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Sandra C. A. Pelegriní
Pedro Paulo A. Funarí

O QUE É PATRIMÔNIO
CULTURAL IMATERIAL

I '

São Poulo

editora brasiliense
Copyright © Sandra C. t\. Pelegrini ••
c Pedro Paulo A hmari, 2008
Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada,
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armazenada em sistemas elelri"micos. fowcopiada.
reproduzida por meios mecànicos ou outros quai�quer
sem autorizaçiio prévia da editora.

Primeira edição, 2008 SUMÁRIO


6' reimpressão, 2014

Diretora E<litorial: Maria 'fi!resn B. tle Lima


Editor: lt4ttx Welcma11
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . • • . . . . • . . .. .. . . 7
I.SOBRE A CULTURA E O PATRIMÔNIO . . . . • . . . . . . . . . . . . . . • . . . II
Revisão:/14ariJtrla NJbrtga
·Capa: Fmwndo/'im 11. A DIVERSIDADE CULTURAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . 21
Sobre Lwuit� de Rugcndas, I !135
IIJ. A UNESCO E A SALVAGUARDA DA CULTURA TRADICIONAL
Dados lntem:ocionais de Cat:ologuçiio "" Publicaç�o (CIP) E POPU LAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3I
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Hrasil)
IV AS IDENTIDADES E AS POLÍTICAS PRESERVACIONISTAS . . . • . . . . . 37
Pelegrini, Sandra C. A.
O que é património cultural imaterial/ Sandra V 0 PATRIMÔNIO IMATERIAL E A CONVENÇÃO DE 2003 . . . . . . . . . 45
C. A. Pelcgr ini, Pedro P:wlo A. Funari --
São Paulo: Brnsiliense. 2013. --(Coleção VI. 0 RECONHECIM ENTO DA IMAT E RIAL IDA D E ,
Primeiros Passos ; 331) DAS TRADIÇÔES E D O S SABERES ...... . . .... 53

ISBN 978-85-11-00149-5 VIl.As OBRAS-MESTRAS DO PATRII\1ÔNIO ORAL E IMATERIAL ...... 57


I. Arte- ArasiI 2. Hrasil • Usos c costumes
3. Cultura • Brasil 4. Cultura popular· Br:1sil VIII. CULTURA, EDUCAÇÃO E CIDADANIA . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . 65
I. F'unari. Pedro Paulo A.. TI. Titulo. 111. Série. [•
IX. 0 REGISTRO DOS BENS IMATERIAIS BRAS IL E IROS ............. 73
08-06126 CDD- 306.40981
X. A REL IG IOS IDAD E COMO FENÔMENO CULTURAL . . . . . . . . . . . . . 83
indice� para catálogo sistemático:
I. Patrimônio cultural imaterial 306.40981 XI. A DIVERSIDADE RELIGIOSA BRASILEIRA: TRADIÇÔES E SINCRETISMOS . 89
XII. A BELEZA, A VITALIDADE E O VALOR DO PATRIMÔNIO CULTURAL . . I 0 I .

INDICAÇÔES PARA LEITURA . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . • . • . . 105


editora brasiliense lrda
Rua Ant ónio de Barros. 1839.- Taruapé SOBRE OS AUTORES . . . . . . . • : . . . • . . . • • . . . • • . . . . • • . . . . . • . 113
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INTRODUÇÃO

Este livro tem como objetivo introduzir o leitor em um


universo ainda pouco conhecido em nosso meio: o patrimônio
cultural imaterial. Não se trata de esgotar as questões, mas
n
apresentar um pequeno manancial que permita ulteriores
aprofundamentos. Por este caráter introdutório, começamos
por tratar dos conceitos essenciais e procuramos, na medida
do possível, discutir casos da nossa realidade quotidiana no
Brasil. O leitor encontrará, assim, tanto as definições essen­
ciais sobre cultura, patrimônio e imaterialidade como as refe­
rências essenciais às discussões contemporâneas, no mundo e
no Brasil, sobre os bens culturais intangíveis.
Antropólogos, sociólogos e historiadores vêm se debru­
çando sobre o estudo de distintos povos e etnias, seus usos e
costumes, desde longa data. O reconhecimento do patrimônio
imaterial da humanidade pela Unesco e o incentivo ao registro
dos bens imateriais de diversas comunidades humanas, desde
meados do ano 2000, desencadearam o desenvolvimento de
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......
8 Sandra C. A. Pelegrini & Pedra Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 9

pesquisas sistemáticas sobre o tema, que, em última instância, Se a apreensão dos bens culturais imateriais como
visam contribuir para o levantamento, a catalogação e o regis­ expressões máximas da "alma dos povos" conjuga memórias
tro de vivências coletivas que envolvem as diversas faces da e sentidos de pertencimento de indivíduos e grupos, eviden­
vida social desde os tempos mais remotos até a atualidade. temente fortalecem os seus vínculos identitários. Entremen­
A relevância dessa entusiasmada disposição se justifica tes, as contínuas intimidações às tradições culturais e a vio­
pela dimensão que os bens imateriais ou intangíveis assumem lência imposta ao meio ambiente, tão prosaicas na contempo­
na compreensão da natureza e das visões de mundo das raneidade, têm sinalizado a necessidade dos cidadãos de
sociedades humanas no presente, no passado e no futuro. Ao exercerem seus direitos e se mobilizarem em favor da prote­
usufruirmos formas singulares de celebração e conhecimento ção das tradições populares e dos múltiplos e plurais bens cul­
nós retomamos parte de nossas identidades comuns. A trans­ turais de toda a humanidade. Vestígios arqueológicos, obras
de arte, monumentos e expressões da oralidade popular têm
missão de saberes às novas gerações e a perspectiva de valo­
sido alvo de vândalos e do descaso dos conglomerados capi­
rizá-los tendem a contribuir para a elevação de nossa auto­
talistas que tendem a homogeneizar as paisagens culturais e a
estima e para a retomada de tradições milenares.
massificar os costumes no mundo todo. Na tentativa de
No caso brasileiro, a fruição dos bens imateriais revela o '
difundir a riqueza do patrimônio imaterial, esse volume apre-
prazer da retomada dos bailados e das cantigas, da alegria de ..
senta inicialmente uma detida discussão sobre o conceito de
ritmos como o samba de roda, o frevo, o maracatu, o tam­
cultura e de patrimônio, retoma as recomendações da
bor, entre tantas outras formas de expressão e musicalidade. Unesco e entidades afins devotados à salvaguarda da cultura
O ato de recitarmos versos, participarmos das festas do popular e da oralidade. Em seguida, privilegia a discussão das
Divino, das folias de Reis e dos festejos carnavalescos consti­ matrizes que informaram as práticas preservacionistas e as
tuem práticas incorporadas à nossa cultura. convenções que se ocuparam exclusivamente da proteção
Nossas celebrações, bem como os lugares que elegemos dos bens intangíveis e suas repercussões no âmbito da imple­
como sagrados, inserem-se num campo mais amplo de práti­ mentação de políticas culturais no Brasil.
cas coletivas que envolvem o sacro e o profano, o secular e o Trata-se de um projeto ambicioso que, sem dúvida, pro­
imediato. Essa amálgama de manifestações culturais cujas põe indagações que deverão ser retomadas em outras opor­
origens remontam aos períodos anteriores e posteriores à ..

tunidades. Todavia, a gama variada de problemas e hipóteses


colonização do Brasil reúne elementos que integram a mistu­ levantados no presente estudo nos levou a recorrer a docu­
ra presente em nossa "brasilidade". · mentos internacionais e naéionais de natureza distinta: decla-
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lO Sandra C. A. Pelegrini &-Pedro Paulo A. Funari
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rações promulgadas no âmbito europeu e latino-americano
(cartas patrimoniais) ; certidões registros e pareceres do
,

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional


(lphan); decretos-leis e à própria Constituição da República
Federativa do Brasil, além de matérias jornalísticas sobre o
assunto Espera mos assim propiciar uma leitura estimulante
.

e esclarecedora.
SOBRE A CULTURA E O PATRIMÔNIO

CULTURA: UM CONCEITO-CHAVE

A Unesco, organismo das Nações Unidas que


cuida da Educação, Ciência e Cultura, adotou, em
2003, uma Convenção sobre a Salvaguarda do
Patrimônio Cultural Intangível ou Imaterial. Mas o
que seria cada um dos conceitos implícitos nessa
declaração: patrimônio, cultura e imaterialidade?
Tudo parece começar com a cultura.

ÜS PRIMEIROS USOS DO CONCEITO DE CULTURA

Essa palavra é das mais antigas, sendo usada


em latim, há mais de dois mil anos, para designar o
.. \
cultivo da terra (de onde deriva o termo "agricultu­
·r a" ). O sentido é bastante concreto: plantar, cuidar
da plantação, colher, tudo isso faz parte da cultura .
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12 Sandra C. A. Pelegrini &-Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 13

Em latim, essa terminação - ura - era usada para a do). Um contemporâneo de Cícero, Salústio, lem­
criação de substantivos a partir de um verbo de brava que os antigos ao verem estátuas de cera de
ação. Temos ainda este processo de formação de seus antepassados eram levados a segui-las como
palavras ainda muito ativo em nossa própria língua. exemplos. Como em tantas outras esferas, após
Do verbo "desenvolver", surge o substantivo estabelecido um conceito, ele se metamorfoseia e se
·�desenvoltura" , que designa não uma única ação, transforma. Às vezes, nem percebemos suas on­
mas uma série delas. Isso significa que, na origem gens, como no caso da cultura.
da cultura, não havia apenas uma única ação con­
creta, mas várias. Embora sejam ações práticas,
elas se revestem, desde o início, de um caráter sub­ A CULTURA MODERNA
jetivo: colere significava cultivar, mas também cul­ A partir de meados do século XIX, o termo
tuar (os deuses). Não por acaso, a raiz da palavra é cultura volta a aparecer no vocabulário. Antes dis­
a mesma do nosso "colo" : algo circular (como o so, já se desenvolvia a noção de civilização, o ápice
pescoço, colo), que tudo pode englobar (por ser cir­ da vida refinada. Eram civilizados os europeus, por
cular), e que nos toca os sentimentos, por meio de oposição aos bárbaros, os incivilizados em relação
ações ftsicas concretas. ao resto do mundo. A civilização dependia da eru­
Foi o pensador romano Cícero (século I a.C.) dição, do trabalho de polimento, derivado da leitu­
que cunhou o mais antigo conceito da nossa cultura, ra, apanágio de poucos mesmo no mundo civiliza­
ao mencionar a cultura animi, literalmente, a cultu­ do. Por isso, os próprios pobres eram iletrados e,
ra, o cultivo ou culto do próprio espírito OLI da alma. daí, incivilizados. É nesse contexto que a antiga
Formulado desta maneira, este termo implicava palavra cultura foi reabilitada e adquiriu foros de
uma ação interior e/ou exterior. Por um lado, a preo­ filosofia, ao ser adotada na língua alemã como
cupação do indivíduo consigo mesmo é que o levava Kultur. Ao contrário de outras línguas derivadas do
a cultivar-se a si mesmo, como se fosse um campo a latim, como o francês e o português, em alemão
ser trabalhado. Para que isso fosse possível, era Kultur não significa nada em si: não lembra o culti­
necessária uma ação exterior: a leitura dos livros, vo da terra, nem o culto religioso. Tornou-se, por
mas também o aprendizado oral, e pela imitação dos isso mesmo, uma palavra eruditíssima voltada para
grandes gestos e ações (no sentido literal e figura- descrever, não se sabia bem o quê. Como afirmava
... ...
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14 Sandra C. A. Pelegrini &-Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 15

Herder, ao final do século XVIII, "nada é mais inde­ criar os italianos (Massimo D 'Azeglio: fatta /'/ta/ia,
terminado do que a palavra cultura". Herder dife­ facciamo gli italiani).
renciou a civilização das elites da cultura, que seria Para isso, era necessário difundir, por meio da
espontânea, dotada de simplicidade natural, aven­ escola, valores como a língua nacional e as supostas
tando a possibilidade de interpretação para o que origens comuns. Aí, reaparece a cultura. Por um
viria a ser reconhecido como folclore. Estava aber­ lado, o termo era reservado ao sentido nobre, para se
to o caminho para a miríade de sentidos que se referir ao mundo das letras. Por outro, havia que se
desenvolveram nos últimos dois séculos. Em um forjar o que seriam os costumes ancestrais de um
caso muito sintomático, o italiano adotou duas gra­ povo, dos analfabetos camponeses. Os ingleses, para
fias para se referir ao cultivo (coltura) e ao estudo não empobrecer a palavra culture, recorreram ao ter­
(cultura): era o esforço para diferenciar o aspecto mo !ore para criar o folklore: literalmente, os costu­
fisico, material e tradicional, do novo conceito, eno­ mes das pessoas (este é o sentido de folk, em inglês,
brecido por sua adoção em alemão. uma palavra bem pedestre e um pouco depreciativa).
O século XIX foi o grande propulsor do nacio­ Já os alemães preferiram manter a palavra cultura e
nalismo e não se pode separar a cultura da constru­ diferenciar a '�lta" da "Baixa" cultura: aquela erudi­
ção dos estados nacionais. A partir da Revolução ta e resultado do estudo, esta analfabeta e quotidia­
Francesa, no final do século XVIII, os antigos orde­ na. Essa dicotomia entre alta e baixa cultura, inicia­
namentos de origem feudal entram em crise. Os da nesse momento, está na raiz das disputas ainda
estados, baseados na fidelidade ao rei de direito divi­ em pleno século XXI, como veremos mais adiante.
no, são superados por um novo tipo de. formação Está na raiz daquilo que os alemães chamaram de
estatal: a nação. Sem rei para unificar os súditos, Ku lturkampf (guerra cultural ou, mais especificamen­
partia-se do compartilhamento de um território, lín­ te, a luta pela definição do que seja cultura).
gua e origem étnica. Nada disso havia. Era necessá­
rio criar tais unidades territoriais, lingüísticas e étni­
EM CENA: A ANTROPOLOGIA
cas. Houve casos extremos. A Itália fora criada
como nação sem que seus habitantes soubessem a Cultura, do ponto de vista da organização das
língua italiana (conhecida por 5% da população). ciências, é um conceito antropológico, antes de ser
Como se disse à época: criaêla a Itália, é necessário histórico, filosófico ou lingüístico. E a única discipli-
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16 Sandro C. A. Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 17

na acadêmica que assim se define: "A Antropologia to das nossas sociedades, a Antropologia surgiu para
quer ser a ciência das culturas de toda a Humani­ estudar o outro: a cultura dos outros. O contato ínti­
dade", como definia Jean-Marie Auzias na década mo com a diferença explica o interesse em entender
de 1970. Hoje, Marc Auge e Jean-Paul Collegyn como as pessoas agem em diversos lugares e perío­
confirmam e acrescentam algo: "Quando se fala em dos. O que diferencia o homem de animais aparenta­
Antropologia, entende-se a disciplina que trata da dos, como os símios? Roque de Barros Laraia descre­
diversidade contemporânea das culturas humanas". ve bem essa questão:
A incorporação da cultura por outras disciplinas,
cof)1o a História, passou pela Antropologia (a
Acompanhando o desenvolvimento de uma crian­
História Antropológica, tal como propugnada pelo
ça humana e de uma criança chimpanzé até o pri­
historiador Peter Burke). Antropológica porque bus­
meiro ano de vida, não se nota muita diferença:
ca incorporar "o conjunto das representações cole­
ambas são capazes de aprender, mais ou menos,
tivas de uma sociedade" (Pascal Ory). A própria
Convenção da Unesco subentende uma preocupa­ as mesmas coisas. Mas quando a criança começa
ção antropológica pela cultura. Examinemos, pois, a a aprender a falar, coisa que o chimpanzé não
contribuição da Antropologia para a conceituação consegue, a distância torna-se imensa. Através da
de cultura. comunicação oral a criança vai recebendo infor­
mações sobre todo o conhecimento acumulado
Paralelamente ao nacionalismo que visava à for­
mação de futuros cidadãos, expandia-se a ação pela cultura em que vive. Não falta ao chimpanzé
imperialista dessas mesmas sociedades industriais. A a mesma capacidade de observação e de inven­
conguista do mundo, por meio das armas na África e ção, faltando-lhe, porém, a possibilidade de co­
na Asia, ou por intermédio do domínio econõmico, municação. Assim sendo, cada observação reali­
no caso da América Latina, ocasionaria o desenvol­ zada por um indivíduo chimpanzé não beneficia a
vimento de uma nova disciplina que pudesse enten­ sua espécie, pois nasce e acaba com ele. No caso
der (e dominar) esses outros povos. Enquanto a humano, ocorre exatamente o contrário: toda
História estudava o passado de nós mesmos (os con­ experiência de um indivíduo é transmitida aos
quistadores europeus e americanos) e a nascente demais, criando assim um interminável processo
Sociologia voltava-se para o estudo do funcionamen- de acumulação (2006, p. 51-52) .
..... .. ...
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18 Sandra C. A. Pelegrin i & Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 19

A cultura consiste, pois, em transmitir valores Á CULTURA NO SEU CONTEXTO HISTÓRICO


adquiridos pela experiência de determinado grupo A preocupação com as diferenças surgiu no
humano. Difere, portanto, de um grupo a outro.
contato entre os povos contemporâneos. Entre­
Ruth Benedict (1887-1948) lembrou que a cultura é
tanto, esse interesse pela cultura dos outros levou a
como uma lente através da qual o ser humano vê o uma preocupação com o passado, com a profundi­
rnundo, sem a qual nada enxergamos. O sociólogo dade histórica das especificidades e, portanto, com
precursor brasileiro Gilberto Freyre ( 1900- 1987), na as diferenças. Os antropólogos criaram como estra­
esteira de suas leituras antropológicas, formularia tégia para o conhecimento das culturas, a imersão, a
com precisão: "Quase se pode dizer que o hábito ou
pesquisa de campo na qual o estudioso despe-se, na
o costume é que é, no homem, a natureza humana"
medida do possível, de si mesmo e tenta conviver à
o

Uma definição mais recente, de Christoph Brumann,


maneira do povo estudado. Deve, pois, aprender sua
parece ser bastante abrangente: língua, sua maneira de comer, brincar, chorar, fazer
as necessidades ou, até mesmo, algo tão simples
A cultura é o conjunto de padrões adquiridos como dormir. Para alguém acostumado a dormir
socialmente a partir dos quais as pessoas pensam, sozinho em uma cama, dormir com outra pessoa em
sentem e fazem. Uma cultura não requer proximi­ uma rede (nus) é uma experiência a ser bem apren­
dade física ou um tipo específico de sociabilidade dida. Assim como tudo.
direta (Cemelnschaft), apenas interação social, Essas preocupações foram e continuam a ser
mesmo que mediada por meios de comunicação e muito importantes, para que possamos experimen­
que seja casual. Mesmo ver, ouvir ou ler uns aos tar e entender as expressões culturais. Contudo,
outros pode ser o suficiente (1999, p. S23). ·
assim como nossa maneira de comer tem uma histó­
ria, existem outros modos de se alimentar. A cultu­
O veterano antropólogo norte-americano, ra não é algo dado, uma simples herança que se pos­
Marshall Sahlins, em entrevista na segunda metade sa transmitir de geração a geração. Ela é uma produ­
da década dos anos 2000, chegou a afirmar que "a ção histórica, como parte das relações entre os gru­
cultura é tudo", no sentido de que não existe natu­ pos sociais. Assim, ao estudo das diferenças entre
reza que não se expresse de forma simbólica, em nós, que comemos com garfo e faca, e os japoneses
determinada sociedade. que comem com pauzinhos, sobreveio a constata-
... . ..
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20 Sandra C. A. Pelegrin i {r Pedro Paulo A. Funari
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ção de que nossos antepassados só adotaram os gar­
fos e as facas há alguns séculos. Antes, comiam com
as mãos. A equação nós/eles no presente foi com­
plementada pela consciência da importância das
mudanças, aquilo que também se costuma chamar
de dinâmica cultural.
Paralelamente, surgia a preocupação com as A DIVERSIDADE CULTURAL
culturas no interior de uma mesma sociedade, cujas
características são também históricas. Para ficar
ainda no exemplo da alimentação, um caso permite
perceber isso claramente. Um antropólogo, acostu­
mado com sua cultura brasileira, come com garfo e O avanço da industrialização e dos meios de
faca. Interna-se em um grupo indígena e descobre comunicação de massa criou as condições para o
outras maneiras de comer. Contudo, ao voltar para que se denominou globalização ou mundialização.
sua sociedade brasileira, hospeda-se na casa de bra­ Em especial, na década de 1960, formulou-se a
sileiros que comem com a mão! São camponeses. hipótese de uma homogeneização cultural inexorá­
Ainda no percurso, acomoda-se em uma casa em vel da humanidade. Contudo, como ressalta Jean­
que se come, também, com a mão, mas com a aju­ Pierre Warnier:
da do pão sírio. São também brasileiros, de origem
libanesa. Temos, pois, três maneiras de comer, A modernização dos últimos quarenta anos não
todas contemporâneas, todas da "cultura brasilei­ produziu a convergência esperada. Mais do que
ra". Como lembrou Marc Auge, "o ser humano não isso: tomou-se consciência de que a humanidade
pode ser, em nenhum caso, por uma só e única per­ está, de forma inerente, fadada a produzir cliva­
tença cultural" . A dicotomia original nós/eles mul­ gens sociais, de não sei quantos grupos, de distin­
tiplica-se e torna-se histórica, pois são os avatares ção cultural, de modos de vida e de consumo
da História que explicam tais diferenças. muito variados. Em suma: a humanidade é uma
formidável máquina de produção de diferenças
culturais, a despeito dos processos que agem em
sentido contrário (2004, p. 20).
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22 Sandro C. A. Pelegrini & Pedro Paulo A. Funori O que é Patrimônio C u ltural Imaterial 23

Quais processos históricos levaram a essa Veremos, mais adiante, a importância disso para
conclusão, aparentemente inesperada? Podemos a vitalidade do patrimônio cultural imaterial.
remontar aos movimentos sociais resultantes do
período pós-guerra, a partir do fim da década de
DIVERSIDADE E IDENTIDADES
1940. Explodiram movimentos, tanto no interior
das sociedades ocidentais como no exterior. As A valorização da diversidade humana não pode
mulheres emergiram como sujeitos, assim como ser desvencilhada da eclosão das reivindicações do
grupos étnicos antes discriminados. As reivindi­ reconhecimento do valor de identidades sociais e,
cações de direitos de expressão de sexualidades portanto, da contestação dos conceitos de cultura
seguiram, nas décadas sucessivas, assim como monolítica e homogênea. Partindo do pressuposto
os contrastes religiosos e políticos. No âmbito de que as pessoas de um mesmo grupo comparti­
externo, os colonizados se revoltaram contra os lham valores, de que se sentem partícipes, formulou­
colonizadores. A diversidade surgiu como uma se o conceito normativo de "pertencimento" (belon­
categoria para explicar essas divergências, de ging). Essas abordagens foram chamadas de norma­
caráter a um só tempo cultural e político. Nesse tivas por pressuporem que as pessoas aceitam nor­
contexto, as forças que supostamente levariam à mas de conduta do grupo humano do qual fazem
homogeneização cultural da humanidade servi­ parte. O desrespeito às normas é considerado, em
ram, a seu modo, para demarcar as diferenças. geral, desvio de comportamento, punido pelo coleti­
O caso da televisão é claro: por um lado, seria­ vo. Essa coletividade pode ser ampla ou restrita, mas
dos americanos que passam em todo o mundo e o princípio normativo é sempre o mesmo. Vejamos
difundem certos valores "universais" ; por outro, dois exemplos extremos.
um potente difusor das particularidades. Em Os alemães são ordeiros e gostam de batatas,
meio a tantos programas importados, nunca assim como os argentinos são orgulhosos de sua
houve tantos programas locais. Isso não signifi­ nação e adoram carne. Os alemães que são desorga­
ca que a diversidade não seja afetada pela homo­ nizados e não comem batatas representam desvios,
geneização, mas a variedade cultural humana como os argentinos que não valorizam seu país e são
mostrou-se muito mais poderosa e importante vegetarianos. Voltemo-nos, agora, para coletivos
do que muitos estudiosos haviam pensado. reduzidos. Os palmeirenses são descendentes de ita-
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24 Sandra C. A. Pelegrini &-Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultvral Imaterial 25

lianos e sabem o hino do clube de cor. Os ecologistas pos humanos não são unidades biológicas. As dife­
não fumam e só falam em ecologia. Em todos estes renças genéticas são tão grandes de uma tribo a
casos, os modelos normativos consideram as miría­ outra quanto de uma aldeia a outra de uma mesma
des de exemplos que contradizem os enunciados tribo. A luta contra o racismo e todo tipo de discrimi­
como falha de pertencimento e, portanto, como des­ nação foi combatida a partir da valorização da diver­
vios que apenas confirmam a regra.
sidade biológica. Não à toa, Claude Lévi-Strauss,
Nas últimas décadas, tais modelos normativos encarregado pela Unesco de escrever um documen­
foram muito criticados, tanto do ponto de vista to para essa entidade internacional sobre "raça",
empírico como teórico. Em termos práticos, as pes­
propugnou pela preservação dessa variabilidade:
soas não deixam de ser palmeirenses por não serem
descendentes de italianos, nem se não souberem o
hino do time, nem se pode afirmar que tais caracte­ Não se pode dissimular que, a despeito de sua
rísticas sejam sequer majoritárias. Por outro lado, as urgente necessidade prática e dos objetivos
normas que definem o pertencimento não foram morais elevados que ela se impõe, a luta contra
estabelecidas por pesquisadores após um estudo de todas as formas de discriminação participa desse
todos os membros de uma coletividade. Além disso, mesmo movimento que leva a humanidade em
todo grupo humano está em constante mudança. O direção a uma civilização mundial, destruidora
questionamento mais profundo, porém, veio dos dos velhos particularismos aos quais recai a hon­
pressupostos teóricos desses modelos normativos. ra de haver criado os valores estéticos e espiri­
As pessoas possuem múltiplas auto-representações, tuais que dão seu valor à vida e que nós recolhe­
elas se comportam de diferentes maneiras em diver­ mos, preciosamente, nas bibliotecas e museus,
sos contextos, em constante mutação. As noções de pois nos sentimos cada vez menos capazes de
norma e desvio variam em um mesmo grupo huma­ produzi-lo (1983, p. 47).
no e até para o mesmo indivíduo. Os pertencimentos
são múltiplos também.
A diversidade cultural não pode ser desvencilha­ Voltaremos a essas questões quando tratar­
da também da noção de diversidade da vida. A gené­ mos da preservação do patrimônio cultural ima­
tica das populações humanas descobriu que os gru- terial em detalhe.
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26 Sandra C. A. Pelegrini &- Pedro Paula A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 27

CULTURA MATERIAL E IMATERIAL Dessa forma, fica claro que mesmo a "nature­
za" é o resultado do trabalho humano e apresenta­
A disjunção entre a matéria e o espírito tem raí­
se como cultura material. O que seria, então, o ima­
zes profundas, como já vimos, pois Cícero já separa­
terial? A expressão inglesa ajuda-nos a compre­
va a cultura do solo da cultura da alma. Seria apenas
ender o que se quer dizer com isso: intangível (intan­
!llodernamente, contudo, que surgiria essa contrapo­ gibfe). Usaram-se, anteriormente, expressões que
sição entre materialidade e imaterialidade, assim podiam gerar discussões até mesmo de caráter reli­
como suas definições. A noção de matéria na base gioso, como no caso de cultura espiritual, originária
dessa contraposição está na palavra latina materies ou da expressão alemã Geistkultur. Essa mesma ambi­
matéria: trata-se da substantivação da mãe (mater). güidade estava na definição de Cícero: cultura ani­
Passou a designar algo bem concreto: a madeira (que mi, cultura da alma. Alma e espírito levam-nos para
a tudo alimenta, como a mãe) e, daí, todo tipo de coi­ um âmbito controverso das definições até mesmo
sa. A junção desse termo com cultura - que se refere teológicas. De maneira mais prosaica, a imaterialida­
ao humano - resultou no conceito de cultura material de foi resumida à impossibilidade de tocar (mas não
como a totalidade do mundo flsico apropriado pelas de ser percebida, claro). Assim, podemos tocar nos
sociedades humanas. Estão incluídos não apenas o instrumentos musicais, nas pessoas e nas roupas,
que o ser humano produz, na forma de artefatos, mas uma dança popular não pode, enquanto conjun­
como tudo o que ele transforma no decorrer do tem­ to da representação, ser "tocada". Aí está a imate­
po. Como já observara Karl Marx: rialidade: o todo compreende a cultura material,
mas é maior do que a soma dessas materialidades.

Animais e plantas, que se costumam considerar


como produtos naturais são, não apenas produ­ PATRIMÔNIO

tos do trabalho - talvez do trabalho do ano ante­ Patrimônio, em nosso quotidiano, surge como
rior- mas, igualmente, na sua forma atual, pro­ os bens de valor, aquilo que temos e que declara­
dutos de uma transformação contínua, sob o mos no imposto de renda. Desse sentido material,
controle humano e por meio do seu trabalho, por chegamos ao figurado: aquilo que é de valor para
muitas gerações (apud Funari, 2003, p. 14). nós, mesmo que não tenha um preço: "O maior
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28 Sandra C. A. Pelegrini &-Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural lmoteriol 29

patrimônio é a honestidade", como diz o ditado. reunir os objetos antigos que mostrariam as preten­
Em outras línguas essa diferença está no próprio sões de supremacia nacional do Estado de São
vocabulário, que diferencia os bens de valor mone­ Paulo. Daí o lema: non ducor, duco (não sou condu­
tário (property, assets, em inglês) do patrimônio afe­ zido, conduzo).
tivo e simbólico (heritage). Essa ambigüidade não A Unesco e os estados nacionais expressaram
deixa de reiterar-se pela existência de bens simbóli­ a predileção pelo caráter excepcional de obras-pri­
cos e vendáveis ao mesmo tempo: um relógio de mas, da humanidade ou da nação, como dignos de
ouro do vovô tem um valor de mercado e um valor
preservação e posteridade. Com as críticas ao
afetivo. O relógio pode ser, simultaneamente, um
nacionalismo e às visões normativas da sociedade,
patrimônio monetário e cultural.
surgiram os apelos pelo patrimônio da humanidade,
O conceito de patrimônio cultural, na verdade, considerado não uma abstração monolítica e homo­
está imbricado com as identidades sociais e resulta, gênea - que não existe -, mas na concretude da
primeiro das políticas do estado nacional e, em diversidade. Esse movimento de valorização das
seguida, do seu questionamento no quadro da defe­ culturas, iniciado com os aspectos materiais, em
sa da diversidade. Patrimônio cultural associou-se, geral produzido pelas elites, passou aos poucos a se
nos séculos XVIII e XIX com a nação, com a escolha expandir para as manifestações intangíveis e dos
daquilo que representaria a nacionalidade, na forma grupos sociais em geral, não apenas, pelos domi­
de monumentos, edifícios ou outras formas de nantes. Tolina Loulanski ressaltou, em artigo da
expressão. Podiam ser objetos antigos, como cons­
segunda metade da década de 2000, que houve
truções modernas ou, mais provavelmente, uma
uma passagem dos monumentos para as pessoas:
mescla nova de ambos. Assim, surgiram os Museus
de Antiguidades, com peças antigas, mas reunidas
em honra de uma nação. Esse é o modelo de museu Com a democratização da cultura e sua definição
com ambições imperiais e universalistas como o sócio-antropológica expandida (segundo a qual
Britânico, em Londres, ou o Louvre, em Paris. quase qualquer atividade humana pode ser igual­
Outros podiam ter ambições mais nacionalistas ou mente cultura, e onde todo produto humano pode
regionalistas do que imperiais, como é o caso do ser, da mesma maneira digno de preservação), a
,

Museu Paulista (Museu do lpiranga), voltado para distância entre o patrimônio cultural como monu-
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..... .. ....
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30 Sandra C. A. Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari
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mentos e as pessoas como suas criadoras, guardiãs
e usuárias foi muito reduzida (2006, p. 213).

O patrimônio, antes restrito ao excepcional,


aproximou-se, cada vez mais, das ações quotidianas,
em sua imensa e riquíssima heterogeneidade. Algo A UNESCO E A SALVAGUARDA DA
aparentemente tão simples como charquear carnes CULTURA TRADI CIONAL E POPULAR
revela-se variado, com características próprias e
únicas, em cada canto do planeta, digno, portanto,
de preservação como vivência diferenciada da
humanidade, como propugnou a insuspeita revista A valorização do patrimônio imaterial na atua­
The Economist (December 2006, Cured Meat, p. lidade advém, portanto, das alterações sofridas
88-90). O intelectual palestino Edward Said (1935- pelas acepções do conceito de cultura e patrimônio.
2003) constatou que, mais do que nunca, os estu­ Ela está articulada às transformações das formas de
diosos se voltam para "as energias e correntes não convívio social e aos padrões culturais que regem a
européias, descolonizadas, descentradas, de rela­ existência humana. A própria dinâmica cultural
ções de gênero de nossa época" ( 2007, p. 23). expressa nos movimentos que deram origem à dis­
cussão sobre a necessidade de salvaguarda do patri­
mônio imaterial e à historicidade dos conceitos que
a envolvem explicitam o reconhecimento de que o
patrimônio materializa as mais diversas formas de
cultura e que, portanto, se constitui em mais uma
esfera de embates sociais.
A identificação do patrimônio histórico, cultu­
ral, paisagístico e natural da humanidade vem sendo
realizada desde longa data, todavia foi efetuada de
forma sistemática a partir da década de 1930, quan-
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32 Sandra C. A. Pelegrini & Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 33

do alguns estudiosos preocupados com o crescimen­ Mundial (1939-1945). Em 1972, a Unesco conse­
to urbano se deram conta da urgência de refletirem guiu mobilizar cerca de 148 países em torno de um
com profundidade sobre as reformas que se intensi­ abrangente pacto em prol dos bens culturais e
ficavam em várias partes do mundo e, como tal, tra­ naturais da humanidade - " Convenção d o
ziam à tona tanto a questão da necessidade de se Patrimônio Mundial".
-preservar ou não determinados monumentos como A cada dois anos, a Unesco realiza uma
a de retirá-los de seu local de origem de modo a não Conferência Geral com o objetivo de debater e deli­
obstruir vias de acesso de grandes metrópoles e esti­ berar sobre temas internacionais candentes. Para
mular o desenvolvimento de áreas da cidade que tanto, mobiliza especialistas nas áreas de conheci­
precisavam sofrer intervenções. mento que são de sua competência, desenvolve pes­
Arqueólogos, historiadores e arquitetos, entre quisas e procura estabelecer contato com autorida­
outros profissionais, passaram então a realizar sim­ des políticas de todo o planeta. O principal intuito
pósios para chamar a atenção de todo o mundo para está centralizado na tentativa de se antecipar dian­
a importância do legado histórico que os monumen­ te dos problemas capitais em relação às sociedades
tos arquitetônicos e as obras de arte representavam humanas. Até o início do século XXI, o órgão con­
para a humanidade. A partir de novembro de 1945, seguiu a adesão de 190 países - um número expres­
a Organização das Nações Unidas para a Educação, sivo de signatários.
a Ciência e a Cultura (Unesco) engajou-se nesse Sem dúvida, devemos reconhecer que a atua­
campo e passou a promover reflexões sobre estraté­ ção da Unesco e os documentos resultantes das
gias pacíficas de desenvolvimento, em particular, conferências realizadas por ela vêm se convertendo
nas áreas das Ciências Naturais, Humanas e em instrumentos normativos que têm influenciado a
Sociais, da Cultura, da Comunicação, da Educação legislação, as políticas públicas de cultura e as medi­
e da Informação. das concretas adotadas por vários países. Nesses
Mas nem todos os países do mundo aderiram termos, podemos afirmar que a "Carta de Haia",
às proposições da Unesco. Desde a sua criação até assinada em maio de 1954, representa um marco na
a atualidade, a organização reuniu vários estados trajetória desse órgão, uma vez que propôs medidas
visando a intermediar conflitos e evitar confrontos para proteção de bens culturais em caso de conflito
bélicos tão impactantes quanto a Segunda Guerra armado, num período muito conturbado das rela-
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34 Sandra C. A. Pe/egrini & Pedro Poulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 35

ções internacionais e conhecido como "Guerra ram várias áreas do conhecimento a também repen­
Fria". A contraposição entre o mundo capitalista sarem seus paradigmas.
ocidental, a União Soviética e os países da Europa A contestação de toda e qualquer forma de
Oriental viria a afetar as discussões sobre o patrimô­ autoridade, as utopias por uma sociedade mais
nio, no cenário internacional. Contudo, a proteção humana, a revisão de arquétipos de comportamen­
.aos bens culturais ainda manteve-se circunscrita ao to e a emergência de novas sensibilidades levou à
patrimônio natural, aos "bens de cal e pedra" e às percepção dos bens culturais como testemunhos do
obras de arte no continente europeu (ou relaciona­ quotidiano e da concretização do insólito, do imate­
das a ele). rial. Nessa direção, os fundamentos que norteavam
A intensa busca de aceitação por parte dos a seleção dos bens e o sentido da preservação pro­
diversos agentes sociais suscitou, ao longo da segun­ pugnada pela Unesco ampliaram-se alcançando não
da metade do século XX, um amplo questionamen­ somente monumentos suntuosos representativos
to de padrões de conduta e conceitos cristalizados do ponto de vista dos poderes hegemônicos. mas
pela própria Unesco, ocasionando, como já explici­ também construções mais simples e integradas ao
tamos, uma ampliação da acepção de patrimônio, dia-a-dia das populações (como estações de trem ou
outrora restrito às interfaces da "memória históri­ mercados públicos) e, mais recentemente, os bens
ca", aos "caprichos" da natureza e à "providência culturais de natureza intangível (como expressões,
divina" supostamente inspiradora das obras-primas conhecimentos, práticas e técnicas populares).
da humanidade. No entanto, as recomendações contidas nas
Essa revisão epistemológica do termo, embasa­ cartas patrimoniais resultantes das conferências
da nos novos paradigmas das ciências humanas, em internacionais realizadas nas décadas de 1960 e
particular, da História e da Antropologia, viabilizou 1970, em especial na "Carta de Veneza" (1964), na
uma expansão dos bens culturais a serem reconhe­ "Declaração de Amsterdã" (1975) e na "Declaração
cidos. Contudo, o questionamento das formas de do México" (1982) que fixaram novos padrões para
poder emergente nos anos de 1960 abriu brechas a apreciação dos bens culturais. Primeiro, porque
para a manifestação de valores identitários, antes expandiram a concepção de monumento e de cul­
subjugados, e trouxe à tona referenciais culturais tura. Segundo. porque redefiniram os critérios para
anteriormente incógnitos. Ta·is indagações compeli- a definição do rol de bens a serem protegidos.
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36 Sandra C. A Pelegrini & Pedro Paulo A Funari
••••
A concretização das proposições da Unesco e
demais organizações envolvidas com a defesa do
patrimônio cultural foi possível em função da ampli­
tude adquirida pela "Convenção do Patrimônio
Mundial", celebrada em 1972. Esse pacto interna­ As IDENTIDADES E AS POLÍTI CAS
Gional impulsionou a mobilização de alguns países PRESERVACION ISTAS
signatários da convenção, em particular, da Bolívia,
que reivindicava maior atenção às manifestações
relativas à "cultura tradicional e popular". Tal exi­
gência suscitou, na década de 1980, investimentos
O tratamento dispensado à questão da identi­
em soluções jurídicas com vistas à proteção da cul­
dade no documento síntese da "Conferência
tura e de suas práticas, por meio de documentos
Mundial sobre as Políticas Culturais" (1982), organi­
reconhecidos internacionalmente. Entre eles, tal­
zado pelo Conselho Internacional de Monumentos e
vez, o mais importante tenha resultado da "Confe­ .
Sítios (lcomos), foi singular, pois sugeriu outra possi­
rência Mundial sobre as Políticas Culturais", realiza­
bilidade de interpretação das políticas de salvaguar­
da em Mondiacult (México), em 1982, dada a rele­
da e destacou que "todas as culturas" integravam o
vância atribuída às relações entre a cultura e a iden­
"patrimônio comum da humanidade" e se locupleta­
tidade dos povos.
vam mutuamente. Ademais, definia a "identidade
cultural" nos seguintes termos:

[ . ]é uma riqueza que dinamiza as possibilidades


..

de realização da espécie humana ao mobilizar


cada povo e cada grupo a nutrir-se de seu pas­
sado e a colher as contribuições externas compa­
tíveis com a sua especificidade e continuar,
assim, o processo de sua própria criação
(Conferência Mundial sobre as Políticas
Culturais, 1982).
•• ••
•••• • •••
38 Sandra C. A. Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial J9

Nessa linha de argumentação, os membros da Estavam lançadas as categorias basais que


conferência afirmavam categoricamente que a dariam fundamentação à "Recomendação sobre a
"identidade" e a "diversidade" eram "indissociá­ Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular"
veis", sendo essa última reconhecida como a (1989), resultante da 25a. Reunião da Conferência
"essência" do "pluralismo cultural" - fundamental Geral da Unesco, bem como ao Informe da Co­
J:3ara "o reconhecimento de múltiplas identidades missão Mundial de Cultura e Desenvolvimento,
culturais onde coexistissem diversas tradições" . alcunhado "Nossa Diversidade Criativa" (1996).
Destarte, reclamavam a implementação de "políti­ Esses dois documentos enfatizavam a necessidade
cas culturais" que protegessem, estimulassem e da sistematização de soluções para a proteção efeti­
va dos bens culturais e para a elaboração de um
enriquecessem "a identidade e o patrimônio cultural
inventário dos direitos culturais, uma vez que eles se
de cada povo", numa atmosfera do "mais absoluto
mostravam dispersos entre os instrumentos legais
respeito e apreço pelas minorias culturais e pelas
de proteção aos direitos humanos.
outras culturas do mundo". E advertiam: a "huma­
Convém lembrarmos que, entre os direitos cul­
nidade empobrece quando se ignora ou se destrói a
turais, listavam-se o direito autoral, o dtreito à parti­
cultura de um grupo determinado" (Conferência
cipação na vida cultural (criação e fruição), o direito
Mundial sobre as Políticas Culturais, 1982).
à difusão, o direito à identidade cultural (ou de pro­
A cultura, sob essa ótica, consistia numa forma teção do patrimônio cultural) e o direito à coopera­
de "intercâmbio de idéias e experiências", inclusive, ção cultural internacional. O primeiro direito cultu­
de "apreciação de outros valores e tradições" diver­ ral a ser reconhecido foi o direito autoral. De certa
sos da civilização ocidental. Na sua acepção mais forma, a sua instituição legal esteve articulada aos
abrangente, a cultura era considerada um "conjunto ideais revolucionários eclodidos na Inglaterra (1688),
dos traços distintivos espirituais, materiais, intelec­ nos Estados Unidos ( 1776) e na França ( 1789),
tuais e afetivos" que distinguiam "uma sociedade e mobilizações que corroboraram para o reconheci­
um grupo social", abarcando, "além das artes e das mento da criação intelectual e artística como uma
letras, os modos de vida, os direitos fundamentais das mais autênticas propriedades individuais.
do ser humano, os sistemas de valores, as tradições A formulação de diretrizes dessa natureza, por
e as crenças". parte da comunidade internacional, evidenciou uma
•• ••
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40 Sandra C. A. Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural lmacerial 41

proficua reAexão sobre o próprio conceito de cultu­ em listas de registros regionais ou mundiais, bem
ra, sua aproximação dos estudos antropológicos e como o desenvolvimento de estudos capazes de
dos direitos culturais, haja vista que suas proposi­ catalisar sistemas de registro, utilizados pelas referi­
ções embasaram-se na seguinte conceituação: das instituições, como catálogos ou guias de compi­
lação, visando garantir sistemas coordenados de
classificação e a criação de tipologias normativas
A cultura tradicional e popular é o conjunto de sobre a cultura tradicional. Além disso, sugeria a
criações que emanam de uma comunidade cultural confecção de projetos piloto nesse campo.
fundadas na tradição, expressadas por um grupo
As recomendações já adiantavam que a conser­
ou por indivíduos e que reconhecidamente cor­
vação da documentação relativa às tradições da cul­
respondem às expectativas da comunidade como
tura tradicional e popular devia privilegiar a percep­
expressão de sua identidade cultural e social; as
ção, se tais práticas continuavam ou não sendo utili­
normas e os valores se transmitem oralmente,
zadas ou se haviam passado por transformações.
por repetição ou de outras maneiras. Suas formas
Em outros termos, esse cuidado implicava o registro
compreendem, entre outras, a língua, a literatu­
de dados que poderiam estar disponíveis tanto a
ra, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os
futuros pesquisadores quanto aos próprios portado­
rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e
res de tradições, para que ambos pudessem com­
outras artes (Recomendação sobre a
preender o processo de modificação dos seus pró­
Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular,
prios referenciais culturais, uma vez que a cultura
1989, p. I) - grifos nossos.
tradicional e popular mantinha-se viva e, do ponto
de vista dos conferencistas, possuía um "caráter
Em termos metodológicos, o documento suge­ evolutivo" que nem sempre permitia uma proteção
ria que a identificação da cultura tradicional e popu­ "direta" e "eficaz".
lar se processasse mediante as pesquisas realizadas De pronto, observamos que o equívoco de se
pelos Estados membros em diferentes níveis, ou pensar a cultura em termos "evolutivos" já implica­
seja, nacional, regional e internacional. Nessa linha, va uma hierarquização das culturas que tomavam
indicava a execução de inventários nacionais de ins­ como referência a cultura ocidental. De certo modo,
tituições interessadas nessa temática e sua inclusão esse documento antecipava as celeumas que as
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42 Sandra C. A Pelegrini & Pedro Paulo A Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 43

idiossincrasias referentes ao conceito de patrimônio desenvolvimento artístico, a tutela, a divulgação, o


imaterial iriam despertar entre os antropólogos e inventário e a salvaguarda dos bens.
historiadores no início do século XXI. De modo geral, podemos afirmar que a Unesco
Tal alarido decorre do reconhecimento de que e as políticas patrimoniais adotadas pelos diversos
um dos princípios fundadores da cultura reside na países do mundo, nas últimas décadas do século XX
sua dinâmica e vitalidade. A suspeição quanto à vali­ e nos anos iniciais do século XXI, empreenderam
dade dos registros da cultura ou das expressões cul­ esforços no sentido de retificar a perspectiva monu­
turais populares assenta-se, portanto, na idéia de que mentalista atribuída ao patrimônio desde meados do
seja considerado inoportuno defini-la como um con­ século XIX na França e buscaram valorizar a diversi­
junto preciso de elementos que se mantêm intactos, dade cultural. Entretanto, a observação atenta das
normativas internacionais que fundamentaram as
uma vez que seus usos e sentidos incorporam signifi­
ações em prol desse tipo de bens culturais nos revela
cados ao longo do tempo. Entretanto, essas ressigni­
as pressões das culturas minoritárias no sentido do
ficações, do nosso ponto de vista, enriquecem os
seu reconhecimento e nos coloca outras indagações.
bens culturais, sejam eles materiais ou imateriais e,
A inquietação mais insurgente com a qual nos
de alguma forma, os mantêm vinculados às tradições
deparamos diz respeito direto às posturas da
que lhes deram origem e à dinâmica social das comu­
Unesco em relação às culturas tradicionais e popu­
nidades que se identificam com eles.
lares. Nesse âmbito, podemos conjeturar: algumas
Se na década de 1980 predominaram nos deba­ das alterações nos modos de ver e tratar o patrimô­
tes internacionais as prerrogativas referentes à con­ nio tenderam a remediar o etnocentrismo da cultu­
ceituação de patrimônio e de cultura (e suas respec­ ra ocidental, expresso no colonialismo e nas políticas
tivas formas de preservação), na década seguinte os preservacionistas propostas pela própria Unesco?
primeiros documentos direcionados à proteção do A resposta a essa indagação nos leva, por um
patrimônio mundial se voltaram com especial ênfase lado, a retomar os objetivos dessa instituição reco­
à gestão cultural, priorizaram a aplicação de medi­ _nhecida como um dos órgãos internacionais que tem
das devotadas não só ao reconhecimento das mais adquirido maior expressão na esfera das políticas de
distintas expressões culturais, mas, principalmente, proteção patrimonial. E, por outro, a verificar se o
à implementação de ações càpazes de fomentar o etnocentrismo norteou as políticas públicas patri-
. .. . ..
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41 Sandra C. A . Pelegrini & Pedra Paulo A. Funari
••••
moniais. Tal hipótese poderá ser identificada ou não
nas construções discursivas que regem os princípios
da Unesco e de outros órgãos internacionais devota­
dos à proteção patrimonial. Nesse sentido, cabe-nos
refletir um pouco mais detidamente sobre as duas
principais convenções que têm norteado as políticas
de proteção do patrimônio material e imaterial. 0 PATR I M ÔNIO I MATE R I A L E A
CO NV E N Ç ÃO DE 2 0 0 3

Desde a sua criação em 1945, a Unesco tem


assumido a tarefa de atuar como um expoente vigi­
lante e promotor de melhorias nas condições sociais
da população mundial. Para isso, procura fomentar a
interlocução e a cooperação intelectual entre os paí­
ses membros, promover a troca de experiências e a
propagação de projetos inovadores do ponto de vis­
ta do bem estar social e da partilha de pesquisas e
conhecimentos. O órgão tende também a disponibi­
lizar lineamentos técnicos e metodológicos para os
Estados membros visando embasar os rumos de seu
desenvolvimento.
No que tange às políticas preservacionistas -
conforme já comentamos - a "Convenção do
Patrimônio" (1972) voltou-se à identificação, prote­
ção e preservação do patrimônio material da huma­
nidade (arqueológico, artístico, edificado, natural e
•• ••
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46
Sandra C. A. Pelegrini & Pedro Paulo A. Funari ..
O q u e é Pa tri m ô n io C u l t u ra l I 47

paisagístico) .- Desde então, essa convenção


vem mentais para o enraizamento ou o sentido de per­
fundamentando os principais instrumentos das
. polí­ tença que favorece "o respeito à di ersidade cultu-
ticas públicas de proteção aos bens patrimo
niais. ral e à criatividade humana" .
- A "Convenção para a Salvaguarda d6 Patrimôn
io Evidentemente, esse "pacto in ernacional" rati­
Imaterial" - formulada em 200 3 - dedicou-se excl
usi- . ' ficou a " Recomendação sobre a Salvp.guarda da ..
vamente, à problemática que envolve o patrimôn
io Cultura Tradicional e Popular" (1 989) e a " Declaração
cultural _ imaterial�Assi m, no primeiro parágrafo
do Universal da Unesco sobre a Diver idade Cultural"
artigo segundo.. desse documento, o patrimônio
imate­ (200 1) , além dos instrumentos int rnacionais refe- :
rial ou intangível foi alcunhado como: ·
rentes à matéria dos direitos human s de : 1948 e 1 966
(mencionados anteriormente) .
( - [ ] práticas, representações, �xpre ssõ�s, conhe-
. . .
...... O mérito dessas duas convenções e a importân­


)
-.

, cas - Jtinto com· os tnstrumentos,


ctmentos e tecm
• • . I• •

cia del'as como instrumentos nor� tivos n� defesa *


(
5
·

objetos, artefatos � lugares1 �utturais q��)h�� �ão, :· 9p ,P�tri�ônio ltural devem ser r �.? r:hectdo� .. No
,. . ,,, . . •. :
_ _ �p
associa:dos - que ·ás • comunidâdes: · os 'grupos e·; .
:> · ' 1 : •1 • · : �"'- · entanto, -;ho' · pt�â�bulo da Conve ao de 2903, a
� I em alguns casos, os indivíduos reconhecem c�mo
. •

Unesco reconhece que os processo de globaltzaçao _


parte integrante de seu patrimônio cultural e de transformação social, present s na contempo­
· (Convenção para a Salvaguard raneidade, oferecem "condições pr . �ícias P�a um
a do Patrimônio 1 ,
. Imaterial , 2003 , p. 1). - diálogo renovado entre as comtJtntdades , mas
"geram também, da mesma for �a, o fenômen� da \
intolerância, assim como graves ns os de detenora­
Des se ponto de vista, o patrimônio ·imaterial
ção, desaparecimento e destruiçã do patrimônio
tran smitido de geração. a geração é conceituado .
a cultural imaterial" , em função da c ência de tnstru­
partir da perspectiva da alteridade":" Ele é con sid era­
mentos e-�eios-·para sua salvaguard . Nessa direção,
do a\v.o . de cons tantes "recriaçõe s " decorrent
es das S'alienta ainda que as iniciativas d indivíduos ou
mutações entre as comunidades· e os .grupos
que comunidades, em particular dos " ind 'genas" , tendem
con vive m num dado . espaço soc ial, do
. mei o a desempenhar uma função prioritária na esfera da­
ambiente, das interações �orri a natureza e da pró
­ produção, recriação e manutenção de tais bens, cor­
pria · ;his tória des s�s populações _: asp
ectos funda- roborando para o fomento da divers dad.� cultural .
• ••
.,.,.{., . ' ,..

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48 . Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O q u e é Pa tri m ô n i o C u l t u ra l I m a t e r i a l 49

Ainda que e se documento não tenha explici­ bens intangíveis e sugeria que a transmissão desses .
tado claramente os critérios para o reconhecimen­ bens ocorresse "essencialmente por meio da educa­
to do patrimôni imaterial , apontou indíc.i os no ção formal e não-formal " .
sentido de o aca telamento de bens dessa nature­ - Com vistas à obtenção de maior eficácia das
za tornar-se " c mpatível com os instrumentos ações em prol do patrimônio imaterial , essa conven­
internacionais d direitos humanos existentes e ção aconselhou a formação de um " Com itê
com os imperati os de respe ito mútuo entre comu­ lntergovernamental para a Salvaguarda do Patri­
nidades, grupos indivíduos, e do desenvolvimen­ mônio Cultural Imaterial " , constituído por Estados
to sustentável " . Propôs, no parágrafo segundo, do membros da Unesco, eleitos em Assembléia Geral
artigo segundo, que o patrimônio intangível se da organização:- Mohamed Bedjaui , da Argélia, foi o
manifestava, em particular, nos seguintes campos : primeiro presidente desse comitê que contou com a
colaboração de O. Faruk Logoglu , da Turquia, e
a) tradições e xpressões orais, incluindo o idioma
quatro vice-presidentes oriundos do Brasil , Etiópia,
como veículo o patrimônio cultural imaterial;
Índia e Romênia. Entre os demais países que inte­
gram o comitê, constavam representantes da Bél­
b) expressões rtísticas;
gica, Bulgária, China, Emirados Árabes Unidos,
c) práticas so iais, rituais e atos festivos; Estônia, Gabão, Hungria, Japão, México, Nigéria,
d) conhecime tos e práticas relacionados à natu­ Peru, Senegal , Vietnã, Madagáscar, Albânia, Zâm­
reza e ao umv rso; bia, Armênia, Zimbábue , Camboja, Macedônia,
e) técnicas tesanais tradicionais (Convenção Marrocos, França e Costa do Marfim.
para a Salva uarda · do Patrimônio Imaterial , Por seu turno, a "Convenção do Patrimônio"
2003, p. 1 ) . -
( 1 972) prescreveu sem subterfúgios e de forma dire­
ta os principais critérios norteadores da seleção dos
Por essa via recomendava a adoção de medi­ bens culturais e naturais na Lista do Patrimônio
das aplicadas à investigação, identificação, docu­ Mundial . Entre os quesitos necessários à inclusão
mentação, prote ão, valorização, revitalização dos nessa lista, destacou a excepcionalidade, a antigui-
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- - - -

50 Sandra C. A . Pelegrini &- Pedro Paulo A . Funari O q u e é Pa trim ô n i o C u l t u ra l / a te ri a l 51

dade do bem e sua característica como " obra notá­ de preservação. Para manter o c ntrole sobre as
vel do gênio criativo humano " . A convenção tam­ condições dos sítios protegidos, o referido docu­
bém determinou que esses bens deviam mento ainda reafirmava a necessid de da apresen­
tação periódica de informes dos E s ados membros
f
da convenção sobre a situação dos sítios e centros 1
[ ] constituir ( . . . ) manifestação de um intercâm­
. . .
hi stóricos, bem como a divulgação das medidas ado­
bio considerável de valores humanos durante um tadas para preservá-los e a impleme tação de ações
determinado período ou em uma área cultural voltadas a despertar o interes se pú lico em relação
específica ou; contribuir com "um testemunho ao patrimônio cultural .
Por certo, ao definir que o bem ultural para ser
único ou pelo menos excepcional de uma tradi­
digno da li sta do patrimônio mundial da humanidade
ção cultural ou de uma civilização existente ou já
devia "estar associado direta ou ind retamente com
extinta" ou; " ser exemplo destacado de um tipo
acontecimentos ou tradições vivas, com idéias ou
de construção, ou de conjunto arquitetônico,
crenças, ou com obras artísticas u literárias" , a
tecnológico ou paisagístico que ilustre uma ou
Convenção de 1 972 parecia avanç no sentido da
mais etapas significativas da história da humani­
compreensão do próprio conceito e cultura . N o
dade" ou; constituir exemplo destacado de habi­
entanto, ao enfatizar a neces sidade d o seu " excep­
tat, estabelecimento humano tradicional ou de
cional valor universal " , impunha nã somente juízos
uso na região, que seja representativo de uma ou
mais culturas ( . ) ou ; estar associado direta ou
de valor sobre os bens culturai s , c nsiderando sua
. .

universalidade um elemento fun 1 mental , como


indiretamente com acontecimentos ou tradições
vivas, com idéias ou crenças, ou com obras artís­
1
padrões culturais inspirados na cult ra ocidental .
ticas ou literárias de excepcional valor universal
[ . . . ] (Convenção do Patrimônio, 1 972) . Ainda, nessa linha de interpre ação, podemos
indagar: o rol de bens patrimonia s reconhecidos
pela Unesco corrobora para reafirm r certa dicoto­
O documento ainda deixava explícito que o cri� mia cultural entre os povos " dese volvidos " e os
tério da autenticidade dos bens e a forma como eles " subdesenvolvidos " ? Se prevalece o reverencia­
estivessem sendo protegidos e administrados eram mente dos monumentos das civiliza ões dominado­
igualmente importantes para o processo contínuo ras, a ascendência dos interesses das grandes potên-
•• ••
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52 Sandra C. . Pelegrini &- Pedro Paulo A . Funari
• •• •
cias mundiais e s as elites, qual o atual sentido atri­
buído à preserva ão dos bens imateriais, à oralidade
e às tradições po ulares?

0 RECO N H E C IME NTO DA


I M AT E R I A L I D A D E , D A S T R A D I Ç Õ E S
E DOS SABERES

A historicidade do tema, os princípios definido­


res do conceito, as tipologias classificatórias e até as
justificativas que motivaram os registros do patri­
mônio nos livros de tombo nacionais e a inclusão de
bens na lista das obras-primas do patrimônio mun­
dial da humanidade apontam pistas cruciais para a
nossa percepção a respeito dos referenciais que
informaram (e continuam informando) a seleção e a
proteção do patrimônio mundial .
O estudo clássico do patrimônio e das políticas
de proteção implementadas no decorrer do século
XX também aponta certas prioridades. Os bens
materiais foram apreendidos, por um lado, como
bens que recebemos de nossos antepassados e dei­
xamos como espólio para os nossos descendentes e,
por outro, como o patrimônio coletivo representati­
vo para vários gru p os ou comunidades .
••
54 Sandra C. A . Pelegrini &- Pedro Paulo A . Funari O q u e é Pa trim ô n io C u l t u r a l / a terial 55

Se cotejarmos a lista dos bens materiais inicial­ expressõe s fundamen tais na identi tcação cultural
mente tomados como obras-primas da humanidade, dos povos se tornaram alvo de reverencia, discussão
talvez possamos levantar indícios sobre a proemi­ e proteção a partir de meados dos nos oitenta do r
nência dos referenciais culturais ocidentais na elei­ século XX, os apontamen tos decor entes dos sim­ [
ção do patrimônio mundial . De pronto, a observa­ pósios � d � � convenções firmados d E1 sde a década de
ção atenta dessa lista aponta a significativa impor­ 1 990 vtabtltzaram o levantamen to de uma listagem
tância atribuída aos bens materiais radicados na do primeiro " lote " de bens imateri � is proclamado s
Europa, no decorrer do século XX, uma vez que pela Unesco, em 2 0 0 1 . Contudo, e J se arrolamento
mais de S O<ro dos bens reconhecidos pela Unesco se visou apenas a estimular a candid tura dos bens �
encontram no continente europeu e 60% do total de imateriais espalhados pelo � undo. Efetivamente, l
bens listados se situam na E uropa e na América do apenas no ano de 2003 , medtante a romulgação da
Norte . Além disso, as noções de civilidade e cultura " Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio
que regem os bens tombados na América Central e Cultural lm_aterial " , a Unesco con eguiu imprimir
do Sul, e nos continentes Asiático e Africano tam­ algumas diretrizes internacionais pa a o inventário e
bém apresentam traços nítidos dos "valores cultu­ acautelamento dos bens intangíveis.
rais introduzidos pelos europeus " nessas regiões. Essa·s normativas se assentararp nos princípios
Aliás, esse assunto foi introduzido em nosso livro norteadores das Cartas lnternaciorhais, referenda­
patrimônio histórico e cu ltural (2006 , p. 2 7) . das como pre scrições imperativ s do Dire ito
Curiosamente, essa estatística se inverte quan­ I nternacional , quais sejam a " Decla ação Universal
do observamos os registros dos bens imateriais dos Dire itos H umano s " ( 1 94 ) , o " Pacto
e ntre 2 0 0 1 e 2 00 5 . Seria um mero acaso o fato de I nternacional de Direitos Econôm 'cos, Sociais e
que o reconhecimento dos bens imateriais pareça Culturai s " ( 1 966) e o " Pacto I n e rnacional de
privilegiar as culturas distintas das ocidentais? Seria 9
Direitos Civis e Políticos ( 1 9 6 6) " , c nforme explici­
coincidência a expansão do processo de patrimoni­ tado no preâm bulo da " Co fvenção para
zação dos bens dos povos latino-americanos, caribe­ Salvaguarda do Patrimônio Cult � ral I material " ,
nhos, africanos e asiáticos no limiar do século XX I ? celebrada na Cidade Luz (Paris - Fr nça) , em 1 7 de
outubro de 2003 .
S e , como afirmamos anteriormente, a oralida­
de e os conhecimentos tradicionais tomados como
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As OBRAS MESTRAS D O
PAT R I M Ô N I O O R A L E I M AT E R I A L

Ao observarmos o mapeamento dos bens reali­


zado pela própria Unesco, em especial o dos bens
imateriais proclamados em 2 0 03 , vamos detectar
que apenas quatro estavam vinculados diretamente
à Europa, portanto, mais de 85% dos bens se dividi­
ram entre os países da América Latina e do Caribe,
da África, dos Países Árabes, Ásia e do Pacífico.

Disponível em www. unesco.org.br

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58 Sandra C. A . Pelegrini &- Pedro Paulo A Funari O q u e é Pa t r i m ô n io C u l t u ra / Im a t e r i a l 59

Situação semelhante pôde ser percebida três 1 3 . O espaço cultural da região de Boysun (U zbe-
anos antes, quando em 1 8 de maio de 200 1 , a quistão) ;
Unesco proclamou as primeiras 1 9 " Obras Mestras 14. A praça de F na Djamaa (Marro os) ;
do Patrimônio Oral e Imaterial da H umanidade " .
N essa lista, constavam os seguintes bens:
15. O Mistério de Elche ( E spanha) 7
16. Os cantos polifônicos georgian s (Geórgia) ; 1
1 . A língua, as danças e a música de Gafuna
(BeliZe) ;
17. A ópera de marionetes da Sicíl t ( I tália) ;
18. A fabricação artesanal de cru c i 1xos e seu sim­
2 . O carnaval Oruro ( Bolívia) ; bolismo na Lituânia (Lituânia) ;
3 . O espaço cultural da Fraternidade do E spírito 1 9 . O espaço cultural e a cultura oral da Rússia
Santo de Congos de Villa Mella ( República (Rússia) .
Dominicana) ;
4 . O patrimônio oral e as manifestações culturais Chama-nos a atenção o fato de que entre
do povo Zapara (Equador e Peru) ; esses bens imateriais apenas 1 5 , 7 % correspon­
5 . O patrimônio oral de Gelede (Benin) ; dam ao território europe u . Contud , não podemos
afirmar que os bens regi strados est 1 jam vinculados
6 . A música de trombetas transversais da co­
apenas às "tradiçõe s populares" ou ' s práticas res­
munidade Tagbana (Costa do Marfim) ;
tritas ao "povo" . O acautelamento e algumas téc­
7 . O espaço cultural de Sosso Bala em N iagassola nicas orientais no feitio de obj etos como espadas)
(Guiné) ; não se restringe aos segmentos pop lares ou às co­
8 . A ópera Kunqu (China) ; munidades menos favorecidas .

9 . O teatro Sanscrito de Kutiyattam ( Índia) ; Em 2005, observamos certo 1 rescimento do


número de bens imateriais europe s reconhecidos
1 0 . O teatro Nôgatu (Japão) ; �
pela Unesco, mas apenas oito ben : foram procla­
1 1 . O ritual real ancestral e a música ritual do lugar mados, atingindo 1 8 , 60% do total . N otavelmente ,
santo e de Jongmyo (Coréia) ; entre 2001 e 2 0 0 5 , a América d o orte continuou
1 2 . Os cantos Hudhud (Filipinas) ; sem ter reconhecido nenhum b m patrim onial

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60 Sandra C. . Pelegrini & Pedro Paulo A. Funari O q u e é Pa tri m ô n io C u l t u r a / Im a t e ri a l 61

intangível . Qual explicação para esse desintere sse 5 . Dança teatral Rabinal Achi (Guatemala) ;

J�
dos estaduniden · es em relação aos seus possíveis 6 . 200 1 : " La lengua, la danza y la música de los
bens imateriais? As teorias da Antropologia e da garifunas " (Guatemala) ;
Sociologia dão c nta de explicar a excessiva valori­
7 . E l Güegüense (Nicarágua) ;
zação da cultur material e da massificação dos
gostos e valores . O predomínio dos continentes 8 . Arte têxtil Taquile (Peru) .
periféricos na lu a pela valori zação do patrimônio
r
imaterial pode se e ntendido, provavelmente , como Como podemos notar no mapeamento realiza­
'J
revelador de u a disj unção, como vimos antes, do pela própria Unesco, a maioria dos bens intangí­
entre alta e baix cultura . A cultura arquitetônica e veis reconhecidos na listagem efetuada no ano de
,
artística predo i nante no patrimônio cu ltural
í 2005 remonta ao continente africano e asiático :
material associa se às elite s ; a " civilização " está
sobre-represent da nos tombamentos da Unesco.
1
Como contrapo to, o caráter periférico, popular e
simples, por assim dizer, da cultura imaterial favore­
ce o predomínio �o mundo periférico.
\
N e sse cont xto, pode-se e ntender o empe­
nho latino-amer cano na valorização do seu patri­
mônio. Cabe-no salientar que e ntre os bens pro­
c lamados em 2 0 5 , na " Lista das Obras-Me stras
do Patrimônio ral e I m aterial da Humanidade " ,
Disponível em www. unesco.org.br
foram arro lado oito pertencentes à América
Latina e ao Car ' be :
1 . O samba de roda do Recôncavo Baiano (Brasil) ; A África, os países árabes, a Ásia e os países do
Pacífico reúnem maior número de trad ições e
2 . O espaço c ltural de San Basílio (Colômbia) ;
expre ssões, artes tradicionai s , práticas sociais,
3 . Tradições p stori s e carros de boi (Costa Rica) ;
rituais, festivai s, espaços culturais e saberes de arti s­
4 . Dança tradic onal Cocolo (República Dominicana) ; tas tradicionais reconhecidos internacionalmente.
·

- -- -
•• ••
62 Sandra C. A . Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O q u e é Pa t r i m ô n io C u l t u ra l f 63

Entre esses conhecimentos, se destacam a "Arte de truídos social e historicamen te. Se o indivíduo no
fazer roupa com cortiça ou casca de árvore " decorrer de sua vida pas sa por tran formações bio­
(Uganda) e "O conhecimento, o ritual e a prática lógicas , culturais e sociais que o lev m a vincular-se
social tradicionais dos Kri s" ( I ndonésia) . O exame a grupos com diferentes faixas e árias , di stintas
dos registros nos livros de tombo, no futuro, certa­ categorias profissionais ou díspares opçõe s religio­
mente poderá embasar pesquisas capazes de apon­ sas ; de fato, as coletividades conviv m com perma­
tar as transformações e alteridades culturais ao lon­ nentes processos de interação e udança. E ssa
go dos séculos. diversidade resulta numa multiplic dade de pontos
a

A despeito da análise dos avanços e retrocessos de vista, de interesses e de ações o mundo" que ,
por sua vez , influencia os valores que definem sua
no processo de reconhecimento da pluralidade cul­
relação com o patrimônio e o senti o de pertenci:...
tural , nunca é demais lembrar que a acepção do
menta de uns agentes sociai s e relação ao s
patrimônio intangível assentou-se na idéia de que
outros, sejam eles homens ou mulh
esse patrimônio se constitui de um conjunto de for­
adultos, j ovens ou idosos.
mas de q..t ltura tradicional e popular ou folclórica, ou
seja, as " obras coletivas" que emanam de uma cul­
tura e se fundamentam nas tradições transmitidas
oralmente ou a partir de expressões gestuais que
podem sofrer modificações no decorrer do tempo
por meio de processos de recriação coletiva . Mesmo
assim , não raro, a preservação do patrimônio se
mantém articulada às memórias e identidades das
elites dominantes, de modo que· os bens reconheci­
dos como tal representam apenas os interesses e os
jogos de poder desses segmentos .
Além disso, como alertamos no volume " Patri­
mônio H istórico e Cultural " (2006, p. 1 0) , os valo­
res patrimoniai s e os juízos de preservação se alte­
ram com o passar do tempo, poi s ambos são cons-
• •
• •• •

C U LT U R A , E D U C A Ç Ã O
E C I DA DA N IA

A importância constitucional atribuída à cultu­


ra e sua admissão no rol de direitos e deveres que
compreendem o integral exercício da cidadania
podem ser constatadas na Constituição Brasileira,
promulgada em 1 98 8 , e nas emendas constitucio­
nais que se seguiram . N o artigo 2 1 5 dessa Carta
Magna fica especificado que o " E stado garantirá a
todos o pleno exercício dos direitos culturais e aces­
so às fontes da cultura nacional " A ele caberá res­
.

guardar "as manifestações das culturas populare s,


indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos
participante s do proce sso civilizatório nacional" ,
além de di spor sobre a '' fixação de datas comemo­
rativas de alta significação para os diferente s seg­
mentos étnicos nacionai s " .
Uma das conquistas mais recentes nesse cam­
p o diz res peito à implementação da legislação res-
••
66 Sandra C. A . Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O q u e é Pa tr i m ô n i o C u l t u ra l / a te ri a l 67

ponsável pelo " Plano Nacional de Cultura" , garanti­ leiro, no que se referem aos "be s de natureza
da pela Emenda Constitucional nº 48 (2005) , segun­ material e imaterial , tomados indi idualmente ou
do a qual deve ser privilegiada a "integração das em conjunto, portadores de referên ia à identidade,


ações do poder público" em "defesa e valorização do à ação, à memória dos diferentes gr pos formadores �
patrimônio cultural brasileiro" ; a "produção, promo­ da sociedade brasileira" . Mas em ermos práticos, J
ção e difusão de bens culturais" ; o respeito à "diver­ quais as medidas acionadas pelo E tado para fazer
sidade étnica e regional " ; a "formação de pessoal valerem essas disposições constitue onais?
qualificado para a gestão da cultura em suas múlti­
plas dimensões; enfim , a "democratização do aces­ À União, aos Estados e munic'pios é atribuído
so aos bens de cultura" . pela Constituição da República Fed � rativa do Brasil
o dever de proteger o patrimônio c tural brasileiro, �
Com efeito, no artigo 2 3 , a União já tomava
por intermédio de inventários, regi tros, vigilância,
tt
para si a responsabilidade de, junto aos poderes
estaduais, federais e municipais, "proteger os docu­ tombamento e desapropriação, e d outras formas
mentos, as obras e outros bens de valor histórico, de acautelamento e preservação" e U e punir aqueles �
artístico e cultural , os monumentos, as paisagens que cometerem "danos e ameaça ao patrimônio
naturais notáveis e os sítios arqueológicos" ; e ainda cultural " . Todas essas tarefas fora atribuídas ao
" impedir a evasão, a destruição e a descaracteriza­ (lphan) , criado na segunda metad da década de
ção de obras de arte e de outros bens de valor histó­ 1 930 , no governo Vargas.
rico, artístico ou cultural" e "proporcionar os meios A estrutura administrativa dess órgão, ora vin­
de acesso à cultura, à educação e à ciência" . Nesse culado ao Mini stério da E duca ão, ora ao de
sentido, o texto explicitava que cabia aos municípios Cultura , sofreu uma série de r· e struturações.
(artigo 30) legislar em favor dos "programas de edu­ Entretanto, ele continua atendend 1 às disposições
cação infantil e de ensino fundamental" (cf Emenda constitucionais e às recomendações pertinentes aos
Constitucional nº 5 3 , de 2006) e "promover a pro­ compromissos firmados entre os p íses signatários
teção do patrimônio histórico-cultural local , obser­ das convenções do patrimônio, lideradas pela
vada a legislação e a ação fiscalizadora federal e Unesco e pelos órgãos afins. E sses pactos contem­
estadual" . Por fim , o artigo 2 1 6 ampliou o conceito plados n3.S disposições da Consti ruição brasileira
e os meios de proteção ao patrimônio cultural brasi- regem as ações do lphan e norteiam as intervenções
•• ••
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68 Sandra C. A . Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O q u e é Pa trimônio C u ltural /m a terial 69

do instituto, qu está organizado em secretarias, mas culturais a serem desenvolvidos ou não pelas
superintendênci s e escritórios regionais. autoridades locais.

Não obs te, o lphan enfrenta dificuldades Em consonância com as discussões internacio­
impostas pela in uficiência de contingentes profis­ nais e a Constituição do Brasil, o lphan vem atuando
sionais capazes e agilizar os pedidos de acautela­ mediante a distinção e preservação dos bens cultu­
mento dos ben dispostos no imenso território rais brasileiros. Oito livros de tombo se ocupam do
nacional e pelos limitados recursos financeiros que registrÔ de bens tangíveis e intangíveis. Os de natu­
recebe, embora a Emenda Constitucional n° 42 reza material são classificados nos livros de Tombo .

(2003) tenha b scado amenizar essa situação por Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; de Tombo
meio da propos de criação de fundos estaduais de Histórico; de Tombo das Belas Artes e das Artes
"fomento à cult ra até cinco décimos por cento de Aplicadas. Os de natureza imaterial são registrados
sua receita tribu ária líquida, para o financiamento nos livros de Registro dos Saberes; das Formas de
de programas e rojetos culturais " . Expressão; das Celebrações e dos Lu.gares.
Ademais, realização de inventários deman­ E sses quatro últimos livros foram criados
da mão-de-obra especializada e a concretização de recentemente visando a atender, como já explicita­
planos de salva uarda e tombamento e, não raro, mos antes, às disposições do artigo 2 1 6 da Cons­
depara-se com i teresses políticos e econômicos, tituição de 1 988, cujo intuito distinguiu como patri­
em especial os imobiliários. Se, por um lado, o mônío cultural as formas de expressão e os modos
l phan assume u papel primordial nos processos de criar, fazer e viver, além das criações científicas,
de preservação o patrimônio, uma vez que esta­ artísticas e tecnológicas e das obras, objetos, docu­
belece, com bas nos documentos internacionais e
· mentos e edificações destinados a manifestações
nacionais, baliz s e padrões normativos para tais artístico-culturais ou resultado delas. Essa defini­
encaminhament s, por outro, confronta-se com ção, somada ao estabelecido no artigo 2 1 5 da mes­
questões especí cas contempladas pela implemen­ ma Constituição, apontou garantias no sentido do
tação de legisla ão complementar (municipais ou u pleno exercício dos direitos culturais" e do acesso u

estaduais) que iVisa à resolução de impasses e às fontes da cultura nacional" . Apesar de tão belas
empenhos parti ulares atinentes a instâncias deci­ palavras não deixarem dúvida quanto ao papel do
sórias de poder ue definem os projetos e progra- Estado na esfera cultural e da iniciativa de grupos
•• ••
· - · -
70 Sandra C. A . Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O que é Pa trim ô n io Cultural ! a terial 71

organizados da sociedade trabalharem em prol des­ anos 1960/70, e que encontrou s a expr�ssão
se reconhecimento, as questões culturais no século maior no Manifesto de Amsterdã, e 1975; A do
XXI ainda continuam sendo tratadas de modo desenvolvimento sustentável, elab rada a partir
secundário pelas políticas públicas. dos preceitos apresentados pel Comissão

Há pouca clareza sobre as contribuições que a Mundial sobre Meio Ambiente b Desenvol­

conservação integrada e o desenvolvimento susten­ vimento e que levou à Agenda 2 1 e I seus desdo­

tável podem suscitar no âmbito social e econômico. bramentos urbanos (cf. Jokilehto, 2 02, p. 2) .

Outrossim, as políticas culturais continuam sendo


alijadas das medidas capazes de viabilizar o acesso
Tais aportes evidenciaram o vai or fundamental
de maior parte da população brasileira às condições
da integrnção das políticas públicas o investimento
básicas de existência e ao exercício efetivo da cida­
dania. Por outro lado, os esforços das comunidades no planejamento multidimensional os logradouros,
locais, dos especialistas e do l phan têm sido pródigos mediante os pressupostos da eqüi ade social e da
no sentido do inventariamento e acautelamento dos preservação ambiental e patrimoni I .
bens intangíveis. A conservação integrada mos ra-se como um
Convém destacarmos que a gestão integrada princípio crucial para o desenvolvi ento sustentá­
do patrimônio reúne ações públicas planejadas que vel, a priori porque restabelece a déia de que os
visam a um só tempo ao crescimento econômico lugares podem ser interpretados co o artefatos his­
dos logradouros que abrigam bens culturais e ao tórico-culturais que garantem elos e ligação entre
envolvimento das populações residentes. Esse enfo­ as gerações. Sob essa ótica, "a ultura aparece
que, matura nas três últimas décadas do século XX, como uma dimensão de mesma im ortância que a
ainda é recente e vem sendo aplicado nos planos economia e a política em qualqu r estratégia de
diretores das cidades contemporâneas. As matrizes implantação de políticas de desen olvimento sus­
teóricas da gestão integrada se assentam em duas tentável" (cf. Jokilehto, 2002, p. 5).
perspectivas basais: A valorização do patrimônio c tural e a neces­
sidade da reabilitação dos centros his óricos, na atua­
A da conservação integrada, formulada inicial­ lidade, constituem premissas bási as dos debates
men�e pelo urbanismo progressista italiano dos sobre o desenvolvimento sustentáv , uma vez que a
•• ••
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72 Sandra C. . Pelegrini & Pedro Paulo A. Funari

reabilitação dess s áreas e o reconhecimento dos


bens culturais m teriais e imateriais das populações
residentes pode potencializar a identidade coletiva
dos povos, cont ibuir para o seu desenvolvimento
econômico e soei I, otimizar os custos financeiros e
ambientais do de envolvimento por meio do aprovei­
tamento da infra estrutura das áreas centrais e do 0 REGISTRO DOS BENS
incremento do tu ismo responsável, ou seja, de ativi­ I M AT E R I A I S B R A S I L E I R O S
dades que conte piam o lazer cultural, mas se dis­
tanciam do usu uto massificado do espaço e do
meio ambiente ( legrini, 2006) . Não por acaso, dis­
cutem-se as possi ilidades de integração das políticas Os bens imateriais congregados por categoria
públicas, o fomen o do investimento público e priva­ foram gravados nos Livros de Tombo mediante a
do em programas e novos usos de bens patri�oniais apreciação de práticas e manifestações sociais, sub-
e sua integração os circuitos culturais e na dinâmica dividas em: .
sócioeconômica as comunidades locais. 1 . Rituais e festas que abalizam as vivências cole­
tivas e outras práticas da vida social, como reli­
giosidades e entretenimento;
2. Manifestações artísticas em geral que envol­
vem linguagens, danças e ritmos;
3. Lugares onde são reproduzidas práticas cultu­
rais coletivas, como mercados, feiras, santuá-
nos ou praças;

4. Modos de fazer e conhecimentos radicados no


cotidiano das comunidades.
Já estão registrados como Patrimônio Imate­
ri al os seguintes bens brasileiros:
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Sandra C. A. Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O q u e é Patrimônio C u l tu r a l / a terial 75
74

1 . Oficio das Paneleiras de Goiabeiras (dez./2002) ; bumbás Garantido e Caprichoso ( e o do Mu­��)


,

2. Arte Kusiwa dos lndios Wajãpi (dez./2002) ; seu Aberto do Descobrimento (B ) . j


Os processos de registro dos ens culturais de
3. Samba de roda do Recôncavo Baiano (out./
natureza intangível (conforme pre ·sto no Decreto
2004) ;
nº 3551/2000) devem ser protocoliz dos mediante a
4 . Modo de fazer de Viola-de-cocho Gan./2005); apresentação de um requeriment 1 e contemplar
5 . Oficio das baianas de acarajé Gan. /2005) ; alguns pré-requisitos definidos n Resolução no
6. Círio de Nossa Senhora de Nazaré (out./2005) ; 001/2006 do lphan, tais como a presentação de
documentos de identificação do p oponente; uma
7. Jongo no Sudeste (dez./2005) ;
declaração que expresse formalm nte a anuência
8. Cachoeira de lauaretê - lugar sagrado dos dos representantes da comunidad produtora do
povos indígenas dos Rios Uaupés e Papuri bem e seu empenho na instauraçã do processo de
(out. /2006) ; registro requerido; a justificativa a solicitação; a
9. Feira de Caruaru (dez. /2006) ; descrição do bem proposto para re istro, com indi­
l O . Frevo (dez./2006) ; cativos da sua periodização, do seu 1 cal de origem e
permanências, da atuação dos grupI s sociais envol­
1 1 . Tambor de Crioula do Maranhão Oun./2007) vidos; dados históricos sobre o bem
Não obstante, torna-se i prescindível a
Outros processos concernentes ao registro de exposição de documentos compr batórios relati­
bens imateriais estão em fase adiantada como é o vos a existência do bem, materia izada por meio
caso dos queijos artesanais e dos cantos sagrados de referências bibliográficas, prod ções textuais,
do milho verde (ambos de Minas Gerais) , da lin­ fotográficas, fonográficas ou ftlm cas, desenhos,
guagem dos sinos nas cidades históricas mineiras, vídeos, entre outras.
do teatro popular de bonecos (Mamulengo) , da Convém destacarmos que o ero registro do
Feira de São Joaquim de Salvador (BA) . Além dis­ bem de natureza material ou imate ial não assegura
so, cerca de ·29 inventários se encontram em anda­ a sua preservação, mas sim, a adoç o de uma série
mento. Entre eles, destacamos: o do tacacá (PA) , de medidas que viabilizem um plan efetivo de sal­
o da cerâmica candeal (Minas Gerais) , o dos bois- vaguarda. Se tomarmos alguns exe pios desse pro-
•• ••
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76 Sandra C. . Pelegrini &- Pedro Paulo A . Funari O q u e é Patrimônio C u ltura/ Ima terial 77

cesso, talvez pos amos exemplificar com maior cla­


reza do que se t ta.
A fabricaçã artesanal de recipientes de barro,
registrado no Li ro de Saberes como ((Oficio das
Paneleiras de Go abeiras, , garante a subsistência de
cerca de 120 fé mílias da comunidade, portanto
constitui uma ati idade essencial na vida de pessoas Disponível em www. unesco. org. br
que vêm dando ontinuidade a uma tradição indíge­
na que é passad de geração a geração acerca de
400 anos. Algumas das paneleiras oferecem palestras e
As panelas s o tomadas como suportes impres­ oficinas de trabalho nos seus próprios galpões.
cindíveis ao cozi ento da moqueca capixaba, reco­ Nessa ocasião, elas têm a oportunidade de demons­
nhecida como um prato típico ou como sistema culi­ trar todo o processo de feitio das panelas de barro:
nário característi o da população do Espírito Santo. desde a extração da argila e modelagem, passando
Elas possuem v rios tamanhos e formatos: caldei­ pela primeira secagem, raspagem, polimento até a
rões, panelas de fundo, de pirão, de moqueca, de secagem final. Após esse processo, seguem-se a
caldo e travessas para servir. Nesse contexto, o pla­ queima ou cozimento do barro ao ar livre (com
no de salvaguard� desse oficio envolve não só ações lenha) , em seguida, uma a uma, as panelas são
atinentes à organização e à capacitação das panelei­ "açoitadas" , ou seja, pintadas com uma espécie de
1 pincel denominado "vassourinha de muxinga"
ras, mas, princip Imente, medidas que visam à sus­
tentabilidade a biental desse oficio. Por meio da (arbusto abundante na região) e com os pigmentos
educação patri onial e ambiental, as artesãs são obtidos da casca de árvore Rhisophora mangue.
conscientizadas de que a continuidade desse oficio Os dados fornecidos pela Associação das Pane­
depende da preservação dos insumos provenientes I eiras de Goiabeiras (APG) revelam que, na atualida­
f
do meio ambien e, ou seja, do barro extraído do de, os artefatos são comercializados no Brasil (São
Vale do Mulembj e do tanino, extraído do mangue­ Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Rio Grande do Sul ,
zal, e empregado na coloração das panelas de barro. Rondônia, entre outros) e no exterior (Austrália,
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· - · -
78 Sandra C. A. Pe/egrini & Pedro Paulo A. Funari O que é Pa t r i m ô n i o C u ltural I a te r i a l 79

Estados Unidos e França) e possuem um selo de ma! de uma entida�e que represenfe os artesãos e
. a auto-gestao dos seus projetos. Somadas a
factltte
controle de qualidade.
Como podemos observar, a APG atua como essas medidas, .ainda observamos 1 difusão de sua
uma espécie de cooperativa e assiste juridicamente musicalidade por meio de "gravaçõ s" e do agencia­
às paneleiras de modo a otimizar os negócios e mento de apresentações dos grup s de samba de
orientar a comercialização dos produtos artesanais. roda, entre outras atividades de divL igação.
Os contornos da salvaguarda do modo de fazer Constam do Livro de Registr das Formas de �
da Viola-de-cocho igualmente registrado no Livro Expressão também as manifestações gráficas e
dos Saberes se processa de maneira similar, pois esse orais da comunidade Wajãpi do A lapá, cuja manu­
instrumento musical é produzido unicamente de tenção garante a sua importância n esfera da tradi­
forma artesanal, com a utilização de matérias-pri­ ção cultural indígena. Chama-nos atenção a sua
mas existentes na região Centro-Oeste do Brasil. A excepcionalidade estética diante d outras formas
singularidade de seu formato garante suas peculiari­ in�íg�nas e não-indígenas de extpressão gráfica,
dades sonoras. pnnctpalmente porque a combina�ão de cores e
Já o "Samba de Roda do Recôncavo Baiq.no" , linhas se reporta ao ciclo vital da omunidade
. e à
proclamado como bem cultural nacional (2004) e percepção de suas relações com o eio aquático e
como patrimônio imaterial reconhecido na "Lista as espécies de peixes existentes n região. A arte ·

das Obras-Mestras do Patrimônio Oral e Imaterial Kusiwa foi inclusa pela Unesco, na "Lista das Obras­
da Humanidade" (2005), constitui uma das mais Mestras do Patrimônio Oral Imaterial da
.importantes formas de expressões musicais, coreo­ Humanidade" (2005) , sob a alegaç o de congregar
gráficas, poéticas e festivas da cultura brasileira. Os valores de afirmação identitária dos índios wajãpi.
especialistas admitem que ela influenciou o samba Curiosamente, a diversidad cultural das
carioca e configura-se como uma das referências da comunidades indígenas sobreviven es no extremo
musicalidade nacional. Suas particularidades envol­ norte do Brasil foi contemplada por meio da preser­
vem a formulação de um plano de salvaguarda, vação da Cachoeira do lauaretê - p meiro bem ima­
assentado nas ações dispostas à transmissão de terial a ser inscrito no Livro dos Lu ares, em 2006.
conhecimentos tradicionais, relativos ao saber fazer Localizada no Alto Rio Negro - unicípio de São
e-à execução do marchete, e também no arranjo for- Gabriel da Cachoeira (Amazonas) ela é avaliada
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80 O q u e é Patrimônio Cu ltura/ Im a te r i a l 81
Sandra C. A. Pe/egrini &- Pedro Paulo A. Funari

como um lugar s grado dos povos indígenas dos rios social brasileira. O acarajé, por exemplo, é um qui­
Uaupés e Papuri cujas origens remontam à fixação tute servido na rua (no domínio público) e que
e à convivência ntre cerca de 14 etnias diferentes, remete aos mitos de origem de autoridades sagradas
articuladas num rede de trocas e identificadas pelo africanas as quais o prato é oferecido em rituais de
respeito às suas isões de mundo, às formas de orga­ Candomblé (domínio privado) . O acarajé é ampla­
nização social e cultura material dela subjacente. mente reconhecido num Huniverso de representa­
Não pode os negligenciar que os estudos de ções simbólicas que se manifesta nas modinhas e
sistemas culinár ·os e seus derivados integram o canções populares" (2002, p. 43) .
inventariamento de comidas típicas de determina­ A partir da organização de "inventários ali­
das regiões do p ís. O acarajé, a tapioca, o pato no mentares" , torna-se possível evocar o conhecimen­
tucupi, a farinha de mandioca, entre tantos outros to de tradições referentes aos modos de fazer e de
pratos, estão sen o alvo de pesquisadores interessa­ consumir determinados alimentos. O Oficio das
dos em desvelar os costumes e a culinária regional. Baianas de Acarajé, registrado no Livro de Saberes
Lamentavelmen e, os sistemas de alimentação ain­ em 2005, contemplou a produção da chamada
da são pouco va orizados, embora os estudiosos do H comida de baiana" , comercializada em tabuleiros.
tema como Cla de Lévi-Strauss, desde longa data, O quitute, à base de feijão fradinho moído, cebola,
tenham indicado que esses sistemas podem eviden­ alho e adubos especiais como camarão, é consumi­
ciar elementos d s identidades nacionais, regionais, do tanto nos rituais religiosos como de modo infor-
étnicas e religios s. mal no quotidiano.
O preparo os alimentos pressupõe inter-rela­ Certo é que o registro dos bens não assegura a
ções entre os as �ectos culturais e simbólicos da vida transmissão dos saberes e das tradições, mas ofere­
social, entre a n ureza e a cultura, entre o particu­ ce visibilidade para manifestações regionais. O estí­
lar e o univers l, o salgado e o doce. Elizabete mulo à candidatura de outros bens materiais ou ima­
Mendonça e Ma ia Dina Nogueira Pinto enfatizam teriais deve prever a implementação de planos de
que a farinha de mandioca e o acarajé apresentam salvaguarda destinados à difusão e ao incentivo às
essa ca.Ǫcterístic basal, ou seja, a mistura. Ao mis­ práticas culturais. Na verdade, os livros de registro
turarmo� os ali� ntos, estamos relacionando tam­ contemplam uma estratégia cultivada pelo poeta
bém distintas tra ições culturais que integram a vida Mário de Andrade (1 893- 1 945) , quando ele se arvo-
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· - · -
86 Sandra C. A. Pelegrini & Pedro Paulo A. Funari O q u e é Patrimônio C u l t u r a l I 87

institucional. Assim, uma procissão do Senhor procissões à luz da doutrina, ou dav m continuidade
Morto é considerada parte das práticas da Igreja a rituais de oferenda ao mar que po co tinham a ver
Católica, oferendas a lemanjá seriam parte da com Maria? Apertadas tais prática ao continente
Umbanda, enquanto uma Marcha com Jesus uma sul-americano, encontraram aqui ai da outras divin­
manifestação evangélica. Do ponto de vista çios dades e concepções sobre a import ncia dos espíri­
organizadores dessas atividades, essas definições tos das águas. Ao lado dessas int rpretações dos
não estão incorretas. Contudo, em termos antro­ ameríndios vieram as práticas e os ituais africanos,
pológicos, cada uma dessas práticas tem significa� cuja relação com o mar não era me os importante.
ções muito variadas e que fogem do controle insti­ Divindades marítimas milenares, aria, espíritos,
tucional e dos significados teológicos das denomi­ lemanjá, tudo isso compõe um qua ro que foge ao
nações. Isso é importante, para podermos enten­ controle das teologias e das hierarq ias. As pessoas
der a dinâmica das práticas culturais imateriais reli­ que partic�pam das festividades nã apenas não se
giosas. Todas são produtos com origens variadas e importam com tais sutilezas, com , muitas vezes,
mescladas, em alguns aspectos institucionalizadas, percebem os usos que podem faze da diversidade
mas sempre vivas, tornadas significativas na práti­ de abordagens.
ca das pessoas comuns. Isso nos conduz a outro tema: s conflitos e as
Um exemplo permitirá observar essa riqueza. tensões que estão expressos nas m nifestações reli­
As procissões marítimas brasileiras em honra de giosas intangíveis. Quando falamo em tradições,
Nossa Senhora, tratadas em detalhe mais adiante, logo nos ocorre a manutenção da rdem, a repro­
· têm origens muito longínquas e variadas. Já há milê­ dução social, algo conservador. Na a está mais dis­
nios, no Mediterrâneo antigo, faziam-se procissões tante da vivência efetiva. Embora s origens dessas
marítimas em honra de divindades femininas. festas se percam nos milênios, ca a uma delas só
Quando o Cristianismo dominou o cenário, as pro­ existe como prática no momento presente. Uma
cissões tiveram continuidade, mas já assimiladas procissão existe durante a procissã e, a cada nova
tanto à teologia como à ritualidade cristã. As divin­ edição é uma recriação. Não há c �nservação, mas
dades pagãs foram substituídas por Maria, Mãe de vivência, que modifica a cada insta te. Além disso,
Deus. Os oficiantes se tornaram os sacerdotes cató­ essas manifestações têm sempre u caráter ambi­
licos. Em que medida as pessoas entendiam essas valente e sincrético. Por um lado há explicações
•• ••
•••• ••••
88

Sandra C A . Pe/egrini & Pedro Paulo A. Fu
nari

t:ológicas e estruturas hierárquicas qu e, por defin



ç�o, represer:ta a continuidade e o poder. Q ue
. m
da v1 da ao ntu , entretanto, não conhece be
m a
teolo�ia e, mai do que iss o, a interpreta à
sua
manetr�L As rei çõ es de poder tampouco são ac
ei­
tas J?actficamen . A reverência ao sacerdote ou
ao
ofi �t �nt e P�? e m es m o re forçar as hi erar
qu ia s A D IV E R S I D A D E R E L I G I O S A
so c1 a1 s e rel!g• sf�' m as ta b�m ssas autorid
C: � ades B RASILEIRA: TRADIÇÕES E

se curvam as a sta s e as , tn sptraçoes
dos fié is, em SINCRETISMOS
um movtmento qu e não é apenas de refo
.

rço da
o�de m . � ss o faz om que o patrimônio im aterial
re li­
gt os o SeJa capaz Cle expressar a diversidade de
inte­ No caldeirão brasileiro, talvez a diversidade
re ss es sociais e jogo.
religiosa seja o aspecto mais significativo e que, por
isso mesmo, tem merecido atenção; quando se trata
do patrimônio cultural imaterial. Neste capítwlo, tra­
taremos de duas festas ligadas ao mar, mas convém,
antes disso, recordar a significação dessa diversida­
de como tesouro brasileiro. No catálogo das festivi­
dades religiosas, não se pode esquecer de que comu­
nidades brasileiras preservam e recriam uma infini­
dade de festas que já pereceram em seus locais de
origem e que aqui se encontram vivificadas também
pelo contato com nossa diversidade. Assirn, temos
numerosíssimas comunidades libanesas, cujas festas
e tradições por vezes já não existem no Líbano. O
mesmo se pode dizer de rituais da península itálica e
da Europa Oriental praticados por um grande núme­
ro de grupos étnicos dispersos peJo Brasil. Come
••
· - · - ••
90 Sandra C. A. Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural / a teriaJ 91

número de praticantes não é o que importa, os . �'


'
mesclam signos do sagrado e do pr fano e se fun­
rituais de grupos indígenas ou das comunidades dem ações associadas ao espaço p ' blico e privado.
judaicas também representam parte substancial de . '
Em ambos os casos, essas práticas r montam a prá­
nossa cultura religiosa imaterial . Contudo, esteja­ ticas milenares, muito anteriores esmo ao surgi­
mos atentos. Mesmo as comunidades mais fechadas mento do Cristianismo. Essas car cterísticas são
não mantêm, apenas, os rituais. Como vimos, eles capazes de nos revelar particularida es das identida­
são recriados a cada momento e os influxos mútuos des étnicas e tradições regionais sec lares.
não deixam de consubstanciar as próprias tradições,
que se tornam, assim, características de nosso país.
o CíRIO DE NAZARÉ
As celebrações místicas geralmente apresen­
tam elementos multifacetados e interfaces com O Círio de Nossa Senhora d Nazaré, cele­
.
diferentes religiões. Agregam distintos mitos funda­ brado na cidade de Belém do Par desde o sécu­
. '

dores que, por uma via ou outra, tendem a explicar lo XVI l i , constitui-se num ritual detalhado que
a origem e o sentido da existência humana. Não são envolve procissões terrestres e flu iais, missas de
raros os exemplos de sincretismos religiosos, tam­ abertura e enceramento, cumpri ento de pro­
pouco os processos de apropriação de santós ou messas e, por fim, a confraterni ação dos fiéis
entidade, que produzem re-significações da relação num almoço que reúne amigos e familiares. Os
do homem com a divindade. A celebração do Círio dados, contidos no processo n2 0 1 5 0 . 0 1 . 0 1 0332-
de Nossa Senhora de Nazaré e da Festa de Nossa 2004-07 dos bens culturais imat riais (2004 , p.
Senhora dos Navegantes constituem exemplos sig­ 3) e na certidão conferida pelo lp an (2004 , p. 1 -
nificativos desses processos de assimilação ritual e 2 ) , atestam que a devoção à No sa Senhora de
I
de transformação que ocorrem ao longo do tempo. Nazaré remonta à região da Estr madura portu-
As duas festas apresentam similaridade$ e foram guesa, em Nazaré, ao norte de ortugal, cujas
inspiradas nas práticas de devoção à Nossa Senho­ origens conjugam tradições medie ais manifestas
ra� respectivamente, no século XII e no século XV. por meio de procissões e repr sentações dos
Logo, as origens das duas celebrações remetem ao embates contra os mouros. Algu s aspectos são
catolicismo português medieval e se consubstan­ ainda mais antigos, provenientes e cultos celtas
ciam em manifestações rituais coletivas, nas quais se e romanos, como o pagamento de promessas .
•• ••
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.'
(

92 Sandra C. A . Pelegrênê &- Pedro Paulo A. Funari O q u e é Pa trimônio C u l t u ra / Ima t e r i a l 93

tígio de cada indivíduo na sociedade colonial . Por essa


razão, a primeira romaria "oficializada" pelas autori­
dades de Belém contou com o "acompanhamento de
tropas de infantaria e cavalaria" , "membros da câma­
ra" da cidade, além da Baronesa de Belém , dos fidal­
gos, dos indígenas e dos escravos.
A ·· Festa de Nazaré se inicia com a procissão
t'ro1ctss4�o .do Círio de Nazaré
em www .belem.pa.gov.br
pródiga em image ns, carros alegóricos, rezas e hinos
que rememoram à lenda do achado da imagem de
Nossa Senhora na floresta da Província de Grão
A histori , que trata das manifestações do Pará e Rio Negro, em 1 700, por um homem conhe­
Círio no Brasil, sinala que a primeira procissão rea- cido como Plácido. Esse caboclo se apossou da esta­
lizada por de Francisco de Souza Coutinho, tueta e a transportou para a choupana onde vivia.
então g do Grão Pará e Rio Negro, ocor- .No dia seguinte, constatou que a imagem prodigio­
reu em 8/9/179 . Aliás, como salientou Stuart 8. samente havia voltado para o lugar onde havia sido
Schwartz, no igo uThe King's Processions: encontrada·. O hipotético acontecimento se difun­
Municipal and al Authority and the Hierarchies diu na região e muitos quiseram comprovar o supos­
of Power in Colr"..-' l Salvador" (2004, pp. 7-8) , era
·
to "milagre" , inclusive o governador da província,
costume no Bras colonial a realização de cerimônias que ordenou a busca e a apreensão da imagem para
públicas, inclusi de procissões religiosas, cuja fun- que fosse conservada no Palácio do Governo.
ção simbólica trava-se na representaÇão da auto- Contudo, o "inexplicável" traslado da santa tornou a
ridade e da ça da Coroa de inúmeras formas. se repetir causando a comoção e o espanto da popu­
Normalme , tais eventos encetavam disputas lação que habitava aquele logradouro. A partir de
e geravam dese ndimentos entre as autoridades então, foi erguida uma pequena capela para abrigar
políticas e o cl uma vez que se prestavam a dar a Nossa Senhora de Nazaré e inúmeros relatos pas­
visibilidade aos res instituídos e aos papéis sociais saram a constatar os seus milagres.
estabelecidos. A posição ocupada por um fidalgo ou A realização do Círio em Belém do Pará , por­
uma pessoa do p vo er� distintiva do status e do pres- tanto, atualiza o "mito fundador" do culto à Nossa
•• ••
94 Sandra C. A. Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O q u e é Patrimônio C u ltura/ Ima terial 95

Senhora, comove a população local, atrai pessoas de Além disso, tornou-se um evento do chamado
várias partes do país e gera a reprodução do ritual turismo religioso que gera divisas pdra o Estado do
em escalas menores e privadas entre os paraenses p
Pará e garante a sobrevivência da opulação local
que vivem em outras localidades do país. A procis­ que aproveita o ensejo para se inse ir no mercado,
são nos seus primórdios realizava-se da ��cidade para comercializando toda sorte de suv nir, alimentos,
o interior, uma vez que a Belém [ . . . ] do século XVI I I , bebidas, entre outros produtos.
era ainda um �úcleo reduzido" . Com o passar dos A procissão terrestre reúne g upos de anjos,
anos, ela passou a ser efetuada no sentido contrário: motoqueiros, carros alegóricos que ludem às metá­
a berlinda carregando a imagem da Santa deixa a foras do �chado da Santa e seus rodígios. Entre
Basílica de Nazaré e dirige-se para a Catedral de
Belém, e depois refaz o mesmo percurso. A popula­ fidalgo a receber as dádivas da San a em Portugal,
ridade da celebração aumentou de maneira inco­ assim como barcaças que carregar insígnias das
mensurável, independentemente das iniciativas do bênçãos alcançadas (objetos de cer como pernas,
clero ou das autoridades do Estado, e agregou novos cabeças, muletas, casas, entre outr s) . Há ainda a
elementos como o "Círio Fluvial" - inserção que berlinda que conduz a imagem da S nta.
acabou ratificando os vínculos entre a "religiosidade Em termos estruturais, o ritual ' composto por
dos povos da região amazônica" e os "modos de três segmentos principais, uma célul nuclear presti­
viver da população local" . giada por autoridades eclesiásticas, políticas, civis,
militares e irmandades religiosas. E ses convidados
eram e continuam sendo mantidos mais próximos
da imagem da Santa e dentro da cor a que constitui
um dos elementos essenciais da pr cissão, e ainda
distingue-os de toda a gente. Uma ação mediado­
ra reúne os fiéis que carregam a co a e "puxam" a
berlinda. Por fim, um sem-número e participantes
acompanha o cortejo. As corporaçf>es militares de
terra, céu e mar permanecem ladeando o núcleo
Círio Fluvial - Disponível em www.belem.pa.gov.br central dessa procissão.
•• ••
••••
I. ••••
'

96 . Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O q u e é Patrim ô n io Cultural I m a terial 97

FESTA DA SENH RA DOS NAVEGANTES marinai. As tradições portuguesas, portanto, l igam­


As memó ·as e as práticas coletivas e indivi­ se a práticas milenares.
duais relacionad às distintas etnias e aos sincretis­ Naturalmente, nas celebrações faz-se menção
mos religiosos do Círio de Nazaré apresentam simi­ à oraç�o dedicada para à Santa e se retomam os
seguintes clamores:
laridades com a esta de Nossa Senhora dos Nave­ '

gantes, realizada em Porto Alegre (Rio Grande do


[. . . ] Virgem Maria, Senhora dos Navegantes,
Sul) , em Lagu a (Santa Catarina) , em Boa minha vida é uma travessia de um mar turbulen­
. .,
Esperança do Su , na Ilha do Mel, em Paranaguá, to.
.
As tentações, . os fracassos e as desilusões são
.

em Coronel Do ingos Soares, em Pato Bragado e ondas impetuosas que ameaçam -afundar minha
em ltaipulândia ( araná) , entre outras localidades. frágil embarcação no abtsmo do desânimo e do
A designação ossa Senhora dos Navegantes, desespero.

como já meneio mos, originou-se no século XV, Nossa Senhora dos Navegantes, nas horas de

em decorrência d incremento dos empreendimen­


·
perigo eu penso �in,vós. O medo desaparece, o

f
tos náuticos do� uropeus, em espec�al dos �ortu­
ânimo, a disposição de lutar e de vencer fortale­
cem-me [. . . ].
gueses. A essa ep ca, a figura de Marta era, Stmbo­
licamente, assoei da a uma mulher audaciosa e
Tal prece confortava os navegadores que
mestra dos viajanfes - o que a transformava num
p�diam a proteção de Nos sa Senh ora, confi?-ntes
"talismã" nas temfestades. As tradições de associar
nurri retorno tran qüilo ao loca l de onde parttram .
a deusa da água salgada, Salácia, em latim, eram Todavia ,· a interpretação da oração pode ser apli­
f
muito antigas em odó ó Mediterrâneo e as antigas cad a às fase s turbulentas da vida dos fiéis que
procissões pagãs fi ram revestidas de um verniz cris­ nela con fiam .
tão, com a assoei ão da Virgem à antiga divindade Assim como em Belém do Pará, ·as procissões
Salácia, esposa d� d�us Netuno. Durante a Idade devotadas à Nossa Senhora dos Navegantes, orga­

Média, na Cristan ade, o Mediterrâneo viu flores­ nizadas no Sul do Brasil, deslocam a Santa da Igreja
cer as procissões marítimas em honra à Madonna dei de onde ela é padroeira para depois transladá-la ao
� . ..
i
/

98 Sandra C. A. Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural lm teria! 99
. . . . .....

s�u local de origem, por meio de procissões repletas somem-se frutas como a melancia, o abacaxi e uma
de significados míticos que evocam hinos e fervoro­ espécie de coquinho denominado bu iá.
.sas orações. No entanto, não podemos atestar que Por certo, a teatralização das rocissões e a
haja coincidência nas datas de início da Festa de ritualização da comerísà.lidade abaliz m os ciclos de
·

Nossa Senhora dos Navegantes nas cidades acima interação social, caracterizados po atitudes ceri­
citadas. Os registros referentes à festa em Porto moniais, que conjugam a adoração a s santos reve­
Alegre remetem ao princípio do século XX, enquan­ renciados e o entretenimento satisfei o por meio do
to a celebração efetuada em Coronel ·oomingos consumo abastado de bebidas e co idas típicas, da
Soares indica como marco o ano de 1955. apresentação de folguedos e cantori s - elementos
que tradicionalmente completam um circuito recor­
A despeito das difere�tes temporalidades, as rente nas festas de santo que articul m as práticas
duas procissões são realizadas na primeira quinzena do rezar"·, "comer�' e "dançar" . Es a sucessão de
H

do mês de outubro e de feverei�o, re�pectivamente. atividades evoca conhecimentos tr dicionais rela­


Elas contam com a queima de fogps de artificio, o cionados aó saber fazer de sistemas c linários, baila­
cortejo fluvial e o arremesso d.e presentes para a dos e folias que combinam traços, sim ltaneamente,
senhora das águas (como fitas,· ·perfumes, flores, regtonats e untversats.
• • • •

entre outros objetos). Dessa forma, os fiéis reveren­ Em síntese, a coesão, e as tens-es sociais e as
ciam t?tnto à santa católica quanto a entidade afro­ manifestações públicas de religiosida e proclamadas
brasileira sintetizada na figura do orixá lemanjá, evi­ por meio da fé, do lazer e dos costum s alimentares,
denciando os traços do sincretismo religioso brasilei­ contribuem para ratificar tradições revigorar os
ro, talvez rl)ais explícitos no Norte e N ardeste do sentidos de pertencimento, explicit , fortalecer e
país, mas também presentes no Sul. Nesse caso, contestar hierarauias além de fortal cer as intrica-

também ao fim da procissão inicia-se a confraterni­ ..


das identidades nacionais,. regionais, étnicas e reli-
zação entre os devotos por meio da comensalidade, giosas, reveladoras de aspectos da v da social e do
.dos cantos e das danças. No caso de Belém, são patrimônio cultural de inúmeras com nidades .
consumidos pratos como o pato no tucupi, o tacacá
e o camarao do rio conhecido como pitu. No Sul,
além do almoço, dos doces e salgados típicos, con-
•• ••
··-· · ., . ••••
••
••••

A BE L E ZA , A V ITA L I DADE E O
VALOR DO PATRI M ÔNIO C U LT U RAL

Por ocasião da proclamação e do registro do


Tambor de Crioula, no Livro das formas de expres­
são do patrimônio cultural imaterial brasileiro, em 18
de junho de 2007, em São Luís do Maranhão, o
ministro da Cultura, Gilberto Gil, afirmou que o
registro celebrou "a primeira ação de um conjunto
de políticas que o Governo Federal" aspirava a
"implementar para a preservação do bem cultural".
Nessa direção, ratificou a necessidade do desenvol­
vimento de planos de salvaguarda capazes de con­
templar medidas que assegurassem a "transmissão
dos saberes, o estímulo a novos compositores e o
apoio ao registro fonográfico e audiovisual" desse
patrimônio. Além disso, salientou que ações contí-
. ..
••••
102 Sandra C. A. Pelegrini & Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 103

guas deveriam promover a "difusão" e o "incentivo" povo", temos que ter claro que para tanto se torna
de pesquisas sobre a cultura popular. fundamental o respeito à diversidade e à criação de
O discurso entusiasta de Gilberto Gil, realizado condições necessárias à transmissão dos conheci­
na Casa das Minas (um dos terreiros mais antigos da mentos adquiridos e da herança cultural dos povos.
cap�tal maranhense), foi acompanhado por Luiz Num mundo globalizado que tende a homogeneizar
Fernando de Almeida (presidente do lphan), as culturas, a aproximação entre crianças, jovens,
Jackson Lago (governador do Maranhão) e Sandra adultos e anciãos detentores de saberes e práticas
Torres (prefeita em exercício de São Luís), além dos ancestrais nem sempre ocorre de forma harmonio­
representantes do Conselho Consultivo do sa. As autoridades políticas, as escolas e as comuni­
Patrimônio Cultural e dos brincantes que ocuparam dades locais precisam se aglutinar em torno de pro­
as ruas do centro da cidade, festejando com seus gramas e projetos comuns de preservação de seus
tambores e bailados o merecido reconhecimento. bens culturais, de proteção das tradições orais e
Aclamado, o ministro enfaticamente declarou: populares. Dessa maneira, os cidadãos envolvidos
"Não é o registro que vai garantir a sobrevivência do vão se sentir valorizados por meio dos oficios arte­
Tambor de Crioula, mas é a responsabilidade de sanais, das receitas culinárias, das beberagens medi­
todos nós". cinais e dos saberes de suas comunidades e, com
Em contrapartida, os comentários de alguns certeza, serão motivados a transmitir esses conhe­
mestres do Tambor lembraram a função social do cimentos às próximas gerações.
registro e sua importância na esfera da sustentabili­ Maria de Lourdes Parreiras Horta, uma expe­
dade dos grupos e das comunidades. Para Q mestre riente especialista na educação patrimonial no
Amaral, esse registro "veio para melhorar as condi­ Brasil, avalia que essa "prática pedagógica" deve
ções do grupo e divulgar ele (sic) em todo o Brasil" , partir de alguns preceitos assentados na própria teia
complementando essa fala, o mestre Felipe, um dos histórica que envolve cada bem, artefato ou expres­
mais antigos da região, salientou que o "tambor tira são cultural. E ela adverte: "[ . . . ] É preciso apreen­
essas crianças da marginalidade". der a ouvir as coisas, a entender suas lições. . ."
Se considerarmos, como afirmou nessa oportu­ (2005, p. 223-224).
nidade a prefeita Sandra Torres, que a "cultura é o Essa valorização do patrimônio cultural, seja
viés mais forte para erguer a · auto-estima de um material ou imaterial, talvez induza as comunidades
•• ••
•••• ••••
••
101 Sandra C. A Pelegrini & Pedro Paulo A Funori
••••
a cobrarem dos seus representantes políticos ações
em prol da preservação de suas tradições ou, pelo
menos, o reconhecimento formal delas. Todavia, um I
dos maiores desafios a ser enfrentado no campo da
pr�servação do patrimônio cultural se deve à sua
dispersão na imensidão do território brasileiro e,
principalmente, à urgente necessidade de integração
das políticas culturais às demais políticas públicas INDI CA Ç ÕES P ARA LEITURA
prioritárias do país. Estaremos satisfeitos se este
livro puder contribuir para que os leitores possam se
posicionar e participar da construção de práticas
culturais que valorizem nossa diversidade, tão bem
expressa no patrimônio imaterial brasileiro. A Convenção para a salvaguarda dos bens cultu­
rais intangíveis, de 2003, está publicada no
lnternational Journal of Cultural Property , 12, 4,
2005, p. 447-465. Um apanhado da trajetória do
termo cultura encontra-se em Keywords: a
Vocabulary of Culture and Society, de Raymond
Williams (Londres: Fontana, 1988), disponível em
português, publicado pela Boitempo. Os sentidos
latinos da palavra estão esmiuçados no Dictionnaire
étymologique de la langue !atine, de A. Ernout e A.
Meillet (Paris: Klincksieck, 1967).
As definições da Antropologia estão em A an tro­
pologia con temporânea, de Jean-Marie Auzias (São
Paulo: Cultrix, 1978, p. 1 1), e L 'A nthropologie, de
Marc Auge e Jean-Paul Colleyn Paris: PUF, 2004), p.
12. A citação de Pascal Ory vem de L 'Histoire
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106 Sandra C. A. Pelegrini &- Pedro Paulo A. Funari O q u e é Patrimônio Cultural Imaterial 107

Culturelle (Paris: PU F, 2004), p. 8. A diferença entre Janeiro: Paz e Terra, 2000) e A identidade cultural na
o chimpanzé e o ser humano está em Cultura, um pós-modernidade (Rio de Janeiro: DP&A, 2005). O
conceito antropológico, de Roque de Barros Laraia terna da genética das populações está desenvolvido
� em Claude Lévi-Strauss, de Catherine Clérnent
(20 . ed., Rio de Janeiro: Zahar, 2006). A citação de
Gib,erto Freyre, vem de Sociologia, tomo I , (Paris: PUF, 2002) p. 93. Claude Lévi-Strauss trata
!
Introdução ao estudo dos seus princípios, (3 . ed., Rio do valor da preservação da diversidade em Lê regard
de Janeiro: José Olympio, 1962) p. 546. A definição éloigné (Paris: Plon, 1983). A citação do Capital, de
de Christoph Brumann está em seu artigo "Writing Karl Marx ( I , v. I) foi retirada do livro Arqueologia, de
Culture: Why a Successful Concept Should not Be Pedro Paulo A Funari (São Paulo: Contexto, 2003)
Discarded", Current Anthropology, 40, Supplement, p. 14. A discussão sobre patrimônio encontra-se em
February 1999, p. S23. A historicidade das culturas Patrimônio histórico e cultural, de Pedro Paulo A
está bem tratada em A noção de cultura nas ciências Funari e Sandra Pelegrini (Rio de Janeiro: Jorge
ll
sociais, de Denys Cuche (2 . ed., Bauru: Edusc, Zahar, 2006). A citação do artigo de Tolina Loulanski
2002). A ponderação de Marc Augé fazia parte de está em "Revising the Concept for Cultural Herita­
uma sua conferência em Perúgia, em parte publica­ ge: the Argurnent for a Functional Approach",
da no Corriere de/la Sera, 11/l/2007, p. 27, sobre lnternational Journal o/Cultural Property, 13, 2006,
"Nuove identità". A citação de Warnier está em p. 213. A citação de Edward Said vem do seu artigo
seu livro La mondialisation de la culture (Paris: La "Urnanesimo", publicado postumamente no Corriere
Découverte, 2004), p. 20. A entrevista de Marshafl del/a Sera, 7/l/2007, p. 23.
Sahlins foi publicada em Le Nouvel Observateur, 26 Vale a pena consultar as proposições de Pierre
de julho de 2007, pp. 78-81. Nora acerca da consciência do patrimônio, no artigo
As discussões sobre identidades e pertencimen­ "Conclusion dês entretiens", publicado ern Sience et
to estão no livro de Pedro Paulo A. Funari, Charles conscience du patrimoine: actes dês entretiens du
E. Orser Jr., Solange Nunes de Oliveira Schiavetto, patrimoine (Paris: Librairie Fayard/ É ditions du
Identidades, discurso e poder: estudos da arqueologia Patrimoine, 1997) e avaliar as hipóteses de Kawada,
contemporânea (São Paulo: Annablurne/Fapesp, La rnérnoire corporelle: le patrimoine imrnatériel,
2005); e nas obras de Manuel Castells e Stuart Hall, em Pourquoi se souvenir? (Académie Universelle des
respectivamente, O poder da· identidade (Rio de Cultures: Grasset, 1998), p. 146-50. Os conceitos
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108 Sandra C. A. Pelegrini & Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 109

de conservação integrada e desenvolvimento sus­ CNFCP, 2002), editado por José Reginaldo Santos,
tentável encontram-se no livro Gestão do patrimônio no qual são apresentadas reflexões de Elizabete
cultural integrado , editado por Sílvio Mendes Mendonça e Maria Dina Nogueira Pinto sobre as
Zancheti (Recife: Ceci/Universidade Federal de relações entre o patrimônio e os sistemas culinários.
Per..nambuco, 2002). Além deles, recomendamos a Questões da educação patrimonial foram contem­
leitura do artigo "Cultura e natureza: os desafios pladas em "Lições das coisas: o enigma e o desafio
das práticas preservacionistas na esfera do patrimô­ da educação patrimonial", texto de Maria de
nio cultural e ambiental", publicado no Dossiê Lourdes Parreiras Horta, na Revista do Patrimônio
Natureza e Cultura (julho de 2006), da Revista Histórico e Artístico Nacional (Brasília: I phan, nº 31,
Brasileira de História (São Paulo: Anpuh, 2006) e 2004). O Inventário Nacional de Referências Cul­
World Heritage Sites: Types and Laws, na turais - INRC/Iphan, matérias jornalísticas da Folha
Encyclopaedia of Archaeology (Oxford: Elsevier, de S. Paulo e do noticiário do próprio lphan foram
2007), ambos de autoria de Sandra Pelegrini, cons­ importantes para o entendimento dos discursos e
tituem volumes pertinentes ao assunto. A acepção das repercussões relativas às questões do patrimô­
de patrimônio imaterial é contemplada em três nio ima�erial.
obras bastante acessíveis: I) Os sambas, as rodas, os A abordagem sobre a religiosidade como fenô­
bumbas, os meus e os bois: a trajetória da salvaguarda meno cultural e a diversidade que envolve distintos
dos bens imateriais no Brasil (1936-2006) ; 2) Samba rituais foi enfrentada por lsidoro Alves, no artigo "A
de roda do Recôncavo Baiano; 3) O registro do patri­ festiva devoção no Círio de Nossa Senhora de
mônio imaterial: dossiê das atividades da comissão e Nazaré" (Estudos Avançados, 2005 , v. 19, n9 54, pp.
todos
do grupo de trabalho do patrimônio imaterial, 3 15-332); Renato A Carneiro Jr., na obra Festas
publicados em Brasília: Departamento do Patrimô­ populares do Paraná (Curitiba: Secretaria do Estado
nio lmaterial/lphan, respectivamente nos anos da Cultura, 2005); Eidorfe Moreira, em Visão geo­
2006, 2005 e 2000. Foram citados os cadernos social do Círio (Belém: Gráfica Universitária, 1971);
Registro e políticas de salvaguarda para as culturas Sandra C. A. Pelegrini, em "A diversidade e os
populares (Rio de Janeiro: lphan/CNFCP, 2005), impasses da desmaterialização do patrimônio cultu­
organizado por Andréa Falcão, e também Alimen­ ral", integrado aos Anais - XXIV Simpósio Nacional
tação e cultura popular (Rio âe Janeiro: Funarte/ de História - História e multidisciplinaridade: territó-
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110 Sandra C. A. Pelegrini & Pedra Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 111

rios e deslocamentos (São Leopoldo/Rio Grande do Unesco sobre a Diversidade Cultural (2001); Lista de
Sul: Anpuh - Unisinos, 2007), p. 1-8 e por Carolina Obras-Mestras do Patrimônio Oral e Imaterial da
Chagas, no livro Nossa Senhora (São Paulo: Humanidade (200 I e 2005). Além de Declaration
Publifolha, 2006). As relações entre as simbologias Concerning the lntentional Destruction of Cultural
do .poder e as procissões religiosas manifestas nas Heritage (2003); Convention on the Protection and
cerimônias públicas foram pesquisadas por Stuart Promotion of the Diversity of Cultural Expressions
B. Schwartz, no texto Ceremonies of Public (2005) e Protocolo de Kyoto (2004), todos disponí­
Authority in a Colonial Capital. T he King's Pro­ veis em http://www.unesco.org.br.
cessions and the Hierarchies of Power in Seven­
teenth Century Salvador, publicado nos Anais de
ÀGRADECIMENTOS
História de Além-Mar (Lisboa: Centro de História
de Além-Mar, 2004), p. 7-27. Agradecemos o apoio institucional do Núcleo
de Estudos Estratégicos da Unicamp, CNPq,
As citações referentes aos documentos oficiais
Fapesp e a Universidade Estadual de Maringá; o
constam da Constituição da República do Brasil
incentivo dos professores Francisco Ollero Lobato
(1988) e das emendas constitucionais acessíveis em
(Universidad Pablo de Olavide, Sevilha, Espanha) e
http:/ /www6.senado.gov.br; Decreto-lei n2 25/1937
Stuart B. Schwartz (Yale History Faculty, EUA), e
(principal instrumento jurídico utilizado pelo lphan)
ainda aos colegas do lnternational Journal of
e Decreto n9. 3551/2000 (Registro de Bens Culturais Cultural Property, assim como Thomas Patterson. A
de Natureza Imaterial) , ambos disponíveis em responsabilidade pelas idéias, naturalmente, restrin­
http://www.portal .iphan.gov.br. Entre os docu­ ge-se aos autores.
mentos produzidos por organizações como a
Unesco e entidades afins, consultamos a Carta de
Fortaleza (1997); Carta de Haia (1954); Carta de
Veneza (1964); Declaração de Amsterdã (1975);
Declaração do México (1982 e 1985); EC0-1992;
Agenda 21; Recomendação sobre a Salvaguarda da
Cultura Tradicional e Popular (1989); Nossa
Diversidade Criativa (1996); Déclaração Universal da
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'

SOBRE OS A U TORES

SANDRA C. A . PELEGRINI
Sou natural de São Paulo - capital, graduei-me
em História (Unesp/ Assis, 1988), obtive o mestrado
em História e Sociedade (Unesp, 1993), doutorado
em História Social (USP/2000). Desenvolvi os estu­
dos de pós-doutorado na Unicamp, entre 2005 e
2006, sob a tutela do Professor Dr. Pedro Paulo
Funari. Como docente lotada no Departamento de
História, da Universidade Estadual de Maringá
(UEM), tenho atuado desde 1991 no ensino de gra­
duação em História e, a partir do ano 2000, nos cur­
sos de graduação em Arquitetura e Urbanismo e de
pós-graduação em História, no Mestrado, do qual
fui coordenadora entre 2001 e 2003. Tenho traba­
lhado na linha de pesquisa "Fronteiras, populações e
bens culturais", nos cursos de especialização volta­
dos ao debate sobre políticas públicas, projetos e
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114 Sandra C. A. Pelegrini f:r Pedro Paulo A. Funari O que é Patrimônio Cultural Imaterial 115

comissões de cultura empenhadas na defesa do PEDRO PAULO A. FUNARI


patrimônio cultural na região do Norte do Paraná. Nasci em São Paulo, graduei-me em História
Como coordenadora do Laboratório de Estudos das (USP. 1981), obtive o mestrado em Antropologia
Artes e do Patrimônio Cultural da UEM e pesquisa­ Social (USP 1985), doutorado em Arqueologia (USP.
dora do Núcleo de Estudos Estratégicos da Uni­ 1990), Livre-Docência em História (Unicamp,
camp, tenho aprofundado as reflexões em torno do 1996), fui professor da Universidade Estadual
patrimônio cultural, das memórias, das artes e das
Paulista (Unesp/ Assis, 1986-1992), sendo hoje pro­
identidades. Por conseguinte, publiquei vários arti­
fessor titular da Universidade Estadual de Campinas
gos científicos, em revistas especializadas brasileiras
(de 1992 em diante), pesquisador associado da
e estrangeiras. Entre as produções e co-edições
mais recentes, vale destacar A UNE nos anos 60: lllinois State University (Estados Unidos) e da
utopias e práticas políticas no Brasil (Londrina: Universitat de Barcelona (Espanha), professor, tam­
Eduel, 1998); História, espaço e meio ambiente bém, do Programa de Pós-Graduação em
(Maringá: Anpuh Paraná, 2000); Dimensões da ima­ Arqueologia da Universidade de São Paulo, coorde­
gem: interfaces teóricas e metodológicas e narrativas nador-associado do Núcleo de Estudos Estratégicos
da modernidade na pesquisa histórica (ambos publi­ da Unicamp. Atuo, ainda, como pesquisador do
cados pela Editora da UEM, em 2005); Patrimônio Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais
histórico e cultural, com Pedro Paulo A. Funari (Rio (Nepam/Unicamp) e no doutorado em Ambiente e
de Janeiro: Jorge Zahar, 2006) e "World Heritage Sociedade. Lidero o Grupo de Pesquisa do CNPq,
Sites: Types and Laws", na Encyclopaedia ofArcha­ sediado no Núcleo de Estudos Estratégicos da
eology, organizada por Deborah M. Pearsall Unicamp. Publiquei mais de 200 artigos científicos,
(Oxford: Elsevier Ltd., 2007). Meus e-mails são em revistas acadêmicas brasileiras arbitradas, e mais
spelegrini@wnet.com.br e
de 50, em revistas estrangeiras arbitradas. Publiquei
sandrapelegrini@yahoo. com. br.
dezenas de livros, diversos deles no exterior, como
Global Archaeological Theory (Nova York: Kluwer,
2005). Atuei como professor convidado em diversas
universidades estrangeiras. Sou estudioso do patri-
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I16 Sandra C. A. Pelegrini &- Pedra Paulo A. Funari

mônio e membro do conselho editorial da revista


lnternational Journal of Cultural Property, assim
como atuante na preservação digital. Meu email é
ppfunari@uol.com. br

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