede que realize '
(11) J. watscn (1952) p.lblicou urn ensaio sobre a "acu.l.~" dos GJ.arani-
-Kayová que tambérn traz i.nfonnafiX)es sobre a organizac;ao social tradicional.
ragua ia. Eles foram estudado s por Cadog an, e por Pierre Clastres,
102
pontos e linhas
dos demais TG, que sao ou eram exo-canibais convictos {ver tam-
obra de Pierre Clastres, que tem urna forte divida etnográfica pa-
103
araweté : os deuses canibais
104
pontos e linhas
105
araweté : os deuses canibais
bim dispersos e '' met am6rf i cos'' Caribe (q.v. Basso, 1977:19, que
106
pontos e linhas
ciedades "pura-s ", i.e., nada.. ali podia sér objeto de susp~ita quan
107
araweté: os deuses canibais
etc., estes por sua vez ilurninam os primeiros - nao para preencher
giar origens .
Isto ainda está para ser feíto. O que seria preciso, primei
lógica TG. Mais que urn atestado da independencia mútua entre "lín
108
pOntos e linhas
(14) Nao obstante, foi esse fato errpírico da proximidade lingüística que me
fez optar ¡::x:::>r reduzir, ccmparativarrerite, a situa9ao dos Araweté ao horizonte
Tupi-Guarani, deixarrlo de la&;> os allás escassos materiais sobre fOVOS do tron
oo Tupi de outras familias lingüísticas. Essa é U11E opc;ao um tanto ad hóc, ~
. .
rora ne parec;:a maisproveitosa que o ataque cx:::rnparativo tradicional, onde ao
lado dos. TG se alinham dados MUndurucu, Mallé, Jururia, etc. Vererros, no entantQ
que alguns rrateriais 'nacr'IG sao bastante iluminadores para a cosrrologia Arc:rwe-
té, notadarrente os Shipaya, descritos brevanente por Nirnuendaju (1981) . Se
isso deve ser ¡::x:::>sto na conta da proximidade geográfica do grupo Shipaya-Juruna
can os Araweté, nao sei. o fato é que as tentativas de generalizac;:ao que busca
vam incorp:::>rar urna problemática. pan-Tupi senpre tenninavam ccm urna li_s ta de
exce<;Oes assistemáticas rnaior que a de a:mstantes. o problema, aliás, nao é o
de cbnstantes, mas o de d:i.ferenc;:as sisternatizáveis.
109
araweté: os deuses canibais
ser elaborada, i.e. que ela "exista" - .e que portanto nao é possí
110
pontos e linhas
. .
ricanistas se veem a bra9os com a impropriedade de aplica9ao dos
modelos ditos "clássicos" de .análise antropológica, que poe wna
ordem determinante ou fundamental - parentesco, ecología - capaz
(15) Que ¡:or vezes parece desemOOcar ern um neo-culturalisro. temperado pela ana
lise estrutural, e do qual parece difícil escapar.:.se, guan00 - CXJtO é meu caso
aqui - se trata de discutir urna configur~o sócio-cultural particular, tal
os Tupi-Guarani. Mas nao creio que a soluqao adequada a etzx:>logia sul-arrerica-
na seja a ¡:ostul.a~ a priori de urna causa~o "oosrrológica" da orden social
que redunda em manter, invertendo-a, a distin~ ontológica entre discurso e
prática, ideología e "organiza~" - mas siro a dissolucrao definitiva dessa di-
cotania, e sua neutra.liza~ao em um conjunto de principios que infonnam os di-
versos p}.arx)s analitic.anente distinguíveis da realidade social. Cabe notar a.:l!!
dá que o estruturalisno lév.i-straussiano nao é um método de desc:.ri9ao de sacie
dad.es particulares, eIXil2Ilto totalidades irredutíveis - ou redutíveis a conjrm
tos enpíricos mais ~tos, mas enpírioos. A carparacraodiferencial de I..évi-
.- Strauss nostrou-se roa.is produtiva exatanente quando abandonou as totalidades'
sociais e passou a subsistemas (mitologia);e el.a termina ¡:or dissolver as so-
ciedades carpa.radas, tananao-as ¡:or ncuentos acidentais de efetuac;:ao 9e estru··
turas ao mesrco terrp::> roa.is gerais e nenes totais:
"Já é tenp::> da etnología se libertar da ilusao fabricada pelos
funcionalistas, que tanam os limites prátioos em que sao encerra
dos pelo genero de ·e studos que preconizam, ¡:or propriedades abso
111
araweté: os deuses canibais
112
pontos e linhas
tos como possuindo urna visao do mundo sobrenatural "nao rnuito bem
voltamos para os Guaraní, por outro lado, o que vemos é, seja urna
a primeira vista 'a lgum "princ i pio geral" das cosmologías e sacie-
sada para caracteri zar· diferentes aspectos das sociedades TG: "am
era ambivalente {Schaden , 1962: 133); que o papel do xama era ob-
113
araweté: os deuses canibais
pode ser inteirarrente canalizada para fora do grupo, caro oos Yancrrarni, onde
ele é um duplo do guerreiro; 00 Alto Xin94 nao há oonexao necessária entre xa ·
roa e feiticeiro; oos Bororo, o "ambivalente" ba.ri tem una oontrapartida 00
(17) Verat0s ao final desta tese caro os psicanallstas que tratam do canibalis
rro real ("etnográfico"} procuram reduzi".""lo ao Irnaginário, edipianizancb-o oon-
fonre a problemática da ióentifica~~ narcísica - quariio o caso TG parece ao
' . ' '
oontrário exigir que se tare o lado da Esfinge (oo cani.bal) I nao o de r.dipo.
114
pontos e linhas
outras cosmo l o gías TG; Éstamos ·aqui longe da dialética Na t ure za/
sos de intercomunica9ao necessária entre eles, · mas sao sirn una pro
se desdobram em urna figura triádica: urna série ani ma·1 , urna série
- que poderia s ugerir urna r e spo sta ao que e u chamava anteri or~en-
sobre a socio.l ogia. Esta n ao é, a l iás, urna q ues tao exclusiva mente
115
araweté : os deuses canibais
-
blerna, que e antes causado por uma leitura demasiado literal do
116
•
pontos e linhas
de dispersao.
Veremos que a filosofía Araweté, como exemplo privilegiado
dentro do horizonte Tupi-Guaraní, opera de modo complexo com tal
matriz triádica, e que se . apóia em um número restrito de cate90 -
-
Schaden dizia que a concep9ao Guaran í qa ~lma humana era a
"chave do sistema religioso", e que este, por sua vez, comandava
a vida social - o que ecoa as conclusoes de Florestan Fernandes
117
araweté: os deuses canibais
nao é; "enquanto rela9ao móvel entre termos, ela é urn "entre" (urn
ciedade:
118
pontos e linhas
qui-categoria,
.
a de Pessoa.
.
A questao
. de urn principio de "autono-
119
araweté : os deuses canibais
tando-se se ela nio estaria ''entre esses deis pólos'' (p.37). Más
da Identidade.
abriria ao individuo um
-·
"carrpo pessoal, nao sen dúvida a:m::> agente
dotado de razao, von
tade e li.berdade ••. mas caro ser de certa maneira único ... a::r
m::> um sujeito" (1979·: 38) .
raní. Nao apenas porqué ela nao pode ser tomáda como suporte ou
120
pontos e linhas
(20) Ver L'Identité (Lévi-Strauss, org!, 1977), livro que traz os resultados
do coléx:Iuio ínter-disciplinar scbre a ~ao-título. Ve-se lá que tal crítica
nao deixa de in::¡uietar o pai do estruturalisrro, na medida ern que ela "identifi
ca" a qlera9ao deste mesno principio fundamental caro subjacente a lógica das
' . .
oposic;:()es discretas e ao jogo da dupla nega9ao, tanto na I.ógica dialética corro
na lógica estrutural(ista). Todo o problema. consiste em saber se os axianas
e leis da lÓgica "clássica" - aristotélica, booleana, ou outras - esgotam a in
.
teligibilidade de, e nodelizarn fielmente, as opera~s simbólicas dos "pensa
mr:mtos selvagens". Aos que duvidarn disto é sempre fácil arreac;ar can um retor
no as trevas do lévy-bruhlisrroe do "pré-lógico". Mas as ooisas certarrente
sao rnais a::mplicadas, e nao apenas ~ desenvolví.mento das lógicas
dard" o atesta, caro numerosos desenvolviroentos e reflexOe.s recentes nas
-
''nao-stan
cien
cias naturais e exatas. Para um debate específico dentro da antropologi a, sob
. .
a sanbra totémica de E.'vans-Pritchard, ver Cooper, 197? e Salrron, 1979, por ~
xercplo. Falta-me cntpetencia. para explorar estes problemas; limito-ne a ano
.
tá-los, e
. a esperar que o tratanento
.
indireto e intuitiv~ que. eles receberao
aqui, oo contexto da interpre~ao da lé:gica do canibalisrro TG, p::>ssa servir
de base a reflex0es mais rigorosas. O ·pensamento de l.évi-Strauss no que cxm
cerne as formas lé:gicas encontráveis 005 mi.tos e sistemas de classifica9ao é
cauteloso
. e lac0nico {para
. al~ do., contexto imediato de sua crítica ao afeti
visrro e ao "pré-logisrro"); além de intrcx:luzir, n~ cane90 de sua obra, indica
90es crípticas mas essenciais
. .
sobre a inpossibilidade de "sirnbolicidade" total
de urna cultura - a idéia de um quanturn fixo ou residuo inevitável de irraciona
' '
121
araweté: os deuses canibais
-Strauss op0e "totemi.sno" e "sacrif ício" para dedicar toda a sua obra a f enC.rre
nos que. rerretern a prirneira figura, descartando urna análise detalhada da segun
da (e do ritual - cf. o fanoso trecoo sobre o paradoxo, o fracasso e o desespe
ro da inten9ao ritual, L.-Strauss, 1971:596-603), limitando-se a diagnogticar
o "paralogisno" de toda religiao e a falta de "ban senso" do sacrificio (1962b:
302). Reportarrlo-se a figura do sacrificio, a pr~lemática do canibalisrro Tu
pi-Guarani aponta justarrente para urna C'Osrrologia canandada por principios, di
ganos assi.m, "pós-lógioos", irredutiveis aos JnéGW.nisrros identitários que sub
jugam as relac;Oes aos termos e que constroem o ser caro substancia, o devir C'O
no acidente, e o aoontecirnento caro extrínseco ao canpo transcerrlental da es
trutura.
·- substancialista e i
Para um estudo magistral dos limites de urna visao
dentitária do Individuo, feíto a partir da biología mas cujas inplica~s deve
riam ser rreditadas pelos teórioos e analistas da problemática da "pessoa" em
antropologia, ver Gilbert Sim:mdon, 1964.
Quero observar, por fi.m e de passagem, a heterogeneidade radical da te
mática da Pessoa, tal caro aquí desenvolvida, face as ncx;0es de identidade pre
sentes I'X)S estudos de "etnicidade" e "frio;ao interétnica" - todos eles mais
ou rrerx:>s tributários, mai.s ou ireoos C'Onscientes, de uma fenanenologia hegelia
na do Senhor e do Escravo, ou ·de urna espécie de "forx>logisrro cultural" que ter
mina por se revelar um eu1 turaliSITO reduzido a seu esqueletó. O que o valor
"diacrítico" dos t.r:ac;:os "étnicos" revela é a produyao de um conceito de identi
dade em estado puro, despido de qualquer conteÚdo; sua fonna é seu oonteúao, e
enquanto "simulacro",· é mais real que as substancias que faz significar~ Olti
no avatar ou perversao da razao totemica (e que estaría para ela, talvez, caro
o racisrro para a hierarquía, lanbrarrlo aqui wuis Durtont), a "etnic.i dade", ou
o discurso teé>rioo que a prcxluziu caro fe~, é o triunfo derrisório da i
dentidade sobre a difere~a, que pÜe esta a servi~ daquela, para produzi-la
cx:m::> fonna vazia e supérflua. Se ben a cc:npreendo, é este o parecer final de
M.Carneiro da CUnha (1985: 208-9). E é disto que nao se tratá éGUi; trata-se é
de ver cx:xro é possível \.11\ pensarrento i.mune aos poderes da negatividade.
122
pon tos e linhas
(21) Urna palavra sobre o Devir. Viro utilizando a ncx;ao de série (cosrrológica,
sociolÓgica) nas páginas anteriores. Este oonceito, e a análise hoje canenica
do totemism:::> por I.evi-Strauss , pc:)ero a metorú.mia cerro processo inperante no i~
terior de cada série , e a metáfora ccm::> o processo de artieula9ao das (pelo ~
nos duas) séries (ver Deleuze, 1974a). Acredito, porérn, que ambos estes pr~
cessos sao, em si, insuficientes para dar conta da articula9ao entre "cosrrolo
gia" e "sociedade", e da filosofia da Pessoa, entre os Tupi-<iuarani - mas nao
pelas razOe.s de OJering (cf. supra, nóta 18). Sem deixar de recónhecer -a uti
lidade deste par conceitual, introduzo n:> contexto urna ncx;ao heterogfulea, a de
"Devir", para qualificar os processos de transforma9ao de urna série ero outra e
a metarrorfose da norte Araweté, han ccm::> a transubstanciac;ao caníbal. Can is
to, igualmente, afasto-me de urna adesao literal a equa9ao netonímia=sacrifício,
já alud.ida ro cap. I. can urna liberdade que minha i<J1:10rancia filosófica tal
vez torne men:)S inpertinente, utilizo a zn;:ao de Devir em dois sentidos, que
se recobrem parcialmente. O prime.ira é ve~ráve l e milenar : rerrete a oposi
c;ao Ser/Devir, fundadora da rretafísica ocidental - e o acolho para sugerir que
a parte do Devir é bastante mais pesada na. filosofi·a Tupi-Guarani que o foi na
história do pensairento ocidental desde a batalha platónica contra Heráclito.
Pois, se há culturas que traern urna rostalgia do Ser único e imutável evocadora
de Parmfurides (ccm::> os Fataleka, se bem entendo Guidieri, 1980) , outras se
riam rnais ben heraclíticas - mesrro que também se sujem de sangue para produzir
o devir . ~. · O segundo sentido, fui buscá-lo em Gilles Deleuze (-+Guattari), on
de designa processos pré-representativos, éqlÉm da opera9ao metafórico-metoni
mica que gera identidades pela posi9ao ern estrutura de cposi90es. Nessa ace?E
9ao, o Devir fala de p~ssos que se passam ro Real, antes da distin9ao reali
dade/represen"ta.9ao; e errprego o conc-eito para indicar que o ser da pessoa Ara
v.ieté é um devir-outro: devir-deus, -inimi<JO, -jaguar, onde se o Outro, ~
123
araweté: os deuses canibais
124
pontos e linhas
ceito antropo lógico (C. Geertz); por fim, a hipótes e propria me nte
trutura l . -
Todas estas c o isas taivez tenham sido , senao confundí
Da Matta & Vive i ros de Castro,1979; ver Seeger 1980a , para urna po
idiomas " corporais",de urna lógica das qualid ades sens íveis que,par
para a compree nsao das form as de constitui 9ao do todo soci a l. Nao
- mesmo, ou sob retudo, no caso das f orma9oes cul turais que desenvo_!
125
araweté: os deuses canibais
em pauta.
126
pontos e linhas
127
r
CAP!TULO III
129
araweté: os deuses canibais
~ ,
I, O TERRITORIO ARAWETE ATUAL
,
Os Arawete-1 sao
- uro povo de 135 pessoas (fevereiro d e 1983)
( 1) Os Araweté nao
se dernni.narn i;:or nenhum etnOnirro. o temo mais especifiro
que usarn é bfde, "ser humano", "a gente", "oos". A palavra "Araweté" é de inven
9ao cb sertan.ista J.E.ca.rval.h), que enterxieu ser este pseu00-etn:3nim:> um deri-
vado de awa ete, "humarns verdadeirosn {carval.b:>, 1977). Arnaud {1978) ronsoli
- - . -
da.i esta desi~. Mais tarde, Millle:r sugeriu que "Araweté" seria a f.orma u-
sada pelos indios cb Ipixuna para den:minar os Asurini oo P.I. Koatineno (Mill-
ler et al. 1979: 21) . Na verd.ade, urna das expressé5es utiliZñdas pelos Araweté
para se referirem a grupos ini.migos é az¡J'i hete; "inimigos verdadeiros". Talvez
tenha sido esta a origen do ma.1-enten::lido. A deri'Va9ao de awa ete nao tan fun-
dam:mto na língua Araweté, otXle o proto-Tupi *aba só g~ as fonria.s aiva, in""'
terrogativa (nquem?"). e caLJéi, "alguém". Já os Asuriní usam efetivarrente a auto
- ·...
~ AW'a ete; e d1amam os Arawete de Ararawa: "povo das araras". O et-
130
situac;áo dos araweté
',''
'' •
, _,
,
, - ""
,' .,,
"'
4°30'
,.. -.... _,
- ,. ..........
- , ..
·- '•
•• 52°
'
LOCALIZA~AO ATUAL DOS AAAWETt
•, PARÁ
r ,.J·--' limite da área de inunda~o das hidrelétricas da bacia do Xingu
e Posto Indígena da FUNAI e aldeia indígena
e municípios
<i capital estaduaf
divisa inter-estadual
131
araweté: os deuses canibais
,.r
1
2
nas proximidades do Xingu . A ca9a é abundante, em fun9ao da gra~ 1
i
cionalmente piscoso.
da entre as bacias dos rios Bom Jarqim . (di to "S .·José" em alguns
132
•
situ~áo dos araweté
nao· é cruzado, a leste; ali come9a urna regiao que os Araweté iden
,.
(3) Aspelin & Santos (1981: 104-117) o Projeto Hidrelétrio:> da Bacia
Segurd::>
do Rio Xingu será provavelnente inplant.aOO em 1992, oonfcmne as di.retrizes da
"alternativa B" - rx:we barragens e cinco reservatórios no Xingu e Iriri. Nes
se caso, a represa de carajás seria oonst:r:uida no Xingu a vinte quilácetros da
133
araweté: os deuses canibais
-
foz do Ipixuna (4952'S). A "alternativa A", segundo a Eletrooorte, p:rqx:>e a
t
construi;:ao de urna. barragen_mais ao sul, na altura do Ban Jardirn; a área irnmda l
da, ¡:::crém, seria ben maior. Segundo os mapas da Ft.NAI . (ver mapa 2 ~ supra) , o
CX1Iple.xo de barragens inundará 124.150 ha. dentro da área Araweté, de urn total
de 198. 725 ha. nas terras As_uriní-Arawie?té; Milller et al. (1979: 49), ronttrl::> ,
rrencionam 300. 000 ha., confo:are dados do OIBC. Seja qual for a "solut;ao final'',
todo o né:ilo e babeo curso do Ipixuna será inunda~, inclusive a atual aldeia
Araweté.
weté (os mapas do P-r ograma Grande Carajás, que indicam os recur-
de seu território.
vel pelo Ipixuna. ~ para lá que os doentes Araweté mais graves sao
levados, e é de lá que partero os vísitantes, os servi9os e osbens
134
•
vos. A parte uma vaga noc:;ao de que agora estao "na beira da Ter-
rea restrita que urna concep9ao "fechada " de terr itório pode eme r-
135
araweté : os deuses canibais
cia de que para além de seu mundo imediato há muitos brancos) le-
do nacional.
136
situatráo dos araweté
(4) Que a esterrle do Maranhao até o rio Madei.ra, conttrl:> - dos Tenetehara aos
Cawahib, ignorar.rlo as difere:ncras entre os Tupi-G.larani e os outros Tupi, e dis
solverxb, igualnelte, a unida.de hist.órica provável dos grupos Tupi-G.larani en
tre o Xingu e o Gurupi. Nao obstante, o recorte de MurOOck é, oo caso, mel.h:>r
que o de Galvao (1979), ~ fragnenta esta provincia Tupi-Glarani em duas á-
reas, a Tocantins-Xingu e a Pindaré-Grrupi, san fundanento claro.
137
araweté: os deuses canibais
138 J
situara:o dos araweté
•
(6) Ver Menget 1977:5~83, para a reconstituic;ao da hist.ória dos Arara , ou an-
· tes, dos grupos da "ilngua Arara" da familia carib, prop::>sta pelo autor, que
inclui os Arara, os Yarumá, os Apiaká e os Txicao. Os renanescentes Arara do
Iriri só foram oontactados em 1981.
139
araweté: os deuses canibais
povos (de que pouco se sabia a época em q,u e escreveu) estavam as-
( 7)Ele sugere ainda que urna prirreira vaga migratória a partir do Tapajós te-
ria al~ado diretanente o Amazonas., e o baixo Xingu, resultando nosJuruna ,
Shipaya e Takunyapé, cuja língua teria entao seguido urna evolu;:ao independente.
o
Mas ~traIDC se equivoca ao aproximar Takunyapé do grupo Juruna; a língua dos
priroeiros é da familia 'l\Jpi-Glarani. Ver supra,cap. II.
pu.
140
situ~ao dos araweté
péia, que se inicia no come90 do século XVII, com urna intensa ati
dos rios.
te dos Kayapó, porém, parece ter sido bern posterior a seu movimen
camentos dos grupos ali situados, caus ando grandes baixas - sobre
141
araweté: os deuses canibais
* * *
Para concluirmos esta tentativa de localiza~ao histórico-bi
bliográfica dos Araweté, deve-se acrescentar dois pontos. Em pri-
meiro lugar, as escassas descri~oes sobre os grupos Tupi-Guarani'
desaparecidos nao autorizam nenhuma hipótese sobre ser algum de-
les ancestral dos atuais Araweté. Refiro-me especialmente ao que
se sabe sobre os Takunyapé. No século XVII, a margem direita do
Xingu acima de Volta Grande (49S/539W) era conhecida como "lado
dos Takonhapés", e o "rio dos Takonhapés" era provavelmente o Ba-
cajá (Nimuendajú, 1948:222). Por várias vezes esta tribo foi al-
deada por missionários, e uma parte dela , resistindo, fugiu pa-
ra as bandas do médio Curuá. Em 1863, urna epidemia dizimou a en-
tao numerosa popula~ao Takunyapé; no final do século o grupo é da
do como extinto. Um vocabulário colhido por Nimuendaju em 1919~
(8) Vale ootar que, an 1863, os Takunyapé eram admirados por "sua oor quase
br~a, olhos azulados e carelos castanhos" (Castelo Branoo, 1956: 14), descri<;ao
similar as ircpress0es dos sertanistas soore os Ara'Neté (Arnaud,1978:7), que de
fato tém pele clara, e alguns deles olhos oor de mel, carelos avenrelhados.Cf.
ainda Adalberto da Prússia, 1977:190: e sobretudo Joao Daniel, 1976 (I ) : 273, so
bre os Pacajás, prováveis antepassados de todos os TUpi atuais da regiao.
142
situ~áo dos ara.weté
(9) Un des n:::nes dados aos Asurini pelos Ar~té, Iriko ña,"Senho
oonb.ldo, é
res do urucum o que parece militar em favor da atribui~ao de urna maior "ver
11
,
143
araweté: os deuses canibais
(10) Vidal (1977: 28, 37), quéern seu liv:ro sobre os Xikrin afinna qµe o terno
Kube-kamrek-tl era aplicado aos Asuri.ní, confinrou-ne ern a::municac;ao pessoal
que
144
situaqao dos araweté
(11) Rodrigues~ 1985; ~lia urna classifica9ao anterior de Lemle e l~a rnao -
de trai¡:os c:x:m:>: perda/nao das co~tes finai.s;rn.l~a/nao de*t.r para ts ou s;
~a/nao de *ts para h ou (¿j; muc}an(;a/nao de *pt.J para kLJ ou k; muaancra/nao
de *pj em t.r ou x; deslocamento/nao da t.Onica. Tais cri térios se referem ao
"Proto-TG", müito prÓXim:> ao Tupinambá. A locali~ do Araweté neste esquema
é curiosa: é aproximacki do Kayabi e do Asurini ( "subconj\.U'lto V") , mas "por fal
ta de dados" (p.46). Enviei ao Prof.Aryon \.llla anostragem do Araweté em 1983,que
pelo visto nao ch03ou a ele, pois nao há formas Araweté citadas. As rnu~as
próprias desta língua me pareoern .. erbaralhar" os subgrupos propostos.
(1.2) Arnaud, 1978, cita Carvalho (1977) para sugerir urna estreita afinidade
lingÜíst,ioo-cultural entre Araweté e Kaapor, que me parece se dever mais a ex
perien::ia anterior do sertanista J.Carvalho, que o fez ver os Araweté can o
lhos Urubu, c,hegardo mesrro a "corrigir" a lingua dos primeiros pelas fonnas Ka
. -
apor. Wi lliam Balée (can.pess.), que estudou os Kaapor e visitou há pouco os
Araweté, confinna a nao-sarel..h.ant;ra específica entre as duas línguas.
No original, esta tese trazia um apendi.ce lingÜístico escrito pela
Profa. Yonne I.eite en colabor~ao canigo, cujos materiais s~ retanados e de
senvolvidos em Soares & Leite, op.cit.
145
araweté: os deuses canibais
(13) Nao sou capaz de. dar uma tradJ~ exata da expressao
..
y,;r-i
- kara katiJ,
- - que
parece ¡xx3er furic.ionar tanté:n caro verbo. y,;" significa "boca" • .A foDna kara
kat-i (onde kat!_ = ban) aparece na . def~ da a:arpetencia artesanal. I:E al-
guém que sabe fu.er bern m · objeto, diz-se i-kara-kat-i.
* * *
Os Araweté possuem uma cultura material. bastante simples
'
dentro do horizonte Tupi-Guarani. Seu acentuado despojamento téc-
nico e artesanal parece só ser superado pelo dos nomades Guajá ,
~iriono e Xetá, a quem chegaram a ser comparados. Berta Ribeiro ,
a quem devemos uma descri9io preliminar da cultura material e de
subsistencia Araweté, e especialmente das técnicas de tecelagem -
· além da mencionada compara9ao comos Guajá e Xetá - define-osco-
mo possuidores de um equipamento "rústico", de uma "baixa tecnol~
.146
situ~~o dos araweté
147
araweté : os deuses canibais
(14) os Maué da bacia cb Tapajós, tribo de Ungua Tupi. (nao Tupi-Guarani) tam
bém utilizam o pari cá, mas da mane~ra usual na Arnazenia, i s to é, aspirado (Ste
ward, 1948: 895). - "
Os Arawete o consanem de m::x1o infrequente, misturado ao taba
oo dos dlarutos, dentro do contexto xamanístioo de cx::munica9ao can os deuses e
os nortos.
148
sit1:1ac;áo dos araweté
sao ~ .pelos 1Dnens - vía .de rey.ca, pelos amantes (aplno), sendo guar-
dacbs ccrtD reilquias ou amarracbs na haste das flechas. Falarenos rrais dist.o
adiante.
As neninaspié púberes, .eml::>ot'a portem a sai a externa desde cedo, nao se
inp:>rtam en ard3r nuas. Entre a puberdade e o nascimmto do pr:imairo filho, 'a
Mesa.o as nomas estritas do pmr é algo flutuan~; depois; inp!rativa. os ~
nens, por seu lado, mmifestam ext:rmo pud:>r oo desatar o ooroao do prepúcio.
..
cc.iña) e pequenas penas ·de arara dispo~
brincos de tiririca-preta
-
tas em forma de flor ("ilor", poti, é ·tima· metáfora comum para~
co, nos ca~tos dos xamas), bem como colares da mesma semente (ver
foto 1). os homens usamos mesmos brincos, porém mais curtos, e
.
alguns tra.zem pulseiras de crochet dé algodao que, usadas desde a
infancia, deixam sulcos proftindos nos pulsos. o cabelo é ·cortado
.- ' ' .
em franja reta na testa até a altura das orelhas, de onde cresce
' . ..
até a nuca dos homens 'é os ombros das mulheres. Peninhas de arara
tarñbém sao enfiadas nas orelhas.
,, . .·
A tintura e a cor básica· dos Araweté ·é ·o verinelho vivo do
··.
urucum, com que cobremos cabelos e o · corpo, em .gera1 untando-os
totalmente. No rosto, p0réñi; ·podem tra~ar apenas e;· padrao
.
•,º lo!!
·;...
149
araweté: os deuses canibais
(16) a::m a significativa dif~ que, no caso G.larMrl:, o jeguaka está asso -
ciacb a dan;a religiosa, e marca a· ~ do paf,_ ou rezaó::>r, nao 00 guerreiro
(Schaden, 1962:28). O que é a:nsistente, inter alia, a:m a dife:renra entre o
op-trahi Ara\i.1et.é a:m:> significancX> dan;a/canto profaoo ou guerreiro, e o
a
porahei Guaran! CCllD reza ou canto sagrado. Quanto minha ~ da ~ -
de ña CC11D "senhor", tratarenos disso oo capitulo rJ; el.a é o cognato das for-
mas TUpi-Glarani jara, yar, etc.
.150
situa9ao dos araweté
(17) .M.litas das varierlades destas plantas foram introduzidas pelos funcioná -
rios da FtNAI ou obtidas dos "beiradeiros,.; outras foram tanadas dos AsurinÍ.
Desa:mhe<r'O se as variedades de cul tígen::>s reconhecidas pelos Araweté tero cor-
respol'Xlente em nossa l::otani.ca. E, se cert:anente é um exagero falar em "núrrero
diminuto de prcdutos cultivados" entre os Araweté (B.Ribeiro, 1982:32), nao há
dúvida que a a~icu.ltura dest:e p:1V'O é nerns diversificada que, por exarplo, a
dos AsurinÍ, a dos Tapirapé (Wagley, 1977: 57) ou a dos G.larani, can sua gran-
de variedade de tipos de rni.lh:> (Schaden, 19.6 2: 48-49).
151
araweté: os deuses canibais
de sernpre suficiente para durar por toda a esta9ao seca e ser usa
do cerirnonialmente, os dernais produtos conhecem urna varia9ao mui-
to grande, de ano para ano e de casa para casa, na quantidade plan
;
tada. Boa parte da batata, cará, mandioca e macaxeira e colhi -
tio. As ro9as possuern ern rnédia 1,5 hectares, mas o tamanho real
de cada urna variará conforme a unidade de produ9a\) envolvida - se
152
situaqao dos araweté
(19) ver wagley • Galvao (1961:48, 59) para a as~ entre a defini~ de
pregui<fa ligada ao trabalb:> agrícola, e a visio de um nmó:> pré-cultural ideal
em que os nachados trabal.havam .sozinhos e a mandioca se auto-plantava (este · ,
... .
um tema classiro TUpi-Guarani), na sociedade Tenetehara.
153
araweté: os deuses canibais
que nao exigem armas (o verbo genérico para " ca9ar " é simplesmen-
gordos .
da, usando-se do caldo para fazer pirao ou sopa com milho (certas
154
situa9ao dos araweté
~ k ..., 20
coletivas; e comer sozinho e a marca do avarento (ha ata~) . Na
(20) Eles parecen assim concordar can Lévi-Strauss, quando este atribuí ao co-
.
zicb um caráter mais "derrocrátioo"; nas nao creen que o assacb corx:>te a prodi-
galidade, e sim a avareza - o que pennite urna arrpl.a mrensalidade é justarrente
o cozido. Há que se observar, conttm, an favor da hi.pótese lévi-s traussiana ,
que as partes anima.is que senpre se érnem assada.s - ralx> e carapa9a do tatu ,
casoo do jaboti (i.e., as carnes aderentes) - sao oonsumidas }?Or um gnlp.) mais
arrplo que os o:rrensais das refeic;Oes ooletivas de :tatu e jaboti oozidos. Antes
de proceder ao oonsmro das carnes oozi.das, o dom do ba.rxluete recebe em seu
pátio mais gente que os .q ue fiC:arao para o oozido, e entao distribuí as par-
tes assadas. Neste sentido relativo_, o assado é urna "exo-oozinha" (Lévi~Straus&
1967a:22) .
155
araweté: os deuses canibais
partilhar da refei9ao.
As armas de ca9a Araweté sao o arco de _pa'Q d'arco - admira- ·
velmente bem trabalhado, motivo de orgulho dos Araweté quando o
comparam com as armas Asuriní e Parakana - e tres tipos de f le-
cha (ponta lanceolada de bambu, que pode. atingir até 70 cm., _pon-
21
ta de os so de guariba, _ponta de pa-u endure-e ido ao fogo - a primei
ra, que é para ca9a grossa e guerra, é emplUil}ada com penas de har
pia, as outras com penas de mutum) . ~ comum os homens saírem para
o mato sem suas armas, em busca de jabotis ou tatus (em geral, um
ca9ador sai com urna determinada presa em vista); a capacidade de
irnprovisa9ao de armas, na mata, é notável - o que nao irnpede que
muitos ca9adores vejarn sua imprevidéncia castigada pelo surgimen-
to de urna vara de queixadas, quando saíram apenas corn uro facao, a
trás de tatu.
156
situaqio dos araweté
157
araweté : os deuses canibais
(23) Para que ,nao se oonsidere exagerada essa prolif~ taxon&nica sobre o
mel - talvez o dcminio natural mais finamente analisado na cultura Araweté
· vejam-se os 31 tip:Js de mel reoonhecidos pelos Parintint;in (Kracke 19.81 : 108) •
Os Kayabi SÓ distinguiriarn, entretanto, 4. tipos, segtmdo G.Grü:nberg_ (1970: 81-
2) •. Oestudo "et:IX>-ea:>lógioo" de P.Grenand sobre os Wayapi nao ~ca, sur -
p:reendentemente, neilhuma taJ<Onania cb mel (1980 :91).
ras para retirar mel; (5) o coco baba9u, . comido ou usado corno li-
158
situa9ao dos ar_aweté
zada por ambos os sexos, sendo em geral levada a éabo pelo casal
raizes medicinais.
quadro seguinte:
'
HOMENS MULHERE.S
Atividades
159
araweté: os deuses canibais
160
situa~ao dos araweté
Artefatos* .
Arros masculino)
(ú.sO Veste ferninina
Flechas (uso mascUlloo)
' Fai.xas de al~, testeiras
Fonnao e afi.aó:>r (uso ma!:!c:u.lirX)) Fios· 0e algodao
ACbroo.s plUIT'ários Rede de donnir
·Perfur~ao oo étña para· os· rola ·.Aba:OO de fogo
res e brincx:>s. Ce.:5to ~
.* Exceto ,.....,~..--A'"'
":t _
....... ........, .indi·cado, os artefa tos sao - - -"- .
USO<XJS · ambos os sexos.
por
quelas que envolvem o uso das · armas. ou de muita for~a física (deE
161
araweté: os deuses canibais
(2-4) Oleguei a ver hcmens mastigando .o milho para· o camm;' oo usard> a blusa-
-tipóia para can:egar c:rian;as .(o que t.anmn fazem os Kayabi - GrCnberg, 1970:
109) • No prilleiro caso, era· pcm:¡ue suas mul.he:res estavam menstruadas.
162
situairáo dos araweté
lher corno tecela e ceramista (esta Última atividade ·está ern deca-
ta ao homem, que a planta - a mandioca "é dos homens" (kume '~ apa).
Nunca se c-0me carne sem algum tipo de dep~, farinha; seja de mi-
163
araweté: os deuses canibais
curso usado nos meses f inais da excursao das _chuvas, quando a f 'a -
rinha de mandioca, acabou (o endocar-po. fibroso de babac;u é pilado
e torrado pelas mu'lheres) • Mas o mi1ho é o modelo do vegetal, que
complementa· a alimentac;ao carnívora;- ou ant~s, ao contrário. A pa
c;oca de milho (at&1a-cf mep~} acompanha outros alimentos· além da car
ne: mamao, banana·, castanhas. Ela ·pode ser comida pura, quando
nao há mais nada. Em troca, o esgotamento da -provisao da pac;oca '
de milho levada pelos homens quando vao cac;ar é· o sinal de- sua
vol ta a aldeia., nas exped1c;oes. ·c oletivas que antecedem o cauim •
Nao se · come carne sem milho; ele é -a marca da· civiliz·a 9ao. · Como
refe·r-i anteriormente.· (pág. 49), o-s Arawe~té dizem que p·r ocuraram
as roc;as dos .brancos nas margens do Xingu ,porque os ataques Para-
kana os deixaram sem milbo e eles já estavam cansados "de comer '
~ó carne", que ~bt·inpam em -quant;idade na~ ~at~s do Ipixuna·; isto
25
era viver como selvage~
(25)- os Araweté fal.am de una tribo inimiga,- os O'i wko~ "Flechas O::rrpridas" ,
que ~iam né.maQes, ~ X"O?r e qye vi~ ~ de. carne· e .da zarinlyl . do
enchcarpo do ba,ba«;u.
. ,..
sao chamaOOs taJri::)Ém de f)epe- a, "ocue00res de
.,.. . . .
farinha
.
de
~", una práticá que, pá.ra os Araweté, é un :reCurso que beira a áelvageria.
l-Écio G::ltes (inf~ pe8soal) diz qUe o8 néJnaaes· GJa)á usam desta farinha-
e tán _flechas mrpridas ••.•
164
situa9§0 dos araweté
tos 'da, "azedos", c:aro o cauim alo:::x'Slicb, o as;aí e o cará; os ·a.J.imentos hati,
"duros", caro as farinhas de ·mil.ho, e as castanhas cb pará e do babai;u.Apesar
165
araweté: os deuses canibais
dim, Jatobá, e por fim, mais ao no·rte, o Ipixuna, onde ·se choca-
dos inimigos. Urna tradi<;ao algo obscura diz que os Araweté, antes
166
situ~áo dos araweté
que (se for rresrID um sufixo) sigrúfica "branco", [X)'ieriam sugerir um teDro na-
tivo. A ~ao de . "centro da terra" se e.ncx:>ntra tarnbém entre os G.larani: cf.
~liá, F&G.Grllilberg, 1976: 217. OS Araweté dizem que J.á nao havia doeJ1cras, ao
contrário da "be.ira da terra" (Wi
-·?"eme
-
'i) que hoje ocupam- F.cos, talvez,
concepcrao 'I\lpi-Glarani da terra san males, que os Araweté elalx>ram can clareza
da
em sua teoria sobre o céu. A beira da terra, CDnceito relativo, _¡00 deve ser
CDnfundida cxrn o "fim ou limite da te.rra" (iwi pa ha), oon~ito absoluto - ver
adiante.
9io mais meridional do Bbm Jardim (rio Ipe o h~: "cocho grande") ,
longa data (ver Müller et al. 1979 para a história dos movimentos
maram- s e assirn dois noves blocos Araweté, separados por outra de-
167
araweté: os deuses canibais
gas (datando das décadas de 20. e 40, a se estimar pela idade das
168
situac;ao dos araweté
DESLOCAMENTOS ARAWETt
Os números correspondern a ordem cronológica provável dos
deslocamentos.
169
araweté: os deuses canibais
(30) Que, em condicr()es de alguna segura.nra, parece ter sido de 4 arx>s, a jul-
gar pela difereru;:a de idade entre pessoas ~ nasceram numa rresrna aldeia. Os
Arél\>Jeté senpre se mudavam, quando as roc;a.s a:t1e9avam a ficar a urna distancia
perigosa, do ponto de vista do risoo de enroscadas inimigas (mesna decisao en
treos Parintlntin - Kracke,1978:12, e oos carib guianeses - Riviere 1984:28).
170
r
situa;ao dos araweté
- .
comprida"; Awl ka pe, "capoeira dos inimigos•. (4) Nome de urna
pessoa, seguido da forma ri-pa. Nesse caso, trata-se da aldeia em
que morreu o eponimo: Todtna-hi rjpa, "solo de Todfna-hi".
- - -
As aldeias podem ser referidas por mais de um nome, mas um
deles tende a . ser mais · usado. Das 62 aldeias de que pude obter in
formac;ao, 37 sao usualmente nomeadas pelos mortos; 16 pela forma
(1) ¡ e apenas 9 pelas formas (2) ou (3). (Ver Apéndice 1I, lista
das aldeias) • .Aparentemente, apenas as aldeias que foram abandona
das por outros motivos que urna morte recebem nomes dos trés pri -
meiros tipos. Por outro lado, nao sei os critérios que levavam -
a
171
araweté: os deuses canibais
172
situaq~o dos araweté
Kayapó foi mortlfera para ·os Araweté, que, como os demai,s povo·s . •
do Xingu, sempre levaram desvantagem no confronto com essa tribo
Jé. Assim, das 477 pessoas mortas nas Últimas 6 9era9oes (tomand~
-se como 9era9ao O as criancras .atuais) cujo nome pude obter, 114
-
foram mortas ou levadas por . Kayapo, contra 18 em choques com os
Parakana, 18 com os brancos., 14 por inimigos nao-:especificados, e
3 meninas raptadas pelos Asurinl. Ou seja, 35% dos mortos lembra-
dos foram vi tima de inimigos (.e deste total, 71% cabe aos Kaya-
po.. ) 32 •
(32) Esta poroentagem oertamente cairia, se "todas" as IrDrtes nas Últimas <JE:ª
<;Ces fossen lembradas; pois é ramável supor-se que as haiXM de .guerra sejam
mai.s fielmente l.eniJradas que as m::rtes por ~, sobretud;;> na infincia. As
outras categorias de causas de nr:>rte que estaheleci sao: aci.dentes - 23¡ "ó:>en
\2" (que i.nclui algmas epidemias pxé 1976) - 67; ataques de espirita; - 2 ;
nortes após o ·o cntato en 1976 (excluindo acidentes) - 59:
- 16l(ern sua maioria, ll'Drt.es nas~ nais ~lhas).
174
situaqáo dos araweté
175
araweté : os deuses canibais
(35) Os nares dé tribos inimiga5 ou de individuos delas sao nuito usados "cx:::m:>
~ ~s~s Araweté,o .que, ~ verE!'l'C?s, traduz .urna atitu:l~ filosófica bem
ma.is geral: a captura de identidades El!' ~ regi0es fora da esfera do Mesroo, oos
terren:>s do CXltro - rrortoS, deuses, inirnigos-.
176
situaqao dos araweté
177
araweté : os deuses canibais
fica o pronome pela expressao: X 1.t1i, "os com X" - onde X é o nome
de urna ou mais pessoas importantes, vivas ou mortas, normalmente
o "dono" ou "dona" das aldeias antigas de cada bloco (ver adian -
te). o nome das aldeias antigas .nunca é usado como identifica~ao;
. .
(37} Esta é situacrao CXJtUn a vários outros Tupi-0.larani.. Assim, os Tenete-
\mla
178
•
situar;lo dos araweté
davam una forte menória das afiliacrees aldeas Calém de una foxma de identifi~
c;ao pesSoal feita pelo race da aldeia), nao usavam estas afi~ cxm> super
t.e de sua estrutura faccional (Wagley, 1977:83-5). E vale ootar que est.as duas
Últjmas tribos possuiarn eSt.ruturas sociais inteDnediárias entre a familia e a
tribo, alán de trans-alaeas (metades exogámicas e metades oerim:miais, respec-
tivamente) .o que nao
é o caso dos Araweté,que nao
dispOem de grupos cu estrut'!_
ras de identidade entre a ser¡:ao dOnéstiex>-residencial (familia extensa) e a
(vaga) unidade tribal. A aldtrla nao é una unidade ocn::eitual fundarrental, seja
OCJlDestr:utura capaz de integrar os grupos cbnéstioos, seja cxm::> fonte de iden
tidade territ.orial. ver as observat;Oes de Menget sobre os Txi.cao, grupo caribe
oo Xingu CMEn3et, 1977:122), e as de Riviere (1984:11) para as Guianas.
179
araweté : os deuses canibais
do lá. Isto nao impediu alguns choques armados, com mortes de am-
bos os lados.
A partir de 1970, a FUNAI, alertada por um "passeio" que al
guns Araweté fizeram até as margens do Xingu (levados por um ga-
teiro amigo), e diante das noticias repetidas de indios na regiao,
come9a os trabalhos de "atra~ao" .dos indios da régiao entre o I-
pia~ava e o Bom Jardim. Em 1971 os Asurini foram localizados. Os
Araweté tem breves encontros com os sertanistas, mas nao permitem
visita as suas aldeias. Em 1974 a FUNAI constrói um Pasto, e abre
ro~as, no alto curso do Ipixuna, a 100 quilómetros da foz, junto
a urna aldeia Araweté abandonada. Mas é somente em 1976 que se con
segue o contato. No inicio desse ano, os Parakana atacam no alto'
Ipixuna e no Bom Jardim, levando as aldeias Araweté de ambos os
rios a fugirem em dire9ao ao Jatobá. Urna parte do grupo busca a
margem do Xingu, onde acampa na ro9a de um "beiradeiro". A frente
de · atra9ao vai encontrá-los lá em maio de 1976, em péssimas cond!
yoes de saúde. Os sertanistas convencem entao os indios a se muda
rem para o Posto de Atra9ao. Eles fazem wna viagem por terra, que
durou 22 dias; a maioria estava fraca óemais para andar, e muitos
(cerca de 30) morreram no caminho, ou forarn abandonados. ·No final
do ano, um ataque Parakana a uma aldeia que ainda existía no Jato
bá levou esta a se reunir ao grupo que estava no Pesto. Ali, to-
do s os Araweté que sobre-viveram aos Parakana, as epidemias e -
a
180
•
70 - 02 01 03
65 - 69 00 00 00
60 64 00 01 01
55 - ~9 00 00 OO.
so - 54 03 00 03
45 - 49 05 03 08
40 - 44 05 06 11
35 - 39 08 05 13
30 - 34 07 05 12
25 - 29 07 03 10
20 24 04 04 08
15 - 19 03 08 11
10 - 14 06 06 12
05 - 09 09 14 23
00 - 04 06 15 21 .
TOTAL 64 71 136
181
araweté: os deuses canibais
tes.
182
CAPITULO IV
OS ABANDONAOOS:
... • rp/¡11'
Anos, •
pa~ses, povos
Fogem no tempo
Como água corrente.
A natureza é espelho móvel,
Estrelas - redes; nós - os peix~s;
Visoes da treva - os deuses •
)
.
~ ~ (V. Khliébnikov /A. de Campos)
183
araweté : os deuses canibais
,.
l. GENESE E COSMOGRAFIA DO MUNDO ATUAL
(1) hi:pa significa: leito, 5uporte, superl!cie ae· inscriyao de algo¡ é o me~
no oonceito que grafanos -r-ipG. na descricrao da t:qx>nímia Araweté. (F)n 'l\lpi-
Guarani, as oonsoantes iniciais t e h , em muitas palavras, marcarn as fo:r:mas
indetel:lninada (absoluta) e determinada (relativa) do cxmceito eJq?resso na
raiz, respectivamente. .Elas
.
se JllL1dam em re n (após nasal), em certas a:>nstru ~
c;Oes mrp.>stas - possessivas, geni'tivas, adjetivas, e_tc. Ero Araweté, após urna
final f, os r iniciais rru:larn para d ou d; mas há irregularidades) •
'
insulto <~k~ra) que a mulher de Aranam:l lhe fez é-ne esPe .:. .
· (2) A nature7.a do
cialmente enigmática. Ela "jogou fo,;a as pegadas dele" (ipipa mara heti) - ou
seja, desfez os sinais dos pés da divindade nas pedras. Nao
consegui entender
por que isto foi \ITla oferisa.
184
os abandonados
Hehede'a,
.- tomou do chocalho de xamanismo e pós-se a cantar e a
fumar. Cantando, eles ergueram o solo de pedra em que estavarn,até
formar a abébada celeste. Com e·l-es for-am -wtta mul tidao de outros
Ma!, e seres de outras categorias. Outros subiram ainda mais alto,
constituindo o segundo céu - sao os I'llJa p!d-l pa, .. habitantes do
céu vermelho''. A matéria dos suportes celestes foram grandes ita-
pe, forma~oes graníticas semelhantes as que se acham nas matas do
Ipixuna. Os céus, assim, sao de pedra - como de pedra sao as ca-
sas, as panelas , os arcos e os machados dos deuses. A pedra é, pa
ra eles, maleável como para nós o barro.
·-
A subida dos céus ocasionou wna catástrofe. Privada de seu
fundamento pétreo, a terra se dissolveu (ik~e) sob as ág~as, que
. .
tomaram o mundo - urna inunda~ao causada por um rio, ou, segundo •
outras versees, por· wna chuva. Pako aáo e Yiáir~ ac~, a piranha
e o jacaré monstruosos, devoravam os humanos. Salvaram-se apenas
dois homens e wna mulher, que subiram num pé de bacaba(pidow~'i).
"
Ninguém soube me dizer seus nomes. Eles sao os tema ipi, a "ori-
gem da rama" - os ancestrais da humanidade atua1 3 • A inunda~ao
(3) he~ é una categoria de plantas txepadoras ou de rama. Te~ ipf,_ sao . os
'
185
araweté: os deuses canibais
cima de nós, cuja avesso é o céu visivel. Seu nome é Mat pi, o lu
gar das divindades. Ali vivem dezenas de ra~as de Mat, entre eles
os Mal hete ou Mal oho, os Mal "verdadeiros" ou "grandes", asso -
ciados ªº trovao e aos raios. e para este céu que vao os mor tos,
ou melhor, urna parte de sua persona.
Nossa terra é concebida como um disco, que se eleva progres
-
sivamente em suas bordas até ser interceptado pelo céu, que por
sua vez é urna abóbada que mergulha, a modo de redoma, até a terra.
Nos confins do mundo (iwi yec~ pa we, "onde a terra entra"; iwa
neyi pa we,"onde o céu desee") todos os diferentes patamares cós-
micos se comunicam, ern urna geograf ia de difícil representa9ao ge2
métrica. Cada urna das camadas do universo tern suas próprias estre
-
las e lua, que brilham no reverso (i'k~P! ti) das camadas imediat~
186
os abandonados
~as 4 • A lua - a lua que vernos (nao sei das outras) - é urn ser mas
(4) DiziarrHne tantán que as estrelas' (yáhi._ tata, "fogo da lua") sao as foguie!_
ras acesas nos J1llllOOs ~ores. A ~soc1 ~ das estrelas cx:m lagartas tam-
bém é feita pelos Kayabi (Granberg, 1970:166) e pelos Shipaya (Nin'alendaju,
1981:16). Para m1nha surpresa, os Araweté setpre pared.aro nao entender, quan-
do eu tentava obter os ranes de suas constela¡i5es. Dn nossas longas conversas
sabre o céu, sequer o JXJne de estrelas ou planetas eu c::ai.se;ui saber (exceto
venus, "cx:rrpanheira de Lua") • As nu:iarv;as das estac?5es seopre me faram rela -
ciooadas can a flor~ ou frutific:arao de espécies vegetais, cantos de aves
ou insetos, etc.: nunca can a posi~ das estrelas. Dnbora estarm quase cer-
to de que se tratou de incapac.idade minha., nio" posso de1xar de registrar que
os Araweté senpre se roostraram mais inte:ressados oo que ·se passava oo "lado
de dentro" (haiPi_ ti) oo céu, daninio cbs deuses, que nos .oorpos celestes vi-
síveis, que esta:> "enila.iJco 00 oéu" (~ na~ iro). Talvez eles nao tenham ,
afinal, caistel~es ••• Nen v
- - -
11• a Vi.a-Láctea cau;egui que identificassen:ou
pelo nex:>s que me dissessem dela mais que: "1canoho Ntiin:z 'i", perna de gaviio
- - -
-real (~Ja pl\IDagel\ branca) •
sol (karahi), por sua vez, é único: é o mesmo sol que brilha em
todas as camadas do universo. Ele nao é "antropomorfo" (bld~ he-
ri): é wn peda~o da grande cobra Arco-tris, cortado pelos deuses.
Quando na terra é noite, o sol percorre o mundo inferior (i~i
187
araweté: os deuses canibais
. -. . - . ..
(5) Há maneirisnos proverbiais Araweté que subl.inham, i.ndiretanente, esta
. I
oonCep¡:ao aa' unicida& do sol e.·aa nW.tiplicldadé dá lUá. P~a si~ficar que
nao esquecem:>S ofensas antigas, diz-se: é 'e te -~hi, "é este nésin.::> sol" (que
brilha ooje, e briihava ~ D:>S flzeram-maÍ). E~ urna· rro.tlher qlier re-
. . .
\
188
os abandonados
(7) Una ver~ fraca oo tena . ~ ' lrD.Jnó.:> queimado", carun a várias cultur?S ame
ricanas (I.évi-Strauss, 1966:299), que ~tá em correJ~ao. ao tema Araweté oo
dilÜvio universal, fo.nna. fraca oo "mlndo podre". Nao pude saber se a cri~
da ooite é anterior ou posterior ao dilúvio. CCllO se sabe, os mitos de .CDlfla
grac;ao e dil\iv1-o universais sao
cxmms a todas as culturas Tllpi, estanck> ligél.
dos ao cx:rner;o e/ou fim des ta1pos. (Para esses mitos entre os Tukan:>,v. S.Hugh-
Jones, 1979: 235-8) • A coruja 6aburé é . tida por mae da ooi te peios Mbyá (cado
gan, 1979:18), e por senhara avara do dia pelos Tapirapé (Wagley, 1977:177).
189
araweté: os deuses canibais
190
os abandonados
(9) Trata-se do fogo ha'iwa ha, de que trat.areros oo capítulo sobre a norte .
o raio é una netáfora para o· sénen, ou para a ejacula9ao;· a bolsa escrotal é
dita tata ipe riro, "saoo de raios", e os raios sao "o espeµna de Mat oho" •
. - - ·- . 4 • -
.
nos meteorológicos - como pensavam dos ·Tupi os primeiros cronis -
tas - (nao professando, ainda, nenhwn tipo de "mitologia solar" ,
como Huxley queria f azer crer dos Ka·apot) , nao há dúvida que a p~
~rilha), que seque o eixo do sol,· E-W. t por ele que o xama sobe
aos céus; é por ele que os deus.e s· e as almas já divinizadas · des
cem a terra para ".passear" (-ipohQ) e participar dos banquetes ce-
rimoniais. O k~rep~ é concebido como wn caminho largo, penumbroso
e perfumado, que se es..t ende
.
do zenite até o leste; ou alternativa -
mente, da a1deia Araweté aqui na terr~ até wn ponto indefinido do
céu, a leste; pois ele é inclinado, urna ladeira. Chegando ao mun-
do dos ME!_f, ele passa .como que por urna "porta" ou umbral, que -
e
191
araweté: os deuses canibais
Ora, assim que as almas dos mortos chegam aos céus ~· ·e las
sao recebidas pelo Iri~g_ morq_ti-t ta, o ·s enhor dos Urubus. Esta di
vindade é dita estar muito próxima da terra (." lo·g o ali", apontam
comos lábios os Araweté~ indicando' o ceu ocidental). Já os Maf
het~, os deuses"propriamente ditos", em quem os martas serao trans
formados, habitam no zénite, no centro do m\mdo superior; mas tam
bém habitam o "meio" dos céus, isto é, estao a urna distancia me-
192
os abandonados
cia,
-
De toda .forma, este sistema, para adquirir alguma consisten
deve se articular a outros materiais· cosmológicos Tupi-'Guar_!
ni - notadamente, a evidencias de associac;rao entre o mWldo infe-
rior e a porc;rao terrestre· da alma dos mortos, que nao encontramos
nos Araweté senao na forma enfraquecida de urna situac;rao mais "bai
xa" do caminho ocidental terra-céu, tomado pela alma celeste dos
mortos (a alma terrestre desloca-se no eixo horizontal, sem refe-
réncia aos pontos cardeais}. E desde já, algwnas observa~oes -
sao
necessárias. Em primeiro lugar, a associacrao entre Oeste e "Mar
gem" se fWldamenta na idéia Araweté de que eles agora habitaiu a
193
araweté': os deuses canibais
194
os abandonados
(10) A repetida af~ao de~ "n0s saoos crianr;as" (i:r! ta'l doho), o::lfID
resposta dada por harens já bem madura; as minhas 1nda<Jac;é5es sobre os tenpos
antig:>s, talvez signifiqlE ma1s qtE s:ilrples iralia ou resulte da preguir;a.Ela
~evocar una oerta cxn~ . - de qtE nao tentx> evidencias discursivas •
di.retas - de que os viventes sao, enquanto tais' "cri~as lt, isto é' seres
inCX?I!J?letos. Ela nao .renete,
portanto, apenas ao passaCb - estanos há pouoo
no 10Uhd::>, nada sabertos das origens -, mas também ao futm:o. Assim, os deuses,
~ar de sua vitalidade e capacidade de rejuvenescinento indefinido, sao ~
pre descritos caro partanCb grandes batj'>as brancas; e sao bem mais altos que
os humaJ'X)S. Igualnente, a dent~ adulta é una "prlneira dentic;ao" em rela-
~ a sequnda, que e a das almas celestes ressuscitadas (os ~té senpre su
-
blJ..riu:rn o fato de que oossos dentes re-brotarao no oéu) • E \.ID d:>s prooessos a
que as almas sao sul:m!Udas ~ - -céu é o ~-<:mnento" (ipiha) - elas crescem.
Os nortos (e deuses), partan.to, sao adultos perante os vi.ventes, s.inples
crianr;as. Ver adiante, pp. 347, 515,521.
195
araweté: os deuses canibais
(11) O notivo do peso 005 nortos fazendo o oéu desabar encentra-se identioo
entre os Wayapi (Gallois,1985:192), que aliás pareOe!n ter ainda o conceito de
um processo de apod.recimento crescente da terra (solo) a arreCt9ar a humanidade
- · Gallois, in.f. pessoal -, evocador da ncx;ao do cansa~ e velhice da terra,cen
tral na escatologia Apapokuva (N~ju, 1978:91,149). Tais mito-oonceitos,
ao articularan um tenpo irreversível, fUl'lClar\l urna historicidade essencial 'ffi.
196
os abandonados
ley, 1963: 191, 242-3, 262-3; este autor, como sempre, apresenta
197
arawet~: os deuses canibais
198
os abandonados
Q3) Apesar da situac;ao terrest--re ('})$ Mbahira, estes seres, cxno os . Maf Ara-
weté, sao associaCbs a pedra. Mas o povo de Mbahira é nenos inportante q\E o
Povo Celeste na cosrcologia Parintintin, e estarla identificacb a feminilidade,
em contrapa;19ao ao Últino O<racke, 1984:9) .ESte autor(ge.cit. :passirn)procura
nostrar a di.ficuldaó? de se estabeleoerem blooos de cpo6ic¡:0es sist:.enáticas ~
tre os diferentes d:minios Cb CUSJtos e seus habitantes, que viessern a oorxes-
pcnder a divi.sao da sociedade Parintintin em rretades e>a::><fernicas. Nao há dúvi-
da, porén, ~ o ei.xo alto/bai><O - fO?Jna enfra:ruecida da opo.si<feo céu/l'er.ra -
se expr:Lrce na cp:>si.crao entre as netades Hazpia e Mutum.
com deis céus e um mundo inferior. Mas acentua que o eixo horizon
tal predomina sobre o vertical, na cosmologia do grupo. Wagley
tl977:169) acredita que os mundos inferior e superior Capenas um)
199
araweté: os deuses canibais
recuperarem
•
dos ferimentos, indo entac para Maratawa} • ·aá assirn '
-
urna progressao: floresta • aldeia ocidental • aldeia oriental ,
que reflete ern verdade uro sistema de oposi~oes recursivas do tipo
ses):: (Oeste:Leste>]
200
os abandonados
(15) Isto é, que nao forarn execut:ad:.ls por feitic;aria. Os autores o:nsideram '
que o destino .. inortal" das almas Tenetehara, e sua residencia junto ooe ~
201
araweté = os deuses canibais
202
os abandonados
so em camadas.
C.2) A elabora9ao mais completa desse eixo consiste na idéia
de um mundo inferior, a camada terrestre dos humanos, e deis mun-
dos celestes (ou vários, mas sem precisao sobre sua natureza de
camadas superpostas).
(3) A oposi9ao Céu/Terra é a forma canonica de vigencia de_!
203
araweté: oS deuses canibais
204
os abandonados
U8) Este é un ckls raros ternos básicos Araweté para o qual ~pude estabel!:_
oer oognatai em out...-as linguas ~i-Guarani.
Ele pode ser enprega&::> em ñn;~
prorx:minal, . de un m:xb alcp senelhante ~ portugues Cbrasileirol "a gente"
mas cx:no prime.ira pessoa oo plural inclusiva; e parea! estar ten<Encb a su-
plantar a fcmna clássica ~, usaC'a nos canta; e em eJ<PressOes cristalizadas.
205
araweté: os deuses canibais
(.19) um problema que já foi colocad::> por Canpbell, 1982:236-259.. Mas isto ~
ria forc;ar um tanto a nocrao de peye, c:ognato Cb clássico "pajé", e q\E se re-
206
os abandonados
fere focalnente aos hunanos que posst:em tal qualidade espiritual. Acrescente-
se que os Araweté nunca definiram t'ltla ·cl.asse de seres pelo critério f:peye ha;
eles apenas apantaVé:In esse poder em tal espécie de ser, em tal outra, etc.
Em Araweté, a raiz -peye pode ser ~to substantivada. quanto entrar ern
constru;Oes verbais - ao a:Jntrário de seu;cognatos Wayapi e Parintintin (Cal'TE
bell, 1982:236; Kracke, 1983:3}, ende a ñn¡:ao verbal ou adj etivo-atributiva'
parece exclusiva. A fo:cra i:peye ha é \Jlla eJq).ressa:, verbal nominalizada: ~ é o
prefim da 3a. pessoa singular verbal; ha é un sufixo instrurrental. Volta.rerros
a tuó:> isto.
207
araweté: os deuses canibais
(20) Nao é fácil dar ccnta dos a:mcei:tos Araweté de identidade e diferencra •
Ernparte, po~ oosso conoeito de "identj.dade" é ambÍ<JlX>, significaneb tanto
"o próprio", o identiex> a si,. i.e. a identificaQio de algo caro algo (is den,
em latiml, quanto o "igual", o "mesno que", i.e • .a identifi~ de algo ~
outra cois3 (o idem
.
latino} - ver lbs.set, 1979.:18-19. Assim
.
tailtétn, nosso con
ailt.o de diferenc;a ou alteridade oscila. (ver a cx:riplexa discussao em Deleuze,
-
1969:20-25).
Dn Araweté, a identidade a si pode ser expressa pela foJ:ma e 'e te, "o pi:ó-
pric", "ele mesno", ou pela foz:ma anafórica e 'e y~, "o
nesno (de ·que se fala-
va) ". A identificac;ao a una classe ~ a outro objeto (igualdade ou equivalen-
cia} pode ser expressa pelo nesno e 'e ys, ou pela noi;ao de a;, "outro igual",
. - -
que cx::t'lOta substituibilldade ou J."ePeti~~. A idéia de dif~a pode ser ~
tada pela folltla catafórica "~katete k-t", "é outra coisa (o qt.e será menclooa-
Cb a seguir} ", ou pela fo.Il'na •te, "outro diferente". Ver Cap!tulo III, · n.
36. Isto é tudo que posso dizer sobre a dif~eY;ª Sinn/Bedeutung ero Araweté •••
A noc;ao de "verdadei.ro" ou "pxóprio", isto é, de e>cenplar típioo ou perfe_!
to de tna cJasse é denotada par hste. A ~ de "semelhante." ou "d:> tipo de"
.é denotada por hsrl. Nao fui capaz de ena:ntr~, na l.!ngua ou OOS11ologia Ara-
weté ,. una~ Ci:Js cxmoeitx:>s e categorias de tipo "pl.aténioo", a:no no
caso OOs Yawalai>iti CYiveiros de castro, 1978a) i pelo rne:rX>S nao
de faXJna tao
sistemática e relevante.
208
os abandonados
(22) Q[Cora o Mal Araweté nao seja una divindade criaCbra d::>s harens, oertos
atributos 1.Ógioos e sinb5lioos desta ca't.e9:>rla de seres, ou ch Ser, evocarn o
uso D1nka de "nhialic" e o Nuer ~th ~-Pritchard, 1956:1-27) - assim, o
tema da sepa.rar;ao ó::>s hmianos e das di.vindMes; a situac;ao celeste destas Úl-
timas; a osclJ~ entre unidade e multiplicidade, abstr~ao e cx::ncretude . ,
princlpio e sub.stand.a ••• No que se segue, pol:érn, ficareo claras as diferen -
'eras entre a~ Araweté e as nllóticas.
o tezno M~ é um muito provável "<Dgnato das fonnas Mair, Maim, Mbahira ,
etc. de outras cosnologias 'l'q;:>i-{;uarani; mas vexenos que ele funciooa algo d!.
ferentenente.
209
araweté: os deuses canibais
(23) te é una partlcula qtE parece signif1car algo cx:llD: "apenas", "sinples -
rrente", "nada além", "o pré:prio". Outro m:Xb de ccnotar o acaso ou a-signi.fi-
~ é o aspecto verbal -tehe, "sem objeti•JO ou razao".
210
os abandonados
211
araweté: os deuses canibais
paidentes a
-
tais atributos:
-
itJero me '!.1 brllhantes ou fulgurantes; kuea 7TtÍ re,
"desenhaoos"; hetJo me 'e, perfunaa>s; temi.ma ñá, senhores de aves de est:iJrB;ao:
nr:m:zka- me -B
I 1
- - -
llÍlsiCXlS i peye hstl I "Jmú.to xarMS ni ~tia
ka MI senhores 00 ba-
nho da troca de pele Ueferir.cia ao prooesso de :rejuvenescinp.nto cbs ncrtos ;
ver ad1 ante) • A pele cX>s Mal é brzmca e ~cia, Visto que senp:re reoovada.
- .
e.en-
tra esse :funCb branoo, o negro da pinttD:"a de jenipapo d:>s deuses é dito "ful-
gurar" ou "re~jar" ~~l. A ncx;ao geral des Md CXJ1D seres celestes e
brilhanteS é um argumento adicional para meu uso <X> terno . interpretativo
"deus" - letbrar que a raiz indo-eurq:>éia *dei~ ten exatarrente essa dupla
ex>rm~ (ao passo que "hanen" (han:>) remete a terra; Benveniste, 1969, II:
180, apud Lévi-Strauss, 1971:556). A idéia de brilho-resplendor para caracteri
zar os seres diviros é oarun entre os Guarani (Sdladen, 1962:121; 1982:10; ca
dogan, 1959:26) e. os Aché (C1do9i1~7 l.~'8:'6,76¡ P.Clast.res, 1972:302-3; Godoy,
1982) • Para a ooyio de "ternx:> interpretativo", ver Sperber, 1984: 32-5, onde um
dos exarplas é justamente "deus".
bém significa o "nós" inclusivo. Assim, "bfde luJte" é una idéia que só pode -
- -
ria ser e.xpressa para mim na fcmna -tl"!., "li'>s" exclusivo .•• Aci:esce que bfcie
hete pode significar una i;x>~~ de idéias, calfome o contexto: alma celeste,
em oposi~ ao especq:o terrestre: os Mf!f ·hs't! em opas~ aes outros deuses;
os seres h1JDaoos reais' em oposi~i:> as suas j magens •••
212
os abandonados
-
no céu após a morte¡ os inimigos mortos nao se transformam nos
AQl pey!· Por outro lado, as diversas ra9as divinas nao correspo!!
213
araweté: os deuses canibais
(271 Ot!f é prencne reflexivo, na 3a. pessoa (sing. ou pl.); mo é prefim cau-
sativo, qua ve"d">.31 -f za substantives, adjetivos, etc.; -owa é un verl:>o qua sig-
nifica "transfonnar", "virar"; -mo é um dativcrinstrunental.
214
os abandonados
215
arawet': os deuses canibais
homens chamam o Cs> Añi de ir_! ramoy ohq_ , "nosso avo grande" e
sao recip.r ocamente chamados de "netos" ( l'amono) , o que pa~ece co
notar a distancia entre os hornens e estes espiritas, bern corno urna
-
especie de ...
"ant~quidade"
-- .... 28 •
ou primevalidade dos An'Z.
.
{28) Ap passo qlE
afinidade,
os haDens dlamam os Maf e o· SenOOr das liguas por teJ:nos
cx:m::> verem:JS. A relNi'ao
- .
de
entre os .Añl e os anima.is seria, entao, e-
quival.ente a cm Mal can os baiens.
{29) Ou seja, para os Añi S)llOS queixadas, Cato para os queixadas saros CllJl -
d. ~ 21, Sl.J??. a:mparar can o que diz P.Grenand, 1980:42, sobre a v1sao
qlE tero os hcmens cbs animais, os anima.is Cbs hc:.m:ms, e o Sol e a Lua de am-
bos.
216
os abandonados
217
araweté: os deuses canibais
Qªº de Maf, e os
- Añi como espécie estariam, para os espiritos ter
-
restres, como os Maf hete para os deuses em geral. E tudo ~e pas-
Mal
Céu Terra
Aldeia Mata
Perfume, beleza Fedor, feiúra
Imortalidade Mortais e "matáveis"(yoka mi)
Alma celeste Espectro .terrestre
(Super-) Cultura Natureza (Pré-cultura)
Humano Animal
Arawe:té Inimigo
218
os abandonados
219
araweté: os deuses canibais
220
os abandonados
rencia dos deuses, assim, é urna mescla da figura dos Araweté (dia
dema de arara, pl!magem de gaviao-real, brincos de monemg) e
- da
figura dos ihimigos.
221
araweté : os deuses,canibais
(31) ver se;ao segtrlnte deste capitulo, para os espi.ritos canibais do cosnos.
Pode-se dizer dos Araweté o que se disse dos Arapesh: que o espacro da CUltura,
d::> Mesrco, é urna ilha cercada de canibalisrco p:>r toOOs 0s l.acbs (Tuzin, 1983 :
67-8).
(32) Esta é una dist.in;OO que encontrarenos en vários pavos que praticam al-
guma fonna de canibalisno, real ou imaginário: a dist.:LrMriK> entre un cani.balis
no "selvagem" e um "civilizaQ:)": os critérios de dis~ variam: ora o nodo
de consuno, ora a parte oons\:11\ida, ora quem o::AnSaCe, ora quem se consane •••
(ver, por exerplo, Pooill.on, 1972:17¡ Qiidieri, 1972:104; Poole, 1983:7: H.
Clastres & J.I.1zot, 1978:125 ss.). No caso Araweté, a di~ é entre o ca-·
nibalisno "liminar" e o canibalisno "texminal".
e ~matadores da gente" (blde yokª ha). Nem por terem agora o fa-
go (e comeremos mortos cozidos), deixam de ser "comedores de car
ne crua". Nem por serem belos, deixarn de ser impressionantes-ame-
drontadores, e parecidos com os inimigos. Estranhos deuses: primi
tivos, inimigos, canibais, mas desejados.• Na verdade, deuses es-
tranhos: pois o que os M~f encarnam é a ambigüidade essencial do
conceito de Outro, para os Araweté. Os Maf· sao o Inimigo - mas os
Mal sao os Araweté. Este é o problema. E o canibalismo divino é o
operador central da soluc;ao, conforme se verá. O que pode ser pe.E
cebido desde já é que o Além da Sociedade ou Cultura nao é um
"espelho imóvel", onde o Homem se mfra tranqüilo, constituindo '
sua identidade (a si) como interioridade eminente e clara. O céu
nao é nem o reflexo nem .o avesso da terra - é outra coisa que
urna "imagem".
222
os abandonados
termos -.genéricos, como "peixe" (p!da) , "ave" (irá, usado apenas '
limentar, a fun9ao para os Araweté (do pi, ''de comer'', temima ni,
•
"para animal de estima9ao"}, sua rela9ao como xamanismo e os ta-
bus alimentares.
te). A maioria dos animais, porém, foi "cri ada" - mal'a mi l'e. O
verbo mara se traduz literalmente como "col oca r", "por", "presentí
- . t" en t e, a t ua l'izar 33
te, por como exis .
223
araweté: os deuses canibais
(34) Os queixadas n00 forarn criados neste cauim; eles sao de Iaradf!, que os
faz nascer de brotes de .baba.cru, e sarpre forarn dele. o tema da transfonna.crao'
de objetos culturais de rnadeira ern peixes e jacarés se eno:::>ntra nos Parintin-
tin (Kracke,1978:4) e oo ciclo Apapokuva das aventuras dos geneos (Nimuendaju,
1978: 79-80). O tema da transfoµna9ao de ex-humams em animais nurna festa de
cauim se encontra, fora dos Tupi-Guarani, entre os Piaroa (Kaplan, 1981:14) ,
224
os abandonados
(35) Que o natento da transfo~ dos animais tenha siCb una· festa do cauim
ala::X)lioo, porén, isto talvez seja significativo. O k(i 1; 'da é o nanento prin
- -
cipal da sociabilidade profana Araweté, e .está associado a guerra e a licenra
sexual; durante o cauim, ainda, a embriaguez (ka'o) prOOu.z acessos de violén-
cia cega - tratar-se-ia, assirn, de urna festa "animal"?
225
araweté : os deuses canibais
timas do canibalismo dos Maf het!· Esta fun9ao é por vezes compaE
tilhada corn seu pai/irmao. Estes deuses, assim, estao associados'
a transforrna9oes retro- ou pro-gressivas da matéria humana, que·
parece ser concebida corno a substancia primordial dos viventes:do
humano para o animal, e do humano para o divino (transforrna9ao ern
Ma! após a ressurrei9ao); ou seja, em .dire9ao a ca9a ou ao ca9a-
dor.
A no9ao rnais próxima do que chamar!amos de "animalidade" ou
"natureza" é, em Araweté, a forma participial ~k~ het! me'!, "os
que sao realmente existentes", "aqueles que existern" (~k~ é ser ,
(36) Evidentanente, os Arcrweté saben que eles t..anDén, i.e. seus ancestrais ,
nao tinham ror;as nen fogo antes que o caburé e ?t-ep-e os "dessem" (me 'e) aos
hunanos e deuses. Mas a insistencia cnn que lembram esse estado de Natureza '
cx:m:> associach aos Ma!
.... é significativa - parece marcar um desejo, um desejo
de marcar os deuses cx:rn o selo da arrbigüidade face a CUltura.
t
- sao
Por outro lado, alguns animais nao - ~ka hete me'e: os u-
rubus, os peixes, os queixadas sao seres hukay pa, pois sao ani -
mais de estima~ao de espiritas "Donos" (respectivamente de Iriwo
226
os abandonados
(37) No reu nao existen queixadas, nem quatis, nen tat:us. Os pr.imeiros ~
oem aos Senl'xn'es 005 Pora:>s, 005 ccnfins da ter.ra: os segundos estao associa-
dos aos ífñl,' de que sao
a cnnida predileta. ~ sei porque nao
há tatus {por
seren animais de toca, subterrineos? ) - visto que existe un "deus-tatu" (Aiyi
rime ou Tato-Maf) celeste.
- - -
ches de estima~ao dos deuse~, que aparecem muito nos cantos· xama-
nlsticos, servindo freqüentemente para caracterizar urna manifest~
227
araweté : os deuses canibais
(39) Apa significa "coisa" em geral. QuaOOo usado en cxm.st.ruc;óes &:> ti¡x:> ••
(substantivo) + apa, pode c:x:n:>tar.' tanto urna idéia de propriedade, quanto a
de ~cia de algo a alguma out:ra ooisa (o subStantivo-sujeito). Assim ,
p::>r exerplo, quard:> se dizque a mandioca é kwne'e apa, "dos hanens" - cf.
supra, p. 163 -, isto quer dizer que ela é "masculina;', e nao "de prq>rieda -
de" ó:>s h::rtens. Maf apa pode significar, igual.mente, "divin:>", atributo da
divindade.
- -
228
os abandonados
deuses (nao sei como nem porque):. P!!p! é o "Senhor das Coisas
Boas" - Me'e kat' ~a-, o fogo, o milho, as plantas cultivadas •
penas existe" C~k~ te) - aquilo que foi abandonado. A rac;a huma
na é a rnais notável espécie des tes seres abandonados. Mais, notá -
vel porque, apesar de ter ficado, seu destino é ir: dos humanos ,
ao contrário do resto de seres .que 'k~, existern ~u estio (na ter-
ra), se dizque sic 'ha me'! ri, "os que irio". Esta i, afina!, a
marca
. da diferen9a
.
do humano dentro
. .
do mundo:
~.·
o tempo o constitui
em sua essencia. os animais tem "espirito" (hE!_'o we) e tem um
"principio vital" Ci.); mas nio "irio". Os da terra sic da terra:
os do céu, do céu. Só os humanos estio entre a terra e o c~u, o
passado e o f~turo: s6 ~les nio "morrem de verdade" ('man; nete).
O abandono da humanidade é menos. urna queda desta que. uma su
-
bida dos deuses. Deixados ~ar~ tris, os homens sio, propriamente,
essa aus~ncia da divindade. Ao contririo de tantas cosmol~gias do
continente, que concebem a Cultura ~ a cond~9ao humana corno con
quista sobre o ter.r i tório de urna Natureza ou animalidade
229
araweté: os deuses canibais
definem poi nio (mais) serem o que os deuses sao. Seu problema,e~
deuses, seu resto abandonado. Fei tos en.t retanto de tempo, ex is tin
230
os abandonados
(40) Ass:im, por exeiplo, a divindade que ergueu o céu, Araniíml, é concebida
o::no um individuo, oo mito. Atualmente, ele t.en duas mulheres, oo Maf pi:
Kadrne kañt, ,.IIlllheJ:--cani" e Otte:H K.añi, tlmul.her-ocll'c!i!" (um passarinOO)
-
Mas
-
se perguntax:nos se A.ranam.f é
- -
\l1l
- •
indivíd\X> (se ele é c1:pe me'~, "únioo"),se
é um só AraniimL que desee a terra para cx:uer mel, trazido pelos xamas -, res-
¡x>nderao que nao, que sao "nuit.os" {pawe). o mesto se diga das divindades fe-
mininas casadas con este ser uno-míltiplo. o que ne parece, é que o nodelo
que subjaz a este uso c:onceitual é o do "dax:> de aldeia" Araweté, ou o chefe
de parentela. Ass:im, os "Itllitos" ~ que deseen a terra sao, na verdade ,
AraniimL uñ, "os de Aranáml", isto é, seu "pessoal ", os de sua aldeia ou paren
tela, substancialmente identifica:los a/cx:m ele.
tensa série de deuses com nomes de animais (em sua maioria pássa-
ros), acrescidos de sufixos que os caracterizam como divinos e a~
231
araweté: os deuses canibais
(41) F)rb:)ra se ¡x>ssa distinguir entre "núsica" (maraka) e "cant.o" <oñ-lña) ,nao
existe núsica nao-vocai entre os Ara'weté. Tudo isso será analisado ro capítu-
lo VI).
9a na vi·a a A rawete-42 •
( 42) A ~ de ñii - que nao deve ser oonfmdida a:m seu lx:lrOnino ; ñii = jaguar
- é o a)gnato do jara, Qlarani, o zara, tenetehara, o iar ou ijar Wayapi, etc •
Esta é me~ cxnplexa, que t.e.m oorre~tes em iniíneras l!nguas nao-
'-Tllpi (cf. ¡x>r exerplo o Suyá ·JcaOOe, que Seeger, 1981:181 traduz ¡x>r "OOrr::> -
-control.aó:>r"; ou o Yawalapiti wokoti, que traduzi por "don>-representante" e
232
os abandonados
233
araweté : os deuses canibais
234
os abandonados
te. Os deuses vem porque vem, porque os Araweté gostam que eles
venham - gostam de ouvir seus cantos quando descem a terra, e ou-
"
vir o que eles e os mortos falam para os viventes. ~ verdade, po-
rém, que por vezes alguns cantos noturnos dos xamas eram interpre
tados como transmitindo uma "raiva" dos Mal por nao estarem haven
do festins de tal ou tal produto, na época apropriada; eles amea-
yavam o xama, no céu, de o devorarem. Tal ameaya é muito cornum, e
nao se confina a este contexto de vontade divina de vir festejar
na terra corn os alimentos produz-idos pelos humanos. Nao obstante,
parece claro que esta sua condi~io de "comedores" e estes banque
tes divinos sao signos da posi9ao canibal dos deuses.
235
araweté: os deuses canibais
236
os abandonados
237
araweté: os deuses canibais
(44) Animal que nao deve ser norto, 00 caÍitos das árvores e no:creros. o tape,
entre os Kaap')r, é animal familiar do x.anB, e para os Tembé estaría ligado a
feitis:aria (Huxley, 1963:217-8). Para os Apapokuva, é a ave de~, e está
.ligada a chuva (Nimuerx3aju, 1978:75).
238
os abandonados
239
araweté: os deuses canibais
dos rnortos antes de entrarern no céu, soprando ern suas faces para
"revivi-las''. Esta divindade come do veado e da anta. Seus dom! -
nios "fecham" o Maf pi, isto é, estao no nivel mais baixo do céu,
juntamente comas aldeias de outros deuses-"pássaros", corno Kanoho
"outros céus".
14. Há outros deuses-"pássaros" que vem i terra mas nao pa-
recern comer de nenhum alimento especial, corno os Karara ti peha ,
"habitantes-junto-aos-mergulhoes" e os Cita'i, senhores dos peri-
qui tos.
15. Há os Ita oho peha, "habitantes-junto-as-pedras-gran
(45) Un tana que evoca dois grupos de seres nútiros que viven na terra, os
Yicir~ pa e os Pa '!, os primeiros identificados aos Araweté, os segunCbs aos
branco.s. Estas duas tri.bes se entredevoraram as nádegas •.. Os Pa'!
- sao
conc:ebi-
dos caro grandes tecnóloc:ps, senh:>res do ferro, de ~ e outros arti.f! -
cios. Ambas as tri.l::x:>s estao extintas, c:reio.
240
os abandonados
se come o focinho dos tatus, isto nos inspira sonhos em que esta
divindade nos faz cantar (cantá-la) .
17. Há quatro espécies de divindades femininas que sao
' .
- di-
tas "as que trazem as sementes do milho 11
ou "fazedoras do milho".
Sao elas que, xamanisticamente, fazem o milho se plantar e colher
por si, no céu. Nao costumam vir passear a terra. Sao Tap~doka
rais ou a espécies vivas, que nao costumam vir muito a terra. As-
sim IUJito yari, a "Avó Vento"; Matiide toti, "tio (MB) de Mati.itie",
46
senhor do raio ; os Topi e suas filhas Topi naiyidl, que sao se-
(46) Este Maf pertenoe a um grupo familiar que inclui MatHti.e e o BS desta ,
- -
Iwayiko. Eles
- sao
pe.rsonagens de un mito en que Ma~tis fica presa dentro
- de
un tronco de pau-preto, e seu tio o feIX3e can un raio.
241
araweté: os deuses canibais
oertos animais. Teper! parece ser um personagem associad:> ao mesrro tenp:> cxm
o podre (venres) e o queimado (pedras que explode), fusao que encontranos tam
bém no Gambá mi.tico, de cujo pélo queimado, durante urna queimada de ~a de -
sastrada, se origina o nel. Mas nao
há nenhuna associac;OO clara entre este a-
nimal e o deus Tepere.
pantes da "canoa" dos Maf quando esta desee a terra para pegar os
agonizantes; ou Uruwa rerek;, "portador-do-pássaro-uruwa:,"; etc.
Outro modo comurn de forma~ao de nemes de Maf é f azer um neme de
animal ser seguido de peys..y . .. xama" - is to é, "o-xama-do- (animal)··.
Muitos destes tipos de deuses parecem cria~oes individuais de xa-
mis, que efetivamente nomeiam pela primeira vez, em suas visees
on!ricas, estas manifesta~oes singulares da Divindade. Por exem -
plo, o Mamaña-y o pey!, "Pajé-da-mamangaba-eterna", que aparece u
num festim de jaboti em 1983, foi-me identificado como tendo sur-
gido pela primeira vez no canto de um xama falecido, tempos a-
... 48 - - ...
tras . "i'papa-pap!!_ te k"1, pey!···", disse-me alguem: "como dao
(48) A mamangaba é una espécie de abelha solitária ou vespa, nuito feroz, que
faz seu ninl'x> en troncos podres, e está, de no.X> ge.ral, associada a podriMo
e a zrorte. A "marnangaba-eterna" pousa sOOre a pele velha das almas cbs nr::>rtos,
que fica esti.cada ao sol ~to os M:r:l hete se banqueteiam cxm a carne.
-
nomes, os xarnas " ••.
E há ainda muitos outros deuses, de que só sei o neme, como
Bew~'f kañl, "mulher-minhoca", Maro~ Mo inai'~, Irawadf. Os nomes
dos deuses, ou "nomes de deuses" (herai ha Mal tie, "nomeado segu!!
do um deus") sao urna categoria importante de nemes pessoais Arawe
242
os abandonados
Há, por fim, alguns esplfitos que, celestes, nao sao Ma~
propriamente:
243
araweté: os deuses canibais
nao podern ser mortos pelos xarnas, ªº contrário dos esplritos ter-
restres malignos.
244
os abandonados
(49) Una crerr:;a identica, para a mesma categoria de espirites, mas aneac¡:ando
as maes, se ena::m.tra entre os Mbyá - Schaden, 1962:93.
mas nao tanto quanto os 1ñl e seus "tios", que costumam tocaiar '
os homens e raptar as mulheres Araweté, e que só podem ser enfre~
245
araweté: os deu~s canibais
50
rnorto, que tambérn conclama o matador a que se erga e dance •
Por fim, habi tam ainda a terra as Iwi yari, as "Avós Terra ",
ra~a de velhas gordas que ~ozinham e comem os cadáveres humanos ,
associando-se assim a necrof agia dos Añi (que, no entanto, mo-
queiarn os mortos) , e replicando o canibalismo celeste dos Mal
he te, onde cabe as "avós Maf·11 (Ma! d.a'I'i) nosso duplo cozimento
(51) o mel de xupé, iwaho, é produzido por abelhas negras, san ferrao mas a:m
UIT\3. nordida .relativamente oolorosa, que se grudarn nos ca.beles e nos oorpos
suacbs. As CX>l.nÉias de xupé sao muito grandes, CXJl\ aparfulc:ia de um ninho de
246
os abandonados
Eles "chegam como mel" ou "trazem o mel" (iwaho rero - wahi, forma
causativo-comitativa) . Sao carecas, sem nenhum pelo no corpo
certamente porque a.s abelhas o cortaram todo - , e comecram a va-
guear pela mata, seguindo o curso dos rios, a partir do meio da
esta~ao seca, sempre a noite.
Ayarastª é um "comedor de mel", mas de natureza diferente
dos Mal que descem a terra para isso. Ele é perigoso; quando apa-
rece deve ser morto pelos xamas; e sua manifesta~ao causa urna di~
persao ou fuga ('tiyª .,;h~) da aldeia para a mata, para colher mel .
Se ficarmos na aldeia, os Ayaraeta capturam nossas almas, guarda~
do-as para sempre dentro de seu grande chocalho ar~y, onde se fi-
- parece agradar aos
ca eternamente comendo mel: um destino que nao
Araweté, que preferein ser devorados pelos Maí! hete e morarem no
céu.
Os Ayaraeta, seres masculinos, costumam também aparecer em
sonho as mulheres, falando com urna voz fina (eles nao cantam) :"to
me, eis o meu sernern; torne, eis meu cocho cheio de rnel, que trago
aqui cornigo". O iwaho, assim, é o sernern deste espirito, que tern
urna preferencia especial, como todos os espirites da mata, por
capturar mulheres. Os Ayaraeta sao sempre definidos corno senhores
de inumeráveis aves de ·estima~ao; e nossas almas, capturadas, tam
bem sao seus hemima.
247
araweté: os deuses canibais
( 52) Há qtSn deferda urna teoría segurrlo a qual, após a norte, urna parte da
oossa persona serrpre segue can os Ayaraeta, erquanto outra vai para os Ma-t, e
-
outra vira espectro. Nao há ¡xn:én1 unanimidade quanto a isso.
-
248
(
os abandonados
249
araweté: os deuses canibais
250
os abandonados
car. Nem sempre (ou quase nunca) é clara a rela9ao entre as divin
dades "comedoras" e seus alimentos. Se, por exemplo, a "divindade
-secó" come peixe, como seu pássaro eponimo (Tigrisoma gen.), nao
sei porque Aranaml come mel e jaboti, mas nao guaribas, etc. Mais
ainda, afora algumas associa~oes relativamente estáveis, todo o
sistema parece depender essencialmente ao· que eu ousaria chamar
de caprichos oníricos dos xamas, bem como das circunstancias eco-
nornicas. Assim, por exernplo, nurna noite do mes de janeiro· de
1983 um xama importante trouxe a terra um Uruwa-yo rerek;, um
251
araweté: os deuses canibais
- para a escolha
eu encontrava em tentar estabelecer as razoes de
um morto-eponimo para cada aldeia abandonada; e o mesmo que encon
traremos ªºdiscutir por que ·certos mortos retornam aterra nos t
. 252
os abandonados
253
araweté: os deuses canibais
254
os abandonados
255
araweté: os deuses canibais
256
os .abandonados
suplementares fundamentais.
\
( 5) Em primeiro lugar, somente en.t re os Araweté se encontra
.
o sistema de "descida" dos M~l para comerem, como estrutura ri-
tual central da vida religiosa. Isto transforma radicalmente o pa
pel do xamanismo entre os Araweté: ao contrário da imensa maioria
dos xamas Tupi-Guarani da Amazonia, a cura nao é a atividade pri~
257
araweté :·os deuses canibais
Tupi.nanbá Mair, por TeocX>ro Sanpaio: mbae iro, "o apartado, o solitário,o que
vive distante" ..• o que ros remeteria a toda a cl.ássica discussao sobre o sa-
grado-santo cx:m:> "apartado",definió.:>r daJeligiao es~, 1967, Ibuglas ,
1971:69). Schaden sugere ai.nda que o temo Kayová Pai, que desigi:ia o chefe'
- - .
religioso, nao se liga a fonna "pajé", mas sima TÑ>a.ir - i.e., "Malra" (1962:
105). O que, pelo menos, é CXXlSistente can a defini~ Araweté dos Mal cn10
seOOo poderosos xamas.
258
os abandonados
259
araweté: os deuses can ibais
-comedores.
(60.) Assim, se os Ma!/, hete se opOem aos Añi, e se estes últirros coootam o EQ
dre, os deuses oonotam, nao o oozido, mas o ~' metáfora perfeita da "ambiva
l~cia" divi-na: se, oonform:! as obse.rva?5es de Lévi-Strauss, o ?Xtre é urna
11
transforma9ao natural" e o cózido urna "transforma9ao cultural", o estado bru
to oo alinento, que pcx:ierá · se transformar em qualquer direc;ao, é o cru, pura
potencialidade.
'
familia opoem radicalmente·.
cantam. Todos es tes últimos .(sempre com exce9ao do Senhor dos Quei
gita rnatá-los, mas trazé-los aterra ou irmos para o céu. Mas, sao
260
os abandonados
to.
antropofagia Tupinambá. ·
-
Voltemos entrementes a terra.
261
CAPÍTULO V
ENTRE SI:
r"'
1
r '•:
'
'
•
V' ~.,/
~
1 •.• c'est a dire rejetant, dans un
\
'
/
..
I
! 1
. .
. futur o u dans un passé égaZeme nt hors
d'att~inte, Za douceur, éterneZZement
\ !
\
\ ' .. déniéea Z'homme social, d'un monde
\ ' ou l'on pourrai t vivre entre soi.
\ !
\j (Lévi-Strauss)
-
-ire par_! we somos todo s misturados.
263
araweté: os deuses canibais
~-
no tempo das chuvas nao há milho, e os jabotis .morarn no mato ..• ".
9ao, ela nao é tao Óbvia assim: afina!, os .jabot~s · rnoram no · mato
264
entre si
265
araweté: os deuses canibais
-
mente.as ooletivas - cx:rro tendo em vist.a lila espécie de animal¡ o que nao im-
pede, obviamente, que matem o que ?Jderem.
" 266
entre si
(3) Aproximadamente 1/7 el:> miTho assim estocaó::> servirá para a semeadura. A
267
araweté: os deuses canibais
de aldeia 4 •
dic;ao de cac;a, quando dormem fora de uma a cinco noites. Sao co-
muns, igualmente, a partir de agosto, excursoes de grupos de fami
lias, para pegar ovos de tracajá,, pescar, cac;ar, capturar arara·s.
268
entre si
Exceto nos meses de rnar90 a julho, é rnuito raro haver dias ern que
todos os grupos familiares estao dormindo na aldeia.
Um dos lfmites mais claros
~
a dura9ao destas . excursoes, mas-
.
'
culinas ou familiares, . é a quantidade de pa9oca de rnilho ,levada
para a mata. A farinha mepi fica imprópria para consumo após mais
de uma semana de fabricada: e como os Araweté nao concebem passar
sem· ela (ver p. 164), é raro essas d.ispersoes irem além de urna se
mana.
A partir de sete.Inbro a esta9ao do cauim fermentado comeQa a
dar lugar ao tempo do a9a! e do rnel, produtos cuja coleta é rnarc~
269
araweté: os deuses canibais
270
I
Modo de vida,
1--- MATA~ ALDEIA t- MATA -.
VIDA NA ALOEIA
(Mulher:Homem):: (Agricultura:Ca9a)::(Milho:Mandioca)
272
entre si
VIDA NA MATA
(Homem:Mulher):: (Ca<;a:Coleta): : .(carne:.M el)
100 verde, dizan os Ar~té, o mel "se es:vazia" . (i.e., as oolméias); e quando
~a o mel, cessam as cauinagens.
273
araweté: os deuses canibais
MATA ALDEIA
chuva seca
cac¡:a-coleta agricultura
jaboti milho verde
mandioca milho
mel cauim
cru, moqueado cozido, fermentado
home ns mulheres
ap?hi-piha casal
dispersao concentra9ao
intimidade distancia
pe yo tioka, op~rahe
274
entre si
no.
A dependencia do modo-aldeia em rela9ao ao cultivo .do milho
se mostra já no sistema de forma~ao de urna aldeia nova. Se toda
ro9a foi antes mata, toda aldeia foi, antes, ro9a, leito do milh~
Quando urn grupo decide mudar-se para outro lugar, abre prirneiro
as ro~as de rnilho, e se instala no meio delas. Aos poucos, as
planta~oes vao recuando, e resta urna aldeia. A forma espacial re-
sultante reflete :uma variedade de fatores, desde contingéncias mi
ero-topográficas até a ordem de chegada e instala~ao das familias.
Nao há, portante, um plano aldeao, uma expressao simbólica espa-
cial de uma pré-conce~ao ideológica. Mas há, é claro, um efeito
espacial de uma certa concep~ao do viver em sociedade.
275
araweté: os deuses canibais
276
entre si
como esse dos rapazotes fazerem suas casas, ou o das trocas temp2
rarias de COnj.uqes, quando sao as mulheres que se muda.in para a C!
sa do novo parceiro, parecem indicar urna identifica~ao masculina'
277
araweté: o~ deuses canibais
278
entre si
279
araweté: os deuses canibais
280
entre si
1 - caminho de ca~a
2 - saída para ro'ias
3 - saÍda para ro~as e cacimbas
4 - saída para o rio, cacimbas, aldeia do Posto
a
Os números das casas remetem folha 9 das genealogías (Apendice II). Notar a
concentra~ao das casas 7-10 em torno de um mesmo patio, e assim também para o
grupo 14, 16-20. As casas de 1 a 6 apresentavam-se "desorientadas" ou autono -
mas, como a 15, 11-12, e 13. O espai;o central entre as casas. 1, 2, 4, 11 e 15
era o patio do xamanismo do cauim doce. Ao longo de 1981, as familias se foram
mudando para a aldeia do Posto, e a correspondencia dos números aqui e os das
casas da aldeia do Posto (página seguinte) e:
281
•
A/deis do Posto
Arawete' dezembro 82
~·~ A• J'r,.,/or
®
©~d<Zs ~s f 1fltos ©
CA.SA.. 11/t r.:tJ, # t
®
0 rfA. ~~ ~"
CD $AÚllA... fA'A. ~
284
entre si
maior, e por ali passa uma . via de circula9ao entre o rio e as ca-
sas mais afastadas, bem como entre os blocos mais compactos a les
te e oeste. (Ver página 2 83) • Neste "meio da aldeia" (ta pi te) rea
- -
lizam-se as pajelan~a~ · do cauim doce, do mel, do jaboti e outras
- e isto independentemente de quem seja o "dono do milho", o xama -
encarregado, ou o ''líder" (ver adiante) da expedi<;ao de ca<;a ou
coleta. As razoes 'aduzidas pelos Araweté, quanto a escolha · dessa
área, sao duas: ali é wn lugar amplo, onde se podern enfileirar as
panelas como. alimento (que é o modo de as di spar); ele corre no
sentido Leste-oeste, e nenhuma casa bloqueia o horizonte do nas-
cente. Está é a trajetória de descida dos deuses e dos mortos; o s
raios de sol, de manhazinha, indicam o k~repe, o caminho do xama-
e dos espiritas vindos para a cerimonia.
285
araweté : os deuses canibais
286
entre si
287
araweté: os deuses canibais
~i
'
288
entre si
289
araweté: os deuses canibais
290
entre si
(12) Os menioos ainda solteiros, que noran en casa própria e que tenharn
rnest0
291
araweté : os deuses canibais
292
entre si
293
ar~weté: os deuses canibais
-
apenas a poucos, ou mesmo comer apenas dentro de sua sec;:ao. A
quantidade de convites que se recebe, o número de pátios que se
freqtienta sao indices seguros da posic;:ao social que se desfruta
na aldeia.
Por fim, o consumo alimentar que envolve o xamanismo prévi~
alde'i as, isso seria fe·i to no espac;:o .mais. "público" que houvesse :
beira do rio, etc. o Posto, corno indiquei na Introduc;:ao, torna/
cria estas fun9óes de espa90 coletivo). O ca9ador, nesses casos,
jarnais preside a divisao da ca.r ne (assim tarnbém para os Kaapo;r
Huxley, 1963:89). O prirn~iro homern de prestigio que aparece faz
isso; uma atividade exclusivamente masculina, e que rnantém o esti
lo tumultuário e individualista das refeic;:oes coletivas. o ca9a-
dor permanece deliberadamente alheio a partilha, e nao é incornurn
que nao receba nenhurn pedac;:o. Em troca, porérn, será convidado a
14
comer ern todos os pátio_s que leva~arn carne • Outra forma de divi
(14) ~ scb esta fonna enfraquecida - e específica para o caso de ca9a grossa-
que eixontrarros o terna Aché-Guayaki do interdito que pesa sobre o ~r ,
quanto a c:crrer da carne que matal (P.Clastres, 1974:99-ss.); interd.ito este,
294
entre si
por sua vez, una ''forma generalizada" da oposicrao central do ritual antropofá
gicn Tupinarnbá: o matador é .o únicn que nao ccrre do inirnigo norte (H. Clas -
tres, 1972:80). Por outro laOO, a tendenciq que se en<X>ntra entre os Araweté,
ae· que o anfitriao cate depois - ~ se sei:ve dep::>is - cbs convidados, parece
sugerir esta rresma idéia de ali~ao entre o cat;ador e sua ca;a.
295
araweté: os deuses canibais
296
entre si
297
araweté: os deuses canibais
(15) E, a parte o grupo mais central, en volta do cantador, .t odos oonversam '
durante o canto, saen da toada, desafin.3rn, mmnuram ou trauteiam mais que can
tarn, etc. etc. A inpressao é a de urna relativa ba~a, onde o cantador é um
pólo de atr~ e organiza<;OO, .em relacrao ao qual variam as distanqias, físi-
cas e/ou de envolvirnento, dos dernais participantes. Tal sistema, ben c:x:m:> sua
falta de "climaticidade", nao dei.xa de evocar a anállse do "indian time" de
Wann Springs feíta p::>r Philips (1974).
zer esquentar" urn cauim que se prepara, · e qUe tem seu clímax no
op~rahe da noite da cauinagem; ele é a forma de comemora9ao,igual
mente, da rnorte de wn inimigo ou de urna on9a; e parece ter ti do
Seu modelo, porérn, é wn só, e claro: o op~rahe
16
outras fun9oes •
,298
entre si
299
araweté: os deuses canibais
300
entre si
ral, e nao menos cuidado so em impor a sua própria, tudo isso mar-
ca de wna forma indefinivel o tom da vida grupal Araweté, que in-
terpretam assim, a seu modo, a máxima nietzscheana sobre a v1leza
dos comec¡:os.
Na verdade, o que se passa é urna vontade de ocultar, de ne-
gar o fato de que há, afinal, concerto coletivo. Trata•se de algo
mais profundo que um "horror a ~utoridade", ou urna recusa de qual
quer dif erenciac¡:ao de urn lugar de poder dentro do corpo social
Trata-se de resistir, por assim dizer, a legitimar esse corpo, or
ganizá-lo, movimentá-lo harmoniosamente. Trata-se de estabelecer,
nao um máximo de semelhanc¡:a entre todos, urna iso nomia fundada num
mesen, lugar comurn (Vernant, 1965:185-229), ágora ateniense ou
prac¡:a centro-brasileira; mas sim de criar_o máximo de diferenc¡:a :
de diferir, adiar-desviar, a resposta individual face aos estímu-
los sociais que a impoern. A "indiferenc¡:a" Araweté que eu menciona
/
va na Introduc¡:ao - indiferenc¡:a as marcac¡:oes rituais intra-societá
rias, indiferenc¡:a as "convenc¡:oes" - é o efeito de urna multiplica-
c¡:ao interminável de difere nc¡:as nao-totalizáveis.
301
araweté: os deuses canibais
302
entre si
(17) Tal nocX> de ptopagac;ao das ativi~ nao se restringe a esfera emnC.mi-
ca. A aldeia Ara1.<ot1eté parecía passar por ciclos, desde oo que tocava a noias
superficiais Cuma ~, uma brincadejra invadiam os dias) , até esferas so-
ciológicas. Assim, ¡x:>r exarplo, se um joven se casava, logo em seguida toda
a aldeia se pmha a ensaiar ligac;i)es (o mais das vezes terrq;orárias) entre os
nenin::>s e neninas na faixa dos 10-12 anos. Una troca ~rária de cx3njuges ,
criarrl::> a rela;roo decrprhi-pihii entre duas casas, prodnzja 1.D'!la "ha!Drragia" pa.
ra-matrinonial em que parceiros circulavam aceleradarrente de casa a casa. Eln
arrb:>S OS ca.sos, nao se tratava de reequilibrar uma estrutura de aliary;as {X)S
ta em novinento pelo evento inicial (cu nao era assim necessariamente ) ; sim-
plesmente as pessoas punham-se a repetir o amntecido.
303
araweté: os deuses canibais
(18) A posi~ relativa dentro de urn grupo é sert>re respeitada. Se urna parti.-
da de quinze l'x:nels sai para una ca~, na volta entrarn na aldeia na mesma
disposi~ can que a deixaram, cada qual tetm os nesnos hanens a sua frente
e as costas. Já vi:oos essa ~a, posicional oo caso ·ao ~rahi; ela se
manifesta até mesrrc numa rápida ida a caciltba, por um trio de ·ineninas. '
304
entre si
305
araweté: os deuses canibais
·306
entre si
mentes .• Ele também passou a ser usado como "capataz" para traba-
•
lhos coletivos, como a abertura da pista de pauso - nisso te ve
vérdade ' t.arnbén é que o '"dlefe"-·dlegou a estocar urna eno.nie quantidade de pól-
vora e churrto, e que a~tou ~to suas saidas para ~ - aurrentanOO assim
o núrrero de festins que oferecia a aldeia.
Por outro Jáao, as aCusac;Oes de a.Va.reza de Yiriñato-ro quanto aos bens
reóebi<X>s para redistribuicrao tendiam,' em nuitos casos, a poupá-lo, acusando
sua rnulher _d e ser aquela ~ mo '.e o marido - que o convencia a ser avaro. F\m
dada ou nao, esta a~oo é consistente a:m o papel tradicional da esposa do
' , ¡ • • • • • • - •
.307
araweté: o.s deuses canibais
tuda ficar como estava, até que ele come9asse; a!, todos, 1.e. ca
rada por um tenet amo que havia "marcado" urna determinada colméia.
Antes desse dia, várias familias já haviam saído para tirar mel ;
das chuvas. Nao obstante, no inverno de 1983, quando nem ele nem
308
entre si
diam": "ah, sim, ele entao anda na frente, quando ele e o Eliezer
(chefe do P.I.) vao ca9ar ••• " A forma morowl'ha, o cognato Arawe-
té do morubixaba Tupinambá, significa apenas "velho, adulto,gran-
de". Possui uma conota9ao de autoridade, mas abstrata - nao se e-
morowl'ha de alguém, grupo ou pessoa. Os velhos sabem, sao
-- gente
de saber (me'~ .k~a ha), e nao térn medo-vergonha. Mas nern por isso
sao tenetamo (embora o nao ter rnedo-vergonha seja urn dos atribu -
-
tos dessa posi9ao) de qualquer empresa coletiva, qua morow~~, ha-21 .
309
araweté: os deuses canibais
310
entre si
(22) Sua esposa, Aradcrhi, seria cx:nsiderada a t enetamO das mul.heres, erquan-
to o marido o seria de tcxbs os residentes. AraOO-hi ten, de fato, alguna as-
cerx:Jencia sobre a aldeia, mas nunca a vi "liderar" nenhuma atividade feminina
global - o que pcxie-se dever ao fato de que, ao oontrário das ~das masculi
nas, nao existe conteXto en que as mulheres ajarn coletivarcente. Ela nao era '
\.lt\ pólo de contágio especialrrente forte, tarrpouoo. Nao obstante, e apesar de
seu tertperarrento algo volátil e sua llngua afiada, era respeitada, alé.m de
ser capaz de p0r urna quantidade ·de "filhas" para lhe ajudar en tarefas c:x:rco
tecelagem, deb.llho de mi]J'X), etc.
311
araweté: os deuses canibais
312
entre si
313
araweté: os deuses canibais
(24) 'I\Jdo sugere que, assirn caro para ootros- grupos amazOnioos, a posi9ao de
"chefia", entre ·os Ara\oleté, resulta da superposi9ao de certos papéis, cat0 os
de xama, guerreiro, Uder de familia extensa, e de urna disposi9ao particular
de personalidade; nenhum fatór, por si só, é suficiente para determinar a dle
fia, que aparece assim caro urna espécie de fOCX> de oo~o de atributos, e
nao caro urna posicrao fonnal preenchida por critérios mecánioos. Ver o est:_udo
de Kracke, 1978, se.Ore a dlefia Kagwahi v-Parintintin; wagley, 1977: 118-124, ~
bre a ~ ooletiva Tapirapé, que registra o ·~pr00lena de se tonaran decis0es"
devido ao "extreno igualitarisrro" do ethos tribal. cada gnipo· oorestioo era~
ma faa;:ao, diz ele. Virginia Valadao (can.pessoal) ooserva a mesma canbina.yao
"politética" de atributos para a dlefia 'I'aTt>é. Ver tarrbém: Basso, 1973: 107 ,
114, 124, sol;:>re a lider~ J<alapalo; Riviere, 1984: 27-8, passim, sobre os po
vos da Gui.ana¡ Jackson, 1983: 65-8; sd:>re os Tukano (para o esquema ideológioo
'I\lk.ano tradicional-ideal, onde há urna "funrao" de chefe,v. C.Hugh-Jones,1979).
314
•
entre si
Corno já indiquei antes, porém, elas nao sao norneadas por seus che
fes, mas pelos mortos que lá ficaram (e antes disso, por aciden-
tes naturais). De qualquer forma, se é um "primeiro" que funda urna
aldeia, é um morto que a termina: e ambos a identificam.
315 .
araweté : os deuses canibais
(25) Igualmmte, as aldeias Arar.i.ieté pazeoem ter variaOO (do p:nto de vista e!_
trutural), entre una situacrao de máxima ooesividade e m1nima ~ - fart!
lia extensa uxorilocal sinples cu arrpliada (filh:>s casados, iimi:>s ·solteiros'
do casal ilder) - e esta situa~áo atual, de máxima ~ e ooesividade
mínima: justaposi~ de familias extensas eciüi.-potentes. Se fosse ¡:ossível ~
tellllinanros un tipo ideal de aJdeia, ele c:alSistiria na sin~ seguinte:~
.
po de sibl.ings casados, cx:m alguns dos casai s já c:alStituinOO familias exten-
sas de duas gerar;Qes, e urna dessas familias extensas ocupando o lugar de "se-
nhora da aldeiaM. A aldeia da margen direita do Ipixuna, abarxX>nada em 1981 ,
estava bastante próxima deste nDdelo.
Ver Basso, 1973: 132-ss. para o valor "legitimador" e caltagiante das ~
creesó:>s anetaw, "dalos da aldeia", entre os Kalapalo, análogo ao caso Araweté
- oorquanto mais fonnalizado.
316
entre si
-
(26) Can a notável ex~o do grupo de casas 26-32, que abriga um rore 9Loup
de i.DIBos, nenhum deles xama atuante. Este sétor (I, fo~. 1 das genealogías)
é o integrado da aldeia, dividindo suas alianc;as e freqüen~ entre'
Irel'X)S
317
araweté: os deuses canibais
- - - que
Mas um matador nao e capaz da proeza do xama, capacita
este último a fun9ao propriamente polltica de interpretar a vont~
318
entre si
gro _de homens mais jovens. Face ao _padrao ideal de uxorilo calida-
.
de temporária, a . "fun9ao-so gro" é anterior, logicamente, a "fun-
-
9ao-pai". Por sua vez~ a auséncia de quaisquer mecanismos estrutu
(27) Yhiñato-ro é o taren que tan maior número de "filhas casadas uxorilocal
11
- -
mente (tres, e mais sua "filha" Maria-hi, que II"Ora oo nesrro pátio - casa 26 -
mas que fo:rma outra 'lmidade de rcx;a), e o m:Uor número de "genros", ern geral,
dispersos pela aldeia.·
319
araweté: os deuses canibais
320
entre si
321
araweté: os deuses canibais
te".
322
entre si
(29) Se o miTho ainda está nuito verde, faz-se, em vez da mepf._, a farinha pro-
prianente dita, awac! ko'f, de milho pilado. cru e depois _torrado. Esta farinha
é ben rnais \mí.da q\ie a mepf._, podenó:> ser oonsumida pura (erxpanto a i;>rimeira
..
e sarpre acx:.rpanharrieto de algo) •
final desta tarde, cada mulher vai aq pátio dos qonos do milho e
•
bem farinha) .
323
araweté: os deuses canibais
324
entre si
325
araweté: os deuses canibais
. 31
fechar o corpo da crian~a • As mulheres, objeto da "ben<;ao" ou
(31) Essas operat;Oes t.erapeuticas, ben caro os cantos x.am:mlsticos, serao des-
critos no c.apitulo VI.
o xama inicia entao sua volta p~ra casa, no mesmo estilo com
que saiu; apenas, os movimentos opiwani ·se intensificam, e seu
canto se torna mais alto, entrecortado pelas batidas com o · pé e
326
entre si
327
araweté: os deuses canibais
(32) o mesno se dá na fabri~oo ó:>cauirn doce, mas que dura só urna ooite. As
nulheres menstruadas nao podan mastigar o cauiln, e se a dala ó:> millx> tem suas
reg:cas durante a fabrica~ ó:> ka'; 'da ela pede a una iDná para substituí- la
t:enp:>rarianente. Em julh::> de 1981 um gra.rxle cauirn, já pronto, foi todo jogaQ)
fora, poi:que sua dcna al::ortou. "M.lito 5an3lE 00 c.auim", disseram; ele nao pr~
tava mais.
328
entre si
tamo - como esse nao olhava para o dono do cauim, quando este o
inf ormou do tempo que deveria ficar na mata - e o seguem aos pou-
cos, subrepticiamente, depois que ele já deixou a aldeia corn seus
parentes próximos, conforme a "leí da inércia" Araweté. A inten -
9ao parece ser a de imperceptibilizar a saida dos ca9adores.
329
araweté: os deuses canibais
do esses acampa.mentes para cada vez mais perto da aldeia. Urna tar
de, entao, o dono do cauim vai "levar a noticia" (herape hedeha)
aos ca9adores de que estes podem voltar, pois p cauim já está mis
turado e pronto. Exatamente caro o xama do cauim doce faz coro o·s deu
ses, ele, na volta da mata, segue na frente dos ca~adores, mas ao
se aproximar da aldeia toma um atalho e entra discretamente emsua
casa, deixando os excursionistas tomarem a frente.
Enquanto os homens estao na mata, a aldeia é das mulheres •
Lideradas pela esposa do marak~y, elas se dedicam a torrar milho
e a recolher lenha para a carne que virá. Toda noite, realizamuma
"inversao ritual": fazem uma dan~a op~rahe no pátio do cauim, pa-
ra "esquentá-lo", lideradas pela esposa do líder da ca~ada, que é
a cantadora. Esta dan~a, porém, é um simulacro-substítuto das dan
~as masculinas: desorganizadas, dominadas · por um clima pueril e
jocoso, elas sofrem de urna carencia básica: nao existem cantos"fe
mininos" Araweté. Toda música Araweté vem dos deuses ou dos inimi
gos mortos, e só quem pode ser o 'tautor" dessa voz · do Outro sao '
os homens - xamas e guerreiros. As mulheres podem e gostam de can
tar os cantos "masculinos", de guerra ou de xamas, mas nao podem
dize-los pela primeira vez. Assim, em suas dan9as na ausencia dos
330
entre si
(34) E tanlbén para aproveitar a ausencia dos maridos e "cercar" alguma mulher
qué deseje. nirante o ka'i ~ra as m.üheres at:ingem mt alto estack> de estinu-
1~ (verbal) erótica nútua1 e, a:m> o .den:> do ~uim e~tá sob interdito se-
xual,, "caem" scb:e os poneos hanens restantes. O tema da! cxnversas e brl.ncaaü
ras femininas, nesse periodo, gira se11poce em torno de metáforas e anal.ogias ~
soc.:i.aJñ::> o cauim e o semem: nuna ocasiao en que eu e mais dois lnnens ficarros
na al.del.a, as ~s batiam as nossas partas t:razeim alias, e pedindo para en-
ché-las cx:m IX>SSO s8nem (Ver adiante).
331
araweté: os deuses canibais
..
reiros, que acontece a 1 1, no patio " do mingau. No entanto, a estr:!:!
332
entre si
(36) t possivel, embora i.n'prÓprio, haver um festirn ooletivo de cauim doce sen
que se reali7.e um peyo; e o mesno para can os jal:otis e outros alimentos. o
oon5\llD OOletiVO de rnel e ayai I porén, exige \.11\ peyo; nao obstante, estes pro-
duta; poden ser CCl'lSlmidos privadam:mte, o que nao sua:rle can o c:auim alooóli-
oo, obrigatoriamente ooletivo - e portante obrigatoriamente prelitado pelos
deuses.
333
araweté : os deuses canibais
334
entre si
la boca .dos homens; cada linha é servida por vez. e ponto de hon-
ra para cada um tomar de um só gole todo o conteúdo da cuia (méio
litro ). Os rapazes sem filhos, que se alinham na frente do bloco,
sao os maiores bebedores. Aqui, ao contrário das demais situayoes
de "hospitalidade alimentar" Araweté, os hornens sao quase-agressi
vamente servidos pelos anfitrioes, permanecendo "estáticos" en-
quanto os dones do mingau giram a sua volta, dando-lhes a bebida-
exatamente o inverso daquelas situa9oes em que os homens se proj~
335
araweté: os deuses canibais
336
entre si
para ca9ar - antes como agora, apenas o dono do mingau deve ficar
ritorial, tribo.
tos, outros apenas balbuciam frases sem nexo. Quando se está beba
a uivar e se debater,
337
araweté: os deuses canibais
csfe1r.a~
ch j'-'pc>S
~ ...." l••l"C S
~ - tan~~dor
A • "º""~ l\S
0 - ~"\"~t'CI
338
entre si
·o o
o \l\/ Vo' l \]'\lV
o t> <]
o I> '1\l'lT\lV\l <J ·0
o 't> <1
o t> ~.6 ~¿\ ~~Ll L1 o
g t> i1.6~4~A46Li
<l
o
~ o 0 ·o o o
- • • 1
l. dot1
da festa.
(38) Lé.ry 1972:91; Cardim 1978:104; Abbeville 1975:239, todoS 'c x:ntrastam a rro-
derac;OO e o silencio Tupi.nambá durante o a::mer can os excessos e a cantoria oo
beber (cauim) , e se surpreendem can a niitua exclus00 entre o cauim e a cx:rnida
(para eurq:eus da civilizac;ao do vinh::> a mesa, de fato isso devia saltar aos
olix:>s) • Beber_, funiar, cantar entram em um contexto: caner, em out.ro. O que va-
le destacar équi é a q:osic;ao latente: bebida + palavra (canto) X cx:rnida + si
lencio , que reenvia a0 que cxmsidero urna polaridade oral básica 'l\Jpi-Guaran.i :
cantar X ccmar ( cf. supra, R.:>s • 260-1) •
-
339
araweté: os deuses canibais
MARAKA:t K1'1 Nl
ca~ador, líder dos homens, leva- cozinheiro do mingau, fica com
-os para a mata as mulheres, .. leva · a noticia ..
dan9arino: "o que se ergue•;prin nao dan~a; servidor do cauim,re
cipal receptor do cauim,princi
pal doador de carne
= ceptor da carne
340
entre si
(39) Seguindo esse paralelisno metafóri<X>, p:xler-~ia dizer que as danf;as oo-
tumas que "faz.em-quente o cauim", durante sua fabricai;io e fernen~ao, cor -
res¡;x:njem ao papel de a; m0, "ajOOar' a carpletar" o feto, realizad:> por outros
lnrens além do "genitor social", principal fabricador do fil.h:>.
cauim (casal) sao como os"donos da crianc;a" (termo que descreve '
os pais de recém-nascidos), que devem estar atentos aoque acorre
com suas "fabricac;oes" (heml-moñl).
Os Araweté jamais trac;aram paralelos explícitos entre a
ferrnenta9ao do cauim e a gesta9ao - deixemos isso claro. Mas há '
341
araweté: os deuses canibais
342
entre si
40
isto é, os homens teriam urn "parto" mortal .
343
araweté: os deuses canibais
grávidas ~ devan preparar o cauirn ácido, pelo meoos oos primeiros neses de
gestat;ao, quaOOo é necessário muito semen para oonsolidar o feto, que é urna
ooisa ..verde" (n00-madura) - daci - e friorenta. A suspensOO das rel~s ~
xuais na fase da fementac¡3:> mataria o feto de frio; inversamente, a gesta~'
dentro da nulher retiraria a fo~ fententativa cX> cauirn nas panelas. A II'lllhe1*
IlO cauim, é \lm ser "fecurrlante" t nao \lm 1t fec\ll'ldaX)" - salivante I nao insemina-
00.
As menstruadas nao
poden mastigar o cauim porque seu sangue tanbém oontagia
ria a bebida, e isto teria o mesno efeito sobre os b:rnens que se eles houves-
san oopulado cxm el.a (a:m una menstruada): a norte por ha 'iwa, cX>enc;a causada'
p:>r ccntágia; sexuais perigosos.
344
entre si
( 41) Os TapiratJé, que nao usam o cani m alcx:>Ólioo, mas apenas o "doce" ( leveme::!
te fernent:aOO), possuan no entanto um EqU.ivalente desta bebida nortal: é o
kawió, o "cauim ruim", que provoca v&ni.tos violentos, e que é administrado cx:>-
no purgativo-?Jrificador para os matadores de feiticei:ros. Ele é o fc.xx>, igua!
inente, de urna cerim:3nia de reclistribui~ ~ca, ame as pessoas que o be-
ben - situa~ "humilhante" - tém o direito de receberem bens Cbs que se abs-
t.Em. Há dúvida sobre se o 7<.aLJió seria feito de mil.00 ou de mandioca brava. Cf.
Wagley, 1977: 7'!r-77. Os Araweté só remrdam um caso de adninistr~ de tiewa,
há muitos aIX>S atrás.
345
araweté : os deuses canibais
346
entre si
-
mas nao de verdade; o tabaco idem; e quando morremos "mesmo", tam
pouco é "de verdade", pois os deuses nos ressuscitam - como uso
de tabaco. O tabaco é u.In tran~formador ativo, o cauim uro transfor
mador passivo, e estes anti-alimentos tem seus equivalentes em co
difica9ao sonora e social: o tabaco e o chocalho ar~y sao o em.ble
ma do xama, ambos· instrumentos de contato com o mundo dos deuses
e criadores; o cauim e o chocalho maraka'i o sao do cantador. O
chocalho de dancra é um instrumento "passivo", apenas acompanha o
canto, nao cria ou transforma nada. E talvez agora possamos enten
der porque foi durante urna cauinagem que os homens foram transfor
mados em animais, mediante o xamanismo (tabaco mais ar~y) de
·Ña-Maf:
(43) A "forc;a regressiva" do cauim p:x3e ser indiretarrEnte ronstatada rx:> trata-
mento "infantil" a que esta::> sul:netidos os danfrarinos - al.inentados pelas nu -
lheres cx:m urna "a:mida" mastigada. E a fo~ progessiva do tabaro se m:::>Straria
exatarrente rx:> devir-divirx:> daqueles que o etpregam: os deuses, cx::m::> sugeri an-
terio:rnente (p. 195, nota 10), sao adultos diante cbs viventes, sinples crian-
cras.
347
araweté: os deuses canibais
(44) Nao há um tenro Araweté específico para "fermentar". A raiz 'da significa
"azedo", ''amargo", "fenrentado" e "alcoóllco". "Fennentar" o cauim se diz mo-
-ra, "fazer-azedo". En:)uanto prooesso, a fe.nnentac;ao é um "ferver" ou "borou-
lhar": i-pipo, forma que oonstrói taubém o verlx> "cozinhar" (can água) :mo-pipo.
Por sua particularidade de ferver sen fogo, ' a fernen~ao do cauim se apro-
xima de una outra água nágica Araweté: aquel.a da "hacia das almas" no ntlll'lOO
celeste, depress0es circulares de pedra (sernelhantes iquelas em que os peixes
ficam presos na est~ seca e ~ nortos a t.inti>) o00e borbu.l.ha una água ef~
vescente na qua! os 11'Crtos sao post.os a reviver, trocanOO de pele.
"Digerir" é tantán \lm ver00 geral 1 mo-yatJeI n faz.er passar" I CX'llD passa urna
nuve.m no céu, urna dor de ~, etc. F.ste verbo pode ser usad:> no sentido de
"voltar a si" , revíver, cx::m:> si.nOnino de -tpe~; o Senhor dos Urubus sopra oo
rosto das almas recán-chegadas ao céu, "to mo-yaLJi", para despertá-las.
Já se deve ter ootado que urna série de atividades oerim:>niais ligadas ao ~
100 atriblem a ~ hunana un ¡rx3er causativo sobre os processos a que este ~
getal está sujeito, natural ou artificialmente: a dispersáo das chuvas "faz a-
madurecer" o mi.lho; as dant¡:as "fazern esquentar o cauim"; a cac;ada "faz az.edar"
o cauirn. Essa idéia, expressa oo uso sistemático do prefixo causativo mo-, su-
gere que o mi.lho tem algo de ser animado ou caisc:i.ente: nao só o cauim tem ou-
vidos, <X1tD já nenciooei, mas os graos de mi.100, pl.antaó:>s, gritam (yapok§¡ >~
la druva.
KA'~ , DA
348
entre si
ria ka'.; pepi ka, "em troca de." , "como equivalente do" cauim - , i!.
to é, que ele seria devorado após wna cauinagem (Staden, 1974:82),
bem, isto me parece suficiente para sugerir wn "horizonte caníbal
-guerreiro" para o cauim alcoólico Araweté. O pepi ka da festa sao
os animais moqueados trazidos pelos ca9adores; o op~rahi Araweté
é wna dan9a em torno do cantador-matador, como o poracé Tupinambá
.
349
araweté: os deuses canibais
(45) caro sejam: a ••aant;a das cabec;as" Parintintin (Kracke, 1978: 45), o yawo!
si Kayabi (Grlmberg, 1970: 169-ss.). A cauinagan Kaa¡x>r (HUxley, 1963: U4-6)
parece ter sido antes um rreio de celebrar a paz que de cauenorar a guerra. A
cauinagem Shipaya é especialnente interessante, por estar dissociada do caniba
lisno, praticado pelo grupo, estando em CDltrapartida ligada a vinda das almas
dos nortos para beber (NinuerXiaju, 1981: 22-3, 32-37). A vinda 005 nortos para
o cauiJn é central oo caso Shipaya, erquanto para os Araweté é um ItOtento ante-
rior a festa, cujo contexto é guerreiro e "caniba.1". De toda fonna,registre-se
que apenas os .Araweté, dos 'l\Jpi-Glarani atuais, apre5entam essa vinda dos nor-
tos .para cauinarem,
.
e nisso se apraximam dos antigos Shipaya, Juruna e Takunya -
pé, mais que dos TUpi-Glarani próprios. A cauinagem Guarani atual está disso -
ciada de qualquer inplicac;aio guerrei.ra e, na nelida em que se pode distingui -
-la cb "bati.sno oo milh:>", parece depeOOer de ~festagSes mistim-oní.ri~ . '
individuais, cxmandadas em seguida pelo xama, nas quais cantos ~ da&:>s a ~
dividuos, e ent.ao ·cantada> pelo grupo (Ni.muerrlaju, 1978: 95-ss. ¡>ara os KayO-
vá, Ver Mel.iá, F.& G. Grtmberg, .1976: 241-ss.).
(46) Un tema clássiex> dos TUpinambá (cardim, 1978: 27; 'lbevet¡ 1953: 156) , a
que ret:ornarenos (e tanbém dos Bororo) • Os Araweté, ao contrário dos TUpinambá
(Staden, 1974: 84) e, EXJI' exerplo, dos Txicao
(Menget, 1977: 156), nao
¡:iensa. -
vam oo inimigo caro um "animal de es~", e sim o:m::> cac;a m:::>rta; certam:m-
te porque, ao contrário dos dois outros grup:>s, eles nao tinham o costume de
guardar prisioneiros. '
o cauim alcoólico, em suma, é urna cerimonia de guerra; e
~
o
caráter ambivalente desta bebida me parece refletir o es.tatuto am
350
entre si
(47) A idéia de que o mel é um al.Urente cru (un, que significa também sangue )
só pCrle ser de&izida .i..ndi.retarrent.e, quarm eu ootava os Araweté observarxb os
braocos a ferver o mel para estabilizá-lo. Eles diz.i.am: "mas o nel nao carece
de ser rozido ••• " ?fu seise o melé classificaCb caro vegetal (caro generali-
za .I.évi-Strauss, l967b: 27-8); ele parece ser urna categoria única, para os Ara
weté.
mel pode servir de "t~mpe~o" (ahi) para bebidas como o a9aí, en-
quanto o cauim alcoólico é que precisa de "temperos" - os inimi-
gos mortos. E por fim, se o cauim é "azedo como o semen", o mel
é doce como a vagina. Comer mel nos "amolece" (mo-t-tme) como urna
rela9ao sexual; dá seno. E o mel de xupé, especialmente, faz nos-
sa barriga roncar - o mesmo síntoma provocado por urna cópula in-
cestuosa. O simbolismo sexual do mel é múltiplo e ambivalente. Do
ponto de vista das mulheres, ele é o sémen do espirito Ayaraeta ,
351
araweté: e>s deuses canibais
(48) Ca'lfonne a forma tradicional de designar o ginero femiru.lx> por seu sexo :
hana, vagina. Assim, se eu perguntava por que fulano e sic::rarx:> brigaram, a res
- -
posta era: "hana ne", por causa de nul.her. o penchant rabelaisiano dos Ara.1eté
recorre a ootras metáforas para as vaginas da aldeia, confonne sua "aparincia'~
mas os nares de roéis sao os rnais usados, e definen o gesto ou efeito del.as so-
bre o lx:ruern.
A talvez un1versal associac¡3:> oo nel can a sexualidade, explorada par Lévi-
-Strauss (1967a), fica especialmente patente no caso dos tabus al.ineltares Pa-
rintintin, axie o mel é o úniex> al.inento cujos efeitos malignos passam entre
oonjuges, CAl através de rel.afiao sexual (Kracke, 1981: 117) - aquanto que ou
tros alimentos, por assim dizer, seguern a llnha oo sémen, visto que os tabus '
definen o circulo cbs parentes de substáncia, nao afins - e a substancia de P-ª
rentescx:> 'l\lpi-Glarani é o sémen. A assa:j ~ sin'ples mel-semen, apontada par
Kracke (op.cit.: 121-2), parece-me mascarar a natureza "feminina" do mel - na
nedida ern que a nulher é (nos TUpi e quase senpre alhures) o ginero sexualmen-
te marcado. Para o valor do mel no ~to Suyá, onde ele tan a curiosa PrQ
priedade de ser símbolo de si mesno, ver 5eeger, 1981: 222-3; a "ó::x;ura" oo se
t
352
entre si
(49) Im koCo, ande koco e un verl:x> que descreve o nDvinento Qe enterrar, en-
fiar, u..c:ado tanbém para a penetr~ao sexual. A oposi~o mel/tabaoo, nesse cai-
texto de~ do xupé, pareoe assimilar (e cx:mseqüentenente separar) a ool
rréia dleia de abelhas, crm una ponta fumegante a nodo de um charuto, e os OC>-
nens ao pé da árvore, que se. funassem se encheriam de ~lilas ferozes?
353
arawet4: os deuses canibais
(50) Nao se faz xamanisno ou refei~ ooletiva de ~ sen ten¡:>ero CX1n mel;mas
a reciproca nao é verdadeira.
354
entre si
-
demais visita9oes de deuses e_ mortos 51 •
(51) Exoeto pelo perigo envolvió:> no xananisnD do nel (puro ou can at¡ai), que
nao é ali as
-- maiar que o dos benz:lmentos des jal:x:rt:is, da anta e do veado,
. .. . ..
Arawete nao pamoem destacar. de 1ro:X>. especial essa oe.rillCnia. Nos diarios
- os
de
Joao carval.ho (carvalix>, 197'?) , no entanto, este sertanista registra que foi
durante a "Festa do~" que se p:roa!Ssou, em outubro de 1977, uma txoca geral
de 00njuges da alde1a, e que isso ·nao era fortuito. Parq mim, os Araweté nega-
ram qualquer cxmexao neoessária entre urna CDisa e outra; O lt1JVimento registra-
ch por carval.ho teria sido devido a urna recurp:si~ de r~ cx:>njugais, a-
pÓs as nm: tes da época do o:ntato.
355
araweté : os deuses canibais
( 52) Toda vez que \E xma sonha can esta divindade, ou can as ootras ~ ce-
les~, Ra iari ou Na ~ ' hii, aeve avisar a toda al ae1 a de mama, e . espec1al
-
mente os pais de cri~as pequenas
- (se estes nao OU'7iram o -
canto not:urrX>) , para
que eles as enplurnem. A plumagem da harpia afasta as oor;as que estarao certa -
mente rondanó:> a aldeia - pois é isto que o sonho pressagia ou indica. Se ben
enten:li, esta ~ está associada a um ba.ter de asas do kanoho ra 'o we, o
"espirito da harpia", que amedralta as cnras- Se as cn;as parecen ter pref~
cia pelas crian;as, a harpia é um animal diferentemente relacionaó:> ~ a fe -
currlidade: nulheres que CXluem de sua carne nao mais menstruam, e ficain esté-
reis.
356
entre si
E )w I
l
\
\
~tREPE 'rc1!
- ~ /
{>'•~l)
(c.a~i "ko · dos
dtus~s e
-' .... ,,.. ,,.. /
~ot'+o~)
•
di,.~ ~Jo ci\Jpc. ...~¡º
el~
d•s "tic.e.has" do.s y~,,
357
araweté: os deuses canibais
fice.has do ... el
< <
<
co'~
abri,o• do
COlh me,J ac.antpantehfo
358
entre si
359
araweté: os deuses canibais
(53) ~is, jahotis, guaribas, peixes, cauim dooe - tu:b isso pode ser consmd-
do privadarnente, sern que o tratal?ento de neutralluiyao das fan;as nelignas ó:>s
alimentos seja necessário_. Estas só pareoem ser ativas quaOOe> se trata de urna
pro&.ic;ao e/ou CD'lSum:> cx:>letivos, que, por sua vez, envolvem descidas de deuses
e nnrtos a tena. (E por 1sso o cauim alCX>Óli<X>, que oo ponto de vista dama -
lignidade substantiva, imanente, é merx>s perigoso que as carnes e os néis, é
senpre benzioo). As raz.Oes de orden sócicrteológica prevalecen claranente so-
bre as teorias branatolÓgicas Araweté; e por isso o "~srro al.inentar", a-
qui, é ·nuito roa.is urn catplexo sacrificial de a:uensalidade que urna operac¡rao má
giex>-médica de enfrentanento dos perigos da Natureza, ao m::x:b clássioo na JVré-
rica oo Sul. Ver supra, p. 25 7.
360
entre si
361
araweté: os deuses canibais
(C) Conclusoes
362
entre si
363
araweté: os deuses canibais
- sao
raweté: que seus "ideais de Pessoa" reflitam o que eles nao - -
inimigos, mortos, deuses.
364
entre si
365
araweté: os deuse1 canibais
366
entre si
367
araweté: os deuses canibais
duplo sentido: seja .porque quan o pronuncia (~, ~ati1al iza) sao ~re os
oot.ros, se ja porque seu mne de infancia roceia seus pais. Esta iJltX>ssibilida-
de (pois é dist.o que se trata) de se autcrrx::mear evoca o sistema YaJ'DIBtli, on-
de, w furdo de tcx1o o gigant.esoo aparelho de proibiQé)es oronásticas, jaz a re
cusa de dizer o p:cóprio nane (Lizot, 1973:67). AtJ contrário dos Yarxmami, po-
rim, nerüun tabu pesa sct>re o roce dos -DDrtos. E a recusa de auto-~ 00!!
trasta, nos deis casas, can o que enccnuaroos JlO Alto Xiogu, onde o que se
proibe é o uso do rana &le "out:ros": dos' afins, erquanto . o ,próprio é livxeceu·-:
te usado. Quanck> digo que una pessoa_só se nareia no discurso citado, . quero
dizer que ninguén responde, se lhe for perguntado seu rnne, e que tanpouoo ~
pode substituir o "erbraiaOOZ'" da prineira pessoa do ~ingul.ar .he por seu neme'
próprio, ou colocá-lo en aposto. De resto, fora do canto xaman!stico, é raro
alguém _c itar o p:cóprlo nane.
(57) cnie tyiha se analisa . en pi-na, "que reside junto a", fcmna que oonhece o
pretérito pi hez-e, "ex-carpanheiro" (de fulana), base de alguns nanes pes-
soais vigentes.
368
entre si
369
araweté: os deuses canibais
(58) Elttlora a expressao "he piha" µ>SSaser usada para designar o a3njuge, in
depementerrente de sexo, os lnnens raramente a usam. E as mulheres n~ sao -
referidas tecnonimicamente CX11D pihG de seus mariCbs. As fonnas "esposa" (he
migika) e "es¡:oso" (hereki) de X ou Y SÓ sao usadas o::m:> descritivos de pa-
rentesoo, mmca ccriD t.ealCnim::>s, i. e. , CXl10 nemes pessoais.
370
entre si
371
araweté: os deuses canibais
(60) E assim as situa;('>es rxrninais sao DW.to cx:nplexas, nao pennitindo que se
deduzam conexOes genealógicas reais Cou alegadas) da tecnonímia. Por exetplo :
o chefe da aldeia, Yuiñato-ro, "pa.i de Yiriñato", casou-se can a viúva Arado-
- -
hi, '"mae de Arado". Arado, crianc¡:a nDrta nuito antes desse casamento, foi "fei
-
ta" pelo finad:> Aracb-ro. Yirlñatc:rro pode porém ser designado oc:rro Aradcrro ,
já que é marido de Arado-hi. Pode ainda ser chamado de Yll"iñato-hi-p~, Ara-
do-hi-pwa. sucede que sua filha can AraOO-hi, Yirlñato - que o chama de "pai",
- - - -
a:msideraOOo-o cerro tal para todos os efeitos -,é tida pela q;>iniao geral, e
tacitamente ?Jr Yfilñato-ro, oc:rro fruto da sene.nte de cbis outros h::rnens, um
vivo e outro já falecicb, a quen ela tanibém chama de "pai". sao estas conexOes
agnáticas genéticas que sao levadas en cx:nta, no cálculo matrinarl.al, apesar
da nenina d1amar de "~" a hc:rnens que ¡xxler~ ser seus futuros maricbs,pos-
to que ela o faz a partir ·CX> reca'lheci.mento ch Yirlñato-ro cerro ·"pai". ·Este lx>
- -
nen e Arado-hi tero outra filha, Arar!ña-Jcañi, sobre cuja paternidade nao há dú
vidas; nao obitante, essa nenina (i.e. seu rx::rte) nao é usacb catD tecn5nirro '
dos país, correntanente. o que a tecrmímia consagra, a rigor, é a posicrao de
pater, nao a de genitor. Se Un lanero pode receber um tecrx'.nino segundo um fi-
100 que nao ''fez", em troCa nao será refel\ido pelo nate de um que fez, mas cu-
l
ja mae residia cx:m outro lrnen. E)nlx)ra de maneira tren:)l5 clara, a tecnonímia
feminina ccnsaqra a "mae-nutriz" , cr::> lado da "me-matriz" • Assirn é que, quando
Awara-hi JtDrreu em 1982, deixou urna filhinha de um an::>, Awara. Esta passou a
- -
ser praticamente criada na casa vizinha, onde norava sua il::nB Ña-Mal-hi, já
372
entre si
velha. Esta, embora nao pudesse amanentar a menina (o que foi feito por va - -
rias nulheres da aldeia), tatou-a a seu encargo. Ern alguns rreses 9a-~-hi oo-
mec;.-a.i a ser chamada de Awara-hi, em parte o:xro cr!tica velada ( ••• ) ao pa1 de
.Awara (Awara-:ro) e a nova esposa deste, que se "encostaram" na velha senl'x>ra
para cnidar da cr~. Mas esta ·"lnraúmia" (pois a finada a:mtinl.DU a ser -~
nhecida, entre outros tecn5ninos, cxm::>_Awara-hi) provave.lnente se CXX1S01idará •
oo futuro, c.:aro em outros casos senelhantes que tive de deserbrulhar nas ~
logias.
(61) ·o:xto se diz do pr1m:>genitc do casal (cf. ;ruera>. Maseste filho, ou seu
nane, . poñen ser alternativamente referidos por \na cláusula t.enporal. Assim ,
por exerplo, a mulher Iaf>!i ...hi, ·cuja mae é chamada de Mar!a-hi, é designada ~
no "Maria-hi me he re", que se poderia glosar por: "éqUela do t.enp:> em que Ma-
ria-hi passou a ser chamada assim" - pois seu rone de infáncia é Maria.
373
araweté: os deuses canibais
pais - que também podem escolher por canta própria o nome - sem-
pre opinarn, e podern recusar as sugestoes. só há uma regra sernpre
seguida, e portante fundamental: nao pode haver duas pessoas vi-
vas com o mesmo norne, na tribo (durante ·o último período de sepa-
ra9ao dos Araweté, um caso de homonimia teve de ser corrigido,tao
logo se teve noticia do fato). Isto se aplica aos nemes de infán-
ciados adultos vivos, "jogados fora"; eles nao podern ser dados
a cr.ian~as, enquanto seus antigos portadores estiverern vivos. Em
outras palavras: um nome, para ser conferido, tem ·de ser, ou "iné
dito", ou de wn morto.
374
entre si
minado r dos país (urn primogénito -nunca é nomeado pelos pais, que,
jovens, recorrem a um parente mais velho).
A nocrao de "ancestral", aqui, nao tem conota9ao .genealógica
direta;. p-tro?pl 'ha, neste contexto,
- . ..
significa
. apenas "gente anti -
ga", ou mais propriamente, .m orta. A posi9ao ,.exata de parentesoo ~
tre os homónimos nao é levada em considerac;ao; e o "ancestral" e-
pónimo pode bem ser urna crian9a que morreu sem deixar descenden -
tes.
Nao consegui entender plenamente esse processo de reposi9ao
de nomes. Ele nao parece _ter urna inten9ao mais que afetivo-comem~
(62) se a cri.an<;a, crescencb, lenilrar de alg\E noX> alguén norto, nao há por-
que ser neoessarianente seu ~· As senel.haD;:as can os nortos, especi~
te mtp:>rtém:mtaiS / sao nui.to . chseJ:vadas 1 e serven de base a apelidos .joa::>SOS
. /
a crian;a ·sencb chamada pelo~ (de infancia ou de adulto) do norto-rrodelo.
Por outro lado,· se a crianc¡a recebeu o neme de infáncia de um adulto, · pode-se,
tanrén jooosamente, dlartá-_la peJ.o tec::nóni.Iro de .seu ipiha ( ..pai de ful.arx:>") • o
que isto inplicaria - que seu f iJ..h::)receberá o neme do filho do epOn.ino - -
nao
se verifica nas gerealogi.as, e nao se fonnam ciclos níti<k>s de rx:nes.
que se repoe é o nome, que entre os Araweté tem urna f.un9ao de in~
375
araweté: os deuses canibais
-
tas vezes o que se tem em mente e que voltem a haver os X-ro e
mal chegou a usar o nome. Por fim, nao é incomum que um nominador
esposa para urna "neta" (categoria casável). Isso nao significa trna.
mais pode dar~ nome ao nomeado, posto que ~os sao vivos.
376
entre si
377
araweté: os deuses canibais
378
entre si
379
araweté: os deuses canibais
.. 64
t e • Os nemes pessoais, portante, nao precisam ser derivados de
(64} Assim os mees Ayi~, H~, ~' ~' Miwei, reretem, respectivanente,
a "Osvaldo", "José", "Funai", "Caroa" e "Mano Velho" (apeli~ do enfenreiro oo
Poste} . Oltros, di tos serem extraídos ó:>s kamarQ, sao-me irreoonhecíveis: ~,
Pateka, ~ti • • • E há o casé> do nane Maria, considerado de origen Kayapó ,
- - -
visto ter sido ouvi&> por \11\a velha raptada pc:>r esses indios, cx:no nane pessoal
de uma menina Kayapó. E há até -mesn0 o caso do riane, de ·san e salx>r tao tipi~
mente Araweté, ae Kara~, que traduz a interjeic;ao "caral.00! 11 ' abundant.enente'
enpregada pelos funcialários do Posto - e cujo significado os Indios saben
qual é . . . Alguns doS apelidos aados ~ indios pelos brancx:>s vieram substi -
tuir os ranes pessoais: ceará, capanga. o nane "F\mai." foi dad:> a uma crianc;:a
por um funciaiário do PO$t0, ·a pedido da mae ~ pois nao
é inconum que as maes
perguntem aos branoos qlie rX:lle devem dar aos fil.hos, o que evoca um costume Y!
nanami (Lizot, 1973:61). t,ntre· os ~e.s "de branci:>s" existe ainda o de Toro~,
. . .
que evoca '*Gorotire", ·~~ veze5 OUVido no . rádio do Pesto - e que é o nane
de uma aldeia I<ayapó.
380
entre si
381 ~
araweté: os deuses caruDais
(65) Estes sufixos se aparentam, assim, aos -broa e ~ Krahó (carneiro da cu-
nha, 1978: 75).
-
vremente mencionados, desde que nao na presen9a de algum parente
próximo; mas a persistencia do tecnónimo é a regra, inclusive nos
cantos xamanisticos. Já no único exemplo disponivel de um canto
de guerra onde um morto Araweté é nomeado, é-o por seu neme de
infancia, e seguido do sufixo-ami - mas ali, como veremos, quem
está falando é um inimigo.
As tres classes de nemes estáo em distribui<;_a o aleatória
embora, em termos de critérios de escolha, haja urna tendencia a
se nomearern os primogenitos ( lego, os pais ). "conforme um anees-
tral", sern que isso indique qual o conjunto semantico a que o no-
me remete. Podemos assim resumir o sistema onomástico Araweté em
da is principios básicos:
382
entre si
383
araweté: os deuses canibais
de os nomes vero dos deuses, dos inimigos mortos, dos animais con-
(66) Urna d.istinc;ao que, nen por necessitar maiores qualifica90es , deixa de s er
reencontrada alhures , e talvez constitua urna. escolha metafísica geral. Assim,
cxrrentando a análise da pessoa Sama (J\frica) por F. Héritier, Lévi-Strauss ob
servava justamente essa qx:>sic;:ao, entre o sistema Sarro, em que nanes e identi
dades van de dentro, e os sistemas dos "cac;adores de ~as tradicionais" ,
cujo rróvel fund.arrental é a captura de almas e nares fora da sociedade(L.-Str. ,
org. , 1977: 73) ; suponho que ele esteja se referindo a Indonésia, Melanésia e
aos J ívaro e Murrlurucu.
Haveria que construir o sistana de transforrna~s entre as onanásticas (e
teorías cx:mexas sobre alma) sul-emericanas , de m:d.o a se perceberer:n suas impli
ca~s rretafisicas e seu valor estratégico para a apreensao das diferentes " to
pologias sociais" envolvidas, o m:Xlo caro articulam as rela90es entre . Interior
e Exterior do socius , caro se inscrevem na terrp:Jralidade, o que intentam. O
contraste evocado acima sugere extrerros de urn continuum que se estende entre
os sistemas Tupinarrbá, Txicao, Yananami (e Jívarq, se considera.rrros a aquisi
9ao de al.m:ls caro análoga a de nanes) de um l{ido, e os s istemas Tirnbira-Kayapó
e Tukano do outro . Os casos Bororo e Xavante parecem inte.rmediários.
Já foi exaustivamente descrita a inp:>rtancia f undarrental da execu9ao de
um inimi.go na onanástica Tupinambá - que beneficiava nao só o matador, mas urna
quantidade de paren tes seus , e que tornava o cativo de guerra um "bem simbÓli
co" a circular entre rrembros do grupo cx:no prestac;ao .matri.rronial ou marca
dor de outras obrigél90es ._ (Ver Métraux,1979:142-ss; 1967 ; _Fernandes, 1963:279;
384
entre si
''Costuma- se, entre os Tupinambá, que todo aquele que mata oon
trário, tona logo rore entre si , mas nao o diz senao a seu tem
¡:x::> , que manda fazer grarrles vinhos; e cerro estao para ·se pcd~
rem beber, tingem-se· a véspera a tarde de jení.papo, e ccne9am a
tarde a cantar , e toda a roite , e depois que tem cantado um
grarrle peda90, anda toda a gente da aldeia rogando ao matador,
que diga o nane que tomou, ·ao que se faz de rogar, e , tanto que
o diz, se ordenam mvas cantigas , fúndadas sobre a norte daqu~
le que norreu, e em l~wores do que rn;itou .•• " -(éu grifo) .
385
araweté: os deuses canibais
quem já matara inilnicp, era o contexto em que estes nemes eram proferidos e os
f'eitos de bravura contados e cantados (Jácane.Monteiro afirma que sarente nes
tas vinhac¡25 cnue.norativas os rores eram proferidos), can cquela arrogancia
verbal que tanto e.xasperava· os ellrq)eus ('Ihevet, 1953:92; Anchieta, 1933:129;
CPJB,III:l33), cerro c>s batcques labiais eram insignias de honra que autoriza
vam a discursar ero público, serna tanto mais numerosos. quanto mais-ini.migos se
havia matado (HCJB, VIII:409). Conhece-se o simboliSJro verbal do batoque en
treos Jé, igualmente (Seeger, 1980b:cap.2).
Sd:>re a escolha ·destes rores: Florestan talvez tenha razao em dizer que.
o rx:rne tema&:> pelo sacrificador" nao proviflha diretanente da vítirna, e era de
11
tos can os cantos de matador Araweté - onde nao há re-:roninayao envolvida - .pq
deria indicar que era o espirito do norto que re-rx:neava seu matador.Pois ccm:>
vereros, o sujeito do enunciado do canto de guerra Araweté é o inimigo,
.
e é -e
le quem ensina o canto a seu matador. A clássica explica9ao (~traux, Flores
tan) da troca de nemes pós-execuc¡:ao - ela teria o objetivo de .proteger o mata
dor da vinganc¡:a do norto - parece-me parcial e contraditória. A questao era me
nos a de trocar de rare que a de ~irir nane novo; e os nares eram tanados
para causar medo (Staden,1974:170), nao por causa do medo. As indica<JÜes de
que o oc.me da vitima era conferido a una cri~a envolvida no rito, entre os
Guarani antigos (Métraux,1979:97, questionadas depois ero Métraux,1967:74), bem
ccrro ~las de Andúeta já referidas, podan fundar· hipóteses mais carplexas
que a de una intencrao de "burlar a alma" do norto, irrlubitavelmente presente
em outras ~ (cardim,1978:119-20). Vale a pena, ainda, referir o cost:tune de
se dar o prÓprio nanea pessoa que se estimava (~eux,1929:244), manifesta9ao
de urna amizade que envplvia taITbán os vocativos "minha esposa" , "neus dentes"
(e outras partes de Ego), e a partilha do ITeSITO prato (CPJB ,III:478-9) -urna i_!2
versao sistemática da inimizade, orrle o cx:xner junto se mudava no o:rrer o outro,
a doac;ao do próprio nane em abten<;ao violenta de um none próprio sobre uma pru:-
. "
te ·ao outro: sobre "sua cabe9a", diziam ·os cronistas . ~tonímias elcquentes.
386
entre si
"rezas'' para os tlandeva, onde "nao há duas pessoas can a mesma reza" (Schaden,
1962:123). (Ero geral, ver: cadogan,1959:39-ss; 1965; Nimuendaju,1978:53-S;Scha
den,1962:112-3). A cosnologia Gua.rani opera can urna polaridade radical entre
.
rnne-alrna-canto, de um ladó~ e oorpo-espectro:-canida, de outro. Nos Tu:pinarrt>á
já se podía ver urna exclusao entre re-rnne e canibalisrro - o matador nao cx:rnia
oo inimigo (Gandavo,1980:139; Fernandes,1970:211; mas ver Métraux,1967:74). E
caro se viu, havia estreita conexao entre proferi.rnento do rone, canto (nao "re
za", mas canto de guerra), e bebida, trx3as essas coisas "espirituais".
Se os nanes "próprios" 'l\Jpinartbá se originavam nos inimigos, e os nemes
Qlarani vém dos deuses ou nortos reencarnados (cp. can o uso estrutural.nente
"atenuado" de arrbas as fontes/critérios pelos Araweté), os nanes de outros n;
se report.am' ao danínio da ammalidade. Nao cx:m:> sinpi.es repertório onanástico,
o que se encontra em tantos povos, mas caro critério de nanina9ao. Assim, in
verterno a disj~ao nane/canida, os Aché rnneiam os filhos a -partir do animal
que a mae consumiu preferencialmente durante a gravidez(ou que determi.oou <XJf()
epónino, dos cx:xnioos). Tal came dá a "natureza" (bikw> e o nane da criaJ19a.
Essa transnissao ex>njunta de nene e substancia se transforma, quando a carne
consumida pela mae é a de um norto do grup::> (os Aché ~a.o "endo"-canibais), em
\.l'l\a "r~oo" da alma-ove 00 finado; nao há aí trqnsmissao de rore, caro
387
araweté : os deuses canibais
do ca9ador Aché, que matou a ca9a-ep6nima para a mae ccmer · (Kracke, 1983:25;
P.Clastres,1972:252). Há pouoos dados, por fim, .sobre out.ras onanásticas 'le;
na maioria delas .há nares de infancia¡ quase-apelidos, e ·há trocas de nane por
inicia9ao pubértária, casanento, sonho, hanicídio (Wagley, 1977:142-ss; Grün
berg, 1970:127,136-7; Kracke, 1978.:45, I..araia, 1972:81-ss).
nentares no exterior.
Vejam-se as semelhan:;:as do sistema Tupinarnbá can o dos Txicao, ·onde a
captura de inimigos que funcionarci caro naninadores privilegiados das · cr'ian9as,
por trazerem urPa mem5ria alheia, era uril m5vel irrportante da guerra (Menget,
' 1977: 84 ,'254-ss): nao se tratava· apenas de sUbstituir um rrorto do gru¡;o, ma:s de
obter tambán "identidades" suplementares. O sistema Yananarni apresent.a outras
caracterí-sticas; além· da sirnbÓlica da .ca9a ao nane (na verdade, cac;a\ ao espl
rito de um anima.l que deve entrar no corpo da crian<;a - ·Raños & Peiraho, 1973:
9:..10), destaca-se o gigantesco constlm::> de nanes pessoais, senpre reinventados,
urna vez que os nemes de rrortos (e as raizes le.xicais que os formam) saem da
lingua, face a proibi9ao estrita ·de se pronunciarem nanes de finados: o narre
pessoal Yai1crnami é marca absoluta de individualizac;ao, e desaparece can seu
portador. A recusa em se autó-ncrnear está ligada a is.t o: dizer o próprio nane
é evocar a própria rrorte, pois urn individuo só o é plenanente quandomorto (Li
zot,1973; Clastres & Lizot,1978:114-16.). Ora, toda rrórte Yananami ·é ronéebida
cerro um ato caníbal: a alma da pessoa foi devorada por ·um espirito ou inirnigo
huma.ro (L~zot,1976:9). Assirn, aqui o sistema onarB.st.i co-canibal 1'upinarnbá so
fre mia invers~o múltipla: a criac;ao naninal se faz. para n~o se usarern os no
mes dos rrortos devorados por inimigqs (nos 'tupinarnbá, obtinh~se nares por se
matarein inimigos depois devorados por companheiros, e o nane de 1..ll'n íl'Orto do
grupo, devorado por inirnige>s, era evocado pelos seus) . Jiqui, os inirnigos cri
am nanes porque· abolan nanes. ".4bol-;: b1'.be Zot d !inanité soncre ", o norre indivi
dual Yan::xnami. só significa finalmente na sua· nao-enunaia9ao . . ·
388
Tal inver~ da f~acrcanibal é consistente ccrn outra: entre os Yal'XX'!a
ni, o exo-caniba.lism::l espiritual e agressivo se desdobr_ a en um errlo-canibalis
rro ósseo e canenorativo. Pqueles que canern as cinzas do rrorto afirmara seu di
reito, por e.s te gesto, a exercerem.a vinga.nc;a guerreira,sao os sujeitos da vin
ganc;a.Entre os Tupinambá, o ritual canibal e os diálogos. entre matador e cati
vo indicarn, ao . contrário., que aqueles que canem, por vingancra, o inimi.go. pr1sio
neiro,fazan-n:J para se afinnarem caro objetos ppssíveis ·da vingélJ"l9a do gnipo i
ni.migo {ver
' .
Carneiro
.
da Cunha & Viveiros de. castro,1985.).Háaí toda urna dialé -
tica da honra e da ofens~ qa narória e da vingancra, do nane e do sangue, do su
jeito·e do objeto, que permitirá articular .o sistema Yananami. ao 'l\lpinambá(ver
a tese de Albert, 1985,_que só. pude folhear, mas de que estou certo ser a pri
meira ~lise a faz~ _justi9a ~·ccnplexida.de da si.Irb5lica guerreira Yandnarrú).
. . .
Una verdadelra ccnpar~ao entre os sistemas acirna e as onanásticas Je-
-Bororo está fora de questao, por ora.A cnne9ar porque elas apresentam cx>nside
- .
ráveis difere~as entré si (ver Da Matta,1976:123-30,e o exame detalhado do ~
so xavante,orrle fica clara a difererl9a ccrn os Tirnbira,por Lepes da Silva,1980),
. - .
e apresentam urna graOO.e carplexidade estrutural. Mas creio que se pode, para
os Suyá, Tirrbira é Kayapó, e san violentar demasiadanente os fatos, dizer que
. rciitua dos la~s de substancia e dos la905 de . ocrni.
elas se baseiam na . exclusao
.
na9ao; que os prirreiros rei:retan para o exterior e a i.npermanencia (periferia,
. . . .
natureza, rrorte), os segundos para a interioridade e a continuidade (centro,
cerirro~al); que a5 relac;Oes de ~~9ao po~enci~l ~·a tenninologia de
parentesco, e que o sistana. "semi-ccnplexo" de casarrento (terminologías tipo
Crow-Onaha) é acxnpanhadÓ
. pbr
-
um sis~ "elerrentar" de troca onanástica, on
de a separa9ao i~o/inr0 e . a uxorilocalidade ~eriam negadas por urna espécie
de ."incesto o~tico"- (tróca de rones entre i~os cruzados)e urna "endogamia .
oocrnástica" (a polí~ca de "nao perder JXJTieS", a::mservá-los no segrrento resi
. . .
dencial de origen);
.
que a transmissao ínter-vivos dos nemes é essencial,fonnan-
do conjuntos de "harOninos" e/ou furrlando urna rede de rela<f:>es, direitos e de
veres ao redor dos nanes, que marcam lac;:os internos ao gnipo;que a orxxnástica,
con:¡uanto p::>ssuirrlo inÚR'leros as~tos individualizadores, é antes de tudo um
sistema de classifica9ao, de posi9~ ou rela<f:>es; .e .que o lugar do OUtro, do
. '
389
araweté: os deuses canibais
390
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
390
entre si
' Chamar alguérn pelo ·vocativo awi é impensável, pois awi é urna cate
goria geral de seres rnatáveis, e com eles nao se fala; chamar um
inirnigo de tiw a é criar este rnínj rno de rela~ao
que reconhece ao
67
outro a si tua9ao de humano, de bfd!, de outro sujei to • Urn ti·wa
391
araweté: os deuses canibais
(68) o espirito do inirnic¡Jo m::>rto, cx:m vererros, se. torna part;e ~· pe;sona do
matador. Se o vocábulo am deixa-se cl.aranente derivar do 'I\lpinambá anama , pa-
rente, péirentela (Lelos Barl::osa, 1956:424), a etircologia de tiwa é problemáti-
ca. E)nbora a posi~ lógica oo tiwa Araweté ·e voque o -estatuto oo "cunhack>-íni-
. . Tup.i.nambá (tobayara, tovaja, e:tc;.) , .nao creio que. 9 tenco derive
mi.go"
. .
dessa
raíz; provavelnente, é urn cognato ~ formas Tupinambá e Guarani atuasaba, tua
sap, tyvasa (r..éry, 1972:231; ~, 1874:86, Nimuendaju, 1978:109), que foram
traduzidas ¡:or "aliaoo", "sócio", "a::mpadre", e sobre cujo sentido original há
dÚvida. Ikry dá a entender ,que era urn tenco de tratamento entre UITl§l espécie de
amigos fonnai.s, en que haveria mutualidade ("haveres en c:::arum") mas can proibi
~o de troca matrírronial. 'tVreux define o tuasap a:m:> un oospede - no ~text::q
especificarrente, era a::rro um anfitriao c::tlarnava os franceses que rroravam en sua
casa, e que se ¡x:x:liam unir sexua.lnente as suas filhas ou iJ::n0s. Entre os A-
pa¡:okuva, tyvasa sao os carpadres :¡;:;or rnnina<;ao dos filhos - nao tenlX> daoos
. . ..
sobre a sit~ao das pessoas assirn ligadas quanto a .ca.sam:mto ou sexo. De toda
forma, mesrco en Léry o tenro se aplica a estrangeiro-h5spede (aparece no fano-
so "Colóquio "), i.e. um ser "liminar", entre o inimigo e o patricio. A ser le-
gitima a associa9ao tiwa-atuasaba , teríarros que os valores psioológioos da pa-
lavra se inverteram, de :¡;:;ositivos para os Tupinambá a negatiV'Os ou arrbigoos ~
ra os Araweté; rnanteve-se, p:>rém, a marcac¡:ao de una "alteridade especial". E
392
entre si
verenos lago adiante que é dos tiwa, ·nao-parentes, que ·saem a maioria dos apl-
hi-piha, parceiro~ ~s.
A f onna Araweté para "inimigo" , co.vi., tarrbém é de origern incerta. Poder-se -
-ia super una deriva~, consistente, da raiz *aba , lx:rrem: *aba ->*áz.Ja ->*awa ->
*o:J.Vi ->co.vi.; mas sucede que já existe um derivado desta proto-fonna no interro-
gativo awa, "quen?". A p::>SSÍvel raiz que subjazeria as fonnas Tupinambá para
"cunhad:::>" e "in.imigo" se .enoontra. em ·Arél'Ñeté: -ow§:p, "fronteiro", "q;:osto" ,
"outro la&>". A fontia *he rowaña - nao
.
existe. Nao oostante,
. um Araweté
. serrpre '
justificava o uso da refer€ncia tiwa, .quan:b nao no sentioo mínirro de 11
filho
de MB cu FZ", dizen:lo que a aplicava porque o assim referidO era "do outro la-
do da terra" (iwi rowaña ti ha), i.e. que pertencia a um sub-gru¡:xJ territorial
distinto do seu, e que nao havia liga9ao pertinente de parentesoo entre eles •
A n0900 de tiwa, portante,
.
está associada
. a idéia. de "estrangeiro", "de outra'
terra".
A tao lerrbrada identidade lexical entre ''cunhado" e "inimigo" (Huxley,1963:
274; H.Clastres, 19?2) parece de fato daronstrável para algurnas linguas Tupi-
-QJarani, mas nao pax:a outras. Ela nao é neoessária, no entanto, para que se
. .
perceba a rel~ac» feita pelos TUpi.nanDa entre o afim e o inimigo: urna reJ~,
cx:no se sabe, que~ era de identidade, visto ' que o ccrrplexo do cativeiro
pressupunha a transformacrao do iJ:úmigo em _afim.
As fonnas ~tas de a;m; e a;m;t~ sao
rrfilto diftmdidas na semantica de pa-
rentesm TG. Entre os Parintintin, ena:intl::anos amotehe CXITO designando os pri-
rros cruzados de ambos os sexos, os membros da outra rnetade exogam:lca, e por
fim os indios nao-Parintintin. E o mgnato de di significa,cx:rro em Araweté,"ir
nao do mesrrosexo" (Kracke , 1984b:.101). Adianto que nao
tentarei, nas páginas
que seguem, nenhUma catpara<rOO sistenática cxm o mpioso material tenninológi-
oo m de que ooje se disp0e; tanp::>uoo creio ser útil retanar a antiga discU.s -
sao deWagley, Galvao, Philipson, MacD:maj.d, etc. sóbre o(s) sistema(s) de pa-
rentesm "'I\Jpi-Guarani" (ver Bibliografia} !
393
araweté: os deuses canibais
Geraxao + 2 (e acima):
.( 1) TamotJ - FF, MF; qualquer homem que os pais de Ego chamem de
papa11 ("F") ou de tamo11. Vocativo: he f'amo11.
(2) Bari - FM, MM; qualque~ ·mulher que os pais de Ego chamem de
-
mag ("M") ou de 11arf. Voc.: he tari.
Geraxao ·+ 1:
(3)
-
To (poss. he r-t) - F. Te'eme é a forma para "finado pai".
{Ja) To di - FB; todo homem que o pai chame de "irmao" · (cf.).
(3b) To ami - MH; todo homem que a mae chame de aplno (cf.) ou
hereki di ("ZH"); todo homem que o pai chame de
(cf.)
O vocativo para todas essas formas é papa11.
(4) Toti - MB; todo homem que a mae chame de "irmao", ou o pai
de tado'i ("WB"). Voc: he toti.
(5) Hi - M. Poss. he hi.
(5a) Hi di - MZ; toda mulher que a mae chame de "irma" (cf.).
(Sb) Hi ami - FW; toda mulher que o pai chame de aplhi (cf.• )ou de
.
. '
-
ha11lhf:. ("BW"}; toda mulher que a mae chame de aplhi-piha.
O vocativo para essas tres categ~rias é mªIJ·
(6) Bad! - FZ; toda mulher que o pai chame de "irma", ou a -
mae
de tado 'i ("HZ"}. Voc: he yade.
-
Gerac;ao O:
(7) Anl - B (FS, MS), FBS, MZS; em principio, qualquer homem que
os homens na categoria (3) e as mulheres na categoria (S)ch!
mem de "filho" - homem falando. z (FD, MD), FBD, MZD; em
394
entre si
395
arawetá: os deuses canibais
(de hdmern ·para mulher), aplno · .(rnulher para hornero), qué· cono-
tarn acessibilidade sexual, podern ser usadas, mas se aplicarn
tarnbérn a outras .categorias de parentesco, ·e costumam ser a-
cionadas apenas após -ter havido contato - sexúal entre os pri-
rnos cruzados.
Gera9ao - 1:
(11) Ta 'i - S, BS, qualquer hornero que urn (7) chame de ta .' i - ho-
rnern falando. Forma pass. he rci.'i. Vocativos: apl, hádl.
(12) Haiyi - O, BD, qualquer rnulher que urn (7) chame de hait1i
hornero falando. F.poss. he raiyi. Voc.: apr, hadl. ·
( 13) Me mi - · S; D, ZS, ZD, .qualquer pessoa que urna -( 7) chame de
,.
memi~ - F.poss. he memi. Vocativos iguais a (11) e (12) .Existe
ainda a forma vocativa mapawe, usada por hornens e rnulheres '
velhos para seus "filhos" reais ou ~lassificatórios, . que co-
. nota o "ca~ula" de urna série de f i .lhos ¡ -rnai s .propr iamente o
Último filho tido pela pessoa, antes de ficar estéril.
(14) Yi'i - zs, qua~quer
homern que
.
urna (8)
..
chame de memi - homern
falando. Usa-se tambérn a forma descrit;iva (referencial} he
reni pa re, ''filho !li~. ''ex-habitante'') de rninha irma" •
., .
Voc . : h. e !f '!- -z. •
(15) B!p~ - ZD~ qualquer mulher que urna (8) c~ame d~ memi - hornero
fala~do. Mesl!la forma descri~iva de (14). Voc.: he d!pe.
(16) Pe 1
; - BS, BD1. qualquer pessoa que urn (9) . charn~ de.. apl - mu-
lher falando. Voc.: he pe'f.
Gera9ao-2 (e seguintes):
.( 17) Haamono - ss, so, os, ·no: ern principio, qualquer · pessoa que
urn (11) ou (12) chame de (11), (12) e (13) - hornero falando •
396
entre si
Gera9ao + 1:
(1) Háti ..;. WF I
HF - qualquer hornero chamado de "pai" por um conj}! -
ge ou urna aplhi '( h.f.) e ap.l no (m. f ~ ) . As posi9oes de BWF I
- '
ZHF nao recebem designativos, a menos que Ego tenha ti do re-
la9oes re'conhecidas como conju9e' de seu sibling. Voc.: he
rati.
(2) H·aao - WM, HM - qualquer mulher chamádá. de "mae" por um con-
juge, etc. Vocativo: he raco. -
Gerac;ao O:
(3} Temiyika - W. Forma poss.: he remiyik~. Vocativos: miti para
(lit. "mutum . listrado·" , i. e. a femea do mutum-pinima) , tayihi
(quando a esposa já tem filho).
· (4) Terekt - H. Forma ·poss .. : he rerekt. Vocativo: tadlno (quando
já há filhos).
(S.) Ha·d o'i :- WB, ZH; hornens que a w chama de "irmao" e maridos
397
araweté: os deuses canibaís
398
entre si
Geraxªº - 1:
(9) haiyime - DH; marido de qualquer "filha" de Ego - homem fa-
lando. Voc.: he rai11im!·
(10) Ta'itati
- - . SW; esposa de qualquer "filho" de Ego - homem fa-
lando. Voc.: he ra'itati.
(11) Memirerek; - OH; marido de qualquer "filha" para Ego femini-
Voc.: he memitati.
Neste grupo de termos é clara a forma~ao descritiva, a par-
tir das formas para· O, s (h. f.) e e (m. f.) . Exceto o sufixo (11),
"marido", os outros nao tem significado autonomo.
399
araweté: os deuses canibais
proco. E" no entanto muito mais usado entre homens que e~tre
can oognatoS en 0Utta5 línguas Tupi-GJ.arani I mas n00 tero etinologia clara•
400
entre si
401
araweté: os deuses camDais
. .
5(A. ~
o=uA3" ~=
= º= ··I-1 ·~=
~ ~ r1 ~
A O Á 8 A O L1 O
1
.. . .. ( ) (~
•
2. EGO FEMININO
1z.
o
~=
j ,A).. .
o=u
(fo)
o o o o o o ººººººo o o ot . o o o o o{icf
C•o) (10) (jO) (io) (fo) 11 i a (tot Ho) ti f 1 U U (fO) (<o) 1 fl CU) (fo) (fO)
402
•
entre. si
' .
.. ~ . - .. 6 7 5
==.O•.
0-6
...
4. EGO FEMININO ..
. 1 ' z ."
6=0
. ,.
~g b=l ¡= ,,
;
5
~o
·-
Ü= o-~
403
araweté: os deuses canibais
(71) Já urn sogro falecido é he rati reme. Quando é urn nDrto que está se diri -
ginó:> a urn vivo, porérn, a sib~ se inverte. Assim, Awara-hl, que dlamava
Yir!ñato-ro de "sogro", dirigia-se a ele nos cantos xamanisticos cx:rro he rati
pe - já que ela agora estava separada do marido, e casada oo céu cx:m urn
Mat.
O abandono das formas para MB, etc. nao é imperativo - embora urna
rnulher nao chame ou se refira a seu MB-marido como he toti, pode
m.e ncionar isso - e sobretudo ele pode ou nao afetar outras rela-
9oes terminológicas. Assirn, um ZS que é também um WB continua a
ser chamado de ZS (he yi'i) e a chamar o cunhado de he toti (MB).
A irrna-sogra pode ser alternativamente chamada de "irma" ou "so-
gra"; nunca será usada a forma heni pe nesses casos. Igualmente,
um hornem pode chamar um ZS que é seu DH tanto de "sobrinho" corno
de "genro"; e será chamado tanto de ·"tio" corno de "sogro" - aqui,
no entanto, a tendencia é que os gesros passern a chamar seus MB
(ou FZ) de sogro e sogra.
404
. entre si
405
araweté : os deuses canibais
(72) Por "inter-geracional" entenda-se aquilo que Riviere (1969:67, n.l) chama
va . de "int.er-qenA:!logical level marriages", i •.e. unié5es onde os o5njuges es-
ti::> temiroloqicamente em g~ac;rOes diferentes. Náo cl:Jstante' sao c;x:mms tanto
- -
- ' entre gerayoes, no sentido cralOl.ógico,
esse tipo de casamento quanto as urú.oes
diferentes - · i.e. can grande difer~ de idade entre os o5njuges. CatO Rivie-
re, falo em casamento d:>llquo para o prirneiro tipo.
406
entre si
407
N.a.: H NÚMUtt .. UltTOI AO UUO 1
---------f------t---------
=• •= -·
&l•AL06fU H APfN°''' ll
=• 10 ~=·
.,, 10' uo
UI lit
•===
16t
=A
lll
....... .... - .
- . .
- - ... ~
·-
.
,
-i
=• ";
•'°' A=CJ
40
IU
6 101
()
HT
f
tH
,. - . - · - · - . - . - · -.--,__---~----"'1'-.....rll'-----.
6=l==~·======= 4
6no
'
0=6
IJL IJI
6
6=
1.n n lU
'º'
() ()
H
"
entre si .
1 1
A A
147
"'
e
0-6 0.=A !:JO-A.
. T" · ur .. •• r"' 6---·
,, 1º' "1
6===10
6
~ 0===6
1~ 1} f •
N::> primeiro, 19 chama tanto 23 a::no 24 de "filho", e eles eram, até o casam:m-
to, tidos cx::rro UmacS - urna vez que 267 e 19 sao .umaos, e 278 era chamado de
"i.nra:>" pelos primeiros, visto que seus ~vos pais casaram con a nesma
rrulher, e que 19 sucedeu a 278 junto a 20. As únicas rel.ac;Oes teI:mi.Ix>l.ógicas '
que foram nrx3ificadas a:m o casamento de 23 e 24 forarn: 20 passou a chamar 24
de 11 ?Xlra" , e 67 a dlalnar 23 de "cunhado". o l'rm:!n 19 nao se sentiria a vonta-
de em chamar 23 de "gen.ro", já que é filho de sua esposa. Naturalmente, 23
e 24 nao sao mais 11
il:m3os", errb:ira chamados de "filho/a" pelo nesno tanem. o
casamento entre 67 e 24 seria a:nsiderado ccm:> francanente incestuoso, e é in-
terdito. No segurrlo , tanto 5 CCJiO 6 charnarn 15 de "pai". Ela por urna lógica c las
sificatória; o harem porque se afirma. que foi gerado por 15 em 269. Este casa-
nento é visto CX1lD mais in'próprio que o cb prirneiro exenplo, e vale notar que
se trata de una uniao secundária, f ace a viuvez dé 6. Verenos adiante caco as
rela~s de aplhi-piha criam sihlingship classificatória.
409
araweté: os deuses canibais
las, a urn ponto tal que, após tres 9era9oes, constituem-se kind-
reds endógamos intrincadamente entrela9ados. Nao é urna no9ao , de
afinidade que comanda a concep~ao matrimonal Áraweté, mas urna de
parentesco; nao é o cunhado (ZH, BW) _ que cede urn filho para Ego
ou seu filho, mas o sibling (real ou classificatório) . Isto -
nao
significa, entretanto, que urna idéia de troca nao esteja envolvi-
da: pepi ka, "pagamento" ou "contrapartida" é como se definem .es-
tes casamentos. Urna ZD com que Ego casa é o "pagamento" de sua
irma; urn BS é o "pagam~nto" do i.rma~; e o mesmo se diz ao definir
o direito sobre as ZD e BS para os filhos de Ego. Oyo pepi-pepi ,
"trocar repetidamente", "trocar em série", "superpor-cancelar tro
ca com traca" (oyo é o pronome reciproco), é a forma verbal com
410
entre si
(74) Exatamente oc::rro ro caso Parintintin., onde, se as uni0es oblíquas nao sao
permitidas, o ciclo matri.nonial tem a fonna da troca simétrica (pri.m::>s cruza
dos bilaterais),
.
mas conoeitualizada caro ciclo curto: . ao ceder urna irma a ou ~
tro harem, Ego ganha direito sobre os filhos desta, para c:Onjuge de seus pró
prios filhos. A rx:mi~o pelo MB é o narento ern que tais c:x:rrpranissos sao a
, firnedos. ·Ver Kracke, 1984b: 113,120,124.
Os paralelos da filosofia matrinonial Araweté sao claros a:mosfatos Pi
aroa e Trio (Kaplan,1975; Rivier~,1969). Mas a idéia de ~e casar con urn pr.irco
cruzado é casar ocrn o fil.ho de lit\ sibling de \.11.l dos pais - isto é, que U'T\ par
irmao/im reaparece na ger~ segui.nte caro urn casal (Thana.s,1982:90, apud
Riviere,1984:99, para ._o s Penon) - aproximaria os Araweté mais de Yalrnan (1967)
e de Riviere (1969:276) que de Durront e de J.Kaplan (1975:128,.1.94); oorquanto
? prim:> -cruzado seja um "Mo-parente.. , urn afiin potencial (tiwa), ele é ooncei
tualizado cx:m:> filho de um parente de urn dos pais, e nao oc::rro fil.ho de urn afim
destes. Isto me parece derivar da preponderancia ideológica do lél90 entre ir
rnao e iilla sobre o l.a.;ro entre cunhados, que é sircbolicanente "desmarcado". En
·tre~to, nao me parece que os Araweté leven sua vontade de endogamia (que é
mais de parentela que local, di~ti.nc;ao atualmente inpossível face a existencia
de urna
. só aldeia) aos extrenos e aos artificios Piaroa e caribe. .
Eles reconhe-
can a existencia da afini.dade, mas é caro nao lhe oonferissem inportancia. o
lugar efetivo de oorrosoo 00 principio da reciprocidade é ·a instituicrao dos
aprhi-piha, os anú.gos sexuais ligados por "anti-afinidade", ~nao a tecoonírnia
(Kaplan, 1975:cap.VIII) ou a repeti~ prescritiva de ali~a s:irrétrica, ou
a fiorao errlogatnica de localidade. Vale ootar que nao creio que se possa defi
nir o sistema rnatri.m:>nial Ar~té caro "prescritivo" ou "elementar" (contra
os casos guianeses): a rnerK)S se adotanros defini.9ao tautológica, os Araweté e~
sarn Can seus tiwa (quaisquer) , nao can seus af ins "dravidian:>s" ou "prim.:>s ca
tegoriais".Urn c:OnjU3e senpre é tiwa, mestro quaOOo parente, nao o contrário.
411
araweté : os deuses canibais
freqüentes. Diz-se que \lma rela9ao sexual com estes parent'es faz
nossa barriga- roncar, corno quando (se) ternos urna rela~ao com urna
irma - mas isto nao é levado rnuito a sério. o que parece haver,na
verdade, é urna ambigüidade da posi9ao do MB e FZ, quanto a sua
caracteriza'rao como parente ou ti"'a; e a decisao quanto a isto d~
412
entre si
- -
mo -, mas nao sao rigorosamente incestuosos. O incesto - que ~
so
pode ser descrito corno urn "comer a mae", "comer a irma", etc. - é
algo It),Uito perigOSO, que produz efeitOS morta.is:o anus dos culpa-
'
dos se dilata , acarretando protusao retal; o casal morre de
ha'iwa, definharnento sobrenatural que sanciona toda infracrao se-
xual ou cósmica (ver adiante); e, o pior, os inimigos se abatem •
sobre a aldeia. Os culpados de incesto, diz-se, costurnam acabar
tao crivados de flechas inimigas que os urubus nao conseguem bi-
car seus cadáveres •••
o ataque dos inimigos sanciona urna outra infra9ao grave das
normas sociais: hostilidade entre irrnao e .irma. Incesto ou quere-
la, infracroes simétricas da distancia própria entre B e Z, afetam
mais que os culpados; toda a aldeia fica fraca e "mole" (t~m!) , e
(75) Digo "por definic¡2o" porque outras situac¡i)es envolvem ..rnedo-vergonha" tern
p:>rário e de origen psioológica, nOO-sociológica. Assim, todo joven que vai pe
la prineira vez residir uxcrilocalmente sente urn pouoo disso IX>S prineiros tern
pos, fare a seus sogros. Mas tal a::ostranginento passa logo, diz-se.
413
araweté: os deuses canibais
(76) Por ocasw. de una panradaria conjugal, o illliio da nulher re50lveu inter"'."
vir, e acabou agredió:> pela .u:ma, cega de raiva. Isto provooou escandal.c? gene-
rall7a3o na aldeia, cx:rtprovanó:> a fama de "louca" (daziara, "que dá voltas") da
mtlher.
cuando a dif~ de idades entre B e z é rmri.to grarx:Je, a rela~ se torna
patern:>-maternal. Una i.ntB adulta chama seu i.OOozinho de "fi}l'X)", e pode ~
nt:> amamentá-lo.
414
entre si
(77) Ver capitulo "IV, oota 2,. Sobre o t.Ema oosrcológico do conflito H/W.
415
araweté : os deuses canibais
cer urna contrapartida, urna irma ou filha para o WB. Deis cunhados
ou cunhadas podem ter rel-ac;oes sexuais com urna terceira pessoa I
mas nunca podem ser definidos como apfhi-p.iha, · relac;ao que envol-
ve partílha _de conjuges.
416
entre.si
"h·~-p~.h- 78
tilh
. a 11
sincron 1 ca "de conJuges
• - - . ent re os ap~ a. •
417
arawetá: os deuses canibais
418
entre si
(79) F.stou aquí tanancb o pcnto de vista masculino, i.e. do 00; tanássenos a
perspectiva feminina, e teríam::>s entao as 6 associaQOes "virilocais" a:rro en-
volverm HF+HM/SW, etc·.
A circnl~ matrim:l'lial cx:ncreta é bastante carplexa, e ali se blsca um e-
qµillbrio ou reci.procidade entre as ses:Qes envolvidas. Assirn, par exenplo,trés
familias extensas b:ocaram genros durante acJ)sto-set:snbro de 1982; da seguinte
fonna: o casal 105-66 se divorcioo, e cxrn isto o haten 105 deixaria de fazex:
n::it;a junto cxrn a e da esposa e seu marido (72 e 71). A nuera 66 casoo-se can
65, que estava solteiro, e trabalhava na roc;a do "il:niio" 69, líder da sec;ao ~
siderx:ial. III. O rapaz 65 passoo entao para a roc;a de 72, sua sogra. Rapidamen
te, o hc.roem 69 providencini que 105 casasse cxrn 106, sua "filha." que est.ava '
solteira, mrando precarianente (e iupxopriamente) em sua casa; assirn, .oouve
una troca explicita entre as casas 25 e 26, titulares de ro;:as plurifamillares:
trocaram-se genros, entre o casal 69-70 (casa 26). Em seguida, o rapaz 67
saiu da ~ VII e foi norar mcorilocalmente can 68, filha tanbém do hanem
69 (Ylliña~ro, chefe da aldeia). Polla> depois, o pai da esposa~ 69, que,
vellx>, residia a:rro agregado junto a filha e o genro, casou-se a:m a menina
136, filha. do lider da sec;oo VII, foDial1do a casa 45 (135-136) - eri:x>ra ~
nao ln.tvesse una traca clara de f~a de traba1h:> (pois 67 nao trabalhava na
ror;a de seu .m 19, pai de 136, mas na de seu pai 27), nota-se igualnente a el!:
cnl~ao reciproca de hatens entre ser;Oes residenciais. Boa parte da lógica que
preside as Seqúencias da troca de o3njuges que se verificam pericxiicamente, e
que afetam sobretudo os jovens easa.is, se explica por essa tentativa de re-e
qui.librar a forc;a de traba.lb:> entre as ser;Oes residenciais·•
.ApÓs un divórcio, o marido deixa a roc¡:a que plantal para a mulher ou os so-
gros: nao tem mais nenhum direito sobre seus prcrlutos.
419
araweté: os deuses canibais
420
entre si
nos, sao tratados como filhos; nao se os chama por termos de pa-
rentesco, m~s pelo nome pessoal (e reciprocamente ) ou pelo v ocati
vo _"filho" - !!]>l. Quando já adolescentes, pode-se instaurar uma
considerável liberdade entre estes parentes, envol:vendo jogos ver
bais e contato físico; mas pode persistir também uma rela9ao pa-
. e FZ e seus
terno-maternal entre MB zc e BC. Entre gera9oes al-
ternadas, as rela9oes dependerao do contexto: o casamento de um
homem com ·suas netas classificatórias (FBCCD, etc., ou as" filhas"
c_l assif icatórias de um f ilho real, etc.) .é acei tável.
421
araweté: os deuses canibais
nia ou. marca~ao- ritual (mas ver supra, p. 298, n.16), e a acele-
rada circula~ao matrimonial dos jovens torna o casamento um negó-
cio corriqueiro. No entanto, sempre que urna uniao se torna públi-
ca com a mudan9a de domicilio de um individuo, produz-se Uina in
tensa com~ao na aldeiá. o novo casal come9a !mediatamente a ser
visitado por outros casais, seu pátio é o mais alegre e barulhen-
to a noite. Ali se projetam excursóes a mata, pescarias; ali se
brinca, há muita "pe·g a9ao" flsica entre · todos, os homens se abra-
~am, as mulheres cochicham e riem. Dentro de alguns dias, nota-se
wna associa9ao freqüente entre o recém-casado e outro homem, bem
corno a de sua mulher corn a rnulher deste. Os dois casais come9arn a
sair juntos a mata, e a se pintar e decorar, mútua e ostensivamen
te, no pátio do casal rnais novo. Formaram-se os la9os de
-piha.
Um matrimonio expoe o casal ao desejo coletivo - especial-
mente a rnulher. Tao logo urna menina tornava-se esposa pela primei
ra vez, passava a ser considerada interessantissirna. por home ns
que, até ~ntao, '
a ignoravam. Mesmo uma recomposi~ao - matrimonial
produzia tal efeito: os novos casais viravam o centro de aten~ao.
422
. entre si
423
araweté: os deuses canibais
"levar para tirar mel", "levar para o mato" sao metáforas que ca-
racterizam a institui~ao dos la9os· aplhi - ap?no. Se eu pergunta-
va se um homem era mesmo o ci'pl'no de urna mulher, o critério decisi
vo era esse: "sim, pois ele a levou para o mato em tal ocasiao" •
Isto marca a rela9ao como orientada - é o homem que "leva" a mu-
lher a mata, dominio masculino. E a mata, o jaboti e o mel confi-
guram a simb6lica da "lua de mel" Araweté - que nao se faz entre
esposo e esposa, mas entre ap?hi e aplno¡ nao envolve um, mas
dois casais. E esta "lua de mel" corresponde de fato a duas luna-
c;:oes - urna espécie de "lua nova" do milho, em que este se"oculta"
424
entre si
(80) Ver supra, R>S· 352-ss. A noc;:ao de "vulva gorda" se reencx:ntra oos Sirio
no (Ho].nt)etg, 1969:16Í), onde alias aron~ social. e simbólica 00 nel é cen-
tral - deixei de registrá-la . anteriÓnnente; · O mel é a base do "cauim alcxX'>li-
co" Siriono, única ~i.nOnia . cx:>letiva deste pavo, e ocasiao de. cantos agressi
vos; apenas adultos cx:rn fil..OOs, após uma escarificai;ao cerim:mial, tanavam pa;-
te nesta Festa ao· ~l, que ·marcava o ace5so ao 'status de aldulto - o que nos
renete ao cauim ·T upinambá; -ver nota _·66· , ~ra p. 385 • (HolmbPxg, 1969:92 -
SS. , 220-s~.) •
sa .·e os·tensi va 81.• Mesmo entre irmaos, que tefu acesso aos respecti
(81) Difícil caracterizar esse sentimento, essa "alegria" que nao tem urna ex-
pressao.Clara E!n portugues - ende n00 existe l.1m antOnin'o de 11Ciúme" • "Ciúme" I
em Arawété, póde ser expresso de m:xX1 indireto, pelo verbo m!Z_ 'e, que se trciduz
a::::m::> "guardar para si''. , "oonvencer alguém a nao se relacionar a outrem"; ou ~
lo verbo haih! - p::>ssível oognato do Tupinambá -ausub-, "amar" (Lenos Batjx>sa,
1956:37, l.39) -, mas~ em Araweté' conota zelo excessivo pelo que se tan, i:e-
cu.sa a partilhar algo que se encarece. Ciúme é avareza, oo cx:ntexto legít:inD '
da reJa~ . real ou ~al entre aplhi-pirza.
425
araweté: os deuses canibais
tual de mutualidade.
o complexo simbólico. da rela9ao aplhi-piha é absolutamente
central na visao de mundo Araweté. Nao sei como exprimir de modo
s.i mples essa importancia e peso de que ele se reveste. Ter aplhi-
-piha é sinal de maturidade social, assertividade, generosidade ,
alegria, for9a vital, prest!gio. A apfhi é "a mulher"', pura po-s i-
tividade sexual e psicológica, sem o fardo da convivencia e .. das
quere¡as domésticas. E um aplhi-p·i ·ha é mais que um irmao, em cer-
to sentido¡ é urna conquista sobre o território dos tiwa, dos nao-
-parentes, é o estabelecimento de urna_ identi.dade ali onde só ha-
via diferen9a ou nao-rela9ao: .é um amigo. Note-se que a freqüente
associa9ao económica entre os quartetos de aplhi-piha nao envoí-
vem nunca o trabalho agrlcola, para QS homens (as mulheres podem-
-se associar para pilar milho, etc.), mas sima ca~a: a coopera -
9ao agrícola supoe pertencimento a mesma familia extensa, o . que
nao pode ocorrer entre aplhi-pi'ha.
426
• r entre si
(82) carparar o::m o terno Parintintin para "incesto",· oji 'u.: "o:mer-se a si
nesno" (:Kracke, 1984:123, n.4).
427
araweté: os deuses canibais
~ . ;
(83) ~ possivel a ruptura de urna rel~ de aplhi~p.Z:hádevidO a abusos de uma
aas· partes. un exenplo que te5te:nuñhei foi atril:clCb a urna "~iatrOO indé-
bita": .urn dos lx:mens. depilou crnpletamente o púbis de sua aplhi,
. . ~ -
indi~ de seu parceiro, que declarou que tal prática nao estava prevista 1
oo "ccntrato", e que,· afii'lal, os pelos da nenina ainda estavam"veroes" (daéi)
- pois ela era ben joven.
ativas. entre casais .jovens e/ou . sem filhos. Urna relac;:ao encerrada
costuma . ser cancelada ·terminologicamente (ou marcada pelo · sufixo
"ex-" 1 ele valor .puramente descri tivo nesse caso) I 0U 0$ termos sao
mantidos como vocativos, o que também ·é mais comum entre homens .
t
428
entre si
.-
como vimos, apos mudan9as matrimoniais, mesmo que precisem ser re
-atualizados. O amigo do sexo oposto, conquanto focal, é . em verda
de um meio de se produzir um a'plhi-pi·ha - e isto vale sobretudo '
- w
para os homens.
Os quatro únicos casos .- dos muitos que estavam em vigor
de la9os de . aplhi-pi~ha que envolveram casais .mais velhos, em
'
1981-3, centraram-se no recasamento de um viúvo (que reativou uma
rela9ao com um casal, e estabeleceu urna nova), e , no casal "dono
da aldeia", qu~ se ligou sucessivamente a dois outros, ambos na
mesma relayao terminológica com ele: os maridos eram gi 'i, "ZS" ,.
do homem¡ as mulheres, irmas reais, eram pe'i, "~D", da mulher.Es
tes d ois Últimos casos sugerem que a cria9ao de lac;ros de
-piha sao um instrumento político importante: o líder da aldeia '
ao estabelecer rela9oes com casais situados em se9oes residenciais
distantes da sua, "extraia-os" dali, e os incorporava a seu pá-
84
tio e equipe de trabalho (estávamos na época da coleta de mel) •
429
araweté: os deuses canibais
430
entre si
(85) Assim, por exenplo, a re~ao teminolÓgica entre trés haten.s da al.deia '
tal catD justificada por ·um .deles (39):
431
araweté: os deuses canibais
432
entre si
433
araweté: os deuses canibais
~AN!
reciprocidade mutualidade
w
(di)
B!DE
434
entre si
sao
(86) Os paralelos di.reto.s 00 instituto aplhi-piha poua>s, nas , sociedades
Tupi-Guaran.i. O únioo similar claro é o anti<p oosturne de troca tenporária '
435
araweté: os deuses canibais
436
entre si
."
Nao é, enfim, por acaso que a anti-afinidade se define pelo
júbilo, e instaura ambiente celestial: eta é, .propriamente, um
tributo dos deuses, que evoca assim o tal mundo impossível do
-
a
''e~
;¡ .-
P rod u z ir urna crian9a (konomi) e uro trabalho demorado, que
87
exige cópulas constantes e gasto considerável de sernen(ta'i re)
(87) Ta-i é urna fOnt\a genérica para "filho"·, cri~a, broto de planta, f ilhote
-
de animal; -re é ·marca de pretérito ocminal, que marca o semen cx:mo "d:>jetifi
cado", i.e . separado do corpo.
437
araweté: os deuses canibais
438
entre si
- entre
(88) Essa "contradi<;ae" , -
tearia patrilateral da c:onoepc;ao e reoonhecinen-
to bilateral da cx:rm.mi~ de substancia se enoontra em outras socledades da
regfu - os Yawalapíti (Viveiros de e.astro, 1977:206) e os Suyá (Seeger, 1981:
150), por exercplo. Devo esclarecer que uso aqui a~ de "grup:> de substan -
cia" em sentido lato, urna vez que nao sei ~ "substáncia" é essa que define
o a:njunto de pessoas -que os Araweté oonsideram cxno afetos a regra de abSti -
néncia por doen;a.s. Visto nao ser o sanen {cf. matrilateralidade), tanpouco é
o sangue. Seria ma.is ben urna "unidade mlsti.ca", substancia metafórica ou meto-
nímica: é un grupo sociolÓgicn, vale dizer, nao fisiolÓgicn (etro-).
Por ou:t+o lado, os 'l'Upinaat>á parecen ter repreSentado o caso rcrlical de i-
dentifica~ da cr~.:> ..1PIÚ - cf. as fmosas descri<;Oes dos filllos dos cat;i
VOS de guerra, devoraa:'6ipe1Bs maes Tupi.nélnbá (~, 1963:171-2). h:) con-
t:rário Araweté e de outros TUpi-Glarani., os TUp:inambá nao só proibiriam a
Q:)s
439
araweté: os deuse.s canibais
(89) A mistura de semente hunana cx:m a dos espíritos (o "?-t:>rador da Agua"), c:o
I00 já referido 1 produz aLoz: to e nm te da mae. Nos Tapirapé a mistura exoessiva
440
entre si
-
valor fálico do chocalho transformador e masculino do xama, ericr~
441
araweté: os deuses canibais
a crian~a nao parece manter nenhuma rela~ao especial com ela; mas
toda pessoa lembra quem cortou seu umbigo e quem a e.r gueu ao nas-
cer 90 •
442
entre si
443
araweté: os deuses canibais
- - -
to e, "donos de filho". As principais sao: nao se devem expor mui
to a luz do sol e da lua, ou o "excremento" dos ·a stros os enegre-
cerao; devem andar com cuidado, nao podem carregar água; andar
sobre pedras ou solo áspero, ou os espiritos I~ira ña e similares
flecharao seus pés (supra, p. 245). A mais importante -
precau~ao
é tomada pelo pai: ele nao deve. ir a mata ca~ar em hipótese algu-
ma, enquanto o umbigo do filho nao seca, ou atrairá sobre si mul-
tidoes de cobras, surucucus e jibóias, que o picarao ou engolirao
vivo. A maioria das restri~oes protege a crian~a: os pais nao de-
vem pegar em espelhos e pentes, ou causa.m febre e dores nela¡ nao
devem pisar nas placas de pedra que se desprendem nos lajeiros, o
que oprimiria seu peito; nao tocam em couro de ont;a,- ou sua pele
ficaria manchada .•• De um modo geral, evita-se qualquer esfort;o
violento que possa produzir efeitos "analógicos" negativos: pilar
milho, cortar árvores, carregar peso, etc.
As restri9oes ligadas a ingestao de alimentos sao mais nume
rosas: os país nao podem cozinhar ou assar carne, nem comer coi-
sas muito quentes¡ a mae nao pode fumar, e o pai só o faz com o
charuto filtrado por um ma~o de algodao. Os alimentos específicos
interditos sao:
444
·entre si
-
Todas essas carnes, e as actoes anteriores, produzem um so-
efeito: o hapi, a "queima" da criancta, que resulta em sua morte •
Se bem entendi, tratar-se-ia de urna esp~cie de combustao interna,
'
nao manifestada por queimadura ou ·queda dos pelos (como o hapi xa
mánico do veado), mas por febre, dessecamento e emagrecimento. A
idéia subjacente parece ser a de que o recém-nascido é um ser "vo
látil", que deve ficar . longe do contágio com coisas quentes. Nao
se pode também pintá-lo de urucum, ou sua pele descascaría como '
se sapecada no fogo 92 • Alguns tipos de mel sao interditos, pois
(92) Essa afinidade perigosa da. crf.anra cx:.m o queimaOO se encentra ainda nos
casos de norte por hadi, canvuls0es cansadas pelo Senhor ~ TUcum (supra, p.
244); as quatro criancras assim vitimadas cairam no fogo, norremo queimadas.
445
araweté: os deuses canibais
sobre os xamas que se aventuram ao céu após urna rel~ sexual. Acrescente-$&
o:rt0 transf0J:ma9ao adicional do sistema, a ~ Araweté em um ¡x>der (nao nui
to apreciado) dos xamas que já foram trDrdidos ¡x>r urna surucucu - a robra ma.is
venenosa - e escaparam: senpre que eles x.amanizam algo, prcduzem ciruvas. tor-
renciais. Assim, tanto as cobras c:quáticas •(sucuri) caro as terrestres-veneoo-
sas tém Una lig~ cxm a água - o que poderia ser renetido ao caráter venero--
so do Arco-Iris na mitologia sul-americana (I.évi-Strauss, 1966:252-ss.). carpa
re-se ainda o significaó::> 00 cognato de peye, xami, entre os Aché (orrle nao
há
xarnanisrco): paje sao os hanens imunes ao veneno das cobras (Clastres 1972: 268).
446
entre si
447
araweté: os deuses canibais
448
entre si
de" dos infantes. Ela nao se confunde como falar (ñe'e) pois lQe
é cronologicamente anterior. Parece designar a capacidade da crian
9a responder a estimules lingülsticos ou para-lingüisticps. O
449
araweté: os deuses cam'bais
450
en.tre si
- em espacejar os nascimentos
Embora haja· essa preocupa9ao ,
e em criar os f ilhos dentro de wna situa~ao conjugal e psicológi-
ca estável, ter filhos é um valor essencial. As crian~as sao ado-
4
radas e mimadas ·por toda a aldeia - mulheres e mesmo homens disp~
C96) Cl:2lparar o:m a pi:ef~ 00s Tenetehara por fil.has, que wagley & Galvao
(1961:83) atr:i.buem ao valor destas oo sistema uxo:rtlocal. Os Araweté, por ·un
raciocinio mais direto e a mais l~ prmo, subl.inham o valór dos fillx>s 00-
me:ns cx:m:> provedoJ;es de (:arl'lle. E isto ta;l.vez su:g ira a maior fluidez da i:egza'
uxoriloail Araweté. 'sObre a polltica det•iy:titica Tapirapé, ver waqley, 1977 :
. .
135-9.: a .noana era a de tres ·fillx>s par casal ,' can alternáncia de se>ee. Isso e
' . -
ra justificado pela difiolldade Ell\ se alimentar mais de 3 crianrras (o que nao
explica o parque da altemancia sexual). As mulheres Araweté espaoejam O.S par-
tos par afi.J:ma.ren Me> ter leite ·para mais de ma criaD;a ao mesm:> t.a1p:,>: fora
isso, sao nuito prolíficas, e desejam IÍu:itos filb::>s. se ~ cr:i.aBra ncrre, ime
. diatairente procuram substituí-la, especialmente se foro pr~to.
451
araweté: os deuses canibais
9a" por suas roupas velhas e sujas, posto que sua saia e blusa-
-tipÓia sao fraldas para o bebé.
Dos tres anos em diante, quando comecram :a ter autonomia de
movimentos, a-s crian~as sao referidas genericamente como ta'i
roho, "filhotes grandes", ou como "homenzinhos" .e "mulherzinhas" •
Entre os sete e os onze anos, os -meninos sao classificados como
pi:.ri: aái, lit. "gente verde". Nessa fase, saem para cacrar nas re-
dondezas ,. .. para pescar e acompanham os pais nas expedicroes coleti-
vas do cauim. Comecram também a fazer suas .casinhas ao lado das
dos pais. Por volta dos doze anos, decide-se que é tempo de amar-
rar seu prepúcio; o pénis já está "cheio" (tenehe) e a glande po-
de expor-se, o que é motivo de chacota e vergonha do rapaz. A im-
posicrao do cordao peniano, uma linha fina de algodao, é feita dis
creta e individual.m ente. Qualquer homem que nao sej a o genitor ou
o marido da mae do rapaz pode realizar essa opera9ao. Seu pai, se
o fizer, definha da doen9a ha'iwa e morre.
452
entre si
....
to e dan~a que comemora a marte de wna on~a, o Na ·neml-na n't.' ou
(97) Assim, fica clara a inversa.o do sistema TUpinambá (supra,. oota 66) : só a-
¡X)s matar um inimigo é que o joven ¡x:rlja casar¡ éG\lÍ, só após casar é que se
J:X>de ~ em torro do rnat.aOOr e do espirito do rrorto.
p,;r~'i ohq_ (=
-
filho grande de gente?), termo que designa o
.
esta-
que se aplica aqueles. que ainda nao tem filhos casados. o segmen-
ninos, mas nao menos instáveis. Raros sao aqueles que nao tiveram
453
araweté : os deuses c~ibais
pelo menos cinco "esposas" nessa fase - e que. foram residir uxori
. localmente todas essas vezes. Eles se casam com mo~as de . sua ida-
de e com mulheres bem mais velhas, viúvas. A circula~ao matrimo-
·nial entre os Araweté é muito acelerada, e as trocas de conjuges
entre os jovens conhece ciclos quase- anuais 98 •
. .
(~8) Assim, entie 1979 e 1982, houve o seéjuinte circuito de reve7.amellto matri-
m:ni.al:
i 0+-6~0+-6.,.0+-6.,t.0+-6
66 IQf 106 . .H J6 H 16 ,l S
't Ü+-6.;.0+-6;.~
•• ., 'ª' 'ª'
o'º' +-1\~rl ....6~0 +-6
'iil y. ,, "' ,1
5 9=6~0+6~0
Uf Uf lll . 61 . 68
454
entre si
uma mo9a nao pode · ter seu catamenio em casa dos pais, ou estes s2
frem a mesma morte por ha' i;LJa que se abate sobre o pai que amar -
rar o cordao peniano do ~filho, os incestuosos, etc. (ver no ,próx!
455
araweté: os deuses canibais
A compara~ao
,,.,,,,, -
com o penis - -
. nao e superficia'l . O termo para os
labia majora é exatamente esse: kañi' nakau 1 "penis feminino". Am
456
entre si
(100} Que pensar disso tudo? Parece-ne haver urna série de paradoxos envolvidos
nesse p:rocesso, e ro valor erótico-siniJÓlioo dos grandes lábios . .Em prineiro '
_lugar, ao oontrário das práticas afri~ que visarn uma diferenc;;ia¡;ao rnfup.ma
dos órgaos genitais masculinos e ~emininos - ciromcisao e ablacrao do clitóri~
excis0es das partes "femininas" . e "masculinas". da genitália do sexo aposto(~
p.ex., V.Turner, . 1967:cap.yn; 1962; Gluckman, 1949) - os Araweté. f~icaxn um
.
penis f~ oo rnesro t:.enpj en que abren e alargam o canal vaginal;- ·um "pe- -
. nis", allás, duplo e incapaz de erec;ao (o clitóris - icir!, "broto" - nao pare
ce ser ilrportan~ na sexologia). Par ou~ lado, e aí o:::rro a ma:i:oria das tri-
l::os americanas, fazen o aposto da circuncisao, i.e. o esti.rarcento do prepúcio'
e sua amarr~. Porán,. en vez ~de estojq peniano el~rado, o que se tern é urna
espécie ~ "estojo" do .d upto ~s f~ - a apertada cinta íntima. H:> oon-
trário, por sua vez, dos conspicuos batoques do l.ábio inferior ma.scuJ..in:>, dos
Kayapó e outros, os lábios "inferiores" femininos sao mantidos estritamente o-
cultos. Os Araweté se destacam exatanente . ~lo contras~ entt:e a nudez masculi
na e a c:aiplicada veste feminina .•
Os SUyá, .que usan ba:tc:ques labiais masculinos, .sao, ooincidente:nente, o úni
oo povo arnericaro em que o estiranento oos l.ábios da vulva é registrado (5ee -
ger, 1981:·83; eles também concebem o baten cx:no. um fabricador da vagina) • Mas
o autor citaOO ~ ccnsidera esta ~ o:m::> participando do sistema senan-
tioo das Imtila<rOes oorp::irais Suyá, que sublinhariam antes as qualidades so-
cialnente mnstruídas (fala, audi~) que as naturalrrente "dadas" (sexualidade
faninina). Nao ·creio, outrossim, que ·os Suyá definamos grandes lábios roro um
"penis das I1lllheres" • Minha illpressao geral é, justamente; que o. que oorrespoil
nao
de ao CX)St\.Jne Araweté é seu hc:rcÓlogo Suyá imediato (e relativamente nen::>s
inp:lrtante}, mas 00 amtrário a marca~ das "faculdades sociais" via batoques
labiais, ·auriculares, et.e. A ''vagina pintada" das nortas celestes oorrespcxrle-
ria a deco~ dos mnarrentos oorporais Jé (vide o estojo. peniano Bororo)
457
araweté: os deuses canibais
dulta, que faz par a::m a de "sentx:>res do diadema" (nao há nada equivalente ~
ra as nulheres, que 500 metonimi.zadas por sua CDldic;ac> materna: memi ña, "do .;.
nas de fil.OOs" é o epíteto mais geral que se lhes aplica). Assinl, em vez do
"arco e oo cesto" Adlé (P.Clastres, 1974:cap.V), os siml:olos das cxmdi<;é)es mas
culina e femin.ina 500 o ~ e a cinta. O prilreiro, una metáfora do falo ,
em sua funt;ao de crj ador; a seguhda·, um estojo da vagina e oo duplo penis femi
nino, coi9as que "quebran o clx>ca.UX>" 008 hanens ••• Mas verena; IX> próxino ca-
pitulo que o ara._JJ é· um objeto ambígoo. ·
COOsidera.000-se o extrBJc poCk:>r das mulheres em expor os grandes lábios, e
a natureza de "estojo paniarx>" da: cinta Intima, seria talvez possiVel conceber
nns o catplem cinta-grarldes lábios . <X:rto um aparellx:> de controle-&fase da se-
. ..
xualidade feminina (ao nodo dos estojos mc!scul.inos Kayapó - ver Seeger, 1980b:
52•4).
()lanto aos brinCDS, lxnens e mulheres usam-nos semelhantes, mas os das nu-
lheres sao ben mais Oll{>tick>s. Se a fabricat;ao da saia e manipul~ do alc;p -
aao é tarefa feminina·, os bri.Ílros ten sua matéria. prima fomecida pelos ~
e um presente de penas de 11107tel1I!!_ para os brinoos de una .rrulher é, nao só deli-
cado .e de bc::m-9Qsto, o:rro um cawité irresistlvel a entrada em re]~ de
aplhi .
458
entre si
459
araweté : os deuses canibais
que foi tecida pela mae, outra parenta, ou até pela sogra. Esta
pe~a recebe vários nomes: tupay hete, "roupa verdadeira",wi haka-
wa ha, "onde se derrama o sangue", ii re, "pe<;a de dentro". Ela
nao pode ser tirada na frente de urn hornero, sem que isto implique
convi• t e sexua 1102 •
(102) A apertada cinta interna inpede ,que se afasten as ooxas mais que alguns
centímetros, o que dá as lilllheres um amar oscilante e de passos curtos. E seu
uso a:nfere a expressao "~ir as pernas" um sentido sexual ain1a mais direto'
que em port:iJgues vulgar; tirar a ii re é, literalmente, pc:rler abr;i.r as pernas:
oyika, terno rorrente para o ato sexual.
460
entre ·si
'
ciativa nesses assuntos. Quando ainda longe da puberdade, os
pais nao interferem, ou mesmo. estimulam as aventuras das filhas '
para gue aprendam corno sao as coisas. E sao eles que, as vez es
~
ra elas que para seu marido. Este, logo que casa, recebe urn tecnó
nimo segundo o nome· da esposa; mas ela só abandona seu nome de
infancia quando seu primeiro filho é nominado. E a mudanc;a de vi-
da após o .nascimento .do primeiro filho é muito mais radical par.a
urna mulher que para seu marido; ela deixa de ser um apendic~ da
mae, e se volta para a própria
'
casa; deixa de pertencer ,
ªº bando
turbulento das moc;as sem filhos, alegres e licenciosas, e adota
um comportamento medido, recolhido e sempre solícito para corn as
necessidades do filho. D~ objeto de ciúmes do marido, passa agora
a ser quem. co~trola suas aventuras. As mem~ ña, mesmo jovens, sao
respeitadas, E7 a balan~a sutil da autoridade doméstica pende sen-
461
araweté: os deu$es canibais
(103) Sobre a ~ de "bidx>-papao" dos espectros dos nort:os, cp. can os Te-
netehara: Wagley & Galvao, 1961:83-5.
- classifica
Por volta dos 35 anos em diante, as mulheres sao
das· como "adultas" (o~f mo-hi re, como os homens; cf. mo-hi, com-
pletar), e, após a menopausa, como "velhas" Ctaplna)~ Mulheres de
meia-idade possuem wna enorme influencia na vida cotidiana Arawe-
té; com muita ascendencia sobre suas filhas, urna sectao ·residen
cial uxorilocal gira em torno da mulher mais velha, e é normalmen
te identificada por seu nome. O fato já registrado de que há urna
tendencia dos casais principais da aldeia serem compostosde ex-viú
vas mais velhas que seus atuais maridos, só faz aumentar o poder ·
destas mulheres. Tais senhoras, além da voz ativa que tem nos
negócios aldeoes, sao a principal fonte de rixas e intrigas, e
respondem pela politica micro-faccional da aldeia. Sao elas, mais
que seus maridos, quem disputa o destino pós-marital dos jovens
I
462
entre si
-
Es tes sao, em suma, os ritmos e estruturas da vida cotidia-
na Araweté. Além do que Jª -
. foi dito, haveria que chamar a aten-
~ao para urna peculiaridade deste Pc:>vo, dentro do horizonte Tupi-
-Guarani: ·a ausencia ou rninimiza~ao de quaisquer transi~oes de ci
clo de vida - excetuando-se o nascirnento do prirneiro f ilho - e no
tadamente a auséncia de inicia9oes coletivas de puberdade, rnuito
importantes nos dernais TG, sobretudo as inicia~oes masculinas(Gu!
rani, Tapirapé, Aché; ou:tros grupos enfatizam igualmente a~ ini -
cia9oes masculinas e femininas: Kayabi, Kaapor, Tenetehara; ou-
tros ainda sublinham apenas a menarca: Wayapi, Siriono). Embora
nao creia que se possa encontrar uma causa in~quívoca desta ause~
463
araweté : os deuses canibais
464
CAP!TULO VI
ENTRE OUTROS:
465
araweté: os deuses canibais
l. PERIGOS: ALGUNS
466
· .entre outros
(1) Cognato~
•
de koako se acham entre os Parintintin (okivaku - Kracke, s/d.: 98),
- • • +
abstinencia (~6~ko ha) sio coisas ditas me'e a'o: a9Ses perigosas
dos pais em couvade, certos alimentos (especialmente carnes), e o
sexo. Me'! ~'o, "coisas-~'o", traza mesma raiz do conceito de ·es-
. .
pectro ou espirito - -~'o we - e do verbo para "saudade", mo-a'o
(supra, p. 448, nota 94 ) •
Embora se use· o verbo · ko~ko para a9Ses de resguardo dos pais
de f ilhos pequenos, seu significado próprio remete ao complexo do
comer: carne e sexo. A coisa-a'o por excelencia é a vagina, e a
atividade sexual é designada ern geral por urna metáfora negativa e-
xemplar: ko~ko-i, "inabster-se". O sexo, assirn, é sempre um éxces-
so, uma nao-continencia. A divindade Yici~e aé~, o licencioso 11-
der do cauim alcoólico, recebe o epíteto de koako-i ha, "o inconti
- -
nente." . Ele é ainda o modelo do tori - pa, do amigo sexual, e seus
cantos mencionam invariavelmente ·o sentimento de iwa tori, lit.
"céu-ale.g ri.a " - o . júbilo. ce·l estial .. que marca a rela9io aplhi-piha
que analisamos acima.
Quando os pais quebram o resguardo da couvade, vimos que o
efeito é o hapi, o dessecamento igneo da crian9a (p. 445), ou sua
sufoca9ao por cauim e sémen!. Quando o resguardo incide sobre pare~
467
araweté: os deuses canibais
-
tes adul.tos, enfermos, os efei tos sao mais variados. Carnes como
a de jacamim, veado, inhambu, mutum-cavalo e anta, se ingeridas
por um parente (a fortiori pelo enfermo) podem provocar fraqueza
nos joelhos e nas pernas - os dois primeiros -, surdez - os seguin
tes -, e dores fortes na barriga - a última. Quando a doen9a é gr~
468
entre outros
a saúde de Ego (desde que nao seja, é claro, sexo com Ego) . Por
outro lado, mesmo irmaos classificatórios sao entre-abstinentes ,
na medida em que estao sob interdito do incesto. As fronteiras exa
'
tas desse "grupo" de resguardo sao fluidas, dependendo tanto da
gravidade da doen9a de Ego quanto do estado de suas rela9oes com
2
os a; • o paradigma do semelhante e a regra básica do resguardo ~
80-95 para urna anál.ise ó:> resguardo Apinayé que se pode estender, a:m pequenas
nodifieat¡:Oes, para muitas outras sociedades. Os ~té, ao oontrário dos Api -
nayé, xinguaoos e outros, nao dizen que o resgu.arOO - abstinencia - é "por cau-
sa do san:JUe", afora o caso da nens~ao). Sobre os "grup:>s oor¡x>rais" na AS,
ver Seeger, 1975. Sobre o Alto Xingu, Viveiros ae ·castro, 1977: cap.V.
O "desguardo" sexual pode afetar ~tonimi.carnente parentes nOO-substanciais ,
no sentido estrito. Assim, urna norte em 1980 foi explicada ¡:orque a WD de Ego
havia tido rel~ sexuais quarxJo este seu MH (que nao era seu FB, seu to a; )
estava doente. Da nesma fonna, se urna~ tema nenarca ero casa dos pais, o ma
rido de sua mae ncrre de ha'wa.
Permito-me nao retanar éGUi as longas discuss0es sobre o "signific.aOO . da
cx:AIVade" (ver a Última recensao anericanista ero Menget, 1979, que a interpreta,
~ o caso oos Txi.cao, ero func;ao de urna t.eoria da substancia) - assim a::JrO
quarrlo, ao discutir c;s. ooanástica Araweté, dei.xei passar as diversas teorias so-
bre os rones p~ios.
469
araweté: os deuses canibais
470
entre outros
sao
ria do pcXlre ( , di) ou da catinga . ~ .< ikac!) • 1µtix>s abaninados pelos deu
ses celestes, dentro de una cposi~ entre. o "fedor da norte" e o "odor de san-
t.:;.dade", que vereros a seguir. Além disso, cxrier carne crua. - o que por vezes
·sucede quazXlo un ~ador está cx::m .llllita fane ·- pode provocar fortes dores abdo-
. '
minais, alero de ser nuito perigoso se um parente está doente.
<l:Jtparar o relaxamento Araweté quanto ao cru cx::m a delicadeza Bororo e seu
esforyo de se-distinguir da ~dade . <v~eritler, 1976:41-s$.). Os Bororo, a-
liás, apresentam urn sistema de ''benzimento" alimentar serrelhante ao Araweté,o:::m
a diferenc;a significativa de que ali se trata de oferecer a cx:mida aos tx?pe pa-
ra que esteS "estraguem" a o:::mida ne'1tralizanCb-a para cx:>nsum:> humano; os Ar~
té neutralizam os peri~s irnanentes ao alimento dos deuses para depois estes o
ccrneren.
(4) Ha 'iwa possui, ccm::> únioo cognato nuito provável, o oonceito de baivwa oos
- -
~ - que é tuna OOen<ra nortal, misticamente causada, associada ao oonsurco de
carne de quati lanimal ligado aos ·nortos em vários grupos m, Araweté inclusi-
ve) , ~ mel puro, da carne humana pira., e a manipulac;ao direta 00 esqueleto (eta
nio) de urn humano. Ela deve ser distinguida oo tanbém perigoso estado bayja, as
-
- ! . -
471
araweté: os deuses canibais
"ferir can flecha", ferir a alma. Nao seise p::>sso transpor essa etirrologia pa
ra o oonoeito Araweté, oode oontuó:> o segrrento *-iwa significa tanDém "flechar,
picar".
(5) Há urna série de cantos que nao caem exatanente na dist.int;OO "música aes deu
sesftnúsica dos inimigos" - ·ent>oia sua fonna seja idéntica a das ~ de gu~ .
ra -, que nao ¡x:den ser cantados: o "canto da centopé.ia" (ta.rape), o do ..Maca<X>
rronstruoso" (Ka'! dowl'fzG.), o ck> "Jaboti nonstnx>so" e o dos 1ñi, ben cx:no os
cantos "de Itakad!", .. de Ta' akati" e "de Maeapi", tres inimigos míticx:>s. Esta
classe de cantos proihidos remete a una rnais anpla, de cantos deletérios ao mi-
lix> e a sa\x3e - ver ac'H ante. Mas SÓ OS neocionados acima sao ha 1 wa ha, letais.
-
ha'iwa, em sua forma ideal,
. envolve um emagrecimento súbito (mokoi
yi) e urna combustao interna (mo-ak~ fJJoko, "grande aquecirnento")
febre e definhamento.
A rnenc¡:ao ao céu (iwa) como ha'iwa ha, letal, é um tanto obs-
cura para mim. Isto parece designar um tipo de causa de rnorte ern
que o céu estronda e se abre (opiri, iwa), fulminando a vitima su-
bitamente. Tal causa deve ser distinguida de outro fago celeste e
invisivel, . o tata na'iwa ha criado-lanc¡:ado (mara) pela ·oivindade ,
mediante seu poder xamanico e especialmente pelo uso do tabaco. As
mortes pelo fogo divino incluem toda morte sem causa Óbvia determi
nada - i.e. mesmo aquelas em que a causa eficiente foi urna pneumo-
nia trazida pelos brancas (do'~, tosse). Raciocinando ao modo Azan
472
entre outros
de, os Araweté afirmam: "todo mundo fica doente, mas só morre quem
for atingido pelo fogo divino fMat data)". Apenas, e caracteristi-
camente, o "bruxo" aqui é a Divindade - e a "vontade divina" é um
'
dese jo de· tipo sexual pela vi tima 6 •
(6) A ruptura do céu, que respoIXle por seu ixxrer assa5sino eventual~ remete ao
tema oo "céu m1per-quebrar" <iw<i ~ iwa ne~-h~> pelo peso oos nortos, o
apocaJ ipse Araweti "já evocado <sypra, :p.' 196). '. ~ao oonsegui enterx3er cnoo e po_!
que is.so acontece causa ncrtis individual (sei de trés, no passaó:>J. Usa -
cx:trD
-se a mesma expressao para designar as ful.nú.nac;Oes por raio visivel, corisoo. o
raio, tata ipe, é também chamado de "assassino das alturas" Ciwate ha nopl'ha).
Já o fogo divino é in.vi.SÍvel, ou se manifes~ ao lon;e; parece associado a
raios que caen no h::>rizonte. Nao cheguei a ter una idéia clara, en suma, de
todo esse m1plexo de associ~ entre ha 'iwa, céu e fogo. Notei ainda, e dis-
473
araweté.: os.d4l'uses canibais
. ' '
(7) emparar tal sanc¡:ao do incesto, canbustao por um fcxp celeste destruidor, e
posterior devor~ carú.bal pelas ·divindades~ o::m o deStino de um. culpado de
incesto entre os Yaronami: seu oorpo riáo gué:1ma na pira funeraria. (Lizot, 1976:
44), e portante suas cinzas nao poderao .ser ingeridas ne> r~to ." emocanjral ":·
causa ~rans9enqente de toda morte que nao envolva urna captura da ' '
alma pelos esplritos terrestres (Añ-i, . Iüiikatiha · e Aya:r.aeta) -
e · um
ha' i?.Ja prod.u zido pelos M~f. os d~~ses· cob.ic;am ·~s h~anos ( oy'f mira
- desej.o .raivoso, in:veja, avidez; cf. o onhimyr·o Kagwahiv, .Kracke,
1978: 282); os Maf sao "eoisas...:a 'o ·" , dizem os Araweté, e além dis-
.. '
so eles ~os mo-a 'o, "despresentificam.". Vem<?~ assim que o perigo
rnc¡lior na cosmologia Araweté nao é (em g.e ral ou no . contexto da que-
bra do resguardo), como por exemplo nos Guaran!, urna regressao ..
a
animalidade por metamor~ose (o "odjepotá" - S~haden.,. 19§_2 ,: 85-ss.),
mas ~a progressao demasiqQ.o rá.p ida ao estatuto de· alma celest·e d!,
vina. - >
. -
Mais nao seí dizer, sobre a nosología Araweté, e que. ja nao
o tenha fei to nos capítulos -anteriOJ:es. ·Relembro somente . que. a ·n o- j
~ao de doen~a parece apoíada nu.ma termodinamica do quente e do
.. .
frio, ernbora nao tao sistematicamente quanto ,em outras cosmologias ~ 1 • ~
474
entre outros
(8)° A diferéncia9ac> sonora dos dois ternes nem serrpre é fácil, na ·prosód.ia Ara
~té. Nao c:onhecro cx:>gnatos oo Últim:>¡ a tent~ et.:inológica me faria derivar
'
kaakt de duas raízes: o verbo -ka, ser-ter-estar, e una fonna arcaica para
tl~IÍ I *ak;, transi9ac entre 0 proto 'm *akan e 0 atual aci. Carparar 0 que
se ·seg\ie can o cxmceit.o maanatae d6s Fataleka: manória e peñsamento ooincidem;
cf. Guidieri, 1980:9~~3.
475
araweté : os deuses canibais
(9) Karohi p!dr heti - "o sol fica nuito venrellx:>", é um efeito que se produz
igualmente após urna cauinagern. Oiz-se que oo dia segtlinte, o da ressaca do
ca.uim, o creµísculo é muí.to ~llx:>. Nao sei cx:rro ligar isso a venrelhidOO so-
lar da raiva e da sat'rlade. Reoordo apenas que o venne1h:> é a Cor para os Arc:Me-
té. Para designar a idéia geral de "colorido" (na diferery;a, p.ex., entre urna
foto P&B - "cinza", en Araweté - e una colorida), usa-se a palavra "veD'llel.ho" ,
rretonímia conseqüente can a ali~ do verrrel.00 na vida social.
. t
-476
entre outros
bém sua anna proprianente dita, o arco. EmOOra nao existan tabus de mani~ao
do arco pelas m.tl.heres, quando um baten está entalharrlo urna pec;a de pau d'arco
para fazer sua anna ele precisa abster-se de sexo, ou a pec;:a quebra.
o leitor terá notado um riparadigma.. lingÜístico: ha'iwa, ~, ho'i~a ,
"tristeza", ha 'ira, desejo sexual - ao qual acresoentaria a palavra para "fare ..,
- Nao me arrisco a etinologizar; mas me parece claro que ho ira e ha'im-
ho'imQ. 1
~
trazan a mesna raiz do verbo para raiva, ou para enraivecer: mo-ira. A forma no
minal ñara pode ser um derivcd:> de urna antiga expres~ reflexiva. E o verbo 1'ª
ra a cobi~ raivosa, que traz urna clara cxn::>tacrao sexual, tem a mesma raiz :
oyi-mira. A tramr;ao de ñam por "raiva" é in¡:)erfeita: ñara designa tarcbém um
inpulso agressivo e eficaz de "incorporai;ao" de algo. ~ mar~ de caso
477
araweté: os deuses canibais
distintas escl.areOem isso: um sujeito pode estar ñara cx:m alguém (ñaÑ X-rehel, ·
-- - -
ou ñara por causa ou em func;ao de alcp-alguém Cñara X-re). Quaim um .lnnem diz
que está ñara nama ne, "can .raiva E9E vagina", ele designa seu desejo sexual •
Se a "raiva" levada a excessos p0e "fara de si" e é perigosa, a agressividade !
ficaz coootada pelo tenrc ñaro: - e a série ~· é positiva. Já a presenr¡:a· . ó:>
a:nceito de pulsao agressiva na palav.r:a "tristeza", ho'ira, suge.re exatamente '
essa idéia, de que a tristeza aqui é ~ paixao re-ativa~ nao cx::atpletanente dis
. .
tinta do rancor. Há um verbo similar, hero-ira, que significa "desprezar", aban
- - -
&:mar - urna esposa, \ml oferta-, e que 'CXX'lO'ta o rancor ressentido pelo objeto
do desprezo. Ele ¡x>ssivelmante é analisável em hel'9,_-, pref .causaUVQ-O!:lt\itativo,
e -ira, "ira" • .N.ao é ¡x>ssível lingüistic.anente fazer ~ cons~ passiva can
a fanna ho'ira, pela pref~oo do causativo mo-; fica-se ho'ira X-re, can al-
guán, "em" alguán - já a saudade é causada ¡x>r butrem, a:no já observei {supra,
p. 448 n. 94 ) • M1.nhas tentativas de produzir a fonna mo-ro 'ira cx:m proncite
paciente "desncronavam" IX>S ouvidos Araweté e geravam o~ mo-iÑ, enraive -
cer, que parece evocar - analÓgiea ou etim:>logicarrente - um "entristeoer".
caio· acabei me a.rriscard:>, prossigo, já nas áquas da analogia. O· ha' inicial
da fonna para desejo (e para I:X>e.rY;a?) pode ser .u na ~ de ha 'g, "cai:ne". De
todo m:xk>, existe em ~té urna expressao lingüística.para os sentimentos. aut:O
-
naros. ou eniSgeoos, que os cx:>loca .. derltro da came" de quem os tein. Assim, um
rnau. hunor sem razao - sen arrao que o 'tenha provocaó::> - é dito "residir s:inples-
mente dentro da carne" (ha,~ iwe te re ka) • Essa ncxrao de "entranharrento" na car
ne é irrportante para a ontologia do xamanisrro, ccm:>. ve.renos.
.
A natureza irasclvel dos Ma.f está obviamente associada a seu canibaliSJiO.
478
entre outros
, 479
araweté: os deuses canibais
(12) Já para o.s Aché, o resguardo de urn hcmicida envolve sua enp~uma900 con a
plumagern branca do urubu, visarrlo torná-lo leve (P .Clastres, 1972:259); ccrrela
tivarnente, a pr~ Aché nesse mntexto ~ é a de perda da alma, mas a de
urna invasáo do ccrpo do matador. pela alma caníbal e inccrporal do norte.
sente·: é por isso que os áp1!hi - piha sempre interferem, após algu -
480
entre outros
pora, por outro traz alegria, e nos torna pesados. Sua ambi~alen -
~ • M
cia nao deixa de replicar a da ''ra1va'', paixao excorporante e pul-
- afirmativa. E ambas caracterizam os Ma!, alegres inimigos, ca-
sao
nibais apaixonados. Por fim, se a morte produz tristeza e saudade,
a descida das almas celestes é sempre marcada pela alegria.
481
araweté: os deuses can ibais
movimos (p. 229) sao "aqueles que irao", que nao sao entes, seres
"simplesmente existentes". A nao-presenc;:a fundadora, a impossibili
dade de urna plácida coincidéncia consigo mesma, caracterizam a
Pessoa: ela pertence ao Devir e a Morte.
482
entre outros
pois temem ser atingidos por alguma doen~a ha'iwa ha. um cadáver '
ou morto é coisa-a'o, e sua vista é vedada aos "donas de crian9a 11
,
483
araweté: os deuses canibais
484
entre outros
mente, quem carrega e enterra u~ hornero sao seus irmaos (ani); uma
pulta seu irmao pode afirmar, por esse ge~to, seu direito a suce
que a carregou, u.m irmao e uma irma dele, uma irma dela e seu mari
(13) Una sirigular paralisia tana a:mta ae todos quaOOo alguém rrorre, caso forte
da "inércia" que já nencionei. Qu.aOOo da norte de Kawawa-yo-kañi, urna nenina de
e neio, sua
arx:> me
a levai para o pátio, e ali fioou, a::::m el.a no cx:>lo, por cer
ca de duas ooras, ch::>rarrlo ocasicnalnente; a sua volt.a sen~se, nao muito
perto, várias mulheres da aldeia, ronversando. Os pouros l'x:m:!ns observavarn de
longe. o pai sentava-se desconsoladq a porta .da casa, e os iIIt0os maiores (na
485
araweté : os deuses canibais
faixa dos sete-dez anos) ficavam dentro de casa, a::rn ar ausente. Passado algum
tenl;X), a mae pediu frac.amente que se 1he trouxesse urucum, e pediu ao narido '
que abrisse urna C0\7a oos :fuOOos da casa. O marido passal vários minutos sen dar
sinal de resposta; em seguida, pediu a um dos f illx:>s que buscasse urna pá, e uru
curn. o meni.rx> fingiu nao ter ouvido; neia oora mais tarde, una das filhas trou-
xe timidanente uma bola de urucum, e o pai se decidiu a cavar o túnul.o.
Ceno também na norte de Awar~-hi, pedirartt-1T1e que fosse buscar urna pá. a:rto
ne recusasse - fingindo .nao ter entendido-, levou ma.is ae urna oora até que um
dos irmOOs do narido fosse ao PQsto pedir o instrumento. Tal inércia, e a trans
fereocia de decis0es para a FUNAI Cem deis ou tres casos quan det:el::mi.oou o lo-
cal de enterro foi um branco), é rruito semelhante aqmlo que Wagley & Galvao ·
(1961:175) descrevem para os Tenetehara, e parece deperrler tanto de um rredo da
norte (do norto) quanto de urna inércia ma.is profuma, una evitac¡:ao de aparecer,
c:c:me;-ar, fazer qualquer coisa. Erx:arregar um estran:Jeiro., um i.nimigo, das deci
s0es é ainda perfeitanente inteliglvel: o norto-cadáver é já um outro, um inimi
go, natriz do espectro ta'o we; nada ma.is justo que os in:imigos se encarreguan'
dele. Ass:im, entre os parentes DI.lito próx.inos .e os est:rangeiros-brancos,. abre -
-se urna fenda de nOO-participantes, ~ distantes que nao se mexem fa
ce ao enterro. A norte é assunto da ~ imediata e do Pesto; a aldei a se e-
clipsa.
-
Abrem-se covas circulares (quando nao se aproveita o buraco
deixado por uma árvore qué tombou ou apodreceu); elas sao forradas
com esteiras de baba9u (ttpe) velhas; o cadáver, dentro da rede, é
acomodado deitado, de lado, coro as pernas fletidas, um dos bra9os
sob a cabe9a, o outro cruzado sobre o peito - esta é a posic;ao em
que os Araweté se deitam, no chao. Seu rosto deve ficar virado pa-
ra o poente, pois o caminho de subida da alma até o céu se estende
a W; a parte isso, o la9o sobre que o morto repousa - i.e. a dire-
c;ao de seu corpo - é indiferente. Sobre o corpo se poe outra estei
ra, ou pano velho, e entao se o cobre de . terra; as covas sao um
tanto rasas, com . no máximo um metro de profundidade.
Os mortos sao enterrados com alguns objetos - um espelho, um
facao, pe~as de roupa, pentes, que lhe poderao servir no Além. O
486
entre outros
(14) A associa9ao dos quatis a:::m os nortos se acha entre os Aché, oooe estes
animais sao os res¡:onSáveis pela elevac¡:oo da alma ove até o céu, e sao ditos s~
ren eles mesnos ove (P.Clastres, 1972:163; cf. supra, nota 4; en M;liá et al.
1973:91 esta f~ao é atrlliÜda ao tamanduá). Para os surui o quati é também um
animal funéreo (Laraia, i.nf.pessoal), e o "dente de quati" (kLJatihosa) é um ~
trumento mági co do xama Akuáwa, dotado da forc¡:a-''mana" kaZ'owara (Arrlrade,1984a,
b). o quati é um procionideO (Nasua socialis)cnto o jupará, que, cx:no já referi
nos , é associado aos nortos e ao rro.mdo subterraneo para os Wayápi e Kaap:>r - p.
198, nota 12.
487
araweté: os deuses canibais
15
noros •
488
entre outros
(16) Cf.- o mo-a'o causado pela arnamenta9ao, supra, p. 448 oota 94. TOO lago
o a:>rµ:> de Awara-hi foi exp:::>sto oo pátio, sua filhinha ~u a chorar muito ,
oos bra<jl)s da Uina. de seu pai. Entao, es~ trouxe Awara até o seio da defunta,e
fez can que mamasse - "para acalmá-la", foi ttrlo que detx>iS consegui a guisa de
explicac¡:OO.
-
Alguns meses depois do sepultamento, as cavas sao abertas p~
489
araweté: os deuses canibais
(17) A idéia da chuva que, passa?rl:> por entre as varas do "rroquán dos AFii", ace
lerou a dea::rrposi<;ao do oorpo, sugere que o sistema Araweté do jirau, a ser ~
reo a forma "própria" de enterro, é um carprcmisso entre os sistemas de exposi -
9ao de cadáver s00re jiraus, que encontrarros em alguns .
grupos TG (Holmberg .
,
1969:232) e albures, e o sistema de apc:xirec.irrento induzido por umidifica<rao, do
tiµ:> Boro.ro. Por sua vez, a rnetorúmi.a ''ver o cráni.o" (dac1:-ñ'e reca) nos remete -
ria a tradicional quebra do cráni.o dos inimigos 'l\lpinambá - i.e. daqueles que,
nao poderx3o ter a ca:beya quebrada erxjllélllto vivos, eram desenterrados para isso-
- e d:>s rcortos Aché, onde essa operac;ao ·liberava definitivarrente a alma ianve
' . -
de sua sede c:raniana; isso era feito após a decn1{X)si~ das carnes (P .Clastres,
1972:300).
490
entre outros
491
araweté : os deuses canibais
492
entre outros
493
arawet4: os deuses can.ibais
da pessoa
494
entre outros
lismo. Se nao se pode dizer que .os Araweté - como fazem os Yano-
rnami (Lizot, 1976: 9) - considerem toda rnorte· corno urn ato cahibal ,
toda morte entretanto desencadeia urna série de atos canibais.
Ern linhas gerais, a repre~enta<rao Araweté da mor te e da pes·-
soa segue de perta o canon hertziano (Hertz, 1928), especialmente'
-
na conexao entre os estados do carpo, da alma e da sociedadei e na
situac;ao ambigua ou precária da alma até que processos naturais e
sociais re-sintetizem o que foi desagregado com ~ morte. No entan-
to, se as idéias Araweté sao distintas, seus conceitos sao obscu -
ros, e, por poucos, obrigados a uma polissemia que os torna de di-
ficil tradu~ao. Com este caveat, de que o uso de termos corno "cor-
po", "alma", "sombra", "principio vital", etc. é absolutamente irn-
próprio, tentemos analisar a, análise da Pessoa que a marte executa.
A morte Araweté decompoe a pes.s oa em tres elementos: o cadá
ver; o espectro (t~'o we) terrestre; o espirito celeste, Mai piha
495
araweté : os deuses canibais
ses espirites comem a "imagern" (l) do dorpo morto, e que quem come
(o) materialmente o cadáver é a terra tout court. As entranhas da
terra, ou como diriam os Araweté, a "carne da terra" (iwi ra'a), é
- -
que come a carne do morto. Carne da terra significa aqui a materia
lidade física, bruta,· da terra, enquanto distinta dos espirites, o
eponimo (Avó Terra} e os Añl. Estas distin9oes sao semelhantes --
a
quela vigente nas refei9oes divinas de alimentos consumidos depois
pelos humanos: · os Ma! cornero xamanisticamente a l dos alimentos,sua
"imagem", enquanto os humanos cornero a "carne" (ha'a pe). Isto nao
significa qualquer insubstancialidade ou "simbolismo" das refei-
9oes dos deuses e espirites. A no9ao de tpeu! ha iwe permite justa
mente que a i das coisas contenha sua essencia: sacramento, -
nao
tropo; metamorfose, nao metáfora - transubstancia9ao, como todo
-1·ice compreend era
cato -21 •
496
entre outros
-
que moqueiarn ou cozinham a carne, sao entretanto "comedores de coi
sa (achada) morta", me'e tman; áe a re, um modo impróprio de consu
/
mo alimentar: vimos (p. 468) que comer animais mortos produz tontu
~
497
araweté : os deuses canibais
O ta'o we é urn carpo, rnais que tem um corpo: puro ern-si, cor
p~ reduzido afinal a condi9ao de objeto ~em sujeito. t um corpo
. ••vazio", o envol·tÓrio de urna sombra. o ta' o we é .geraQ.o a partir
qa l do vivente, sua sombra. A sombra ótica do carpo, i, é designa
da cornp ta'o we rol, "o que será t~'o we". Objeto paradoxal, o ta'o
we .é wn "corpo" gerado por urna "sombra", urn hiro liberado por urna
l: sombra materializada, ele é o inverso radical do vivente, onde
é o corpo que projeta urna sombra que lhe é servil; o ta'o we é urna
498
entre outros
sos . dos aldeoes ern fuga~ Os espectros de xarnas falecidos tern. a pe-
culiaridade de cantarero: nao obstante, esse canto é sernpre urna re-
peti9ao de cantos que o xarna houvera cantado quando vivo, nunca
urna rnanifesta~ao nova de cornunica9ao cornos Mal. Afora . estes caso~
499
araweté : os deuses canibais
Clñl newe ha), o "carregador de fogo dos lñl" - que leva a tocha
destes espirites, em suas caminhadas noturnas. Os ta'o we cornero
quatis, corno seus mestres Añl. Se wn ta'o we nao é, propria.mente ,
urn Añ-i - deles nao se diz que '' transforrnam-se em Añln corno as al-
mas celestes "viram Maf - é entretanto inequívocamente assirnilado'
a esses espirites. A necrofagia dos Añi é puramente destruidora, e
sua vincula9ao coma libera9ao do ta'o we nao é clara - se há, e-
redundante: os ta'o we vigorarn exatamente durante o período de apo
drecimento do carpo. Já o canibalismo divino é pressuposto da trans
forma9ao do rnorto ern Ma~ irnortal.
Os ta'o we "acabarn" (f:pa). Após um periodo de erráncia na al
deia ern que surgiu, o ta'o we se vai; ele ernpreende urna migra9ao '
obscura e anonima em dire9ao ao local de nascimento do morto
he). Lá chegando, ele rnorre ou se éxtingue (-tkañl, sorne), "trans -
formando-se em algo sernelhante a wn gambá morto" (o¿~ 4owa mikf:
500
entre outros
501
araweté: os deuses canibais
seria interessante cxrrpararnris isto can os. sistemas en que a rorte e os ·tú-
~s refazan a tm.idade social que a vida di~sou, ao m:xk> dos Merina, D:>bu e
outros (Bloch & Parry, 1982:27-38), que p:>r sua vez evocain os "cl.ás nortuários"
Piaroa (Kaplan, 1984), as "casas do despertar" 'I\lkano (S. Hugh-Jones, 1979) e a
terrados Aroe Bororo (Crocker, 1979) - ver Kaplan 198lh, para essa a~
Sul~anericana -; todas estas Cosrrologias pensam a norte cx:m:> o l\igar de cancela
mento ~ diferen;as,' e 'de re-uniaO OOS seres de ITeSma '"subst::áncia lÓgica" I pa-
. .
ra usanTOS urna expressao de érocker. A norte e O Além sao o e~ de Una iirp:>s
sivel e desejada identidade e indifer~a: ·o cl..fu3sioo tema do "fim da afWda ' -
de", sonho que trac;:a em negativo~ candi~ da' vida social •
. A "volta. para casa" do ta' o we terrestre . nao
é ~lutanente urna reuniao do
rrorto can Seu.s satelhante·s, mas urna inversao ~lógica da trajetória de um
. .
CX>r¡x> individual; o destino da a;i.ma celeste tarrpoúoo será urn mergul.ho na segu -
ran;:a .identitária - pelo rneoos nao de rrOOo siJrples; 00 'céu, os nortos éstaroo
a serv~ oos vivos, para outra ooisa.
502
.entre outros
(27) As pessoas me ilustravam essa origen do apoyiCi agitarx:b suas maos o::>ntra
o ÍOfi1', de nodo a nover a sanbra, o que nao deixava de me sugerir um "Últirro a-
deus" macabro que o macaco-da-ooi,te representa.
Os Araweté nao tenen os macacos-da-noite ern si, anima.is inofensivos; mas no
periocb que segue una norte, cu quando se está oozinOO na mata, sem f0fi1', pode-
-se entrar en estaOO ~ cl:oque can a aparicsao de um apoyiéi-ta 'o we.
. Há assim urna sé.rie de anirnais ligados ao espectro dos rrortos: quatis, gambás,
macaoos-da-ooite. Ela renete a outras cosrrologias 'ffi. Já vinos o papel cb jupa-
rá (chamaOO en alguns lugares do Brasil de macaco-da-ooite) para os Wayapi e
os Urutu. Huxl.ey (1963:256-ss.) refere mit.os ern que este animal aparece ligado
503
araweté: os deuses canibais
nao sucede como ta'o we. Nao se mata u.m ta ' o we - como se faz com
os espirites de animais (ver adiante) -, po~s isto equivalería a
um assassinato dentro do grupo. Mesmo que o ta 'o we seja u.m "ou-
tro,., e disperse a aldeia como o fazem os inimigos, ele está dema-
siado próximo da imagem do morto: ser ambiguo por defini9ao, peri-
goso a sua revelía, ex-bfde (Pessoa, Araweté).
Os Araweté nunca me justif icaram a impossibilidade de se ma-
tar os ta'o we conforme o raciocinio acima. Chego a ele por urna
evidéncia negativa. Afirma-se que os Kayapó tem o costume de matar
(xamanisticamente) o espectro dos Araweté que eles mataram na guer
ra - as mulheres que viverarn entre os Kayapó sao responsáveis pela
difusao dessa estória. Matar um ta'o ?Je, assim, é se comportar co-
mo inimigo; seria matar u.m morto do próprio grupo. Nao se mata, a-
liás, tampouco os espiritas de inimigos martes - mas por outros
motivos, como se verá.
A impessoalidade do ta'o we e do apoyici parece associada a
urna no9ao de pluralidade e multiplicidade. A um morto nao corres -
pende propriamente ~ ta'o we e um macaco-da-noite. Este último a-
504
entre outros
(28) Una vez, retornanOO de Altamira, oonstatei que sumira algo de minha casa •
Fesignad:>, cx::mentei ironicanente que deve.ria ter sido o meu ta'o we o ladrao.Aí
ne respalderarn: "te, hiro" - "nao,foi gente ~" • Hiro, oor¡:o-cxmtinente, e -
usado~ em oposic;ao a ta'o we - e entretanto o que define um ta'o we é que
ele é um hiro, urna coisa real, nao una imagen (i'). Biro, o::m::> -i, é temo de
significado p:>sicional. Un vi.venteé um hiro em oposi~ a um ta'o we; um ta'o
we é um hir9_ em oposi~ a urna i'-irnagem; e urna i' é um hiro em oposic;ao aqw.10
que náo tem causa ou forma, ~loqueé subjetivo. Assim, qu.aOOo eu perguntei'
se os cantos xamanísticcs eram ensillados aos xamas novatos pelos mais vellx>s ,
c::cntestaranHre: Ma! bfde ra 'a iwe na,
hiro - "os deuses nOO es~ dentro de OO.:!
sa cail'le, eles sao hiro". can isto, significavam que os cantos x.arnanísticos, ~
nifestarm a pr~ objetiva, exterior; dos deuses, I100 eram fruto "da cabe -
ca" (da carne. cerro dizem) do xana, mas da existencia real, nao-subjetiva, dos
Ma!. O que "está..dentro da carne", cerro vi.reos (supr~: . oota 10), é a sensac¡:OO ou
505
araweté: os deuses canibais
sentimento incausado, autórx:rro. Por sua vez, se é oossa l que sobe aos céus,ela
é nao obstante um hiro: um oorpo real. A no<;00 de hiro - que significa, em ge-
ral, a:::¡uilo que envolve algo, o:mtinente - designa assim o nodo de existP..ncia
objetiva, a realidade. Que, entretanto, oonhece graus, cerro se percebe m u.so
CC!ltrastivo cb conceito. O ta' o we de um rrorto é um hiro e um hi:ro pe: é urn
oorpo-real, e urn ex-oo:rpo~ ~ um puro ootpo, vazio de alma.
Urna vez que fomos, toda a aldeia, pescar em um lago próximo, al-
guém me disse, comentando o vozerio e a anirna9ao da clareira ern
que descansávamos: "aqui1 a noite, estará cheio de t~'o we" (1.e.
506
entre ou tros
(30) Assim, creio que a idéia do abarxlCl'lO definitivo de urna aldeia tao logo
qualquer norte ocorria pode ser matizada. Nenhuma das aldeias que rerebem nares
de nortos tero nc:::ries de criant;as; e os nort.os ep0ninos sao pessoas sarpre lerbr~
das pelo grupo - nesrro que nao tenham sido ''denos de aldeia"' xamis, matadores'
(muitos sao rra.tl.heres). CCJrpa"t"ár can o que diz Gallois dos Wayapi, que abarmna-
507
araweté: os deuses canibais
vam as alcleias SE!ITpre que várias pessoas ali rcorreram, ou Cllde faleoeu um "indi
vidoo de des~" (1984a).
- -
( 31) Assim, é a¡::ós a dea:ltposi~ da carne que o tq 'o we esquece oos vi vo.s e
errpreende a caminhada regressiva até sua aJdeia de origen, numa "anamnese" mecá
nica e solitária, até se extinguir..
O provérbio Araw'eté reza: "B-tde a:r ñe'e mo-kañi", lit. "os o.ssos da gente fa
- - -
zen sumir a palavra". Ele se usa senpre que alguén alega ter esquecioo urn fato
-
irrportant.e de sua vida passada, e especialnente assuntos anoroso?. "Fazer su-
mir", mo-kañi, significa perder ou esquea:r (seu sinOn.ino é haarª1J), e "perder
a palavra" é esquecer algo, nao ser c.apaz de rx:meá-lo. Os vivos (hek(J]J}e me'e )
~ esquecem, porque a nenória (kaaki ha) f ica entranhada na came - o que se
aplica cx:m prq:>riedade aas assuntos da Carne, de arror e sexo.
No~se que a::iui há una "CC11tradi900 face a idéia de que a saudade OOs nor-
11
508
entre outros
509
araweté : os deuses canibais
oos. Isto p:ideria ser intei:pretack> confarne a antiga teoría de Lem:>s Barbosa,de
que o t- inicial é prefixo de classe (human:>) , op:>ndo-se ao s- (Araw. h-) , de
animal-inurnaoo. Creio entretanto que a licrac>
mais .atual pode' ser mantlda, e pcr
de-se interpretar a aplicacraoexclusiva aos human:>s da forma en t- CX110 um caso
de semantica "cultural", . nao lingüística. A maneira genérica de se designar "es
pirito de animal" é me'e ra'o we,"espirito de algo" - que contrasta duplanente,
- - '
por flexionável e por "ooisificante", o:::m o ta'o we impessoal dos humanos.
510
entre outros
to" ero r~la9io ao animal real - (ihi pode ser interpretado corno"mae",
ou corno "cre·scido", cf. o verbo ~hi, completar; um animal adulto é
'
referido comó i'hi face ·aes aniinais jovens ou filhotes, ta'i) - mor
'
to pelo xarni, corno parte do tratamento da pessoa atac.;ida .• O ha'o
we é o responsável pela per~istencia da dor, após o animal ter si-
do rnorto: ele é, assim, a causa de uro efeito cuja causa visível
foi removida; é o que "insiste" após a rnorte_. Ou.t ros anirnais, co-
mes ti veis, geram ha'o tJe, notadarnente o veado e a anta, que devern
ter seu ·espirito rnorto pelo xarni, ou queimariam (hapi) os viventes•
... - pri_!!
Ero principio, todo animal te ria uro ha'o we - corno tero urna i.
cipio vital que se extingue com a roerte -., mas is so nao e urna teo- -
... 33
ria muito desenvolvida entre
.. os Arawete • Há uro outro animal que
511
araweté : os deuses canibais
Nao há,
aoque parece, nenhtan tenro além de ha'o we para designar os espiri-
tes animais; os ronoeitos m do paradigma piwara (Tenetehara), ompiwa (Wayapi),
ngarupiwat (Kayabi), PUpigwCU'a (Parintintin), que remeten a~ diversas, ro
no espirito de animal, substancia xamfuri.ca, duplo eficaz do xama, nao
etc. se
ena::>ntram entre os Araweté. Ha'o we, para o principio maligrx:refícaz dos seres
ex-vivos, e -i:pe41e ha, ºpoder xamfuú.ro", para o instrumento de eficácia mágica '
geral, sao os dois ronoeitos básicos para a interpretac;ao do sobrenatural.
Vale destacar que, oo sistema das emiss0es-audi<;<)es perigosas, nao está in-
cluido o rx:rre dos nortos, a~ ao ta'o we, etc. O ¡xxler evocativo da pala -
vra parece redundante nesses casos; e alias o canto xamanístiro é um pronuncia-
nento explícito desses rx::mes (é verdade que de¡::x:)is do apodrecinento do rorpo ;
mas antes tantxruro há restri<¡iíes).
512
entre outros
{34) Nao seroo esse um trabalho de lexioog:cafia c:x:rtparada 'ffi, pe.nnito-1re mencio
nar rapidanente: ian-ve e o-ve Adlé (1~ 2), principios liberados após a m:>rte
(P. Clastres, 1972:303; Cadogan, 1978:42-4); o ia, alma viva wayapi (1?); · que
se bifurca em te-an-wer (1) e t-ai-we (2) na m:>rte (Gallois, 1984a; Carrpbell ,
1982:270-2); a fonna mo-au (2),"sonhar", nesta Ungua (P.Grenarrl, 1982:222); o
conoeito de ra'uva e o aspecto-tenpo verbal ra'uv (2) en Parintintin, que mar -
cam ~ oníricas e a idéia de alma-imagen dos ncrtos, contrastard:> can 'ang
(1), "sarbra" {Kracke, 1983); o sufi.xo verbal a 'u para "sonhar, oonjeturar", a
fanna ma'e ra'u para "coisa de mau agouro" e a t-a'u-wer para "fantasma" - to-
das derivadas de 2 - , e o t:e.rm Qn.g ( 1) para "alma-sanbra", tuck> isso em Tene-
tehara (Boudin, 1978, I); o i-unga (1) caro alma de vivente e o-wera (2) caro
alma de ncrto, em Akuáwa (Andrade, 1984b); i-ynga e in-vuera ( 1) para "alma" e
"alma de norte" em Tapi.rapé {Wagley, 1977:168, 181; Baldus, 1970:351-2). Por
fim, as formas TUpinartbá e GJarani do tipo angUIJ, anguár111 etc. cevreux,
1874 :
62-ss; cadogan 1962:62), que enviam a raiz 1; o .oonoeito de juru t-au-gu2, "bo-
ca fantasmal" ligada ap tupichua, parte canibal/telúrica aa alma (Caébgan,1962: ·
60, 69), o verbo ra'u para "sonhar" em MJyá (r:ooley, 1982:310}, que rerretern a
2.
Nao há caro determinar sentidos precisos e inequivooos oonfonne raí-
as duas
zes; entretanto, ?Xle-:se propor que e+as remeten a urna figura dual, oorpo/alrna,
que se desdcbra. em urna "alma do oo:cpo" e uma "al.rna da alma", dualisno sinc:rOni-
co ou diaci:Onioo, que furx:ie-separa as idéiaS de imagen e principio vital (san-
bra e sopro) , e ·que está vinculada a urna oposi~ t.erra/céu.
Em Araweté, a palavra para "sonhar"
.
é t:ce 110 1 derivada do verbo "oonnir"
- .
(t:aeJ sufixado cx.m um norfema de Wase ou de "espiritualidade". A fonna mo-~ 'o
p:>de significar "sonhar", mas é mais anpla ·que isso, indicando toda separacrao
alma/carr;o.
513
araweté: os deuses canibais
514
entre outros
bra ótica do cxnpo cx:rro b-t& pe ñ, "o. que será ex-pessoa" ...
r?, futuro ser humano - ele forma a pessoa em bloco, "corpo" e "al
ma". As almas simplesrnente comecram, nao tem passado, e sao estrita
(37) Note-se aqui a ambigüidade significativa da expressoo bí!de rr, usada para
designar a serrente paterna e a alma dos v?-vos, e que se ap)ia na arrplitude de
5e."1tido do canceito de b-Cde :. o semen está para o vi'vente a:rro o vivente para o
rrorbrDeus. O vivo, assim, é rrortx::rdivindade em potencia - é por isso que pude
dizer que os hanens estao para os deuses a:no as crianc¡:as para os adultos (su -
pra: 195, nota 10); e é por isso que só a rrorte realiza plenamente a poténcia-
-bfde dos hurnaIX)s.
515
araweté : os deuses canibais
(38) . Especularrl:>,
.
sugeriría que a localizac;:ao da t na traquéia (i.e. oo ponto
de in.ser?:> da laringe oo tranoo) est.á ligada a duas royOes: (1) este é um si-
tio "aberto", espécie de fontanela· que nunca se fech_a; (2) ele ranete a ~
caoora das almas celestes, que é a transf~ Araweté do terna TUpi - Qlarani
~ rel~ alma (oeleste)=palavra. Quard:)'estanos tristes ou assustaó::>s, a ; da
traquéia corre para a depressao clavicular - suponOO que para a carótida ou ju-
gular -, o::m::> que se afastaneb de sua p::>si~ central, indicio e inicio de
fuga do oorpo.
De fato, é sua t, aquilo que está dentro de seu corpo e que na moE
te residirá no céu; mas nao é uma "imagem" do xarna, é seu
pio pessoal. Assim tarnbém, o que vemos das pessoas ern nossos so-
nhos sao elas mesmas, nao sua "imagem". A t ativa é, portanto, pr~
516
entre outros
517
araweté: os deuses canibais
(40) E esse papel ressuscibd:>r do Urul::u-deus ecoa temas que Lévi-Strauss anali
.
sou nas Mythologiques, notadamente no mito de referéncia Bororo. Inverte-se a-
-
qui o papel necrófago dos urub.ls, mas é significativo o fato de que seja um
Urubu a figura encarregada de tratar da alma cx:uo alma norta.
ho), pelos Mal ti.a 'i e Ma! ti.aiyi, "f.ilhos .. e "filhas .. da Divindade-
- i.e., os homens e mulheres da aldeia dos deuses. Os Maf homens ,
achegando-se ao morto, exigem que este lhes dé presentes, notad!
mente penas de cotinga, tucano e arara (para as almas masculinas}; ·
quando a alma é de mulher, propo·em que copule com eles. Como os
mortos sempre recusam - por medo, avareza, e sobretudo por raiva
de ter morrido - entao os deuses os matam·. As almas masculinas sao
flechadas; as femininas tero simplesmente seu pesco~o partido.· Is to
é justo: os mortos se comportam incivilmente em terra alheia, ne-
gando-se a estabelecer rela~oes - com os denos do céu - sobo único
modo possivel para um estrangeiro-inimigo: dar o que tem, como si-
nal de boa vontade.
Os Araweté sempre comparavam essa recep~ao agressiva dos
Ma! aquilo que eles mesmos faziam quando deparavam coro algum ca~a
dor kamara em seu território, poucos anos atrás. E diziam: os Ma!
fazem conosco assim como fazemos cdm voce, toda vez que vocé che-
ga aqui - pedem presentes, gritam excitados, arrebatam nossas coi-
sas •.• Mas como os ha'o t11e sao avaros, e as almas femihinas sao
hama haihf - "esquivo-ciosas da sua vagina" -,. eles nos matam41 . o
518
entre outros
519
araweté: os deuses canibais
520
entre outros
pele entre os Kaapor (Huxley, 1963:226-7). ·.Aqui ainda acham?s outro notivo es~·
tológiro Araweté: o "enccrrpridanento" dos nortos, oper~oo a que sao sul::ITetidos
por Mair (lcx::.cit. ) . Os Araweté dizan que o ha'o we , ao sair do rorpo, é peque-
no cCm:> un rato; assim que ele chega ~s céus o Senhor dos Unlbus o "espicha"
(ipih~). De nod:> geral, os deuses e almas celestes sao ben mais altos que os hu
IllélIX)S, e o banl'X> mágiro faz-oos c:rescer - cf. a idéia de que "saros c:rian«;as" ,
. . .
p. 195, nota 10. Nos Wayapi, terros urna ncdernizat;ao da fervura san fogo, oozi -
rrento atenuado: ao chegar ao céu, os nortos "estao sujos e podres, mas a! tanam
banho can sabao e ficam igual gente" (Gallois, 1985: 183, citando um indio). A
esp.m do sat>ao parece .
substituir a efervescend.a a frio da hacia das almas Ara -
weté; e a expressao "igual gente" replica a bfde r?, "o que será gente" - aqui-
lo que era cx::rro um cadáver se torna cx::rro um vivente, após o banlx:>. Já os Ai<Me-
té se nostravam absolutamente fascinad::>s pelos remédios efervescentes dos bran-
cns; os funcionários da FtNAI c:reditavam esta obsessoo a um antigo chefe do Po~
. .
to, viciado nos "sais de frutas". Na verdade, os indios viam nestes produtos
una annstra - nao sei se real 00 s:imbólica - da água odfpfti.aka, e a:xro tal urna
panacéia universal, que os ajudava a "digerir" Cmo-t1Cl1J)e ) a canida assµt cx::rro(di
ziam) o banho mágiro "ressuscita" (que tanDém se pode dizer mo-!:JQ2i)e, "fazer
-
passar", "acordar") os noitos.
o tema da recx:riposicrao das carnes a partir do esqueleto é outro clássioo da
rnitologia sul-americana. Reneto apenas, no cx:mtexto ~' ao Deus-Jaguar Shi
paya, Maru8Cl1J)a, espécie de Zeus-Aguia de PLaueteu, que está eternamente a devo-
rar, e a recx:ripar para redevorar, a carne dé seus inimigos nortos, nrx;rueaó:>s (Ni
muen:Jaju, 1981:22).
521
araweté: os deuses canibais
522
entre outros
523
araweté: os ~euses canibais
(44) Ver carneiro da o.mha, 1981:162, 166, para o banho do olvido Krahó, e o te
ma de aceita~ de cx:midá pelo mekál::Ó.
(45). Que inverte o esf~ Glarani de "fazer a:m que os ossos pennanec;am a es~
ta" (H.Clastres, 1978:104) - ·mas inversao can o nesno objeti'vo: ressurrei9ao,su
pera~ da condic;ao·humana.
524
entre outros
(46) Mo-pira ytpe i wi i:h!, ''faz.e%: pisar novamente a terra", se diz éb ato xama-
ni.stioo de trazer um norto, o que envia aD mo-pyro G.Jarani, que designa o ato
de~ de una alma-palavra divina em \llTla crian<¡2 (caó::>gan, 1950:244).
comer com os vivos, venha narrar o que ocorre no céu, venha falar
com os parentes que deixou, e venha cantar o júbilo do Além. Um
dia, após irem-se tornando infreqüentes, cessam seus passeios - e-
ai, quando os vivos realmente esquecem o morto, que este é dita es
quecer os vi vos. Ele se transformou em um Maf gené.r ico, e igualmeE_
te num genérico "ancest_r al" (pi:r~w? 'ha) • Resta seu nome, que poc;le
entao ser reposto em uso. Morreu enfim, de certa forma: findou o
trabalho do luto.
Mas até lá, outros martas terao surgido. Os mortos sao neces
sários aos vivos. O canibalismo celeste e a diviniza9ao nao sa~
525
araweté : os deuses canibais
que eles estao bem, e ~ue portante devem nos deixar em paz. O xama
nismo , por s eu lado, nao se resume a urna luta com os mortos pela
alma dos sobreviventes. Ao contrário: através dos mortos, os vivos
conseguem se relacionar com os deuses. Se os mortos sao outros, P!
rigosos por extrairem os vivos do Real, do presente, sao também
urna ponte e um penhor preciosos para a re-presentif ica~ao dos dese
jados, dos Ausentes: os Mal, os verdadeiros Outros, que nos abando
- -
naram no come90 do Tempo, criando por exclusao a condi9ao humana ,
essa que a marte supera em si ~ por si. Os mortos nao sao necessá-
rios aos vivos para tranqüilizá-los, oferecendo-lh es a imagem de
urna existéncia impossível ou indesejável. Nao: eles sao um vislum-
bre do sobre-humano, e realizam plenamente o destino da Pessoa Ara
weté - tornar-se o Outro, o Deus, o Inimigo.
Mas antes de pormos de frente o enigma do canibalismo divin~
526
entre outros
527
araweté: os deuses canibais
528
entre outros
porta aos olhos dos vivos, pelo menos; ninguém se interessa muito,
por exernplo1 pelo.s filhos celestes das almas. E rnais, as rela9oes
de afinidade e parentesco entre os · mortos nao sao irnportántes ern
si. Ernbora as rela~oes vigentes na terra se mantenham (exceto, si~
529
araweté: os deuses canibais
(48) Cf. o Guarani jeahaka, de forma idéntica, que Cadogan (1959:18; também H.
Clastres, 1978:106-7) traduz por coisa visível, reflexo, manifest:arao,epifania.
Talvez se pudesse assim fazer· o epíteto do xama Araweté significar "reflexo da
Divindade", "aquele que rranifesta a Divindade", a torna vislvel. Na verdade, pe:>
rém, o xana a torna a'lrlivel. Ele ve, os demais ouvem.
"o que faz cantar as almas", e, por firn, urn me'e pe110 ha, "benze-
dor" (lit. "o que faz ventar [corn o rnovirnento do chocalho] sobre '
as coisas") •
Só os hornens sao xarnas. As mulheres, ernbora sonhern e assirn '
vejamos Mal, nao podern interagir corn estes - se se atrevessern a
cantar, i.e. a conversar coro os deuses, eles lhes quebrariarn o pe!_
co90. Isso significa que só os homens sao capazes de controlar a
excorpora9ao, corno vimos {p.453). Masé algo mais: só os home ns
sao xarnas porque as rela9oes deuses-humanos sao concebidas sob urna
ética masculina: as rnulheres sao o objeto, ocuparn o lugar do morto
- penhor da alian9a, nao parte. Elas sao a comida predileta, ern arn
bes os sentidos, dos deuses. Por isso, o "rnorto ideal" é urna mu-
lher, a marte um movimento feminino, na medida ern que ser devorado
é urna posi~ao passiva. Os homéns podem ir ao céu sem ser (estar)ITOE
tos, e voltar - os xarnas -; ou podem ficar no céu sem ser devora-
dos - os guerreiros. As mulheres nao resta·senao calar na terra e
serem comidas no céu. Mas, se as rnulheres vivas nao cantarn - ape-
nas repetem as can9oes mara mi re, ' já postas por wn hornero-, as
martas cantarn um bocado, pela boca dos xamas.
Nao há inicia9ao ou "chamado" formais ao xamanismo. Certos
sonhos, se freqüentes, podem indicar urna voca9ao xamanística - es-
530
entre outros
..
e
4
531
araweté: os deuses canibais
(49) Mo-pt~, cat0 se· diz da adrrdnistrar;ao de cauim aostonens, e das grávidas
enchidas can o semen masculino. Ptri:a é a palavra para "prenhe" (cf. Tupinambá'
puruabore) •
532
entre outros
de seu charuto.
nem muito difundido. Os xamas mais velhos afirmam nao carecer del~
533
araweté: os deuses canibais
choques corno o poraque (aos olhos dos outros xarnas) • Essa lumines-
cencia é atribuida ao tabaco, que é urna "coisa que ilurnina"Sl e
(51) Me'e e~e ha. Nunca se fora pontas funadas de charuto, ou oos •
deve jogar
perderos na mata. Ver a nesma ~entre os Shipaya, oo oontexto de treinanen
to xamanlstico - Nim.lendaju, 1981:12. Isso marca o tabaco cx:rco um "m:>stra-carni-
ntn", que oos orienta até a divindade.
Se os xarnas experientes tan os deuses "dentro da carne" (ha'~ iwe), isso nao
significa que os Ma! nao se apresentem caro seres reais, hiro, durante as ses-
sOes xam:mlsticas. Mas para os novatos, os deuses sao SE!!'Pre hirq__, isto é, sao
ainda a::rrpletamante exteriores.
534
entre out ros
nao "sabem" (koa) benzer o cauim alcoólico. Mas nenhuma razao era
aduzida para isso; há xamas polivalentes, e nao sao necessariamen-
te os mais prestigiados. Os critérios de avalia9ao da qualidade de
'
wn xama sao de ordem essencialmente estético-teológica: a beleza e
complexidade de seus cantos; nao se punham jamais considera9oes de
ordem instrumental ou de eficácia terapéutica.
mente que outros - assim também como apenas alguns homens possuem'
o estatuto ideal de matador.
535
araweté: os deuses canibais
enchido com sementes ·de tiririca-preta ou. mictangas, e que tem urna
fun9ao subordinada de acompanha.mento. ~ possível realizar urna dan-
9a opirahé sem o marak~'i; ma~ nao há manifesta9ao xamanística. sem
o ara9, e ele pode ser usado sem que se cante, como instrumento .e
ficaz em si.
536
entre outros
(52) Este diocalho corresponde, p:::>rtanto, aos maracás Tupin.ambi: "Os selvagens'
crean numa cousa que cresre cx:rro abéoora [as arlas dos c00calh:>sJ . . . cada 00-
rren p:::>ssui o seu, particularnente .•• " (Staden, 1974:173-4). Hans Staden deixa
claro que os maracás, periodicarrente 'animados pelo poder dos xamas-profetas er-
rantes, erarn o receptáculo de espirites - quase certamente da alma de nortos -
- capazes de falar e de ·incitar os harens a guerra e ao canibalisrro. Eram ch¿:ma
dos de "rneu filho" i:or seus donos, e recebiam aten¡i5es humanas. tbtar a ~ao
singularizadora, identitária, do maracá - todo hatera p:::>ssuí.a o seu, "particular
. . .
rnente" -, e a simb51ica de substancia envolvida ("rneu ·fi}h)"). Merns fetichis -
tas que os Tupinarrbá, os Arcf.tleté nao taMrn o ªl'<EI p:::>r sede fixa ae ·espíritos 1
mas coro un corp:> mistico genérico: p:::>r outro lado, a furu;OO fáli~ cb choca1.00
é marcada. Cf. tarrbém 'lhevet,1953:117, inúmeras das O>JB, e H.Clastres,1978:47.
res - de resto, sao elas que fabricam sua éstrutura -¡ mas urna mu-
lher nao deve acionar u.m chocalho acabado: ele suscita os Mal, que
matariam a imprudente que a tanto ousasse. Corpo-receptáculo, e ao
mesmo tempo falo, nao seria dificil ver no arag um símbolo da cria
tividade mistica masculina, que correspondéria ao papel "mágico"
537
araweté: os deuses canibais
538
entre outros
-
O aray é também movimento, e vento. Como se diz do xama, de
que ele é uma metonimia, o a'ray é me'! pe11q_ ha, coisa que faz ven
539
araweté: os deuses canibais
540
entre outros
(54) E)rbora se diga que o xama pode matar o SenOOr da Agua, todas as operé19005
de re-~ de almas roubadas por 'esse espirito nao
envolveram norte(tiap!c!)
do raptor, mas apenas O imone ha, · iSto é, O xama era considerado cátD tendo"oon
- -
venciooº a alma a deixar a casa do Senl'x>r dos Rios, lndihriando este. Diz-se
que o xama fala bai.xi.nOO, ao ouvid::> da i extraviada, instard:> para que o siga •
As vezes, porém, Iwikatiha blcqueia a porta de sua casa, e o xama precisa mat.á-
-lo - mediante o~:- para ·passar· can sua carga.
( 55) O canto Cbs 1ñi mencionava que eles haviam ron-ido pela mata e ao longo
oo Xingu a · ooite toda,· haviam rrerto tres tamanduás; os Añ:C chamavam o xaÍta de
"neu. netoº,. e eram. tratados de ..aves ti • Essas sao as formas usadas entre os huma
nos e varios espí.ritos, terrestres e celestes. A excec¡:.i:> sao os ~f! he te, que
erpregarn teDtos de afinidade ou o rone p:róprio do xama.
541
araweté : os deuses canibais
542
entre outros
grupo.
Maf! maraka, "música das divindades", é urna expressao tanto
genitiva quanto possessiva. Isto é: as can~oes sao "dos M~f!", o xa
ma nao as aprende de outro xama, e nao tem controle sobre elas •
·cantado, sua rea9io evasiva foi: ''nao cantei nada, quem cantou fo-
ram os Ma!". Essa exterioridade da música divina se manifesta de
muitas maneiras: cantos de xamis falecidos, por exernplo, sao fre-
qüentemente lembrados, mas raramente se declina o nome do cantor ;
se se o faz, é mediante a expressao "nJñe k-t X mo-ñifía" - "assim
X fez cantar". Isto contrasta nitidamente comas músicas de dan9a
ou .. música dos inimigos", que sao identificadas pelo nome do can-
tador-matador. O modo de se "localizar" urna can9ao xamanística re-
corre a outros critérios: a ocasiao do canto (quando se tratou de
w:n pego alimentar, o benzimento de um cauim, urna re-condu9ao de
alma de alguém), as diyindades manifestadas no canto, os mortos
que cantararn, as palavras e melodia - apenas acessoriamente se
-
apoe o nome do xama. -
Isso nao significa que os xamas nao saibam o que estao can -
tando, ou que nao se julgue as qualidades de um xarna por seus can-
tos.
"O xama é come> um rádio", dizem. Com isto querem dizer que
ele é um veículo, e que o corpo-sujeito da voz está alhures, que
nao está dentro do xama. o xami nao incorpora as divindades e os
mortos, ele conta-canta o que ve e ouve: os deuses nao estao "den-
tro de sua carne", nem ocupam o seu hiro. Excorporado pelo sonho ,
543
araweté: os deuses canibais
(5~) O que nl.UlCa faz, entretanto (supra: 64-5), para Sua esposa, dentro ·
excet;.o
de cása. Is~ torna a mulher do xama una intérprete prirtlegiada damensagém
dos cantos xamanístiros. Una vez que pe.rguntei a urna m:x;a quem, afinal que
norte -, havia aparecido 00 canto "de" fulano, ela disse que nao podia saber ,
¡'.X)is nao era esposa do fül.ano ••• E nao obstante ouvira e sábia O canto inteiro.
passa a sua volta durante o transe. Nao creio mesmo que se possa
falar em "transe". Um xama cantando trazos .olhos fechados e a ca-
544
entre outros
xama, podem ser repetidas por qualquer pessoa, e muitas viram su-
cessos populares, prestando-se a varia9oes jocosas e adapta9oes de
circunstancia. Mulheres e crian9as especialmente fazem isso . Só
quem nao repete o canto é, em principio, o xama que o atualizou
Mas urna can9ao xamánica nao é- passivel de "re-utiliza9ao 11
por nin
guém, enquanto manifestac;ao divina - pode-se repetir a can9ao, nao
a situac;ao enunciativa original. As can9oes de inimigos ou de dan-
9a, ao contrário, existem para serem repetidas na mesma situa9ao -
- o optrahe -; .elas formam um repertório mus i cal, enquanto a músi-
.
ca dos deuses sedimenta um repertório cosmológico e temático, mas
nao permite, a rigor, repeti9ao. Um Maf maraka é a materializa~ao'
57
de urna singularidade individual e histórica •
{57) Por isso, os Araweté preferiam ouvir minha.s grava95es de Maf mm>aka asde
núsica de opt-r>ahe. ~ pedjarn para i:eprcrluzir cantos-danras, o int.eresse se
voltava para o que nao era nn.ísica - as vozes faladas em segun::k> plano, os caren
tários, barul.h:>s, que pennitiarn urna rararor~ao daquele nanento. Já quan00 se
tratava de ouvir urna fita can canto xamanístico, o interesse era p::rler assistir
a urna re-atua.liz~o da emissao vocal - era ela em si que resporrlia pela singu-
laridade do 11a1ento.
545
araweté: os deuses canibais
(58) Afora o argjl, o maracá de dan:;a e a rorneta urew~ de anuncja~ oos cac;a-
dares, nao há outros instrumentos llUlSicais entre os Araweté. Eles conhecem as
.flautas Asurinl - que chamam de "taquara furada" -, e usavam um apito de osso '
de gaviao ou cn;a, cuja ~ des~. A dis~ lexical entre "núsica"
(maraka)
- e "canto" <oñ-Lña>
- é-me assim obscura, poderXJo talvez. diferenciar a me-
lodia da letra. No entanto, a recitac¡:ao da letra de una ~ é designada sim
plesnente ceno mom~'o, "oontar".
.
o verl:o opi:rahe, que significa "canto" em ou-
.
tras linguas, em Araweté deoota o can~ coletivo do cauim e de guerra ,
nais especialmente a danc;a¡ os cantos de o~rahe sao chamados de "música dos
i.nim:ig:)s" ou "música dos ancestrais" - ver adiante.
soa pouco melodioso a ouvidos ocidentais. Ele parece jogar com in-
tervalos micro-tonais, e seu ritmo é pouco marcado, baseando-se n~
546
entre outros
547
araweté: os deuses canibais
548
entre outtos
549
araweté: os deuses canibais
O CANTO DA CASTANHEIRA
(11) Mar{ mona ha Ma! rek~, Kadlne-kañ{, ia'i iwa áawoñ{ ml?
550
entre outros
(17) Na.n e rait1id:t pita-mo !Je M~f rek!!_, ia''i Ohf!_ cawoñl ml
(18) Mari mo na ha Mal re·ka, Ka'dfne-kañl, ia''i iwa na~awoñl?
Maf.
( 21) -
Mari mo pa n:e 1-.a
. ,1-. .i wa- narawoni.
.
--·- y.e.? !Nane rai11id; pi:ta-mo
Maf. !!_df.-p-te ye, 1-. e Arariña-no
. ( 22) Mari mo- na ... ..
h.a Ma'l toc1; aco awi-awi t:• k. a. ?
- - --
.... Maf.·? E11a eiai!Jid; mara
(23) Mari mo pa ne ia'i -twa narawon:!:_, he
• kt .Mal
rehe-we 1-
(24) Ne-reh! 11e ia 'i oh!!_ rarawoñl !JB, Nai dai d~i, atif.-od!-odl ne'e
me'e i ki: Maf
(25) Mari mona ha Ma! !}iyeha-we ia'i i:wa narawoñi-woñl 11e e Modi-
ti.a-ro?
(28) Ne re(!me ye he a-o i kt Ma'l OtfO, Nai dai d~i, he rana ita
ñafe nehe i ki: Maf. (forte)
(30) E-pirano eiai11id; nehe i ki: M~f., Nai dai d~i, tiriha nehe ·toél
aco'iwa i ki Maf.
(31) Mari mo pa ne ia'i iwa moi11i-moi1Ji 11e?
- - - -
(32) Ka Mat reka ia'i iwa moiyi-moiyi (Bate o chocalho sobre a es-
-
posa)
(33) Marl mo na ha Ma! ia 'i -t·wa meni-meni, Iowe 'f-do? E!J~ eiai!Jid;
551
araweté: os deuses canibais
Pt!
(37) Ad.f-od.!-o~! kf; ne'e me'e, ega yaac{-dadi' he rehe, i ki ·Maf!
- __ -
ka ne he iciri'i oho moiyi df d!' i ki Maf!
.,,. -- ...
( 4 5) Mari mo na ha Maf! ia'i iwa- narawoni.-won-i?
(a partir do Último verso, a voz vai morrendo aos· poucos, re
petindo· o refrao)
(60) Houve p:>rém quem disoordasse de tal intexpretacrao, sugerindo que a irenina .
norta dir~gia-se ao seu FB em carne e osso, que donn.i.a ali ao laoo do xama, e
552
entre outros
·certamente estava ouvindo o canto. Da nesma for:ma, pelo neros urna pessoa con
_quan a:::rrentei o canto especuloo que a alma cantora nao era a de K.añipaye , mas
de urna f iTha classificatória do xama, que rrorrera há nerx>S tenpo. "SÓ ~paye
-ro e sua nul.her saben quem era", - di~seram-me. Isto nao significa que o rrorto -
-enunciador nao nao
¡:ossa ser rx:rneado 00 canto; só pode, a::xro tbda pessoa, se
auto-narear, mas apenas d.izer seu rane citarrlo um enunciado albeio. ApÓs urna
. .
rrorte recente, a alma cb rrorto é rararrente rareada, na medida em que é a canto-
ra principal; mas os déuses podem dizér seu nare, citados pelo xama, ou o xama
pode citá-la, etc.
mas que já fala no verso 17. Este personagem, como o outro morto
citado, tem parentes próximos vivos na se~ao residencial do xama .
o canto, a s sim, poe em cena mortos e vivos de uma parentela restri
ta, localizada.
Vejamos o conteúdo da can~ao, nurna tradu~ao livre. Traduzo
Ma! por "deus" ou .. deuses", conforme o contexto, urna vez que as
marcas de número sao indiretas ou ínexistentes em Araweté.
O refrao dos blocos I e III nao tem significado; ele envía
aos canto s dos Mat hete. O refrao do bloco II é o nome de urna di-
vindade feminina, Mulher-·canindé (urna arara azul-amarela) , a qual
dá a impressao de funcionar como urna "interlocutora" muda ou abs -
-
trata da menina marta e do xama, nesta parte. Na verdade, ela nao
é urna personagem do canto, mas um refrao, mesmo quando nomeada no
meio de certos versos: nao se canta para ela, canta-se seu nome •
Isto nao impede que esta parte do canto seja identificada como ma-
nifestando, de um modo. que me é obscuro, essa divindade. O bloca I
introduz o tema:
(1 ) "Por que voce empluma a grande castanheira?"
( 2) "Por que os deuses estao emplumando a grande castanheira, Mo-
c3.ic3.a-ro?"
553
araweté: os deuses canibais
554
entre outros
-
riña-no".
(15} "Eis aqui os deuses emplumando a grande castanheira, ei-los".
(16} "Eis o que os deuses disseram, (Mulher-Canindé), vamos empl~
555
araweté: os deuses canibais
nao pode ser a menina, nem os deuses. Esta construc;ao ern estilo in
direto linear (Bakhtin, 1979:136)í sernelhante aquela do verso 9(o~
556
entre outros
ta cita9oes: diz o que sua filha -0u irmao dizem que os deuses dis-
seram. O verso 18, por fim, poe a palavra outra vez na "boca" da
menina.
(22) ·"Por que os deuses ficam assim, a errar suas flechas nos tuca
nos grandes?''
deus".
(25) "Por que os deuses solteiros emplumam assim· a face das casta-
nheiras, Mod.iaa-ro?.;,
dra".
. (29) "Enfim, mais urna vez os deuses vao-me devorar do outro lado
557
araweté: os deuses canibais
(41) "Por vontade de levar mulher para cacrar, o deus empluma a fa-
ce da castanheira".
(42) "Por que voce unta (de urucum) a face da grande iéiri'i?"
f irn
558
entre outros
ml, que enoe.rra urna oracrao, aspeia a el~ precedente. Vejam::>s por exenplo
a trad~ detaThada do verso 17: ñan! (possessivo, la.pes.pl.incl.) raiJJi-d;
(filha-dirninutivo) p-tta-mo (~ioo a) Ma~ {deus) reka (estar) ia 'i oho
{castanheira grarX!e) éa-woñ-i (emrtativo-euplumar) ml (marc.citac.). Ou seja :
"por estarem osdeuses desejando nossa filhinha, (disserarn): 'vanos errplumar a
grarrle castanheira 111 • Nao é ciio claro, portante, que se trate aquí de um discur
so indireto, mas antes de uma interpretayao de Y0t1e' !-do sobre a razao dos deu-
ses terén dita o que disserarn (e que vem em discurso direto). Já no verso 21,
a cxmst.ru;ao é inequivocammte em estilo indireto linear: ñane raiyid; p'6ta-mo
(por desejar nossa filhinha) Maf odf-p-t! (deus, 3a.pess.-reflei.-di7.er) ye
(part. enfática), i e (ele disse) Azoañña-no. Ou seja: "por desejar nossa filhl
nha, disse o deus a si nesrro - veja, ele disse isso, Ararrña-no". (Tanei J jbP..r-
dades a::m o número gramatical). o verso 9 é out.ro exenplo de estilo indireto :
559
araweté = os deuses canibais
"por desejar sua {do xarna) filha, «iisse o deus". Esta frase só poderia ser in -
terpretada .a:m:> cita9ao literal caso os ouvintes a ~sern a:xro enunciada pelo
. .
xama, cnto sujeito da cit:a9aO. Mas assirn nao é: Opostulado é que nao é Oxana,
- -
. . .
mas o rrorto, que fala, pela boca do xama. A exDe9ao que confirma a regra sao os
~
560
entre outros
guintes foram cantados em tom mais grave, com a voz muito forte e
entona9ao macabra . Neste momento os ouvintes (de minha grava9ao )
demonst ravam gra nde entusi asmo, e a "auto "--nomea9ao de Kañipaye-ro
•
era indub itavelmente o ponto alto do canto , provocando risos e co-
mentários e xcitados. O verso 27 traz pela primeira vez a voz do xa
ma como sujeito: é ele quem diz que será devorado. O verso 28, em
sua primei ra parte, poe a filha do xama citando os deuses, que de-
claram que de vorarao seu "fi nado pai". A segunda parte traz nova -
mente a voz do xama, num belo exemplo . de estilo indireto. Assimtarn
bém o verso 29: o xama cita os deuses; a no9ao de "mais urna vez"· a
lude as numerosas ocasioes anteriores em que o xama se defrontou '
com esse perigo. o "outro lado do céu" (lit. ••do lado das costas do
céu"; iwaraw! é a forma poética para i wá, céu) refere-se ao avesso
do céu visível, i.e. ao patamar celeste dos deuses.
561
araweté: os deuses canibais
...
(63) Ou rerete ao brilho da plumagem da harpía. A relc39ao qastanheira-harpia e
emblemática, e urn dos nares xaman.ísticos desta ave é ia'i iwa neh.G., "o que resi
de jtmto a face (folhagem) da castanheira", que é por sua vez urna ne~ora para
as flechas, e urna .imagem da guerra. Toda a fanopéia desse canto caracteriza os
deuses caro matadores-guerreiros, e ao mesno tanpo caro arderrlo de desejo pela
nenina norta.
( 64) Até aqui, a cena d::> canto era algo i.ndefinida. A grame castanheira esta-
ría ern qualquer parte do mundo celeste, nas proximidades da aldeia Cbs deuses ;
a filha do xana se m1~rtava cqyo urna nensageira do que diziarn os deuses, en-
guanto ele nao
chegava. Mas nada disso é muí.to claro, e os índ.ioos espaciais da
trajetória do xana sao vagos ·ou deliberaBamante confusos - cx:m::> 00 caso dos deu
ses estaran aquí na terra e la 00 céu. Os cantos de benzimento alirrentar sao '
usualmente, mais especifioos em detalhar aspectos Cb deslocamento espacial da
canitiva divina que desee a terra.
562
entre outros -
lhe pedir a filha, diz (a ninguém ern particular) · que tal pedido
..
e
desnecessário. A glosa dos ouvintes era essa: "Kañipay~-ro disse
assim, para os Mal: 'podern levar Kañipay~, ela nao e minha, é de
voces, nao virn aqui pegá-la de volta nao' ••. ". o verso, em si,
..
e
urna espécie de resumo elíptico do que se passara no céu, e nao pro
priarnente um diálogo entre o xama e os Maf; tal diálogo é subenten
dido (e exposto na glosa, ern meu beneficio) . Duas idéias centrais
estao sendo jogadas aqui: prirneiro, que a rnorta, enquanto tal, per
tence aos deuses, nao a seu pai terreno - disjun9ao xama/filha mor
ta-; segundo, que, nao obstante, os deuses ' reconhecern . no xama urn
poder sobre sua filha, e · que ele deve reiterar · por isso a cessao '
dela aos Ma~ - o que assegura a incolurnidade do xama no céu. O xa-
mi aceita a "virilocalidade" da filha, e os deuses aceitam-no como
. 65
a f l.ID •
563
araweté: os deuses canibais
564
entre outros
dizia · ao xama (seu irmaq) que um Maf quería sair com ela, e pedía
sonho, ve a alma de· alguém (na maioria das vezes urna mulher ou
o xamaniza. Mesmo . nos casos, por exemplo, em que urna alma foi rap-
tada pelo Senhor da Agua, aquilo que o xama canta durante a re-con
du9io espiritual pode ser totalmente alheio ¡ problemitica da cap-
ra9ao terapeutica.
565
araweté : os deuses canibais
566
entre outros
567
araweté: os deuses canibais
568
entre outros
569
araweté: os deuses canibais
movimento que leva cada urn a SUa morte - a servi<;O da conexao sin-
crónica entre duas esferas do cosmos·, ·que a rnacro-diacronia sepa -
rou: céu e terra, deuses e humanos, os que se forarn e os abandona-
dos. A presen<ra dos rnortos é o penhor da presenc;a ·aos idos, dos
deuses, aqui e agora. Por isso, os vivos governarn os rnortos; e o
impulso "extra-mundano" da religiao Araweté nao traduz nenhuma con
cep<rao negativa da condi<;ao de vivente, mas é urna estratégia de
presentifica<;ao do Alhures, nao de eterniza<;ao do presente e/ou sua
nega<;ao. Os mortos sao a tenue superfI~ie de contato ent~e as duas
metades do universo, e se "saciifioarn'' para que aos viyentes seja
dada a gra<;a de contemplar, na voz do xam~, a visao . fugaz . destes
Outros temidos e desejados, origem e destino .dos humanos: os · deu-
ses. Se o xarna é um Mat deáaka, um ·"refletor da Divindadeº, é por-
que todo o sistema se monta como um jogo de imagens - assim diziam
Hubert e Mauss do sacrificio (1968:305). O discurso xamanístico e
um jogo teatral de cita<;oes de cita<;oes, refl.e xos de .reflexos,ecos
de ecos - interminável polifonía onde quem f ala é sempre o outro ,
fala do que fala o Outro. A palavra Alheia só pode ser apreendida'
em seus reflexos: videmus nunc per speculwn in aenigmáte, para ~i
570
entre outros
impossivel é ªº xama falar senao do que lhe falarn, e/ou o que lhe
falam. Quando fala de si, é outro que está falando; e quando fala
por si, é como objeto prévio do discurso alheio: vítima canibal •
571
araweté: os deuses canibais
esposa do xarna é sua principal auxiliar, que vigia para que seu
charuto esteja sernpre aceso, acompanha seus passos, interpreta seus
cantos, dan~a corn ele durante a dispersao das fléchas alimentares,
e o assiste no perigoso benzimento do rnel. Toda se9ao residencial
•
tern pelo menos um xama importante, e poderiarnos dizer que os aray
51, 105) e Tenetehara (caso da es¡:x:>Sa de um feiticeiro - ver Wagley & Ga.lvao ,
1961: 126). Para estes mesrros ~s, fica "clara a re~o entre xarnanisrro e li-
deran<ra de familia extensa ou faar00. Mas nao creio que já se ten.ha meditérl::> so
bre essa rel~ xamanisrco-c.asal, que nao me parece pertinente para outros po-
vos da A.do Sul.
572
entre outros
573
araweté = os deuses canibais
574
entre outros
Os Ma~ het!_, como um todo, sao ire tiwa oho: "nossos (plural
exclusivo, no contexto do diálogo com o antropólogo) tiwéí grandes",
''nossos gigantescos nao-paren tes". Tiwa, como j á vimos, é um "meio
termo" de parentesco, que designa os nao-parentes, aliados poten-
ciais e primos cruzados, posi<tªº instável e tenso-aberta (supra .•
391-3, 433-4): algo entre o Ego e o I?imigo, seu emprego conotauna
exterioridade interna, se posso me exprimir assim. Os Ma-C hete sao,
de fato, o arquétipo dos tiwa: estao do "outro lado", mas ligados
aos viventes; sao inimigos, mas nos transformaremos neles,transfoE
mados por eles; sao afins potenciais. Urna rnorte é (como) um casa -
mento: transforma os tiwa em afins reais.
-
Deve-se notar que os xamas e os Maf!, tanto quanto pude saber,
nunca se interpelam como tiwa. Os outros deuses sao eventualmente
designados pelos termos mencionados acima: sogro, avo, etc. Já os
575
araweté: os deuses canibais
-
Maí! hete, ou sao apenas citados corno "Maí!", e citarn o xama - pelo
neme pessoal deste, ou estao ern urna rela~ao especifica, de afinida
de real, com o cantor ou outros viventes a quem se dirigem através
do cantor. Os Maf que se manifestam nos cantos de mortos comprazem
-se ern aludir aos parentes vivos do rnorto, sejarn eles o próprio xa
rna ou outros, destinatários ou "personagens" vivos do canto: os
deuses hornens falam de seus cunhados, sogros, ex-filhos de su as
esposas humanas; as deusas femeas interpelarn su as cunhadas, sogras,
etc. Termos da série do parentesco nunca sao usados, mesmo que lo-
gicamente possiveis. Urn xama citará, por exernplo, um Ma! con:io "may
nerek;", "marido de minha mae", nao como "pai". E o novo conjuge
de um morto, divino, sublinha constantemente a ruptura da rela~ao
576
entre outros
Diz-se que a.s almas_ dos inimigos (Kayapó, .brancos, Parakana, etc.),
ao chegarem ao céu, sao arremessadas de volta a terra pelos Maf , e
aqui perecem definitivamente. Neste sentido, os inimigos só tem ou
sao ta'o we, espectro ter~estre, figura9ao da morte - mortíferos ,
sao mortais. E neste sentido o Além é um mundo sem inimigos, sem
Outros - na medida em que os inimigos nao sao propriamente humanos,
bfde , nao tema alma celeste, principio da pessoa, nem o direito a
serem devorados e transformados em divindades 69 .
(69) ~ta gente afinnava, entretanto, que os Asuriní nortos tém seu lugar no
céu, ern aldeia própria; e assim também os brancos. No primeiro caso, isso se
justifica pelo parentesco dos ~uriní cxxn os AraWeté, retontarrlo a cisao Tupi
ancestral. o segurxb era certamente una indulgencia ern rneu beneficio •
...
Note-se porem que se os inimigos mortos, enguanto ma tadores
de Araweté, nao vao para o céu, os xarnas dos inimigos lá estao, e
em posi9ao importante. Eles forrnam a classe de divindades ditas
Awi' peye (supra: 243), "pajés dos inimigos" ou "pajés inimigos",se
577
araweté: os de uses canibais
(70) Esta palavra é una haplología de moro- ou mir+-, prefixo verbal que indi-
ca que o verl::o subseqüente se refere a human:>s, e da raiz verbal naninalizada
(hJopl'ha, que significa "matad::>r". Ela dencrnina um es~tuto s0cial, o de hcrni-
cida; o verl:x:> corrente para "matar", yok.G. , produz fannas gerais, nao-lexicali-
11
zadas", cx:m:> yoka ha, "matador", tuCb o que mata. Morop~'ha designa apenas o to
micida Araweté. O único oognatp ide.ntificável deste conceito é a fonra Ad1é
brupiare, can o nesm::> significaoo (P.Clastres, 1972:248} - onde bru- é o ArZM.
moro-.
578
entre outros
{71) As pessoas rrortas ¡::or inimigos sao tratadas cc:rro todo rrorto, 00 céu: sao
devoradas e de¡::ois inersas oo banb::> ressusci tador. A diferen;:a é que, quarrlo um
ataque inimigo manda para o Além fillÍta gente de urna só vez, seus cor¡::os sao -
p:>stos toebs juntos na bacía das almas.
Tais eventos de rrorte em rnassa, resultantes sobretu::b das incursé5es KayapS ,
sao lanbrados a::m horror, nao só pelo fató en si da perda de familias inteiras,
mas poI:que os sobreviventes temiam que o céu, pesado de tantos rrortos de urna só
vez, desabasse sobre el~, acabard:> o rcmrl:>.
o espectro terrestre dos nort:os na guerra nao parece ter qualquer particula-
r jct3<Je que o distinga; e a dispersao da aldeia, nesse caso, se deve antes oos
inimigos que oo ta'o we. Na verdade, algunas pessoas aventaram a hipótese de
que os ta'o we das vitimas de inimigos ficassern junto a estes, o que é verossi-
mil, e cx:npatlvel can a estória de que os xamis Kayapó "rnatam o ta'o we" dos
Araweté que eles rnatavarn.
579
araweté: os deuses canibais
bélica. Apesar dessa posi9ao rnais passiva que ativa nas guerras his
mo um povo de guerreiros.
sim que chega a aldeia ele se recolhe ero casa, e jaz como que des-
!
rnaiado vários dias, sem comer nada. Sua barriga está cheia do san-
pas e dos besouros, o ruflar das asas dos urubus que se aproxirnam
de "seu" corpo morto - seu próprio cadáver, mas que é ac mesmo tem
580
entre outros
comer jaboti".
( 72) A dis~ entre -a '·o we celeste e terrestre nao faz sentido para o caso
de inirnigos; ou rrelhor, se os inimigos em geyal. só existan p:>st--nortan a:irro
ta ' o we , os inimigos nortos p:>r Araweté, fundincb-se cx:rn a alma celeste do mata
Cbr, só rcanifestariam um ha ' o we celeste.
581
araweté: os deuses canibais
582
j
•
entre outros
·ro, para a Ciarv;a. ~ interessante rotar que as mulheres, ao repetirem a::m sua
vozinha aguda e meio lamuriante as ~ xamanísticas, podem estar enunciél!!
do palavras di tas ·por urna alma feminina - e que foram originalmente manifesta
das pela voz grave dos xamas.
583
araweté: os deuses canibais
.
gosos, suJeitos a -
restri~oes · de em i ssao
' - 74 •
(74) A canc;ao dos Añl é urna "música de ancestral", mas nunca é cantada em dan -
9a51 sanente pelo xama quarrlo este cita os Añl cantarm,
nas sess0es de captura
e rrorte destes espirites. As preca~ verbcrmusj,cais Arawet.é sao a::rrplexas, e
~u cx:::inhecirnento das músicas de dan~a e de ancestrais é pequerX>. o úniro canto
As - de
can~oes dan~a remetem quase todas, assim, direta ou in
diretamente a série "inimiga". A série divina é coberta integral -
mente pela música xamanistica. Nenhurna can~ao de op~rahe, pelo que
pude saber, men·c iona os Maf
- e . os mortos celestes; elas · falam
'
de
animais, inirnigos rnortos, flechas, guerra •••
584
· entre outros
585
araweté: os deuses canibais
.
(5) Ne rika oho p-z,pe (S)''Em .seu grande pitio,
(~a.parte, an (6) Eh, i kt Towaho (6)eh! disse o Tow~ho,
damento
-
rápi-
-
(7) He rem-F!-na neka (7)eis minha ca9a-vítima,
do) ( 8) I"fla
.. rika pipe (8)no pátio do grande pá~
ªªº saro".
586
•
entre outros
como o matador de Maria-ro (verso 3), que cita o que este canta:
''estou morrendo''.
(75) Cf. supra: 175. Essa possível haplologia se justifica se verificamos para
lelos lexicalizados em .Araweté: p-eaa, "pebre", fonna p-l!daho, "trairao" (lit.
"peixe grande"); tay~, "porco do mato", fonna ta!faho, "que.ixada" (lit. "porcao").
tador, tudo pela boca deste último que "cita" globalmente o qu'e
587
araweté·: os deuses canibais
588
entre outros
do evento real. Mas, quemé essa he kañ-l, "minh~ mulher", que can-
cantador; mas que quem dizia ''minha mulher'' era o espirito do ini-
589
araweté: os deuses canibais
(76) os tres C11JJ:¡ maruka .ac.irna forarn cantados, junt.anente a:m vários outros, du-
rante urna cauinagem em agosto de 1982. O cantador-líder desta festa era, p::>r a-
caso, ele mesrro urn morop!'hG, que cantou as ~ que lhe tinham sido direta-
mente inspiradas pelos i.nimigos que rnatou; nao oonsegui oontudo tradu~s inte-
ligíveis desses seus cantos. N:>te-se que a última canrao
carentada foi "p::>sta"
(mara) p::>r urn Araweté vivo ,que aliás participou da festa, mas cx::mo sinples dan-
qarirx:>. "Suas" ~ forarn, corco todas as outras, corrluzidas pelo maI'akCEJ,que
tinha as rostas urn velh:> do grupo - e que nao era matador, mas cbno de toa mem5
ria. V-e-se assim que, urna vez m1p:>stas, a5 ~ de in.i.migo tornam-se pro-
priedade COtUn, o que nao é p::>ssivel para una can;:ao xamanística.
'
(77) As dif~as entre o Mat maraka e o Awi' marakéí podern ser assim listadas :
590
entre outros
Cantor
.
xama lbnicida
''Ambiente''do can- Ouvido a distancia pela al cantado ern grarrle proximi,.:¡ ,,.,.:¡.,,,
to deia - física
' <
Li~ao
<#
.
.
.
Estl:utura cante longo, divisao
frac/frase
re- Canto curte, dualisrro mar·
por ~a de andarrento
-
591
araweté: os deuses canibais
592
entre outros
no sui generis. Pois se, ern sentido amplo, se pode dizer que a .Música sercpre
vern do Outro - o tema do "entusiasm:J" é provavel.n'ente uni.V"ersal -, há outros e
OUtros, e muitas maneiras de virem. No caso Araweté rae é apenas a origen que é
alheia, da palavra cantada: é a enuncia9ao mesma, sua natureza transitiva e re-
cursiva, a::m suas vertiginosas const::rwróes em abisno de cita90es dentro de cita
~s, ou essas identificac;xSes especulares dos cantares de inimigo. Contrastando
exenplarmente a:m obre Aché - essa canc;ao solitária e singular do ca9ador, re-
beldía insistente e inútil contra um mundo cbni.nado pela palavra dos outros, ~
~
la lei da troca -, o principio essencial do regime discursivo Araweté, desenvol
-
vido ao máx.i.no em sua música, é esse, em suma: quem fala é sarpre mais de um ,
e é um outro - o que ben pode ser urna multicao.
593
araweté : os deuses canibais
594
entre outros
' ha- ne h e -, sobe com este ao céu, quando ele morre. O matador e
seu espirito "tutelar" se tornam um Iraparadf - odf- mo -Iraparade-
-
-, urna espécie de ser temido pelos Maf. Isto . significa que um
prime literalmente: morop~ ' ha -imani na, "um matador nao morre".Uma
morte infligida vale urna (ou duas) morte sofrida - e vimos como ,
por matar um inimigo, o matador já morrera e ressucitara; doravan-
·.
te é imortal - e por isso nao é devorado. Ele mesmo já é urn caní-
78
bal - pois o sangue do inimigo vai para sua barriga , e ele já
(78) Carparar can o canibalisrro do matador Yaocmami., que ap5s urna norte van.ita
a gordura e os cabelos de sua vítima, ~inal de que O:meu sua alma; e a posses -
sao do guerreiro pelo "principio vital" da vítima, qué o at.o~ta e enlO\.Xjl.leCe,
-595
araweté: os deuses canibais
sua plenitude.
nado ao céu, seja porque, no mundo real e atual, u.m matador, mort~
bem perfeitarnente os Araweté - mas ele nao libera o ta 'o we; ou,
era quando vivo. Vemos assim que a via do kandire Guaraní, o esta-
9ao como um "manter ereto o esque leto pelo fluxo da palavra", "res
596
entre outros
(79) Os Shipaya, can.ibais e can deuses idem, apresentarn urna versao fraca Cb te-
ma Araweté sobre a incolurnidade do guerreiro oo Além: só as almas que chegam
portando um colar de dentes hunanos sao,
por tenidas, poup.3das de urna surra mi-
nistrada pelo espirito que as recebe (Nim.Jendaju, 1981:30). E o tema Araweté é
urna versao que por sua vez enfraquece o ck>gma Tupinambá, em que só os matacbres
tinham acesso a inortalidade.
597
araweté: o~ deuses canibais
que é triste cousa. norrer¡ e ser fedorento e canido de bichos ••. "
(1978:114).
598
entre ou tros
(82) Confonre t.ml paradigma: iwa, céu, é dito iwaraw!; ara , arara, é dito aradf,
599
araweté: os deuses canibais
vam falando, citados pelos mortos via xama - dizendo que Ira paradf
f izera is so, ou estava ali, etc. - , respo nderam-me : "n e r e ", "de
kañi-no quem era aquele Irap aradf que escre via e fumava tanto, ali
como urna alma de um matado r, sempre intervém naqueles cantos que '
q u ando os deuses e mortos tem algo a dizer para urn matador vivo.
600
entre outros
Ideal, mas paradoxal: urn hornero rnorto, alguérn que só realiza plena-
mente sua esséncia nurna dupla rela9ao corn a morte; um matador
..
e
601
araweté: os deuses can.ibais
vivida pelos Araweté ern 1981-2; mas creio que ela se enraíza em
9ao residencial com seu xama, no limite cada casa, cada adulto -,é
602
entre outros
603
araweté : os deuses canibais
MA! B!DE
IMORTAIS MORTAIS
matadores
-----'-~-<..~~
nao-matadores
-\'
' - I " ' ':;¡- -
"' xamas nao-xamas
604
entre outros
Bem, talvez esta solu9ao nao seja viável para um sistema so-
entretém com o Devir, para que seja a figura que rege a quimica
605
araweté: os deuses canibais
Vivo Mor to
rl + hi r o) ( -a'o we )
" J"'>
-.-..r1~~~~~~~~~~~..i_~~~~~--1
Céu / Ma -i , Terra/Añi'
(alma + anti-corpo) (corpo + anti-alma}
606
entre outros
urna arnplif ica9ao inten·siva, urna hipérbole. ~ nesse sentido, tal vez,
o que será Pessoa, e Ma! di, o que será Divindade, para designar a
tro: o deus, o morto, o inimigo. Entre _bfde pe, o que foi Pessoa ,
e bfd~ ri, o que será Pessoa, está e flui bfd!, a Pessoa, entre a
-
terra e o ceu, o passado e o futuro, a cavaleiro do Devir. Tendo
nao é, e isso que serei é o que nao sou: urn deus, "ambiguo e tenta
ne, 1977). Eu só serei plenamente ·após ter sido devorado por meu
I
inimigo - porque, qua rnorto, sou urn inirnigo Ỽ Sujeito (Bfde) ce-
607
araweté: os deuses canibais
é bfde r~, o que será pessoa; o terrestre é brde pe, o que foi pe~
soa. Bfde, a Pessoa, nao está~ lugar nenhurn, ela está entre, di-
tino, - e urna
e que assim nao - entida~e num campo de identidades, mas
608
entre outros
(Os Araweté sabem que um dia o céu lhes cairá sobre a cabe9~
pesado de tantos rnortos. Neste dia, quern ainda nao tiver marrido ,
rnorrerá. Os deuses voltarao a terra, o cosmos perderá sua estrutu-
ra. O futuro será o passado, e o presente, eterno: o ser do devir
é o volver. Por isso, os Araweté tém medo.)
609
araweté: os deuses canibais
'real'" :-- falando de urn povo canibal que também concebía seus deu -
(83) Sahlins, 1983:88, sobre os ilhéus das Fiji. seria rrera roincidencia depa -
ranros can urn mesno ·epíteto - "c.6isa Grande" - usado, entre os fijia.IX)s·, para
designar os cliefes e as vítirnas sacrificiais (hunanas), e, entre os Guarani-
-M:Jyá, para o cadáver? (Mba'e guachu - Cadogan, 1959:200). Nao ~r acaso, certa
nente, a linhagem senhorial nas Fiji, e os chefes havaiarx:>s, erarn os "TubarOes"
da terra - cx::rro os deuses Araweté sao "jaguares" I o deus Shipaya é um Jaguar '
etc. (Sahlins, op.cit. :76).
coisa.
610
entre outros
ram com outros povos .Tupi. Meus dados aqui sao escassos e ambiguos.
Mesmo aquelas pessoas que negavam terminantemente ser seu povo ca-
sima Pañora-hi aceitou de bom grado a pecha, e disse que era isso
611
araweté: os deuses canibais
te nao era urn assunto de que gostavam de falar. Diziam: "nao, isso
já acabou há muito tempo, agora somos 'mansos'" •.• Nao me arrisco:
a Única coisa certa é que, se os Araweté nao sao canibais convic -
tos, seus deuses o sao, e eles sao as vítirnas eleitas.
O canibalismo divino i urna opera~io culinário-funeriria, que
aciona urn sistema com as categorias do cru, do cozido e do podre ·;
da carne, dos ossos e da alma.
Se considerarrnos que a trlade pessoal Araweté: vivo/espec
tro/alrna remete a urna triparti~ao cosmológica - aquela que indica-
mos no capítulo IV (p. 204) - teriamos o sistema:
MORTE
Céu-Maf
Principio vital
SOBRENATUREZA Ossos, pele
Futuro
Duplo cozimento
CULTURA
Terra-Añi
Sombra
NATUREZA Carne
Passado
Duplo apodrecimento
612
•
•
entre outros
zes podre, e um imortal como duas vezes cozido (em lugar dos ''nas-
cidos duas vezes" do hinduismo ternos aquí os "coz idos duas vezes 11
),
sao assim esses deuses? Eles sao jaguares com fogo. O sistema ope-
.. ra por urna inversao de perspectivas. Do ponto de vista dos humano~
os deuses sao '' comedores de cru", porque . nao tinham o fago terres-
~- crus, comida crua, que carece de ser duas vezes cozida para se
488) :
613
araweté : os deuses canibais
(84) Essa ambigüidade essencial dos Ma-e, perfeitos oozinheiros das almas e core
dores de cru, ¡x:rle ser cx:nparada a oo Kuenoi Piaroa., um dos oois inrOOs-demiur-
gos; ele ten duas cabeyas, urna a:rne carne crua, outra oozida (Kaplan, 1982:15).
(85) Na:, será entao por 'acase que entre os Kaap?r, onde o xamanisrro é um valor
sul::x:>rdinado ao valor "guerreiro", o ganbá seja tido cx:rco um xama (Huxley, 1963:
249); que entre os Tapir~, onde o xama é um "guerreiro", sua norte desenca -
deie jaguares (Wagley, 1977:185); que entre os Akuáwa-Asurini, onde o xarnanisrro
parece prevaleoer sabre a guerra, SCl1.Varo, o espirito Jaguar, seja o familiar ex
elusivo oo xama (Andrade, 1984a). Já nencidnarcos o deus-jaguar Shipaya, canibaJ.
Posso peroeber a<;1)ra que a peculiaridade do espectro terrestre OOs xanas Aré!Me-
té, a::¡uela de cantaren - rrostrando assim urna maior "anima.crac" que os _roortos oo-
muns, ¡xx3e ser urna inversao distintiva do estatuto "n.00-gambá", jaguar-inputres
civel , da alma celeste oo matador. A afinid.:rle entre os jaguares e o céu é urna
614
entre outros
te feminino.
9ao, morte / regenera9ao, etc. (Hertz, 1928). Blo ch & Parry (1982 .
20-21) lan9am a interessante hipótese de que essa oposi9ao, a que
fortemente cognáticos nao a levariam em canta. Nao sei até que pon
.. , .:..
to os Arawete - para quem a di~tin9ao nao se exerce sobre o carpo
morto, mas vige entre ossos celestes e carne terrestre (os ossos
615
araweté: os deuses canibais
616
entre Olltros
(
Lévi-Strauss; 1962b: 156, sobre a oposi9ao endo/exo-praxis em 9!
ral). o que é ''dentro" e "fora", quemé o ''outro'', na rela~ao en
tre homens e deuses? O que se come é -.sernpre o outro: morto do gr~
po, é outro, deve ser morto e comido pelos deuses; inimigo, outro,
deve ser rnorto ("comido") por urn já-deus, o matador. E nao é só is
so: "o canibal nio é sempre o outro?" (Clastres & Lizot,1978:126)
- sim, mas nao no sentido etnocentrico banal; é que quando se -
e
(87) Os Aché p0ern claranente que os mortos do grupo ·devan ser devorados porque
sao inirnigos, canibais oontra os vivos; e os inirnigos mortos pcdiain ser cani
/ dos (P.Clastres,1972:322,323-35). Por outro la90, leia-se Guidieri sobre a me
tafísica ·Fataleka (Malaita), aqui -rnuito sanelhante as idéias 'l\Jpi-Guarani:
"can efeitó, o taifili' (o ser) só parece ser capaz de oorqui.star a u
nidade, um ~tatuto. definiqvo - ,estatuto de a:::rcpletude que supoe a
617
araweté: os deuses canibais
(88) Ver a crítica documental definitiva que Forsyth, 1983, faz ao uso dos ma
teriais Tupi quinhentistas por Arens, necessária no contexto anglófono.
618
entre outros
(89) .Ver a soberana e inane palavra final de A.Green, que a partir de una dedu-
c;ao estritaire.nte intel:na a psicanálise (aliás, coerente), sentencia san apela -
-
900:
" ••• a própria natureza das pu1sOes canibalísticas é tal, que a
relacrao oral canibaUstica ao seio nao
¡x>de ser senao fantasrráti-
ca. E, se certos grup:>s huma.ros praticam o canibaliSITO real, eles
nao fazem senao agir [atualizarJ um 'fantasna raranejado e raciona
lizado ••• Nao há entao, propriamente, canibalisrro real, bruto. o
fato primeiro, apesar do que a pré-história e a antropologia tes-
tanunhem, nao é o canibalisrro real. A realldade do canibalisrro é
a po~siliilidade de f azer passar no real o fantasma que o susten -
ta" (1972: 45, grifo oo original).
Que n00 haja canibalisrro "bruto" ("real" ••• ) , est.arcr::>s todos de acordo. Que
ele tenha que ser redutioo ·a un aparelh::> aa ·identifiC-a9ao narclsica irnaginária-
- oo plam do grupo social e da ex>srrologia, e da cnnst:ruc;ao da Pessoa - isso é
una viol enci a de diva. A ilrpossiliilidade do canibalisrro real é de outra orden '
que essa, de deriva~ (perversao?) de um genériro e ooi:mal canibalisrro pulsio -
nal.
619
araweté: os deuses canibais
weté com suas idéias -; o canibalismo nao é urn exagero barroco oc~
620
entre outros
que aquilo que comia nao era humano, que era urna coisa, um outro
(H.Staden)
621
•
CAPÍTULO VII
OS SERES DO DEVIR:
A METAF!SICA TUPI-GUARAN!
623
araweté: os deuses canibais
624
os seres do devir
Vejo por fim que o próprio título que escolhi, que me parecera ób
inimigo" - usado aliis por eles como nome pessoal -, sendo o nome
dade, Ma!.
te ter sido urna tirada de humor, negro ou Zen - Tupinambá sem dú-
vida; ainda assim, e mesmo que nao tenha iluminado o alemao, tra-
vel. Um jaguar, 11
naturalmente'', civilizado: afinal, comia carne
homens Bororo sao araras" ou "os gemeos Nuer sao pássaros", corn
625
araweté: os deuses canibais
Cunhambebe nao terá sido um bom exemplo para Lévy-Bruhl. Mas metá
fora bastante literal: os homens .Bororo e os gemeos Nuer nao voam;
(1) Assim os Shipaya tan cerro cerinimia central a descida dos rrortos para fes-
xama, e esse processo é '
tejar can OS vivos. As alna.s-iánái tanarn O COrp), do
p)r algum rrotivo, urna "jaguariz~" - anbora as almas nao sejam o~:
"O pajé Mixzré ne dis~ ~lara e distintamente: os iáñai .. nao ¡;x:>-
dian danctar e beter cx:m:> os vivos, ·por isso t:anavam seu éorpo, e
en:j\.la!lto 'ele mesno' , incapaz de fazer ~quer
coisa, permane -
cia dentro da casa de festa, os iána.i ~avaro lá fora can seu
cor(X). Perguntei-lhe entao caro se sentia nesta cx:::asw, e rece-
bi a resp'.)sta: 'As vezes me parece que eu sou, neste m::mmto, um
jaguar'." (Nimuerrlaju, 1981:32).
Nao siS, naturalrrente, entre os Tupi-GuaJ;ani o jaguar desenpenha um papel
cosnológico central: suas asscx::ia<rOes can o xamanisno e a chefia na Amfu:'ica do
SUl forarn extensarrente analisadas por Reichel-I:blmatoff, 1975:caps. 3 e 6. Mi-
nha hipótese aqui, c:xxro vinos, é que o lugar ocupado por este animal na COSll'O-
logia 'ffi está associ~ ao canibalisrro positivo.
626
os seres do devir.
627
araweté: os deuses canibais
(2) E terá sido por isto que Schaden (1959:119} decreta que o "herói nútioo da
tradicrao tribal" para todos os TUpi-G.larani. se nodela necessariarrente na figu-
ra do xama, nao na do guerreiro. Assim nao é, para os Araweté, onde, conquanto
xamas, as divindades Maf ten cx:rco signo principal sua posi~o-guerreira - nao
serrlo, é verdade, "heróis culturais". Creio que Schaden extrapola a sit~ '
dos Glarani atuais; de toda forma, conoordaria con ele quanto a urna ma.ior emi-
nencia, em geral, da tuncrao-.x.arna sobre a tunyao-guerreiro para os 'ffi, mas elas
se cx::rnbinam em figuras cx:rrplexas.
628
os seres do devir
'
Hatens Mulheres Haoens
Natureza: (Guerreiro) : : Cultura:SOgro/Chefe .... Sobrenatureza: (Xarr0)
Pcdre, MJrte Cru, Vida Cozido, Inortalidade
\
-
Modelo que, quero crer, nao se encontra nessa forma simples
e completa em nenhuma sociedade TG concreta. Nos Araweté, como vi
gar de xama. Essa matriz poderia ser comparada - para que suas s~
(3) Huxley (op.cit.:82) sugere um ethos de continencia sexual dos chefes Kaa -
i.:or (os "lntEns-cabecra") que o aproxima dos xarnas de outros grupos. A irrp::>rtan
cia tradicional do chefe aldeao a::m:> chefe de guerra, investido de pcderes de
iniciador, é destacada entre os Kaapor (op.cit. :172), que por sua vez perderam
o xarranisno, dependenOO de especialistas Tenetehara.
629
araweté: os deuses canibais
Ñqnde j ara . Esta rela9ao é estabelecida pela dan9a ritual (ap o rai)
630
os seres do devir
•
micida) era pré-requisito para a funda9ao de urna nova maloca - i.
almas mortas dos comuns (an ch ynga invuera - -fun9ao-Jñl) vivem er-
rantes na floresta, na terra, enquanto o s xamas defuntos - habitam
urna aldeia própria, a Oeste (Wagley, 1977:169).. Ern publica9ao an-
terior, Wagley sublinhava com mais enfase esse destino diferen
cial:
" ... o maior prestigio que a cultura tapirapé oferece cxmverge
para os pajés. Ieflexc de tal prestigio é o oonceito de que eles
terao urna p:)s-vida a parte, ben cxxro a identifi~ao dos heróis
cultura:Ls oo passaoo a:m pajés ••. Erquanto un leigo tapirapé se
torna urna alma desoorporificada pela 110rte, a vida póstuma de
um pajé nada mais é que a o:intinuat;ao de sua vida atual, ern
cira.mstanclas ideais" (1976:253) 4 •
.
(4) Nessa versao, óS nortos canuns viveriam em aldeias terrenas abandonadas ,
repetindo mecanicamante suas vidas; a aldeia oos xamas seria a Leste - exceto
631
araweté: os deuses canibais
os xamás executaoos caro feiticeiros, que derroravam-se ern vilegiatura numa al-
deia a Oeste, até que seus ferirnentos cicatrizassem. Ver supra: 200, para a
regularidad.e destas transformaef>es, na obra de Wagley e/ou na escatología Tapi
-
rape.
Apesar do estilo "centro-brasileiro" da estrutura social e cerinonial Tapi
ra~, é possivel identificanros temas básicos da COSirologia ~ nesse plano rres
632
os seres do devir
(5) OS xam3.s tan re~ sexuais con as f"'erreas dos quei.xadas, prciluzindo os
¡:x:>roos. Essa c:renya, i.nvertencX> radicalmente o cx::rrplexo Guarani do odjepotá ,
transfo~ao em animal ¡:x:>r contágio sexual can estes, que se segue ao consurro
de carne crua - o caso forte é a transfonna.~o em jaguar ¡:x:>r cópula can o "es-
pirito da carne crua" transfigurado ero jaguar-nulher (o tupichua; cf. cad::>gan,
1965:7-8; 1962:81; H.Clastres, 1978:94) -, marca inequivoc.arrente 1.m\ devir-ani-
mal cb xarr0 Ta.pirapé, e sua ¡x>si9ao ambigua, extra-social: natureza e sobrena-
tureza, animal e "e.ivioo", protetor e inimigo. A ncrte de 1.m\ xama desencadeava
a fÚ.ria cbs jaguares, enviaó:)s aterra pelo Jaguar c.eleste (Wagley, 1977:185).
o xama é assim, rrorto, rretaúmicarente associaao aos jaguares; já o xama Guara
ni é 1.m\ anti-jaguar, visto que evita carer carne e procura o estado oposto do
odjepotá , isto é, a transfigurai;:ao em divindade sem ncrrer.
633
araweté: os deuses canibais
to" por estes. Já o a.OOlescente eleve encenar um mito ern. que um jovern escapa de
inirni.gos canibais; é isto que ,seu canto celebra - arte da fuga, posic¡:ao anti-
-guerreira (Wagley, 1977:156-7).
o xarnanisrro Tapirapé, apesar de sua inp:)rtáncia vital para a rosnologia do
grup::>, se extinguiu, nas décadas que se seguirarn a primeira viagan de Wagley •
.
Isso talvez possa ser explicado pelo excesso de <XJl'ltradi~ encarnadas na fi-
gura do xam.3; um processo análogo ao ~qno da .antropofagia por outros p::1VOS
Tupi. -"'·-- .?
-uucu. aru.
(7) ~.cit. :110. Os autores nao registram outros tenros para "alma.", etc., ·que
entretanto enmntranns oo dicionário TetDé Tenetehara de Boudin (1978). Suspei
to que o teJ::m:> ekwe seja analisável an "ex-corpo", e que as investigacrres de
Wagley e Galvao nao tenham sido, nessa área, profundas.
634
os seres do devir
tos exemplos em outras .partes do mundo - cf. Bloch & Parry, 1982:
15-18) 8 se superpo~ urna outra, laconicamente indicada: apenas os
(8) ~ parece tambán vigorar para os Siriooo: as almas dos lx:rrens "bcns" nao -
reto:rnariarn para assanbrar os vivos, as dos "rnaus" sim (Holnt>erg, 1969:243) •
- .
Holrnberg declara enfaticamente (loc.cit.) que nao existe OUtro Mmcb p)sturro ,
que as idéias sabré a alma ·ga:, "a:nfusas e vagas". ~clona contudo dois tipos
de espíritos da mata, os kuríik.wa (cognato de *Ka.rowcura?) e abaci'l<LJaia, antx:>s'
identifica&:>s cnn os espectros dos nortos (¡:ps .239-40, 242). O autor é tao p~
cx:nceitooso quanto a simples inteligeocia dos Siriooo, que se torna dificil a-
creditar oo que diz, sobre esta área de sua cultura. Já os costumes funerarios
nostrarn aspectos interessantes: após a dea:trposicrao das carnes (o cadáver era
exposto numa plataforma), os parentes oo norte deviarn enterrar seu esqueleto,
de nodo a evitar o surginEnto de urn kurúkwa - exceto o craruo, que era guarda-
00 caro reliquia protetora. Tem-se ~ urna inversao oo d::>sturre Acné, que pr~
creve o esfacel.anento ck> craruo J;ÓS-decx:lrposicrao, de nodo a dispersar a al-
ma-ianve que ali se aloja (Holnt>erg,1969:232-6; P.Clastres,1972:300) . Ver Nirnu
endaju,1978:6, sdJre a norte súbita ou violenta caro má, para os Apapocúva.
635
araweté: os deuses canibais
636
os seres do devir
animalidade/alteridade.
pósttírno especial.
637
araweté : os deuses canibais
mano; ali tambérn se enc?ntra a rnais . completa op_erac;ao de. urna ma-
1976).
c;oes sao_ em tudo semelhantes a dos d~is -a' o _we Araweté, conquan-
reza.
638
os seres do devit
639
araweté: os deuses canibais
por9ao animal é muito temida, devendo ser morta pelos xamas meno-
(10) outro nene para o espectro Mbyá é takykuéri gua (Cacbgan, 1959:104), que
640
os seres do devir
creio rmer anallsar tcf. Dx>ley, 1982:29, "ak11kue") em "o que fica atrás", o
que resta. Isto repete literalmente a idéia Araweté de que os ta'o we "ficam
atrás de n5s" (supra: 502), oo sentido geográfioo e te1poral.
641
aravieté: os deuses canibais
(11) "Em geral, um grande número de genros favorecía as tentativas feítas nes-
se sentido [de fundar urna nova maloca] por alguns ~fes de familia. Isso era
rruito inp:)rtante para estes, pois os hcrrens atraídos para sua maloca deviam
cxnsti tuir os grupos de guerreiros a ele subordinados. 'Ibdas as fontes . . • sao
un.3nimes em indicar o fato da maloca oonstituir, por isso, um grupo guerreiro'
forterrente solidário" .(Femandes, 1963:72-3). A carpilac;~ de Florestan a res-
peito das regras de f~oo e funcionarrento das aldei~ 'l'llpinambá toma bas -
tante claro aquele principio de subo~ lógica da aldeia ao grupo dcrrésti
oo, que analisei para os Araweté - supra: 287. A p~ da unidade aldea ,
nesse sentido, se fazia nao por urna dialética interna, que cp.isesse-unisse as
unidades datésticas e/ ou grupos oerinaú.ais, mas por urna reI.a<roo can os inimi-
gos.
saparece para dar lugar ªº xama-pai (ñande ru, nosso pai, é o ti-
tulo dos lideres político-religiosos Guarani atuais) - do mesmo
modo e talvez pelo mesmo impulso que fez estes antigos · canibais '
se converterem em ascetás, que buscam superar a condi9ao humana
"por cima", pela Sobrenatureza. Sem aceitarmos necessariamente a
tese de H.Clastres que pee urna contradic¡:ao entre o religioso e o
político como motora do profetismo antigo (mas que dizer das mi-
gra9oes que ainda continuam, ao contrário do que a autora supoe -
1978:85-?) dos Tupi-Guaraní, é f or9a que se reconhe9a urna inver -
sao notável das sociedades TG antigas no que toca a estrutura fun
cional dos Guaraní modernos. Assim, se naquelas o poder político
assentava numa base concreta de con~role sobre as mulheres (fun-
9ao-sogro) e numa simbólica do guerreiro-canibal (Fernandes,1963:
325-ss.), o papel de xama em sua expressao máxima, isto é, como
profeta (car a i) era marcado exatamente por sua exterioridade f!si
642
os seres do devir
(12) E será p::>r isso que se verifica o que a autora chama de "deslocanento ser
frido pelo discurso sd>re a Terra san Mal: de agora em diante cabe-lhe urna ftm
crao que náda o destinava a preencher - a de validar a sociedad.e" (1978:108).
reiros da Antiguidade.
Hélene Clastres demonstrou com elegáncia de que forma a cos
mologia Guaraní contemporánea, sobre trazer em si o mesmo desejo'
643
araweté: os deuses canibais
...
E assim, a urna regressao a Natureza., isto é, submissao a
por9ao terrestre-animal da Pessoa, produzida pela infra~ao das
normas da Cultura (notadamente: uso do fogo de cozinha, reciproci
d a d e a 1 imentar, temperan9a sexual ) 13 , contrapee-se
- - i ca
urna et 1-
644
os seres do devir
645
araweté: os deuses canibais
646
os seres do devir
647
araweté: os deuses canibais
de seu ponto de vista, sua morte era sua própria vingan9a. "E,
como estes cativos veem · chegada a hora em que hao de padecer, co-
mecrarn a prega_r e dizer grandes louvores de sua pessoa, dizendo
que já estavam vingaios de quem os há de matar •.• " (Soares de Sou-
za, 1971:326). Já estavarn vingados: porque já haviam morto e corni
do muitos dos inimigos, porque seus parentes vivos os vingariarn •
Sua rnorte, presente, juntava o passado e o futuro. Onica forma de
vingar-se da morte, como tao bem observou Thevet. Absoluta cumpli
cidade entre vítimas e executores. Pois, agora do ponto de vista
·-
destes últimos, a morte e devora9ao do inimigo consumavam uma vin
gan9a das mortes sofridas, assegurando ao mesmo tempo o acessodos
jovens i condi9io de homicida, isto é, de Pessoa plena, capaz de
irnortalidade póstuma - vimos que o paraíso é dos bravos. Novarnen-
te passado e futuro. A morte do inimigo era duas vezes vida, duas
vezes nega9io da morte: vingan9a, transfigura9io. · "Exo"-canibali~
mo? Sem ter morto um inimigo um homem nao existía; a execu9ao ri-
tual era a cerimonia de inicia9io masculina, que assirn, alérn de
cancelar uma morte prévia, vingan9a restauradora, criava vida, in
ventava homens. Só um matador podía casar-se e ter filhos, pois
os Tupina.mbá, semelhantes ai a muitos outros pavos, equacionavam'
a fun9ao guerreira e ºmortifera do homem a fun9ao reprodutiva e
vital da mulher. Os ritos da menarca e os do prirneiro homicidio e
rarn identicos; as jovens "cumpriam o mesmo ritual dos carrascos "
(Thevet, 1978:133): escarifica9ao, tatuagem, ;eclusao, abstinen -
cia. Ambos, rnulher e matador, derrarnavam urn sangue vital para o
grupo 15 •
•
(15) Ver o que diz 5ahlins (1983: 83) : ".. • no sistema global oo sacrificio [nas
ilhas Fiji], nulheres cruas e hcrrens cozioos ten a nesma finalidade • .Aml:x:>s sao
reprodutivos, 'life-giving': a mulher diretanente, a vítima sacrificial cx:rco '
un neio de troca de mana entre hanens e deuses. Eis aqui outra e:xpress00 de
648
•
os seres do devir
sua equivalencia: urna esposa estéril nao é estraJXJUlada para aa:npanhar a alma
do seu marido ro Além, fonte ances!Xal da reprodu:rao humana e natural; e, qu~
to ao guerreiro defurrlo que nunca matou, nunca trouxe para casa un sacrif ício
hll'l\al'X), ele está condenado a pilar um nonte de excrerrento cx::m sua ma9a de guer
4 -
ra, por toda a eternidade... [Nota: J Trata-se, caro dizem os Maori, de 'o carn
po de batalha can o hanen, o parto can a mulher' • • • Os Azteca agiarn e pens~
plica~ao para ele; pois ele mesmo i, ern si, ''une mis e en rapp ort
de plusieurs niveaux d'explication" (L.-Strauss, 1973:82; cf . S.
649
araweté: os deuses canibais
(16) Ver Carneiro da Cunha & Viveiros de Castro, 1985; em prepara9ao, para ~
. . ·'
.,;.
650
os seres do devir
ma do Sacrificio:
651
araweté: os deuses canibais
(17) "Nao se pode negar que, de fato, os textos revelamos Tupi.nambá a:m::> . se -
res rrental.Jrente atormentados ..... (Fernarrles, 1963:303). No final de sua segu.I'!
da obra o autor, estendendo urna generaliza9ao de Lévy-Bruhl, marcará o ºsacri
ficio sangrento" c:x::rro tendo valor expiatório, que seria inposto pelo espirito
do rrorto: " ••• o terror infundido pela vi.nganya dos espirites dos rrortos, senoo
muito maior que o tenor corresporxiente incutido pela expectativa de vingan-;a
¡:x>sterior dos ini.rnigos, é que dá a ving~a 'o caráter de 'obrig~ao essen
cial'" (1970:345). Nenhuna fonte consigna esta arrea9a e autoriza esta conclu
sao, que Florestan ~ de ir buscar na teoría, pois ela é essencial para o fe
ch.amento de seu m:xlelo de sacrificio aos ancestrais. AD postular o "culto dos
rrortos" ocm::> base oo sistana guerreiro, Florestan repete urna fél'OC>Sa teoria de
652
os seres do devir
653
araweté: os deuses canibais
--
prá ticas malaias descritas ·por Hertz, em q~e a captura de cabe9as
tal; sacrificio .-
.ao parente morto tp,332).
.
Note-se de passagem que
9io'' sutil. até que se adapte ao escrinio da teoria, para ali bri
lhar sem ja9a. Todas as impurezas sao postas no limbo das "fun
654
-os seres do devir
(18) A~~ pela difurrlida prática de exumac;ao .de cadáveres inimigos para o
esfacelamento de seu cránio, recurso de desespero na falta de inimigos sobre
quem se vingar e tanar oovo neme (imchieta, 1933:2~6-7), gue sugere c:quela ca
suística de ersatz tipica do sacrificio (lanbren0s· dos oois e pepinos Nuer}, e
que se reencontra entre os Jíva:to: na falta de ~as humanas para serem enc:o
lhidas,· usavam-se cabec;as de pregui9as ·(Harner, 1973:148-9);· os Tupinambá ado
tavam substitutos metonímicos, os Jívaro m=tafórioos. Notar ainda que o tema
Jívaro e Murrlurucu da captura de ~as dá lugar, entre os Tupinarnbá, ao do
esfacelamento do crarüo, o que nos p:Je n~ pista irtpossível de seguir aqui.
* * *
655
araweté : os deuses canibais
(19) Fica inplícito neste trecho que mesmo as rrortes r..aturais deviam ser vinga
das (os rrortos em terreiro e devorados nao fXXli.am, óbviarrente, ter . túmulo} •
Urna passagem ambigua das CPJB,1:307 parece sugerir a mesma coisa.
(1953:105-106, 194).
des" suas na vítima, que seria entao ao mesmo tempo sua encarna
656
os seres do devir
te sen t l..d o 20 .
9ao global de "mortos" que deviam ser vingados - tudo isso era o
modo usual de condu9ao da guerra e de manifesta9ao do impulso da
657
araweté: os deuses canibais
(21) Ver carneiro da CUnha & Viveiros de castro, 1985. AD canentar a leitura
que Mauss faz de Steinmetz, Durkheim (1969: 126-30) manifesta urna inusitada
perplexidade quanto ao bem-fundado das idéias de seu sobrinho, que eram ali,
aliás I identicas as suas .(as d 'A Divi sao do Trabalho Social) . A lÓgica da re
para9ao-restaura9ao do corpo social pela vinganr~. parece-lhe deixar escapar
qualquer coisa. Justifica esta dúvida evocando os casos em que urna norte exi
ge urna víti.JM expiatória do prÓprio grup:? {o que seria, no horizonte etnJgráfi
co em que JX>s novenos, um pouco o caso dos Aché - P·.Clastresr 1972:254-269). E
concluí que todas as teorías scbre a pena e a vingan9a nos pSem diante de
"phénomenes tres carplexes dont les sentiments tres
sinples, qu 'atteint la conscience irnnédiate, ne
sauraient rendre <XXtpte ... " (p.130)
O que é, mesno que pela negativa, urna bela defini~o ·ao que se passa IX> caniba
lisrro Tupinarrbá, onde a "sinplicidade " do ódio áos inimigos servia de signifi
cante a operac;Oes bern rnais carplexas que a restaura9ao da integridade do "Nós "
coletivo ou a satisfa9ao de "necessido.des sacrificiais" da um ancestral.
658
os seres do devir
,_
Ora, já vimos corno a. execu9io t::i tual era condi9io sine qua
.non .de
- "
.aces·s o . ao ·estatuto
.. "'
~
de homem adulto, c~paz de procriar, e
corno a guerr·a e · o canibalismo criavam urna condf~ao pessoal ( "reli
giosa") ideal: sq os bravos sao dotados de alma imortal. A acurnu
la9io de nornes, fun9io direta da morte de inimigos, era "a maior
honra" Tupinambá (Staden, 1974:172); matava-se assirn por vingan9a
mas também para ganhar nome • . Se o prirneiro motivo sugere urna "re
cupera9ao" e urna CC?mplementariedade, o segundo é · aberto, curnulati
vo, suplementar (supra! 388) .• Matavam-se e se corniam quantos se
podia - vingan9a antecipada? Seja; mas também predacio positiva
(Bloch &· Parry, 1982:8), acumula~ao~
659
arawet': os deuses canibais
660
os seres do devir
radoxal), o i nimigo era urna ave ra~a. Tio logo entravam amarra
(23) Que a:>m isso tanbém tanavarn oovos nones (J.t-bnteiro in HCJB,VIII:411). A
recepcrao dos cativos constrastava igualmente can a acolhida fe.minina dos j~
v~ que haviam norto um ini.migo ·pela prirceira vez na guerra: entao, as mulhe
res proferiam, an meio a louvores, os rones que o ra.paz tanara (J .t-bnteiro, i
dern: 410).
nos).
Traz ia-se-o para lá, aliás, sob este pretexto: Staden é poupado e
levado para a aldeia "a fim de que suas mulheres tamb ém me vissan"
661
araweté: os deuses canibais
(24) Já o exécutor arrernedava urna ave .de rapina, em sua aproxima9ao a vítima
(Cardiro, p.117). 'lhevet descreve a ~luma900 do cativo e a chuva de penas de
papagaio a:rn que as mulheres o oobriam em sua entrada na aldeia, "cx::m:> sigoc>
de sua nnrte" (1953: 193-4).
662
•
os seres do devir
to aver tocado sus cor~nes. Porque estas plumas~ que ellos tienen, son las
rrejores alhajas que; ellos tienen y dellas usavan quando ma.tavan sus contrários
y los canían ... " (CPJB,III:l 37) . Staden é conciso: "Seus tesauros sao penas
de pássaros".
das para serem comidas, ao passo que os prisioneiros sim .Mais que
do por seus adornos (nomes que forneceria) e por sua carne; sua
mulh eres também podiam tomar nomes sobre ele , como vimos, e até
mesmo matá-lo quando furiosas - mesmo.· ai, porém, preci savam cha
gan9 a . A gula das velhas talvez seja bem mais que o estereótipo
matador;
.
seu valor ''substancial'',
. . a carne , parece ter cabido
'
an
a bichos de estirna9ao .
rada "grande honra" para elas e .seus parentes, ter ia ~nt ao tal ob
663
araweté: os deuses can ibais
lher urna f ilha daquele que o tomou, ou urna das parentas mais che
664
os seres do devir
* * *
665
araw_eté: os deuses canibais
vir ,· deve ser abandonada~ Pois o ' que acontece é que a Sociedad e
Tupinambá incluía os ~nimigos, ela nao ' existia fora da rela9ao com
bal, e esta nao tem nem suje i to nem centro, constituindo-se como
. '
666
··· · os seres do devir
te dos que matao ..• "), e estas diferen9as encontravam seu regirne
em urna troca de mortos, ern vez de urna troca de esposas. A execu
(28) Raretó cqu.i ao bélo ensaio de P.Huber (1980). robre o ritual de ca9a aos
porcos .ent.re os Anggor, sociedade melanésia, "flexível." e 11
frouxarrente estrutu
rada" o:::rro se disse .de . tantas_ da regiao e éiaqui. Diz Huber que é preciso ver
corro "a sociedade pode ser concebida corro furu;ao de um certo tipo de evento.
A sociedade Anggor "é, si.nplesmente, urna furu;:ao da ca9a aos parcos" (p.45). Urn
evento cria o soci~l, q\le nao existe cano Substancia anteposta. E exatanente
isto para o caso do ritual ant.ropofágico e a "Sociedade" Tupinarnbá.
667
araweté: os deuses canibais
rna honra matá-lo, suprema honra morrer por maos inimigas: é que o
rneu nossos parentes, logo •.• ) por pouco verossímil, entao há que
mia era essa condiiao; a qualidade incorporada era assim urna posi
668
os seres do devir
~io, nio urna ·substincia - nio era matéria, mas relaxio. A "natur!
za" do que se comia era urna abstraxao: canibalismo espiritual, por
tanto. O que se comia era urna posi~ao: a posi9io de Inimigo, nao
a substancia de um inimigo. ' O que se come do homem será sempre
Espirito, rela9io incorporal: é impossível a manduca~io sem ser
"conforme o Espirito'', quando o que se come é o homem. IncorporA
xio da Inimizade, portante, e nio devora~io da carne ou do ''espí
rito" (concebido como substancia) de um inimigo: generalidade e
abstra9io. Note-se, por fim: o que diz o principio analógico da
teoría aliment~r? Que ''a natureza e condi~io do que se come'' se
muda em quem come. Isto é: se quem come um animal lento se torna
moroso-,
.)
quem come um inimigo se mudará em... inimig!=>?
669
ai'awet~: os deuses canibais
* * *
670
· · os·2res do devir
caracteristico da vingan9a
'
Tupinamb~
jarnais atingir o equilibrio:
29
há sempre alguém a menos ou· a mais na· batan9a
po: ela é o vir-a-ser Tupi. Por isso _tarrbém, · a crítica de Verdier (1980) a Gi
rard, em nare de una vingaJ19a "dcrnesticad.:i", sistana de regula9ao e controle
~ociais, par_ece7 oos insuficiente para dar conta dos fatos Tupi.nambá.
Acrescente-se enfirn, se isso for necessário,· que nao se trata aquí, ab
solutamerite, de estar a fazer quaiqu~ "apolo;iia da violencia" Tupinambá :._:. mas
9e mostrar que ali se. passavam ferimenos ·irredutíveis asnossas idéias de vin
gan;:a, violencia, etc. Feri:men9s . "muito caiplexps_, cujos sentimentos muito
sirrples". • . já disse Durkheirn.
671
araweté: os deuses canibais
cio is avessas, onde o inimigo nao é meio, mas fim: o outro como
valiado: o 11
morto do grupo 11 1 . mesmO que figura individual interve
e ''matador'' se inter-exprimem.
te, urna rela9io da mesma espicie que aquela· ~ntre o ta'o ·we. e a
(30) Menget (1977:87, 114, 153, 255) deixa claro que os Txicao consideravam a
rror te de um inimi.go, erquant.o vinganc;a contra a rrorte (era isto a guerra Txi
672
os seres. do devir
cao), caro solucrao menoo boa que sua captura - mas o cativo. nao substituía o
rrorto ao nivel de sua parentela, ocuparrlo sua posi9ao, e siro a rúvel global,
trazerrlo JX'N'Os rx::mes para a sociedade .
morto. Ele seria entao o inirnigo e .seu vingador, é ele que quali
devir da Pessoa.
que todo morto (em casa) é um inirnigo, e que por isso todo homem
673
araweté:·os deuses canibais
(31) o enterro en Urn.as-panelas visava evitar tcx:lo eontato do oorpo can a ter
ra. Isto ros leva ao horror da pqdridio~ ·.
(32) Ver Carneiro da CUnha 1978:144 e passim, para _a análise do rresm::> ceitplexo
conceitual: rcorto, inirnigo, afim~ ~treos Krahó, cp:upo Je-Timbira, . onde ele
entretanto entrará em una oosnologia e uhá forma social muito· diversa do sis
tena Tupinarrbá.
674
os seres do devir
cia estava ele para matar os outros que para ser morto"(l933:224)
·-; todo um conjunto de .gestos cabalísticos feítos com a borduna ,
a a~rna da morte ·que, decorada como o rosto do cativo, era passada
entre as suas . pernas e as do matador· (HCJB,VIII:412),parecia unir
estes deis homens; o simulacro d~ duelo que era encenado - dava-
-se a vítirna certo espa<;o. para a esquiva e . o revide - parecía qu~
675
araweté: os deuses canibais
(33) Nao creio entretanto ser possível reduzir apenas a urna escatología esta
- .
· sabranceria can que os cativos recusavarn o resgate. Morrer
.
em terreiro
.
era de -
ver e prerrogativa: <X>nfirJna9ao de que se infligira dano aos ini.mi.g~, gar~
ti~ de que se seria vingado. Por isso muitos desprezavarn as oportunidades de fu
ga: seriarn rejeitados pelo~ seus, por fazerem crer aos ini.mi.gos que sua na9ao
nao os era capaz de virqar (Garrlavo, 1980:97¡ Abbeville, 1975:231).
ainda mais explícito¡ falando dos a9ouros ·ao gentío nas suas gue!
ras, ele relata -que urna das coisas que fazia urna expedi9ao desis
tir de seu inténto era o apodrecimento das provis6~s que levava:
"se a carne depois de cozida · toma bichos, o que é mui fácil por
causa da muita que'n tura da terra·, · e ~ dizem que assi como a carne
toma bichos, assirn seus contrários riao os cornerao, mas deixá-los-
-aó encher de bichos depois que os rnatarem, o que é a mor desonra
que h a- en t re es t es b-ar b aros ••• " (HCJB,VIII:413).
676
os seres do devir
como diz Thevet que f aziam os · "Tapuias", que comiam seus próp.rio s
677
araweté: os deuses canibais
(34) Ver, p.ex., os Gim1 na Nova Guine, orrle as nulheres a:mem ~us
parentes
masculinos nortos, caro técnica de regener~ao da pessoa, e justificam esta
prática dizendo que o rrorto "nao deve ser deixado apodrecer" (Gillison, 1983:
35,39,41).
. (35) DaÍ a necessidade de Florestan af~nnar que esta rrorte "punha em risoo a
integridade da .'pessoa.", exigindo o sacrificio reparador. Esta idéia se
baseia, aparentemente, ·apenas em una 6bserva9ao obsc\ir'a de Gandavo, que afinna
que0s rrortos andam ºna· outra vida feridos, despeda<;ados, ou de qualquer rnane:i,
raque acabaram nesta" (198Ó:l24). Sobre. ser
. estranha·face a todos os outros
textos que afirmam a "fornosura" da norte em terreiro e o horror a nao-devorsi
cao, esta afirmac¡:ao leva a una pista falsa, por confundir des tino do individuo
e resposta do grupo.
era ~elhor que apodrecer no chao¡ mas se era devorado por vinga~
ódio reciproc o dos inirnigos era urna sqtil colabo ra9io , com es se
. .
seu simulacro de "exo-''canibali s mo onde os home ns se entredevora
t
vam para que seus grupos se perpetuassern ·no q ue tinham de· e s sen
c i al: sua rela9 io-ao-inirnigo, a vi ng an9a. A i mo rtalidade era ob ti
~
678
os seres do devir
lidade do devir.
logia Tupi~Guarani.
zes aludido ~qui: o mundo . sem afins. A morte dos .cativos de guer
679
.arawetá: os deuses canibais
Aqu.i temQs tal vez umá idéia interessante, que forma· sistema
com o complexo que subjazeria ao profetismo e ao mito da · "Terra
sem Mal" dos Tupinambá. e Guarani antigos. A autora mostrou como a
suspensao das regras sociais que vigorava no seio das · migra~oes e
na palavra dos profetas só poupava ~ costume - bania-se o traba
lho, a autoridade, as regras de incesto -, justamente o canibalis
mo e a guerra de vingan~as (1978:47). Como se o profetismo e as
migra~oes pusessem "em prática" aquilo que a guerra canibal -
so
ousava manifestar ritual e negativo-indiretamente: o fim .da Sacie
dade, da ~ei e da Alian9a. Vingan9a contra a marte, como observou
Thevet, vingan~a contra a afinidade, como sugere H.Clastres,a "vi!!
' contra as bas·es da condic;:ao
gan9a" Tupinambá seria urna dupla luta
humana: submissao aos ou-tros e a marte. E assim reencontramos no
guerreiro Tupinambá a mesma paixao do asceta Guaraní: derrotar a
marte é derrotar a sociedade (supra:645).
680
os seres do devir
de cada hornero: o acesso i Te~ra sem Mal que, corno vimos, era o ho
. t e d a proeza e d a mor t e guerre1ras
. 37 o
rizon . profetismo seria ne
tual de nega9io 11 • • • )· ?
que a maioria das sociedades humanas parece nao mais que desejar,
681
araweté: os deuses canibais
(38) Ver, Jn?lis urna· vez, Kaplan, 1975, 19Blb, 1~84; Riviere, .1969, 1984.
* * *
Dava-se urna mulher ao cativo (ou o contrário, como vimos).
o ''servi90 da no~va'' ' como competia aos jovens que. pleiteavam espo
sa , ele receb~a
- pedira, e era entretido e
urna mulher que nao ali
682
os seres do devir
~ 39) Thevet registra a anedota edificante de urna viúva que, faoe a oovardia
dos parentes de seu marido, vcil ela rresma a guerra e traz cativos para que
$ellS filhos vinguem o pai. Acostumarrlo-se a tal rnister macabro, ela tex:mina as
683
araweté: os deuses canibais
cunhados.
Isto talvez de urna boa idéia do que pensari am os Tupinambá
(40) />quele que tana por esposa a filha da innao nao sai, em principio, de seu
grupo residencial; por sua vez, aquele que cede urna filha para os irmaos de
sua mulher quita urna parte da divida corn os afihs. 'fuevet é explícito: a entre
ga de urna fil.ha libera o pái de sua "servl,dao " (1953: 130) . Talvez seja dema.is
sugerir que essa presta<;ao da filha fosse c;x>ndi9ao para a saida da situa~ao u
xorilocal; mas de toda forma, a cessao de urna filha ou a prestaxªº de um cati.
vo sao a contrapartida da obten9ao de urna esposa - e se desrespeitadas, leva
vam ao confisco da Im.llher por seus innaos ('Ihevet, p. 131; CPJB,1:307). Pri
sioneiro e filha se "equivalem". ~ interessante a:rnparar este sistema can a ló
gica que preside (parte da) nanina9ao Timbira: a li, o ZH "salda" parte de sua
divida produzindo um alter-ego de seu WB; ~sto é, seu filho será naninado por
..
este últino, recebendo os rones dele. {Ladeira, 1982: 81). Os Tupinarnbá davam
urna f ilha ero troca de una esposa, ou um cativo ero troca de si mesrros (poi s o
cativo seria urna espécie de versao cx:mestível do ZH), para seus afins; os Tim
bira "dao" um filho que recebe os nanes de seu MB, tornando-se "ldentico" a es
te. O ZH Tupinambá dá nanes, isto é, cativos, a seu WB; o WB Timbira dá seus
nares ac filho do ZH. E, se o ZS Timbira é um duplo do MB, o cativo Tupinambá
684
os seres do devir
plodissern em duas dire9oes polares: de urn lado, esta hiper -ex og~
gos, os quais eram qualif icados como "an ti -afins. ~', cunhados para
cativos: mas que ern vez de terminar com a rnorte , acabava eventual
ceder f ilhas cu irmas aos c h efes e heróis e~a urna honra (Fernan
cional da uxori localídade . Longe de ser urna regra automi tic a que
685
araweté: os deuses canibais
686
. os seres do devir
sas).
esta sujei9ao a seus jovens genros, maridos das muitas filhas que
42
ele gerara nas suas rnuitas esposas - e assi m o ciclo passava pe
- .
687
araweté: os deuses canibais
(42) "E assirn quem tem roa.is filhas é mais honrado pelos genros que oom elas ad
quirem, que sao seripre sujeitos a seus sogros e cunhados .•. 11 (-A nchieta, 1933:
329).
aos outros.
688
os seres dp deYir
689
araweté ! os'deuses canibais
por causa de uma mulher (Soares .d'e Souza.; 19.71:·301) ; .o cer imonial
Vale, .foi possível porque "ai·nda que ·elles tenhao o guer·rear· pelá
melhor vida e . pass a tempos t que há' nao de.ixa0 de conhecer a quie.
filhos, irmaos., primos •. .; . .(CPJB:. ,111:551) ,., Se. pór .urn ·lado ·a :unida
pelos jesuitas, sugere que fuesmo a maloca era ,um agrupamento flui
do; sua composic;=ao, . apoiada nos lac;os de af inida9e, ero .,,vi:gor ·. num
690
. .
· ·os séres do devit
Pa
pos pa·trilineare's ' éorpórados ., vai urna distanciá que ' nada auforiza
tiv~, · ~o~ sua incidinbia sbbr~ a · Uniio avbncular (mas ela parece
muito 'mais justificat que fundar o cas~mento com .a ZD) , e a · ine
co ( ou· outro) • .
691
araweté: os deuses c:anibais
af inidade ..
a .o mesmo tempo em que im1¡>unha urna passagem . por es _s a, e_xter ~or idade
692
os seres do deVir
.
que nao morra inimigo de . outrem: .toda
. ori9em já é resposta.Livres
e ferozes, inconstantes e indiferentes, os Tupinamb,á .só eram ser
vos da guerra: est~ os fazia existir, e os empur~ava pa~a a fren
te. Habitantes de urna sociedade sem "cOrJ¡>Or.a 9oes" - incorporal,p~
deríamos dizer - e canibal {incorporante, entao), seu combustível
era o tempo. ·
• * *
693
araweté: os deuses canibais
694
·0,s.seres do devir
co., coma vítima, é que está sob o . interdito caníbal - como sepa
como disse mais atrás, · nao é o inimigo como sub s tanc ia ou partic~
695
araweté ~ os deuses canibais
mento da Cultura. Por isso ela nao é urna simples opera9ao de reli
aos deuses a fuma<;a dos ossos e seu perfume, signo de sua imorta
696
1
cotidiana do
.
do o sistema político-religioso a sustenta, Jredianfe a
sacrifíciq
.
prática
s~ent9de ti¡x> alinentar. Mas, sob ~
ta forma fixa, o roodelo tri~co nao é correto nern ~· Ele
só se torna assim quando se percebe seu caráter dinámico. A con
di~ h\.Dimanao se define sanente pelo que ela nao -é, . mas tam
bém pelo que ela nao mais é. Na cidade <:Fega, onde a hi.stória
cultural se ~ia oc:m. o discurso mítico scbre as origens, de
senvolve-se una dupla tradi~ao, marcada pela alternancia da Ida
de de Qlro e da Selvageria. Ora (é o mito de Hesíodo) os hanens
vierarn a o:rrer carne depois de ter conhecido a cxmansalidade can
os deuses, ora (oo mito das Mulheres-Abelhas) os tx:mens só p~
grediram a seu atual regí.roe alimentar após ter vivido muito tem
po a vida dos animais selvagens, oc:rnendo cru e se devorando uns
aos out.ros ••• O nodelo apresenta assim duas abert\.lr'as sinétricas,
una .
pelo alto outra pelo baixo, que desenhatl neste canpo concei -
tual duas orien~ cx:>ncorrentes 1 cuja hcrrologia é destacada
pela preserv;a,· ern ambas as extremidades, de um mesno mediador:
Praneteu. Em um caso, pela ~do sacrifício, Prareteu asse
gura a passa~ da a:mensalidade da Idade de OUro a a1imentacrao
carnívora; oo outro, pelo roubo do fogo e a inveni;ao das técni
cas, Praneteu retira .a humanidade da vida se lvagem e a resgata
da bestialidad.e ••• " (1972a: 235-6, eu subli nho).
. que separa os h omens dos deuses, denunc i~.ndo o reg ime carnívoro
697
araweté: os deuses canibals
698
os seres do devir
gregos, ou s eja, que ela poe a condi9ao humana, nao só corno ínter
condi9ao humana "por cima e por baixo ": a palavra dos profetas pr~
sabernos desta religi_ao: mas seu impulso pode ser ainda encont ra do
699
araweté; os deuses canibais
'
700
•
BIBLIOGRAFIA
Abreviaturas
701
araweté: os deuses canibais
Obras
d'ABBEVILLE, Claud~
1975 - História da missao dos padre s capuchinhos na ilha do Maranhao e ter
ras ci-rcunvizinhas . Sao Paulo: Itatiaia/EDUSP.
ADALBERTO DA PROSSIA, Príncipe
1977 - Brasil: Amazonas-Xingu. Sao.Paulo: Itatiaia/EDUSP.
AGOSTINHO, Pedro
1974 - Kwarip: mito e ritual no Alto Xingu. Sao Paulo: EPU/EDUSP.
ANCHIETA, Pe. José de
1933 - Cartas, informa~oes, [ragmt!n~os históricos e sermoes (1554-15 94) .Rio
de Janeiro: Civili za~~ º Brasileira.
ANDRADE, Lúcia M.M. de
1984 - "Karowara: um conceito para se compreencier o xamanismo e a cosmolo
gia Asuriní". Comunica~ao apre se ntada no grupo de trabalho Cosmolo
gia Tupi, XIV Reuniao da A~A, Br a~Ília.
1985 - "Xamanismo e cos mólogia Asuriní: algumas consid e rá~oes iniciais".RA,
(27/28) :11 5-125 .
ARENS, William
1979 - The Man-eati ng Myth: Anthropolo'gy & anthropophagy . New York: Oxford
University Press.
ARNAUD, Expedito
1978 - Notícia sobre os indios Arawete, ~10 Xingu, Para. BMPEG n9 71.
ARNAUD, E. & GALVAO, Eduardo
1969 - Noticia sobre . o~ Ínpios Anambé . (rio Caiari , Para). BMPEG n9 42.
BALDUS, Herbert
1970 - Tapirapé~· tribo tupi no .Bra~il Cen tral. .Sao Paulo.: Nacional/EDUSP
. (Brasiliana, serie Grande Formato, vol. 17) . .
1976 - " O xamanismo na acultura<;ao de urna tribo tupi -do Brasil Central". In
E.Schaden (org.) , Leituras de 'etnologia brasileira, pp.455-485. Sao
Paulo: Naci ona l.
sALeE, ·william
1984 - The Persist en~ e cf Ka'apor Cultu.re. Tese de doutorado nao-publicada,
Co l umb ia University.
BASSO, Ellen B.
1973 - The Kalapalo Jndians of Central Brasi l. New York: Hol ~ , Rin ehart &
Win ston. ,
1977 - (org.) Carib- speaking Indians : Cultu ~e, society and language . Tucson :
Anthropolog ic al Papers of the University of Arizona n . 28 , Univers ity
of Arizona Press .
702
bibliografía
BATAILLE, Georges
1973 - Théorie de la ré iigion. París: Gallimard.
BATESON, Gregory
19.58 - Naven. ·2lJ ~di~ao. Stanford: Stanford .University Press.
1972 - "Metalogue : Why a swan?" In Step.s to · an Eoology of Mind, pp. 33-37.
New York: Ballantine.. '
BENVENISTE, Emile
1969 - Le vocabuiaire des institutions indo-européene~, vo ls. I e II.Paris:
Minuit.
BETTELHEIM, Bruno
1971 - Les biessures symboliques. París: Gallimard.
BLOCH, Maurice & PARRY-, Jonathan (or~s.)
1982 - Death and t.he Regeneration of Life. Cambridge: CUP .
BORGES, Jorge Luis
1960 - "El espejo de los enigmasº. In : Otr-as Inquisiciones . pp. 155-159.Bue
nos Aires: Emece.
BOUDIN, Max '
1978 - Dioionário de tupi moderno (dialeto tembé-ténetehar do aito . do rto
Gurupi), vols. I e Il. · Sao Paulo: Conselho Estadual de Artes e 'cien
c1as Humanas .
BROWN, Paula & TUZIN , Donald (orgs.)
1983 - The Ethnography of Cannibaiism. ·washington: Society of . ~sychological
Jmthropo logy.
BUCHER, Bernadette
1977 - La sauvage aux seins pendants. París: Hermann.
CAMPBELL, Al lan
1982 - Themes for Translating; An account of Wayapí Indian s of Amapa, Nor
thern Brazil. Tese de doutÓrado nao-publicada, Oxford University.
CANETTI, Elias
1981 - CroLXis and Power. Londres: Penguin.
CA.RDIM, Pe. Fern ao
1978 - Ti-atados da terra e gente do Brasil. Sao Paulo: Nacional/MEC (Bra s i
liana vol. 168).
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto
1981 - "As ' categorías do entendimento' na forma~ao da antropologia 1 ' . Anuá
703
araweté: os deuses canibais
1978 - "La part du feu: rites et discours de la mort che.z ' les Yanomami". Li·
bre 3: 103-133~ París: Payo t.
Cl.ASTRES, Pierre
1972 - Chronique des indiens Guayaki. París: Plon.
1974 - La societé contre l'état. Paris: Minuit.
1982 - Arqueologia da violencia: ensaios de antropologia politiqa. Sao Pau
lo: Brasiliense.
COOPER, O.E.
1975 - "Alternative logic in 'primitive thought '". Man, N.S.,. 10: 238-256..
COSTA, Romana Ramos .,
1985 - Cultura e contato: um estudo da sociedade Paresi no contexto das rela
c;oes interétnicas. Dissertac;ao de mestrado nao-publicada, PPGASÍMu
seu Nacional.
COUDREAU, Henri
1977 - Viagem ao Xingu. Sao Paulo: Itatiaia/EDUSP.
704
bibliografia
CROCKER, John C.
1977a -"Les réflexions du soi". Ver. Lévi-Strauss (org.) 1977: 157-184.
1977b -"My Brother the Parrot". In: J.D~ Sapir & J.C. Crocker (orgs.), 1'h ~
Social Use of Metaphor: Essays on the. antñropology of rethorie: 164-
-192. Filadelfia: University of Pennsylvania Press.
1979 - "Selves and Alters arnong t~e Eastern Bororo". Ver: D• . Maybury-Lewis
(org.), 1979: 249-300.
1985 - Vital Souls: Bororo cosmology, natural symbolism, and shamanism. Tuc
son: University of Arizon~ Press.
DANIEL, Pe. Joao
1976 - Tesauro descoberto no rio Amazonas, tomo 19. Río de Janeiro: Bibli o
.
teca Nacional (Separata dos Anais da Biblioteca Nacional, v . 95) .
DA MATTA , Roberto
1976 ... Um mundo dividido: a estrutura social dos indio ~ Apinayé.Petrópolis:
Vozes.
DE COPPET, Daniel
1981 - "The Life-giving Death". l!l: s. Humphreys & H. King (orgs.), Morta Zi
ty and Immortality ... ,' pp:T75-204. Londres: Academic Press.
DELEUZE, Gilles
1969 - Différence et répétition. Paris: PUF.
1974 ·- Lógica do sentido. Sao Paulo: Perspectiva.
1974a -"Em que se pode r:econhecer o estruturalismo?". In: F. Chatelet(org.),
História da F1'.losofia, 8 ("O Século XX"), pp.271-303. Río de Janeí
ro: Zahar.
DOOLEY, R.A.
1982 - Vocabulário do Guaraní. Brasilia: SIL.
DOUGLAS, Mary
1971 - De la souillure. París: Maspero.
197 3 - Natural Symbols_. Londres: Penguin .
DUMONT, Jean-Paul
19 76 - Under the Rainbow: Nature and superna ture among th·e Pana r e Indians.
Austin: Uníversity of Texas press .
DUMONT, Louis
1971 - In trcduc t1:on a deu x théorie s d'anthropoiogie socW.le. París: Mouton.
1979 - "Vers une théorie de la hierarchie". In: Homo Hierarchicus (Posfacio
a edic;ao da colec;ao "Tel"). Paris : Gallimard.
705
araweté :.os deuses canibais
DURKHEIM, r.mi le
1968 - Les formes élémentaire ñ dt: la vie ré?.ig1:eu:;e . Par .i s: PUF,
19.69 - clour-nal sociologique. París: PUF.
1973 - Dt? la division du travai l social. París~ PUF.
DUVERGER, Christ ian
1979 - La fleur létale: économie du sacrifice azteque. París. Seuil.
EVANS-PRITCHARD, Edward
1956 - Nuer Religion. Londres: Oxford University Press.
1978 - Bruxari<i, oráculos e magia entre os Azande. Edíc;ao resumida por ·Eva
Gillies. Rio de Janeiro: Zahar~
d'eVREUX, Y.ves
1894 - Viag em ao ~wrte do Brazi l feita nos annos de 1613 a lv14 ..• Sao Luís:
sem ref. editorial.
1929 - Viagem ao norte do Brasil pelo padre Ivo d'Evreux. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos.
FE:DIDA., Pierre
1972 - "Le cannibale mélancolique". NR?: 123-127.
FERNANDES, Fl orestan
1963 - Organizar;ao social dos Tupinambá. 2ª edic;ao. Sao Paulo: DIFEL.
1970 - A fun~ao soeial da guerra na sociedade Tupinambá. 2~ edic;ao. Sao Pau
lo: Pioneíra/EDUSP. ·
1975 - "Um balans:o crítico da contribuis:ao etnofrafica dos cronistas". In:
Investiga~ao etnológica no Brasil e outros ensaios, pp.191-289.
FERRATER-MORA, José
1982 - Dicc1:onario de Filosofía. 4~ edic;ao. Madri: Ali:anza.
FORSYTH, Donald W. ' .
1983 ·- "The Beginnings of Brazilian Anthropology: Jesuits and Tupinamba can
nibalism". Journal of Anthropologica.l Research, 39 (2): 147-178.
FOUCAULT., .Mi che l
1966 - Les mots et les choses. Paris: Gallimard~
FOX , James J •
1983 - "Category and Complement: binary ideologies and the organ1zation of
dualism in Eastern Indonesia". Comunic a~ao apresentada na conferen
cia sobre Organizac;;es Dualistas, Jerusalem. (datil .).
GALLOIS, Dominique T.
1980 - Contribuic;io ao es tuda do povoamento indigena .da Guiana bra~il eira :
uro caso especifico: os Wayapi. Disser~ac;io de mestrado nao publicada.
Depto. de Ciencias Sociais/F'FLCH-USP.
1984 - "Identificando Aña: notas sobre. o xamanismo Wayapi". Comunicac;ao a
pr e s ent ada no grupo de trabalho ~osmologia Tupi, XIV Reuniao da ABA-;
Brasilia. ~
11
1985 - 0 Pajé Wayapi e seus ' espelhos "'. RA, (27/28): 179-195 .
GALVAO , Eduardo E.
1979 - "Áreas cul turais indígenas do Brasil: 1900-1959". In: Encontro de DO
~· ic da.de t~ ( Í:ndio::> e bra.ncos no .Tiras1'tJ, pp.193-228. Ria de Janei
ro: Paz e Terra.
GANDAVO , Pero de M.
1980 - Tratado da terra do B1•a sil ; História da província Sa>n,a Cr«z . Sao Pau
lo: Itatiaia/EDUSP.
G IA~NOTTI, José A.
19 8 3 - Tr·aba ! hv e r ¿f l'íx~u : 1:risa 1'.os rxzT'a uma ·diri t .:fr ica da . . . ,11-.dad c./; •
-.::.1- Jr...• _,a;
·- ..... ....,.,..
Sao Paulo: Bras1l1ense.
706
· biblioqrafia
GILLISON, Gillian
1983 - "Cannibalism among Women in the Eastern Highlands of Papua New Gui
nes". Ver: P. Brown & D. Tuzin (orgs.), 1983 : 33-50.
Gl~D, René
1972 - f,a tn:oleH<'!t'. et l e sacré. P'a ris: Gra·sset·.
GLUCKMAN, Max
1949 - "The Role of the Sexes in Wiko Ci-r cumcision CercmonÍes". In: M. For
tes (org.), Social Structure: Essays presented t o A.R. Rádc l i ¡¡e-=
-Rrot.m. Oxfor·d : Clarendon.
GODOY, L. (org.)
1982 - "Textos fH:: hé: ciclo Mberendy con vocabulario anexo". li'..:vi;; la .j ,_¡ Cr:n
tro de t:s tudios AntropológicosJ Suplemento Antropológico vol. XVII
n9l. Asunción.
GREEN, André
1972 - "Le cannibalisme: realité ou fantasme agi?". NRP: 27-52.
GRENAND, Fran~oise
1980 - ú::J. l.angue Wayapi (Cuyane Pran<;ai::;e): phonolo~1: e et grW1maú·e . Paris:
SELAF/CNRS.
GRENAND, Pierre
1980 - Introduction a l 'étude de l 'un ivers Wayapi : ethtno-écolvgie des in
diens du Haut-Oyapock (Guiane Fran<;aise). París: · SELAF/CNRS-ORSTOH.
1982 - Ainsi parlaient nos ancetres : essai'.. d 'et'#no-histoire Wayap1'.. París:
ORSTOM.
GRUNBERO, Georg
1970 - "Beitrl::ge zur ethnogrphie der Kayabizcntralbra s iliens". Archiv fur
Vol.kerkunde, 24. Viena. (citado conforme tradu~ao s. d. de Eugen·io
Wenzel).
..
GUATTARI, Félix
1981 - Revolu<;ao molecular: ·pulsa9oes politicas do desejo. Sao Pau lo: Brasi
1 iense.
GUIDIERI, Remo
197 2 "Peres et fil~". NRP: 85-10 9 .
1980 - !.<l r oule des morts. París: Seuil.
HAGE, Per & H.ARARY, Frank
1983 - Structural Models 1-r. Anthropo~ogJ. ?qew York: Cambridge University
Press;
H.ARNER, Michael J.
1962 - "Jivaro Sou ls". AA 64: 258-21·2.
1973 - '.!'he J-Ívaro: l'eopl e of the oaereJ. wa.t.cn~fal.l:J . Gar'den City: Anchor/Dou
ble<lay.
HENRY, Jules
1963 - Jung le PeopZ:e: .4 "1<.aingáng tribe of the High¿ands o f Era:::. i ! . New York:
Vintage .
H~RITIER, Fran~oise
1979 - "Symbol ique de- l 'inceste et de sa pr oh ibition". Ver: M. lzard & P.
Srnith (orgs .), 1979: · 209-243.
HERTZ, Rot 0r t _
1928 - "Contribution a une étude sur la réprésentation collective de la
mort". In: f.:é l aY?ge ;; de s ocinlog i:C' r>Íf?lt" u ieu:;L· a t f o U·i r}'r ;' . Pa rís·: Fé
1 i x Al ean.
707
arawet4 : os deuses canibais
HOLMBERG, Allan R.
1969 - Nomads o f t he Long Bou : the Siriono of !:'aster"'! /Jol ivia . . Garden City:
Natural History Pres s.
HUBER, Peter
1980 - "The Anggor Bowman: Ritual and society in Melanesia". Amrri c·an !·.'Utl!"
logi s t, 7 (1): 43-57.
HUBERT, Henri & MAUSS, Mar cel .
1968 - "Essai sur la nature et fonction d.u sacrifice". ln: M. Mauss, 0.::11.t>t•o:: a,
I, pp.1 93- 307 . París: Minuit.
HUGH-JONES, Christine
1979 - From lhe Mil k River: Spatial and temporal proce ace:; 1.n llorthuJea t Am1i
z onia. Cambridge: Cambridge University Press.
HUGH-JONES, Steph en
1979 - 1'he Pa l m a nd the Pleiadeü : Jn1:tia tion arid cor-mulogy 1.n Nor t.h1Jc i;t Amu
;;on1.a. Cambridge: CuP.
HUMPHREYS , Sally
1981 - "Death and Time". In: S. Humphreys & H. King (orgs.), Mort ali t y and
Immorta lity .. • , pp-.-261-283. LÓndres: Acad emic Pr e ss.
HUXLEY, Francis
1963 - Sel vagena amáveis . Sao Paulo: Nacional (Brasiliana, vol.316).
IZARD, Mi chel· & SMITH, Pierre (orgs.)
1979 - La foncti on S!Jmbolique. Par'is: Gallimard.
JACKSON, Jean
1983 - Th e Fis h People: L ingu is t i~ exogOJny a nd 'fukanoan identity 1.n ::c rt h
1Je st Amaz on i a. Cambridge: CUP.
KAPLAN, Joanna Overing
1975 - The Piaroa: A people of the Orinoco Basin . Oxf ord: Clarendon.
1976 - "Orientation for paper tapies" e " Comments" ao simposio Tempo Socia l
e Espac;o Social nas Sociedades das Ter~as Baixas Sul-Americanas. In:
Atas do XLII CIA . Paris .
1981a - Masters of Land and Masters of ~ater: Cosmology and social structure
among the Piaroa. Datilografado.
198lb - "Review Art icle: Amazonian Anthropol ogy". Jour>na Z of Lati'n American
Studies, 13 (1): 151-16 5 • .
1982 - Tile Paths os Sacred Words: Shamanism and the domestication of the
asocial in Piaroa so c iety . Comuni c ac;i o apresenta~a ao ¿impós i o Xama
nismo nas Sociedades Sul-Americanas ' das Terras Baixas: um prob l em~
de definic;ao . CIA. Man chester . (datil.).
1984 - "Dualism as an Expression of Difference and Danger: Marriage exchan
ge and re c iprocity among the Piaroa of Venezuela". In: K.M. Kensin
ger (org.), Mar•r•ia ge Prae tic:e:; 1'.n Lowland :.>oui h Amc r>iea, pp. 127-155.
Urbana: University of lllinois Pr es s .
KAKUMASU, H.Y.
19 77 - Dicionári o por tópicos Urubu- portugu e s. Belém: SIL.
KRACKE, Waud H.
1978 - Forc e and Per>suasion: Leadership i.n an Amazonian Society: Chicago:
University of Chicago Press.
1981 - "Don't Let the Piranha Bi te your ~iv e r: A psy choanal yti c: appr oach
to Kagwah iv (Tupi ) fo od taboos" . In: K.M . Hens inger & W. Kra cke
(orgs.) , Food Taboos i n :,ot.:Zand South America (Worki.ng Papers on
Sou th Ame rican lndians, 3) , pp.91-142. Bennington : Bennington Collet e.
1983 - "He Who Dr e ams : The noc turnal sourc e of powcr in Kagwahív shamanism".
Comunicac; ao apre sent ada ao simpósi o Xamanismo na s Sociedades Sul-Aml.!
708
bibliografía
709
,
araweté:
. . os·deuses
·.. canibais
Lt'.Vl-STRAUSS~ : C.
(org .. } .
1977 -L'Identité. Paris: Grasset.
Ll~NHAI<.Dt: , Goó ! rey
.·
· ' 1961 - D'ivinity and · Experience :. The religion- of the Ilinka .. .Londres: Oxford
Uníversity Press.
LlNS, El ~ i~beth T.
198.5 - t•M.úsica· e. xamanismo entre os ~ayabi do Parque do Xif}gu'l. RA, (27 /28):
127- 138.
LIZOT, Jacques
~9_73 - . "Ono~as.t.ique Yanomami ... L!f!omm.e , XlII (3): 60-71.
1976 - .Le ~~rcZe des feux: . faits ... e.t . dit·,s des indierw Yanomami. París: Seuil.
LOPES DA SILVA, M~ Aracy
1980 - Nomes e amig.o s: da pratica Xavant..e a urna reflexao sobre os· Je.
Tese
d·e doutorado n~o-pu\?licada, Depto. de Ciencias .. So.ciai.s, FFLCH-USP.
LYOTARD, J.-F. & TH~BAUD, J.-L.
19-79 - Au juste (convepsatioí:is J. Patis: .s·o
. urgois.
.
Mac DONALD, J. F. . .. ,
1965 - "Sorne Conside·rat ions about Tupi-Guaraní Kinsh i p . St r~ctur~s" .BMPÉC, 26.
MAUSS, Marcel
1950 - "Une catégorie de !'esprit humain: La pot~on de personne, ce.lle · de
'moi '". In: Soci() logie et a1'} t hropo-logie, pp. 331-3.62.
1969 - .. La religTon et les origines du qr_9it pén~l d'ap,res un livre récent".
In: Oeuvres., 11, pp. 651-698. Par-is: Minui t.
MAYBURY-LEWIS, David . . ., . _ _
1967 - Akwe-Shavante Society. New York: Oxford University Press.
{org.) 1979 - Dialectical Societies: . the Ge and Bororo of Ce.ntral Braiil-.
Cambr.idge, Mass.: Harvadl Uiliv·e rsit'y Pre-ss.
. ' · ·
MELATTI, Julio c.
1973 "O sistema de p·a rentesco dos indios Kraho" ~ UNB-SA, 38.
1976 - "Nominadores e g~n. itores· : ~um aspecto do duéili'smo Krahó". ·In: ' E.Scha
den (org.), Leituras de etno logia brasileira, pp.139-148.-sao Pauló:
Nacional.
·· 1978 - Rito s de W11a tr1'bo ·Timbira. Sao P~ulo~ Át i'~~-.
19'83 - •íA - ~ntropolo·gia no Brasil: um roteiro". VNB-SA, .38.
MELIÁ, Bartolome. .
1
1973 - "El pensamiento 'Guaraní de teon Cadogan". Sup l emento 1lY/.tror:o ló9i qC!,
VIII (1-2). Asunción.
1977 Bibliografía Guaraní. 'lJSP. (datil.).
1978 - "El que hace escuchar la palabra". In: A. Roa Bastos (org .. } •. lJ&s · Cu l
turas con!l-enadas, pp. 56-61. Mex.ico.: Sig_lo Vt; \ntiu~o. '
MELI.A,' B., GRlJNBERG; G • .& GRUNBERG, F.
1976 - Los PaÍ.-Tavytera: etnografÍ.a -Guaj;aní del Par-aauay cont. empuráneo.Asun
ci~n: Centro de Estudios Antropol~g í~os d~ la~ Uni versidad · Cat~l·ita.-
710
bibliqqraf~
'
MURDOCK, George P.
1974 - "South American Culture Areas". In: P. Lyon (org.), Native 501..t tl: ,:me
ricans: ethnology of the least-knoi..m continent. Boston: Lfttle,Browñ
& Co.
NEEDKAM, Rodney
1979 - Symbol ic Classi ficati on. San ta Moni ca: Goodyear.
NIMUENDAJU, Curt
19 32 - "Idiomas indígenas del · Brasil''' . Rev.i sta del rnstitu.to .~ ·t-rw l Ói¿ico de
la lh1iversidad !lacional de Tucwnán, 2.
1948 - "Little-known tribes of the Lower 1'.ocantins Rive~ Region" e "T,ribes •
of the Lower and Middle XÍngu Riv-er'.'. Ver: J. Steward {org.), 1948:
203-20.8; 213-24'3, .' . • ' .
1978 - Los mitos de crea.cion y de destru.ccion de l mundo como fundamento:;; de.
la religion de los Ápapoku.va-Guarani . · Lima: Cent ro Ama'zonico de An
tr o pología y Aplica cion Pratic~.
1981 - "Frag¡nent os de religiao e tradí~ao dos indi os Sipaia". Re l igi:Jo é :;tJ
ciedade, 7 : 3-47.
NIMUENDAJU / IBGE
·1981 - Mapa .é tno - Histór 1'.é0 df: Curt Nimuendaju.. Río de J aneiro: IBGE / FNPM-MEC.
NOVAES, Sylvia C. . .
1981 - " Tran~as, caba~as e couros no funeral Bororo (a propósito ' de urn pro
cesso de constitui~ao de idett tidade) ''. · RA (24): 2.S-40.
OLIVEIRA F9, Joao P.
1980 - Os atalhos da magia: refl e xoes sob re o relat o· dos natura l istas-vía
jantes na etnografía indi g~ na. Museu Nacional-, datilografado.
OVERING, Joanna
1984 - "Today I shall c all him 'mu1TU11y': multiple wo rlds and c lassific.a t o r .y
con fusi on ". ASA Mal inowsk i Centenn ia l Gonf e rence.
PANOFSKY, Erw i n
1970 - "Introduction: The History of Art a s a . Humanistic Discipl in e" . ln:
Mean.in g i n the Visual Arts . Londres: Penguin.
PEIRANO, .Mariza . ' .,
1983 - "A ant r o pol ogía esquec ida de Florestan Fernandes: os Tupin amb a".
. '
v 1~'.. B- .,J
CA , 3 7 •
11
' '
711
araweté: os deuses canibais
PHlLIPS, Susan
1974 - "Warm Springs 'Indian Time': How the reg-u lation of parti<:ipat i on
•ffects the progression of eventsi•. In: R. Baum~n & J.S~~rzer(orgs.),
Explol'ations in the Ethnography of Speaking, pp. 92-1 09. New York:
Cambridge University Press.
11
PHILIPSON, Jurg
1946 - "O parentesco Tupi-Guaraní". Sociologia, VIII (1): 53-62.
POOLE, Fitz J~hn P. .
1983 - "Cannibals, Tricksters, and . Wit ches: Anthropophagic imagc s among
Bimin-Kuskusmin''. Ver P.BrOWJ1 ' & D.Tuzin (orgs.), 1983: 6"-32.
POUlLLON, Jean
1972 - "Manieres de table, manieres de lit, manieres de langage". !JHP: 9-25.
RAMOS, Alcida R.
1974 - "Mundurucu: mudanc;a social ou falso problema?". UNB-:-SA, 10,
RAMOS, A.R. &.PEIRANO, Mariza
1973 - "O simbolismo da ca'ia .em dois rituais de nominac;ao". UNIJ- SA, 4.
RAMOS, A.R. & ALBERT, Bruce
1977 - "Descendencia e afinidade: o contraste -entre duas sociedades Yanoa
ma". iJNB-SA, 18.
REICHEL-DOLMATOFF, Gerardo
1973 - Desana: le symbo lisme _universe l des indiens Tukaño du Vaupes . Paris:
Gallimard.
1975 The Shaman and the Jaguar: A study of naraotic dr'Ugs a.mong the ln
dians of Colombia. Filadelfia: Temple University Press.
1976 - "Cosmology as Ecological Analysis: a ' view from the rain forest'·'. Man,
N.S., 11 (3): 307-318.
RIBEIRO, Berta
1981 - .,Histórico do contato do povo Araweté". Pora>:itim n9 34, ano IV.
1982 - Tecelas Tupi do Xingu. datilografado.
1983 - "Araweté: a india vestida". RA (26): 1-38.
RIBEIRO, Darcy
1974 - Uirá sai aprocura de Deus: ensaios de etnologia e indigenismo. Río
de Janeiro.: Paz e !erra.
RIVI~RE, Peter
1969 - Mar>riage among the 'l'rt1'.o: A p-rinciple of soc ial organization. Oxford:
Clarendon.
1977 - "Sorne Problems in the Comparative Study of Carib Societies" . Ver: E.
Basso (org.), 1977: 39-42.
1984 - l nd1'.vidual and Society in Guiana . Cambridge! CUP.
RODRIGUES, Aryon
1964 - "A classifica-;ao · do tronco lingüístico Tupi". RA (12, 1-2): 99-104.
1982 - "O tronco Tup~". PORANTIM, junho-julho.
1985 - "Relac;oes internas na familia lingllística Tupi-Guarani". RA (27/28):
33- 53.
ROE, Peter
1982 - The Cosmic Zygote. · New Brunswick! Rutgers University Press.
ROSSET, Clement
1979 - L'objet singulier. París: Minuit.
SAHLlNS, Marshall
1983 - ''Raw Women, Cooked Men, and other 'Great Things' of the Fiji Islands~
Ver: P. Brown & D. Tuzin (orgs.), 1979: 72-93.
1985 - I slands of Hi story. Chicag-0: University of Chicago Press.
712
bibliografia
SALMON, Merrilee
1978 - "Do Azande ano Nuer use a non-st.andard logic? ... Man , N.S . 13 ( 3):
444-454.
SCHADEN, Egon
1959 - A mito l ogia heroi ca de .tribos indigenas no Bras i l . Rio de Janeiro: MEC.
1962 - Aspectos [undainentai s da cultura Guarani. Sao. Paulo: DIFEL. ·
1982 "A reli"giao Guaraní e o cristianismó - contr i buic;ao ao estudo de um
processo históri co de comunic.ac;ao ínter-cultural". RA (25): 1-24.
SCHMIDT, Max
s.d. (1917) - Os Aruaques: urna contribuic;ao ·ao estudo do probl ema da difu
sao cultural. Museu Nacional, datilografado.
SEEGER, Anthony
1975 - (Ver Seeger 1980b: cap.6).
1980a -"Why we Need to Discuss Self and Person in Low l and So"th America:
what this symposium is all about". Comunicac;ao apresentada a Reuniao
da AAA, Washington, D.C.
1980b -Os indios e nós: estudos sobre sociedades tribai s brasilei ras. Rí o
de Janeiro: Campus.
1981 - Nature and Society i n Centl'a l Brazil: 'J.'he Suya Jndia_
n s of Ma to Gr os
so. Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
SÉEGER, A. & VIVEIROS DE CASTRO, E.B.
1979 - "Terras e territorios indígenas no Brasil". Encontros coma Civi l i za
~ao Bra s ileira. 12: 101-109.
SEEGER, A., DA l'.tATTA, R. & VIVEIROS DE CASTRO, E.B.
1979 - "A construc;ao da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras". BMN,
32: 2-19.
SHERZER, Joel
1980 - "Tellings, retellings, and tellings within tellings: the structuring
and organization of narrative in Cuna indian di scourse". Comunica
c;ao apresentada a
conferenci.a Oralidade, Cultura, Literatura, Discur
so. Centro Intérnazionale di Semiocic a e Linguistica. Urbino .
. SILVERWOOD-COPE, Peter
1978 (1980) - "<:osmologia Maku". Anuário An t r opológico 78 : 176-2 39.
SIMONDON, Gilbert
1964 - L'individu et sa génese physico-biolosique. Paris: PUF.
SOARES DE SOUZA, Gabriel
1971 - Tl'at ado de scritivo do Brasil em 1587 . Sao Paulo: Nacional / EDUSP (Bra
siliana vol.117).
SOARES, Marília F. & LEITE, Yonne
1986 (no prelo) - ••vowel Shift in the Tupi-Guaraní Linguistic Family: A ty
pological approach". A sai r em language Sciences , spec.ial i ss ue, vo l. 2.
SPERBER, Dan
1984 - Le .savoil' des 4nthropologues . París: Hermano.
STADEN, Hans
1974 - Du.as viagens ao Brasil . Sao Paulo:ltatiaia/EDUSP.
STEINER, Franz
1967 - Taboo. Londres: Penguin.
STEWARD, ·Julian H (org.)
1948 - Handbook of Sout h Amer ican lndian s, vo l ume 3 ("The Trop ical For est
Tribes"). Washington: Smithsonian Institution / Bureau of Ameri c an
Ethnology, Bulletin 143.
713
arawet~::. os deuses canibais
TURNER, Terence
1979 - "Kinship, Household and Conununity Structure ~mong the Kayapó". Ver:
Haybury-Lewis (org.), I979:179-217.
I979a -"The Ge and Bororo Societies as Dialeccical Systems: a general model ".
Ver: Maybury-Lewis
. . (org.),
. . 1979 ~i 47-178.
TUZIN, Donal~
1983 - "Cannibalism and Arapesh Cosmology: A wartime i~<!ident : with . the Ja
panese••. Ver: P. Brown & D.Tuzin (orgs.), 1983: 6- 71.
VERDIER, Raymo nd (org . )
r
1980 - La vengeanc:e dans les coeietéc extra-o(~c idental.es, tomo I. . Par is:
Cujas • .
VERNANT, Jean-Pierre
1965 - Mythe et pensée chez les grecs, vols. I e 11. París: Haspero.
1974 (1982) - Myth e et societé en Crece ancienne. París: Masp ~ ro. ,
1979 - "A la- table des horrmes ; rnythe de fondation . du sacrif i ce éhez Hesio
de ". Ver:. M.Detienne & J .-P.Vernan t . (org ~.); 1979: 37-13 2 . ·
1984 - " La belle mo rt et le c adavre outragé". Bullet in. de la So(' 1'.ri1.; d< 'i':1a
nato logie , (5 8-59}:4-18.
VERSWIJVER, Gustaaf
1983 / 84 - "Cicl os nas praticas de nominacsao Kayapo"; Rf·iP~XXIX: 97-1 24.
VIDAL, Lux
1977 - Mar te e ti i da J e wna s :.. ciedadc. ·fr;d{gena t-rasil .: ú·a . ·Sao Paulo: Huci
te c /EDUSP.
VIERTLE R, Renate B.
1976 - As a l deia s Bor or o : alguns aspec tos de sua or ganiza9ao soc~a l .Sao Pau
lo : Museu Paulista (S erie d~ Etnología vol.2).
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo B.
19 77 - Individuo e s oc ieda~e n o Alto · Xingu: os Yawalapiti. Disserta~ao de
mestrado nao-publicada, PPGAS/Mus~u Naciona l.
1978a -"Alguns aspectos do pe nsament o Yawa lapÍti (Al t o Xingu ) : classífica
~oes e tran s f o rma~o es" . BMN, 26. · · '
1978b -"Notas sobre a cosmología Yawalapiti". Rel-ig ~ao e ~;o (:iedade, 3: . 163-
-174 .
1980 - "Re ce~sao : Os Mortos e os Out.r os ". he iig~ac ~ Sociedade , 5: 2 51 - 255 .
1982 - "O territorio Arawet e" . Relatório apresentado a
FUNAI. datil o grafado.
714
bibliografia
WAGLEY, Charles
1940 - "World View of the Tapirapé Indians". 'J'hP. ,Journa l of A-ne rican Fo lklú
r e, 53. (210).
1916 - "Xamanísmo tapirape". In: E. Scha-den (org;), L.eit.ur>as de e l> 1 o l~; gia
braGileim, pp.236-267.'" Sao Paulo: -Naci o nal.
1977 - We.lcome of Tear·s : the 'l'apit>apé Tndians of Centr•a l l1ra z1:z.. New York:
Oxford University Pre ss .
WAGLEY~ C. & GALVAO, Eduardo
1946 - "O parentesco Tupi-Guaraní". HMN, 6.
1961 - Os indios Tenet ehara: wna cultu'f'a em tranüi9ao . Río de Janeiro: MEC.
W'ATSON, JAMES ~
1952 - " Cayua Cul turV Change: A study in accul turation and rne thodolo gy ". AA,
LIV (2), Memoi r ·73 ~
WEINER, Annette
1976 Women of Value, Men of Renown. Aust in : University of Texas Pr es s.
1980 - "Reproduction: A repla cement for re c iprocity''. American E'thn,1log1'.st ,
7 (1): 71-85.
715
AP~NDiCES
717
AP~NDICE I: ALDEIAS ARAWET~ 11. Kañinadl-oo ko f! Bacajá
( "CUia de K . ")
Esta lista de aldeias <::X:XTE9ª ern t orno de 1940- 45
12. Ñamire ri~ Bacajá
- ép:x::a de nascirrento dos principais informantes deste 13·. Ita pi:ki: 'f! Bacajá
aspecto da história do grupo. Ela inclui aldeias de dife ( "Ped.ra c:xnpri~")
rentes b locos territoriais e está, tanto quanto pa;sível,
14. Ita pfdi Bacajá
ordenada temporalnente . Serrpre que dispusenos de infonna
( "Pedra vennelba 11
)
~5 adicionais, estas sao indicadas: (a) éroca. aproxima
da; (b) blooo territorial; (e) ataques inimig::>s. Todos
ls . Toro.v2. ripa Bacajá
16 . Iareaka-oo l'tpa Bacajá
os oorres nao-tr.;iduzidos sao da fo.rma (Norre pessoal) +
11
" .
.
cla.Ssificatórias ou putativas. Os contornos oontínu-
.
os a circunscrever gtup::>s de pessoas vivas irrlicam a
casa a que pertencem.
SETORES DA ALDEIA ATUAL
721
SETORES I-Il
,.,, ....,-...,,...--
•= ;;::A
10
.
A l'º 1
A
=A
Bt •=•
'" •=• U4
"' 1n•
•=•
ISJ
'"
•=•Uf
1
1n
. ... ...
-
,.
et>, ... - ..
'
' '
---· . : ...
·• 11rn
... ...
IJ ' :
- ''"'·
r.s)z.•. '
1
:lll(U
-
.,
B 4•=•=•
'" ~ ''° I '" •=•'"
IU •
4 •=A
"' 141
~;, lsi ...
~·~I
~Q ~ ·AISl B
·-·-
..,,,, !.
A..=
U4
1
UT
(f.J&)
.
••
ISt
S.A l~ ~.)
~-, .. .. -- r.o
- ~Cf.4
~S1(1 .•
¿¡ ·•t(U
1
' . . . .l
- "'
-E ·- ·J
.
.
...
. - ... JD
e
-- , ... ,
- :1.e••
C::-" , -
1
,~ ci(f
D.
J•
.4•:
UI
0=6
111. 'fl
(o=6 ti . ..
/ -
1
eñ:.~o=~•
j ,. , 11 '"
4•...~
- ......~
~
l"I
••=~=o=•
"''I ~· 'l .•••
¡}~
O= ~• · O. 6
.,. l74
(f.f/t)
" ~·
\
ío-i~ó
Jet 1 '"
.¡~ 0-::6
,,, ... "' D
I -.- t(U)
I
/ o 1
~ 9, 9. 0=6 ~
// • n<U
• •<f.1/
•
~A5A ~
66 1 _I ' 1 ''//
ts CASA ~3
CA~A
7J
2.6 " CASA Z,
10
CASA~
"
ll
"C./\SA ~7 I {tQ 9,
CA !>1' 31
4•
CASA !>l.
' -
o194
u~
: •1 lfJl
(A!°IA lS o. o
••• •••
•
SETOR m
~~~r~-;==-====?===~========·º
----11-H=~~--=-i-h=;:;;::;:;;::;:===="·
A r--r---r---::--t--t-r____..;__r_-==:=======~·~·-~=-=-~·~-=·~,~:!
A =e
·-~ u• tt1
171 177
- ,., 111
A
B B
•=• •=•
1ü IM ltJ '" A =e
"º '"
~º'J1
•=•
"' "'
D
SETOR IV
u1 .....-------~--------~-------------~..-----~~¡
"'·~e-~-~,--~~~~---~-~~-----~----~=-~-r-~~~
•=•=•
••, ª'' '"
... ..-~~--~-~~~~~~~~~"----_:;;..~•:;;.::•~~..,-~~--'~·~='°::-~~~~-'J:---~-1""'1"-~-'1'-~--~---~~~-----~~--~~---__.t,.
Uf.-~~--~~~~~~-.. ~-----~~~-~---1'--~-~-~~-~.JJ'---~1"'~1'--'1'-~-.-----~~~~-----~-~~- --~-~ ••,
ltt ..,
-.-~~--'J"~~~...o..;,__.__;..~~·-~---~~-~~~~-'T~~~~~-...~
A A
•=
Cttll•)W-
.. lf.l/l1t---------"1"'----.,------~l .S)
n•
B
•=•
·~· 'º A=•-
'" < "'
111
..
- - - - - - - - - - - - - - - - - tH (f.T/I) e
-··
,.,,
1
L1,
-
J
,...
lo ¡
,
i. " J
CA~A IS
SETOR V
l"
cu
"."' ...
, ''"''.
A
,,, , .... f ..
(r.tli) ICll A
"'"'
(U)
, .. ''"ª'
11f"'
•
- - - - - ·uh)
•O/tfr/f
8 U4
ro 1
1 ,. 1
.. .J
e J------------7'
e
CASA 41
D D
SETOR VI
....;¡
~
C1'
A
11'
•=l
.tU ,Uf ·-1
.I~ 4\1
A
uo ,.,,,,"'
-=•
.uo •=•
.l'S
.;i " "
.A-•
1'.t .Jf-f fSl =•
iSS
-·
llS
.OJ,IOJ
"° '"
=•
4 f.l/lt
B 1 B
•=•
J'O J't4
J5t ~51 us
e
(rf1r.-·- ·- ·- ·,
i
"1---..:-......J~-
(1.t(J) '
1
! A=O ...
c•s•ul.)TAÍ
. U tHi
i ·~ '° (f.l/l) •
i
'i J
-·-· ·- ·.. - ·-;,
D / CASA 5 D
n
6= ;
' ' ,,, !
V.S• IJ ¡'
'
;' 11 1f
(U)~-· ; C.1.51. SA
SETO RES VII-VIII
'" "'
1
A2e
rn--------~----------'1'---~-----------:""'.;..._
l_ .•
Zll ZZZ
_...,l'-----------r-----,r--_..;.------------~"'
•"«-------------..,..--------,
(f.~------------..---'11'-------..,._--.-------------'l'--------...:..;.;:::....¡...;:.;.;__-i,_,_:.;;.:;._ ___
<r.••11----..---------l'---l'------'l'---'1'-----~--------'l"--.....,.-------"l'----"1'----.--'1'------- ...
=•
,,, .,,
A A= A
''' tao
•=•
ltt 14' (t.11
UJ "'
4•------------4
B
!=,..
re 61
''" "! ~
e
A
U7
D
,
...:!
to.>
00
e-o / 8 I f.7-8 o / 18
l. Moidlma- ro
2. Moidlma-hi
H I
M I
1 I f .6
1 I f .6 e-o I
30
25
25.
26.
-
Arita'~-no
Arita•¡-hi
H /
M / 8 I f.7-8 o / 18
3. Mira
-
4. Kad!ne-kañI
H I
MI
1 I f .6 D I 5
1 I f .6 o / 3
27.
28.
-
Arariña-no
Arariña-hi
H I 9 / f.7-8 B-C I 40
M / 9 I f.7-8 B-C I 30
5. Irano-ro H I 2 I f.7 e-o / 35 (ver f.1-2. io·2. 108)
6. Yowe'l-hi M/ 2 / f.7 e-o / 30 29. Miri:aka H / "9 I f.7-8 o I 8
3 / f .6 e-o / 25 M I 9 I f.7-8 o/ 5
7. Iadlma-ro
-
8. Iadima-hi
H /
M/ 3 / f .6 e-o l 18
30. rci-kañi
-
31. Picinga- .
- H / 9 / f • .7-8 o / 2
9. Iad!ma M/ 3 / f.6 o / 3 32. I!Pl-'do H / 10 / f.4 o/ 25
10. Towañiway H / 3 / f .6 o / 1/2 33. Iaplf-hi M / 10 / f .4 D / 25
11. Toroti-ro H / 4 / f. 7-8 e / 35 (ver f.1-2, 72)
12. Tapldor!_-hi M/ 4 / f.7-8 B / 40 34. Maiyicic!-kañI M / 10 / f. 4 o / 4
13. Mal-kañI M/ 4 / f.7-8 e-o / 7 35. KañI-newo-ro H / 11 / f.4 D I 25
,.
4 / f.7-8 e-o / 4
-
-
14. KañI-poka'e
-
15. Iriw~p!!i-ro
M/
H / s / f .6 e / 40 36. Kañi-newo-hi
(ver f.l-2, 136)
M / 11 / f.4 o / 18
16. Iriwip~i-hi M/ 5 / f .6 C-D / 35 37. Kañi-newo M / 11 / f.4 o / l
,
17. K~rereti . H/ Sa / f.6 o / 12 38. Toiyi ,_ H / 12 / f.4 e / 35
18. Tareara· M/ 5 / f .6 o / 4 39. Mar.i pa ' i -no H / 13 / f.4 e / 45
-
19. KañI-pay~-ro H / 6 / f. 7-8 B-C / 35 40. Tapay~-hi M / 13 / f.4 e / so
20. Tawicire-hi MI 6 / f.7-8 B-C / 40 41. Kin~ H / 13 / f .4 D / 4
21 . Ayo M / 6 / f. 7-8 D / 5 42. Araiyi-kañI-no H / 14 / f.4 e / 50
,
22. Pocihe M / 6 / f.7-8 D / 2 43. Iwa-may~ M I 14 / f.. 4 e-o / 30
2 3. Kamaraéi H / 7 / f.7-8 D / 14 44. Moneme' !-do H / 15 / f . 4 e I 30
24. Yowe'l M/ 7 / f.7-8 o / 12 45. Moneme'I-hi M / 15 / f.4 e-o / 28
-
I
.. ..... .. ..
46. · Monem~' 1-ti-piha-kañI M / 15 / f.4 D / 5 69. Yiriñato-ro H/ 25 / f.3 B-C / 35
47. Kañi-mara-no H / 16 / f.5 ~-O /30 70. Arado-hi M¡ 2s / f.3 e-o¡ 45
48. Moy-piki M / 16 / f .5 C-D / 10 71. Moiwera H / 26 ¡ t.1-2 e-o ¡ 30
(ver f . 1-2, 108) 72. Maria-hi M/ 26 ¡ t.1-2 e-o¡ 40
49. Moyn~i'o-ro H / 17 / f.4 C-D / 40 73. Neña-hi M / 26 / f.1-2 D / 7
50 . Mad!p~'!-hi M / 17 / f.4 C-D / 35 74. Kanopi~-ro H ¡ . 27 J f .1-2 e-o/ 40
51. 'l'emek~ M / 17 / f.4 D / 6 75. K~wiay!.-hi M / 21 ¡ f.1-2 e-o/ 40
•
52. TaramI H / 17 / f.4 D / 2 76. Ey2. H / 27 / f.1-2 O/ 9
53 . Irawadl-do H / 18 / f.4 D / 20 77. Kanopi~ H / 27 / f.l-2 O/ 6
54. Irawayi-hi M / 18 / f.4 D / 20 78. Tod!na H / 27 / f .1-2 O /3
55. Ticinea H / 18 / f .4 D / 2 79. Moiraw!-do H / 28 / f.1-2 .. C-D /45
56. Ta ' ia-ro H / 19 / f.S B-C / 40 80. Mopita-hi M ¡ 28 ¡ f.1-2 e-o ¡ 45
57. Ta'ia-hi M/ 19 / f.5 C / 35 81. K!:p~ira H / 28 / f.l-2 D / 11
58. Kanoe H / 19 / f .5 D / 6 82. Kañi-ma! M / 28 / f.1-2 D / 8
.......
H / 20 / f.3 C-D / 50
- -
83. Kac!-oho H / 28 / f.1-2 D / 3
59. Moipara-no
60. Ap!dima-hi M / 20 / f.3 D / 18 84. Tamo-ro H / 29 / f .1-2 e-o/ so
61. Arawete H / 21 / f.3 C-D / 25 85. Tamo-hi M / 29 / f,1-2 C-D / 45
62 . Teredeta- kañI M ¡ 21 ¡ f.3 e-o/ 35 . 86. Ap2_ H / 29 / f .1-2 D / 6
63. M'oipara H / 22 / f.3 D / 20 87. Moiyiwa MI 29 / f.1-2 D / 4
64. Y±riñato M / 22 / f.3 D / 15 88. Yarayi-kañI M / 29 / f.1-2 D / 3
65. Na'1 H / 23 / f.3 D / 14 89. Merereti H / 30 / f.1-2 D / 18
66. Iwa-kañI M / 23 / f.3 D / 13 90. K!:rere M / 30 / f.1-2 D / 14
67. Arariña 24 / f.3 D / 13 91. Mita-hi-piha H / 31 / f.1-2 C-D / 55
ti /
-
92. Mita-hi
- M / 31 / f.1-2 C-D / 40
(ver f. 7 - 8, 2 7, 2 8)
68 . Arariña-kañI M / 24 / f.3 D / 11 (ver f .4 , 49)
9 3 . Pateka H / 31 / f.1-2 D / 8 118. fla-maf-hi M / 39' / f .6 C-D / 50
'
q 4. Kañi-ayo M / 31 / f.1-2 D / 6 11°9. Irayi-oho. H / 39 / f .6 D / 9
q s. Ta p ldaiw!-k a~I M / 31 / f.l-2 D ! 4 120. Cere'r m!6I H / 40 / f .6 D / 13
96 . Takayarna-ro H / 32 / f.1-2 D / 28 121. Yap!dafw!-kañi M / 40 / f.6 D / 12
97 . KañI-wid!-hi M / 32 / f. l-2 C-D ! 30 122. Iatadr-no H / { . 5 C / 30
41 /
- -·
9 8 . Madeh a H / 33 / f.1-2 e-o/ 20 123. Homi-hi M / 41 / f.5 e I 40
99. Apit e M/ 33 ¡ f .1-2 e-o/ 15 124. Kañi-b!eH'. M / 41 / f .5 D / 9
. ~
M / f.3 B-C
144. Mopito-ro H / f.l-2 D
- . :
145. Moira-hi M / f.1-2 D 110. Y'e teweri-no
.. - H / f .3 B
-
; ·f:l-2 D 171 : Tayopi-hi
. M / f.3 B (f .5 A-B)
146. Mita-no H
- - M / f .5 B
200 .. Karamrra-no H / f.3 B-C 224. Maña to-ro H / f .5 B
M / f .4 A
-
201. Dece-hi 225. Mañato-hi M / f .5 B
202. De ce-ro H I f. 4 A 226. T1arayi-hi r.j / f .5 A-B
203. Ip~-p!:ki-ro H / f .4 A-B 227. Ti:arae.f-do H / f .5 A-B
'
204. Temekf-no H I f .4 A-8 228. Moneme-ña-kani-
- _,
205. Temekf-hi M / f .4 A-B no H / nao repres. (F 226. f~S A-B)
206. Kaiyi-hi M I f. 4 B-C 229. Monerne-ña-kañI-
20 7. Ita-hi M / f. 7-8 A-B (=280)
- - 226)
hi M / nao repres. (M
208. Mamaña-yo-kañr- 230. Pacl'.c!-no H / f .5 B
no H / f . 4 B-C 231.
-
Aradi'ma-ro H / f .5 B-C
-
209. KañI-kica-hi M / f. 4 B 232. Tarep!-zto H / .f. 5 A-B
-
210. .Aymi-hi M / f . 5 A 2 3 3. Iwa-may~-ro H / f .5 A-B
2J4. TarepI-hi M / f .5 B 261. Tanayi-h~ M I f .6 B-C
2.35. Iwa-mayo-hi M/ f .5 A-B 26.2. Tanayi-r6 H / f .6 B-C
236. Mo-iwito-ro H / f .6 B-C 263. Awf na-no H / f~ 6 A-B
-
237. Mo-iwito-hi M/ •f. 6 B-C 26 4. Mano-hi M/ .f • . 6 A-B
238. Mik:tra-no H / f .6 B 265. Mano-ro H / f .6 A-B
239. Mik;;ra-hi MI f .6 B 266. Koira-hi M / f .6 A
240. Tayopi-ro H / f .6 B 267. Yowe'.t-do ·H /. f. 6 e-o (f.7-8 C-D)
2 41. TaranI-hi M / f .6 B 268. Moira'i-no H / f. 7-.8 B
-
242. Ira-kica-no H / f .5 B-C 269. Moira'Iñi-hi M/ f.7-8 B..
- -
243. I ra-k.i:ca-.h i M / f.5 B-C 270. Modfda-ro f.7-8 A-B
-
2 4 4·. Koho-hi
-
M / f .5 A 271.
-
Tawf--no
H /
H / f.7-8 supra A
245. KañI-nadf-no H / f .4 B, f .5 A-B 272. Tawf-hi M / f .7-8 supra A
- .
246. Kañi-nadf-hi M / f. ·4 B, f .5 A-B 273. Modfda-hi M I f. 7-8 A-B
2 4 7. Marikai·-ro H / f .6 B-C (f .4 B) 274. KañI-wid!·no
2 48. Arac!me-ro H / supra A
f .5
-- -
275 • . Iakoati-ro
H /
H /
f .1-2 C-D, f.7-8 B-C
~.7.8 A-B
-
249. Arac!me-hi M ./ f.5 supra A 276. Iakoati-hi M / f. 1 ... a A-B
- -
250. Parapici-hi M / f.5 A 277. Tapfdorí-no H / f.7-8 AB
251! Irayiwa-no H . / f .6 e 278. Tawicire-ro / f. 7-8 B-C
252. Iwa-topí-.hi M / f" 6 e 279. Ita-no
- H
H / f. 7-8 A-B
25 3. rrayiwa-hi M/ f .6 e
254. Yi:riñato-hi M. / f .6 B-C 281. Tapaya-hi / f .1-2
- M A
255. Yi:riñato-ro H / f .6 B 282. Ita-nopf-do H / f .6 B
•
256. M:tr:taka-hi M / f .6 B 283. Ita-nopf-hi M/
- f .6 C-D
f .6 B
257. Tap!na-hi M I 284. Tamoi-ro H / f . 1-2 A
258. T~ptna-no H / f .6 e-o 285. Madapf-hi .M / f .1-2 A
259. f.la-ma!-do H / f .6 G-D 286. Tiwaw!-hi
- M / f .6 e-o
-..J
~
-
~ -260. Manayi-hi M / f .6 A-B
APf:NDICE III: SI'hJ7\c;r~o Dl\S ,RCQ\S
(ano agríoola 1983-4)
•
..
i50
Distinguern-se tres graus quanto a posi~ao r~
lativa das r~as (ou casas que as plantam): oyo-pi
'
sao ~as conexas, servidas por urri mesiro cami~o;
oyo-api sao rcx;as anexas, separadas por urna divisa
de paus nao-derrubados; e oyo-pitiwa se d.iz de urna
(:~1)
rcx;:a conjunta, aberta por. mais de urna familia con =o-6
jugal. · Tais graus correspon::len . a distancias so ·~7
ciais decrescentes entre as familias - e sao eres
c~ntem~te mais consistentes nesta oorresporrlencia.
o o 109 · HO
Apenas as rcx;as conjuntas posSU611 uma ·existencia
I
"jurídica" reconhecida. I
I .
.... /
\
'\ 70 I ~S
' , ... ...;._1I
. 1
"
1
\
\
\
\
'\ 46
·60 Ht 0606
52 5f fH H5' ii6 H3
..
o~h
c1!!!} o
iOS 106
o(~h
6& 61
~6 ¿ 3.5
. 31
o~
131 1 ~o
.•
1
,J(J4T'~
1
•
º=
Yi''º •=•
1
1Si ZSl --'
i60 #6 = ,"''
,.,. Jºº ",. ..,_ --..
, " I '
'
6 ,/ ( 1) : ( 3 5) ~
12.Z. I
J
1
'U
/\_- ,' O-
- , I
6
51
0006
IZ.1 f24 f25 i2' ' , '-. 1l~,,,. /
o
___ 1
I'
1 ' ..... -
~--
L'
------ _,,,____ --
4 ,'
~
f 0)
;
,,,/
,,\
INDICE
ANALÍTICO E ONOMSTICO
737
indice
738
índice
.
SILVERWOOD-COPE, P. 474
AMANAY~ 139 ..
SIMOND<lJ, G. 122
ANAMB~ 137
SOARES, M.F. 145
SOARES DE SOUZA, G•. 385,_438,442,459,488;
ANGGOR 6.49, 66 7
646,648,660,664,6~,,690 ' AP APOCUVA (G~ara~i) .83., 90, 10.o '-1,196, 2_0·2, 223-
SPERBER, D. 65, 121,212 - . '
-4, 238, 386, 615, 639-40
APIAKÁ 139,
SPINOZA, B. 230,481,679
APINAY~ 13 7, 469
STADEN; H.' 34~:-50,385-6,537,6it,625,657,
65~-61,663 '' . ' ARAPESH 222
ARARA. 137-9, 175
STEINER, F. 258
ARUAQUE 84,97,139
STEINMETZ, M.R. 653,658
ASURINI 42-3, 71, 113, 130, 133, 135-6, 139, 143-4,
STEWARD~ " J .H. 82, 148
147,156,166-8,174-5,208,221,255.258,286,
STOCKING, G.W . . 108
291,577,588-9,611,636
TlifBAUD, J.-L. 549 . AZANDE 49
THEVET, A. 84, 350, 385..;6, 435, 439, 485, 488, AZTECA 649
537,597-8,646-8,655-7,662,664,671,674-
BARASANA (Tukano) . 602
- 5. 6 77. 6 80 • 6 83:- l(, 688 ' '
THOMÁS, ·D. 411
BORORO 29,36,57,114,120,287,384-5,390,436,
45 7 ,4 71,4 88,490. 502 ,_518, 616, 6.25-6, 682, 68&
TURNBULL, C. . 46
TURNER; .T. 98, 686. CARIBE 31,106-7,137,287,365,407,411,682
TURNER, V. 45 7 CURUAYA 143, 175
TUZIN, D. 222
DINKA 209
VALADAO, V. 314 DOBU 502,528
VALE, L. do 690
FATALEKA 123,475,6.17-B
VERDIER, R. 653;6 71
VERNANT, J.-P. 53,116,301,498,525;649,671,
FIJl 610, 648-9
697 GIMI 528 ,6 78
VERSWIJVER, G. 389 GOROTIRE (KayapÓ) ' 141
739
Indice
740
índice
741
índice
Cos rnologia Tupi- Guarani (TG) - 35, 76, 90, FOGO - 189,192,276,343,445,472-3~487,511;
101,105,114-7,258-9; patamares cósmicos . e canibalismo 613-4,697-ss.
197,202; catacli s mologia 196- !3; modelo da
GAMBA - 224-5,242,501,503-4,614 - 5.
203-4,613,627-8;· e recusa ·da afinidade 43'7;
e valores "cu~inários·.. . 488; analise c0mpa- ._ GAVIAO - carrapateiro 189-90; tesoura 238; ·
rada .62p-:.46; .H..Clastres ~ . a 643-5; e estru acau¡ 241. ' .
tura social 24 -'5,106-13,1.15-7,126:-7,437, -
626-48,666- 71,689,6~2~ conclus¡o 699~7b6.
GU4RIBA - : 20~i2~0,330,35~-9,3~0~584. Ver
Xaman.i smo ..
Cosmologia e e st.rutura social. Je -
29-
-32, 35, 76,90, tl5,2Q0, 389-90,613~682. GUERRA~ J4; dant;á de -289-90,581.- 2,593;. ex ·
Cosmologías ·da Guiana - 32,437, 407,411, pedii;oes 578-'80·; trofeus 579; e'· afinidade-:-
437 ,681-.2.. . . 642 ; ·· e o ca ti vo Tt'.ipinamba 1¡.3~·4. ,349, 350',435,
Cosmo logía e o r~··gime da 9 iferen.c;a - 32, 661~4 9 64 7, 682-4; Flores tan sobr'e a 86-8 ,: .
45-7,301 , 362-4,384-90~436 ~ 7,527-9,66J-8, , . 650-ss.
681-2,692-3. .
/IA'O wE - de animais 235,343,359·,510-'t'; e
CRU, COZIDO, 'MOQ!JEADO;. PODRE:.... 220 ·, 2,60,270, ·' xamanismo 359-60,534 ~ 541'"'2; do · jagua-r 598-9.
.. ·.. . ,
321-2,341-3,347--'8,351,361-2,487-8,496,521:.... · • e
742
índice
743
•
o
'12 Indice
744
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
Sobre o autor
. , \