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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE HISTÓRIA

IRACÉLLI DA CRUZ ALVES

FEMINISMO ENTRE ONDAS:


Mulheres, PCB e política no Brasil

NITERÓI
2020
IRACÉLLI DA CRUZ ALVES

FEMINISMO ENTRE ONDAS:


Mulheres, PCB e política no Brasil

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em História do Instituto de História da Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial à
obtenção do título de Doutora em História.

Campo de confluência: História Social.

Orientadora:
Profª Drª Rachel Soihet

NITERÓI
2020
IRACÉLLI DA CRUZ ALVES

FEMINISMO ENTRE ONDAS: mulheres, PCB e política no Brasil

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História do Instituto de
História da Universidade Federal Fluminense
como requisito parcial à obtenção do título de
Doutora em História.

Campo de confluência: História Social.

Aprovada em 03 de julho de 2020

BANCA EXAMINADORA

Profª Drª Rachel Soihet – UFF


Orientadora

Profª Drª Larissa Vianna – UFF


Presidenta

Profª Drª Ana Carolina Barbosa Pereira – UFBA

Profª Drª Janaína Martins Cordeiro – UFF

Dr.ª Joana Maria Pedro – UFSC

Dr. Rodrigo Patto Sá Motta – UFMG


Para Ellis.

“Vi o meu sentido confundido, iluminado.


Vi o sol enluarar quando viu você.
Vi a tarde inteira, a sexta-feira, o feriado
Esperando o amor chegar e trazer você [...]
Agora não entendo,
o meu relógio o amor tirou.
Mas sei que o meu coração
tá batendo mais forte porque você chegou”.
IV

AGRADECIMENTOS

Cheguei naquela hora que deixei para escrever por último: os agradecimentos.
Corro o risco de esquecer nomes importantes. Peço desculpas desde já. Não é ingratidão.
Há quase três anos o universo me presenteou com a chegada de Ellis. Ela veio
trazendo esperança e muito amor. Revirou tudo. Como é bom tê-la em meu cotidiano!
Grande parte desta tese foi escrita em sua presença, que demandava atenção, trabalho,
carinho e muita criatividade. Com Ellis aprendi in loco sobre os desafios e delícias da
maternagem, sobre o que significa rede de apoio e sobre a difícil tarefa de educar uma
criança a partir dos valores feministas, especialmente agora. Obrigada por tudo que vem
me ensinando, minha pequena! Você desperta tantos sentimentos lindos! “Você é o amor
da minha vida, a esperança que arde em calor, você é a tradução do que é o amor”.
Ellis é parte de uma rede feminista poderosa – e redes poderosas não se constroem
sem conflitos, tensões e pensamentos divergentes. Tudo o mais é romantização do
cotidiano ou idealizações individualistas. Sou grata à minha mãe Célia Maria Alves e à
minha irmã Isabelle Alves por tudo que temos construído e aprendido juntas. Dentro de
nossas diferenças, sabemos que podemos contar umas com as outras sempre, em qualquer
circunstância. Agradeço a papai, Iraldo Alves, por todo apoio, cuidado e afeto dedicados.
Sua presença foi e é essencial em minha trajetória. Admiro os desafios e dificuldades (e
não foram poucas!) que, junto com mamãe, enfrentou para garantir nossa existência de
modo que não nos faltasse alimento de corpo e de alma. A papai devo o amor pela
Literatura!
Falando em redes de apoio, sou grata a Mauricio, meu par, por tudo que temos
compartilhado. Obrigada pela cumplicidade, amor, trocas acadêmicas, escuta e pela
coleção de momentos inesquecíveis. Agradeço ainda a oportunidade de dividir a
companhia de pessoas queridas. Magui, Néa, Amanda, Arlen, Marquinhos e a garotada,
obrigada por sempre me acolherem tão bem e com afeto.
Minhas trigêmeas, Louise, Marjorie e Manuela, obrigada por rechearem minha
vida com tantos momentos felizes. Há dez anos vocês chegaram como uma deliciosa e
desafiadora novidade. Três bebês de uma vez só! Vocês fazem parte de um repertório
lindo e me sinto muito feliz em ter contribuído com ele. Ocupem todos os espaços!
Alice, minha afilhada, você também me ensinou e ensina muito sobre cuidado. Há
13 anos você existe e há 13 anos sou sua fã. Foi um prazer compartilhar com sua mãe
V

(que como eu ainda era uma menina) os cuidados com você, especialmente em seus
primeiros anos de vida. Olhe, foi um grande desafio, viu! Sou grata ao Universo por você
existir alegrando e desafiando nossas vidas. Sua maturidade me impressiona (até quando
dá piti).
Gratidão ao carinho de minhas primas Damaris e Rosa, de Arthurzinho e de
Merks. Agradeço ainda ao meu primo Igor e ao meu tio Ivan pela ajuda que me deram
durante a seleção de doutorado, articulando parte das passagens. Sou grata ao meu
cunhado Adilson pela convivência e pelo auxílio imprescindível com os trâmites da
qualificação quando eu não estava no país. Dorita, obrigada pela alegria e brincadeiras.
Ellis se diverte muito com a vovó de Ipiaú.
Não posso deixar de expressar minha gratidão a Silvana Andrade. Ao longo dos
quatro anos de doutorado ela não mediu esforços para me ajudar. Morando em Salvador,
nem sei como seria se uma baiana tão solidária não entregasse todos os meus relatórios
semestrais, além das outras demandas institucionais que vez ou outra aparecia. Silvana,
não tenho palavras para te agradecer! Outra baiana que em muito me ajudou no Rio de
Janeiro foi Tamy Assad. Sua presença no meu exame de qualificação me encheu de
alegria e segurança. Muito obrigada, mulher!
Erasmo, meu presente da seleção. Jamais vou esquecer sua generosidade em um
momento tão tenso para nós: a seleção de doutorado. Saímos com a sensação de que nos
encontraríamos no próximo ano para tentar de novo. Nem imaginávamos que seríamos
aprovados... Nos tornamos amigos. Nosso santo bateu. Obrigada por tanto. Na mesma
vibe, agradeço a Guilherme, sempre solícito, desde o processo seletivo. Passamos muitos
dilemas semelhantes no doutorado. Muito obrigada pela força.
Agradeço aos amigos e amigas queridas que me fazem sorrir, compartilham
dúvidas, angústias, passeios, cervejas e conversas regadas a gargalhadas. Aline, Davi,
Débora, Djalma, Eneida, Hernandes, Itamar (Manchinha), Patrícia (Baiana), Berga,
Larissa, Letícia, Michele, Rafael... muito obrigada! Vocês fazem valer a ideia de que a
vida não cabe no Lattes. Rafa, obrigada pela paciência, pelos ouvidos sempre atentos,
pelo apoio nos momentos mais duros, pela leitura dos meus textos (inclusive da tese) e
obrigada por, junto com Lary, presentear o mundo com Bentinho. Continuem firmes e
fortes no lindo e desafiador processo de educá-lo para a liberdade. Débora, obrigada pelo
diálogo e pela troca de figurinhas de pesquisa de sempre. Muitas ideias surgiram depois
de nossas conversas. Agradeço também os vários livros doados. Guardo todos com muito
carinho e alguns me ajudaram na escrita. Muito obrigada Thaila e Laise, minhas amigas
VI

desde pequenininha, pela amizade de tantos anos e tantos sonhos. Lai, grata por Lulu
linda e todo amor que ela representa.
Nos dois primeiros anos do doutorado não tive bolsa, não fossem os “acasos” –
que, parafraseando o poeta, me protegem quando eu ando distraída –, nem sei o que seria
de mim. Renata foi um desses presentes de Orixá. Nos conhecemos por acaso e em pouco
tempo ela abriu as portas de sua casa no Rio de Janeiro, sem cobrar absolutamente nada
por isso. Muito obrigada, Renatinha! Talvez você nem imagine o tamanho da minha
gratidão. Estendo os agradecimentos a Rita, que compartilhou o ap. e generosamente me
recebeu. Agradeço a Márcio (Marcinho) por ter mediado o encontro e por me presentear
com generosas e revigorantes aulas de Yoga e meditação, sobretudo naqueles momentos
em que eu estava prestes a explodir.
Agradeço a Antônio Sales, meu tio, que não hesitou em me ajudar para a minha
permanência no Rio enquanto eu estava sem bolsa. O auxílio material foi uma maneira
de demonstrar carinho e uma aposta de que eu precisava concluir. E conclui! Também
agradeço as nossas trocas acadêmicas, profissionais e políticas. Estendo os
agradecimentos à minha tia Rose pela troca afetiva de sempre e pela oportunidade de
participar das rodas de conversas na Pastoral do Menor em Alagoinhas, partilhando
saberes com a garotada do projeto Jovem Aprendiz. Aqueles eram momentos importantes
para abastecer o coração com esperança.
Gratidão aos apoios e afetos da UFF. Em primeiro lugar, agradeço à minha
orientadora: Professora dr.ª Rachel Soihet. Por Rachel nutro um enorme carinho, respeito
e admiração por tudo que ela representa como mulher, professora, historiadora... Sobra
admiração e faltam palavras. Me sinto muito honrada em tê-la como minha orientadora.
Muito obrigada às professoras dr.ª Juniele Rabelo e dr.ª Larissa Viana por me segurarem
pela mão e me ajudarem enormemente na reta final do doutorado. Vocês são um doce! A
Juniele sou grata ainda pelas aulas maravilhosas e descontraídas junto com a professora
dr.ª. Ismênia e por suas sugestões imprescindíveis no exame de qualificação. Igualmente
fundamental foram as contribuições da professora dr.ª Joana Maria Pedro. Larissa,
gratidão pelo auxílio na organização da defesa e pelas palavras encorajadoras.
Agradeço a todas as professoras que aceitaram o convite para arguir este trabalho:
dr.ª Ana Carolina Barbosa Pereira (UFBA), dr.ª Janaína Cordeiro (UFF), dr.ª Joana Maria
Pedro (UFSC) e dr. Rodrigo Passo Sá Motta (UFMG). Não tenho dúvidas de que as
críticas serão fundamentais para o aprimoramento do texto e para instigar outras
possibilidades de pensamento. Agradeço também a dr.ª Larissa Vianna por presidi-la.
VII

Não poderia deixar de agradecer à professora dr.ª Iracema Brandão (UFBA), à


professora dr.ª Giselle Venâncio (UFF) e ao professor dr. Robert Wegner (FIOCRUZ),
pela condução de aulas instigantes e provocadoras que em muito contribuíram para eu
pensar os problemas da pesquisa.
Também sou grata a Beatriz Monteiro, da Coordenação de Documentos Escritos
do Arquivo Nacional (RJ), que liberou o acesso aos documentos do Fundo da Federação
Brasileira pelo Progresso Feminino em um momento de reorganização do acervo para
disponibilização online. Muito obrigada por tamanha generosidade e desculpa por
“invadir” sua sala de trabalho por tantos dias.
Agradeço ao professor Paulo Santos Silva (UNEB) por tanta generosidade. Paulo,
muito obrigada por ler meu projeto de doutorado e, mais do que isso, dispensar toda uma
tarde para me orientar antes de submetê-lo à avaliação. Sem falar nas outras tantas
conversas que em muito me ajudaram a desenvolver a pesquisa.
Não poderia deixar de registrar meu agradecimento à professora dr.ª Elisângela
Ferreira (UNEB), flor de maracujá, que na banca de TCC, lá em 2012, me alertou que
aquela contenda de feminismo poderia render. E rendeu! Gratidão à professora dr.ª
Márcia Barreiros pela orientação no Mestrado e por, mesmo depois de encerrado o
vínculo institucional, está sempre disponível para uma boa prosa (de pesquisa ou não).
Muito obrigada, Márcia. Tenho um carinho enorme por você.
Obrigada professor dr. Manuel Loff por sua recepção tão generosa e humana no
doutorado sanduíche na Universidade do Porto. Sua solidariedade (e os jantares
inesquecíveis) aqueceu o frio do outro lado do Atlântico. As nossas conversas sempre
foram momentos de grande aprendizagem. Que sorte a minha!
Laura e Ivan, obrigada por tantos momentos leves, descontraídos e alegres regados
a cervas geladas, vinhos e tira-gostos (Hum! Saudade do rissole de leitão do 77!) que
partilhamos. Construímos um pedacinho do nosso país Nordeste em Portugal! Adriana e
Lira obrigada pelo acolhimento. Adriana, gratidão pelo diálogo e por Maria Bonita.
Guardo meu presente com muito carinho. É sempre muito massa encontrar alguém na
mesma sintonia de pesquisa, porque ainda temos muito a dizer sobre nós e os feminismos!
Sou grata ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alagoinhas (GEPEA), sobretudo
às amigas Eliana Batista, Aline Najara Gonçalves e Ede Soares, por tantas trocas
intelectuais e afetivas, pela oportunidade de desenvolvermos projetos importantes na área
do ensino e da pesquisa e pelas boas geladas compartilhadas, especialmente aquelas no
VIII

famoso Gota D’Água (Alagoinhas) junto com o saboroso pirão de aipim com carne do
sol ou tripa frita, porque merecemos!
Gratidão eterna a todas as professoras, professores, alunas, alunos e alunes que
atravessaram a minha vida. Vocês me ensinaram demais!
Registro o apoio da CAPES pelos dois anos de bolsa imprescindíveis para que eu
pudesse dar continuidade à pesquisa.
Enfim, uma rede de apoio, afeto e solidariedade gigantesca foi fundamental para
que eu encerrasse mais uma etapa importante de minha trajetória acadêmica. Grande parte
dessa rede é formada por mulheres, especialmente por mulheres negras, contrariando
aquela ideia da “rivalidade feminina”. Rivalidade para quem?
IX

RESUMO

Partindo das ações e vozes de mulheres que movimentaram a política brasileira entre as
décadas de 1940 e 1970 defendo a tese de que entre as chamadas primeira e segunda onda
feministas houve um processo significativo de construção do feminismo no Brasil. Muitas
das novidades comumente apontadas como próprias da segunda onda já vinham sendo
construídas. Analiso, sobretudo, o feminismo de orientação comunista protagonizado por
mulheres cisgênero e desenvolvido entre 1946 e 1957 em sintonia com o Partido
Comunista do Brasil (PCB). Em 1946 foi fundado o Instituto Feminino de Serviço
Construtivo (IFSC) com o objetivo de criar uma organização que conseguisse articular
um movimento de mulheres nacional e unificado. No ano seguinte, emergiu o jornal
Momento Feminino, importante meio de articulação do projeto político. Em 1949 nasceu
a Federação de Mulheres do Brasil (FMB), que atuou com visibilidade pública até 1957.
Pensando a dimensão coletiva, este período se sobressai na tese. No entanto, o
enfraquecimento institucional não implicou o encerramento da circulação de projetos
feministas de sociedade. A análise das trajetórias de duas militantes do PCB – Jacinta
Passos e Alina Paim – serviu de baliza para pensar o feminismo durante as décadas de
1960-70, temporalidade que atravessa a tese. Optei por pensar o processo como
movimento não em fases apartadas que pouco ou nada dialogam. Acredito que abordagens
que enfatizem as relações no lugar das descontinuidades seja a forma mais adequada de
pluralizar e democratizar o debate, contribuindo tanto para repensar a linearidade e a
evolução entre as supostas ondas, quanto para descobrir outros sujeitos que atuaram entre
e para além delas.

Palavras-chave: Feminismo, comunismo, mulheres, gênero, política.


X

ABSTRACT

Starting from the actions and voices of women that moved Brazilian politics between the
1940s and 1970s, I defend the thesis that between the so-called first and second feminist
waves there was a significant process of construction of feminism in Brazil. Many of the
novelties commonly identified as belonging to the second wave were already being built.
I analyze, above all, the communist-oriented feminism led by cisgender women and
developed between 1946 and 1957 in tune with the Communist Party of Brazil (PCB). In
1946 the Feminine Institute of Constructive Service (IFSC) was founded with the
objective of creating an organization that managed to articulate a national and unified
women's movement. In the following year, the newspaper Momento Feminino emerged,
an important means of articulating the political project. In 1949 the Federation of Women
of Brazil (FMB) was born, which acted with public visibility until 1957. Thinking about
the collective dimension, this period stands out in the thesis. However, the institutional
weakening did not imply the end of the circulation of feminist society projects. The
analysis of the trajectories of two members of the PCB - Jacinta Passos and Alina Paim -
served as a guideline for thinking about feminism during the 1960s-70s, a temporality
that runs through the thesis. I chose to think of the process as a movement, not in separate
phases that have little or nothing dialogue. I believe that approaches that emphasize
relationships instead of discontinuities are the most appropriate way to pluralize and
democratize the debate, contributing both to rethink linearity and the evolution between
supposed waves, and to discover other subjects who have acted between and beyond
them.

Keywords: Feminism, communism, women, gender, politics.


XI

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1 – Capa da primeira edição de Momento Feminino............................... p. 41


Imagem 2 – Brasileiras na II Conferência Internacional de Mulheres.................. p. 98
Imagem 3 – Zezé prepara a exposição (contra a carestia) ..................................... p. 118
Imagem 4 – Fotografias de Jacinta Passos ............................................................ p. 159
Imagem 5 – Fotografias de Alina Paim.................................................................. p. 189
Imagem 6 – Capa do romance A Hora Próxima..................................................... p. 209
Imagem 7 – Capa do romance Sol do Meio Dia .................................................... p. 215
XII

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABDE – Associação Brasileira de Escritores


ABE – Associação Brasileira de Educação
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
ABL – Associação Brasileira do Livro
ASF – Associação Social Feminina
ACFS – Associação Cívica Feminina de Santos
AFRJ – Associação Feminina do Rio de Janeiro
APED – Associação Profissional das Empregadas Domésticas
ASB – Associação de Senhoras Brasileiras
ASF – Ação Social Feminina
CDIM – Comitê Democrático Internacional de Mulheres
CE – Casa do Estudante
CEDP – Centro de Estudos e Defesa do Petróleo
CIM – Comissão Interamericana de Mulheres
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CMT – Comitê de Mulheres Trabalhadoras
CNT – Conselho Nacional do Trabalho
CSPM – Charitas Social Pró-Matre
DEOPS-SP – Departamento de Ordem Política e Social/São Paulo
EAN – Escola Ana Nery
EECC – Escola de Enfermeiras Carlos Chagas
EUA – Estados Unidos da América
FBB – Federação das Bandeirantes do Brasil
FBPF – Federação Brasileira pelo Progresso Feminino
FDIM – Federação Democrática Internacional de Mulheres
FMB – Federação de Mulheres do Brasil
FMECE – Federação de Mulheres do Estado do Ceará
FMESP – Federação de Mulheres do Estado de São Paulo
FNB – Frente Negra Brasileira
IC – Internacional Comunista
IFSC – Instituto Feminino de Serviço Construtivo
JFAC – Juventude Feminina da Ação Católica
XIII

LCF – Liga Comunista Feminina


MDB – Movimento Democrático Nacional
MEC – Ministério da Educação e Cultura
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PL – Projeto de Lei
PR – Partido Republicano
PRP – Partido Republicano Progressista
PSP – Partido Social Progressista
SCFS – Sociedade Cívica Feminina de Santos
STF – Supremo Tribunal Federal
SUNAB – Superintendência Nacional de Abastecimento
UBE – União Brasileira de Escritores
UDF – União Democrática Feminina
UDN – União Democrática Nacional
UFA – União Feminina de Alagoinhas
UFB – União Feminina do Brasil
UFG – União Feminina Gaúcha
UNE – União Nacional dos Estudantes
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
UUF – União Universitária Feminina
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................... IV
RESUMO .................................................................................................................................... IX
ABSTRACT ................................................................................................................................. X
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ...................................................................................................... XI
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .............................................................................. XII
INTRODUÇÃO – FEMINISMOS EM DEBATE: MEMÓRIA E HISTORIOGRAFIA... 16
 Trajetória da investigação ............................................................................................ 21
 Conceito de feminismo: notas preliminares ................................................................ 23
 Feminismo no Brasil: disputa de narrativas ............................................................... 29
 Estrutura da tese ........................................................................................................... 40
PARTE 1 – MULHERES EM MOVIMENTO....................................................................... 43
CAPÍTULO 1: MOMENTO FEMININO: DORES E SABORES DE UM JORNAL DE
MULHERES PARA MULHERES .......................................................................................... 45
1.1. “Para o coração, sim. Mas também para o espírito”: orientação política e
objetivos de Momento Feminino........................................................................................... 45
1.2. Estrutura, funcionamento e iniciativas feministas ................................................. 57
1.3. “Luta mas vive!”: movimento para colocar o jornal em circulação ..................... 70
1.4. Anticomunismo, antifeminismo e perseguição política .......................................... 76
1.5. Momento Feminino e a retórica antifeminista ........................................................ 80
CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DE UMA ORGANIZAÇÃO NACIONAL DE
MULHERES: DIÁLOGOS, DISPUTAS E TENSÕES ......................................................... 85
2.1. O movimento de mulheres em tempos de expectativas democráticas e Guerra Fria
................................................................................................................................................. 85
2.2. O processo de construção de uma frente única de mulheres .................................... 103
CAPÍTULO 3: COMUNISTAS E FEMINISTAS: A FMB E O MOVIMENTO NACIONAL
DE MULHERES ..................................................................................................................... 116
3.1. A FMB e a organização do “movimento feminino” ............................................. 116
3.2. Anticomunismo, antifeminismo e violência........................................................... 126
3.3. Marxismo, libertação das mulheres e moralismo ................................................. 133
3.4. Violência política e resistências .............................................................................. 139
3.5. Notas sobre o Golpe Civil-Militar e os movimentos feministas ........................... 151
PARTE 2 – INVENÇÃO DA LIBERDADE: A POLÍTICA EM PROSA E POESIA ...... 157
4.1. Apresentação ................................................................................................................ 160
4.2. Mergulho na vida pública: literatura, imprensa e política ....................................... 161
4.3. Casamento, maternidade, PCB e consagração literária ........................................... 169
4.4. Últimos passos: o difícil equilíbrio entre a lucidez e a loucura ................................ 183
CAPÍTULO 5 – POLÍTICA EM PROSA: OS ROMANCES FEMINISTAS DE ALINA
PAIM ........................................................................................................................................ 189
5.1. Apresentação ................................................................................................................ 189
5.2. Mudanças e projeção na cena pública ........................................................................ 191
5.3. Mergulho na militância partidária, contribuições na imprensa e investimento na
literatura romanesca ........................................................................................................... 199
5.4. Uma pausa na introspecção: experimentando o realismo socialista ........................ 208
5.5. De volta aos compartimentos da alma: retomando a politização do cotidiano....... 214
PARTE 3 – DEBATE FEMINISTA: A DEFESA DA AUTONOMIA DAS MULHERES
NOS ÂMBITOS PÚBLICO E PRIVADO ............................................................................ 231
CAPÍTULO 6 – DESIGUALDADES DE GÊNERO NA ESFERA PÚBLICA E DILEMAS
DO COTIDIANO .................................................................................................................... 232
6.1. O Código Civil de 1916 e as restrições à liberdade das mulheres ............................ 232
6.2. Mulheres em busca de autonomia: reivindicações pela alteração da lei civil ......... 236
6.3. Por mais mulheres na política institucional ............................................................... 241
6.4. Mundo do trabalho: dignidade e melhores condições para as trabalhadoras ........ 245
6.5. Emprego doméstico: trabalho de fronteira, relação intragênero e superexploração
............................................................................................................................................... 249
6.6. Classe e gênero: diferentes mulheres, diferentes necessidades ................................ 258
6.7. Prioridades do movimento: gênero ou classe? ........................................................... 266
CAPÍTULO 7 – DESIGUALDADES DE GÊNERO NA ESFERA PRIVADA: A POLÍTICA
DA INTIMIDADE ................................................................................................................... 269
7.1. Trabalho doméstico e relações de gênero ................................................................... 269
7.2. Família, educação das crianças e maternidade.......................................................... 273
7.3. Moral sexual heteronormativa .................................................................................... 286
7.4. Casamento e divórcio ................................................................................................... 297
7.5. Desnaturalização da desigualdade de gênero ............................................................ 306
7.6. As chaves da liberdade: independência econômica, moral e afetiva ....................... 311
EPÍLOGO – FEMINISMO EM MOVIMENTO: UMA HISTÓRIA PARA ALÉM DAS
ONDAS ..................................................................................................................................... 319
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 325
 Fontes ........................................................................................................................... 325
 Bibliografia .................................................................................................................. 346
16

INTRODUÇÃO – FEMINISMOS EM DEBATE: MEMÓRIA E


HISTORIOGRAFIA

No último período da escola da Escola Normal, discutira muito com as


colegas sobre a liberdade da mulher; naquela época seus planos de
independência reduziram-se à luta econômica, à posse do dinheiro;
algumas vezes avançava também no domínio intelectual, procurando
ter percepção lúcida dos problemas humanos. Com surpresa, Luísa
certificara-se que vencer nos terrenos econômicos e intelectual não
constituía tudo para a mulher, falta muito para que seja inteiramente
livre, senhora de seu destino. [...] Pela primeira vez experimentara
independência, tinha consciência de liberdade agora que rompera a
escravidão afetiva, [...] partira a continuidade de submissão mantida
pelas mulheres da família através de gerações.1

Com estas palavras a narradora caminha para o fim da narrativa do romance Simão
Dias, de Alina Paim, publicado em 1949. Ao falar em “escravidão afetiva” como um dos
principais fatores de subalternização das mulheres, a prosa parece antecipar um debate
que se tornaria forte a partir da década de 1970, momento em que se convencionou
chamar de segunda onda feminista. A autora estaria à frente do seu tempo?
“À frente do tempo”... Frase de efeito comum em biografias que atribuem às
personagens históricas o lugar da excepcionalidade. Não é isso que pretendo. Alina Paim
não foi uma voz isolada. Nem seria possível sê-lo. As pessoas sempre estão, de maneira
complexa, mergulhadas em seu contexto, afetando e sendo afetadas por ele. Sendo assim,
a escritora imprimiu em seu romance um debate que estava colocado no tempo da escrita,
contribuindo com a sua sensibilidade de romancista.
O trecho de abertura representa uma amostra dos temas que agitaram as discussões
feministas antes dos famosos anos 1970. Individualizar em Alina Paim a capacidade de
enxergar os problemas do seu tempo seria injusto com suas contemporâneas, mulheres
que como ela e/ou com ela escolheram dedicar parte importante de suas vidas à utopia
feminista. O romance tem uma autoria, mas tem as marcas de um movimento coletivo do
qual a autora fez parte: o movimento de mulheres de orientação comunista que se
estruturou em meados da década de 1940 e manteve-se forte até o final dos anos 50. Um
feminismo que chamo de entre ondas por estar fora dos marcos temporais consolidados.
As narrativas historiográficas sobre os movimentos feministas se dividem
basicamente em dois grandes grupos, evidentemente que com nuances. Um define que o

1
PAIM, Alina. Simão Dias. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1949. p. 203-206.
17

feminismo nasceu na década de 1970, 2 o outro aponta para numa perspectiva linear
dividida em três ou quatro ondas que pouco ou nada dialogam. A primeira teria começado
no final do século XIX, se estendendo até aproximadamente o início da década de 1940;
a segunda, nos anos 1970 – após um intervalo de duas décadas; a terceira, na década de
1990 – sofisticando o debate da segunda; e a última teria começado por volta de 2012-
2013, inovando radicalmente a predecessora. A emergência das ondas geralmente é lida
com o signo da ruptura. A “nova” viria sempre propondo mudanças radicais.3
Um olhar sobre as temporalidades comumente negligenciadas pode revelar outras
histórias. Entre as supostas duas primeiras ondas, por exemplo, houve um movimento
expressivo quase nada investigado. Será que não atingiu o tamanho ou a força suficiente
ao ponto de se tornar uma onda? Ou seria necessário remexer nas etapas? A segunda onda
estaria localizada entre 1940-50? Ao invés de quatro, os movimentos feministas no Brasil
teriam cinco ondas?
Não necessariamente. Prefiro pensar o processo como movimento. Talvez o
esforço em dividir essa história em etapas não dê conta de explicar a complexidade dos
feminismos, cuja história não é marcada por uma temporalidade conectada a uma linha
evolucionista e diacrônica. A perspectiva da linearidade talvez aumente o risco de
respostas fáceis: rotular de excepcionais casos que fogem às características atribuídas às
fases.
Ao analisar a história acadêmica produzida, sobretudo, na Europa e nos Estados
Unidos sobre a segunda onda feminista ocidental, Clare Hemmings chamou a atenção
para o fato de que a abordagem dominante “simplifica a complexa história dos
feminismos ocidentais, fixa autoras e perspectivas dentro de uma década específica e,

2
DELPHY, Christine. Feminismo e Recomposição da Esquerda. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13,
n. 1. p. 187-199, 1992; SARTI, Cynthia Andersen. O feminismo brasileiro desde os anos de 1970:
revisitando uma trajetória. Estudos Feministas, v. 12, n. 2. p. 35-50, 2004; BASTOS, Natália de Souza.
Elas por elas: trajetórias de uma geração de mulheres de esquerda. Brasil – anos 1960-1980. 2007.
Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói,
2007.
3
TOSCANO, Moema; GOLDEMBERG, Mirian. A Revolução das Mulheres. Rio de Janeiro: Revan, 1992;
BACK, Lilian. A seção feminina do PCB no exílio: debates entre o comunismo e o feminismo (1974-1979).
2013. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis, 2013; RIBEIRO, Djamila. Simone de Beauvoir e Judith Butler:
aproximações e distanciamentos e os critérios da ação política. Dissertação (Mestrado em Filosofia) –
Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2015;
ABREU, 2010; BLAY, Eva Alterman; AVELAR, Lúcia (Orgs). 50 anos de feminismo: Brasil, Argentina e
Chile. São Paulo: EdUSP/FAPESP, 2017; KREUZ, Débora Strieder. A formação do movimento feminista
brasileiro: considerações a partir de narrativas de mulheres que militaram contra a Ditadura Civil-Militar.
Tempo & Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 24, p. 316-340, abr./jun., 2018.
18

repetida e, erroneamente, posiciona feministas pós-estruturalistas como as `primeiras´ a


desafiar a categoria ‘mulher’ como sujeito e objeto do conhecimento feminista”.4

Essa estória [produção de sentidos sobre o passado]5 divide o passado


recente em décadas definidas para fornecer uma narrativa de progresso
incansável ou de perda, proliferação ou homogeneização. A teoria
feminista ocidental conta sua própria estória como uma narrativa em
desenvolvimento, onde nos movemos de uma preocupação com
unidade e semelhança, passando pela identidade e diversidade, em
direção à diferença e à fragmentação. Tais mudanças são geralmente
concebidas em correspondência com as décadas de 70, 80 e 90,
respectivamente, e como um movimento partindo do pensamento
feminista radical, socialista e liberal em direção a uma teoria pós-
moderna do gênero. Contudo, seja como for sua inflexão, a cronologia
permanece a mesma, as décadas sobrecarregadas, mas curiosamente
estereotipadas, e o pós-estruturalismo desempenhando o papel de ator
principal no questionamento da “mulher” como ponto de partida para a
política feminista e a produção de conhecimento.6

No Brasil, a narrativa majoritária seguiu exatamente essa cronologia, sempre


tomando como referência a evolução do feminismo europeu, sobretudo francês, e norte-
americano, que funcionam como uma espécie de métrica para avaliar o quanto e como o
feminismo evolui no país. O livro da filósofa francesa Simone de Beauvoir geralmente
aparece como um divisor de águas. Entre as décadas de 1960-70, as feministas brasileiras
teriam descoberto O Segundo Sexo e logo depois novas teóricas feministas europeias e
norte-americanas. As leituras teriam sofisticado o debate feminista no país. A partir
daquele momento, as feministas brasileiras teriam compreendido que o “ser mulher” não
era meramente um dado biológico, mas uma construção cultural.
No entanto, como será demonstrado, muitas das ideias presentes em Beauvoir
estavam sendo discutidas antes mesmo do seu famoso livro ser publicado. Os estudos
sobre a suposta renovação do feminismo na década de 1970 que consideram apenas o
pensamento de Beauvoir e outras teóricas do Norte Global como marcos do
aprimoramento do debate feminista local silenciam muitas vozes. Por isso, é preciso
problematizar o nortecentrismo que, segundo Ramón Grosfoguel, “se impõe por meio de

4
HEMMINGS, Clare. Contando estórias feministas. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 215-
241, jan./abr., 2009. p. 215.
5
Segundo nota emitida pela edição: “O uso da palavra ‘estória’ demarca a contingência do termo em relação
a “história”. Em inglês os termos correspondentes “story” and “history” não são tão marcados quanto em
português pela diferença em termos de construção de uma narrativa ficcional (estória) e de uma referência
a fatos passados (história). Em inglês, “story” geralmente refere-se a narrativas ou tradições orais; “history”
refere-se a eventos que ocorreram e relatos formais ou pesquisas. Ao longo do texto original a autora utiliza
o termo “story”, aqui traduzido por “estória”, para enfatizar o processo pelo qual se produz sentidos sobre
o passado, questionando a noção de que a “história” é algo meramente descritivo”. Ibid., p. 215-216.
6
Ibid.
19

mecanismos institucionais universitários, militares, internacionais (ONU, FMI, Banco


Mundial), estatais etc.”.7 Para o autor, esse é um tipo de autoridade não democrática na
medida em que se impõe “à base da superioridade do conhecimento imposta pela
dominação ocidental capitalista do mundo e tem uma história de longa duração”.8
Em se tratando da epistemologia feminista, seguindo as sugestões de
Hemmings, uma forma de pluralizar/democratizar o debate é optar por abordagens que
enfatizem as relações no lugar das descontinuidades, o que contribui tanto para repensar
a linearidade e o “evolucionismo” entre as ondas, quanto para descobrir outros sujeitos
que atuaram entre e para além delas.9
Como disse, o movimento que estudo na tese se localiza entre as chamadas
duas primeiras ondas, sobretudo, aquele desenvolvido no Brasil de 1946 até 1957. Em
1946 foi fundado o Instituto Feminino de Serviço Construtivo (IFSC) com o objetivo de
criar uma organização que conseguisse articular um movimento de mulheres nacional e
unificado. No ano seguinte criou-se o jornal Momento Feminino, importante meio de
articulação do projeto político. Em 1949 nasceu a Federação de Mulheres do Brasil
(FMB), que atuou com visibilidade pública até 1957. Pensando a dimensão coletiva do
movimento este período se sobressai na tese. No entanto, o enfraquecimento institucional
não implicou o encerramento dos movimentos feministas. A análise de trajetórias
individuais serviu de baliza para pensar a circulação do projeto feminista de sociedade
durante as décadas de 1960-70, temporalidade que atravessa a tese.
Meu olhar está voltado especialmente para o feminismo de orientação comunista
protagonizado por mulheres cisgênero 10 e desenvolvido em sintonia com o Partido

7
GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas:
racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e
Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 25-49, jan./abr., 2016. p. 26.
8
Ibid.
9
HEMMINGS, 2009, p. 215-216.
10
Grosso modo, a expressão é utilizada para definir as pessoas que constroem sua identidade de gênero
conforme o sexo que lhe foi atribuído no nascimento a partir, principalmente, da genitália. Estas identidades
seguem uma divisão binária: macho/fêmea – homem/mulher – masculino/feminino. As pessoas que nascem
com genitálias ou estrutura fisiológica ambíguas – considerando o padrão normatizado pela ciência – são
chamadas de intersexo e frequentemente a medicina intervém para corrigir o que supõe ser uma anomalia.
No entanto, em muitos casos, as intervenções têm gerado problemas. Não raro, as crianças operadas
crescem e não se identificam com o gênero que lhe foi designado na cirurgia. Estes problemas têm
movimentado um largo debate científico, em que se questiona, inclusive, até que ponto o caso constitui-se
em uma deficiência. Ademais, as pessoas que nascem com a genitália e a fisiologia alinhadas a um dos
sexos da divisão binária construída pela biologia nem sempre se identificam com o gênero que lhes é
atribuído no nascimento. Nestes casos, elas se identificam como pessoas transgênero e não necessariamente
se encaixam no binarismo macho/fêmea – homem/mulher – masculino/feminino. Para um debate mais
aprofundado sobre os temas cf.: MACHADO, Paula Sandrine. O sexo dos anjos: um olhar sobre a anatomia
e a produção do sexo (como se fosse) natural. Cadernos Pagu, Campinas, n. 24, p. 149-251, jan./jun., 2005;
SANTOS, Ana Lúcia. Para lá do binarismo? O intersexo como desafio epistemológico e político. Revista
20

Comunista do Brasil – que depois viria a se chamar Partido Comunista Brasileiro (PCB).11
A cronologia não funciona como uma camisa de forças. Quando necessário fiz recuos ou
avanços que julguei importantes para explicitar a dimensão interligada do movimento.
Antes da emergência do pós-estruturalismo, o feminismo entre ondas
desafiou – não sem contradições – a naturalização do que significava ser mulher ou
homem e das diferenças de classe/raça presentes na construção do gênero, em um
momento em que o gênero ainda não tinha sido forjado enquanto conceito. Entretanto,
ele não compõe as narrativas historiográficas sobre os movimentos feministas. No geral,
há uma supervalorização da suposta segunda onda em detrimento da primeira, vista como
menos ousada.12 Já o movimento que emergiu entre elas é genericamente chamado de
“movimento de mulheres” ou “movimento feminino”.
Na década de 1980, Elisabeth Souza Lobo já chamava a atenção para o
problema. De acordo com ela, naquele contexto, as pesquisas sobre os “movimentos de
mulheres” e os “movimentos feministas” estabeleciam divisões problemáticas quando os
separavam, problema ainda recorrente. Ademais, os estudos sobre os movimentos
populares – que tiveram ampla participação de mulheres – frequentemente não se
preocupavam em estabelecer recortes de gênero, comprometendo reflexões mais
profundas sobre o processo de construção do feminismo enquanto movimento.13
Apesar dos avanços nos estudos feministas da década de 1980 para cá, ainda
carecemos de reflexões mais abrangentes no que diz respeito às relações entre os
movimentos populares de mulheres e os movimentos feministas. Os diálogos

Crítica de Ciências Sociais, n. 102, n. 3-20, dez., 2013; MODESTO, Edith. Transgeneridade: um complexo
desafio. Via Atlântica, São Paulo, n. 24, p. 49-65, dez., 2013.
11
Até 1961 o partido a sigla PCB se referia ao Partido Comunista do Brasil. Mas em agosto daquele ano,
como estratégia para conseguir um registro legal, substituiu o “do Brasil” por “Brasileiro”. A intenção era
se esquivar de uma das justificativas para cassação do registro em 1947, a de que o PCB não era um partido
brasileiro, mas uma seção da Internacional Comunista (IC). Mesmo assim, o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) negou o visto. A mudança de nome aguçou tensões internas que já vinham se arrastando desde 1956,
sendo o estopim para uma cisão da qual sairia o Partido Comunista do Brasil (PCB do B), em fevereiro de
1962. O novo partido reivindicava-se o “verdadeiro Partido Comunista”. As duas legendas ainda hoje
disputam qual delas representa o “verdadeiro” partido fundado em 1922. Cf.: GORENDER, Jacob.
Combate nas Trevas. A esquerda brasileira: das ilusões à Luta Armada. 2° ed. São Paulo: Ática, 1987. p.
33-34.
12
O livro 50 anos de Feminismo, publicado em 2017, carrega no próprio título a supervalorização da
chamada segunda onda. Ao datar o feminismo na América Latina, o título subestima ou secundariza as
experiências que vieram antes dos cinquenta anos que celebra. A coletânea pontua a existência de
movimentos anteriores, mas confere aos últimos cinquenta anos um caráter mais inovador e consequente
dos feminismos. Ou seja: o verdadeiro feminismo estaria completando meia década. Cf. BLAY, Eva
Alterman; AVELAR, Lúcia (Orgs). 50 anos de feminismo: Brasil, Argentina e Chile. São Paulo:
EdUSP/FAPESP, 2017.
13
LOBO, Elisabeth Souza. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São Paulo,
Perseu Abramo, 2011. p. 241.
21

estabelecidos entre as supostas “vagas” ou “ondas” e como se expressaram em diferentes


contextos ainda precisam ser sistematizados. Dado os limites da pesquisa, as escolhas que
fiz motivada por elementos objetivos e subjetivos, o trajeto construído e os recortes
inevitáveis, não poderei resolver todos os problemas. Não fiz, por exemplo, uma síntese
capaz de evidenciar as continuidades e descontinuidades entre as ondas. Aqui analiso as
experiências do movimento feminista de orientação comunista que se desenvolveu no
Brasil entre as décadas de 1940 e 1970. Demonstro que muitas das novidades apontadas
como próprias da segunda onda já vinham sendo construídas décadas antes.

 Trajetória da investigação

A tese é resultado de uma pesquisa que não começou há quatro anos quando
ingressei no doutorado. Certo incômodo com narrativas que negavam a existência de
movimentos feministas no Brasil entre as décadas de 1940 e 1970 apareceu em 2010,
quando dei os primeiros passos como pesquisadora. A bolsa de Iniciação Científica que
recebi quando cursava Licenciatura Plena em História na Universidade do Estado da
Bahia (UNEB) – Campus II, Alagoinhas-BA – foi muito importante para o
desenvolvimento do projeto. A ausência de investimento em pesquisa compromete
drasticamente o desenvolvimento científico.
Orientada por dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira comecei a investigar as
representações do feminino em um periódico comunista: o jornal O Momento. 14 Suas
páginas apresentaram indícios de uma complexa relação entre os movimentos comunista
e feminista. E a questão seguiu como um enigma difícil de desvendar, sobretudo, quando
dialogava com a bibliografia até então existente. Lembro que uma manchete intitulada
“As mulheres devem organizar-se para saírem da escravidão” se sobressaiu como um
problema que eu não conseguia responder.15
O texto tratava de uma palestra-sabatina realizada em 1946, na cidade de Salvador,
pelo então deputado comunista Carlos Marighella. Durante o evento, ele advertiu que o

14
A pesquisa estava vinculada ao projeto intitulado “No rastro de Miranda: uma investigação histórica
acerca de Antônio Maciel Bonfim”, coordenado por dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira. No primeiro
ano fui bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB); no ano seguinte pelo
Programa de Iniciação Científica da UNEB (PICIN/UNEB). Como desdobramento, além das tarefas
exigidas pela IC, escrevi a monografia: ALVES, Iracélli. Bravas Companheiras! Representações do
feminino em O Momento (1945-1947). 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em
História) – Departamento de Educação, Universidade do Estado da Bahia, Alagoinhas, 2013.
15
AS MULHERES devem organizar-se para saírem da escravidão. O Momento, Salvador, ano 1, p. 1, 05
mai. 1946.
22

feminismo era um movimento reacionário de mulheres contra homens. Isolada, a


afirmação parecia indicar que o deputado era antifeminista. No entanto, a reportagem
completa trazia uma aparente contradição: ao mesmo tempo em que ele atacava o
movimento feminista, reconhecia a necessidade de uma luta pela igualdade entre os
gêneros. Assim, a pergunta sobre como o parlamentar concebia o feminismo se impôs. E
logo depois: quais noções de feminismo circulavam no contexto?16
Naquele momento não pude compreender o paradoxo. Só depois, como parte do
processo de amadurecimento acadêmico e avanço da pesquisa, o quebra-cabeça começou
a ganhar forma. As primeiras peças foram encaixadas durante o mestrado realizado de
2013 a 2015 na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), sob a orientação de
dr.ª Márcia Barreiros e financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES). Mais uma vez, a bolsa de pesquisa foi imprescindível.
Analisando as fontes e ampliando o arsenal bibliográfico, percebi que o
feminismo não era uma palavra imutável. Como a maioria dos conceitos, seus sentidos
nem sempre foram os mesmos. Na década de 1940 os grupos não eram unânimes em ler
a expressão como qualquer movimento engajado na luta por emancipação/libertação das
mulheres. No mestrado não pude responder satisfatoriamente ao problema. Naquele
momento, o objetivo principal foi estudar a militância de mulheres no PCB de 1942 até
1949, especialmente na Bahia.17
Agora no doutorado – em que os dois primeiros anos foram muito difíceis devido
à ausência de bolsa –, a finalidade é justamente percorrer o problema que veio se impondo
ao longo de dez anos de pesquisa. Acredito que agora é possível apresentar um desenho
mais completo – embora não definitivo – do que defendo ao longo dos capítulos: houve
um intenso movimento feminista no Brasil entre as chamadas primeira e segunda onda.
Sua história perdeu espaço na disputa de narrativas sobre o desenvolvimento do
feminismo no país. Espero que as provas sejam satisfatórias. Antes de apresentá-las,
preciso explicar melhor duas ressalvas que venho fazendo: a primeira está relacionada ao
conceito de feminismo e suas diferentes apropriações, a outra tem a ver com as narrativas
historiográficas.

16
Na banca de defesa do TCC, dr.ª Elizangela Oliveira Ferreira sugeriu que aquela poderia ser uma grande
questão para pesquisar no futuro, já que na monografia o trecho aparecia apenas como uma nota de
curiosidade. Ela estava certa. Rendeu uma tese de doutorado.
17
Cf. ALVES, Iracélli da Cruz. A política no feminino: uma história das mulheres no Partido Comunista
do Brasil – seção Bahia (1942-1949). 2015. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de
Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2015.
23

 Conceito de feminismo: notas preliminares

Atualmente há um relativo consenso no entendimento sobre o que significa


feminismo. Para Luiza Bairros, é um instrumento teórico capaz de demonstrar como a
construção de gênero é uma fonte de poder e hierarquia que impacta mais negativamente
a vida das mulheres. “É a lente através da qual as diferentes experiências das mulheres
podem ser analisadas criticamente com vistas à reinvenção de mulheres e de homens fora
dos padrões que estabelecem a inferioridade de um em relação ao outro”.18
Como destacou Margareth Rago, feminismo não se restringe aos movimentos
organizados que assim se denominam. Se refere às práticas sociais, culturais, políticas e
linguísticas que atuam com o objetivo de liberar as mulheres de uma cultura misógina e
da imposição de um modo de ser construído pela lógica masculina nos marcos da
19
heterossexualidade. Implica, portanto, em problematizar as naturalizações que
legitimam hierarquias nas relações entre os gêneros, deixando as diversas mulheres em
desvantagem, sobretudo, as negras, pobres, não-heterossexuais e/ou transgênero, que
experimentam o sexismo imbricado a outros demarcadores de desigualdades. Na
perspectiva de bell hooks, o feminismo se define como “um movimento para acabar com
o sexismo, exploração sexista e opressão”.20 Ou, como prefere Ochy Curiel, seria toda
luta de mulheres que se opõe ao patriarcado.21 Retomando hooks, não tem nada a ver com
ser anti-homem. O inimigo é o sexismo. “E essa clareza nos ajuda a lembrar que todos
nós, mulheres e homens, temos sido socializados desde o nascimento para aceitar
pensamentos e ações sexistas”.22
O entendimento de que o feminismo é qualquer movimento – coletivo ou
individual – em defesa da igualdade23 de direitos políticos, civis e existenciais para todas

18
BAIRROS, Luiza. Nossos feminismos revisitados. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 95, n. 2, p. 458-
463, jun./dez., 1995. p. 462.
19
RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções de subjetividade.
Campinas: Editora da Unicamp, 2013. p. 28.
20
HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 4ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos, 2019. p. 13.
21
CURIEL, Ochy. Descolonizando el feminismo: una perspectiva desde América Latina y el Caribe. In:
Primer Coloquio Latinoamericano sobre Praxis y Pensamiento Feminista, 2009, Buenos Aires. Anais do
Grupo Latinoamericano de Estudios, Formación y Acción Feminista (GLEFAS) – Instituto de Género de
la Universidad de Buenos Aires. Buenos Aires: UBA, 2009.
22
HOOKS, op. cit., p. 13.
23
Igualdade aqui assume um caráter político. Não tem a ver com ser igual ao homem e/ou se igualar ao que
se convencionou chamar de masculino. Igualdade tem a ver com respeito às diferenças. Está relacionada à
garantia à vida, saúde, segurança, educação, dignidade e liberdade para todas as pessoas. Reivindicar
24

as mulheres é relativamente recente. A história do feminismo é marcada por disputas e


tensões. Como destacou Maira Abreu, apesar do termo ser largamente utilizado como se
o seu significado fosse autoevidente, seu sentido não é unívoco e varia conforme os
diferentes contextos. As variações estão relacionadas às disputas políticas em jogo.24
Devido à carga pejorativa que por vezes se imprimiu ao termo, as expressões
feminismo/feminista foram evitadas entre os indivíduos e grupos que lutaram por
emancipação e/ou libertação das mulheres. Até os anos 1960, pelo menos, a rejeição foi
particularmente forte entre as mulheres próximas ao PCB. Antes da década de 1970,
especialmente antes do golpe de 1964, como apontou Dulce Pandolfi, existia uma “cultura
comunista”, leia-se, uma identificação com o modelo de sociedade implantado na URSS
após a Revolução Russa de 1917.25 Este é um dos elementos que ajuda a explicar a recusa.
Era difícil assumir outro pertencimento político. Sentir-se parte de um partido comunista
implicava em tornar secundária, desnecessária ou politicamente equivocada, a
identificação com outros grupos. Era forte a ideia de que isso provocaria o temido
divisionismo e o consequente enfraquecimento da luta de classes, central para os
comunistas.
Ao mesmo tempo, o feminismo era entendido como um movimento político
liberal – no sentido político-econômico.26 Não por acaso, na primeira metade do século
XX o grupo assumidamente feminista de maior visibilidade no Brasil – A FBPF – era
ideologicamente alinhado ao liberalismo, portanto, adversário das comunistas. Havia,
ainda, os estereótipos atribuídos às feministas que ora eram representadas como mulheres
insatisfeitas com seu gênero, ora como mulheres “histéricas” e “feias”; ora como anti-
homens. Até mesmo circulava rótulos relacionados à sexualidade. Com frequência eram
chamadas pejorativamente de “sapatão”, adjetivo que muitas delas não queriam se ver
associadas em função dos valores heteronormativos que definiam como anormalidade
e/ou imoralidade sexualidades fora do padrão heterossexual. Esse pensamento
atravessava a sociedade e era naturalizada inclusive por feministas e progressistas. Em

igualdade implica em questionar a inferiorização de pessoas que se distanciam do padrão de humanidade


considerado superior: homem cis, branco, heterossexual e não pobre.
24
ABREU, Maira Luisa Gonçalves de. Feminismo no exílio: o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris e
o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. p. 26.
25
PANDOLFI, Dulci. Camaradas e companheiros: História e memória do PCB. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará: Fundação Roberto Marinho, 1995. p. 35.
26
O feminismo de orientação liberal, de acordo com Joana Maria Pedro, se constitui como um movimento
que defende a promoção de valores individuais e a igualdade entre homens e mulheres no campo social,
político e jurídico. PEDRO, 2006, p. 271 (nota n. 34). Esta foi a característica central do movimento
feminista da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
25

entrevista publicada em 1992, Martha Suplicy afirmou que na década de 1970 sentia
dificuldade em se assumir feminista porque “era uma coisa que pegava muito mal,
sapatona, coisa de mal-amada. Mas eu dizia, sem justificar direito”. 27 Rachel Soihet
analisou os estereótipos, inclusive ligados à sexualidade lésbica, forjados pelos
“libertários” do jornal O Pasquim entre as décadas de 1960-70. Segundo a autora:

As mulheres em O Pasquim fica[vam] à mercê dos misóginos de


plantão, que, sob o rótulo do humorismo, terminavam por ridicularizar
as atitudes daquelas que lutavam por demarcar seus direitos. Aqueles,
na verdade, com essas atitudes visavam reconstruir os estereótipos da
subordinação e da domesticidade feminina. [...] Em que pese o reiterado
posicionamento contrário ao autoritarismo no âmbito da política
institucional e da crítica aos costumes, afirmando sua oposição ao
moralismo hipócrita dos segmentos médios com relação às minorias,
em relação às mulheres que ousavam propor mudanças nas relações de
gênero, era particularmente implacável a mordacidade da maioria dos
membros desse jornal.28

Os rótulos pejorativos já circulavam na primeira metade do século XX e


foram mais um ingrediente para que parte das mulheres que defendiam a emancipação
não se assumissem feministas. Algumas delas chegaram a endossar muitos dos
estereótipos atribuídos às feministas como forma de legitimar o próprio movimento como
a “verdadeira luta” por emancipação das mulheres – que não deveria ser um movimento
contra homens, nem “espalhafatoso”, tampouco comprometer a “feminilidade”. Esses
discursos não necessariamente as blindavam dos ataques antifeministas, fato que também
evidencio na tese.
Considerando as variações do conceito e os estigmas que as feministas –
autodeclaras ou não – carregavam, questiono se o fato de até a década de 1970 o
movimento de mulheres de orientação comunista não se assumir feminista inviabiliza
compreendê-lo com tal. A resposta vai depender do olhar. Se nos restringirmos apenas na
ação das mulheres junto aos movimentos populares que não problematizaram as relações
de gênero – sem investigar se a experiência contribuiu ou não para a percepção das
desigualdades; – sim, torna-se inviável. O fato de as mulheres estarem fazendo política
pública, por si só, embora fosse, na prática, um rompimento com os padrões de gênero
culturalmente compartilhados, não fazia com que elas julgassem necessária a igualdade

27
TOSCANO, Moema; GOLDEMBERG, Mirian. A revolução das mulheres: um balanço do feminismo
no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1992. p. 51.
28
SOIHET, Rachel. Zombaria como arma antifeminista: instrumento conservador entre libertários. In.:
SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismo: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2013, p. 165-190. p. 184.
26

política e social entre homens e mulheres. Por outro lado, quando levamos em
consideração todo o movimento daquelas que não se percebiam feministas, mas agiram
efetivamente e de forma direta em defesa da quebra das hierarquias entre os gêneros,
defendo que é possível e viável pensá-las como tal.
Estou de acordo com Gláucia Fraccaro quando ela diz que a delimitação do
feminismo não está restrita às teorias sociológicas e filosóficas, mas se constrói e se define
a partir dos embates travados pelas mulheres em diferentes conjunturas e em relação com
diversos grupos políticos. Além dos grupos específicos, o movimento compôs até mesmo
as organizações com a presença de homens, como partidos e sindicatos. As demandas
feministas foram levantadas junto a outras bandeiras e sonhos de liberdade. Neste sentido,
a história do feminismo se constrói e pode ser contada através das lutas – diversas e
heterogêneas – das próprias mulheres.29
Ao mesmo tempo não perco de vista que muitas dessas mulheres dispensavam
o adjetivo de feminista, e como bem lembrou João Pinto Furtado, “um pensamento
historicamente construído precisa ser historicamente explicado”. 30 Para se tornarem
inteligíveis, os acontecimentos precisam ser explicados a partir do “conhecimento mais
amplo de todo o complexo histórico que os engendrou, tanto no que respeita aos seus
aspectos mais propriamente objetivos, quanto até mesmo no que respeita à sintaxe e à
semântica dos termos empregados”. 31 O que não significa dizer, ainda como propõe
Furtado, que não possam ser associadas e utilizadas como elementos de investigação e
demonstração analógica.32
As variações no conceito de feminismo estão imbricadas à história do próprio
movimento. Concordo com Reinhart Koselleck quando afirma que as palavras podem até
permanecer as mesmas, mas não indicam necessariamente a permanência do mesmo
conteúdo ou significado. A maneira como os grupos se apropriam delas e os significados
que lhes são atribuídos em diferentes contextos temporais e espaciais são importantes
para compreendermos tanto a história do conceito quanto os movimentos da sociedade.
Explicando melhor, os usos e significados do conceito são resultado da forma como
pessoas e grupos se apropriam dele. As alterações de sentido pelas quais passam são

29
FRACCARO, Glaucia. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio de
Janeiro: FGV, 2018. p. 16.
30
FURTADO, João Pinto. Uma república entre dois mundos: Inconfidência Mineira, historiografia e
temporalidade. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 21, n. 42, p. 343-363, 2001. p. 359.
31
Ibid., p. 344.
32
Ibid.
27

reflexos de conflitos sociais e políticos. 33 Por isso é que os nomes não devem ser
enjaulados em significados estáticos e categorias rígidas e abstratas. Como sugeriu Sérgio
Buarque de Holanda, é inevitável “a contingência em que nos vemos de ter de lidar
sempre com vocábulos de sentido equívoco ou sujeito a variações, mormente quando
destacamos do seu contexto originário”.34 Este é o caso do conceito de feminismo.
Todavia, para Susan Faludi, desde que a palavra apareceu pela primeira vez em
1895 nas páginas de uma revista inglesa não houve mudanças. A partir daquele momento
a palavra foi definida como a defesa da independência das mulheres. Seria a proposta
básica feita por Nora, personagem da Casa de Bonecas:35 “‘antes de mais nada, eu sou ser
humano’. É simplesmente o cartaz que uma mocinha segurava em 1970 durante a Greve
das Mulheres pela Igualdade: Eu não sou uma boneca Barbie”.36

O feminismo pede que o mundo finalmente reconheça que as mulheres


não são elementos decorativos, biscuits preciosos, membros de um
‘grupo de particular interesse’. Elas são merecedoras de direitos e
oportunidades, tão capazes de participar dos acontecimentos mundiais
quanto os homens. O programa feminista é muito simples: pede que as
mulheres não sejam forçadas a ‘escolher’ entre justiça pública e
felicidade privada. Pede que as mulheres sejam livres para definir a si
mesmas – em lugar de terem a sua identidade definida pela cultura e
pelos homens que as cercam.37

Os princípios citados por Faludi informam sobre experiências de mulheres


privilegiadas em termos de classe e raça e espacialmente localizadas na Europa e nos
Estados Unidos. Para elas fazia sentido a reivindicação de que “o mundo finalmente
reconheça que as mulheres não são elementos decorativos, biscuits preciosos, membros
de um ‘grupo de particular interesse’”. Ao mesmo tempo que na década de 1970 a recusa
em ser tratada/vista como uma boneca Barbie estava coerente apenas com as vivências de
mulheres brancas das camadas abastadas. As mulheres pobres, sobretudo quando negras
– do Sul ou Norte Global – não se encaixam nessas narrativas. A elas não era reservado
o lugar de “biscuits precisos”, “elementos decorativos”, tampouco de “bonecas Barbie”.

33
KOSELLECK, Reinhart. História dos conceitos e história social. In: ______. Futuro Passado:
Contribuições à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. p. 105-106.
34
HOLANDA, Sérgio Buarque. Sobre uma doença infantil da historiografia. In: Costa, Marcos (Org).
Escritos Coligidos - Livro II, 1950-1979. São Paulo: Unespe/ Fundação Perseu Abramo, 2011. p. 422-423.
35
Casa de Bonecas se refere a uma peça teatral escrita em entre 1878-79 pelo dramaturgo norueguês Henrik
Ibsen.
36
FALUDI, Susan. Backlash: o contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres. Rio de Janeiro:
Rocco, 2001. p. 22.
37
Ibid.
28

As mulheres negras não eram (e continuam não sendo) pensadas dentro dos
estereótipos culturalmente atribuídos ao gênero feminino como características naturais de
todas as mulheres: frágeis, com menor força física, por isso inapropriadas para trabalhos
pesados; quando mães, inseparáveis de seus filhos. Como demonstrou María Lugones, a
partir da modernidade colonial foi retirado delas o status de humanas, por isso tratadas
como “fêmeas”, animalizadas. A autora chamou atenção para o fato de que existe o que
chamou de colonialidade do gênero, o que implica em reconhecer que aos homens e às
mulheres negras não são atribuídos os sentidos de gênero construídos pelos
colonizadores. 38 Mas esses sujeitos se apropriam deles mediante ressignificações. Em
outras palavras, reconstroem sentidos de feminilidade e masculinidade a partir de suas
próprias experiências sem deixar de estar enredados nos valores culturalmente
compartilhados.
Ao afirmar que o significado do feminismo sempre foi o mesmo, Faludi se
esbarra justamente na colonialidade de gênero apontada por Lugones, pois generaliza
experiências localizadas como se fizessem sentido para todas as mulheres. Silencia muitas
experiências e releituras do conceito elaboradas por mulheres que nunca puderam ocupar
o lugar de “elementos decorativos” nem de “bonecas Barbeis”. Entre elas o feminismo
ganhou novas roupagens. Os feminismos não hegemônicos (negro, pós-colonial,
indígena, lésbico, decolonial etc.) são exemplos emblemáticos. O feminismo negro
denunciou que a subordinação das mulheres negras é marcada por opressões
interseccionais de raça, classe, gênero, sexualidade e nação. Se constituiu “como resposta
ativista a essa opressão”. 39 Já feminismo indígena, como demonstrou Ochy Curiel,
questionou as relações patriarcais, racistas e sexistas das sociedades latino-americanas,
ao mesmo tempo em que problematizou os usos e costumes de suas próprias comunidades
e povos que mantém as mulheres subordinadas.40
De acordo com Yuderkys Espinosa Miñoso, o pensamento feminista
decolonial, por sua vez, recuperou correntes críticas dos feminismos não hegemônicos,
ao mesmo tempo em que tem avançado no questionamento da unidade das mulheres. Sua
proposta emerge do encontro entre a perspectiva da interseccionalidade e as investigações

38
LUGONES, María. Rumo ao feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, 935-
952, set./dez., 2014. p. 936.
39
COLLINS, Patrícia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do
empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019. p. 63.
40
CURIEL, Ochi. Critica pós-colonial desde las praticas del feminismo antirracista. Nómadas, Bogotá, n.
26, p. 91-100, abr., 2007. p. 99.
29

da modernidade/colonialidade. 41 Neste sentido, vem questionando a maneira como a


modernidade organiza o mundo em categorias homogêneas, atômicas e separáveis.
Assim, as opressões interseccionais não devem ser pensadas como categoriais
atomizadas.42 O que implica refletir, por exemplo, sobre os problemas do machismo e
lgbtfobia presentes em movimentos antirracistas e do racismo e lgbtfobia em grupos
feministas. Como enfatizou Curiel, descolonizar o feminismo implica em entender a
complexidade das relações e subordinações que se exercem sobre aquelas e aqueles
considerados “outros”.43
Atualmente, o processo de revisão crítica do feminismo enquanto movimento
social continua atravessando os debates políticos e a produção acadêmica. Mas as disputas
em torno de uma elaboração conceitual acerca da expressão não fizeram parte da
preocupação do movimento que investigo, o que não significa dizer que não havia um
complexo debate sobre as desigualdades entre as mulheres. O significado que suas
protagonistas atribuíram ao feminismo, bem como a resistência em se perceberem
feministas tem a ver com essas problematizações.

 Feminismo no Brasil: disputa de narrativas

No Brasil, o relativo consenso em torno do que significa feminismo, ao que


tudo indica, começou a se consolidar na década de 1970, sobretudo a partir de 1975, ano
eleito pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional da Mulher
(AIM) e ponto de partida da Década da Mulher. Aproveitando o ensejo, mulheres
realizaram um evento feminista intitulado “O papel e o comportamento da mulher na
sociedade brasileira” que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro. A reunião foi
patrocinada pelo Centro de Informação da ONU e organizada, sobretudo, por mulheres
de esquerda. 44 No período, o país vivia uma Ditadura Civil-Militar implementada em
1964. Em 1975 o regime começava o processo de distensão facilitando o início do retorno
de militantes exiladas, bem como a realização do evento.

41
MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. De por qué es necessario um feminismo descolonial: diferenciación,
dominación co-constitutiva de la modernidade occidental y el fin de la política de identidad. Solar, Lima,
n. 1, v. 12, p. 141-171, ago., 2017.
42
LOUGONES, 2014, p. 935-937.
43
CURIEL, 2007, p. 100.
44
PEDRO, Joana. Narrativas fundadoras do feminismo: poderes e conflitos. Revista Brasileira de História,
São Paulo, v. 26, n. 52, p. 249-272, 2006. p. 250-251.
30

A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) também construiu uma


programação relacionada ao marco estabelecido pela ONU. Fundada em 1922 e dirigida
por Bertha Lutz a maior parte do tempo, entre as décadas de 1960-70 atuou alinhada à
ditadura. 45 Em janeiro de 1975 solicitou “a adesão oficial do Governo ao Ano
Internacional da Mulher e a concretização prática desta mesma adesão”;46 e em 27 de
novembro realizou, também no Rio de Janeiro, um “Encontro com Associações
Femininas” no Salão de Leitura do Palácio Itamaraty que, segundo suas associadas, era
parte da programação do AIM.47
Mas o evento promovido pela federação de Bertha Lutz não compõe a memória
que se consolidou a respeito da repercussão do Ano Internacional da Mulher no Brasil. A
partir de 1975 iniciou-se a constituição do vínculo estreito entre feminismo e esquerda.
Neste momento as mulheres de esquerda passaram a se apropriar do termo, impondo uma
virada. Se até então o feminismo era associado ao liberalismo, a partir da década de 1970
passou a ser visto como um movimento alinhado aos projetos socialistas ou comunistas
de sociedade, pensamento muito presente no senso comum atualmente.
Essa percepção atravessa a historiografia do feminismo. Grande parte dela foi
elaborada com base em depoimentos e documentos produzidos por mulheres que
resistiram à ditadura e se descobriram feministas na década de 1970, quando viveram a
experiência do exílio. Elas se tornaram referências para generalizações historiográficas
que, frequentemente, partem da luta contra a Ditadura Militar, da atuação das brasileiras
no exílio, especialmente na França, da explosão dos movimentos contraculturais e do
estabelecimento do AIM como marcos fundadores, seja do feminismo como um
movimento efetivamente organizado, seja de uma nova onda feminista que supostamente

45
Ao longo de sua trajetória a FBPF se engajou na defesa dos direitos civis e políticos das mulheres.
Organização de nível nacional, alcançou uma institucionalização significativa. Nas primeiras décadas de
existência, instalou filiais em vários Estados brasileiros, como São Paulo, Bahia e Pernambuco, assim como
outras associações assistenciais e profissionais se uniram à entidade. Além da articulação nacional,
internacionalmente, a FBPF estava vinculada a organização feminista norte-americana International
Alliance of Women (Aliança Internacional de Mulheres) e participou de vários eventos promovidos pela
entidade. Cf. PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo,
2003. p. 14; SOIHET, Rachel. O feminismo de Bertha Lutz: conquistas e controvérsias. In: SOIHET,
Rachel. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena. Rio de
janeiro: 7Letras, 2013, p. 55-122. p. 65-66.
46
Programa para a celebração do Ano Internacional da Mulher, 10° Boletim Periódico, jan., 1975. Arquivo
Nacional, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência: BR RJANRIO
Q0.ADM, EVE.CNF,TXT.33, v. 2.
47
Ano Internacional da Mulher. Arquivo Nacional, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
Código de Referência: BR RJANRIO Q0.ADM, EVE.CNF,TXT.33, v. 3.
31

trouxe a novidade de debater publicamente temas espinhosos, como a liberdade sexual e


o aborto.
Parte dessas narrativas foi elaborada no período imediatamente posterior ao fim
da Ditadura Civil-Militar em 1985. Conectadas ao seu tempo, se preocuparam em
evidenciar as resistências contra o autoritarismo, especialmente, a luta das mulheres e a
emergência do feminismo, geralmente invisibilizadas pelas histórias masculinas. Quando
proponho retomar o debate não o faço com o objetivo de corrigir interpretações
equivocadas. Minha intenção é sinalizar para como a história do feminismo vem sendo
contada no Brasil, evidenciando os marcos estabelecidos – e consequentemente os
silenciados – no processo de disputa de narrativas.
O intenso debate que se desenvolveu entre as ondas tem ficado escondido nas
sombras das duas primeiras. Levando em consideração os não-ditos, concordo com Joana
Maria Pedro quando diz que a narrativa que situa o ano de 1975 como marco fundador de
um feminismo mais consequente é resultado de “disputas de poderes entre diversos
grupos feministas e entre estes e os diversos personagens envolvidos na luta contra a
ditadura militar, instalada no país entre 1964 e 1985”.48 Ainda de acordo com a autora, a
dicotomia entre “lutas gerais” e “lutas específicas” e entre movimentos “verdadeiramente
feministas” e “não feministas” falam de poderes e conflitos.49
Diante das evidências que se apresentaram durante a pesquisa, é inegável que
antes do Ano Internacional da Mulher o debate feminista já estava colocado na política
brasileira. No entanto, as disputas políticas feministas não compõem os marcos
estabelecidos como centrais no campo da História Política do Brasil. Quando muito,
aparecem como um elemento complementar dos eventos – protagonizados por homens
brancos – que marcaram a história do país. Com exceção das pesquisadoras do tema,
dificilmente os marcos da história política das mulheres são tomados como motores
significativos da engrenagem histórica.
A política brasileira do século XX foi atravessada por diferentes projetos políticos
coletivos de construção de uma sociedade igualitária para homens e mulheres. Entretanto,
o ano de 1975 se tornou marco de um suposto renascimento do feminismo no Brasil após
algumas décadas de completa ou quase inatividade. O renascer seria consequência do
“despertar” feminista de mulheres que estiveram exiladas durante a Ditadura Civil-
Militar, e no exterior, sobretudo na França, descobriram-se feministas.

48
PEDRO, 2007, p. 249.
49
Ibid.
32

Contudo, feministas que começaram a problematizar a inferiorização das


mulheres nas décadas precedentes reivindicaram outra narrativa. Ana Montenegro, por
exemplo, que começou a militar na década de 1940 sugeriu, em sintonia com a sua
trajetória no movimento em defesa da liberdade das mulheres, que a consagração do ano
de 1975 como Ano Internacional da Mulher e todos os frutos colhidos naquele momento
resultaram do “amadurecimento do fruto” das lutas travadas a partir da década de 1940
por ela e suas companheiras do PCB.50
Mas as narrativas historiográficas têm se debruçado com maior intensidade
sobre o movimento desenvolvido a partir da década de 1970. O fato está relacionado a
um fenômeno mais amplo. Como observou Antonio Mauricio Brito, a historiografia
contemporânea do Brasil tem supervalorizado a década de 1960-70 em função de vários
eventos internacionais que, de fato, sacudiram a história mundial, a exemplo dos
movimentos de libertação nacional na Ásia e África, da Revolução Cubana, das guerrilhas
na América Latina, da guerra no Vietnã, da Revolução Cultural chinesa, do Maio de 68 e
do movimento hippie. Tais eventos teriam renovado radicalmente os movimentos sociais
em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, em que pese o autoritarismo e a violência
da ditadura que o assolava. O interesse pelo contexto é permeado por alguns exageros
e/ou subvalorização dos movimentos precedentes. 51 Essa característica aparece nas
narrativas sobre o movimento feminista.
Para Moema Toscano e Miriam Goldemberg, por exemplo, até a década de 1970
“o feminismo organizado e atuante não se caracterizava por ser revolucionário ou
abertamente contestatório. [...] A discussão sobre a sexualidade feminina constituía
exceção, e o tema era considerado tabu”.52 E continuam:

Os anos 1970 marcaram uma reviravolta no movimento feminista, que


começa então a colocar como eixo de sua luta a questão da relação
homem-mulher e a necessidade de reformulação dos padrões sexuais
vigentes, apesar das resistências de feministas mais antigas a aceitar tal
reviravolta.53

No entanto, como veremos, tanto o debate sobre a liberdade sexual das mulheres,
quanto acerca da relação homem-mulher compôs o repertório do grupo feminista que

50
MONTENEGRO, Ana. Ser ou não ser feminista? Recife: Cadernos Guararapes, v. 3, 1981, p. 63.
51
BRITO, Antônio Mauricio Freitas. O Golpe de 64, o movimento estudantil na UFBA e resistências à
Ditadura Militar (1964-1968). 2008. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. p. 13.
52
TOSCANO; GOLDEMBERG, 1992. p. 29.
53
Ibid., p. 30.
33

estudo na tese. As discussões não deixaram de ser marcadas por resistências de mulheres
que não julgavam os temas fundamentais. A polêmica tinha menos a ver com um recorte
geracional entre feministas “novas” e “velhas” do que com concepções políticas e
interpretações sobre as prioridades e estratégias do movimento.
Partindo dos depoimentos de mulheres exiladas e da documentação que
produziram, Maira Abreu acredita que até os anos 1970 sequer havia feminismo no Brasil
enquanto movimento coletivo. Para ela, até os anos 1960 isso ainda era algo muito
distante porque muitos militantes de esquerda identificavam o movimento como liberal
ou sexista e anti-homem. Embora a questão começasse a ser discutida em meios como
alguns jornais da imprensa alternativa, um movimento organizado só tomaria corpo a
partir de 1975, muito em função do contato que as exiladas tiveram com as ideias
feministas enquanto estiveram no exterior, especialmente na França. A experiência teria
contribuído para uma alteração profunda da concepção de feminismo entre as
brasileiras.54
Certamente, o contato com o então efervescente ideário feminista francês
influenciou as mulheres de forma significativa. Mas seria interessante saber em que
medida a presença das brasileiras e de outras mulheres latino-americanas na França
impactou o feminismo francês. Resposta que não posso dar. Mas me parece uma
generalização um tanto exagerada a ideia de que o contato contribuiu para “uma alteração
profunda da concepção de feminismo entre as brasileiras”. Nas décadas anteriores à
ditadura já havia um processo de articulação e debate feminista no país.
A ressalva de Abreu de que não existia feminismo porque as esquerdas
socialistas e comunistas faziam uma leitura enviesada do movimento pressupõe que no
Brasil o feminismo se desenvolveu a reboque dos grupos políticos de esquerda, versão
muito comum nas memórias das próprias militantes. Esta leitura apaga a pluralidade
política dos diversos grupos feministas. Nem todos se vincularam aos projetos socialistas
ou comunistas. Havia feministas liberais, como ela própria deixa implícito. Embora a
autora tenha ressaltado que definir o feminismo não é neutro, em alguma medida, ela se
prendeu as narrativas de quem viveu a experiência na década de 1970.
Mas as memórias são divididas. Como propôs Alessandro Portelli, além da
dicotomia entre a memória institucional e a memória coletiva de determinado grupo, há

54
ABREU, 2010, p. 78.
34

uma pluralidade fragmentada de diferentes memórias.55 O esquecimento é o seu vigor,


representando o êxito de não-ditos que são indispensáveis à estabilidade e à coerência das
imagens que os grupos fazem de si próprios.56 Desse modo, entre a experiência vivida e
o momento em que é narrada há pontos cegos. No processo de rememoração os sujeitos
selecionam os fatos a partir do quanto e como significaram para si. Em que pese a
complexidade da elaboração memorialística, as memórias das militantes que viveram a
experiência feminista no exílio receberam acriticamente o status de verdade não só em
Abreu, mas em grande parte da historiografia sobre o feminismo, como evidenciou Joana
Maria Pedro.57
Os estudos de Pedro, Ana Rita Fonteles, e Natália Pietra Méndez apontaram
para um significativo debate feminista no Brasil na década de 1960 mobilizado em vários
meios. No período e nos anos iniciais da década seguinte, as feministas das camadas
médias criaram grupos de reflexão, atuaram na imprensa, na Igreja, nas universidades e
na literatura.58 Mulheres como Heleihet Saffioti, Carmen da Silva, Rose Marie Muraro,
Heloneida Studart, Romi Medeiros, Ecilda Ramos de Souza, Alina Paim, Jacinta Passos,
entre tantas outras que provavelmente ainda desconhecemos, desenvolveram atividades e
leituras feministas da realidade.
Antes, outros grupos se engajaram na luta pela emancipação/libertação das
mulheres, alguns não se assumiram feministas, fato que, como sugeri, provavelmente tem
colaborado para os silêncios sobre eles. Na tese analiso um movimento que, como disse,
tem estado de fora dos estudos sobre o feminismo no Brasil: aquele desenvolvido em
conexão com PCB, especialmente entre 1946 e 1957.
Céli Pinto acredita que os “movimentos femininos” existentes entre 1945 e
1964, momento que recobre nossa pesquisa, não foram feministas porque desde a
redemocratização em 1946 e, principalmente, durante a década de 1950 até o golpe militar
em 1964, a vaga socialista e a utopia comunista determinaram as lutas sociais no Brasil e

55
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana: 29 de julho de 1944): mito,
luto e senso comum. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (Orgs.) Usos & abusos da
História oral. 4 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001. p. 103-130.
56
BRITO, Mauricio Freitas. Militância estudantil e memória dos anos 1960. Tempo & Argumento, v. 9. n.
21, Florianópolis, 2017, p. 123.
57
PEDRO, Joana. Trajetórias políticas em mudança: tornar-se feminista no Cone Sul. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 25, 2011, São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História –
Associação Nacional de História. São Paulo: USP, 2011.
58
Cf. FONTELES, 2005; PEDRO, 2006; MÉNDEZ, 2008.
35

no mundo. Consequentemente, não havia espaço para as chamadas “lutas particularistas”,


como a que foi levada posteriormente pelas mulheres.59 Para a autora:

Se não se pode tratar os movimentos de mulheres como algo totalmente


dissociado do movimento feminista, deve-se reter de qualquer forma
sua especificidade: foram movimentos organizados não para pôr em
xeque a condição de opressão da mulher, como no caso do feminismo,
mas para, a partir da própria condição de dona-de-casa, esposa e mãe,
intervir no mundo público.60

Todavia, para Maria Amélia de Almeida Teles, embora o “movimento das


mulheres” tenha mergulhado na utopia comunista defendendo pautas levantadas pelo
PCB, como carestia, defesa da infância e da maternidade, anistia, paz mundial etc.,
também reivindicou o fim das discriminações de gênero. Porém, segundo ela, as questões
relativas à “libertação da mulher”, como autonomia, controle de fertilidade, aborto,
sexualidade, não eram sequer mencionadas, comprometendo a existência de um
feminismo mais consequente.61
Explicando as diferenças entre as supostas ondas, Teles legitima o
evolucionismo que as preocupações e ferramentas analíticas do presente me permitem
problematizar. Segundo a autora, primeiro teria vindo a luta por emancipação e, mais
amadurecidas, as feministas tornaram-se capazes de reivindicar libertação. Ao dividir as
categorias, explicou que o movimento por emancipação teria se caracterizado pela defesa
da igualdade de direitos civis sem necessariamente questionar os “valores masculinos”.
Com isso, ao que parece, a autora quis dizer que não houve um questionamento da cultura
que sustentava o machismo. Já a ideia de libertação estaria relacionada à reafirmação da
igualdade sem negar as diferenças entre os sexos, dando uma conotação positiva à
feminilidade – “compreendida não como desigualdade ou complementaridade, mas como
ascensão histórica da própria identidade feminina”.62
Para mim, as noções de emancipação e libertação estão imbricadas. É muito
difícil reivindicar a emancipação das mulheres no plano político e jurídico sem colocar
em xeque, mesmo que de forma velada, os valores culturais machistas, inclusive quando
há um apelo para a naturalização das diferenças culturais. A divisão proposta por Maria
Amélia Teles se conecta com a chamada política da diferença, que ganhou força em países

59
PINTO, 2003, p. 11.
60
Ibid., p. 43.
61
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999,
p. 50-51.
62
Ibid., p. 9-11.
36

da Europa e nos Estados Unidos no final do século XX. Como apontaram Luis Felipe
Miguel e Flávia Biroli, essa perspectiva se pautou na recusa ao universalismo – saturado
de masculinidade. Nesse sentido, não seria suficiente exigir o acesso das mulheres às
atividades próprias do universo dos homens. Era preciso redefinir os critérios de
valoração que atribuem maior importância às atividades culturalmente desenvolvidas por
eles. O movimento pendeu para a construção da “positividade feminina”, no sentido de
mostrar que “a igualdade entre os sexos não exige que as mulheres adotem o padrão de
comportamento que hoje é visto como masculino – agressividade sexual, éthos
competitivo, racionalidade fria, desprezo aos afetos”.63
A partir da descoberta da política da diferença, Maria Amélia de Almeida Teles,
implicitamente demarcou que o feminismo mais consequente para a libertação das
mulheres nasceu na década de 1970. Não percebeu, como é próprio do processo de
rememoração e construção de sentidos a partir da própria experiência e leitura de mundo,
que antes da década de 1970 questões relativas ao que chamou de luta por libertação já
estavam sendo colocadas.
Na tese, demonstro que muitas das supostas ideias renovadas da década de 1970,
sobretudo em relação ao debate sobre a liberdade sexual foram discutidas dentro do
movimento feminista de orientação comunista desenvolvido entre as décadas de 1940-70.
Mesmo antes, como demostrou Margareth Rago, mulheres anarquistas, como Maria
Lacerda de Moura e Luce Fabri, propuseram a emancipação das mulheres e uma nova
moral sexual de cunho profundamente libertário.64
Mas para Andréa Bandeira, até o advento do Golpe Militar em 1964, a
participação das mulheres nos movimentos populares, nos partidos e federações não foi
resultado de uma consciência de gênero. Por isso, ela considera anacronismo falar em
feminismo naquela conjuntura. O entendimento de que existia uma opressão de gênero
teria surgido posteriormente como consequência da leitura de suas experiências

63
MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Introdução: Teoria política feminista, hoje. In: MIGUEL, Luis
Felipe; BIROLI, Flávia. Teoria política feminista: textos centrais. Vinhedo: Horizonte, 2013, p. 7-54. p.
23.
64
Cf. RAGO, Margareth. O prazer no casamento. Cadernos Ceru, série 2, n. 7, p. 97-111, 1996; Idem.
Entre a História e a liberdade: Luce Fabri e o anarquismo contemporâneo. São Paulo: UNESP, 2001; Idem.
Ética, anarquia e revolução em Maria Lacerda de Moura. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Arão (Orgs.).
A formação das tradições (1889-1945). v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 275-293.
37

políticas.65 Ao instituir o conceito de gênero como marco fundador do feminismo a autora


atualiza aquela perspectiva linear e evolucionista que venho problematizando.66
Sem perder de vista que a realidade é discutida discursivamente, como sugeriu
Robert Darton, não devemos nos enrolar nas teias do nominalismo.67 Com o cuidado de
não atribuir às épocas distintas a mesma significação, entendo que o conceito de gênero
que emergiu na década de 1970 foi consequência (não a causa) de diversas elaborações
paulatinamente construídas dentro dos movimentos feministas, marcadas por disputas e
controvérsias. No Brasil, parte do movimento se manifestou antes da década de 1970 e se
desenvolveu em conexão com o PCB. Embora tenham sido realizados estudos sobre a
participação de mulheres no partido, a atuação feminista das militantes ainda não foi
explorada.
Partindo da trajetória da militante comunista Lydia da Cunha, Elza Macedo
analisou as peculiaridades do “movimento feminino” do PCB no período de 1945 até
1964. Segundo ela, no Rio de Janeiro, muitas mulheres “foram mobilizadas” pelo partido
e construíram uma “luta feminina” que almejava uma sociedade mais justa, mas que não
questionou as diferenças entre os sexos. A leitura de que o movimento serviu de
instrumento à luta de classes também está presenta nas análises de Viviane Leão e Juliana
Torres. Embora não desconsiderem a importância do movimento de mulheres, as autoras
se concentraram muito mais na ação e no imaginário do partido sobre elas.68

65
BANDEIRA, 2012, p. 26.
66
Grosso modo, o conceito de gênero propõe a desnaturalização das diferenças sexuais apontando para o
fato de que as categorias binárias homem-mulher; masculino-feminino são construções culturais. Em outras
palavras, muitas das caraterísticas que definem o “ser homem” ou o “ser mulher” não são biológicas, mas
historicamente construídas. Tanto é assim que mudam e apresentam diferenças substanciais a depender do
tempo e/ou da cultura em que os sujeitos estão inseridos. Para aprofundar a reflexão cf.: TILLY, Louise A.
Gênero, História das Mulheres e História Social. Cadernos Pagu, Campinas, n. 3, p. 29-62, 1994;
VARIKAS, Eleni. Gênero, experiência e subjetividade: a propósito do desacordo Tilly-Scott. Cadernos
Pagu: São Paulo, n. 3, p. 63-84, 1994. MORANT, Isabel. El sexo de la historia. In: ______. Las Relaciones
de Genero. Madri: Marcial Pons, 1995; SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica.
Educação & Realidade: Porto Alegre, v. 20, p. 71-99, jul./dez. 1995; GONÇALVES, Andréa Lisly.
Gonçalves. História & Gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006; KÜHNER, Maria Helena; JACOBINA,
Eloá (Orgs.). Feminino Masculino no imaginário de diferentes épocas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1998; FAGUNDES, Tereza Cristina Pereira Carvalho (Org). Ensaios sobre Educação, sexualidade e
Gênero. Salvador: Helvécia, 2005; LUGONES, 2014; BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo
e subversão da identidade. 11ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
67
DARNTON, Robert. Poesia e política: redes de comunicação na Paris do século XVIII. São Paulo: Cia
das Letras, 2014. p. 134-135.
68
MACEDO, Elza Deli Veloso. Ordem na casa e vamos à luta! Movimento de mulheres: Rio de Janeiro
1945-1964. Lydia da Cunha – uma militante. 2001. Tese (Doutorado em História) – Instituto de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001. p. 190; LEÃO, Viviane Maria Zeni. Momento Feminino:
Mulheres e imaginário comunista (Uma nova história, uma história nova). 1945-1956. 2003. Dissertação
(Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003;
TORRES, Juliana Dela. A representação visual da mulher na imprensa comunista brasileira (1945-1957).
38

Btzaida Tavares também desenvolveu uma pesquisa fundamental sobre a relação


das mulheres com o PCB, analisando como as mulheres eram imaginadas pelo partido e
o que, frequentemente, se esperava delas. A autora informou que as representações do
feminino elaboradas eram permeadas por contradições. De um lado comportaram uma
perspectiva de ruptura com o “papel feminino tradicional”, ao questionarem a condição
social das mulheres em suas bases materiais; de outro, não problematizaram o papel que
as mulheres tradicionalmente exerciam no lar. A prática das mulheres comunistas
desenvolveu-se no interior desse conflito, formado por elementos que diziam respeito à
“doutrina comunista” e à formação cultural dos militantes. O choque entre esses dois
modelos produziu um discurso tenso e contraditório que buscava conciliar posturas
opostas com relação ao papel social das mulheres. Não fez parte dos objetivos da autora
analisar as práticas e os discursos de caráter feminista produzidos dentro da militância.69
Alane Ferreira estudou a militância política e a atuação jornalística das mulheres
pecebistas no jornal Momento Feminino entre 1947-1950. A autora demonstrou que o
periódico se constituiu enquanto força ativa dentro do campo mais amplo das lutas
sociais; e que as colaboradoras do PCB contribuíram intelectualmente para a formulação
de questões e proposições acerca de temáticas que movimentavam o cenário nacional e
internacional no período. O feminismo também não foi parte do seu problema de
pesquisa. Mas ao analisar a ação das mulheres, ela percebeu que as jornalistas do PCB
não podem ser reduzidas a meros instrumentos do partido. Ao contrário, elas refizeram e
inovaram a leitura sobre a realidade.70
Se não foram sujeitos passivos na luta de classes, também não deixaram de
contestar o lugar geralmente reservado ao gênero feminino dentro da estrutura partidária.
Em 1955, Iracema Ribeiro apresentou um informe no Pleno Ampliado do Comitê Central
do PCB realizado em março daquele ano. A comunista reclamava que “o trabalho do
Partido entre as grandes massas femininas [ficava] relegado a um plano secundário”.71
Imperava a subestimação da militância das mulheres e a existência de discriminação

2009. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade Estadual
de Londrina, Londrina, 2009.
69
TAVARES, Btzaida Mata Machado. Mulheres Comunistas: Representações e práticas femininas no PCB
(1945-1979). 2003. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
70
FERREIRA, Alane. Mulheres Vermelhas: a atuação das militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB)
no jornal Momento Feminino (1947-1950). Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de
Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2019.
71
RIBEIRO, Iracema. Sobre o trabalho do Partido Comunista do Brasil entre as mulheres. Imprensa
Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.468, p. 2-4 (3° Caderno), 03 abr., 1955.
39

pautada “em velhas ideias que prega[vam] a superioridade do homem sobre a mulher e
defend[iam] a condição do homem como ‘senhor’ o que acarreta[va] graves prejuízos ao
movimento revolucionário”.72
Vinte anos depois, em 1975, foi a vez de Zuleika Alambert elaborar outro
documento com reclamações semelhantes. Passadas duas décadas, persistia o incômodo
de que no partido “a mulher era uma coisa secundária”.73 De acordo com Rachel Soihet,
o documento enfatiza que até aquele momento o PCB se preocupava com as mulheres
apenas formalmente. A presença de mulheres militantes era pequena, menor ainda nos
cargos de direção. Zuleika, assim como Iracema, destacou inexistir uma política definida
em relação às mulheres. O partido, até aquele momento, não havia encarado com
profundidade a “questão da mulher”, tanto teórica quanto politicamente.74 Desta vez, pela
primeira vez houve a incorporação positiva da expressão feminismo, que se repetiu na
resolução política de 1979, atualizada em 1982.75
Em 2006, em entrevista concedida a Roselane Neckel, Zuleika relembrou o
processo de construção do documento que, segundo ela, foi tenso. A narrativa sugere que
o viés feminista teria motivado sua expulsão do PCB. “Eu fiz depois eu cheguei aqui [do
exílio], e refiz o livro já com as ideias que eu adquiri na França, entende? [...] Eu era
louca, eles me expulsaram, me expulsam, olha aqui, resolução política de maio de 79
atualizada em abril de 82, né”.76

Os marxistas tinham uma ideia muito feia do feminismo, e por isso que
me empurraram fora, porque eu comecei, eu não era feminista, eu não
me dizia feminista, mas eu participava do grupo da Ruth Escobar, que
era um grupo escrachadamente feminista, reunia as maiores feministas
de SP e depois fui assessora dela.77

Ao que parece, o ano de 1975 não eliminou as tensões feminismo-comunismo


presentes no movimento anterior. O partido até incorporava o debate sobre a “questão da
mulher”, mas talvez até o ponto em que as discussões não atrapalhassem os elementos
que a hegemonia masculina elegia como fundamentais para a luta de classes.

72
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
73
ALAMBERT, Zuleika. Entrevista cedida a Roselane Neckel em 04 ago., 2006. Transcrita por Veridiana
Bertelli de Oliveira.
74
SOIHET, Rachel. Do comunismo ao feminismo: a trajetória de Zuleika Alambert. Cadernos Pagu,
Campinas, n. 40, p. 169-195, jan./jun., 2013. p. 178
75
OS COMUNISTAS e a questão da mulher. São Paulo: Cerifa/Novos Rumos, 1982.
76
ALAMBERT, 2006.
77
Ibid.
40

As resoluções de 1975, reformuladas em 79 e publicada em formato de livro em


1982, retomaram várias questões que atravessaram os movimentos feministas das décadas
precedentes. Os eixos centrais do debate foram praticamente os mesmos: trabalho
“feminino”, família, e atividades sociais culturalmente reservadas às mulheres. A
diferença é que agora passou a diferenciar “trabalho feminino” de “trabalho feminista”,
“como expressões de diferentes atividades da mulher”. 78 O documento definiu que o
feminismo, diferente do que abstratamente chamou de “trabalho feminino”, deveria ter
um caráter unitário e interclassista e servir “como instrumento da luta específica da
mulher por sua libertação”, bem como não perder de vista:

a dupla condição da mulher na sociedade, como classe, o que determina


diferentes maneiras de pensar e de agir seja ela da classe explorada, e
como casta o que permite unificar na mesma ação mulheres de
diferentes classes e camadas sociais em torno de suas reivindicações
particulares e o papel da mulher comunista-feminista dentro do
Coletivo Comunista.79

O movimento que estudo na tese, embora não se assumisse feminista, levantou


muitas das questões que aparecem no documento de 1979. A dupla condição das mulheres
como classe e gênero e a tentativa de construir um movimento unitário e interclassista
são exemplos. O documento que Alambert elaborou e apresentou como uma proposta de
mudança radical para a política partidária do PCB, atualizou uma série de questões
colocadas pelo “trabalho feminino” que já vinha sendo desenvolvida desde a primeira
metade do século XX: como construir um movimento unitário e interclassista? Como e
até que ponto interligar a “questão feminina” aos outros problemas sociais? Qual o lugar
do movimento de mulheres/feminista na luta de classes?
Mais do que movimentar o debate, a problemática costurou alianças ou impôs
rupturas entre grupos politicamente divergentes, assim como entre mulheres de uma
mesma organização política. Apesar das polêmicas, censuras e divergências, durante as
décadas de 1940-70, através de vários meios (imprensa, instituições e literatura), as
demandas feministas não deixaram de ser colocadas. Aqui, meu objetivo é contar parte
dessa história.

 Estrutura da tese

78
OS COMUNISTAS e a questão da mulher, 1982, p. 8.
79
Ibid.
41

Divide a narrativa em sete capítulos distribuídos em três partes. Nas duas


primeiras me concentro nas práticas feministas. Nelas, estudo o processo de construção
do movimento tanto pelas vias institucionais (imprensa e organizações), quanto através
dos meios literários. Neste campo, tomo como referência as trajetórias de duas escritoras
ligadas ao PCB que usaram a ficção como meio de expressão feminista. A última parte
foi reservada à análise das ideias, momento em que apresento os temas centrais que
nortearam o debate feminista entre as décadas de 1940 e 1970.
Na Parte 1– Mulheres em movimento: imprensa e organizações – me concentro
no processo de institucionalização do feminismo no Brasil entre 1946 e 1957 a partir,
sobretudo, do movimento de mulheres de orientação comunista vinculado ao PCB. O
capítulo 1 – Momento Feminino: dores e sabores de um jornal de mulheres para mulheres
– se dedica ao processo de construção do jornal Momento Feminino e às dificuldades
enfrentadas por suas arquitetas em uma sociedade avessa às mudanças de costumes,
especialmente no que diz respeito às relações de gênero e ao enfrentamento das
desigualdades de classe/raça.
O segundo capítulo – A construção de uma organização nacional de mulheres:
diálogos, disputas e tensões – narra o processo de construção do que viria a ser a
Federação de Mulheres do Brasil, evidenciando as disputas entre diferentes grupos e
projetos políticos, dando uma atenção especial ao papel desempenhado pelo Instituto
Feminino de Serviço Construtivo (IFSC), criado oficialmente em 1946 para construir uma
organização nacional de mulheres. O projeto foi bem-sucedido, se materializando na
Federação de Mulheres do Brasil (FMB), fundada em 1949.
O terceiro capítulo – Comunistas e Feministas: a FMB e o movimento nacional
de mulheres – é um desdobramento do anterior. Nele, analiso a Federação de Mulheres
do Brasil, demonstrando como a nova federação se estruturou e os instrumentos utilizados
para disputar a política-pública; ao mesmo tempo, evidencio a violenta reação do Estado
brasileiro à experiência. Na década de 1950 a entidade se tornou a principal referência do
movimento de mulheres no país e alvo da repressão institucional.
Mas além dos meios convencionais, a literatura foi outra ferramenta de disputa
das mulheres no espaço público. Por isso, quando penso as práticas feministas não me
restringi aos meios institucionais. Na segunda parte da tese – Invenção da liberdade: a
política em prosa e poesia – analiso fragmentos das trajetórias de duas escritoras
pecebistas conhecidas entre seus contemporâneos, mas esquecidas na atualidade: a poeta
baiana Jacinta Passos Amado e a romancista sergipana Alina Leite Paim. Por se tratar de
42

experiências individuais, talvez aparente um deslocamento na narrativa, embora esta não


seja a intenção. Se dediquei a primeira parte às organizações coletivas, na segunda me
concentrei nas experiências de duas mulheres que fizeram da arte instrumento de
elaborações feministas. O quarto e o quinto capítulos – Política em versos: a poética
feminista de Jacinta Passos e Política em prosa: os romances feministas de Alina Paim
– abordam aspectos das trajetórias das duas escritoras, concentrando especialmente nos
elementos que envolvem a relação que estabeleceram com o PCB e com a arte literária.
A finalidade é evidenciar a importância que assumiram tanto como comunistas quanto
como literatas e, ao mesmo tempo, dar um colorido a mais de humanidade à narrativa.
A terceira e última parte – Debate feminista: a defesa da autonomia das mulheres
nos âmbitos público e privado – também está dividida em dois capítulos. Ambos abordam
os temas feministas debatidos pelo movimento de mulheres de orientação comunista entre
as décadas de 1940 e 1970. O sexto capítulo – Desigualdade de gênero na esfera pública
e dilemas do cotidiano – evidencia as disputas pela conquista do espaço público (política
e mundo do trabalho); o sétimo – Desigualdade de gênero na esfera privada: a política
da intimidade – se concentra no debate político dos dilemas cotidianos. A intenção é
evidenciar que pensar mulheres e política é impossível dentro de uma concepção apartada
de público e privado.
Por fim, no epílogo – Feminismo em movimento: uma história para além das
ondas – faço um balanço da pesquisa e aponto para novas possibilidades de investigação.
Aproveito para lembrar que as citações das fontes foram atualizadas para a ortografia
atual. Acredito que a edição contribui para tornar a leitura mais fluida. Só mantive a grafia
original nos casos em que a palavra tem um significado cultural que dialoga com os
valores relacionados às relações de gênero e às leituras da sexualidade
43

PARTE 1 – MULHERES EM MOVIMENTO

Nesta primeira parte analiso o processo de institucionalização do movimento


feminista de orientação comunista no Brasil entre 1946 e 1957, através da imprensa e
organizações de mulheres. A análise é feita em três capítulos. O primeiro trata da
construção do jornal Momento Feminino, fundado em 1947 para o “público feminino”.1
Apresento seus objetivos, as dificuldades atravessadas internamente e as perseguições
políticas que teve de enfrentar.
O jornal Momento Feminino não foi o único meio de articulação política. Ao longo
da década de 1940 surgiram organizações destinadas a reunir mulheres no campo da
política-pública. Em 28 de outubro de 1946 o Instituto Feminino do Serviço Construtivo
(IFSC) foi fundado com dois objetivos principais: servir de ponto de ligação entre as
“associações femininas” do Rio de Janeiro e fundar uma federação nacional. Criado para
ser efêmero, conseguiu cumprir as duas finalidades: articulou muitas organizações de
mulheres e conseguiu fundar a Federação de Mulheres do Brasil (FMB), em 1949. No
mesmo período, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), criada em 1922,
tentava recuperar a força política que tinha antes da ditadura do Estado Novo e retomar o
fôlego feminista e suas articulações nacionais, expectativa frustrada em 1948.
No segundo capítulo analiso este movimento, especialmente as experiências das
organizações influenciadas pelas ideias do PCB, que se tornaram força política importante
nas décadas de 1940-50. Na década de 1950, ao que tudo indica, foi o movimento
orquestrado pela FMB que se tornou hegemônico no feminismo nacional. Se os anos
finais da década de 1940 foram difíceis para a FBPF, o IFSC conseguiu fundar a FMB
em 1949, apesar do anticomunismo e das dificuldades organizativas do PCB. A federação
de orientação comunista conseguiu dialogar com mulheres de várias partes do país e foi
perseguida pelo governo em uma época que se pretendia democrática. Este é o tema do

1
À época, embora já houvesse discussão sobre as desigualdades entre homens e mulheres e a
problematização de que até que ponto as diferenças biológicas serviam para justificá-las, não havia uma
dissociação entre mulher-feminino; homem-masculino, características percebidas como naturais. No debate
feminista do contexto, problematizava-se a ideia de que as mulheres – todas percebidas como naturalmente
femininas – eram frágeis, menos inteligentes e racionais que os homens, e que aos homens – sempre vistos
como masculinos – caberia o lugar de dominação em todas as esferas da vida social. Portanto, quando falar
do debate da época, utilizarei a expressão feminino entre aspas para lembrar que a terminologia é
historicamente localizada e que hoje o masculino e o feminino não são – ou não deveriam ser – entendidos
como características naturais de homens e mulheres, respectivamente. A própria ideia que define o ser
homem ou mulher é construída historicamente.
44

terceiro capítulo, dedicado à narrativa de como a nova federação se estruturou, as


articulações que foram feitas tanto no âmbito nacional como internacional e como o
Estado brasileiro reagiu.
45

CAPÍTULO 1: MOMENTO FEMININO: DORES E SABORES DE


UM JORNAL DE MULHERES PARA MULHERES

1.1. “Para o coração, sim. Mas também para o espírito”: orientação política e
objetivos de Momento Feminino

Sexta-feira, 25 de julho de 1947. Saía nas bancas a primeira edição do semanário


Momento Feminino: um jornal para o seu lar, “fundado, dirigido e redigido por
mulheres”.1 O subtítulo parecia indicar que um novo periódico da chamada “imprensa
feminina” ganhava às ruas. Editado no Rio de Janeiro e impresso pela tipografia Imprensa
Popular, que pertencia ao então Partido Comunista do Brasil (PCB), seu primeiro número
saiu meses depois do previsto.
Desde 1946 circulavam notícias sobre o novo projeto. Sua primeira edição estava
programada para dezembro, mas “contratempos burocráticos, como registro de papel”
foram responsáveis pelo retardamento, segundo nota de Heloísa C. L., publicada na
página “A mulher e seu lar” do jornal pecebista Tribuna Popular.2 O público teve de
esperar pouco mais de um semestre até ter em mãos o primeiro número de Momento
Feminino, que permaneceria na praça até fevereiro de 1956. Logo após sua primeira
edição, a jornalista e então militante do PCB Yvone Jean3 expressou suas expectativas.
“Sendo o novo jornal fundado, dirigido e redigido por mulheres”, ela esperava que suas
páginas “não dessem lugar a comentários irônicos justificados!”.4 E prosseguiu:

Posso dizer que agora que tenho muita esperança pelo seu futuro. Não
é que esteja perfeito. Deverá melhorar muito para se tornar um jornal
indispensável a todas as mulheres. Mas alcançará este fim se continuar
a ser dominado pelo mesmo espírito de honestidade. [...] Já existia uma
revista feita por mulheres. Faltava-nos um jornal. “Momento Feminino”
vai preencher esta lacuna. Tenho a certeza absoluta de que contribuirá

1
JEAN, Yvone. Momento Feminino. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 17, n. 7606, p. 3 (Seção 2),
12 ago. 1947.
2
A SEU serviço. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 609, p. 5, 28.mai. 1947. Entendo que o texto
pode representar uma estratégia de propaganda. Ao publicar uma resposta a uma possível leitora, é provável
que a finalidade fosse despertar curiosidade e aumentar as vendas do periódico quando ele fosse lançado.
3
Segundo Rafael Pereira da Silva, de origem judia – natural de Antuérpia, Bélgica – Yvonne Jean (1911-
1981) imigrou para o Brasil em 1940 e logo se estabeleceu como jornalista na imprensa carioca. Em 1962
transferiu-se para o Distrito Federal para lecionar na Universidade de Brasília (UNB), a convite de Darcy
Ribeiro. “Intelectual atuante, além de jornalista exerceu trabalhos como tradutora, arte-educadora e
literata”. Cf.: SILVA, Rafael Pereira da. Fragmentos de (auto)imagem: notas sobre o fundo Yvonne Jean
no Arquivo Público no Distrito Federal (1911-1981). Maracan, Rio de Janeiro, n. 20, p. 171-184, jan./abr.,
2019.
4
JEAN, Yvone, op. cit.
46

ativamente para o progresso das mulheres e a sua integração completa


na comunidade social brasileira.5

Normalmente, Momento Feminino possuía de 8 a 10 páginas, em tamanho


tabloide. Este número tendia a aumentar em momentos especiais, a exemplo de datas
festivas como o Dia Internacional da Mulher, Dia das Mães e Natal; ou diminuir, quando
atravessava problemas financeiros e/ou políticos. Não trazia reportagens desde a primeira
página. Era estruturado como uma revista. A capa geralmente era ilustrada com grandes
imagens (desenhos ou fotografias), quadrinhos e/ou trazia pequenos textos. Aliás,
desenhos, fotografias e histórias em quadrinhos não se restringiam à capa. Construído
para atrair mulheres de todas as camadas sociais, especialmente as trabalhadoras,
provavelmente as imagens e histórias contadas através delas eram estratégicas para torná-
lo acessível àquelas que não sabiam ler ou liam com dificuldade, já que no contexto elas
tinham ciência de que as taxas de analfabetismo, apesar de decrescentes, continuavam
altas.6
O desenho de Paulo Werneck, artista que fez diversas obras para a imprensa
comunista, estampou a capa da primeira edição e destoava um pouco do subtítulo. Na
imagem, ao contrário de mulheres “reinando no lar”, aparecem representações de
trabalhadoras (negras e brancas) e donas de casa com semblantes tristes, provavelmente
preocupadas com a vida difícil e cara que enfrentavam. A capa traz ainda os nomes de
todas as colaboradoras daquela edição, a maioria militante do PCB, como Arcelina
Mochel, Alina Paim, Diana de Brito, Ediria Carneiro, Eneida, Lia Correa Dutra, Maura
de Sena Pereira e Yvone Jean. Mas também aparecem mulheres de outros grupos
políticos, a exemplo de Lygia Maria de Lessa Bastos, então vereadora pela União

5
JEAN, 1947, p. 3.
6
Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 1940 o Brasil
possuía cerca de 16,4 milhões de analfabetos, concentrados principalmente nos estados do Norte e Nordeste
do país. Menos de um terço da população entre 7 e 14 anos frequentava a escola. Apesar da taxa de
analfabetismo ser alta e da baixa frequência escolar das crianças e adolescentes, de acordo com Gláucia
Fraccaro, a partir de 1888 até a década de 1940, houve a expansão do ensino público e profissional no
Brasil, ampliando significativamente a instrução para ambos os sexos, mas de maneira mais importante
para as mulheres. “O número de mulheres alfabetizadas cresceu quase três vezes mais que os dos homens”,
especialmente nas grandes capitais do país, como Rio de Janeiro e São Paulo. Cf. ESTUDO revela 60 anos
de transformações sociais no Brasil. Agência IBGE Notícias, 2007. Disponível em: <
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/13300-
asi-estudo-revela-60-anos-de-transformacoes-sociais-no-pais> Acesso em: 08 out., 2019; FRACCARO,
Gláucia. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio de Janeiro: FGV, 2018.
p. 24.
47

Democrática Nacional (UDN), Sagramor de Scuvero, vereadora pela Partido Republicano


(PR) e Hilda Campofiorito, artista, ao que parece, sem vinculação partidária.7

Imagem 1: Capa da primeira edição de Momento Feminino.


In: Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, 25 jul., 1947.

Nas outras edições, Alice Tibiriçá, Ana Montenegro e Nice Figueiredo


despontaram como assíduas colaboradoras. Alice ganhou expressividade no universo da
política-pública na década de 1920, sobressaindo-se tanto nos movimentos de combate à
lepra e à tuberculose, quanto no movimento feminista. Em 1930 chegou a ser eleita a
feminista mais expressiva do Estado de São Paulo.8 Nunca foi filiada ao PCB, mas vinha

7
O Dicionário Mulheres do Brasil e o Dicionário crítico de escritoras brasileiras trazem notas biográficas
da maioria das mulheres citadas, com exceção de Sagramor Scuvero. As informações sobre sua trajetória
artística podem ser encontradas na Revista do Rádio. Cf. SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital.
Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000; COELHO,
Nelly Novaes. Dicionário crítico de escritoras brasileiras (1711-2001). São Paulo: Escrituras, 2002. Sobre
Sagramor Scuvero cf.: AROLIMA. Sagramor: uma vida voltada para uma obra. Revista do Rádio, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 4, p. 4-5, maio de 1948.
8
Para mais informações sobre a trajetória de Alice Tibiriçá cf. SCHUMAHER; BRAZIL, 2000, p. 31-33;
PEREIRA, Andréa Ledig de Carvalho. Conservadoras ou Revolucionárias? Trajetórias femininas,
filantropia e proteção social: São Paulo e Rio de Janeiro (1930/1960). Tese (doutorado em Política Social)
– Centro de Estudos Sociais Aplicados, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016, p. 28-101.
48

se aproximando do partido desde a década de 1930. Na década seguinte ficou ainda mais
próxima quando, em 1946, fundou e dirigiu o Instituto Feminino de Serviço Construtivo
(IFSC), que logo se filiaria a Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM),
instituição de orientação comunista sediada em Paris.
Ana Montenegro atuou como jornalista. Na década de 1940 tornou-se militante
do PCB, filiando-se oficialmente ao partido em 1945. No contexto, exerceu sua militância
entre a Bahia e o Rio de Janeiro. Em Salvador, atuou na União Democrática Feminina da
Bahia e foi candidata a deputada estadual em 1947. No Rio de Janeiro, participou dos
movimentos populares e do movimento de mulheres, tornando-se colaboradora do jornal
Momento Feminino.9
Nice Figueiredo era advogada, formada pela antiga Faculdade Nacional de Direito
da Universidade do Brasil (atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro). 10
Também se enveredou nas artes cênicas, atuando como atriz na peça Vestir os Nus, texto
escrito em 1922 por Luigi Pirandelo, italiano prêmio Nobel da Literatura.11 De setembro
de 1947 até junho de 1950 foi responsável pela coluna Direitos da Mulher de Momento
Feminino. Ao longo de sua trajetória no periódico publicou 51 artigos, a maioria
discutindo como as leis ratificavam os valores socioculturais que inferiorizavam as
mulheres.12 No que diz respeito ao seu vínculo com o PCB, não temos meios de atestar
uma ligação oficial, mas suas ideias se alinhavam com os valores do partido.13
Além de comunistas, a maioria das colaboradoras e diretoras de Momento
Feminino, era branca ou socialmente branca (no Brasil)14, escolarizada, de classe média,

9
Sobre a trajetória de Ana Montenegro cf.: SCHUMAHER; BRAZIL, 2000, p. 60-61; MONTENEGRO,
Ana; OLIVEIRA, Jardilina de Santana. Falando de Mulheres. Salvador: ND. Gráfica e Editora LTDA,
2002. p. 47-62; FLÔRES, Fernanda Lédo. Na mira da repressão: militância política e escrita jornalística
em Ana Montenegro (1947-1983). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.
10
FACULDADE Nacional de Direito (nota de convocação). Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 40, n.
14214, p. 8, 07 mar., 1941.
11
Vestir os nus narra uma história envolvendo a tentativa de suicídio de uma mulher, Ersília. O fato é
narrado através de várias versões dos personagens envolvidos e do próprio espectador.
12
Cf.: ALVES, Iracélli da Cruz. Nice Figueiredo, Momento Feminino e o debate feminista no Brasil.
Saeculum, João Pessoa, v. 40, n. 40, p. 265-288, jan. /jun., 2018.
13
Até o momento tem sido difícil localizar as peças que nos ajude a montar o quebra-cabeça sobre a
trajetória de Nice Figueiredo. Ela escreveu em Momento Feminino de 1947 a 1950. A maioria dos dados
biográficos foram encontrados no próprio periódico. Nice Figueiredo não foi citada em nenhum dos
dicionários consultados, nem aparece nos sites especializados em notas biográficas de personalidades.
14
Quando me refiro às pessoas socialmente brancas falo dos indivíduos pardos que, no Brasil, a depender
das circunstâncias, podem transitar como brancos, sobretudo quando das camadas médias ou altas da
sociedade. Atualmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística define como negras pessoas pretas
e pardas, mas na década de 1940 não havia essa delimitação. A maioria das pessoas das camadas abastadas,
quando pardas de pele clara, provavelmente eram percebidas e se autodeclaravam brancas. Conceitos têm
sido forjados para dar conta do complexo debate racial no Brasil, tanto nos movimentos sociais quanto na
49

residindo nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. A idades variavam: havia a
colaboração de jovens na casa dos 20-25 anos, como Alina Paim, Arcelina Mochel e
Jacinta Passos; até mulheres com idade mais avançada, na faixa dos sessenta anos, como
Alice Tibiriçá e Nuta Bartlet James. Eram mulheres que formavam uma elite, em um país
pouco escolarizado e marcado por profundas desigualdades (sociais, raciais, regionais e
de gênero), interessadas em mobilizar politicamente outras mulheres, especialmente das
camadas populares, negras em sua maioria.
Apesar do lugar social que ocupavam, assumiram, não sem contradições e
dificuldades, o engajamento político na luta em defesa das mulheres trabalhadoras, que,
não podemos esquecer, eram majoritariamente negras.15 Ainda que de forma mediada,
imprimiram vozes das trabalhadoras. Era frequente a publicação de reportagens
relacionadas à visita aos morros cujo principal objetivo era ouvir as narrativas das
moradoras sobre os problemas que enfrentavam no dia a dia, sobretudo, aqueles
relacionados à falta de água, alimento, saneamento básico, emprego, moradia e creches
para que elas pudessem deixar as crianças enquanto trabalhavam.
No que diz respeito ao debate racial, houve um silêncio relacionado ao fato da
maioria das mulheres da classe trabalhadora ser negra. Em linhas gerais, o debate racial

academia, entre eles branquitude e colorismo. Para mais informações cf.: ALVES, Luciana. Significados
de ser branco – a brancura no corpo e para além dele. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade
de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010; SCHUCMAN, Lia Vainer. Entre o
“encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude
paulista. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2012; PASSOS, Ana Helena Ithamar. Um estudo sobre branquitude no contexto de reconfiguração das
relações raciais no Brasil. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013; CARNEIRO, Sueli. Negros de pele clara. Centro de Estudos das Relação
de Trabalho e Desigualdades (CEERT), 25 set., 2016. Disponível em: <
https://www.ceert.org.br/noticias/genero-mulher/13570/sueli-carneiro-negros-de-pele-clara> Acesso em:
06 set., 2019; SCHUMAHER, Schuma. Branquitude para além do incômodo. Geledés Instituto da Mulher
Negra, 14 jun., 2017. Disponível em < https://www.geledes.org.br/branquitude-para-alem-do-
incomodo/>Acesso em: 06 set., 2019; BERTH, Joice. Branquitude e privilégios: o lacre social. Justificando,
27 set., 2017. Disponível em: < http://www.justificando.com/2017/09/27/branquidade-e-privilegio-o-lacre-
social/> Acesso em: 06 set., 2019; SANTANA, Bianca. Quem é mulher negra no Brasil? Colorismo e o
mito da democracia racial. Revista Cult Digital, 08 mai., 2018. Disponível em:
<https://revistacult.uol.com.br/home/colorismo-e-o-mito-da-democracia-racial/> Acesso em: 06 set., 2019;
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Colorismo ou que horas são? Nexo, 18 jun., 2018. Disponível em:
http://liliaschwarcz.com.br/conteudos/visualizar/Colorismo-ou-que-horas-sao7> Acesso em: 06 set., 2019;
entre outros.
15
Lugar social representa o lugar que o sujeito ocupa socialmente (negro, mulher, homossexual etc.),
independente de sua vontade ou autoidentificação. Segundo Joaze Bernardino-Costa e Ramón Grosfoguel,
o fato de alguém compor socialmente o lado oprimido das relações de poder não implica necessariamente
que ele vai pensar “epistemicamente a partir do lugar epistêmico subalterno”, nem significa, acrescento,
que vai se engajar nas lutas políticas dos grupos subalternizados. “O sistema-mundo moderno/colonial se
sustenta porque teve êxito em fazer com que os sujeitos que fazem parte do lado oprimido da diferença
colonial pensem epistemicamente como aqueles que se encontram em posições dominantes.
BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e perspectiva negra.
Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 15-24, 2016. p. 19.
50

não emergiu como um problema da formação social brasileira. Momento Feminino


centrou-se pelo debate de classe e gênero sem interpelação com discussões sobre racismo.
Na maioria das vezes, atrelou a desigualdade entre os sexos ao sistema capitalista,
marcado pela exploração da classe trabalhadora. O racismo foi encarado como um
problema de outros países, principalmente dos Estados Unidos.
A jornalista Eneida de Moraes observou que nos Estados Unidos “os negros,
particularmente, veem desenvolver-se cada vez mais o racismo, cada dia mais
selvagem”.16 Arcelina Mochel, em um texto contra a expulsão da escritora negra norte-
americana Cláudia Jones dos Estados Unidos, sob acusação de “subversão”, destacou que
“os racistas norte-americanos odeiam os negros e espumam de raiva quando não se podem
comparar em valor e dignidade a um espírito semelhante ao de Cláudia Jones” que era
uma “escritora destacada e de elevado conceito popular”. Segundo ela, a perseguição era
“aviltante à dignidade humana”, por isso, solidarizava-se “com os negros da América do
Norte, que têm em Cláudia Jones um símbolo de luta da grande raça oprimida, que quer,
se bate e tem direito à liberdade”.17
Estabelecendo uma espécie de contraponto ao racismo norte-americano, o
editorial parabenizou a União Francesa, por estar “muito bem representada no Conselho
da República” pela senhora Jane Vialle. Jornalista negra, natural de Oubangui-Chari,
então colônia francesa da África Equatorial, Vialle passou parte de sua vida no Congo
Médio, até estourar a Segunda Guerra Mundial. Durante a guerra, foi “atingida pelas
medidas raciais alemães” e enviada para um campo de concentração. Conseguiu
sobreviver à nefasta experiência e retomou suas atividades como jornalista. Tornou-se
ativista em favor da libertação dos presos coloniais. Suas atividades políticas lhe
renderam a eleição, por Oubangui-Chari, ao conselho da República francesa. No cargo,
passou a dedicar-se “inteiramente às suas novas funções fazendo todo possível para
melhorar a sorte das mulheres de seu país, o que não é pouco trabalho; como afirmou,
tudo que diz respeito à mulher negra ainda está no domínio dos projetos”.18
Sobre o racismo no Brasil, nenhuma palavra. Provavelmente, prevalecia no grupo
a ideia de que por aqui o maior problema era a desigualdade de classe ou que, pelo menos,
as segregações segundo o signo da raça não eram tão intensas quanto nos Estados Unidos.

16
ENEIDA. Mundo de Hoje. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 12, p. 2, 10 out., 1947.
17
ARCELINA. Uma grande mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 27 fev., ano 1, n. 31, p. 2, 27 fev.,
1948.
18
PROBLEMAS daqui e do mundo: o futuro das mulheres de cor. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
1, n. 27, p. 6-7, 23 jan., 1948.
51

À época, embora autores como Lima Barreto e Guerreiro Ramos já estivessem produzido
reflexões sobre as desigualdades raciais, a perspectiva preponderante era a de que o Brasil
era um país positivamente miscigenado. 19 O grande conflito não seria racial, mas de
classe.
Criado, dirigido e mantido especialmente por comunistas, o debate racial, embora
presente, não ganhou muito espaço em Momento Feminino. O periódico tinha como
finalidade principal orientar as mulheres tanto para a luta dos “direitos femininos”, quanto
para a sua formação política mais ampla, no sentido de informá-las sobre a conjuntura
nacional e internacional. Tudo isso sem perder a dimensão “feminina” da proposta.

Momento Feminino é uma revista que, como as outras, fala de rádio,


publica fotografias, de Hollywood, conselhos de puericultura, de
gramática, de moda e de arte-culinária; que como fonte de atração,
apresenta sua seção de grafologia, de contos; mas que apresentando
também secos palpitantes como “nossos problemas”, “uma história por
semana”, “a mulher nos cinco continentes”, “o mundo de hoje” –
assume um caráter humano, real, independente e essencialmente
feminino no que diz respeito não só ao seu coração [...] mas ao seu
cérebro.20

Era ligado à Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM), criada


em 1945 no Congresso Internacional de Mulheres realizado em Paris. Ainda que
proclamada eclética, a FDIM estava conectada ao movimento comunista internacional, o
que não a impediu de abrir-se à participação de organizações nacionais sem essa
definição. Em linhas gerais, a organização tinha como objetivo reunir, sob políticas e
diretrizes comuns, federações congêneres de vários países.21 Como todas as organizações
comunistas, tinha a imprensa como meio imprescindível de articulação política. Seguindo
as recomendações teóricas de Lênin, os periódicos eram tomados como o lugar de
transição entre a teoria “pura” e o apelo à ação, elementos considerados indispensáveis
para a “elevação” da consciência das “massas”, leia-se, da classe trabalhadora. A
imprensa significava um instrumento de organização das “massas” para a luta
revolucionária. Seria um meio de educação ideológica e de coesão interna.22

19
Cf. MAIO, Marcos Chor. Cor, intelectuais e nação na sociologia de Guerreiro Ramos. Cadernos
EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, ed. especial, p. 605-630, set., 2015; SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima
Barreto: triste visionário. São Paulo: Cia das Letras, 2017.
20
FERRARO, Leda. Sonho de ontem, realidade de hoje. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 46,
p. 15, 06 ago., 1948.
21
MACEDO, 2001, p. 158.
22
MORAES, Dênis. O imaginário vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-
53). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994, p. 60-62.
52

No Brasil, mais especificamente, seguindo as formulações de Lênin, o Comitê


Central do PCB esboçou os parâmetros da imprensa a partir de três pressupostos básicos,
quais sejam: 1) educar as massas para elevar a formação política; 2) organizar os setores
mais combativos da classe operária em torno do partido e 3) disseminar a linha ideológica
comunista. Desde a sua fundação, em 25 de março de 1922, o PCB cumpriu a tradição de
ter meios de divulgação de suas posições doutrinárias. Entre 1922 e 1992 a imprensa
comunista circulou em vários Estados brasileiros – principalmente de 1945 a 1947, nos
governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart, e após a abertura política de 1979.23
Certamente, no plano da formatação das mensagens, cada jornal adotou fórmulas
operativas próprias, mas o espelho doutrinário leninista se refletiu em toda a imprensa
comunista. Momento Feminino seguiu a trilha. Como toda imprensa, reelaborou o mundo
em razão de imperativos políticos-ideológicos, códigos de comunicação, normas técnicas,
circuitos tecnológicos e sinalizações mercadológicas.24
Independente da aparência que tenham assumido, os jornais do PCB, como
qualquer outro – por mais ideologicamente neutros que tentassem parecer – buscavam
dialogar e criar um pensamento. Para tanto, precisam convencer o público leitor do seu
ponto de vista. Disfarçados ou não, “os jornais são carregados de intenções, sendo que a
mais singela e a mais evidente é a de ser lido pelos outros”.25 E o Momento Feminino não
se distanciou dessa característica. Tinha como prioridades ser consumido por um grande
número de mulheres e atraí-las ao seu projeto político.
Durante toda a sua existência, a FDIM cumpriu um papel importante de orientação
tanto no que diz respeito à estrutura, quanto sobre os assuntos que deveriam ocupar suas
páginas. Levando em consideração a importância que a imprensa assumiu para os
comunistas, a reunião do Conselho da FDIM, realizada de 15 a 19 de novembro 1949, em
Moscou, recomendou que as organizações nacionais deveriam: 1) divulgar em seus
periódicos os êxitos econômicos e culturais dos países aliados da União Soviética; 2)
publicar em seus jornais e revistas o boletim da FDIM, junto com análises sobre a
atividade do movimento democrático internacional de mulheres, “em seu conjunto e das
organizações de mulheres que fazem parte da Federação Democrática Internacional de
Mulheres, colocando novos problemas e tarefas”; 3) aumentar “o formato e a tiragem das
edições femininas que já existem nas organizações democráticas femininas”; 3) trabalhar

23
MORAES, 1994, p. 58-63.
24
Ibid., p. 60-62.
25
FARGE, Arlette. O sabor dos arquivos. São Paulo: Edusp, 2009. p. 13.
53

para que todas as organizações de mulheres tivessem seu órgão de imprensa. Para aquelas
organizações que ainda não tinham condições de ter seu próprio jornal, recomendou que
utilizassem o máximo possível a imprensa progressista de seus respectivos países.26
Na medida do possível, Momento Feminino se esforçou para atender às
orientações da FDIM. Na edição de 01 de agosto de 1950, Arcelina Mochel usou sua
coluna para alertar sobre a necessidade de multiplicar sua tiragem, garantir a impressão,
bem como organizar e ampliar a sua rede de distribuição, “fazendo-o penetrar em todos
os lares”. 27 No mesmo número, o editorial reforçou as recomendações da diretora,
evidenciado que era preciso atender “à resolução do Conselho da Federação de Mulheres
do Brasil” no que diz respeito a ampliação da tiragem e rede de circulação.28 No ano
seguinte, apesar das dificuldades financeiras, conseguiu alcançar a tiragem de 10.000
exemplares.29
Além disso, não poupou textos exaltando o modo de vida dos países do bloco
comandado pela União Soviética e personalidades comunistas, como Stalin, considerado
o “grande dirigente do povo soviético, intransigente defensor da paz para os povos de
todo o mundo e da colaboração pacífica entre países de regimes diferentes”;30 Luiz Carlos
Prestes, descrito como “bom irmão, bom pai, bom homem”,31 que “sempre tem defendido
os direitos da mulher brasileira”;32 Leocádia Prestes, a mãe do “Cavaleiro da Esperança,
mulher corajosa, persistente, trabalhadora”; 33 Olga Benário, sempre lembrada como
“esposa do grande líder brasileiro Luiz Carlos Prestes e mãe de uma menina brasileira,
Anita Leocádia, que nasceu entre as grades de uma prisão”;34 Dolores Ibarruri, secretária
geral do Partido Comunista Espanhol (PCE), que recebeu os adjetivos de “velha amiga
da liberdade, lutadora infatigável pela República espanhola, pela democracia da Espanha,
pela felicidade de todas as mulheres do mundo”.35

26
REUNIÃO do Conselho da Federação Democrática Internacional de Mulheres. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 2, n. 62, p. 3, 30 out., 1949.
27
MOCHEL, Arcelina. Três anos de luta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 73, p. 2, 01 ago.,
1950.
28
COMO FUNCIONA Momento Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 73, p. 12-23, 01
ago., 1950.
29
QUATRO anos de vida. Uma vitória e uma necessidade. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n.
86, p. 5, ago., 1951.
30
NOSSA saudação. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 79, p. 11, 20 dez., 1950.
31
O SENADOR do povo – Bom irmão, bom pai, bom homem. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1,
n. 24, p. 6, 3 jan., 1948.
32
COISAS que aconteceram. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 54, p. 7, 07 abr., 1949.
33
D. LEOCÁDIA. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 59, p. 2, 20 mai., 1949.
34
A FIGURA de Olga Benário Prestes. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 65, p. 2, 24 fev., 1950.
35
DIA 8 de março. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 32, p. 4, 05 mar., 1948.
54

O jornal também ocupou suas páginas com divulgações dos êxitos de mulheres
que atuaram nos vários campos da vida política, artística e social, tanto no Brasil quanto
em outros países. 36 A intenção era tirar das margens a importância das mulheres nos
acontecimentos históricos nacionais e internacionais e na construção do conhecimento, e
concomitantemente, colocá-las como heroínas no panteão dos heróis masculinos. O título
da seção “Heroínas do Brasil e do mundo” é reflexo do que estou falando.37 É provável
que o exercício tenha tido um caráter pedagógico: inspirar as leitoras e encorajá-las à
militância política junto aos movimentos de mulheres organizados.
As propostas do movimento eram evidenciadas nas publicações das resoluções
internas e externas. Momento Feminino não deixava de publicar os boletins da FDIM e
notícias sobre sua movimentação pelo mundo, 38 assim como convites, exortações,
chamadas para congressos, diretrizes sobre articulação de campanhas internacionais,
notícias sobre a movimentação de Madame Cotton, então presidenta da FDIM, informes
sobre reuniões do Conselho Consultivo realizadas com delegadas de diversos países e
análises críticas sobre a “situação da mulher” em várias países, com destaque sempre para
as supostas condições de vida superiores das mulheres do bloco soviético.
Sua principal utopia era a mudança radical da ordem política e social, com a
consciência de que o processo era lento e gradual. Suas páginas tornaram-se palco dos
debates caros ao PCB, como a luta pela paz, contra a bomba-atômica, em defesa do
petróleo, contra o alto custo de vida, em defesa da classe trabalhadora. Mas também

36
Os textos eram geralmente publicados nas seções “Prazer em Conhecê-la” e “Heroínas do Brasil e do
Mundo”, mas fora delas também. Exemplos: AS HEROÍNAS de Tejucupapo. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 1, p. 2, 25 jul., 1947; BARBARA Heliodora. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2,
n. 68, p. 3, 02 mai. 1950; DUAS heroínas na luta pela independência nacional. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 3, n. 71, p. 6, 15 jul. 1950; CLARA Felipe Camarões e a resistência aos holandeses. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 75, p. 2, 01 set. 1950; entre outras.
37
Entre as várias homenageadas na seção, estavam: Tereza Margarida da Silva Orta, descrita como autora
do primeiro romance publicado no Brasil. “O primeiro romance escrito por um brasileiro data de 1752 e é
de autoria de uma mulher. [...] Esse livro chama-se ‘Aventuras de Diofanes e sua autora é Tereza Margarida
da Silva Horta, nascida em São Paulo em 1711 ou 1712 e falecida em Portugal, mais ou menos em 1787”;
Sonia Kavalevska, matemática russa. Natural de Moscou, a intelectual nasceu em 1850 e morreu em 1891.
Foi professora na Universidade de Estocolmo, ocupando a cadeira de Análise a partir de 1884. “Escreveu
vários trabalhos de grande valor”, sendo premiada pela Academia de Ciências de Paris em 1888; e Maria
Amélia de Queiroz, abolicionista pernambucana “de inteligência brilhante e cultivada, tomou parte muito
ativa na propaganda em favor da abolição e se ocupou de assuntos tendentes ao engrandecimento de seu
país, em conferências públicas em vários pontos do seu Estado natal. Cf., respectivamente, TEREZA
Margarida da Silva Orta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 5, 08 ago., 1947; SONIA
Kavakevska. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 6, p. 5, 29 ago., 1947; MARIA Amélia de
Queiroz. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 7, p. 4, 05 set., 1947.
38
RESOLUÇÕES: Conselho da FDIM. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 64, anexo, 31 jan.,
1950; A MULHER nos continentes: conferência das mulheres na Ásia. Momento Feminino, Rio de Janeiro,
ano 2, n. 64, p. 7, 31 jan., 1950.
55

defendeu a libertação das mulheres, quase sempre tentando conciliá-la às concepções


compartilhadas pelo partido. Sua principal tarefa era, concomitantemente, servir como
instrumento e meio de conscientização da luta política das mulheres e da classe
trabalhadora.
No que diz respeito à movimentação política das mulheres no Brasil, fez grande
esforço para acompanhá-la em várias regiões do país. Por quase uma década (1947-1956),
Momento Feminino teceu a história desse movimento.39 As mulheres que dele faziam
parte se esforçaram para mantê-lo na praça. Ainda que muito difícil, a intenção era levá-
lo às “milhares de casas”, tanto no Brasil quanto em outros países.40 Queriam “dizer à
dona de casa porque a vida está cara”; explicar “as experiências de organizações
femininas”; mostrar “que só conquistando a paz é possível conquistar uma vida melhor”;
denunciar “os agressores de nações pacíficas e aos assassinos de mulheres e crianças”;
ensinar “de que lado está a justiça e a verdade” e “que é preciso lutar organizadamente”.
O jornal pensava-se como “um instrumento de organização e esclarecimentos das massas
femininas”.41
Nas palavras da comunista Ana Montenegro, Momento Feminino se incumbiria
da tarefa de informar e cooperar na construção de “um programa geral” da “luta
feminina”. Era preciso “levar a todas as camadas, a todos os lugares, a todas as casas, a
palavra de esclarecimento, o apelo à luta”.42 A imprensa, “com o seu poder de penetrar,
com a sua possibilidade de fazer-se ouvida, mesmo pelos surdos, com a sua capacidade
de percorrer distâncias, sem cansaço”, 43 se constituía em um meio privilegiado para
“esclarecer” as mulheres “dos mais escondidos recantos brasileiros, as mulheres das
cidades movimentadas, como dos sertões nordestinos, do litoral como dos campos”, para
que, juntas, “numa única frente”, pudessem marchar “em direção a um objetivo comum,
a um horizonte de luz, alegria, saber, conforto e felicidade”.44
Suas páginas tinham a pretensão de funcionar como “binóculos para a vida” e,
consequentemente, aguçar a empatia e construir a solidariedade entre as mulheres,

39
MACEDO, 2001., p. 174.
40
COMO FUNCIONA Momento Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 73, p. 12-13, 01
ago., 1950. Houve um projeto para que o jornal circulasse em Portugal, mas a polícia política portuguesa
censurou o periódico. PROIBIÇÃO da revista Momento Feminino. Arquivo Nacional Torre do Tombo,
PIDE, Secretariado Nacional de Informação, Censura, cx. 733, 2f.
41
COMO FUNCIONA Momento Feminino, op. cit.
42
MONTENEGRO, Ana. A Imprensa feminina fator de educação. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
1, n. 20, p. 10, 05 dez. 1947.
43
Ibid.
44
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 2, 25 jul.,
1947.
56

supostamente mais sensíveis que os homens, por isso, indispensáveis na trincheira contra
a fome e a miséria que assolava milhares de famílias e crianças. Ao mesmo tempo,
pretendia divulgar “as realizações da mulher no mundo de hoje na tarefa grandiosa e
ingente”. Visava incentivar o engajamento de mulheres numa espécie de “luta geral”,
indo além dos “assuntos sentimentais ou sociais mundanos”, atentando também “para o
campo comum dos problemas gerais da vida”, integrando-se “na complexidade dos
mesmos”.45
O jornal assumia-se como “essencialmente feminino”. Partindo do pressuposto de
que toda mulher era naturalmente feminina, reatualizava temas que culturalmente eram
pensados como de interesse das mulheres, ou seja, assuntos ligados à esfera dos
sentimentos e das sensibilidades. Ao mesmo tempo em que essencializava as mulheres e
o feminino, temperava a suposta essência com os condimentos da razão, tradicionalmente
pensada no masculino. Neste sentido, instituía, sem negar os valores tradicionais, uma
feminilidade não tradicional. O periódico seria “essencialmente feminino” não apenas no
que diz respeito ao coração (sentimento), mas ao espírito (razão). E dentro desse paradoxo
Momento Feminino se construiu, característica que gerou tensões entre suas
colaboradoras, divididas entre o “coração” e o “espírito” e/ou engajadas no esforço de
unir as duas coisas.
A autonomia e a conquista do espaço público – culturalmente instituídos como
masculinos – não deveria vir acompanhada da perda de “feminilidade”. Era preciso
encarar a difícil tarefa de ocupar espaços pensados como masculinos, sem deixarem de
ser femininas. Imaginemos o tamanho do desafio: manter a feminilidade, pensada na
esfera da emoção e dos sentimentos, em espaços que valorizavam a razão e a frieza. A
estratégia utilizada foi ao mesmo tempo veicular informações necessárias à luta no/por
espaço público, instituindo que não deixava de estar a “serviço do lar”. Seguindo esta
linha, reforçava estereótipos do feminino, pensado como a essência de toda mulher.
Este dilema atravessou todo o movimento, não apenas o Momento Feminino. O
movimento de mulheres de orientação comunista se debatia em como conquistar a
autonomia e a cidadania para as mulheres – direitos pensados para os homens/masculinos
– sem perder a feminilidade – tradicionalmente pensada como pouco racional,
excessivamente sensível, por isso, impróprias para as responsabilidades demandadas na
vida pública.

45
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 2, 25 jul.,
1947.
57

1.2. Estrutura, funcionamento e iniciativas feministas

Atravessando essas duas vias, o jornal publicava trocas de experiências e textos


de estímulo para que as mulheres ingressassem na política46; ao mesmo tempo em que
mantinha as clássicas sessões da chamada “imprensa feminina”: puericultura, educação
infantil, moda, beleza, culinária, literatura, cuidados domésticos, decoração e corte-
costura. Publicava ainda capítulos de romances e/ou folhetos de organizações de
mulheres. No geral, o conteúdo girava em torno dos problemas enfrentados pelas camadas
populares, buscando orientar as mulheres sobre a melhor maneira de enfrentá-los, qual
seja, a luta política junto às Uniões Femininas, a maioria delas com forte presença de
militantes do PCB.
Entre as colunas fixas e assinadas estavam: “Nossos Problemas”, de Arcelina
Mochel; “Direitos da Mulher”, de Nice Figueiredo; “Mundo de Hoje”; “A Mulher nos
Cinco Continentes” e “De Semana em Semana”, as três sob a rubrica de Eneida de
Moraes, que assinava apenas com o primeiro nome. “Nossos Problemas” tinha por
objetivo a troca de ideias sobre os problemas políticos e sociais do contexto, dando ênfase
ao impacto na vida das mulheres e à defesa da sua plena cidadania. Funcionou de 25 de
junho de 1947 até 01 de setembro de 1950, com algumas interrupções. Era o cartão de
visita do jornal. Escrita pela diretora, geralmente ocupava a parte superior da segunda
página, a mais importante.
Arcelina Mochel escreveu sobre carestia de vida, falta de moradia adequada a boa
parte da população, denunciou as dificuldades que as camadas populares enfrentavam nos
transportes públicos (caros e de baixa qualidade), bem como a falta de abastecimento de
água nas periferias. Falou ainda sobre o problema das longas filas e os baixos salários aos
quais estavam submetidos os trabalhadores e, sobretudo, as trabalhadoras. Também
colocou sua pena à serviço da luta pela paz e em defesa do Petróleo, bandeiras levantadas
pelo PCB. Em tempos de eleição, divulgava as candidaturas do partido e das mulheres
consideradas aliadas, ainda que não fossem comunistas. No que diz respeito ao debate
feminista, vez ou outra, defendeu a ampliação dos direitos políticos e jurídicos para as
mulheres, alertando para a necessidade de defenderem aqueles já conquistados e de
lutarem por novos, sem deixar de refletir sobre os problemas enfrentados pelas

46
OLIVEIRA, Déa Novais. A mulher precisa fazer política. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 8, n.
108, p. 18, set./out./nov., 1954; RIBEIRO, Elisabeth. A mulher e a emancipação. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 9, n. 116, p. 24, 1956.
58

organizações de mulheres. Quando havia eventos considerados importantes ao público


alvo, fazia divulgação.
Já as seções de Eneida de Moraes tiveram o objetivo de discutir política
internacional, certamente em função do seu exílio na França entre 1939 e 1945 – depois
de, entre os anos de 1932 e 1939, ter sido presa em vários momentos pelo governo Vargas.
Filiada ao PCB em 1932 em um momento de grande perseguição política aos comunistas,
Eneida também se engajou no movimento de mulheres. 47 Em 1935 foi uma das
fundadoras União Feminina do Brasil (UFB), organização ligada ao partido que, como
demonstrarei no próximo capítulo, incluiu demandas feministas em seu programa.
Quando retornou do exílio na década de 1940, o feminismo não saiu de seu horizonte. Ao
refletir sobre política externa em Momento Feminino, privilegiou a atuação de mulheres
em várias partes do mundo, destacando a proeminência “feminina” na política pública e
em outras atividades tradicionalmente pensadas como masculinas. Suas intervenções
deixam evidente que o recorte tinha a finalidade de mostrar, com exemplos da vida
prática, que eram injustificadas as desigualdades de gênero legitimadas no campo social,
político e jurídico.
A coluna “Direitos da Mulher”, de Nice Figueiredo se dedicou a defender os
direitos civis e políticos das mulheres. Assumiu relevância na defesa da igualdade jurídica
entre mulheres e homens, sabotada pelo Código Civil de 1916 então em vigor no país.48
A advogada denunciou que o Código estava ancorado em uma tradição construída
historicamente. Suas orientações não se resumiram às descrições dos dispositivos legais;
ela também analisou como as disparidades de gênero eram construídas no âmbito da
cultura, enfatizando como a legislação estava baseada em princípios ligados à tradição e
às “mentalidades” construídas a partir de uma “divisão de serviço estabelecida pelos
homens”.49
Sua trajetória como colunista do Momento Feminino foi marcada por tensões.
Algumas leitoras se incomodaram com a “radicalidade” do seu discurso. O jornal tentou
assumir o lugar de neutralidade diante das polêmicas, justificando que não se

47
Para mais informações sobre a trajetória de Eneida de Moraes cf. SANTOS, Eunice Ferreira dos. Eneida
de Moraes: militância e memória. Em tese, Belo Horizonte, v. 9, p 99-106, dez., 2005,
48
BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de
Janeiro, DF: Presidência da República [1916]. Disponível em: <
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1910-1919/lei-3071-1-janeiro-1916-397989-publicacaooriginal-
1-pl.html> Acesso em: 31 jun., 2019.
49
FIGUEIREDO, Nice. Os deveres da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 27, p.
8, 23 jan., 1948. No sexto capítulo trazemos mais detalhes sobre o código e a movimentação feminista para
alterá-lo.
59

responsabilizava “por conceitos emitidos em artigos assinados – é um princípio da ética


jornalística”. Mas sinalizou que estaria vigilante “para as opiniões que não são
recomendáveis”; 50 ao passo que Nice, logo na edição seguinte, respondeu que os
problemas só poderiam ser resolvidos se “encarados de frente, com coragem, sem
subterfúgios que conseguiram mantê-los insolúveis até o presente”.51

É preciso compreender que assim se orienta esta coluna no


esclarecimento que pretende trazer às leitoras sobre os direitos
femininos e a lei que os garante ou cerceia. Tendo de ser emitidos, e já
foram antes, conceitos que estão na mente de cada um de nós,
escondidos, sem forças para vir à tona. Terão de ser afirmados
princípios que contrariam os anteriormente estabelecidos e
convenientemente conservados. Mas serão ditos. Porque se cada um de
nós mantiver escondidos, ocultos ou velados os novos conceitos, os
novos princípios, além de marcar um tento favorável à hipocrisia, estará
impedindo, voluntariamente, a solução de problemas sérios como são
os da constituição de uma família. Não nos devemos deixar intimidar
pelo temor das más interpretações, pois ao lado da saudável “voz do
povo” existe sempre a maledicência, fruto da incompreensão
sistemática que nada querem ver ou ouvir, mas só falar. Não deveríamos
recear sermos incompreendidas, porque há sempre um terreno propício
à semente lançada que germina logo que passa o primeiro contato com
a terra dura e fria.52

Para Nice, os problemas abordados em suas crônicas, especialmente aqueles


relacionados à família e às relações matrimoniais, poderiam até ser tratados em
“linguagem açucarada dos que dizem as coisas para não serem entendidos”.53 No entanto,
ela aspirava falar de maneira direta. Escrevia para convencer mulheres sobre a
legitimidade da luta por direitos. Não queria “apenas escrever, fazer artigos e sim
esclarecer as leitoras sobre os problemas que lhe dizem respeito, sobre os direitos que já
têm como mulher, mãe e esposa e, principalmente, sobre os direitos que devem ser
conquistados”. Para a construção da “família futura onde o amor e a solidariedade sejam,
de fato, seus alicerces”54, julgou imprescindível uma linguagem franca, que muitas vezes
soou dura e/ou radical demais para um jornal que pretendia ser lido por um amplo público
“feminino”. Como anos depois lembrou Eglê Malheiros, que também compôs o

50
ATENDENDO a sua consulta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 16, p. 12, 07 nov., 1947.
51
FIGUEIREDO, Nice. É preciso compreender... Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 12,
14 nov., 1947.
52
Ibid.
53
Ibid.
54
Ibid.
60

movimento no período, prevalecia a ideia de que “uma manifestação propriamente


feminista iria afastar algumas mulheres da luta”.55
Mas Nice parecia pouco disposta a abrir mão dos princípios que julgava
fundamentais à luta pela liberdade das mulheres. Permaneceu denunciando, sem açucarar,
a amarga assimetria das relações de gênero entre homens e mulheres, inclusive no tocante
à moral sexual. Mas as divergências se tornaram irreconciliáveis. Seu feminismo parece
ter contrariado os objetivos do periódico, talvez tenha soado muito radical para as
pretensões do grupo. A advogada, aparentemente aborrecida, se viu obrigada a saltar fora.
Seu último texto foi publicado na edição de número 70, de 15 de junho de 1950.
O estopim da crise se deu quando ela resolveu escrever sobre o direito de greve, a
partir de 24 de fevereiro de 1950, quando passou a refletir sobre a importância da
participação das mulheres nos movimentos grevistas. 56 Até aí, nada que, em tese,
contrariasse os princípios comunistas, não fosse a implicância com o título “Greve justa
– Greve injusta” que ela deu ao artigo publicado em 17 de março. A expressão “greve
injusta” desagradou a equipe editorial, que mesmo assim não deixou de publicar o texto.
Partindo de uma leitura sectária, a crítica advertiu que a expressão poderia causar erros
de interpretação, no sentido de parecer que estava-se colocando em xeque a justeza das
greves. Portanto, implicitamente, para o grupo toda greve era justa.
Visivelmente irritada, a advogada afirmou que não havia como mascarar o nome
que aparece na letra da lei e que isso não significava, necessariamente, seu
posicionamento político.57 Por fim, em 15 de junho de 1950 publicou seu último texto
no periódico, dedicado apenas a corrigir erros da edição anterior.58

Tudo está contribuindo para que voltemos a abordar a questão “greve


justa e greve injusta”. Com esta, é a terceira crônica que escrevemos
sobre o mesmo assunto. Ela virá esclarecer um erro tipográfico e de
revisão da última crônica publicada, erro este que deformou o sentido,
dando uma significação exatamente contrária ao que queríamos.59

55
MALHEIROS, 2000 apud TORRES, 2009, p. 78.
56
1) O direito de greve, ano 3, n. 65, p. 6, 24 fev., 1950; 2) Greve justa – greve injusta, ano 3, n. 66, p. 10,
17 mar. 1950; 3) Por que discutir, ano 3, n. 67, p. 10, 04 abr. 1950; 4) A defesa coletiva, ano 3, n. 68, p.
10, 02 mai., 1950; 5) O medo dos nomes, ano 3, n. 69, p. 10, 18 mai. 1950.
57
FIGUEIREDO, Nice. O medo dos nomes. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 69, p. 10, 18
mai., 1950.
58
Idem. Um erro de revisão. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 70, p. 10, 15 jun. 1950.
59
Ibid.
61

Com a saída de Nice Figueiredo do jornal, a coluna deixou de existir por um


período, sendo reeditada cinco anos depois, agora sob a rubrica de Ana Montenegro, que
se ocupou em “esclarecer” as mulheres operárias sobre seus direitos trabalhistas e
incentivá-las para o ingresso nas organizações de classe e sindicatos.

Os Departamentos Femininos nas Associações de classe serão um meio


de reunir as mulheres dentro dessas organizações através de suas
necessidades. Para levá-las, porém, a participar das atividades de um
Departamento Feminino é preciso esclarecê-las sobre os direitos sociais
já conquistados à custa de lutas e movimentos reivindicatórios.60

Ana Montenegro deixou para trás as temáticas comumente debatidas por Nice
Figueiredo cuja preocupação central foi analisar a subjugação das mulheres na vida
familiar, sexual e afetiva. Era comum criticar o modelo de casamento e família em que as
mulheres eram reduzidas à condição de total dependência em relação aos maridos, assim
como criticava a moral sexual que pregava o recato sexual para as mulheres, ao contrário
do que era recomendado aos homens. Os assuntos que ele elegeu como centrais gerava
polêmicas e insatisfações em parte das leitoras e companheiras de jornal. Como muitas
de suas companheiras, Ana Montenegro priorizou a luta contra a desigualdade de classe,
que para ela era o principal problema a ser enfrentado.61
Mas Momento Feminino, como qualquer outro periódico, não viveu apenas de
colunas assinadas. Manteve seções do editorial, como “Atividades Femininas” destinada
a apresentar as organizações de mulheres e eventos “femininos” em todo país,
especialmente no Rio de Janeiro e São Paulo. Também publicava reportagens sobre as
dificuldades enfrentadas pelas mulheres trabalhadoras pobres e/ou a atuação das uniões
femininas em todo o Brasil. Ademais, publicou textos literários, como capítulos de
romances, contos, histórias em quadrinho e poesias. Preocupou-se também em contribuir
com a diminuição dos índices de analfabetismo através do espaço de alfabetização, onde
se publicava aulas, atividades e mecanismos de autoavaliação.
O jornal se pretendia democrático e popular. Em suas páginas encontramos uma
relativa diversidade de posições políticas, especialmente no que se refere ao debate
feminista. Para se tornar popular investiu em frentes de diálogos com suas leitoras, entre
elas as seções “Atendendo a sua Consulta”, “Confidências...”, “Conversando com as

60
MONTENEGRO, Ana. Direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 9, n. 115, p. 34,
1955.
61
Depois da década de 1970 sua interpretação permaneceu muito semelhante, como atesta o livro:
MONTENEGRO, Ana. Ser ou não ser feminista? Recife: Cadernos Guararapes, v. 3, 1981.
62

leitoras” e “Nosso Amor, Nossa Vida”. Além disso, como falei antes, era comum a
publicação de reportagens e entrevistas sobre a vida das mulheres das camadas populares
e os diversos problemas que enfrentavam no cotidiano. Para a produção de conteúdo suas
repórteres costumavam subir os morros do Rio de Janeiro com relativa frequência e vez
ou outra viajavam para ouvir mulheres de outras cidades, inclusive do Norte (nome que
à época era usado para se referir às regiões do Norte e Nordeste do Brasil).62
Considero que todas essas iniciativas foram fundamentais para que suas páginas
imprimissem a ideia de que “o pessoal é político”.63 A expressão que se tornou lema do
feminismo da década de 1970 não chegou a ser estampada, mas é visível que as arquitetas
do periódico assumiram a responsabilidade de colocar suas páginas à serviço do debate
público dos dilemas da vida privada. “Atendendo a sua consulta” e “Confidências” foram
as primeiras colunas a ventilar a discussão, mas não tiveram muito êxito. A periodicidade
foi bastante irregular e não se detiverem exclusivamente às demandas da “intimidade”.
Em ambas era comum a publicação de orientações jurídicas para mulheres em processo
de desquite, viuvez e direitos trabalhistas, bem como dicas para o lar, receitas culinárias
e sugestões de corte-costura e moda.
“Nosso Amor Nossa Vida” abriu uma interlocução mais direta com e entre suas
leitoras. Em sua primeira fase, que durou de 20 de novembro de 1950 até maio de 1951,
elas eram estimuladas a escrever cartas compartilhando suas atribulações. A maioria era
assinada com pseudônimos. Na seção seguinte, outras leitoras respondiam com sugestões
para a resolução do problema. Nesta fase foram publicadas sete cartas, predominando a
discussão sobre os dilemas das relações heteroafetivas (casamento, noivado e namoro).
Havia ainda a iniciativa de premiar as melhores respostas, que abriam a seção na edição
seguinte.
A segunda fase, que durou de outubro/novembro de 1953 até o número 112 de
1955,64 teve dois momentos: nos dois primeiros números foi mantido o modelo anterior,

62
O Nordeste foi inventado décadas depois. Para uma discussão sobre o processo de construção de sentidos
de “Nordeste” e “Nordestino” cf. ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e
outras artes. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2018.
63
A expressão ganhou força na década de 1970, no entanto, o debate sobre as esferas pública e privada e
como os movimentos feministas debateram a divisão das esferas, bem como os valores atribuídos as
atividades desenvolvidas nos dois campos vêm sendo debatido por feministas ao longo da história, a partir
de diferentes perspectivas. Cf. VARIKAS, Eleni. “O pessoal é político”: desenvolvimento de uma promessa
subversiva. Tempo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 59-80, 1996.
64
A partir de 1955 (número 109) os números não informam o dia e o mês da edição. Ao mesmo tempo,
elas são enumeradas com alguma confusão e a hemeroteca não disponibiliza todas as edições até o seu
último número. Faltam as edições 113 e 114 de 1955. No entanto não sabemos se houve algum problema
na hora de enumerá-los, decorrentes dos próprios erros de edição dos originais. A edição número 112, por
63

mas a partir de março de 1954 tornou-se mais compacta, publicando apenas o resumo das
cartas, seguido imediatamente das respectivas respostas, assinadas por Madalena,
provavelmente um pseudônimo. Neste momento predominou o debate sobre a educação
dos filhos, especialmente das jovens moças. Como estratégia para apresentar sugestões,
ora respondia diretamente as “cartinhas” das jovens, ora respondia às mães preocupadas
com a educação das suas crianças e adolescentes. No total foram compartilhados dez
casos, somados a quatro pequenos comentários publicados no número 110 aos quais não
sabemos precisar quais sejam, pois Madalena respondeu diretamente e em poucas
palavras às missivistas, sem pormenorizar do que se tratava.
Essa fase não foi apresentada como continuidade da primeira, em que pese a
manutenção do mesmo nome e proposta. Após o intervalo de um ano e sete meses sem
compor as páginas do Momento Feminino, o texto de reinauguração foi escrito em tom
de ineditismo: “A partir desse número ‘Momento Feminino’ inicia, sob o título acima,
[Nosso Amor Nossa Vida] uma nova seção”. 65 Em nenhum momento o editorial fez
referência a experiência anterior, apesar de seguir o mesmo modelo e traçar os mesmos
objetivos da primeira fase, qual seja, “contribuir para um maior intercâmbio de ideias, o
que redundará em benefício coletivo, pois a troca de impressões honestas e francas servirá
sem dúvida para a resolução de problemas que, diariamente, surgem na vida de cada
pessoa”.66 No texto de reinauguração, voltou a frisar que a finalidade seria dedicar-se “aos
inevitáveis problemas que afetam o dia-a-dia e o coração de cada mulher... São problemas
que o peso das dificuldades em que nos movemos no mundo de hoje tornam ainda mais
complicados, e às vezes, parecem praticamente insolúveis”.67

Entretanto, diz a sabedoria popular, não há males sem remédio. Quem


sabe se um caso doloroso de amor, uma forte contrariedade que se abate
sobre nossos ombros fracos demais para suportá-la, não foram vividos
e sofridos por alguns dos milhares de leituras de Momento Feminino,
Brasil afora? E por que não recorrer à experiência que lhes ficou das
dores passadas, não lhes pedir o conselho amigo? É isso queridas
leitoras que vos facultamos ao abrir esta seção.68

exemplo, possui na capa o número 113 enquanto o sumário indica 112. Em 1956 só tivemos acesso aos
números disponíveis na hemeroteca: 116 e 118. Não consultamos a 117. Segundo Elza Macedo, a última
edição do jornal (n. 118) saiu em fevereiro de 1956. MACEDO, 2001, p. 176.
65
NOSSO Amor, Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 7, n. 102, p. 2, out./nov., 1952.
66
Idem., ano 4, n. 79, p. 2, 20 dez., 1950.
67
Idem., ano 7, n. 102, p. 2, out./nov., 1952.
68
Ibid.
64

A seção foi uma iniciativa planejada para a politização do privado. Destinava-se


a discutir exclusivamente os problemas que as mulheres enfrentavam na vida doméstica
a partir das vozes delas próprias. Poderíamos interrogar o grau de novidade da iniciativa
já que as “revistas femininas” da época já criavam espaços de diálogo semelhantes; temas
como casamento, família e relações afetivas heterossexuais eram comuns nessas revistas,
mas geralmente os textos eram de autores homens, como era o caso do Jornal das Moças.
Evidente que o fato de abordar esses assuntos no âmbito público não nos permite
fazer uma associação direta com o famoso lema “o pessoal é político”. Também não é
razoável considerar que Momento Feminino, como um todo, rompeu radicalmente com
as ideias de feminilidade forjadas no período. Não era incomum que publicasse textos
que reforçavam o ideal de mulher-mãe e principal responsável pela estabilidade da
família. Ao mesmo tempo em que defendia o divórcio, por vezes, o fazia orientando que
as mulheres tentassem todas as alternativas possíveis para salvar o casamento, jogando
em seus ombros a responsabilidade quase que integral pelo sucesso ou fracasso do
matrimônio e felicidade da família. Além disso, contribuía para firmar a ideia de que a
relação matrimonial era essencial para a felicidade delas, como indicam as palavras de
Maria Clara:

Achamos que o AMOR é um complemento de nossa vida, não é


verdade? Entretanto, quantas vezes nos vemos perseguidas por uma dor
estranha, indefinível, mas, afinal, muito sentida, quando esse amor não
é correspondido com a mesma intensidade?! Então nos julgamos as
únicas culpadas, vemos só os nossos pontos negativos, escurecemos
[sic.] nossos dotes e chegamos ao cúmulo de nos sentirmos inferiores.
Ou então nos deixamos dominar por uma vaidade doentia, uma
autossuficiência lamentável. Realmente, em muitas dessas ocasiões a
culpa é nossa. Mas, nunca devemos cair em desespero. Pelo contrário,
nesses momentos devemos analisar o que fizemos de mal e de bem, ver
o que descontentou a alguém que tanto queremos, para encontrar a
causa do que está nos dando tanto desgosto (Destaque no original).69

No entanto, diferente das “revistas femininas” de grande circulação da época,


Momento Feminino, mais do que falar de política, sugeria que as mulheres fizessem parte
dela, inclusive como forma de abrandar seus problemas cotidianos. Ao insistir em levar
para o âmbito público temas atribuídos à intimidade, demarcou que o debate tinha
pretensões políticas. Suas redatoras sublinharam, por exemplo, que a finalidade da seção
“Nosso Amor Nossa Vida” “não é, simplesmente, a divulgação de tal ou tal caso

69
MARIA CLARA. Confidências... Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 4, 22 ago., 1947.
65

sentimental”, mas “contribuir para um maior intercâmbio de ideias, o que redundará em


benefício coletivo”.70
Apesar da ambiguidade dos discursos, havia a consciência de que era preciso levar
ao âmbito público os problemas considerados inerentes à esfera privada. O artigo de
inauguração da seção defendeu a necessidade de um espaço como aquele, pois, segundo
justificou, Momento Feminino costumava receber inúmeras cartas das leitoras que pediam
ajuda para resolução de problemas; entre elas, chamou a atenção a de uma senhora que
“pedia um conselho de caráter íntimo”. Assim, resolveram publicá-la, “entregando às
leitoras de Momento Feminino a solução do caso apresentado”. Mas perceberam que era
pouco; daí veio a ideia de criar uma seção especializada “em que as leitoras possam
dirigir-se umas às outras, sobre os mais variados assuntos de suas vidas. Momento
Feminino será o veículo dessa aproximação”.71
“Nosso Amor Nossa Vida” assumiu a tarefa e não ocupou um lugar qualquer, mas
a página principal do periódico, lugar que antes era reservada à coluna de Arcelina
Mochel. Seu cartão de visita indicava que a nova seção trataria dos temas “femininos”
triviais: família, casamento e relações heteroafetivas. E assim o fez, mas a partir de uma
perspectiva de politização. A seção foi recebida com ressalvas. Entre os aplausos, que
segundo o jornal marcaram sua receptividade, houve “censuras”, para usar uma expressão
delas próprias.
Elas interpretaram que a resistência estava relacionada ao estranhamento de “que
num jornal altamente qualificado como o nosso, divulguemos fatos íntimos”. 72 As
editoras não informaram de onde partiram as críticas, mas responderam justificando a
importância do debate público dos temas “íntimos”. Logo na edição seguinte à
inauguração, o jornal enfatizou que aquele espaço não seria para “sentimentalismos”. A
finalidade seria “contribuir para um maior intercâmbio de ideias” para o “benefício
coletivo”.73 E o número posterior reiterou que a iniciativa foi motivada pelo desejo de
“ajudar as amigas a encontrar o caminho justo e útil para as suas vidas, dando-lhes novas
perspectivas de atividades que contribuem para o bem da humanidade, e não fazer um
consultório sentimental comum”.74

70
NOSSO AMOR, nossa vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 79, p. 2, 20 dez., 1950.
71
Idem., ano 4, n. 78, p. 2, 20 nov., 1950.
72
Ibid.
73
Ibid.
74
Idem., ano 4, n. 80, p. 2, 18 jan., 1951.
66

A ênfase de que o projeto não se resumiria a um “consultório sentimental comum”


parece representar um esforço em convencer que os problemas que pareciam ser
meramente individuais/íntimos eram experimentados por um sem número de mulheres,
portanto eram dilemas coletivos e mereciam o debate público em um jornal “altamente
qualificado”. Essa perspectiva orientou o desenvolvimento do projeto. Não sei responder
até que ponto as cartas foram realmente escritas por leitoras, ou se as próprias articulistas
algumas vezes criavam histórias e publicavam como sendo do público. Mas isso é o que
menos interessa aqui. Minha intenção é demonstrar que o debate político sobre problemas
considerados de ordem privada foi forjado em suas páginas. Independentemente de quem
escrevia, o conteúdo, ao fim e ao cabo, representa a leitura de mundo das mulheres
responsáveis pela seção. Em última instância, as cartas selecionadas e o teor das respostas
publicadas são condizentes com as ideias e os comportamentos que elas julgavam mais
adequados.
Parece factível que “Nosso Amor Nossa Vida” se tratou de uma iniciativa de
politização dos assuntos relegados ao âmbito privado a partir da interação entre mulheres.
Abria-se um espaço onde elas falavam delas e para elas mesmas. A maioria das opiniões
publicadas sobre temas como casamento, maternidade, relações afetivas e educação, em
muito destoava das análises de Nice Figueiredo e da corrente que questionou as
naturalizações das relações entre os gêneros. Como será retomado na terceira parte, não
era incomum que as sugestões das supostas leitoras defendessem uma noção de
casamento em que as mulheres deveriam servir aos maridos e aos filhos. Sequer posso
sugerir que todas – ou parte delas – tinham alguma afinidade com a luta contra as
assimetrias entre homens e mulheres. Mas a criação de um espaço que tinha por objetivo
forjar laços de solidariedade entre elas diz muito sobre como interpretavam suas
experiências. Naquele contexto, compreendiam que as mulheres (cisgênero), em que pese
as diferenças de classe, raça, geração e região enfrentavam dilemas comuns que poderiam
ser amenizados a partir da compreensão de que elas não estavam sós e que muito do que
parecia individual era, na verdade, coletivo, por isso, político.75
Essa consciência foi fundamental para que, em que pese as críticas, elas
insistissem na iniciativa. Embora por vezes reafirmassem os valores socioculturais de
gênero, certamente não foi fácil manterem o projeto de politização do privado. Não por
acaso, “Nosso Amor Nossa Vida” saiu de cena entre maio de 1950 e dezembro de 1951.

75
Nas duas fases, a seção publicou cartas de mulheres enviadas de várias regiões do país. A equipe editorial
fazia questão de informar nas publicações a cidade de onde falavam as supostas missivistas.
67

Provavelmente, o dilema sobre quais seriam as questões que mereciam mais atenção
influenciou o recuo. Naquele contexto as camadas populares passavam por sérios
problemas sociais, como desemprego, carestia de vida, crise de moradia, carência de
alimentação, epidemias de doenças, altos índices de analfabetismos, entre outros.
Ao longo da tese demonstrarei que diante dessa realidade as mulheres pecebistas
viam-se divididas entre suas prioridades: lutar contra a miséria, reivindicar liberdade para
as mulheres, ou as duas coisas? Parte delas talvez interpretasse que seria contradição e/ou
egoísmo manter uma seção dedicada a debater questões geralmente interpretadas como
secundárias, com frequência percebidas como meros “sentimentalismos”. Provavelmente
julgaram que problemas considerados mais urgentes mereciam maior atenção e
comprometimento.
No entanto, elas pareciam ter noção da necessidade de, no mínimo, desgastar os
muros que dividia em espaços dicotômicos as esferas pública e privada. Este caso é
sintomático do que Nanci Fraser observou acerca das fronteiras arbitrariamente
construídas entre as duas esferas. Frequentemente atribuía-se à privacidade os temas
envolvendo a propriedade privada em uma economia de mercado, e a vida doméstica e
sexual; e ao público os assuntos relacionados ao Estado, ao bem comum e ao interesse
coletivo. Mas, no mundo ocidental, a definição do que corresponde ao bem comum e ao
interesse coletivo é elaborada majoritariamente por homens brancos que geralmente
atuam para a manutenção de seus privilégios.76
Neste sentido, as expressões público e privado não são meras designações diretas
de âmbitos sociais, mas etiquetas retóricas moldadas culturalmente. No discurso político
são termos poderosos geralmente acionados para valorizar alguns interesses, opiniões e
temas em detrimento de outros. A delimitação dessa fronteira é desvantajosa para os
grupos sociais subalternizados, contribuindo para reforçar desigualdades de gênero, raça,
classe e etnia, mesmo depois da eliminação das restrições explícitas e formais.77
Mas as chamadas minorias políticas não assistem passivamente à delimitação das
fronteiras. Ainda que não estejam incluídas nas principais esferas de tomada de decisão e
atuem apenas nos espaços de formação de opinião (a imprensa é um exemplo), corroem,
paulatinamente, os muros construídos para mantê-las excluídas. O debate público sobre
a violência doméstica é um exemplo. Como lembrou Fraser, foi só a partir de muita luta

76
FRASER, Nacy. Repensar el ámbito público: uma contribución a la crítica da democracia realmente
existente. Debate Feminista, Cidade do México, v. 7, n. 4, p. 23-58, mar., 1993. p. 48-51.
77
Ibid., p. 48-51.
68

que os movimentos feministas conseguiram fazer entender que o tema não dizia respeito
à intimidade. 78 Consequentemente, conquistaram, pelo menos, o estabelecimento de
políticas públicas de combate à violência doméstica, superando em muitos países, no
plano político e legal, a máxima de que “em briga da marido e mulher não se mete a
colher”.
Deste modo, as dificuldades em manter o debate público de assuntos supostamente
íntimos em um jornal de mulheres que se pretendia “altamente qualificado” e politizado
só podem ser entendidas quando consideramos as delimitações arbitrárias das fronteiras
entre as duas esferas. Não podemos esquecer que Momento Feminino estava vinculado a
um partido político de hegemonia masculina e branca. Ainda que tivesse um caráter
progressista e abrisse janelas para o debate sobre as desigualdades de gênero e raciais79,
os sujeitos que o compunham não apagaram, como num passe de mágicas, toda a sua
formação cultural vinculada ao machismo e ao racismo, ainda muito prementes na
primeira metade do século XX. Portanto, a rejeição à seção “Nosso Amor Nossa Vida”,
bem como o debate que se estabeleceu dentro dela estiveram atravessadas pela leitura de
mundo das pessoas que viviam o contexto.
Mas nem só de problemas se alimentava o jornal. As seções também serviam para
trocas de receitas culinárias, dicas domésticas e de moda, entre outras utilidades. Às
vezes, as seções de “utilidades femininas” serviam de brecha para discussões políticas.
Em um texto sobre moda assinado por Simone aparece a advertência de que aqueles que
se dedicavam ao “‘metier’ de compor e executar a indumentária feminina” precisavam
estar alertas para as necessidades práticas das trabalhadoras. Em um contexto em que o
trabalho se tornava uma realidade cada vez mais próxima das mulheres das camadas
médias, a autora criticou a falta de sensibilidade da maioria dos figurinistas em relação a
elas. “Queremos alertar aos costureiros para um cuidado diferente e especial. As mulheres
que trabalham preferem defender a própria personalidade”.80
Pensando nisso, orientou sobre quais seriam as bolsas e os sapatos mais adequados
para elas. No caso das bolsas, o estilo a tiracolo seria mais apropriado e eficiente para
aquelas que precisavam enfrentar as filas, fazer compras e utilizar o transporte público.

78
FRASER, 1993, p. 48-51.
79
Sobre o debate racial no PCB cf.: LIMA, Aruã Silva de. Comunismo contra o racismo: autodeterminação
e vieses de integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939). Tese (Doutorado em História)
– Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
80
SIMONES. Mulheres que trabalham. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 6-7, 22 ago.,
1947.
69

No que diz respeito ao modelo, sugeriu que os figurinistas se inspirassem na influência


dos trabalhadores, – “Falo das bolsas dos peixeiros, jornaleiros, vendedores ambulantes,
etc.” – pois a vida das mulheres era intensamente marcada pelo trabalho. Além das bolsas,
os sapatos também precisavam se adequar à nova realidade. Deveriam ser confeccionados
com saltos mais modestos. O salto-alto já começava a “dar solidamente uma impressão
de provincianismo”. Aquele era o momento de conjugar elegância, saúde e bem-estar. “O
salto excessivamente alto deforma a posição de figura feminina, prejudica a saúde e não
consegue dar uma demonstração de bom gosto”.81
O debate sobre moda questionou, ainda, o comprimento das saias e dos cabelos.
Na opinião de Joana, as tendências da época tendiam para o aumento do comprimento
das saias, o que era incoerente em tempos de carestia. Ademais, as duas guerras mundiais
construíram uma “nova mulher” e a moda deveria se adequar às mudanças de estilo de
vida. Suas contemporâneas agora eram mulheres versáteis, conseguiam “ser uma em cada
momento”, ao contrário das mulheres do passado, que “usavam anquinhas, saias
compridas, casaquinhos cintados, meias pretas. Mas aquelas roupas eram sua maneira de
ser em geral”.82

Hoje, com essa mulher que assistiu duas guerras ou que delas viveu, os
“maillots” e o esporte em geral se encarregam de fazê-la diferente,
apesar das anquinhas, muitíssimo diferente, apesar da saia comprida.
Os cabelos estão curtos para estabelecer contraste mais violento. E há
na moda atual – que me perdoem os ranzinzas – um tom inteiramente
novo que em nada relembra o passado. Nossas avozinhas não sabiam o
que era trabalhar, ganhar a vida. Também não sabiam o que era a luta
das filas, da comida, da condução. Ficaram nos retratos como
pequeninas princesas das histórias de nossa infância. Eram frágeis
como as bonecas. Pelo menos em aparência. A mulher de hoje, seja qual
for a moda a que ela adira, traz em si o selo da luta pela vida, da luta
para sobre-existir.83

Ao falar para e das mulheres trabalhadoras, Joana tomou como referência uma
ideia universal e idealizada de mulher que em muito destoava da vida prática das mulheres
pobres e negras. Como bem demonstrou Rachel Soihet a partir do estudo das vivências
das mulheres pobres do Rio de Janeiro, essas experiências desmitificam “a imagem
feminina de ociosidade, dependência, frivolidade, passividade etc., difundida a partir de

81
SIMONES. Mulheres que trabalham. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 6-7, 22 ago.,
1947.
82
JOANA. A Moda. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 41, p. 4, 11 jun., 1948.
83
Ibid.
70

uma postura que se pauta no protótipo da mulher da classe dominante que pode também
ser questionada e que é estendida a todas as classes”.84
O texto de Joana está conectado ao lugar da mulher branca ocidentalizada e por
isso produz uma subjetividade feminina situada neste lugar. A noção de feminino
construída por ela dialoga com as experiências de mulheres brancas das camadas sociais
abastadas a quem era possível performar uma feminilidade frágil, dependente e frívola.
A narrativa não contempla as trajetórias de mulheres pobres e/ou negras cujas
“avozinhas” sempre souberam o que era trabalhar e nunca compuseram retratos como
“pequeninas princesas” das histórias de infância. Como bem lembrou Sueli Carneiro, no
Brasil, “as mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres que não são
rainhas de nada, que são retratadas como as antimusas da sociedade brasileira, porque o
modelo estético de mulher é a mulher branca”.85 Nunca são vistas como “frágeis como
bonecas”. Suas experiências também contradizem o estereótipo. O mito da “fragilidade
feminina” que historicamente justificou que as mulheres fossem “protegidas” pelos
homens foi restrita às mulheres brancas e de camadas remediadas.86

1.3. “Luta mas vive!”: movimento para colocar o jornal em circulação

Além dos objetivos políticos, lembremos que o periódico tinha interesses


comerciais. Era necessário vender para manter em circulação o projeto de sociedade que
defendia. Para atrair o público desejado, precisou fazer frente à concorrência. O periódico
dividia espaço, com ampla margem de desvantagem, com o Jornal das Moças. Fundado
e dirigido por homens, a revista era publicada pela Editora Jornal das Moças Ltda, com
grande circulação, aceitação e recurso financeiro.
Em 1947, quando Momento Feminino foi fundado, o jornal já circulava há trinta
anos. Bastante popular, conforme o Ibope, em 1945, ocupava o primeiro lugar na
“imprensa feminina”. Mantinha-se por meio de assinaturas e vendas avulsas em bancas
de todo o Brasil. Seus editores – todos homens – divulgavam um ideal de mulher: branca,
de classe média, com determinado estilo de vida e capacidade de consumo; um modelo

84
SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-
1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. p. 26.
85
CARNEIRO, Sueli. “Identidade Feminina”. In: SAFFIOTI, Heleiheth I. B. MUÑOZ-VARGAS, Monica
(Orgs). Mulher brasileira é assim. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 1994, p. 187-193. p. 191.
86
Ibid., p. 190.
71

de família: conjugal, hierárquica, com papeis masculinos e femininos distintos e pré-


definidos; valores culturais burgueses e um ideal de felicidade ligada ao consumo de bens
e à adesão à moda e às normas sociais. Se colocava como paladino da moral, dos “bons
costumes” e da “família estável”. Suas páginas trazem representações que indicam que as
prioridades da vida das mulheres deveriam ser o lar, o casamento e a maternidade.
Praticamente não fazia distinção de classe e raça, como se os modelos de mulher que
veiculava pairassem sobre as diferenças sociais. Seu público alvo era, na verdade, a classe
média. No geral evitava falar de política, mas não deixava divulgar que era necessário
respeitar os governantes e os militares. Em suma, vinculava valores conservadores,
procurando manter as relações familiares e de gênero nos moldes tradicionais, de modo
que assegurasse a “ordem e a estabilidade”. Dirigida por homens, a revista destinada a
tratar de “assuntos femininos” dizia valorizar a mulher e suas atividades cotidianas.87
Por outro lado, Momento Feminino, embora mantivesse as seções culturalmente
típicas do “universo feminino” que falavam mais diretamente às mulheres das camadas
médias, tinha uma estrutura e proposta opostas ao Jornal das Moças. Mesmo defendendo
a estabilidade da família, era a favor da legalização do divórcio, pois a família deveria ser
mantida somente se houvesse amor e respeito mútuos. Ao contrário do Jornal das Moças,
foi idealizado, organizado e editado exclusivamente por mulheres, sem falar nos recursos
financeiros. Enquanto o primeiro não tinha do que se queixar, Momento Feminino se
desdobrava para conseguir recursos suficientes para manter-se em circulação.
Sem apoios substantivos, era muito difícil mantê-lo na praça. Momento Feminino
era um jornal de médio porte, vendido nas ruas por suas entusiastas e em algumas bancas
do Rio de Janeiro e outras cidades do Brasil. As dificuldades eram tantas que algumas
edições tiveram seu número de página reduzido “devido ao aumento do preço do papel”;88
outras deixaram de circular. Manter a regularidade, tanto do número de páginas quanto
da circulação, era um desafio, já que durante boa parte de sua existência conviveu com
parcos recursos financeiros. Talvez por isso mudava de endereço com alguma frequência,
provavelmente para equilibrar os custos com aluguel.89

87
PINSKY, 2014, p. 23-46.
88
GAZETA da Tia Ruth. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 63, 31 dez. 1949. p. 16.
89
Todas as sedes funcionaram no Rio de Janeiro. De julho de 1947 – quando foi fundado – até fevereiro de
1948, estava situada à Rua do Lavradio, nº 55, 1º andar. De março de 1948 a fevereiro de 1951 passou a
funcionar na Avenida Rio Brando, nº 257, sala 715. Em março de 1951 houve outra mudança para a Rua
Evaristo de Veiga, nº 16, 8ª andar, sala 808-A. Em setembro de 1954 deslocou-se para a Av. Almirante
Barroso, nº 97, 10º andar, sala 1008. No ano seguinte funcionou na Av. Nilo Peçanha, nº 12 a/426. Por fim,
as poucas edições de 1956 passaram a ser produzidas na Av. 13 de maio, nº 23, 15º andar, sala 1515.
Edifício Darke de Matos. Todas os dados foram retirados do próprio jornal. Geralmente a terceira página
72

Apesar dos problemas, as mulheres que apostaram no projeto foram audaciosas e


tentaram fazer o jornal circular internacionalmente. Em Portugal sua circulação foi
proibida pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE).90 Grande parte dos
recursos provinham do esforço das próprias mulheres, que organizavam festas, bailes,
coletas, leilões e vendas de assinaturas. Também faziam “círculos de amigas” que
contribuíam mensalmente com donativos. Criado para ser um jornal semanal, Momento
Feminino, em função das dificuldades e custos demandados, não conseguiu sustentar a
regularidade pretendida.91
Durante o ano de 1947 conseguiu manter-se semanário, mas a partir de 1948, ano
que coincide com o início das mudanças de endereço, as publicações tornaram-se menos
regulares, saindo ora semanal, ora quinzenalmente. 92 Em 1949 tornou-se uma revista
mensal, com quebras de regularidade; em momentos especiais saía mais de uma vez por
mês, outras vezes ficava mais de trinta dias fora de circulação. 93 No ano seguinte as
publicações tornaram-se ainda menos regulares, mas circulou, no mínimo, mensalmente.
A partir de 1952 tornou-se mais difícil colocá-lo na praça, dificuldade traduzida no
número reduzido de publicações e, às vezes, no número de páginas. Nos dois últimos anos
não pude precisar a regularidade em função dos limites do próprio arquivo, que
aparentemente não armazena alguns números.94

estampava uma nota com informações técnicas do periódico, indicando os nomes que compunham a
diretoria e o endereço da redação e administração. Cf. ALVES, 2015, p. 104.
90
PROIBIÇÃO da revista Momento Feminino. Arquivo Nacional Torre do Tombo, PIDE, Secretariado
Nacional de Informação, Censura, cx. 733, 2 f.
91
Cf. TRECHOS das intervenções da delegada da Federação de Mulheres do Brasil, Fany Bastos, na
Conferência de Moscou. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 64, p. 7, 31 jan., 1950. As seções “A
Vida de Momento Feminino” e “Ajuda à Imprensa feminina” são espaços privilegiados para acompanhar
as diversas atividades do jornal para conseguir angariar recursos.
92
Além das dificuldades financeiras, a perseguição do Estado ao PCB impactou na dinâmica do periódico.
É possível que este tenha sido uma das razões das constantes mudanças de endereço. Volto ao tema no
tópico seguinte.
93
Circulou ininterruptamente como semanário até o 28º número, publicado em 30 de janeiro de 1948. O n.
29 só circulou no dia 13 de fevereiro. Após o intervalo, voltou a circular semanalmente até o dia 12 de
março. Houve mais um intervalo quinzenal e a edição seguinte só saiu no dia 25, quando o jornal retomou
a regularidade semanal, interrompida na 40ª edição, publicada em 07 de maio. Após esta edição voltou para
as ruas em 11 de junho, seguindo suas publicações semanais até o dia 25, quando assumiu a regularidade
quinzenal, com algumas interrupções. Em 1949 circulou mensalmente até março, mês que publicou duas
edições, uma no dia 06 a outra no dia 25. Este número veio acompanhado de um suplemento dedicado ao
movimento pacifista organizado pelo PCB. De março a junho o periódico voltou a ser mensal, com exceção
dos meses de maio e junho que publicaram duas edições. A partir julho passou a ser bimestral, até janeiro
de 1950, quando voltou a sair uma vez por mês.
94
Na década de 1950 o jornal ficou ainda mais irregular. Nos três primeiros meses de 1950 circulou
mensalmente, depois passou a ser quinzenal, às vezes, com intervalos um pouco maiores. O intervalo de
mais de um mês entre as edições de setembro e outubro quebraram a regularidade anterior, e nos últimos
dois meses a revista voltou a circular mensalmente, mantendo a regularidade no ano seguinte, com exceção
dos meses de junho e setembro de 1951. Em 1952 a revista só circulou mensalmente nos dois primeiros
meses. Em março não circulou, voltando às ruas em abril. Nos dois meses seguintes, junho e julho, voltou
73

Apesar das dificuldades, as mulheres envolvidas no projeto estavam convencidas


da importância de manter em pleno vapor, segundo elas, o “primeiro jornal da imprensa
democrática feminina de nossa terra, [...] porta voz do movimento feminino internacional
e nacional”.95 O único, para a sua diretora, preocupado com a educação democrática das
mulheres para a construção de uma “pátria independente e progressista”.96 Para mantê-lo
vivo suas entusiastas compartilhavam com as leitoras os problemas enfrentados e pediam
ajuda, demonstrando que o trabalho de confecção era manejado por muitas mãos e exigia
muitas demandas e custos. Tudo começava com a planificação, elaborada numa reunião
com todas as redatoras, onde se apresentavam críticas. – “É a capa com uma fotografia
feia, é o conto muito grande, é a paginação, enfim, uma série de defeitos e de coisas que
precisam ser corrigidas”. 97 Após a reunião, que envolvia, entre outras discussões, a
avaliação do número recém-saído, planificava-se a edição seguinte. Depois distribuía-se
as matérias, definindo quem ficaria responsável por elas.

Mas a coisa não fica por aí. É preciso controlar. Marcar o dia. Telefonar.
Insistir. Beleza. Cozinha. Página literária. Falta a fotografia para a
página do cinema. E a página de moda? A reportagem da fábrica tem
que ser aproveitada da correspondência enviada por uma amiga
operária. E a capa?98

A semana de trabalho era marcada por telefonemas e encontros. Definidos os


conteúdos e elaborados os textos, chegava a hora de trabalhar na paginação, que no caso
de Momento Feminino ainda era feita “precariamente porque muitas vezes é terminada
na própria oficina”. Mas as dificuldades não se resumiam em confeccionar as páginas,

a circular mensalmente, regularidade interrompida a partir de agosto, já que os dois números seguintes
saíram bimestralmente, um em setembro e outro em novembro. Em dezembro saiu a edição especial de
natal. A partir de 1953 os intervalos de publicação foram mais largos. Entre janeiro e abril circulou
bimestralmente. O número seguinte só circulou em julho, conjugando os meses de maio e junho. O último
número do ano circulou em novembro, como outubro/novembro, acompanhada do suplemento de natal,
programado para o mês de dezembro. No ano seguinte, o número 103 circulou como janeiro/fevereiro.
Entre março e abril voltou a ser mensal. Os números 104, 105 e 106 saíram de forma conjugada; maio/junho,
julho/agosto, setembro/outubro/novembro, respectivamente. Nos dois últimos anos não conseguimos
precisar a regularidade, em função dos limites do próprio arquivo, que aparentemente não armazena alguns
números. Em 1955 a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional armazena apenas as edições 109 a 112,
excluem-se os números 113 e 114, para em seguida fechar com o 115. Em 1956 armazena apenas as edições
116 e 118, portanto falta a 117 e não sabemos se após a 118 circulou mais alguma que se perdeu no tempo.
Mas a impossibilidade de consultar todas as edições não invalida tanto nossa análise, embora sempre haja
a possibilidade de escapar dados importantes.
95
COMO FUNCIONA Momento Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 73, p. 12-13, 01
ago., 1950.
96
MOCHEL, Arcelina. Três anos de luta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 73, p. 2, 01 ago.,
1950.
97
COMO FUNCIONA Momento Feminino, op., cit.
98
Ibid.
74

escrever as matérias, “discutir os assuntos, aguardar cartas com as notícias dos Estados”.
O jornal precisava, ainda, cumprir as demandas da administração: preparar faturas,
responder correspondências, controlar as finanças, mandar para as bancas, expedir para
outros estados. “São pacotes e mais pacotes de jornal. É preciso contar, embrulhar, botar
o endereço e expedir. Quarenta e oito horas depois da saída do jornal, a sala ainda esta[va]
intransitável”.99
Mas o cansativo trabalho depreendido nem era o maior problema; era preciso
batalhar pelos recursos financeiros. O dinheiro era sempre curto. Era impossível contratar
funcionárias para os trabalhos especializados, o que amenizaria os dilemas de suas
arquitetas. Cada número custava em média Cr$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos cruzeiros),
sem incluir as despesas com aluguel. A receita necessária para a produção vinha das
assinaturas, do lucro das festas, “de um sorteio, dinheiro adquirido
extraordinariamente”.100

Esse dinheiro vem dos leitores, da venda avulsa, dos raríssimos


anúncios, das contribuições extraordinárias de reconhecidos amigos do
nosso jornal. Não fazemos matéria paga. “Momento feminino” sempre
abre suas páginas à vida e ao trabalho das mulheres brasileiras. É de
todos, para refletir a vida de todos.101

Os recursos, portanto, eram instáveis, realidade que precisava ser superada porque
as contas, “imprescindíveis para a composição e impressão”, 102 se impunham. Além
disso, sem dinheiro, seria difícil cumprir as metas estabelecidas: aumentar a tiragem e
atingir um número cada vez maior de cidades e, consequentemente, de mulheres. A crise
financeira se acentuou em 1948. Neste ano o jornal ficou três semanas fora de circulação.
Segundo Arcelina Mochel, faltou dinheiro para pagar a oficina e a clicheria. Sem
recursos, pôr os jornais na rua era uma verdadeira batalha. Sua diretora fez questão de
compartilhar os dilemas com o público. “E queremos que todos sintam conosco essas
dificuldades. Hoje, ninguém mais ignora a luta que procuramos vencer para a manutenção
de um jornal. Além de exigir trabalho, e muito trabalho material, não vive sem
dinheiro”.103

99
COMO FUNCIONA Momento Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 73, p. 12-13, 01
ago., 1950.
100
Ibid.
101
ARCELINA. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 41, p. 2, 11 jun., 1948.
102
Ibid.
103
Ibid.
75

Para provar que o jornal já havia ganhado o gosto nacional, que penetrava
efetivamente nas casas da classe trabalhadora e que era preciso um esforço maior para
ajudá-lo, Arcelina afirmou que as três semanas em que ficou fora de circulação foram
suficientes para provar que Momento Feminino já era “querido e desejado”. Segundo sua
narrativa, as senhoras dos subúrbios distantes e de cidades do interior reclamaram.
“Aflitas, nos diziam que o correio suspendera a entrega dos jornais”. Os homens também
sentiam sua ausência. Suas “esposas lhes pediam diariamente que lhes levassem
‘Momento Feminino’”.104 A diretora escreveu para convencer as pessoas a colaborarem.
Era preciso evidenciar que Momento Feminino era mesmo indispensável.

Veem? Necessitamos de maior ajuda, de mais amor ao jornal, de mais


trabalho de nossas representantes nos Estados e nos bairros do Distrito
federal. Não sentimos humilhação alguma quando esclarecemos a
situação de “Momento Feminino”. Antes, nos convencemos de que
esses esclarecimentos são justos e necessários. [...] Quando procuramos
o público num apelo deste gênero, é porque confiamos na generosidade
de nossa gente, no reconhecimento da utilidade de nosso trabalho, na
compreensão do elevado papel da imprensa feminina nacional.105

Mas como as pessoas poderiam ajudar? Arcelina Mochel deu algumas sugestões:
organizando conferências, festas e donativos para arrecadar verbas; contribuindo com a
divulgação, ampliando as assinaturas e a publicidade, auxiliando nas vendas avulsas,
“tudo que possa significar dinheiro para garantir a circulação desse semanário de
mulheres”.106
É plausível que interroguemos que tipo de público se interessava pelo jornal e
lamentava sua ausência. As muitas cobranças e a suposta aflição das leitoras que ficaram
privadas do jornal durante três semanas, quantitativamente, pode ser relativizada.
Provavelmente, suas leitoras mais assíduas eram militantes e/ou simpatizantes do PCB
e/ou mulheres interessadas no debate feminista. Portanto, Momento Feminino circulava
dentro de um grupo menos amplo quando comparado ao Jornal das Moças.
Elaborado de maneira quase artesanal e com parcos recursos, Momento Feminino
enfrentava muitos problemas de edição. Não era incomum que seus textos apresentassem
erros ortográficos ou problemas de montagem que, às vezes, comprometia a legibilidade.
Além disso, suas intenções políticas atraíram os olhares anticomunistas. Diametralmente
oposta ao Jornal das Moças, o periódico, como disse, tinha como objetivo central

104
ARCELINA. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 41, p. 2, 11 jun., 1948.
105
Ibid.
106
Ibid.
76

“despertar” as mulheres para a política e integrá-las nos movimentos populares, assim


como convencê-las da luta por ampliação dos direitos civis e políticos das mulheres. Essa
característica lhe rendeu perseguições motivadas tanto pelo anticomunismo quanto pelo
antifeminismo.

1.4. Anticomunismo, antifeminismo e perseguição política

Segundo Rodrigo Patto Sá Motta, o anticomunismo é um corpo heterogêneo que


reúne grupos e projetos políticos diversos. O único ponto de união é a recusa militante ao
projeto comunista de sociedade. Dentro do amplo arco que compõe as ideias
anticomunistas, encontram-se projetos completamente díspares, desde o fascismo ao
socialismo democrático, até o catolicismo e o liberalismo. Portanto, reúne reacionários,
conservadores, liberais e projetos à esquerda. As diferenças ideológicas não se
restringiam às formas de conceber a organização social, mas também compunham a
elaboração de estratégias de combate ao comunismo. As divergências não impediam que,
em momentos críticos, houvesse união e atuação conjunta dos vários grupos
anticomunistas, tornando o anticomunismo uma força decisiva nas lutas políticas do
mundo contemporâneo, oxigenada pela dinâmica do comunismo, inimigo que era sua
razão de ser.107
No século XX, o “fantasma” do comunismo amedrontou os setores mais
conservadores da sociedade. Os grupos sociais preocupados com a manutenção do status
quo tinham motivos para acreditar que o comunismo era mais do que um espectro. Em
1917 a Revolução Russa seria o exemplo mais concreto da materialização do projeto
comunista. O fenômeno ganhou dimensão internacional, provocando reações contrárias
ao advento mundial do bolchevismo, especialmente no pós-Primeira Guerra Mundial. Os
governos dos países capitalistas dominantes, temerosos com o poder de atração que a
Rússia poderia exercer, se empenharam na repressão e na propaganda anticomunista. No
Brasil, o anticomunismo surgiu antes mesmo da fundação do PCB, em 1922. Motta
registrou que logo após a Revolução Russa de 1917 a imprensa do país já veiculava uma
iconografia (charges e caricaturas de inspiração antissoviética) que pode ser chamada de
anticomunista.108

107
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-
1964). São Paulo: Perspectiva, 2002, passim.
108
MOTTA, 2002, p. 1.
77

O protagonismo do movimento coube aos grupos de orientação conservadora.


Tanto as representações anticomunistas quanto as ações voltadas ao combate do
comunismo tiveram uma marcante influência externa, embora não fossem uma
reprodução pura e simples delas. A recepção passava por adaptações que adequassem as
mensagens à realidade local. No Brasil, os valores religiosos católicos se tornaram a
principal base da mobilização anticomunista, majoritariamente conservadora e
reacionária. Diferente dos Estados Unidos, os argumentos anticomunistas de inspiração
liberal foram recebidos com menos entusiasmo. As ofensivas anticomunistas no país
foram marcadas por altos e baixos. As fases mais expressivas foram de 1935 até 1937,
culminando no golpe que deu início a ditadura do Estado Novo 1937-1945; de 1946 até
1950, contexto marcado pela chamada Guerra Fria, e de 1961 até 1964, que teve como
resultado o Golpe Civil-Militar e sua consequente ditadura (1964-1985).109
Fundado em 1947, no contexto de Guerra-Fria e de forte campanha anticomunista,
Momento Feminino sofreu com perseguições políticas. 110 Era um jornal identificado
como comunista, ainda que reunisse mulheres de outras correntes partidárias. No
contexto, grupos e mulheres que não tinham qualquer vínculo com o PCB, mas que se
engajavam no movimento contra a carestia, em defesa do petróleo, da paz ou qualquer
outra pauta que à época era associada ao partido, poderiam ser rotuladas de comunistas
para legitimar e justificar o arbítrio e a violência. Conforme observou Elza Macedo,
“rotular genericamente toda a dissidência ao pensamento hegemônico como comunista
era mesmo uma formulação muito simplista por parte de uns, porém muito recorrente e
nada ingênua por parte de outros”.111
Segundo Motta, entre os anticomunistas encontravam-se tanto os oportunistas que
usavam a “ameaça comunista” como pretexto para justificar golpes autoritários, quanto
grupos e indivíduos que não eram necessariamente fanáticos, mas acreditavam com
sinceridade no risco do comunismo, por isso mobilizaram-se para impedir sua ascensão
ao poder. A motivação anticomunista foi resultado da intricada mistura entre

109
MOTTA, 2002, passim.
110
A chamada Guerra Fria dividia o mundo em dois blocos antagônicos, comandados, de um lado, pelos
Estados Unidos da América (EUA), potência do bloco capitalista e, do outro, pela União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), que dirigia o bloco comunista. A polarização começou a ser delineada logo
após a Segunda Guerra Mundial, mas foi a partir de 1947 que o antagonismo se tornou mais explícito,
alterando significativamente as bases das relações internacionais. No contexto, havia a sensação de que a
qualquer momento poderia estourar uma terceira guerra mundial que devastaria o planeta com a energia
atômica, tragicamente experimentada em Hiroshima e Nagasaki, devastadas por bombas atômicas lançadas
pelos EUA no final da guerra.
111
MACEDO, 2001, p. 148-149.
78

instrumentalização (ou manipulação) e convicção, que se combinaram em diferentes


medidas ao longo da história.112
Como disse linhas acima, de 1946 até 1950 o anticomunismo estava em alta no
país, mergulhando o PCB em águas turbulentas. Após poucos, mas expressivos anos de
vida legal vividos desde 1945, o partido teve seu registro cassado no dia 07 de maio de
1947. Nos poucos anos de legalidade, se tornou um partido de massas, com número
significativo de militantes, fato que certamente – junto com o acirramento da Guerra Fria
– contribuiu para acender o alerta anticomunista. Seria preciso conter o “perigo
vermelho”. Após a cassação, alguns jornais do partido sofreram ataques violentos, como
O Momento, em Salvador e o Tribuna Popular, no Rio de Janeiro, depredados,
respectivamente, em 21 de maio e 21 de outubro daquele ano. Momento Feminino saiu
ileso das depredações, até porque não tinha tipografia própria. Lembremos que o jornal
era impresso na oficina do Tribuna Popular. Assim, o ataque ao Tribuna o atingiu
diretamente, impactando a regularidade das publicações.
Além de identificado como comunista, Momento Feminino foi um jornal que
imprimiu ideias feministas. Numa sociedade avessa às ideias de emancipação/libertação
das mulheres, estampar o pensamento feminista atraía ainda mais a fúria conservadora.
Ao analisar as organizações de mulheres fichadas pelo Departamento de Ordem Política
e Social do Estado de São Paulo (DEOPS/SP) entre os anos de 1945 e 1964, Marcela
Cristina Morente evidenciou que, além do anticomunismo, a repressão também foi
inspirada em ideias antifeministas, demonstrado disposição em manter a ordem de gênero
inalteradas no que diz respeito à manutenção da subalternidade das mulheres em relação
aos homens.113
Foi nesse clima turbulento e violento que Momento Feminino viveu (e resistiu)
seus primeiros quatro anos de existência. No primeiro ano de vida, teve de enfrentar os
ataques daqueles que se sentiam ultrajados com a sua presença. Mulheres que vendiam
os exemplares nas ruas eram importunadas. O Diário de Notícias carioca publicou o
protesto “das sras. Maria Renê Dias, Alzira de Almeida, Odete Góis, Maria Durvalina,
Dalva Gomes e Cremilda Franco, organizadoras do Centro Progressista das Mulheres de
Irajá”.114 As senhoras reclamaram que quando estavam distribuindo exemplares do jornal

112
MOTTA, op. cit., p. XXIV.
113
Cf. MORENTE, Marcela Cristina de Oliveira. Invadindo o mundo público: movimento de mulheres
(1945-1964). São Paulo: Humanitas, 2017. p. 41-51.
114
MORADORAS de Irajá protestam contra violências e dirigem um apelo ao chefe de polícia. Diário de
Notícias, Rio de Janeiro, ano 18, n. 7726, p. 1 (seção 2), 31 dez., 1947.
79

no bairro de Irajá, repentinamente foram surpreendidas com a parada abrupta de um


automóvel, de onde desceu um cidadão que se apresentou com o nome Vanderlei, dizendo
ser “autoridade”, “o qual arrancou das mãos da sra. Maria Durvalina sete exemplares que
esta conduzia, feito o que retornou ao veículo, que partiu”.115

Mais tarde, um grupo de indivíduos que se diziam investigadores,


conquanto não se identificassem como tais, invadiram a casa comercial
da sra. Maria Renê Dias, na Avenida Automóvel Clube, 2846, ali
agredindo o marido da referida senhora e apreendendo um exemplar do
jornal já citado.116

Diante da arbitrariedade, as vítimas exigiram providências. Solicitaram ao jornal


“a divulgação de um apelo ao chefe de Polícia, que acredita[vam] interessado na
salvaguarda dos direitos consignados na Constituição, no sentido de que mand[asse]
apurar tais violências e pun[isse] os responsáveis por elas”.117 Três dias depois, o caso foi
denunciado nas páginas de Momento Feminino que, de forma menos ponderada que o
jornal anterior, informou categoricamente que as mulheres tinham sido vítimas de
violência policial.

Uma comissão de amigas de Momento Feminino, do “Centro


Progressista de Mulheres de Irajá” procurou-nos para comunicar que
quando vendiam nosso jornal foram atacadas por um indivíduo que
arrebatou-lhes da mão Momento Feminino. Não satisfeitos da sua ânsia
destruidora, investigadores invadiram a casa de uma de nossas amigas,
Maria Renée Dias, agredindo seu marido. É uma das características
fascistas o desrespeito à mulher e aos lares. Contra esse fato, nosso
protesto é um apelo para reforçarmos cada vez mais nossa união.118

Em janeiro de 1950 foi a vez de Alice Padilha ser interceptada pela política quando
distribuía o jornal na porta da fábrica Corcovado, localizada no bairro da Tijuca, zona
Norte do Rio de Janeiro. Ao distribuir o jornal às tecelãs, “apareceu um carro da Rádio
Patrulha que, arbitrariamente, usando da violência habitual, conduziu-a a presa”. No
momento, “dezenas de operárias e de outras pessoas que assistiram à prisão protestaram
em altas vozes contra mais essa violência da polícia”. A direção do jornal tomou as
medidas legais cabíveis, impetrando “uma ordem de habeas-corpus em favor de
Alice”.119

115
MORADORAS de Irajá protestam contra violências e dirigem um apelo ao chefe de polícia. Diário de
Notícias, Rio de Janeiro, ano 18, n. 7726, p. 1 (seção 2), 31 dez., 1947.
116
Ibid.
117
Ibid.
118
MULHERES sofrem violência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 24, p. 7, 03 jan. 1948.
119
MAIS UMA arbitrariedade policial. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 64, p. 2, 31 jan., 1950.
80

Mas não era apenas a polícia – ou indivíduos que se apresentavam como tal – que
tentou inviabilizar sua circulação. O diretor geral dos Correios e Telégrafos proibiu a
emissão de uma de suas remessas. Mais uma vez, as mulheres solicitaram amparo jurídico
e reclamaram das arbitrariedades cometidas contra um jornal que tinha autorização para
circular. Elas procuraram o potiguar Café Filho, então deputado federal pelo Partido
Republicano Progressista (PRP), que em uma seção da Câmara dos Deputados se
pronunciou dizendo que aquela atitude do diretor dos correios era “um abuso que não
pode qualificar”. O deputado, que “tivera o cuidado de examinar detidamente diversos
exemplares da revista”, atestou que nada justificava “tal medida”. Por isso, “lançava seu
protesto e lembrava ser melhor ‘arriar as máscaras’, já que estamos próximos do
Carnaval; se não vivemos em democracia, então que se fecha logo o Parlamento”.120
Como se vê, Momento Feminino realmente incomodou algumas autoridades em
um contexto, como assinala Elza Macedo, democrático na forma, mas herdeiro direto do
autoritarismo dos anos 1930 na essência. A consequência da herança autoritária em um
regime mascarado de democracia foi a perseguição aos movimentos sociais, destacando
aí parte do movimento de mulheres e sindical operário. Tanto um como o outro tinham
marcada influência comunista, o que assanhava ainda mais a repressão governamental.121

1.5. Momento Feminino e a retórica antifeminista

Embora levantasse a bandeira do direito das mulheres, as editoras de Momento


Feminino fizeram questão de demarcar que não era um jornal “feminista, mas uma
publicação para os lares”. 122 Mesmo quando se referiam às mulheres assumidamente
feministas, salvo raras exceções, cuidavam de substituir as expressões
“feminismo/feminista” por “feminino/feminina”.123 A tentativa de desvincular o jornal do
rótulo de feminista tem relação com os significados que a palavra assumiu à época e com
a ligação ao ideário comunista.
De acordo com as memórias de Eglê Malheiros, o periódico centrou suas
atividades nos pontos que considerava fundamentais para organizar as mulheres, no

120
ABERTURA de inquérito na Câmara dos deputados. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 18, n. 7751,
p. 3 (seção 1), 30 jan., 1948, p. 3.
121
MACEDO, 2001, p. 185.
122
A frase completa impressa na matéria é “Momento Feminino não é um jornal feminista, mas uma
publicação para os lares”. MOMENTO feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 2, 01
ago. 1947.
123
ALVES, 2015, p. 92.
81

entanto não era um jornal feminista, ainda que reunisse “muitas pessoas que tinham
posição feministas e que achavam que era necessário levantar esses pontos de vista”.124
Mas, como disse, havia o receio da associação com o feminismo.
No PCB, partido com o qual Momento Feminino dialogava de maneira muito
próxima, a ideia hegemônica era de que o feminismo era um movimento liberal,
consequentemente, de orientação burguesa. Em 1946, em uma palestra para as mulheres
em Salvador, uma das lideranças do partido, o então deputado Carlos Marighella,
expressou que o feminismo era um movimento reacionário de mulheres contra homens.125
Tomada de forma isolada e fora de contexto, como aparece na biografia escrita por Mário
Magalhães 126, fica a impressão de que Marighella era antifeminista. Mas levando em
consideração que à época o feminismo era lido pelos comunistas como um movimento
político tipicamente liberal, a fala do deputado ganha outra conotação.
Marighella defendeu a emancipação das mulheres partindo do pressuposto de que
o único caminho para a “verdadeira libertação do sexo feminino” era a formação de
organizações junto ao povo nos bairros periféricos e marginalizados. Ancorado nas teses
defendidas por Engels no clássico A origem da família, da propriedade privada e do
Estado127, o pecebista entendia que a subjugação das mulheres não era um dado natural,
mas construída historicamente. Endossando a tese de Engels, sublinhou que nos tempos
primitivos as mulheres teriam experimentado uma situação de liberdade por participarem
ativamente da produção, mas com o surgimento da propriedade privada elas teriam sido
inferiorizadas, situação que se agravou com a emergência do capitalismo.128
No mundo capitalista, segundo ele, elas foram sujeitadas a uma verdadeira
“escravidão” de vida, decorrente, sobretudo, da sua dependência econômica. O deputado
também chamou a atenção para os fatores culturais responsáveis pelo que chamou de
“escravização feminina”, destacando que na Rússia, mesmo após a Revolução de 1917,
alguns homens continuavam oprimindo as mulheres devido à “mentalidade”. Mesmo
assim, endossou o etapismo defendendo que a liberdade seria conquistada, primeiro,
quando as mulheres voltassem a participar dos meios de produção. As mudanças nas

124
MALHEIROS, 2000 apud TORRES, 2009, p. 78.
125
AS MULHERES devem organizar-se para saírem da escravidão. O Momento, Salvador, ano 1, p. 1, 05
mai. 1946.
126
MAGALHÃES, Mario. Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo. São Paulo: Cia das Letras,
2012. p. 174.
127
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 3ª ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2012.
128
ALVES, Iracélli da Cruz. Os movimentos feminista e comunista no Brasil: história e historiografia.
Tempos Históricos, Marechal Cândido Rondon, v. 21, n. 2, p. 107-140, jun./dez., 2017. p. 120-121.
82

formas de pensar viriam com o tempo, a partir da “educação das massas”. Portanto,
naquele contexto, o mais urgente seria garantir a independência econômica das mulheres,
que viria acompanhada de uma processual transformação da mentalidade da classe
trabalhadora.129
Além da palestra, segundo informações do próprio Magalhães, em Salvador,
Marighella costumava conversar com as trabalhadoras sobre suas mazelas, além de
propagar a necessidade de aderirem à União Democrática Feminina, organização ligada
ao PCB, fundada na capital da Bahia em 1945.130 No mesmo ano, de acordo com Ricardo
Sizilio, ele proferiu uma palestra no Comitê de Mulheres Pró-Democracia do Rio de
Janeiro.131 Ao que parece, Marighella foi um entusiasta do movimento de emancipação
das mulheres.
O entendimento de que o feminismo era um movimento de orientação burguesa
não era exclusivo de Marighella. Como disse, era compartilhado entre os comunistas e
marcou presença nas páginas de Momento Feminino. O jornal não só se referiu ao
movimento como “pequeno burguês”, como lhe atribuiu outras características
pejorativas, sendo apresentado ora como um movimento de mulheres insatisfeitas com a
sua condição biológica (“Para que não pairem dúvidas, reafirmamos aqui que estamos
absolutamente satisfeitas de termos nascido mulher”); 132 ora como uma maneira
exagerada de expressão daquelas pouco acostumadas com a liberdade. Segundo esta
perspectiva, após viverem séculos de opressão, algumas mulheres se tornavam feministas
por superdimensionarem sua importância na sociedade. Nas entrelinhas está a ideia de
que as feministas instituíam uma guerra de sexos na medida em que buscavam afirmar a
“superioridade feminina”. Esta foi a interpretação de Yvonne Jean que, ao elogiar o
jornal, destacou que uma de suas qualidades era “não cair no defeito de um feminismo
demagógico”.133

Já criticamos nesta coluna [Presença da Mulher] a tendência das


mulheres em exagerar a própria importância. Se nos recusamos a ser
consideradas como inferiores aos homens, não há, também, nenhuma
razão para que nos consideremos superiores! Fomos oprimidas durante
séculos e, como todas as recém-libertadas, estamos inclinadas a

129
AS MULHERES devem organizar-se para saírem da escravidão. op. cit.
130
Cf. MAGALHÃES, 2012, p. 173-174.
131
SIZILIO, Ricardo José. “Vai, Carlos, ser Marighella na vida”: outro olhar sobre os caminhos de Carlos
Marighella na Bahia (1911-1945). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.
132
FIGUEIREDO, Nice. Os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 48, p. 4, 03
set., 1948.
133
JEAN, 1947, p. 3.
83

exagerar nossa importância, unicamente porque ainda está no início.


Isto é natural e desaparecerá à medida que nos afirmamos perante nós
mesmas e perante os outros. A imprensa nos ajudará a fazê-lo.134

Também apareceu a ideia de que o feminismo era espalhafatoso e violento.


Quando defendeu a luta emancipacionista das mulheres, Lygia Maria Lessa Bastos,
deputada pela UDN, destacou que naquela conjuntura estaria superada a “fase do
chamado feminismo”, “supinamente ridículo, com suas manifestações espalhafatosas,
mas inócuas”. Para Lygia, a suposta violência do feminismo de outrora não teria surtido
os efeitos desejados no que diz respeito às conquistas das mulheres. Neste sentido,
destacou que a luta por direitos deveria se desenvolver, “como foi, posteriormente, no
sentido do envolvimento completo de todos os redutos nos quais o homem procurava
defender seus monopólios civis e políticos”. As duas grandes guerras mundiais, de acordo
com sua avaliação, teriam sido marcos fundamentais: a primeira “ofereceu ensejo para
que a mulher demonstrasse que, dadas as condições universais da vida, o homem não
pode mais prescindir da colaboração feminina”; a segunda “confirmou essa tese e
ninguém ousará mais contestar não haver razão para, perante o direito, deixar de
considerar os homens e as mulheres no mesmo pé de igualdade”.135
Entre as mulheres do PCB, além da leitura pejorativa sobre o feminismo, aparecia
ainda a necessidade de se manterem distantes do que eles chamavam de individualismo
burguês. A ideia do envolvimento das militantes com o movimento feminista
institucionalizado parecia um despropósito político, pois o entendiam como incapazes de
incorporar as demandas da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, acreditavam que a
atuação em outras frentes teria como consequência o divisionismo que enfraqueceria a
luta de classes.
Essas interpretações evidenciam que no período em tela, por diversas razões, nem
todas as pessoas que se engajaram na luta por emancipação se enxergavam como
feministas. O fato de dispensarem o rótulo é um dos motivos que explica a ausência nas
análises sobre a história do feminismo no país, sejam elas memorialistas ou
historiográficas. O que não é nomeado não é visto. Quando citadas, são genericamente
associadas a um “movimento de mulheres” ou “feminino” distante das demandas
feministas. Mas o fato de não se assumirem feministas não anula o engajamento político
no movimento por emancipação/libertação das mulheres, hoje chamado de feminismo.

134
JEAN, 1947, p. 3.
135
BASTOS, Lygia Maria Lessa. A mulher venceu... Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 45, p.
3, 23 jul., 1948.
84

Defendo que Momento Feminino contribuiu para o desenvolvimento da história


feminista no Brasil, sem perder de vista os deslocamentos de sentido que a expressão
assumiu até a formação de um relativo consenso em torno do conceito compartilhado
atualmente. Em linhas gerais, qualquer ação política, individual ou coletiva, no espaço
público ou privado, preocupada em destruir a inferiorização histórica das mulheres é
denominada feminista. A política empreendida pelo periódico estava conectada a este
objetivo. Publicou textos defendendo o fim das estruturas sociais que deixavam as
mulheres em situação de inferioridade e vulnerabilidade; defendeu a participação das
mulheres na vida política; politizou o cotidiano; criou iniciativas para imprimir, ainda que
de forma mediada, as vozes de mulheres diversas, especialmente das camadas populares;
construiu meios que ampliassem o nível de alfabetização das mulheres; preocupou-se em
denunciar o quanto a falta de creches tornava difícil a vida das trabalhadoras. Enfim, se
comprometeu com um projeto feminista de sociedade. Atenta as variações do conceito,
quando chamo a atenção para a ação e o pensamento feminista que circulou em Momento
Feminino o faço como um elemento de demonstração analógica.
85

CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DE UMA ORGANIZAÇÃO


NACIONAL DE MULHERES: DIÁLOGOS, DISPUTAS E TENSÕES

2.1. O movimento de mulheres em tempos de expectativas democráticas e Guerra


Fria

Entre o final do século XIX e os primeiros anos do XX houve transformações


socioculturais importantes no Brasil. De acordo com Durval Muniz de Albuquerque
Junior, o advento da República proporcionou um progressivo acesso ao mundo da política
de pessoas antes excluídas, tais como, comerciantes, industriais, operários e,
notadamente, as mulheres. A educação urbana das novas gerações das elites promoveu
mutações subjetivas, provocando uma dissenção processual em relação à cultura
predominante na sociedade agrária e escravocrata. Entre os valores que passaram a ser
questionados estavam os de obediência cega aos pais e de aceitação da realização de
uniões conjugais assentadas apenas no interesse econômico e político.1
O feminismo foi combustível importante para as mudanças. No início do século
XX o movimento passou por um acentuado crescimento e institucionalização e marcou a
história da República brasileira. Feministas compuseram o jogo político republicano para
além das questões envolvendo o debate sobre as relações entre os gêneros. Na Bahia, nas
eleições estaduais de 1933, a filial baiana da Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino (FBPF) participou do processo de definição das chapas eleitorais, como
também elegeu uma mulher para o cargo de Deputada Estadual: Maria Luísa Bittencourt,
primeira deputada do estado.2 Além da conhecida atuação da FBPF, fundada em 1922 e
dirigida durante a maior parte de sua existência por Bertha Lutz, outros grupos disputaram
diferentes projetos de feminismo. A disputa política envolveu anarquistas, operárias e
comunistas.

1
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. Nordestino: invenção do “falo”. Uma história do gênero
masculino (1920-1940). 2 ed. São Paulo: Intermeios, 2013. p. 30.
2
BATISTA, Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos: acomodação e reação política ao governo de
Getúlio Vargas (1930-1937). 2018. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018; Idem. As eleições de 1933 e 1934 na Bahia e a
inserção de mulheres na política partidária. In: BATISTA, Eliana Evangelista; SILVA, Paulo Santos
(Orgs.). Dos fios às tramas: tecendo histórias, memórias, biografia e ficção. Salvador: Quarteto, 2019, p.
33-62.
86

Margareth Rago evidenciou a presença do debate sobre a liberdade das mulheres


entre as anarquistas, a exemplo de Maria Lacerda de Moura e Luce Fabri, que defenderam
de forma contundente ideias relacionadas ao amor livre para homens e mulheres e,
consequentemente, a quebra da dupla moral, que julgava de forma desigual o
comportamento sexual dos gêneros a partir de justificativas ancoradas na biologia. Maria
Lacerda questionou, ainda, os saberes científicos misóginos sobre as relações amorosas e
sexuais.3
Ao analisar as experiências das mulheres da classe trabalhadora, mais
especificamente operárias do estado de São Paulo, Gláucia Fraccaro descobriu que, entre
1917 e 1937, circularam diferentes projetos feministas de igualdade, inclusive dentro do
movimento operário. No entanto, por muito tempo, a historiografia sobre o tema centrou-
se apenas na atuação da FBPF. Como consequência, conflitos ficaram escondidos,
resultando em narrativas sobre poucas mulheres a realizarem grandes feitos. Mas quando
a federação surgiu em 1922, o debate sobre os direitos das mulheres, inclusive das
operárias, já estava colocado e ela teve de conviver e dialogar, nem sempre
amistosamente, com diferentes projetos feministas em disputa.4
Durante a década de 1930, a relação entre a FBPF e as comunistas, mais
especificamente, foi conflituosa. No período, o Brasil atravessava uma conjuntura
autoritária inspirada no fascismo europeu e no anticomunismo. Consequentemente, as
organizações de orientação comunista – ou arbitrariamente assim rotuladas – eram alvo
de perseguição e repressão do Estado, especialmente em fases em que os grupos
anticomunistas se encontravam fortalecidos, como entre 1935 e 1937. Depois do levante
de 1935, pejorativamente chamado de “intentona comunista”, o número de prisões
arbitrárias, torturas e assassinatos de adversários do governo cresceu consideravelmente.5
As mulheres não saíram ilesas. Em 1935, a União Feminina do Brasil (UFB) foi
colocada na ilegalidade dois meses após sua fundação. Suas líderes foram encarceradas.6

3
RAGO, Margareth. O prazer no casamento. Cadernos Ceru, série 2, n. 7, p. 97-111, 1996; ______. Entre
a História e a liberdade: Luce Fabri e o anarquismo contemporâneo. São Paulo: UNESP, 2001; ______.
Ética, anarquia e revolução em Maria Lacerda de Moura. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Arão (Orgs.).
A formação das tradições (1889-1945). v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 273-193.
4
FRACCARO, Gláucia. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio de
Janeiro: FGV, 2018. p. 85.
5
Para maiores informações sobre o levante e suas consequências cf. VIANNA, Marly de Almeida Gomes.
Revolucionários de 35: sonho e realidade. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
6
A UFB foi fundada em maio de 1935 no Rio de Janeiro. A entidade pretendia organizar um movimento
de mulheres de caráter nacional. Houve a iniciativa de instalação de filiais em outros estados, mas dois
meses após seu surgimento foi fechada pelo governo Vargas e suas dirigentes presas. Maria Werneck, uma
das presas políticas do contexto e membro da UFB registrou suas lembranças enquanto atuou na
87

A organização tinha entre os seus objetivos a defesa da emancipação das mulheres. Logo
após seu fechamento, o Capitão Filinto Müller, então chefe de polícia, não disfarçou seu
antifeminismo. Segundo reportagem publicada no jornal carioca A Nação, ele descreveu
o movimento feminista como uma piada: “uma das blagues mais antigas que a mulher
pregou à própria mulher”. Quando não acabava no ridículo, “como no Velho Mundo onde
só serve de tema de ‘vaudeville’, acaba[va] às voltas com a polícia. O que para uma
criatura delicada é um tanto desagradável”7, disse em tom de ameaça.
Sobre as mulheres da UFB além do antifeminismo pesou o anticomunismo. Para
o capitão, elas deveriam se ocupar do que considerava natural para as mulheres: as
atividades domésticas e de cuidado. Para ele, a política não era apropriada para o gênero
feminino, menos ainda o comunismo. Partindo dessa perspectiva que naturalizava lugares
sociais para homens e mulheres, atacou:

Quem eram as ilustres matronas ou gentis senhoritas que compunham


a malograda União? Não sabemos. Mas é lícito supor-se que não
deveriam ser excessivas as preocupações domésticas, os trabalhos com
os filhos, maridos, irmãos e noivos, dessas paladinas do credo rubro de
Moscou. Porque a mulher, seja ela mãe, esposa, ou apenas noiva, se
quiser preencher ampla e conscientemente a sua missão social, não tem
nem jeito para ler Karl Marx, que é xaroposo como todos os
demagogos, nem para se exercitar no lançamento de granadas de mão,
ou no simples manejo do porrete ou da “pernambucana”. Todas essas
representantes do sexo fraco, da “esquerda”, estão certamente iludidas
com o feminismo que lhe inculcavam. Pensam que tornando-se
energúmenas, violentas, sanguinárias, ferozes, enfim conseguirão
impor o seu império aos companheiros de planeta, impondo-lhes a sua
vontade e fazendo prevalecer as próprias opiniões. Fatal engano o
destas amazonas de novo gênero! A mulher quanto mais se parece com
o homem tanto menos o impressiona. E tanto menos o domina. Frágil,
gentil, com um palminho de rosto, falando fino, olhando manso, sim!8

A União Feminina do Brasil não se autodeclarava feminista. Mas as palavras de


Müller sugerem que qualquer movimento de mulheres que desafiava a ordem de gênero
estava passível de ser assim denominado em tom pejorativo. A defesa da emancipação
das mulheres presente no programa da UFB assanhou a fúria do capitão que não poupou
adjetivos misóginos e, como era de costume, supervalorizou a importância dos homens

organização e do tempo em que esteve presa junto com outras mulheres, entre as quais, Olga Benário,
Eneida Costa de Moraes, Elza Fernandes, Francisca Moura, Beatriz Bandeira, Catarina Landsberg, entre
outras. Cf. WERNECK, Maria. Sala 4: primeira prisão política. Rio de Janeiro: CESAC, 1988; SIQUEIRA,
Tatiana Lima de. Impressões feministas: discursos sobre o feminismo no Diário da Bahia (1930-1937).
Dissertação (Mestrado em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo) – Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009, passim.
7
A BLAGUE do feminismo. A Nação, Rio de Janeiro, ano 3, n. 786, p. 1, 03 ago., 1935.
8
Ibid.
88

quando disse que as feministas, no final das contas, pretendiam mesmo era chamar sua
atenção ou dominá-los. Inflacionando a importância masculina, julgava que todos os
comportamentos das mulheres, inclusive no campo da política, tinham como finalidade
última seduzir o sexo oposto.
Filinto Müller não foi o único a descrever o movimento como uma pilhéria
inconsequente e a destacar que as mulheres não deveriam desviar das suas supostas
características naturais. Anos antes, a seção “Bric-Á-Brac” do Diário de Notícias carioca,
sob a rubrica de W.B., destacou que “o feminismo que se pratica no Brasil é a maior das
‘blagues’, porque sejam quais forem as vitórias que uma mulher tenha logrado, não abre
mão ela nunca de suas prerrogativas de sexo”. 9 Em seguida, em tom debochado,
descreveu as feministas como “cavalheiras” que resolveram “não obedecer ao recente
decreto que proíbe as acumulações. Ela acumula os direitos masculinos e femininos.
Quanto aos deveres respectivos nem é bom falar... A criatura possui memória muito
fraca”.10
É evidente que o antifeminismo, em diferentes níveis, pesava sobre todos os
grupos, inclusive sobre a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) que
transitava com relativa tranquilidade entre os políticos detentores do poder público. Como
chamou a atenção Elisabeth Rago, as experiências de mulheres das camadas médias e
altas da sociedade que romperam com a lógica dos “espaços desenhados e planejados pela
arquitetura masculina” esbarraram na resistência por parte dos “donos do poder” que
insistiam em mantê-las restritas ao espaço doméstico.11A possibilidade de quebra das
hierarquias de gênero, por menor que fosse, não agradava os grupos conservadores. Mas
as mulheres ligadas à FBPF, até onde se tem notícia, nunca foram alvo direto da repressão
do Estado. A tática de negociar por cima e evitar discursos radicais, somado aos
privilégios de raça e classe, bem como as alianças com os governantes, certamente as
livrou da violência policial, cárcere e tortura. Esse lugar também rendeu a elas a oposição
da União Feminina do Brasil que, como disse, não se percebia feminista, rotulando o
movimento, mais especificamente aquele dirigido por Bertha Lutz, de “pequeno-burguês”

9
W. B. Bric-Á-Brac. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 2, n. 228, p. 15, 25 jan., 1931.
10
Ibid.
11
RAGO, Elisabeth Juliska. Outras Falas: feminismo e medicina na Bahia (1836-1931). São Paulo:
Annablume/FAPESP, 2007. p. 28-29.
89

e pouco consequente para a “verdadeira” liberdade das mulheres. 12 Partindo desse


pressuposto, declarou:

A mulher do Brasil já começa a perceber que a luta por sua libertação


tem suas bases nos movimentos populares e não confia mais em “líderes
feministas”. A mulher já começa a compreender que as Berthas Lutz,
uma vez instaladas no poder, pouco se lembram das plataformas
“feministas” gritadas em praça pública, a fim de arrastar as massas
femininas.13

Mas a Segunda Guerra Mundial impactou a relação entre os grupos feministas de


campos políticos opostos. Com o final da guerra, mudanças na ordem social, política e
cultural que vinham se processando desde o final do século XIX foram ainda mais
acentuadas. Como sugeriu Carla Pinsky, os anos de 1945 a 1964, comumente chamado
de “anos dourados”, passou, do ponto de vista econômico, por uma fase de aceleração do
desenvolvimento, marcado pelo avanço do processo de urbanização e industrialização,
especialmente durante o governo de Juscelino Kubistchek (1955-1960).14 No contexto, a
economia e a sociedade brasileira tornaram-se mais complexas com o crescimento dos
setores de finanças e de serviços em geral e as mudanças nos padrões de consumo.
Embora o boom econômico não tenha resultado na distribuição de renda e na diminuição
das diferenças estrondosas entre os mais ricos e os mais pobres, nos centros urbanos, o
salário mínimo proporcionou aos setores médios da classe trabalhadora acesso aos
produtos industrializados. Além disso, grupos mais amplos passarem a usufruir da
tecnologia e dos bens de consumo, cada vez mais incentivados pelo consumismo.15
Essas transformações refletiram significativamente no status socioeconômico das
mulheres de classe média que vivenciavam mais diretamente o processo de urbanização.
O incremento do setor secundário e as mudanças na produção eliminaram muitas das
ocupações artesanais ou domésticas; ao mesmo tempo em que surgia para elas novas
oportunidades de emprego no setor terciário. Ademais, cresceu a demanda dos trabalhos
considerados “femininos”.16 As mudanças impactaram nas expectativas dessas mulheres,
principalmente as casadas que começaram a construir suas carreiras profissionais. Se
antes era comum que elas abandonassem a profissão depois do casamento, o hábito

12
Para mais informações sobre os embates entre as comunistas e a FBPF cf. ALVES, Iracélli da Cruz.
Feminismos em debate: disputas, contradições e tensões (1930-1937). Oficina do Historiador, Porto
Alegre, v. 10, n. 2, p. 113-130, jul./dez., 2017.
13
EM PROPAGANDA da União Feminina. Diário da Bahia, Salvador, p. 1, 04 jul. 1935.
14
PINSKY, Carla Bassanezi. Mulheres dos anos dourados. São Paulo: Contexto, 2014. p. 16-17.
15
Ibid.
16
Ibid.
90

paulatinamente deixava de ser regra, não sem resistência daqueles que se autodeclaravam
defensores da família. Elas precisaram constantemente disputar politicamente o direito ao
mundo público.
Para legitimar sua presença no mundo do trabalho e brigar pela permanência, se
apropriavam dos impactos da Segunda Guerra Mundial na vida prática. Era comum
demarcarem que “a participação ativa das mulheres nos diversos ramos da indústria”
durante a guerra era uma prova inconteste da “falsa teoria sobre a inferioridade da
mulher”, na medida em que o evento teria contribuído para ampliar acentuadamente o
número de trabalhadoras no mundo inteiro. Segundo as estimativas que fizeram, “na
maioria dos países, [representavam] mais da terça parte da população laboriosa. Essa
proporção alcança[va], às vezes, de 70 até 80 por cento em numerosas indústrias”.17
Em 1948, Lygia Maria Lessa Bastos, apesar da ressalva de que era necessário
continuar na luta, considerou que as mulheres venceram. Diferente de outros tempos,
julgou que pela primeira vez, em consequência das duas grandes guerras mundiais, elas
tinham conquistado “o pleno gozo de todos os direitos, inclusive os políticos, e isso lhe
custou até serviços de guerra”.18

Invadindo as academias, os escritórios, as oficinas, as associações, a


mulher começou demonstrando sua capacidade de ação e de produção,
impondo-se ao acatamento, recomendando, assim, o seu
aproveitamento nos momentos de crise de trabalho masculino. A
primeira grande guerra ofereceu ensejo para que a mulher demonstrasse
que, dadas as condições universais da vida, o homem não pode mais
prescindir da colaboração feminina. A segunda grande guerra
confirmou essa tese e ninguém ousará mais contestar não haver razão
para, perante o direito, deixar de considerar os homens e as mulheres
no mesmo pé de igualdade. Entretanto, como a luta pela vida é dura e a
contemplação na conquista das posições é cada vez maior, tudo
aconselha às mulheres não se descuidarem da defesa dos direitos
conquistados. Estejamos sempre alertas.19

Apesar das mudanças de expectativas trazidas pelas guerras às mulheres das


camadas médias, sobretudo no que diz respeito ao mundo do trabalho, há quem prefira
não superestimar a importância. Para Teresa Marques e Hildete de Melo, no Brasil, até
os anos 1970, a “participação feminina” no mercado de trabalho ainda era inexpressiva,

17
RESOLUÇÃO sobre a defesa dos direitos econômico-políticos das mulheres. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 2, n. 55, p. 8, fev. 1949.
18
BASTOS, Lygia Maria Lessa. A mulher venceu... Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 45, p. 3,
23 jul., 1948.
19
Ibid.
91

apesar de crescente. Entre a década de 1940 e 1970, em que pese o crescimento industrial,
a taxa de atividades das mulheres acima de 10 anos registradas no mundo do trabalho
rentável permaneceu pouco significativa (em 1920 era de 13,5%, em 1960 subiu apenas
3 pontos percentuais, atingindo 16,6%; e em 1970 subiu para 18,5%).20
Por outro lado, Gláucia Fraccaro advertiu que os censos produzidos nas primeiras
décadas do século XX, dadas as fragilidades metodológicas, os limites técnicos e o grande
número de trabalhadoras informais, são incapazes de demonstrar todas as mudanças dos
primeiros anos da República. No que diz respeito à participação das mulheres no mercado
de trabalho, havia uma frágil fronteira entre o emprego passível de identificação e o
trabalho formal. A autora demonstrou que houve um crescimento no número de mulheres
no trabalho industrial, nos setores de costura e bordado, em indústrias domiciliares, no
setor de serviços (transporte e comunicação) ou trabalhando por conta própria (nem
sempre contabilizadas), principalmente em atividades que pudessem conciliar trabalho
externo e atividades domésticas.21
Segundo dados apresentados por Iracema Ribeiro no Pleno Ampliado do PCB,
realizado em 1955, em 1950 as mulheres representavam aproximadamente 50,52% da
população economicamente ativa no Brasil, que perfazia o número aproximado de
36.560.000 pessoas, destas 18.470.000 eram mulheres. Demonstrando em números,
Iracema chamou a atenção para a grande quantidade de mulheres operárias:

417.000 trabalham nas indústrias de transformação e extrativa. Quase


60% dos trabalhadores na indústria do fumo são mulheres. Na indústria
têxtil, onde em 1940 trabalham 300 mil operários, cerca de 190 mil
eram mulheres. [...] Numa população rural feminina de mais de 16
milhões, sendo 10 milhões de mulheres maiores de 10 anos, grande é o
contingente de mulheres que trabalham no campo. Entretanto as
estatísticas oficiais apenas registram 732.900 mulheres como fazendo
parte da população feminina ativa na agricultura, pecuárias e
silvicultura. A verdade é assim falseada com o evidente intuito de
ocultar que milhões de mulheres são submetidas às mais brutais e
desumanas condições de trabalho no campo, sem ao menos serem
mencionadas como trabalhadoras agrícolas ou como camponesas.22

Além da análise da presença quantitativa das mulheres no mercado do trabalho,


fatores não necessariamente quantificáveis apontam para transformações nas expectativas

20
MARQUES, Teresa Cristina de Novais; MELO, Hildete Pereira de. Os direitos civis das mulheres
casadas no Brasil entre 1916-1962. Ou como são feitas as leis. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n.
2, p. 463-488, mai./ago., 2008. p. 468.
21
FRACCARO, 2018, p. 24-27.
22
RIBEIRO, Iracema. Sobre o trabalho do Partido Comunista do Brasil entre as mulheres. Imprensa
Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.468, p. 2-4 (3° Caderno), 03 abr., 1955.
92

sociais das mulheres no século XX, especialmente entre aquelas das camadas médias e
altas da sociedade, em sua maioria brancas. No mundo do trabalho rentável elas eram as
mais afetadas, sobretudo pelo Código Civil de 1916 que estabelecia que as mulheres
casadas precisavam de autorização do marido para trabalharem. No período em tela, as
mulheres pobres, majoritariamente negras e não brancas, pouco casavam legalmente; e
independente do estado civil, trabalhar fora do lar era uma necessidade vital.23
As alterações sentidas e descritas pelas próprias mulheres que viveram as
mudanças ampliaram as demandas e impactaram a correlação de forças dos movimentos
feministas. Além de acelerar as transformações no campo sociocultural, a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) trouxe novos ares e articulações políticas. Após as
experiências dos regimes de orientação nazifascistas derrotados na guerra, a democracia
virou tema de primeira grandeza. Era necessário eliminar os resquícios do autoritarismo.
No Brasil, as novas perspectivas apontavam para o fim da ditadura do Estado
Novo (1937-1945), que flertava com o fascismo. Conforme Dênis de Moraes, a partir de
1943, o Estado Novo entraria em queda livre. No ano seguinte o país viu pipocar comitês
pró-anistia aos presos políticos e enviou 25 mil pracinhas para combater o fascismo na
Itália. 24 Com eles, 60 enfermeiras se deslocaram do Brasil para cuidar dos feridos na
Itália.25 Abria-se, portanto, uma contradição: “lutávamos lá fora contra o totalitarismo e
internamente vivíamos sob o julgo de um governo discricionário”.26
Em 1945, com o final da guerra, o Estado Novo, que já dava sinais de falência,
se desmanchava rapidamente. A ideia de que o país estava cada vez mais próximo de uma
democracia começava a ganhar materialidade através de medidas como a anistia dos
presos políticos e exilados, em 18 de abril; a promulgação do código eleitoral, em 28 de
maio; a legalização oficial do PCB, em 12 de novembro; as eleições para a Assembleia
Constituinte, em 2 de dezembro; o fim da censura dos jornais, revistas e rádios e o

23
Sobre as experiências das mulheres pobres e negras no Brasil e as diferentes maneiras de “ser mulher”,
considerando os demarcadores de raça e classe cf. SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de
violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989;
CARNEIRO, Sueli. “Identidade Feminina”. In: SAFFIOTI, Heleiheth I. B; MUÑOZ-VARGAS, Monica
(Orgs). Mulher brasileira é assim. Rio de Janeiro: Rosa do Tempos, 1994. p. 187-193; DIAS, Maria Odila
da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1995.
24
MORAES, Dênis. O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. São Paulo: Boitempo, 2012. p.
202.
25
Para acessar a lista nominal das enfermeiras enviadas cf.: OLIVEIRA, Alexandre Barbosa. Enfermeiras
da Força Expedicionária Brasileira no front do Pós-Guerra: o processo de reinclusão no Serviço Militar
Ativo do Exército (1945-1957). Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Ana Nery,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. p. 297-299.
26
MORAES, op. cit., p. 202.
93

aparecimento de partidos políticos nacionais. Tudo isso era novidade na história política
do país.
No mesmo ano, estouraram novas greves de várias categorias da classe operária.
Em 29 de outubro Getúlio Vargas foi deposto por um golpe militar. José Linhares, então
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ocupou a presidência para reorganizar a
política nacional. Numa tensa negociação, em 02 de dezembro as eleições foram
realizadas; Eurico Gaspar Dutra eleito presidente. Antes, desencadeou-se uma onda de
prisões, intervenções em sindicatos e depredações em sedes estaduais do PCB. “O alvo
era o processo de democratização em curso, mas o clima de mobilização impediu [de
imediato] o retrocesso”.27
Em que pese o golpe militar e a agitação política imediatamente posterior, o clima
era de democracia. Com a sensação de que a ditadura não assombrava mais, os grupos
políticos antes estigmatizados e perseguidos, notadamente o PCB, se sentiram livres para
se organizarem e/ou se reorganizarem politicamente. Como lembrou Moisés Vinhas,
embora tenha vivido curtos períodos de legalidade no passado, foi somente nos anos de
1945 a 1947 que se tornou possível ao PCB, pela primeira vez em sua história, apresentar-
se à sociedade brasileira de corpo inteiro e disputar as preferências políticas do eleitorado
e da opinião pública. 28 João Falcão recordou que, no contexto, o partido cresceu
rapidamente, recebendo um grande número de operários e trabalhadores em geral,
estudantes, intelectuais, jornalistas e profissionais liberais.29
Apesar da pouca ou nenhuma referência feita pela maioria dos memorialistas do
30
partido, característica que reverberou na produção historiográfica, a atmosfera
democrática contribuiu para que as mulheres pecebistas ou simpatizantes, antes
perseguidas pelo Estado, voltassem a disputar o espaço público de maneira expressiva.

27
MORAES, 2012. p. 202.
28
VINHAS, Moisés. O Partidão: a luta por um partido de massas 1922-1974. São Paulo: Hucitec, 1982. p.
87.
29
FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conheci (20 anos de clandestinidade). Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1988. p. 266.
30
A partir do final da década de 1970 (quando se aproximava o fim da Ditadura Civil-Militar) até a década
de 1990 (quando mais uma vez os ares da democracia pareciam soprar no país depois de duas décadas de
Ditadura Civil Militar – 1964-1985), foi publicada uma quantidade significativa de memórias de ex-
militantes pecebistas sobre suas experiências no partido nas décadas anteriores. A maioria delas foi escrita
por homens e faz avaliações políticas, destacando suas impressões sobre os “erros” e “acertos” nas
estratégias e táticas do PCB, bem como as forças políticas fundamentais para a sobrevivência do partido.
Somente para ficar em alguns exemplos: BASBAUM, Leôncio: uma vida em seis tempos (memórias). São
Paulo: Alfa-Omega, 1976; CHAVES NETO, Elias. Minha vida e as lutas de meu tempo. São Paulo: Alfa-
Omega, 1977; VINHAS, 1982; FALCÃO, 1988; PRESTES, Maria. Meu companheiro: 40 anos ao lado de
Luiz Carlos Prestes. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
94

Se articularam em várias frentes. O jornal Momento Feminino, analisado no capítulo


anterior, foi uma das principais delas. Além disso, se organizaram nos Comitês Populares
Democráticos, instalados nos bairros com o objetivo de aproximar o partido das
comunidades populares e ampliar suas bases;31 bem como nas “Uniões Femininas”, que
desenvolviam funções semelhantes aos comitês, mas eram organizadas por mulheres e,
algumas delas, incorporavam demandas feministas.
Para Raquel Silva, naquele contexto de crescimento da democracia, os partidos
socialistas e comunistas trouxeram as “necessidades femininas” para o centro da cena
política. 32 Acredito que é importante revisar essa perspectiva, considerando que os
movimentos feministas protagonizados pelas próprias mulheres já vinham disputando a
esfera pública. À medida que iam se organizando e conquistando espaços, os partidos
políticos investiam num trabalho para atraí-las; concomitantemente, à proporção que elas
ocupavam a política, ampliava-se a visibilidade e a força do debate feminista, bem como
os embates e tensões.
Nos Comitês Populares Democráticos elas costumavam atuar na preparação de
festas, atividades recreativas, nos trabalhos de alfabetização e cursos para os moradores
do bairro. Apesar de não fazer nenhum balanço sobre o impacto da participação das
mulheres nessas organizações – provavelmente por não enxergá-la como politicamente
importante –, Elias Chaves Neto lembrou que no bairro onde morou em São Paulo
“floresceu o Comitê Democrático do Jardim Paulista, que teve sua sede numa garagem
da rua Batatais e foi frequentado inclusive por diversas moças”.33 No final de 1945, ainda
segundo suas memórias, as mulheres organizaram “uma grande festa popular, com
piquenique, corrida para crianças, tômbola etc. nos terrenos baldios do atual Parque
Ibirapuera”.34

31
Para mais informações sobre os Comitês Populares Democráticos cf. PINHEIRO, Marcos César de
Oliveira. O PCB e os Comitês Populares Democráticos da Cidade do Rio de Janeiro (1945-1947).
Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 2007; VAZQUEZ, Petilda Serva. Momento: intervalo democrático e sindicalismo (1942-
1947). Salvador: UNIJORGE, 2009; SILVA, Raquel de Oliveira. O PCB e Comitês Populares
Democráticos em Salvador (1945-1947). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012; PINHEIRO, Marcos César de Oliveira.
Dos Comitês Populares Democráticos (1945-1947) aos Movimentos de Educação e Cultura Popular
(1958-1964): uma história comparada. Tese (Doutorado em História Comparada) – Instituto de História,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
32
SILVA, op. cit. p. 66.
33
CHAVES NETO, 1977, p. 73.
34
Ibid.
95

Em Salvador, o jornal O Momento publicou notícias sobre as atividades das


mulheres nos comitês.35 A “ala feminina” do Comitê Popular Democrático da Fazenda
Garcia, presidida por Eulina Lopes de Andrade, por exemplo, desenvolveu uma série de
realizações e planejou outras tantas direcionadas para as mulheres, principalmente, do
ponto de vista de proteção e assistência social.36 O natal de 1945 foi comemorado com
“várias festinhas” pelos comitês de diversos bairros de Salvador que realizaram
quermesses, concursos de beleza e serviços de telégrafo, além da distribuição de brindes
às crianças pobres do bairro, “havendo ainda, depois da distribuição, corridas
esportivas”.37
Além da atuação nos comitês, que segundo João Falcão funcionavam como um
partido em miniatura,38 as mulheres criaram suas próprias uniões, ligas e associações em
vários bairros das grandes capitais e em diversos municípios do interior com a finalidade
de organizar o “movimento feminino”, reivindicar melhorias para o bairro e/ou município
e fortalecer o trabalho do PCB.39 Comumente atuavam nas lutas contra a carestia, contra
a crise de abastecimento, por moradia, pela qualidade dos transportes públicos e outras
demandas que tornassem mais confortável o cotidiano das camadas populares. No
processo, não deixavam de pontuar as especificidades das mulheres.
A União Democrática Feminina (UDF), criada em Salvador em 1945, incluiu em
seu “programa de realizações mínimas” as tarefas de: ampliar a participação das mulheres
nos quadros políticos e administrativos do país; elevar o nível educacional, cultural,
artístico, político e social das mulheres; criar meios que contribuíssem para sua
emancipação econômica, especialmente através da capacitação profissional; fiscalizar se
as leis trabalhistas “que asseguram a mulher salário igual para trabalho igual e por todas
as medidas de proteção ao trabalho feminino” estavam sendo cumpridas; trabalhar pela

35
Para mais informações sobre a história do periódico cf. SERRA, Sônia. O Momento: História de um
jornal militante. Dissertação (Mestrado dm Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1987.
36
SILVA, 2012, p. 66-67.
37
OS COMITÊS Democráticos farão o natal dos bairros. O Momento, Salvador, ano 1, n. 42, p. 8, 24 dez.
1945.
38
FALCÃO, 1988, p. 42. Na dissertação de mestrado fiz um balanço da pequena quantidade de mulheres
na direção da seção baiana do PCB e nos comitês da Bahia, tanto na capital quanto nas cidades do interior.
Cf. ALVES, 2015, p. 79-85.
39
O jornal Momento Feminino, principalmente a seção “Atividades Femininas”, traz várias notícias
relacionadas à fundação e funcionamento de diversas associações, uniões e federações regionais, tanto no
Rio de Janeiro quanto em outros estados do país, nas capitais e nos municípios do interior. Entre as várias
organizações, encontramos a União Feminina de Alagoinhas (cidade do interior da Bahia). Quando
fundada, em 1952, reuniu sete associadas e era dirigida por: Letícia Campos, presidenta; Maria A. Cardoso,
secretária e Dirmane O. Oliveira, tesoureira. ATIVIDADES Femininas. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, mar./abr., ano 4, n. 92, p. 2 1952.
96

ampliação da assistência social, principalmente as de amparo à maternidade e à infância


e, por fim, “lutar pela efetivação das legítimas reivindicações da mulher, pelo mais forte
e sólido espírito de companheirismo entre homens e mulheres e por melhores condições
de vida como meio de fortalecimento da família e da unidade social”.40
A constelação de uniões, ligas e associações de mulheres fundadas ao longo da
década de 1940 e 1950 em vários bairros e municípios do Brasil aturam expressivamente
nos movimentos populares, por moradia, contra a carestia, por melhorias da infraestrutura
urbana, transporte, entre outros. Segundo Viviane Maria Leão, muitas vezes conseguiam
que parte das reivindicações fossem atendidas. Suas sedes costumavam oferecer,
especialmente para mulheres, cursos de alfabetização, corte e costura e trabalhos manuais.
O objetivo era contribuir com a formação profissional e política para que se tornassem
mais preparadas para enfrentar as dificuldades do cotidiano, superar as carências
materiais e conquistar a independência econômica. 41 Muito embora tenham recebido
notável influência do PCB, as uniões femininas não eram compostas unicamente por
comunistas, mas congregava mulheres cisgênero diversas: intelectuais, operárias, donas
de casa e, nas regiões com numerosa presença de trabalhadores agrícolas, camponesas.
Diante do boom de organizações que pipocavam em diversas regiões do país desde
1945, como pontuou Elza Macedo, foi se impondo a necessidade de unificar os diferentes
espaços de luta.42 Para cumprir essa finalidade, em 28 de outubro de 1946 foi fundado o
Instituto Feminino de Serviço Construtivo (IFSC), com sede no Rio de Janeiro, à Rua do
México, número 97. A direção foi ocupada por Alice Tibiriçá. Em entrevista concedida
ao Momento Feminino, a médica Maria Augusta Tibiriçá, filha de Alice e responsável
pelo Departamento de Propaganda e Saúde da instituição, destacou que o instituto vinha
atuando como “um elo entre as várias e operantes associações de mulheres do Distrito
Federal e de outros Estados” e que sua principal finalidade era “a realização de uma
convenção, de cuja realização decorrerá a criação de uma Federação de Mulheres”.43
Logo após a fundação, o IFSC foi convidado para participar da reunião do
Conselho da Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM), programada

40
A MULHER baiana na luta pacífica pela democracia. O Momento, Salvador, ano 1, n. 28, p. 1, 15 out.
1945.
41
LEÃO, Viviane Maria Zeni. Momento Feminino: mulheres e imaginário comunista. Dissertação
(Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, 2003. p. 76.
42
MACEDO, Elza Deli Veloso. Ordem na casa e vamos à luta! Movimento de mulheres: Rio de Janeiro
1945-1964. Lydia da Cunha – uma militante. 2001. Tese (Doutorado em História) – Instituto de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001. p. 145.
43
UMA INSTITUIÇÃO de Mulheres. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 28, p. 4, 30 jan. 1948.
97

para o ano seguinte, em Praga, antiga Tchecoslováquia (atual República Tcheca). A


FDIM estava ligada ao movimento comunista. Antes de aceitar o convite, mas
provavelmente inclinado a aceitá-lo, o instituto convidou as diversas uniões femininas e
outras organizações de mulheres em funcionamento, inclusive a Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, para discutirem a pertinência ou não de participar do evento. Por
unanimidade, decidiu-se que Alice Tibiriçá deveria ir para a reunião internacional como
representante das mulheres do Brasil. Para garantir os recursos necessários à viagem,
diversas associações se engajaram em uma campanha financeira; e em fevereiro de 1947,
representado por Alice, o IFSC marcou presença na reunião do Conselho, selando aliança
com a federação comunista internacional.44
Estabelecida a parceria, em dezembro de 1948, o IFSC também participou da II
Conferência Internacional de Mulheres em Budapeste, que reuniu mulheres de 51
países. 45 Os preparativos para o encontro internacional começaram meses antes. Em
outubro, Alice Tibiriçá enviou circulares às organizações estaduais apelando para que
fizessem “uma grande campanha em favor de uma expressiva delegação brasileira a tão
importante conclave mundial”. 46 Iniciou-se uma campanha financeira para conseguir
recursos para enviar uma delegação ao congresso.47 A delegada escolhida foi a advogada
Nice Figueiredo. Lembremos que ela era colunista de Momento Feminino, responsável
pela coluna Direitos da Mulher, onde publicou textos com apelo feminista. A delegação
brasileira contou ainda com as presenças de Arcelina Mochel, representando o Momento
Feminino e da poeta Nair Batista, em nome do Comitê Democrático Internacional de
Mulheres (CDIM).48
Fatores ambientais e políticos impediram que algumas delegações, inclusive a do
Brasil, chegassem ao evento em tempo hábil. Na França, o Bureau Militar Americano
negou o visto às delegadas de alguns países, inclusive às dezessete mulheres francesas,
impedindo-as de viajar de trem. Tentaram embarcar por via aérea, mas a natureza não
ajudou. O excesso de neblina atrapalhou o embarque. “Assim, 10 dias foram perdidos,
em verdadeira peregrinação ao aeroporto, diariamente das 6 da manhã às 13 horas”.49

44
MACEDO, 2001, p. 146.
45
REGRESSARAM ao Brasil as mensageiras da Paz. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 54, p.
2-3, 07 jan., 1949.
46
A IMPORTÂNCIA do IIº Congresso Internacional de Mulheres em Budapest. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 2, n. 51, p. 7, 22 out., 1948.
47
Ibid.
48
REGRESSARAM ao Brasil as mensageiras da Paz. op. cit.
49
Ibid.
98

Nice Figueiredo e Arcelina Mochel só conseguiram chegar em Budapeste um dia


depois do final do evento. Mas um novo programa foi preparado para receber as delegadas
atrasadas e deixá-las a par dos debates. 50 Ao retornar ao Brasil, elas concederam
entrevistas ao Momento Feminino, que estampou fotos do evento e narrou as impressões
das delegadas sobre a viagem e a conferência.

Imagem 2: Brasileiras na II Conferência Internacional de Mulheres em Budapeste


In.: Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 54, p. 2-3, 07 jan., 1949.

A imagem nos aproxima um pouco do perfil das delegadas. A esmagadora


maioria aparenta ser branca, considerando o contexto nacional. Mas no exterior eram
brasileiras. Dada a estrutura histórica da colonialidade do poder e do saber51, é possível
que no Congresso elas fossem vistas como pessoas que estavam ali para aprender a fazer

50
REGRESSARAM ao Brasil as mensageiras da Paz, 1949, p. 2-3.
51
Cf.: QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER,
Edgardo (Org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas.
Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina: CLACSO, 2005. Colección Sur. p. 227-278.
99

política e fornecer dados sobre a situação dos seus países. Nas narrativas sobre o evento,
as próprias brasileiras parecem compartilhar deste lugar. Nas palavras de Nice
Figueiredo: “Para isso é que fomos ao II Congresso Internacional de Mulheres.
Adquirirmos experiência com as mulheres mais afortunadas que nós”.52Ao retornarem,
as delegadas brasileiras afirmaram em entrevista ao jornal Momento Feminino que “o II
Congresso foi um verdadeiro brado de alerta contra a guerra, contra aqueles que esmagam
os povos”.53 O conclave havia reafirmado que a “força feminina organizada [é] capaz de
salvar o mundo de uma hecatombe”.54
Na conjuntura, o medo de mais um massacre que uma nova guerra traria povoava
corações e mentes. Havia a sensação de que a qualquer momento poderia estourar uma
terceira guerra mundial que devastaria o planeta com a energia atômica, tragicamente
experimentada em Hiroshima e Nagasaki, devastadas por bombas atômicas lançadas
pelos EUA no final da Segunda Guerra.55 A chamada Guerra Fria, que dividia o mundo
em dois blocos antagônicos, começou a ser delineada logo após a Segunda Guerra
Mundial, mas foi a partir de 1947 que o antagonismo se tornou mais explícito, alterando
significativamente as bases das relações internacionais.
Assim como o bloco capitalista, comandado pelos Estados Unidos, o lado
comunista, dirigido pela União Soviética, também produzia armas nucleares. O equilíbrio
de forças e os lucros advindos da corrida armamentista, de certo modo, impediram a
explosão de um confronto direto entre os dois blocos, mas não evitaram guerras quentes
em diversas regiões com conflitos internos, marcadas por mortes e derramamento de
sangue, a exemplo de países africanos e asiáticos nas guerras de independência
intensificadas nos anos 1960.56
Segundo Jayme Ribeiro, o início da Guerra da Coreia, conflito entre a Coreia do
Norte (capitalista) e a Coreia do Sul (comunista), em 25 de junho de 1950, foi o primeiro
marco para os contemporâneos de que a explosão de uma nova guerra estaria bastante
próxima. A URSS orientou os partidos comunistas a formarem uma ampla frente

52
FIGUEIREDO, Nice. As mulheres defendem os seus direitos civis. Momento Feminino, Rio de Janeiro,
ano 2, n. 53, p. 5, 10 dez., 1948.
53
REGRESSARAM ao Brasil as mensageiras da Paz, 1949, p. 2-3.
54
Ibid.
55
Não há consenso sobre o evento que marca o início da Guerra Fria. Para Erick Hobsbawm, o lançamento
das bombas atômicas nas cidades japonesas seria o marco zero. HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos:
o breve século XX: 1914-1991. 2° ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995. p. 223.
56
Cf. KIERNAN, V. G. Estados Unidos: o novo imperialismo. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 307-325.
100

antiamericana. 57 Do outro lado, conforme Rodrigo Motta, os EUA produziam a


intensificação do anticomunismo. Com o seu poder e riqueza, dava suporte ideológico,
político e material para os grupos empenhados em enfrentar o “inimigo” comunista.58 O
objetivo de ambos era neutralizar a potência adversária, obter controle na corrida
armamentista e expandir suas fronteiras de dominação econômica nas relações
internacionais. Nesse universo polarizado, a URSS deu início a um movimento pacifista
que envolveria os partidos comunistas de vários países.
Desde meados da década 1940, as experiências das duas guerras mundiais
contribuíram para o fortalecimento de discursos pró paz em diversos setores sociais e
grupos políticos. O Movimento pela Paz comunista, mais especificamente, de acordo com
Ribeiro, foi lançado oficialmente em dois eventos; o primeiro – o Congresso Mundial dos
Intelectuais pela Paz, ocorreu em agosto de 1948, na Polônia; o outro – o Congresso
Mundial dos Partidários da Paz, aconteceu na França em novembro daquele mesmo ano.
Mas foi o Congresso Mundial dos Partidários da Paz, realizado de 20 a 25 de abril de
1949, em Paris e em Praga, o grande responsável pela propagação do movimento em todo
o mundo.59 Nesse congresso, como aconteceu com as mulheres em dezembro de 1948, o
governo francês impediu a entrada das delegações soviéticas e dos países socialistas.
O Movimento pela Paz tinha por objetivo realizar campanhas internacionais para
neutralizar a força política norte-americana. Pressionada pelo capitalismo, a URSS sentia-
se seriamente ameaçada pela política externa norte-americana, especialmente após a
fundação, em 1949, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), órgão de
ajuda militar mútua entre os países membros. Para os líderes soviéticos, a OTAN era o
principal instrumento de uma política agressiva orientada pelos governos dos EUA e da
Inglaterra.60
Para enfrentar a expansão do capitalismo pelo mundo, entre 1950 e 1956 o
movimento pacifista orientado pela URSS lançou diversas campanhas: contra as armas
atômicas (Apelo de Estocolmo); contra a Guerra da Coreia; contra a guerra atômica
(Apelo de Viena), contra a OTAN, pelo desarmamento geral, por um pacto de paz entre
as cinco grandes potências mundiais – EUA, URSS, China, Inglaterra e França (Apelo de
Berlim). A Campanha pela Interdição das Armas Atômicas foi a que ganhou maior

57
RIBEIRO, Jayme Fernandes. Combatentes da paz: os comunistas e as campanhas pacifistas dos anos
1950. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011. p. 66.
58
MOTTA, 2002, p. XXI.
59
RIBEIRO, op. cit., p. 21.
60
Ibid.
101

destaque. No Brasil, o PCB se engajou em todas elas, estabelecendo tarefas à militância,


que deveria colher quatro milhões de assinaturas em favor do Apelo de Estocolmo, cinco
milhões para o Apelo de Berlim e dez milhões para o Apelo de Viena. Além dos três
apelos, o partido movimentou outras campanhas nacionais, a exemplo dos movimentos
Contra a Carestia, contra o Envio de Tropas Brasileiras para a Coreia, Movimento pela
Ajuda aos Jornais do Povo e Contra o Acordo Militar Brasil-EUA.61
O governo brasileiro, alinhado com a diplomacia norte-americana, perseguiu o
movimento pacifista e todas as campanhas a ele relacionadas. Embora não tenham sido
oficialmente declaradas ilegais, foram rotuladas de “subversivas” e “perturbadoras da
ordem”, por isso, duramente reprimidas. Para o governo, não era a defesa da paz que
estava em jogo, mas a legitimação dos interesses da URSS.62 O Instituto Feminino de
Serviço Construtivo e as organizações associadas não seriam poupadas já que eram
combustíveis para o movimento pacifista orientado pelo PCB.
A atuação das mulheres foi vital para o partido e para movimentar as suas
campanhas, especialmente em momentos em que a estrutura partidária encontrava-se
fragilizada.63 Moisés Vinhas lembrou que, no contexto, especialmente após a década de
1950, provavelmente, o que impediu os comunistas de desaparecerem como força política
efetiva foi a “sua participação em campanhas pela paz, contra a bomba atômica, na qual
conse[guiram] reunir milhares de assinaturas; e principalmente a atividade desenvolvida
em defesa do monopólio estatal do petróleo e da construção da Petrobrás”.64 Se a premissa
é verdadeira, as diversas organizações políticas de mulheres tiveram um papel crucial
para a sobrevivência do partido, já que atuaram expressivamente em todas as campanhas
mencionadas por Vinhas. No entanto, o autor sequer citou a existência delas.

61
RIBEIRO, 2011, p. 22-23.
62
Ibid., p. 134-139.
63
Há alguns trabalhos que analisam – direta ou indiretamente – a participação do movimento de mulheres
nas campanhas do PCB, demonstrando como contribuíram para a circulação das ideias do partido e para o
desenvolvimento dos seus projetos políticos, especialmente nos contextos em que o partido se encontrava
mais fragilizado. Cf. MACEDO, 2001; LEÃO, 2003; TAVARES, Btzaida Mata Machado. Mulheres
Comunistas: Representações e práticas femininas no PCB (1945-1979). 2003. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2003; MORENTE, Marcela Cristina de Oliveira. Invadindo o mundo público: movimento de
mulheres (1945-1964). São Paulo: Humanitas/FAPESP, 2017; LOBO, Daniella Ataíde. Militância feminina
no PCB: memória, história e historiografia. Dissertação (Mestrado em Memória: Linguagem e Sociedade)
– Departamento de Estudos Linguísticos e Literários, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória
da Conquista, 2017.
64
VINHAS, Moisés. O Partidão: a luta por um partido de massas 1922-1974. São Paulo: Hucitec, 1982. p.
96.
102

Possivelmente, para ele essa atuação não foi “politicamente significativa”,65 embora elas
tenham contribuído com 700 mil assinaturas na campanha contra o emprego da bomba
atômica e 800 mil em favor de um Pacto de Paz entre as grandes potências, segundo
balanço feito por Iracema Ribeiro, que ainda destacou:

Na luta contra o envio de tropas brasileiras à Coreia, as mulheres


sobressaíram em todos os setores da população. Graças ao seu grande
esforço ao lado das massas populares, os governos de Dutra e de Vargas
não puderam perpetrar o crime de enviar soldados brasileiros contra o
heroico povo coreano.66

Inspirado nas memórias de ex-militantes homens, entre eles Vinhas, e na imprensa


do partido – exceto Momento Feminino – o historiador Jaime Ribeiro considerou que a
presença das mulheres em todos esses movimentos, além das “associações femininas” e
palestras, comícios e campanhas que elas realizavam foi “incentivava” pelo PCB. A
narrativa parece sugerir que antes pairava certa ausência das mulheres, que só viriam a se
integrar em consequência da mobilização do partido. Segundo o historiador, o “incentivo”
era estratégico, movido pela ideia de que os supostos “instinto materno” e a imaginada
“sensibilidade feminina” ajudariam na adesão massiva das mulheres que, vistas como
naturalmente dóceis e pacifistas, não desejariam ver seus maridos e filhos envolvidos em
uma nova guerra.67
Ao se apoiar em fontes produzidas majoritariamente por homens, Ribeiro
enxergou o movimento pelas frechas deixadas por eles. Olhando somente através delas,
a visão sobre o amplo e complexo movimento de mulheres fica encoberta ou um tanto
turva. Entendo que o incentivo do partido tem menos a ver com a ausência de organização
política das mulheres do que com a tentativa de atrair para a estrutura partidária aquelas
que já vinham atuando politicamente em organizações coletivas próprias desde, pelo
menos, o início do século XX.
Como vimos, na década de 1940 a organização e reorganização de instituições
“femininas” e feministas na disputa política-pública não era uma novidade, nem era mero
resultado de incentivos de partidos políticos dirigidos por homens. Embora não
desconsidere a dimensão da influência do PCB no movimento, acredito que não menos

65
Na introdução do seu livro de memórias Vinhas destacou que seu objetivo era contribuir com o “resgate
da história do Partido Comunista Brasileiro” em seus “primeiros cinquenta e dois anos de existências”. Para
tanto, optou por um texto sintético, “onde ficassem destacados os fatos e posições que julgo politicamente
mais significativas”. Ao silenciar sobre a participação das mulheres, e mais particularmente de sua
federação nacional, o autor não as via como importantes para a política. Ibid., p. 1.
66
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
67
RIBIERO, 2011, p. 88-89.
103

importante – talvez até mais fundamental – foi o movimento construído por elas próprias,
a partir das conexões possíveis e das escolhas que julgavam mais adequadas às suas
inclinações político-ideológicas, à forma como liam o mundo, o lugar periférico que
ocupavam nas relações de poder e às suas expectativas de liberdade.

2.2. O processo de construção de uma frente única de mulheres

A partir de 1945 uma rede política de mulheres retomou a expressividade na cena


pública. O movimento tinha vários objetivos, entre os quais, a melhoria de vida das
camadas populares e das mulheres. O jornal Momento Feminino e organizações nacionais
orientadas pelo ideário comunista foram os principais espaços de mediação desse
movimento. O Instituto Feminino de Serviço Construtivo, fundado em 1946, foi, no pós-
guerra, a primeira iniciativa do grupo a integrar em uma organização nacional as várias
associações, uniões e ligas fundadas em vários bairros das capitais do país e nos
municípios do interior. A entidade conseguiu cumprir suas duas finalidades básicas:
articular o movimento de mulheres e se transformar em uma federação nacional. Tornou-
se um espaço de aproximação e troca entre organizações “femininas” e/ou feministas.
Conseguiu realizar trabalhos unificados e de caráter mais amplo “gerando e gestando o
68
embrião da Federação de Mulheres do Brasil” , bem como se articular
internacionalmente quando aderiu à Federação Democrática Internacional de Mulheres.
Mas o IFSC não estava sozinho na disputa política pela organização nacional do
movimento. A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino também pretendia liderar a
articulação. Com o final da Segunda Guerra, ela tentava recuperar o prestígio das décadas
anteriores, fragilizado durante os anos do Estado Novo (1937-1945). Em 1945, uma das
associadas declarou que naquele contexto emergia “um clarão de esperança que
ilumina[va] os horizontes”, deixando-as “antever uma época de grandes realizações”.69
Com a sensação de que a democracia dava o ar da graça, a FBPF se movimentou para
reativar as filiais espalhadas pelo Brasil. Através do envio de cartas, convocava as antigas
associadas a retomarem suas atividades e estimularem novas filiações.70

68
MACEDO, 2001, p. 145.
69
Carta da Associação Cívica Feminina (assinada por sua presidenta, Felita Presgare Amaral) para Bertha
Lutz. 11 abr., 1945. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino, código de referência: BR AN, RIO Q0. ADM, COR A945.4, p. 7-8.
70
As cartas podem ser consultadas em: Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, código de referência: BR AN, RIO Q0. ADM, COR A945.
104

No mesmo ano, realizou, de 05 a 11 de fevereiro, em Salvador, o Congresso das


Associações Femininas Brasileiras. O evento reuniu diversas organizações, entre elas:
União Universitária Feminina (UUF), Casa do Estudante (CE) – Departamento Feminino,
União Nacional dos Estudantes (UNE) – Seção Feminina, Escola Ana Nery (EAN),
Escola de Enfermeiras Carlos Chagas (EECC), Ação Social Feminina (ASF), Charitas
Social Pró-Matre (CSPM), Juventude Feminina da Ação Católica (JFAC), Associação
das Senhoras Brasileiras (ASB), entre outras.71 No ano seguinte, convocou suas filiais e
outras organizações de mulheres para a 5ª Convenção Nacional Feminina, que aconteceu
no Rio de Janeiro de 10 a 16 de julho.72 Alice Tibiriçá, que meses depois fundaria e se
tornaria presidenta do Instituto Feminino de Serviço Construtivo, participou do evento
compondo, junto com Nuta Bartlet James – que também estava ligada ao IFSC –, a
comissão intitulada “Economia como base de equilíbrio social”. 73 No mesmo ano, a
federação tentou editar um ambicioso livro sobre a história do feminismo no Brasil do
século XVIII até aquele momento.74
Obviamente, na narrativa a FBPF apareceria como protagonista do movimento. A
intenção era registrar a história do feminismo nacional e, provavelmente, disputar a
memória política brasileira. De acordo com o esboço do projeto, o livro seria composto
por cinco partes. A primeira, dividida em três capítulos, trataria da organização do
movimento de mulheres, desde as precursoras até a fundação da FBPF, sua estrutura e
atividades iniciais. A segunda, com sete capítulos, se concentraria nas ações da federação
em vários campos: político, jurídico, educacionais e trabalhista. Os quatro capítulos da
terceira parte discutiriam as consequências da pressão feminista, demonstrando a
participação das mulheres na vida pública. A parte seguinte, também com quatro
capítulos, trataria dos eventos promovidos pela instituição no terreno nacional, bem como

71
AS MULHERES brasileiras querem um lugar na mesa da paz. Diário da Bahia, Salvador, p. 2, 12 fev.
1945.
72
Livro de Atas, vol. 5, p. 50-52. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência BR AN, RIO Q0. ADM, EOR.SEC, TXT.2, v.5
73
Ibid.; Conclusões da 5° Convenção Nacional Feminina convocada pela Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino em louvor a Princesa Isabel, no seu centenário. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro,
Fundo da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência: BR AN,
RIO Q0. ADM, EVE. COV. 16.
74
O projeto de livro encontra-se no acervo da federação, mas não está datado. Conseguimos descobrir a
data mediante o cruzamento de fontes. A ata de uma reunião da FBPF realizada em 08 de agosto de 1946,
traz a informação de que Maria Sabina, então presidenta da federação, expôs o projeto do livro, que foi bem
acolhido pelo grupo. A intenção era publicá-lo no vigésimo quinto aniversário da federação, que seria
comemorado em agosto de 1947. Livro de Atas, vol. 5, p. 50-52. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo
da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência BR AN, RIO Q0.
ADM, EOR.SEC, TXT.2, v. 5.
105

sua relação com a Comissão Interamericana de Mulheres (CIM). A quinta e última parte
concentraria seus oito capítulos no movimento feminista internacional nos cinco
continentes e, obviamente, o engajamento da FBPF em boa parte dele. A escrita chegou
a ser iniciada, mas não encontrei notícia sobre sua publicação.75
Em 1947, a federação continuou tentando trazer para suas bases a maior parte das
organizações de mulheres em atividade. Quando da comemoração dos seus vinte e cinco
anos, endereçou convite para a vereadora comunista Arcelina Mochel, que compareceu
ao jantar festivo e “agradeceu à federação pela posição que hoje as mulheres conseguiram
galgar”. 76 O jornal Momento Feminino também prestou homenagem ao jubileu,
publicando uma longa matéria sobre a história da FBPF, com ênfase na atuação de Bertha
Lutz, fundadora e líder máxima da entidade. O texto não poupou elogios. Ciente do
antifeminismo, destacou a importância tanto de Bertha quanto da federação que não
esmoreciam, apesar de serem frequentemente “incompreendidas e certamente
ridicularizadas”.77
As comemorações – que junto ao livro representam uma iniciativa de instituir o
lugar da federação na história política, mais especificamente do feminismo – contaram
ainda com a realização de uma assembleia geral, realizada no dia 12 de agosto, “à qual
compareceram representantes de várias entidades femininas cariocas”. 78 Durante a
assembleia debateram “os problemas mais sentidos pela mulher brasileira” e criaram
“uma comissão encarregada de buscar aproximação com todas as associações femininas
do país”.79 No mesmo ano, a FBPF decidiu realizar uma mesa-redonda no Rio de Janeiro,
programada para os dias 26 a 28 de novembro. A mesa pretendia discutir as reivindicações
das mulheres. Para tanto, dividiu o debate em três pontos centrais: 1) O problema da
mulher em face da justiça; 2) Emancipação da mulher e 3) Participação mais ativa da
mulher na vida política. 80 Para Bertha Lutz, os três pontos eram essenciais pois as

75
Anteprojeto de plano para organização de livro sobre História do Movimento Feminino no Brasil.
Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, Rio de Janeiro.
Código de Referência: BR AN, RIO Q0.ADM, EOR.ELV.1. fl. 1-75.
76
Livro de Atas, vol. 5, p. 76-78. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência BR AN, RIO Q0. ADM, EOR.SEC, TXT.2, v.
5.
77
A ênfase na expressão “incompreendidas e ridicularizadas” demonstra que as mulheres estavam atentas
aos ataques antifeministas mencionados na primeira seção deste capítulo. JUBILEU da Federação
Brasileira pelo Progresso Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 10, 08 ago., 1947.
78
ATIVIDADES Femininas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 7, 15 ago., 1947.
79
Ibid.
80
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
106

mulheres, em que pese as conquistas, continuavam sendo inferiorizadas em relação aos


homens no campo jurídico, social e político.
No que diz respeito à justiça, Lutz enfatizou o problema do Código Civil de 1916,
que estabelecia o pátrio-poder apenas para o marido. “Num caso de desquite, se a mulher
se casar outra vez, perde o pátrio-poder em relação aos filhos. Ao passo que, em se
tratando dos homens, isso não acontece”. No campo social, observou que as mulheres
precisavam se emancipar. “Precisamos mudar os velhos moldes de só permitir o
desenvolvimento do homem. A mulher precisa de melhores condições para se
desenvolver. É preciso que seja um elemento ativo, completo e capaz de cuidar da sua
subsistência e dos seus”.81 No mundo da política, Bertha Lutz sublinhou a necessidade de
ampliar a participação das mulheres na vida pública e política dos povos.

Na verdade, no Brasil, as mulheres têm direito de voto. Mas o que


adianta? Não existe uma Liga Feminina. As mulheres não estão
organizadas, votam sentimentalmente neste ou naquele candidato, sem
tomar em consideração os programas e as ideias. A mulher precisa
participar mais ativamente na vida política. Em todos os países do
mundo temos poucas mulheres em cargos públicos, de
responsabilidade. E quando chegam ao posto de Ministros, ou cargos
de governo, são vivamente criticadas pelos homens. Até mesmo no que
se refere ao salário e direitos, a mulher brasileira ainda está longe de se
equiparar ao homem.82

Bertha Lutz enfatizou a importância da presença de uma grande quantidade de


mulheres na mesa-redonda. “Queremos a participação de todas. Só a elite das mulheres
intelectuais não adiante. As mulheres do povo devem participar também. Devemos descer
aos bairros e aos locais do trabalho”83 . A expectativa da federação era voltar a ser a
principal articuladora do feminismo nacional. Em reunião ocorrida no dia 25 de
novembro, ao defender a importância da realização da mesa, Beatriz Cavalcanti afirmou
que “era aspiração geral a sua efetivação e tendo sido a respeito publicadas diversas
entrevistas femininas, entre as quais a da senhora Silvia de Barros, que afirmou que a
Federação deveria liderar esse movimento”. 84 Na mesma reunião, Lutz defendeu que

81
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
82
Ibid.
83
Ibid.
84
Livro de Atas, vol. 5, p. 89-92. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência BR AN, RIO Q0.ADM, EOR.SEC, TXT.2, V.5.
107

deveriam ser convidadas todas “as associações com diretoria e corpo social feminino”,
pois “a Federação era acima de tudo feminista”.85
A ressalva foi feita em função de discordâncias internas, provavelmente, em
decorrência do convite direcionado às comunistas. A vice-presidenta, Leontina Licínio
Cardoso, protestou, ressaltando que o Comitê Interamericano de Mulheres, instituição
com sede nos Estados Unidos com a qual a FBPF dialogava – portanto o lado capitalista
da Guerra Fria – não se faria representar, assim como a Federação das Bandeirantes do
Brasil (FBB), organização que sempre se manteve próxima da federação de Bertha.
Apesar dos embates, Lutz – com o apoio de algumas companheiras – decidiu pela
manutenção do evento, gerando profunda insatisfação de outras, que se demitiram do
cargo.86
Repórteres de Momento Feminino, que tinham marcado uma entrevista com
Bertha Lutz, chegaram no final da reunião, quando parte da diretoria já não estava mais
presente. É possível que não tenham assistido ao debate mais tenso; se o fizeram
preferiram não relatar na reportagem. Segundo elas próprias, foram amavelmente
recebidas por Lutz que, ao falar do Momento Feminino, destacou que a federação deveria
colaborar com o jornal. “Afinal, é um jornal de mulheres e uma iniciativa como essa não
pode morrer”. 87 No que diz respeito à mesa-redonda, Bertha enfatizou que seriam
convidadas “delegadas de todas as organizações femininas cuja diretoria e corpo social”
fossem “formadas exclusivamente por mulheres”. 88 Ainda de acordo com Lutz, a
intenção era “conhecer a opinião de todas as mulheres” antes da realização da convenção
da Federação, projetada para 1948.
O jornal Momento Feminino foi convidado para participar da mesa-redonda e
enviou como representantes Léa de Sá Carvalho, Nice Figueiredo e Ana Montenegro.89
Bertha e parte das companheiras da FBPF decidiram colocar o movimento feminista
acima das divergências político-ideológicas, mesmo com os protestos da outra parte das
associadas. As mulheres reunidas em torno do IFSC e do Momento Feminino, naquele
momento, concordaram com a parceria, mas disputavam a hegemonia de um movimento
que, segundo as percepções de Nuta Bartlet James – filiada à União Democrática

85
Livro de Atas, vol. 5, p. 89-92. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência BR AN, RIO Q0.ADM, EOR.SEC, TXT.2, V.5.
86
Ibid.
87
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
88
Ibid.
89
ATIVIDADES Femininas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 18, p. 8-9, 21 nov., 1947.
108

Nacional (UDN) e engajada no movimento dirigido pelo IFSC90 – “a representação do


trabalho das mulheres no Brasil” era heterogênea, não existia ainda “uma representação
forte em que domine uma ideia”.91 Nuta destacou que aquela era uma opinião pessoal, de
uma “mulher brasileira essencialmente democrata e que deseja que a mulher de nossa
terra compreenda a sua grande missão na evolução dos tempos”.92
A interpretação da udenista, que anos antes havia integrado a FBPF, reflete os
sentimentos de alguém que estava vivendo a disputa pela hegemonia do movimento de
mulheres. No processo, como está evidente, tanto a federação de Bertha Lutz, quanto o
instituto de Alice Tibiriçá disputavam a liderança do movimento feminista nacional. As
duas organizações programavam para 1948 um evento nacional que coroaria a unificação
das mulheres. A FBPF preparava uma grande convenção, enquanto o IFSC providenciava
um congresso. Enquanto os respectivos eventos eram construídos, as duas instituições
organizaram atividades no Rio de Janeiro convidando uma a outra. Bertha Lutz palestrou
em eventos promovidos pelas organizações ligadas ao IFSC; Alice Tibiriçá e outras
mulheres ligadas ao instituto marcaram presença em atividades da federação.93 Em São
Paulo, de acordo com Marcela Morente, houve um diálogo entre a Sociedade Cívica
Feminina de Santos (SCFS) – antiga Associação Cívica Feminina de Santos (ACFS),
fundada em 1933 – e a Federação de Mulheres do Estado de São Paulo (FMESP), fundada

90
Nuta Barlet James (1885-1976) é uma figura controversa do movimento feminista. Foi caraterizada pelo
Dicionário Mulheres do Brasil como uma udenista “radical” e “nacionalista”. O verbete não explica as
razões de sua radicalidade. Nuta ajudou a fundar a UDN e, ainda segundo o dicionário, foi lembrada entre
as militantes do movimento de mulheres das décadas de 1940-50 como “uma figura contraditória: embora
de postura liberal-conservadora, era defensora dos direitos da mulher”. Mesmo sendo da UDN, em 1945,
quando concorreu ao cargo de deputada na Câmara Federal (RJ) a Igreja Católica desencadeou uma
campanha contra ela, acusando-a de comunista, ainda que sua candidatura fosse pela UDN. Em 1950 voltou
a concorrer ao cargo pelo mesmo partido, conseguindo apenas a suplência. Durante os anos 50 participou
da campanha “O Petróleo é Nosso” – associada ao PCB – e foi atuante no movimento de mulheres
protagonizado por comunistas, “levantando fundos e arregimentando simpatizantes no seio dos partidos
conservadores para apoiar as iniciativas do movimento feminista ao longo dos anos 1940-50”. Cf.
SCHUMAHER; BRAZIL, 2000, p. 452-453.
91
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
92
Ibid.
93
A título de exemplo, Bertha Lutz palestrou em um evento promovido pela União Feminina do Flamengo
Catete e Glória, vinculada ao IFSC, e Alice Tibiriçá participou de algumas reuniões da diretoria da FBPF.
Cf. PALESTRA da dra. Berta Lutz na União Feminina do Flamengo. Momento Feminino, Rio de Janeiro,
07 nov., 1947, p. 11; Livro de Atas, vol. 5. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR NA, RIO Q0.ADM, EOR.SEC, TXT.2, V.5.
109

em abril de 1948.94 A primeira atuava em parceria com a FBPF95; a segunda ligada ao


IFSC e, posteriormente, a Federação de Mulheres do Brasil (FMB).
Voltando à mesa-redonda programada para acontecer no Rio de Janeiro no final
de novembro de 1947, o Instituto Feminino de Serviço Construtivo marcou presença,
ainda que parte de suas associadas fossem críticas às pautas. Para Nuta James, os temas
relacionados à defesa dos direitos das mulheres eram desnecessários. Segundo ela, a
Constituição de 1946 já havia satisfeito as aspirações das mulheres. “Quanto ao problema
da emancipação da mulher, acho que esta deve se desenvolver naturalmente dentro do
relativo”. Nuta não estava de acordo com as reivindicações pelas mudanças do Código
Civil no sentido de garantir a igualdade jurídica entre homens e mulheres. Contrariando
grande parte de suas companheiras, destacou que as mulheres não deveriam “querer
direitos iguais em toda linha, uma vez que isso não é possível nem no terreno social, nem
no terreno biológico”. Sobre a participação das mulheres na política pública do país, a
udenista acreditava que elas já participavam de forma significativa, mas que era
necessário a ampliação e fortalecimento da presença. Para tanto, defendeu a união das
mulheres “acima de todos os partidos”. O movimento não deveria incorporar “questões
partidárias” que só serviam “para destruir e afastar os elementos femininos uns dos
outros”.96
Alice Tibiriçá concordava que o temário era vago, mas numa perspectiva
completamente diferente. Para Alice, as lacunas eram positivas e estratégicas, “para que
todos os assuntos possam ser abordados dentro dele trazendo, naturalmente, um colorido
mais vivo às teses que ali serão apresentadas”,97 garantindo, portanto, um debate amplo.
A presidente do IFSC, que nas décadas de 1920-30 fez parte da FBPF, cobriu de elogios
a iniciativa da entidade. Segundo ela, a mesa-redonda merecia total apoio e respeito de
todas as mulheres cariocas, que tinham “uma dívida de gratidão” à Federação “que
conseguiu para a mulher brasileira o direito de voto”, colocando as mulheres brasileiras
“à frente de muitas nações que só agora, ou nem mesmo nos dias que correm, deram o
direito de voto à mulher. Como vemos, a Federação deve prosseguir a sua tarefa e a mesa

94
MORENTE, 2017, p. 61.
95
Carta da Associação Cívica Feminina para Bertha Lutz. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, Código de Referência: BR NA, RIO Q0.ADM, COR,
A945.4
96
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
97
Ibid.
110

redonda é uma oportunidade para isso”. 98 Alice também discordou de Nuta sobre a
garantia legal dos direitos civis e políticos das mulheres. Para ela, as leis ainda eram
insuficientes. Defendeu que as mulheres se organizassem em um movimento amplo,
“mais organizado, que partindo do Rio de Janeiro, atinja a todos os outros Estados,
tornando assim a mulher brasileira organizada uma força viva à serviço da nação”.99
O programa do IFSC estava de acordo com a perspectiva de sua presidenta,
defendendo a necessidade da ampliação dos direitos civis e políticos para as mulheres,
bem como a garantia de que na prática fossem respeitados aqueles já conquistados. O
jornal Momento Feminino endossou a ideia de que era preciso levar adiante o movimento
pela emancipação das mulheres. A justificativa mobilizada por Nuta de que as
desigualdades sociais entre homens e mulheres eram reflexo das diferenças biológicas,
também foi alvo de disputas. Falarei disto mais adiante.
Apesar das várias interpretações sobre a emancipação das mulheres e das distintas
orientações político-partidárias, por vezes antagônicas, a mesa-redonda aconteceu como
programada. Segundo reportagem publicada em Momento Feminino, a abertura do evento
contou com grande número de mulheres, ao ponto de Bertha Lutz, “com a sua linguagem
simples e agradável”, declarar que “numa reunião de mulheres... sobram cadeiras. Hoje
estamos vendo que as cadeiras estão faltando. Isso é um bom sinal”.100
Em um evidente esforço de provar que a federação estava disposta a superar as
divergências políticas, compuseram a mesa de abertura, além da anfitriã Bertha, as
vereadoras comunistas do Rio de Janeiro Arcelina Mochel e Odila Schmidt. Segundo a
reportagem, a mesa aconteceu em um ambiente “de franca cordialidade. Tinha-se a
impressão que todas as mulheres se conheciam...”.101 Entre as ouvintes estavam, segundo
Momento Feminino, mulheres de diferentes extratos profissionais, “operárias, estudantes,
funcionárias, intelectuais, advogadas, médicas, donas de casa, todas se irmanavam num
espírito comum”, unidas pela “maior boa vontade e tolerância”.102
Mas o clima de irmandade não freou debates calorosos. Ainda de acordo com o
jornal, a principal discordância se deu quando uma das participantes, Dona Esther,
representante da Associação das Senhoras, destacou que “a mulher é o centro da

98
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
99
Ibid.
100
FEDERAÇÃO Brasileira pelo Progresso Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 19, p.
22, 28 nov. 1947.
101
Ibid.
102
Ibid.
111

gravidade do mundo”. Nice Figueiredo, que não era dada a evitar polêmicas quando sentia
a necessidade de defender seu ponto de vista, prontamente discordou. Para ela, o
movimento não deveria ter por objetivo colocar as mulheres num pedestal, mas garantir
sua independência através da emancipação econômica. “O problema deveria ser colocado
com mais justeza: a mulher precisa de independência econômica para se emancipar”. O
ponto gerou uma discussão acalorada. Segundo a reportagem, “quatro corajosas senhoras
que assistiam ao debate da porta, apartearam...”:

E a questão foi amplamente debatida, num ambiente de franca


solidariedade feminina. Casos foram levantados, questões foram
debatidas. Por fim, chegou-se à conclusão de que era preciso que se
organizasse uma comissão de mulheres que fosse ao Legislativo, a fim
de exigir a reforma do Código Civil, de forma que o mesmo respeite os
dizeres da Constituição de 1946 que assegura os direitos de todos os
cidadãos.103

Esta não foi a única polêmica envolvendo a advogada. No debate sobre as


prioridades do movimento de mulheres, Nice discordou da concepção de que elas
deveriam se concentrar apenas nos problemas materiais enfrentados pelas mulheres
pobres. Parte de suas companheiras entendia que as reivindicações comumente levantadas
por ela, que estavam relacionadas à cultura de inferiorização social das mulheres e à
denúncia da dupla moral sexual, “se afastavam das verdadeiras reivindicações femininas
que são muito mais prementes, como os problemas das mulheres do morro, da água, da
luz, da vida cara etc.”.104 Para Nice, essa leitura era equivocada e limitava o campo de
ação do movimento, o que implicaria em prejuízos futuros. Concordava que era absurda
a situação de miséria ao qual muitas mulheres estavam expostas e que, por isso, deveriam
ser priorizadas.

Que sejam compensadas primeiro as que mais sofrem, não há dúvida.


Que os nossos esforços consigam o maior bem-estar para as mulheres
que mais trabalham e carregam os fardos maiores, também não se
discute. Mas daí afirmar que as campanhas femininas devem ter só este
objetivo está errado.105

Mesmo porque, continuou, as mulheres trabalhadoras mereciam “um futuro


melhor e mais alto que o de morar em morros, lavar roupa com abundância de água e
cozer sob clara e boa luz elétrica”. Ao mesmo tempo, precisavam se livrar das restrições

103
FEDERAÇÃO Brasileira pelo Progresso Feminino, 1947, p. 22.
104
FIGUEIREDO, Nice. Uma lição aprendida com a experiência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
3, n. 62, p. 4, 30 out., 1949.
105
Ibid.
112

legais e da cultura que limitava sua autonomia. Ademais, ao lado das trabalhadoras
economicamente desfavorecidas, havia as mulheres das camadas médias, “que por
causalidade de nascimento não têm os mesmos problemas, que já estão em condições
físicas e sociais mais favoráveis e adiantadas e que, portanto, têm o direito de lutar por
outros direitos que nem elas nem as primeiras possuem ainda”. O erro, segundo sua
perspectiva, “contrariava a lógica e as próprias mulheres, na medida em que as impedia
de aspirar posições mais altas, um lugar equivalente à sua capacidade e aptidão e que
preparem um futuro para os seus filhos”. As mulheres “deveriam trabalhar juntas e todas
as necessidades de cada uma é que constituirão a base do seu programa de reivindicações
e lutas”. O mundo ideal de Nice Figueiredo seria aquele onde todas e todos seriam
“igualmente vistos e [poderiam] juntos correr para o bem estar e o desenvolvimento de
uma sociedade sem falta de água, sem fome, sem miséria, sem mortalidade infantil, sem
males que tanto atormentam as mães e as mulheres de hoje”.106
Provavelmente, a narrativa do jornal, imbuída em transmitir a ideia de que, apesar
das divergências, o clima era de absoluta harmonia, amenizou a tensão do momento.
Dificilmente em uma reunião envolvendo pessoas de campos políticos antagônicos seria
possível debater na mais absoluta harmonia e tolerância. Muito provavelmente, a
cordialidade foi deixada de lado em alguns instantes. Mesmo assim, as feministas
tentaram efetivamente construir um movimento unificado nos dois meses que sucederam
a mesa-redonda. De dezembro de 1947 a janeiro do ano seguinte, Momento Feminino
publicou as resoluções da mesa, enfatizando a importância de dar encaminhamento ao
acordo estabelecido no sentido de construir um movimento de mulheres
suprapartidário.107 No entanto, o projeto foi frustrado pela dinâmica do contexto e pelo
conhecido anticomunismo que, mais uma vez, ganhava força política.
A insistência de Bertha Lutz em levar o debate adiante com a presença das
comunistas e o trabalho desenvolvido nos meses que se seguiram impactou

106
FIGUEIREDO, Nice. Uma lição aprendida com a experiência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
3, n. 62, p. 4, 30 out., 1949.
107
A MESA REDONDA da Federação foi uma grande vitória para a mulher. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 20, p. 2, 05 dez., 1947; RESOLUÇÕES da Mesa Redonda da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 20, p. 8-9, 05 dez., 1947;
MONTENEGRO, Ana. Imprensa Feminina Fator de Educação. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1,
n. 20, p. 9, 05 dez., 1947; EM ATIVIDADE a comissão de resoluções da Mesa Redonda. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 22, p. 2, 19 dez., 1947; CRECHES, necessidade imediata para todas as
mães. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 22, p. 6, 19 dez., 1947; TRECHOS de teses
Apresentadas à Mesa Redonda promovida pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 25, p. 2, 09 jan., 1948; UMA INSTITUIÇÃO de Mulheres. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 28, p. 4, 30 jan. 1948.
113

profundamente o funcionamento da FBPF que tentava se restabelecer. Após o evento,


muitas dirigentes se afastaram, impossibilitado o funcionamento regular da entidade.
Com a diretoria fragmentada, em 1948, a federação não conseguiu realizar a pretendida
convenção e saiu de cena no processo de reconstrução do movimento feminista nacional.
A partir daquele ano até 1950 as reuniões tornaram-se cada vez menos frequentes, ao
ponto de deixarem de ser registradas durante o ano de 1949. Se aconteceram, foi de
maneira informal, sem registro nos livros de ata. No ano seguinte, a diretoria quase
totalmente esfacelada conseguiu se reunir apenas uma única vez. A regularidade só seria
retomada a partir de 1952, agora em declarada oposição às comunistas.
As organizações de São Paulo também foram impactadas. Em janeiro de 1949,
segundo relatou Morente, a Sociedade Cívica Feminina de Santos sofreu um “racha”. A
diretoria expulsou 200 associadas sob a justificativa de que a admissão de muitas sócias
ocorreu sem as devidas formalidades legais. Ademais, desligou todos os núcleos de bairro
e se afastou do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, alegando que tanto os núcleos
quanto o centro estavam “contaminados” com elementos comunistas. As mulheres
excluídas alegaram que o banimento teria sido motivado por um pedido de Assembleia
Geral para que a organização justificasse os critérios de escolha da associada que
representaria a instituição na II Conferência Internacional de Mulheres, realizada em
1948, em Budapeste. Elas exigiram, ainda, a prestação de contas sobre os donativos
recebidos para a viagem, que não se concretizou e, mesmo assim, o dinheiro não foi
devolvido.108
A briga interna, aparentemente motivada por disputas operacionais e financeiras,
era resultado de algo maior: o clima político do contexto. Em uma conjuntura
marcadamente anticomunista e em clima de Guerra Fria, a FBPF e suas filiadas não
conseguiram superar o anticomunismo. Abriram mão da frente única de mulheres porque
entendiam que era mais urgente expurgar o “perigo vermelho”. Provavelmente, algumas
acreditavam no “perigo”; outras, estrategicamente, optaram pelo desligamento para se
distanciarem da mira da polícia. Comunistas, por outro lado, num momento de
polarização política intensificadas pela Guerra Fria e da consequente repressão ao PCB,
também desistiram da articulação com mulheres que julgaram “a serviço do
imperialismo” que agiam “sorrateira ou abertamente contra os interesses da grande
maioria dos povos, presas aos interesses personalistas, ligadas às reduzidas famílias da

108
MORENT, 2017, p. 40-41.
114

alta burguesia, defendendo seu exclusivo conforto”.109 Assim, as mulheres da FBPF que
dois meses antes eram aliadas e exaltadas se converteram em inimigas. Se há pouco tempo
Arcelina Mochel sentava na mesma com Bertha Lutz, agora dizia que ela e suas
companheiras de federação eram “mulheres que vivem o luxo e as riquezas, pouco se
incomodando que o povo viva com fome, que as crianças morram à míngua ou que os
velhos esmolem”:

Por isso se articula, para que a situação lhes permaneça como está,
vendo na nossa luta um perigo para os seus prazeres. Essa é uma
verdade, que infelizmente existe aqui e em todo o mundo. Elas também
se organizam e procuram mascarar sua luta com ares de democracia e
igualdade, mas, no fundo, querem esmagar-nos.110

As diferenças ideológicas tornaram-se irreconciliáveis. Em janeiro de 1948, em


consequência da perseguição política que tornou o partido ilegal e cassou seus
parlamentares, o PCB lançou um manifesto que indicava mudanças radicais em sua linha
política oficial. A partir de então, a orientação era abandonar a linha de União Nacional
adotada em 1945. Sob impacto imediato do manifesto, Arcelina Mochel denunciou o
feminismo “burguês”, provavelmente se referindo à FBPF, com quem esteve sentada num
clima de cordialidade dois meses antes. De acordo com ela, o movimento de mulheres à
serviço do imperialismo buscava “dividir, tentando desviar-nos das nossas mais justas e
humanas aspirações”.111
O tempo parecia acelerado. Em um curtíssimo intervalo as organizações que antes
tentavam superar suas diferenças em nome da luta pela emancipação/libertação das
mulheres, tornaram-se inimigas declaradas. No ano seguinte, a justificativa pública para
a ruptura apresentada pelo movimento organizado em torno do IFSC foi de que a
federação dirigida por Bertha era contrária à presença de homens. Se a FBPF se
empenhava em construir um movimento feminista ocupado exclusivamente por mulheres,
as mulheres do outro lado político enfatizaram que a opção era equivocada. Em 1949,
numa reunião preparatória da 1° Convenção Feminina do Distrito Federal, que aconteceu
de 08 a 10 de março de 1949, Beatriz Cavalcante de Albuquerque fez um balanço da
mesa-redonda de 1947 e destacou:

109
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 28, p. 2, 30 jan.,
1948.
110
Ibid.
111
Ibid.
115

No encerramento da mesa redonda em novembro de 1947 foi aclamado


pela assembleia uma comissão de sete senhoras para continuar o
trabalho de congregação das mulheres para uma futura convenção. É
esse o trabalho que estamos levando avante agora, saldando um
compromisso assumido em 1947. Nessa ocasião realizamos uma mesa-
redonda somente com a participação das associações femininas.
Achamos que essa maneira de agrupar não estava certa e por isso
mesmo resolvemos sanar agora esse erro, pedindo a colaboração de
todos para a Convenção. Toda e qualquer associação que se interesse
pelo problema da mulher, da criança ou da paz está obrigada a tomar
parte em nossa Convenção. Veja, por exemplo, o SOS que não sendo
uma associação feminina caracteristicamente não poderia jamais deixar
de participar em uma Convenção onde os três problemas: da mulher, da
criança e da paz sejam debatidos. A SOS é uma maravilhosa Instituição.
O mesmo se pode dizer da LBA, da ABE e muitas e muitas outras.112

Desta vez, o nome da federação de Bertha Lutz foi excluído do projeto de união.
Certamente, a presença ou não de homens não era a maior divergência nem a mais difícil
de ser superada. A polarização política gerada pela Guerra Fria e o anticomunismo foram
os maiores problemas. Ironicamente, o anticomunismo de parte das associadas da FBPF
pode ter sido responsável pelo enfraquecimento da organização, colaborando para o
fortalecimento do movimento feminista de orientação comunista. Apesar do
anticomunismo que começava a ganhar força em 1946, fator que supostamente
privilegiaria a FBPF, a organização teve suas expectativas frustradas. Não conseguiu
recuperar a força política da década de 1920-30 e praticamente se desintegrou em 1948.
Ao contrário do que aconteceu como o IFSC que, no ano seguinte, fundou a projetada
Federação de Mulheres do Brasil (FMB), tema do próximo capítulo.

112
CONSTRUTORAS da Hora Presente. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 55, p. 3, fev., 1949.
116

CAPÍTULO 3: COMUNISTAS E FEMINISTAS: A FMB E O


MOVIMENTO NACIONAL DE MULHERES

3.1. A FMB e a organização do “movimento feminino”

A Federação de Mulheres do Brasil foi inaugurada na Conferência Nacional


Feminina, que ocorreu no Rio de Janeiro, de 23 a 24 de maio de 1949. Antes, foram
realizadas convenções regionais para a elaboração de relatórios que foram apresentados
no evento, com destaque para os estados do Rio de Janeiro, Bahia e Ceará.1 Ao final dos
debates definiram que os principais problemas das mulheres brasileiras era o alto do custo
de vida, a falta de escolas, a ausência de assistência à saúde, os salários baixíssimos, os
transportes precários, a mortalidade infantil, a falta de regulamentação do emprego
doméstico e a não emancipação econômica.2
Segundo Elza Macedo, o surgimento da federação representou a estruturação
formal de um movimento de mulheres no Brasil vinculado ao pensamento de esquerda,
notadamente do PCB.3 Como demonstrei no capítulo anterior, a conferência de onde saiu
o estatuto da nova federação começou a ser construída em 1946. O objetivo era a
realização de um evento, programado para 1948, que reunisse todas as “organizações
femininas” do país. A Conferência Nacional Feminina só aconteceu em 1949 e, devido à
polarização política do contexto, não contou com a participação da FBPF, que naquele
ano sobrevivia às duras penas.
Mesmo não reunindo efetivamente todas as mulheres engajadas na luta por
emancipação, o encontro conseguiu agregar representantes de vários estados do país,
como Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo. Segundo o editorial de Momento
Feminino, participaram 56 delegadas que representaram “centenas de mulheres do Brasil”
organizadas em associações femininas estaduais e em comissões de bairro e fábricas.
Ainda de acordo com o jornal, o número expressivo de delegadas provava que os

1
CONFERÊNCIA Nacional Feminina. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 59, p. 4. 20 mai.,
1949; NOSSO Congresso. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 60, p. 3, 30 jun. 1949.
2
Ibid.
3
MACEDO, Elza Deli Veloso. Ordem na casa e vamos à luta! Movimento de mulheres: Rio de Janeiro
1945-1964. Lydia da Cunha – uma militante. 2001. Tese (Doutorado em História) – Instituto de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001. p. 166.
117

principais estados já tinham núcleos de apoio para uma “ampla e forte organização
feminina, de caráter nacional”.4
O debate foi dividido em três eixos temáticos: “direitos da mulher”, infância e
juventude, e paz mundial/alto custo de vida. Interligando todos os problemas, as
participantes entenderam que era fundamental a construção de um “movimento feminino”
forte e unificado em torno da Federação de Mulheres do Brasil (FMB). O principal
objetivo da entidade era “organizar a ação de mulheres nas questões relativas aos seus
direitos, à proteção à infância e à paz mundial, mas principalmente mobilizar campanhas
contra a carestia de vida”.5 Esses foram os três grandes eixos que efetivamente orientaram
as ações da FMB durante a sua existência.
Tanto a realização do evento quanto a criação de uma “grande federação nacional
de mulheres” foram orientadas pela Federação Democrática Internacional de Mulheres
(FDIM), que para o grupo representava o “quartel general das mais valentes batalhadoras
do mundo inteiro”.6 Lembremos que logo quando foi fundado, o Instituto Feminino de
Serviço Construtivo se aproximou da organização internacional de orientação comunista.
Coerente com o debate da conferência e com as orientações da FDIM, o estatuto da
Federação de Mulheres do Brasil (FMB) pautou três eixos básicos: 1) a defesa dos direitos
civis, econômicos e políticos das mulheres, 2) da infância e da juventude (dos filhos e
dependentes) e 3) da paz, guarda-chuva que abrigava desde o movimento contra o alto
custo de vida, até a defesa da exploração estatal dos recursos naturais. De acordo com
Elza Macedo, a FMB operacionalizou um conjunto de ações e estratégias diversificadas
para cobrir esse programa. No esforço para atingir o maior número de mulheres, escolheu
como ponto nuclear do movimento uma questão que, de imediato, falava a todas: o alto
custo de vida.7
O jornal Momento Feminino serviu como meio de propaganda, divulgação de
ideias, de articulação e de educação militante. Juliana Torres estudou as representações
visuais do feminino na imprensa comunista, evidenciando que várias ferramentas
didáticas foram utilizadas para orientar e atrair novas militantes, entre elas, histórias em
quadrinhos. Em Momento Feminino, Zezé, personagem das histórias de Quirino

4
CONFERÊNCIA Nacional Feminina. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 59, p. 4. 20 mai.,
1949.
5
NOSSO Congresso. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 60, p. 3, 30 jun. 1949.
6
MOBILIZAM-SE as mulheres do mundo inteiro na luta contra a guerra. O Momento, Salvador, ano 5, n.
969, p. 3, 12 abr. 1949.
7
MACEDO, 2001, p. 195.
118

Campofiorito (1902-1983), cumpriu o objetivo de ensinar as mulheres como se


integrarem aos movimentos defendidos pelo jornal, como assistência as camadas
populares, luta contra a carestia, além de incentivá-las a contribuírem com o jornal.8
Abaixo, uma das publicações:

Imagem 3: Zezé prepara a exposição (contra a carestia)


In.: Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 36, p. 2, 09 abr., 1948.

Na história, vemos o desenho de um Zezé branca reunida com mulheres com


aparência semelhante. Zezé, protagonista cuja incumbência era “preparar o mostruário
para a exposição da Alta dos Preços”, ensina as companheiras como fazê-lo. Nos
quadrinhos, a imagem das mulheres representadas é homogeneamente branca, muito
distante da diversidade que o movimento pretendia atingir. Boa parte das mulheres para
as quais os quadrinhos pretendiam falar tinha uma aparência que não se encaixava nos
traços faciais e cabelos aparentemente lisos que predominam na imagem. Os desenhos
nos induzem a imaginar a cor de pele das personagens: clara; cor que certamente tem
relação com a aparência da maior parte das dirigentes do movimento de mulheres de
orientação comunista. E aqui aparece um problema que à época não foi alvo de atenção,
sequer era uma demanda que aparecia de forma expressiva no debate público: a
importância da representatividade para a construção do sentido de pertencimento.

8
TORRES, Juliana Dela. A representação visual da mulher na imprensa comunista brasileira (1945-1957).
2009. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Estadual de Londrina,
Londrina, 2009. p. 132.
119

Voltando aos meios de articulação política da Federação de Mulheres do Brasil,


durante a década de 1950, a instituição promoveu e participou de eventos nacionais e
internacionais, tanto daqueles organizados pelo partido como dos que faziam parte da
programação do movimento de mulheres. Internacionalmente, enviou representantes para
todas as reuniões do conselho da FDIM e todos os congressos da organização. Quando
retornavam, o jornal Momento Feminino enchia suas páginas com reportagens, relatórios
e análises dos debates promovidos nos eventos. O periódico também publicava as
resoluções e o estatuto da FDIM toda vez que havia alterações.
Nacionalmente, a FMB realizava suas reuniões de conselho; na oportunidade eram
convocadas as dirigentes estaduais para debaterem os problemas organizativos locais e as
escolhas da direção nacional. Ademais, realizava assembleias para construir as estratégias
políticas da entidade, assim como congressos e conferências para definições do estatuto
a partir das orientações da FDIM e das demandas políticas nacionais. Os eventos
nacionais aconteciam conectados à agenda internacional. O conselho de representantes
da FMB geralmente se reunia depois das reuniões do conselho da FDIM, justamente para
debater estratégias para a incorporação, na medida do possível, das orientações da
entidade internacional.
Algumas conferências e assembleias eram realizadas antes, para que as análises
dos problemas nacionais fossem levadas para o debate internacional. Assim, a FMB
realizou, de 29 de junho a 01 de julho de 1955, no Rio de Janeiro, a Assembleia Nacional
de Mães para a elaboração de um relatório que seria apresentado no Congresso Mundial
de Mães, realizado em Paris, de 07 a 11 de julho daquele ano. O mesmo aconteceu com
a Conferência Internacional das Mulheres Trabalhadoras, que mobilizou a FMB. A
organização recomendou “a todas as suas filiadas para colocarem como centro de suas
atividades no primeiro semestre de 1956 a preparação e realização da Conferência”.9
Apesar da conexão com os eventos externos, a federação mantinha uma agenda
própria estabelecida pelo estatuto e mobilizada em sintonia com as necessidades
colocadas pela dinâmica política nacional. Ao longo de sua existência, a FMB conseguiu
manter a regularidade dos eventos nacionais, entre reuniões, congressos e assembleias.
Em 15 de junho de 1950 houve a primeira reunião do Conselho de Representantes. As
outras ocorreram anualmente de 1953 até 1956. Em 1951 aconteceu o Primeiro Congresso
de Mulheres do Brasil, de 23 a 26 de junho, em São Paulo. No ano seguinte, o Rio de

9
A FEDERAÇÃO de Mulheres do Brasil reúne seu Conselho de Representantes. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 9, n. 116, p. 25, 1956.
120

Janeiro sediou a Primeira Assembleia Nacional de Mulheres, de 14 a 18 de novembro de


1952. A segunda foi realizada em Porto Alegre, de 9 da 10 de outubro de 1953. As
agendas regionais seguiam a mesma estratégia organizativa. Antes dos eventos nacionais
se reuniam para elaborarem os relatórios que seriam apresentados, e depois faziam
eventos para pensarem estratégias para colocarem em prática as resoluções tomadas no
plano nacional. Provavelmente tinham uma agenda própria relacionadas às necessidades
de seus respectivos estados e municípios.
A Federação de Mulheres do Brasil articulou o movimento através da imprensa,
especialmente do jornal Momento Feminino; realização de reuniões, palestras, debates,
visitas das diretoras às associações de mulheres em várias partes do país, com uma
concentração maior no Rio de Janeiro e São Paulo; atos de protesto junto aos órgãos
legislativos, Câmaras Municipais; organização e participação em atos públicos, passeatas,
comícios, panfletagem, conselhos, assembleias, conferências e congressos de mulheres,
bem como eventos promovidos pelo PCB e elaboração de estudos, relatórios e
documentos propositivos para a política partidária, principalmente em defesa das
mulheres e da infância/juventude. Segundo balanço feito em 1955 por Iracema Ribeiro,
então suplente do Comitê Central do PCB, a FMB representava um importante avanço
para o “movimento feminino” das mulheres comunistas.

O movimento feminino tem dado passos importantes no caminho de sua


organização e de sua unificação. As mulheres já possuem uma
Federação nacional e Associações estaduais, bem como inúmeras
uniões de municípios e de bairro. Essas organizações vêm aumentando
progressivamente. Surgem associações femininas representando setores
e camadas importantes da população, tais como camponesas,
lavadeiras, mulheres de pescadores, etc. Têm se realizado importantes
Congressos e Conferências em defesa das reivindicações específicas
das mulheres. A I Assembleia Nacional de Mulheres, em 1952, as
Assembleias Regionais em princípio de 1953, a II Assembleia Nacional
em outubro de 1953, além da participação de uma delegação brasileira
no Congresso Mundial de Mulheres e a realização vitoriosa da I
Conferência Latino-Americana de Mulheres foram acontecimentos que
concorreram para fazer avançar a organização e a unidade de ação das
mulheres brasileiras.10

Apesar do avanço, a comunista julgou que o trabalho ainda era muito insuficiente
porque restrito a uma minoria de mulheres. Segundo sua avaliação, a FMB ainda não era
capaz de “mobilizar milhões de mulheres e influir com sua força no desenvolvimento dos

10
RIBEIRO, Iracema. Sobre o trabalho do Partido Comunista do Brasil entre as mulheres. Imprensa
Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.468, p. 2-4 (3° Caderno), 03 abr., 1955.
121

acontecimentos políticos e sociais”. 11 Os problemas seriam decorrentes do “atraso do


trabalho do Partido entre as mulheres”. Endossando as palavras do Secretário Geral do
PCB, Luiz Carlos Prestes,12 enumerou os elementos que para ela representavam o atraso:
1) A subestimação pelo trabalho político entre as mulheres; 2) os métodos empregados,
3) e o “baixo nível político”, resultado da inexperiência das militantes direcionadas ao
trabalho com as “massas femininas”. Sobre o primeiro ponto, observou que o trabalho
entre as mulheres não era desenvolvido pelo conjunto do partido, mas apenas por um
reduzido número de “companheiras”. Havia uma resistência, entre os homens e mulheres,
em “considerar e incluir o trabalho entre as mulheres como uma das principais tarefas do
Partido”.13

A ideia de que o trabalho feminino diz respeito apenas às Seções do


Trabalho Feminino e às companheiras “especializadas” é não só dos
militantes e dirigentes, mas também, embora em menor grau, das
próprias militantes comunistas. O resultado é que os problemas do
trabalho feminino quase não constam nas ordens-do-dia das reuniões
dos organismos, enquanto as tarefas que algumas companheiras
realizam entre as mulheres nem mesmo são levadas em conta pelo
conjunto do Partido. Em muitas companheiras manifesta-se uma
tendência profundamente prejudicial ao trabalho do Partido entre as
mulheres. É a tendência de recusarem, sob os mais diversos pretextos,
realizar o trabalho feminino. Ora afirmam que não têm habilidade para
atuar entre as mulheres, ora declaram que este trabalho é aborrecido e
cansativo. Em consequência, um bom número de companheiras fica à
margem do trabalho feminino, prejudicando enormemente a atividade
do Partido entre as mulheres.14

No que diz respeito aos métodos, Iracema acreditava que eram “impregnados do
mais profundo sectarismo”. Para ela, não se levava em conta “as características e
peculiaridades próprias do trabalho feminino. Transplantamos para o movimento de
massa os métodos de trabalho interno do Partido”. Faltava uma compreensão de que “o

11
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
12
Segundo Prestes, o PCB era negligente em relação ao trabalho desenvolvido entre as mulheres. Para o
Secretário Geral, “a parte feminina da população representa[va] importante reserva que deve ser ganha para
a classe operária”. Por isso, eram injustificados o “desprezo e a subestimação do trabalho entre as
mulheres”. Tomadas como categoria social importante para servir à luta dos trabalhadores, citando Stalin,
o dirigente definiu como tarefa do Partido Comunista, vanguarda do proletariado, “libertar as mulheres,
operárias e camponesas da influência da burguesia, para educar politicamente e organizar as operárias e as
camponesas sob a bandeira do proletariado”. Desse modo, não seriam apenas as organizações de massa e
de base femininas as responsáveis por “esclarecer” as mulheres. Mas todas as organizações do partido
deveriam “incluir entre suas tarefas cotidianas e permanentes o trabalho entre as massas femininas, a fim
de dirigir e orientar a luta das mulheres em defesa dos seus direitos, em defesa da infância e da paz”.
INFORME de Prestes ao IV Congresso. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 7, n. 1365, p. 4-6
(Suplemento dedicado ao IV Congresso do Partido Comunista do Brasil), 28 nov., 1954.
13
RIBEIRO, op. cit.
14
Ibid.
122

trabalho feminino exige o uso de uma linguagem simples, capaz de falar ao sentimento
da mulher, além de formas especiais que tornem mais fácil a organização das massas
femininas”. 15 Falando sobre as “Organizações de Base femininas”, considerou que a
militância não trabalhava em geral como “organizações de massa femininas”. Suas
atividades se limitavam às tarefas partidárias internas.

Se essas Organizações de Base de nosso Partido não procurarem


conhecer em detalhe as questões que afligem as mulheres, mesmo que
sejam pequenas questões da vida cotidiana, não poderão conhecer os
sentimentos e as reivindicações das mulheres nem estabelecer laços
estreitos entre o Partido e as massas femininas. Tampouco serão
capazes de desempenhar sua missão e suas tarefas como organização de
vanguarda. Não completaríamos o quadro se não chamássemos a
atenção para as frequentes manifestações oportunistas no trabalho
feminino. Revelam-se na predileção pelo trabalho mais fácil e de efeito
mais imediato. Entre nós a tendência ao trabalho exclusivamente de
cúpula já se transformou em verdadeira enfermidade. Sobre isto muito
se discute, mas o trabalho do Partido entre as grandes massas femininas
vai ficando relegado a um plano secundário.16

Sobre o último ponto, como mais um reflexo da negligência do partido em relação


ao trabalho político entre as mulheres, enfatizou que as “companheiras” delegadas ao
trabalho feminino, em geral, possuíam “baixo nível político” e “falta de experiência”.
Como consequência, não conseguiam fazer nada além do que “um trabalho de agitação e
propaganda muito geral, quase sempre afastado da realidade que aflige as mulheres. Não
se compreende, por isso, o valor da luta por mais sensíveis reivindicações”.17
O jornal Momento Feminino, principal meio de difusão das ideias da FMB, não
divulgou o informe de Iracema Ribeiro, que não fazia parte da federação. O silêncio pode
indicar discordâncias com as críticas. Talvez por considera-las injustas na medida em que
a federação se esforçava em trabalhar diretamente com as camadas populares, como
informam algumas notícias publicadas no jornal. O próprio periódico trabalhava para usar
uma linguagem apropriada ao seu público, vide os exemplos das histórias em quadrinhos,
dos cursos de alfabetização e das colunas direcionadas a um diálogo mais direto com as
mulheres da classe trabalhadora, como demonstrei no primeiro capítulo. Mas o silêncio
também pode significar uma tática. Tanto a FMB quanto o Momento Feminino se diziam
suprapartidários. Publicar um documento oficial do PCB representaria um carimbo que

15
RIBEIRO, 1955, p. 4-6.
16
Ibid.
17
Ibid.
123

elas talvez preferissem não deixar tão evidente, muito embora publicassem textos
exaltando personalidades comunistas.
Apesar da ligação com o PCB, existia alguma autonomia no movimento de
mulheres de orientação comunista, que se dizia aberto às mulheres de qualquer orientação
política, credo religioso, raça e classe social. Mas seus vínculos com o PCB e, como
decorrência, seu compromisso com a classe trabalhadora são evidentes. A preocupação
de Iracema Ribeiro com as estratégias e táticas da federação é um indício significativo.
Além disso, ao longo dos seus quase dez anos de atuação política expressiva (1949-1957),
a FMB levantou todas as bandeiras do partido, como a luta pela paz mundial e a defesa
da exploração estatal das riquezas naturais, especialmente do petróleo. Em períodos
eleitorais, fazia campanha para os candidatos, especialmente candidatas comunistas. O
partido, por sua vez, respondendo as demandas colocadas pelas mulheres que vinham
atuando em suas fileiras desde a sua fundação 18 , costumava lançar representantes do
“sexo feminino” como candidatas nos processos eleitorais.19
Em Salvador, por exemplo, nas eleições estaduais de 1947, a Chapa Popular,
representante do Programa Mínimo do PCB, lançou seis candidatas: Maria Lopes de
Melo, professora primária; Bernadete Ribeiro, operária da zona fumageira; Carmosina

18
Segundo Btzaida Tavares, há indícios de uma expressiva participação de mulheres no processo que
culminou na formação do partido, fundado em 25 de março de 1922. As experiências das mulheres no
movimento operário nas décadas de 1910-30, tema estudado por Gláucia Fraccaro, demonstra que isso é
muito provável. Ronald H. Chilcote fez referência a uma Liga Comunista Feminina em um organograma
sobre a formação do PCB. Além da atuação na fundação do partido, desde os primeiros anos da existência
do PCB há referências sobre a presença das mulheres. Em suas memórias, João Falcão faz referência a
fundação, em 1928, de um Comitê das Mulheres Trabalhadoras, ligado ao partido. Laura Brandão teria sido
uma das fundadoras. Maria Elena Bernardes endossou a afirmação. Ademais, destacou que Laura participou
de várias atividades, entre as quais, a fundação do jornal A Classe Operária em 1925. Mas depois foi
invisibilizada. “Mais uma vez assistimos à direção do PCB ocultando o trabalho da militância feminina”,
reclamou Bernardes. Cf. TAVARES, Btzaida Mata Machado. Mulheres Comunistas: Representações e
práticas femininas no PCB (1945-1979). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003, p. 61; FRACCARO,
Gláucia. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio de Janeiro: FGV, 2018;
CHILCOTE, Ronald. H. O Partido Comunista Brasileiro. Rio de Janeiro: Graal, 1982. Tabela 2.1, p. 55;
FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conheci (20 anos de clandestinidade) Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1988, p. 45; BERNARDES, Maria Elena. Laura Brandão: a invisibilidade feminina
na política. Campinas: UNICAMP/CMU, 2007. p. 100.
19
Aqui cito apenas exemplos pontuais. Não fiz um estudo sobre a participação das mulheres em processos
eleitorais no Brasil, nem analisei em que medida o PCB incorporou candidatas do sexo feminino em suas
chapas, bem como suas demandas consideradas específicas. Na dissertação de mestrado fiz uma breve
análise das eleições de 1945 e 1947 na Bahia, sobretudo, em Salvador. Ricardo José Szilio fez um balanço
sobre a situação das mulheres nas eleições no Brasil. Cf. ALVES, A política no feminino: Uma História das
Mulheres no Partido Comunista do Brasil – Seção Bahia (1942-1949). Dissertação (Mestrado em História)
– Departamento de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de
Santana, 2015. p. 131-154; SZILIO, Ricardo José. “Vai, Carlos, ser Marighella na vida”: outro olhar sobre
os caminhos de Carlos Marighella na Bahia (1911-1945). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017. p. 182-185.
124

Nogueira, enfermeira; Jacinta Passos, poeta, membro da FMB e colaboradora esporádica


de Momento Feminino; Dagmar Guedes, médica e Ana Montenegro, funcionária pública,
também parte da FMB e colunista de Momento Feminino.20 No mesmo ano, no estado de
São Paulo, entre as candidatas para a câmara de vereadores de Santos, estava a empregada
doméstica Maria Benedita Cruz.21
O evidente vínculo partidário da FMB não impediu que a entidade tivesse certa
autonomia e, de fato, incorporasse mulheres diversas. Nunca foi exclusivamente dirigida
por mulheres do partido. A udenista Nuta Bartlett James, por exemplo, em 1953 integrou
a direção.22 Mas as mulheres pecebistas sempre foram majoritárias. Arcelina Mochel, que
em 1954 foi eleita para compor o Comitê Central do partido23, sempre ocupou cargos na
direção. De 1949 até 1950 a presidência coube a Alice Tibiriçá que, apesar da histórica
aproximação com o partido, não se identificava como comunista. Após sua morte em
1950, Branca Fialho tornou-se presidenta. Ela também não era pecebista, pertencia à
Associação Brasileira de Educação que, segundo Elza Macedo, era tradicionalmente
identificada com a direita política liberal.24 Em 1951, Jacinta Passos foi escolhida para
substituí-la; no ano seguinte, Branca Fialho retornou ao cargo.
As direções mistas foram definidas em um contexto em que o partido havia
deixado para trás a linha política de “União Nacional” e radicalizado no discurso de
rompimento com as parcelas da burguesia nacional antes percebidas como progressistas.
Em janeiro de 1948 foi lançado um manifesto que sinalizava o giro político e em 01 de
agosto de 1950, Luiz Carlos Prestes, Secretário Geral do Partido, definiu a nova
orientação no documento que ficou conhecido como Manifesto de Agosto. O novo
programa rompeu com a defesa da democracia burguesa. A orientação era derrubar o
governo Dutra qualificado como de “traição nacional”. Os grandes capitalistas brasileiros

20
AS MULHERES baianas têm as suas candidatas. O Momento, Salvador, ano 2, n. 283, p. 1, 03 jan. 1947.
21
PROCLAMAÇÃO Feminina. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 14, p. 5, 24 out., 1947; A
PRÓXIMA vitória eleitoral em São Paulo. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 14, p. 16, 24 out.,
1947.
22
REUNIU-SE o Conselho de Representantes. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 6, n. 98, p. 5,
jan./fev., 1953.
23
O Comitê Central (CC) era o carro chefe na hierarquia partidária e se subdividia em seções. A mais alta
era o Comitê Executivo. Em 1954, no IV Congresso do partido, três mulheres foram eleitas para o CC: a
doméstica Lourdes Benaim, de São Paulo; a professora Arcelina Mochel, do Rio de Janeiro e a professora
Zuleika Alambert, de São Paulo. Além delas, foram eleitas quatro suplentes: a tecelã Orondina Silva, de
São Paulo; a doméstica Olga Maranhão, do Rio de Janeiro; a tecelã Maria Salas, de São Paulo e a professora
Iracema Ribeiro, do Rio de Janeiro. No V Congresso, realizado em setembro de 1960, apenas uma mulher
foi eleita, Zuleika Alambert, que desta vez ocupou o Comitê Executivo, a primeira vez que uma mulher
ocupava uma vaga no lugar mais elevado na hierarquia partidária. cf. VINHAS, 1982, p. 135-184.
24
MACEDO, 2001, p. 205.
125

foram considerados inimigos e colocados no mesmo plano dos monopólios imperialistas.


Após a deposição, o partido formaria um exército popular para organizar as forças que
consideravam verdadeiramente democráticas numa Frente de Libertação Nacional. Mas
a aplicação da linha esbarrou em vários obstáculos. O partido partiu para a tentativa de
“tirar greve” a qualquer custo, mas fracassou. A rede de militantes de base se desfez e
muitos intelectuais debandaram.25
Em 01 de setembro, exatamente um mês após a sua publicação, Arcelina Mochel
escreveu em defesa da pertinência do documento, “do querido líder do povo brasileiro,
Luiz Carlos Prestes”.26 Em suas palavras, o texto apresentava “o novo caminho de lutas
a percorrer, a grandiosa estrada de libertação nacional a ser aberta pelo nosso povo”.27
Para a ex-vereadora deposta pelo Estado em 1948, os princípios defendidos no manifesto
contribuíam para a conscientização das mulheres para que se libertassem “das cadeias
que as escravizam, destruindo principalmente os preconceitos que as conserva[vam]
como simples domésticas, alheias ao trabalho social”.28
No entanto, a FMB, organização em que Arcelina era uma das dirigentes, não
seguiu exatamente o “novo caminho” apontado por Prestes. As costuras políticas não
estavam em total sintonia com o programa do partido. A direção mista e as alianças feitas
na década de 1950 com mulheres de partidos adversários do PCB, como a UDN, são
exemplos. A insubmissão ao programa oficial, que não foi exclusivo da federação,
certamente, contribuiu para que o partido não ficasse politicamente isolado.29
A FMB contribuiu para levar as ideias pecebistas para os bairros populares, seja
através de Momento Feminino, seja nas atividades desenvolvidas naqueles espaços. Nos

25
VINHAS, p. 129-130; CHAVES Neto, Elias. Minha vida e as lutas de meu tempo. São Paulo: Alfa-
Omega, 1977. p. 124; GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões à luta
armada. 2° ed. São Paulo: Ática, 1987, p. 21.
26
MOCHEL, Arcelina. A estrada da libertação nacional deve ser aberta por nós. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 3. n. 75, p. 2, 01 set., 1950.
27
Ibid.
28
Ibid.
29
Memorialistas e historiadores apontaram que a militância, na prática, não seguiu a linha política do
manifesto, que passou por algumas pequenas modificações; a primeira em 1952 e a segunda em 1954,
durante o IV Congresso Nacional do Partido, realizado após o suicídio de Getúlio Vargas. Com a morte do
presidente e a reação popular a ela, o partido teve de dar um giro de 180 graus da noite para o dia e
acompanhar as massas. Mesmo assim, segundo avaliam, de imediato, as mudanças foram pouco
substanciais. Para o debate sobre as mudanças de linha política empreendidas pelo partido no período em
tela cf.: CHAVES NETO, 1977; VINHAS, 1982; GORENDER, 1987; MAZZEO, Antonio Carlos. Sinfonia
inacabada: a política dos comunistas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1999; ALMEIDA, Lúcio Flávio
Rodrigues. Insistente desencontro: o PCB e a revolução burguesa no período 1945-1964. In: MAZZEO,
Antônio Carlos; LAGOA, Isabel (Orgs). Corações vermelhos: os comunistas brasileiros no século XX. São
Paulo: Cortez, 2003, p. 83-122; SOARES, Ede Ricardo Assis. Insubordinação das bases do PCB frente às
orientações políticas dos Manifestos de Janeiro de 1948 e Agosto de 1950. In: SENA JÚNIOR, Carlos
Zacarias. Capítulo de história dos comunistas no Brasil. Salvador, EDUFBA, 2016, p. 197-213.
126

períodos eleitorais, se mobilizava nas campanhas das candidatas e candidatos comunistas.


Sem dúvida, foi importante para o partido, embora seu papel tenha sido pouco (ou nada)
evidenciado pelos memorialistas e pela historiografia sobre o PCB, que tem endossado
os marcos das fontes históricas produzidas por homens, com exceção dos trabalhos que
se dedicaram ao movimento de mulheres comunistas e da federação.30
A Federação de Mulheres do Brasil não foi meramente um espaço de atuação do
PCB. Vinculada ao partido, mas não guiada acriticamente por ele, foi uma organização
fundamental tanto para a construção do movimento feminista no país, quanto para a
defesa dos interesses das camadas populares. Como apontou Macedo, mulheres ligadas à
FMB conseguiram ganhos importantes. Em Fortaleza, estado do Ceará, implantaram um
lactário. Além disso, negociavam com a Coordenação Econômica do Governo produtos
que eram apreendidos por sonegação (alimentos, tecidos populares). A FMB comprava
os produtos e revendia às associadas pelo preço de custo. A federação obteve, ainda,
conquistas institucionais, como a aprovação da Lei Delgada nº 4, que conferia amplos
poderes às autoridades públicas na defesa da economia popular. Como consequência, foi
criado um órgão próprio para aplicá-la – a Superintendência Nacional de Abastecimento
(SUNAB).31

3.2. Anticomunismo, antifeminismo e violência

Apesar das direções politicamente heterogêneas, como vimos, a Federação de


Mulheres do Brasil centrou sua ação política dentro dos princípios comunistas, além de
incorporar demandas feministas. O duplo engajamento fez de suas associadas alvo de

30
MACEDO, 2011; TAVARES, 2002; LEÃO, 2003; TORRES, 2009; ALVES, 2015; PEREIRA, Andréa
Ledig de Carvalho. Conservadoras ou revolucionárias? Trajetórias femininas, filantropia e proteção social:
São Paulo e Rio de Janeiro (1930-1960). 2016. Tese (Doutorado em Política Social) – Centro de Estudos
Sociais Aplicados, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016; MORENTE, Marcela Cristina de
Oliveira. Invadindo o mundo público: movimento de mulheres (1945-4964). São Paulo: Humanitas, 2017;
LOBO, Daniella Ataíde. Militância feminina no PCB: memória, história e historiografia. Dissertação
(Mestrado em Memória: Linguagem e Sociedade) – Departamento de Estudos Linguísticos e Literários,
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2017; FERREIRA, Alane. Mulheres
Vermelhas: a atuação das militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) no jornal Momento Feminino
(1947-1950). Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de Ciências Humanas e Filosofia,
Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2019.
31
MACEDO, op. cit., p. 196; BRASIL. Lei Delgada nº 4, de 26 de setembro de 1962. Intervenção no
domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo.
Brasília, DF. Presidência da República [1962]. Disponível em: <
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/leidel/1960-1969/leidelegada-4-26-setembro-1962-366961-
publicacaooriginal-1-pl.html> Acesso em: 25 jan., 2020.
127

perseguições e prisões, sobretudo das lideranças; mesmo em um regime que se pretendia


democrático.
O anticomunismo tinha boas doses de antifeminismo que, como aparece no
segundo capítulo, movimentava o discurso conservador preocupado com a quebra da
ordem de gênero em que “naturalmente” às mulheres caberia as responsabilidades
domésticas, acima de qualquer ocupação. Sob forte influência do discurso católico, a
temática moral ocupou lugar destacado entre os anticomunistas, que insistiam em
representar os comunistas como destruidores da família e dos “bons costumes”. 32
Mulheres que aderiam a esse projeto de sociedade eram rotuladas de subversivas, quiçá,
piores que os homens já que elas, “naturalmente”, deveriam ser as principais defensoras
da “família tradicional”.
Embora se cruzem, as palavras não definem a mesma coisa. Se os anticomunistas
tinham como inimigo comum o comunismo, os antifeministas tinham a pretensão de
eliminar o feminismo, movimento politicamente tão plural quanto o anticomunismo, com
o objetivo comum de emancipar/libertar as mulheres da “dominação masculina”.33 Havia
comunistas antifeministas porque preocupados em manter a estrutura machista, assim
como feministas anticomunistas, interessadas em defender seus interesses de classe,
apesar do repertório anticomunista limitar a autonomia das mulheres.
Um exemplo emblemático do antifeminismo comunista é a narrativa de Leôncio
Basbaum sobre a participação de uma mulher no Comitê Central do PCB. Em uma
reunião do CC realizada em março de 1932, após um debate tenso, Cina, única mulher
presente, chorou porque, segundo ele, havia “perdido” o debate já que o seu ponto de
vista não foi acatado pela maioria. Diante da situação, o “companheiro” explodiu e com
raiva exclamou: “‘Isso, camaradas, não é comunismo, é mulherismo!’”34 O comunista
interpretou a atitude de Cina como premeditada para desmoralizá-lo sob acusação de

32
MOTTA, 2002, p. 66.
33
A dominação masculina, geralmente exercida/atribuída aos homens, segundo Pierre Bourdieu significa a
força da ordem masculina des-historicizada e eternizada pelas estruturas da divisão sexual e dos princípios
de divisão correspondentes. Portanto, é um poder que dispensa justificação. “A visão androcêntrica impõe-
se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la”. Assim, “a
ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que frequentemente ratifica a dominação
masculina sobre a qual se alicerça: “é a divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades
atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do espaço,
opondo o lugar de assembleia ou de mercado, reservados aos homens, e a casa, reservada às mulheres; ou,
no interior desta, entre a parte masculina, como o salão, e a parte feminina, como o estábulo, a água e os
vegetais; é a estrutura do tempo, a jornada, o ano agrário, ou o ciclo de vida, como momentos de ruptura,
masculinos, e longos períodos de gestação, femininos”. Cf. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina.
11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. p. 18.
34
BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos: memórias. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976. p. 117.
128

machismo. “Creio que era o que ela esperava ou queria pois, nessa base, me acusou de
‘ser contra as mulheres’ e ter ‘um conceito burguês sobre as mulheres e o comportamento
feminino’”.35
A fala denota que o dirigente não percebia seu comportamento como inadequado,
ofensivo e machista. Para ele o problema estava na atitude da “companheira”, que em sua
leitura havia forjado uma situação para fazê-lo parecer “contrário às mulheres”. Ademais,
suas palavras indicam que a presença da militante no Comitê Central lhe aborrecia. A
única mulher a compor o CC naquele contexto incomodou Basbaum desde a sua
convocação. O dirigente achava que ela “era muito nova no partido, cerca de um ano na
ocasião, e não tinha condições nem qualificações para o cargo de responsabilidade”.36
Mas apesar de suas ponderações, ela assumiu o secretariado e o serviço burocrático em
geral. “Ela fazia a correspondência, mantinha contato com as direções regionais, guardava
o arquivo, expedia cartas para o exterior, e para isso tinha todos os endereços necessários.
Mas nenhuma participação política”.37
A narrativa de Basbaum é um indício de que as reuniões de cúpula do PCB
poderiam ser misóginas e antifeministas. A expressão “mulheirismo”38 foi usada para
desqualificar a emotividade, lida como fraqueza, como coisa de mulher, portanto,
feminina. O espaço da política partidária era visto como ambiente de expressão
viril/masculina. Ou seja, lugar de força, racionalidade, frieza e controle absoluto das
emoções, sendo que ele próprio não conseguiu controlar a sua, ao explodir diante do choro
da “companheira”. Basbaum justificou seu incômodo com a presença de Cina pela
suposta falta de experiência da militante, mas não é improvável que o fato de ser uma
mulher ocupando uma atmosfera de poder tradicionalmente ocupada por homens tenha
influenciado a sua antipatia.
O mesmo argumento foi utilizado na delegação das funções que Cina assumiu,
descritas como sem função política. As atividades consideradas políticas provavelmente
eram aquelas realizadas pelos homens: elaborações teóricas, construção de resoluções,
definições partidárias. Podemos imaginar quão difícil era para as mulheres se fazerem

35
BASBAUM, 1976, p. 117.
36
Ibid., p. 115
37
Ibid.
38
Hoje a expressão mulherismo ou mulherismo africana é usada por grupos que defendem a
emancipação/libertação das mulheres a partir de uma perspectiva afrocêntrica. Neste sentido, chama a
atenção para a opressão racial e de gênero às quais estão expostas as mulheres negras. Para mais
informações sobre o debate cf.: DOVE, Nah. Mulherismo Africana: uma teoria afrocêntrica. Jornal de
Estudos Negros, v. 28, n. 5, mai., 1998; COLLINS, Patrícia Hill. O que é um nome? Mulherismo,
Feminismo Negro e além disso. Cadernos Pagu, Campinas, n. 51, dez., 2017.
129

ouvidas. Tinham de enfrentar a perversidade do silenciamento que nunca assume ser


motivado pela discriminação de gênero. As justificativas recorrentemente recaem para a
falta de experiência, excesso de emoção, fragilidade para assumir tarefas perigosas etc.39
Basbaum não foi exceção no que diz respeito ao comportamento machista
limitador do pleno desenvolvimento das mulheres na política partidária. Em uma carta
que escreveu para o seu marido Geraldo Ferraz, em 1940, Patrícia Galvão narrou que na
década anterior foi vítima do que considerou uma “manipulação sexual” e “autoritária”
promovida pelos dirigentes do PCB. 40 Segundo ela, às mulheres que tinham um
comportamento sexual menos preso às convenções de virgindade e recato eram atribuídas
funções que julgou humilhantes. Uma delas era a de obter informações seduzindo e
transando com adversários políticos. Ela disse que o faria em total acordo,

se se tratasse de uma coisa que valesse a pena, se se tratasse de vidas,


num momento de luta armada, em plena revolução. Mas assim, para
obter ridículas informações, que nem sequer se sabe se serão
aproveitadas, eu acho que é exigir demais das mulheres revolucionárias.
[...] Pensam que uma aventura a mais ou a menos para mim não tem
importância nenhuma. Uma mulher de pernas abertas: é o que vocês
pensam.41

Para Patrícia Galvão, o fato dela, por escolha, contrariar a moral sexual vigente,
não autorizava seus companheiros a manipularem sua vida sexual. Os limites entre
liberdade sexual – pauta à época defendida por parte do movimento feminista – e
desrespeito às mulheres que decidiam ser sexualmente livres eram muito tênues. Nas
descrições de Galvão, as pessoas muitas vezes interpretavam mal o discurso
emancipacionista de algumas companheiras. Achavam que elas estavam sempre
disponíveis para o sexo. Não por acaso, ela ficou indignada com o assédio sexual de um
companheiro: “Como era revoltante e ridículo despir a capa comunista. Que nojo ao vê-

39
Refletindo sobre o racismo, Grada Kilomba, citando Paul Gilroy, citou cinco mecanismos distintos de
defesa do ego pelos quais o sujeito branco passa até se tornar capaz de entender sua própria branquitude e
a si próprio, são eles: negação, culpa, vergonha, reconhecimento e, por fim, reparação. Por analogia, acho
que os mecanismos podem ser aplicados quando analisamos o machismo e o antifeminismo. Aqui gostaria
de chamar a atenção para o primeiro mecanismo: a negação, característica presente no discurso de Basbaum.
A negação, “é um mecanismo de defesa do ego que opera de forma inconsciente para resolver conflitos
emocionais através da recusa em admitir os aspectos mais desagradáveis da realidade externa, bem como
sentimentos e pensamentos internos. Essa é a recusa em reconhecer a verdade. [...] Como escrevi
anteriormente, o sujeito nega que ela/ele tenha tais sentimentos, pensamentos ou experiências, mas continua
a afirmar que “outra” pessoa o tem”. KILOMBA, Grada. A Máscara. In: KILOMBA, Grada. Memória da
plantação: Episódios de racismo cotidiano [Recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Cobogó, 2020, n.p.
40
A carta foi publicada em 2005 por seu filho, Geraldo Galvão Ferraz: FERRAZ, Geraldo Galvão (Org).
Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão. Rio de Janeiro: Agir, 2005.
41
Ibid., p. 126-127.
130

lo atirar-se a minha procura com a vulgaridade brutal e desastrada que eu já conhecia nos
homens de outras classes sociais!”.42
Além dos problemas apontados acima, de acordo com as lembranças de Maria
Prestes – “codinome que eclipsou o nome verdadeiro” de Altamira Rodrigues Sobral –43,
ela e suas companheiras estavam passíveis à violência psicológica dos homens nos
chamados aparelhos, espaços de moradia de uma ou mais famílias militantes em tempos
de clandestinidade do PCB. Em meados da década de 1950, após o nascimento de um dos
seus filhos com o Secretário Geral do Partido, Luiz Carlos Prestes, ela passou o puerpério
em um aparelho em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Lá morava Arruda Câmara, um dos mais
importantes dirigentes do PCB no período, com quem teve um sério conflito durante os
dias que se resguardava do parto. Segundo suas lembranças, Arruda costumava maltratar
todo mundo. Ela conta que um dia a companheira que cozinhava esqueceu que o dirigente
não comia cebola.

O Arruda quase que virou a mesa, teve uma reação terrível. A pobre
companheira em pânico ficou aos prantos. Eu disse que não era através
de gritos e murros na mesa que a ordem deveria ser mantida, o Arruda
ficou furioso, disse que eu estava com pretensões de ser dirigente.
Mandou eu me comportar, pois ele sim, um comunista, sabia das
coisas.44

Com raiva, Maria respondeu que se o autoritarismo era pré-requisito para ser
comunista, ela dispensava fazer parte “desta organização autoritária”; ao passo que ele
reagiu de forma ainda mais violenta. Com insultos, gritou para humilhá-la: “– Vá cuidar
de sua criança, sua vagabunda!”.45
Estes três exemplos são emblemáticos de como comportamentos machistas e
antifeministas atravessava todos os setores da sociedade, inclusive o partido que pretendia
revolucioná-la. As mulheres militantes estavam expostas a diversos tipos de violência. A
ideia de que “mulher tinha o seu lugar” implicava na distribuição das funções: na direção,
nas atividades partidárias e nos aparelhos em que compartilhavam o cotidiano. E essa

42
FERRAZ, 2005, p. 87.
43
Altamira Rodrigues Sobral nasceu em Recife em 02 de fevereiro de 1932. Filha do comunista João
Rodrigues Sobral, ou “camarada Lima”, e de Mariana Ribas Pontes, que faleceu quando ela ainda era
criança. Uma semana após a morte da mãe, seu pai foi preso por ter participado do Levante de 1935,
pejorativamente chamada de Intentona Comunista. Em 1945, Altamira se filiou ao partido, por influência
do pai. Em 1952 conheceu Luiz Carlos Prestes, com quem se casaria logo em seguida. GOMES, Dias.
Prefácio. In: PRESTES, Maria. Meu companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes. Rio de Janeiro:
Rocco, 1992. p. 39-41.
44
PRESTES, op. cit., p. 74-75.
45
Ibid., p. 75.
131

distribuição não deixava de estar associada, se consideramos a narrativa de Patrícia


Galvão, ao comportamento sexual das “companheiras”.
Como disse linhas acima, além dos comunistas antifeministas, havia as feministas
anticomunistas. Neste caso, aparecia um paradoxo: um movimento que reivindicava a
emancipação das mulheres atrelado ao anticomunismo e ao seu conjunto de ideias que
naturalizava que os cuidados com o lar e a família eram atribuições das mulheres, ao
passo que a política e algumas carreiras profissionais só poderiam ser realizadas por
homens. Ainda que marcado por ideias distintas sobre os significados de ser feminista,
implicando em diferentes estratégias políticas, qualquer projeto emancipacionista para as
mulheres alterava, em maior ou menor grau, as bases da família tradicional cujo valor
principal estava centrado na autoridade do homem. No Brasil, uma das principais linhas
de força dos discursos anticomunistas atacava frontalmente os interesses feministas, na
medida em que defendia a preservação da moral e da família nuclear heteronormativa
ancorada na autoridade masculina. Para o grupo, essa estrutura familiar estaria sendo
colocada em risco pelas ideias comunistas e pela excessiva movimentação política das
mulheres no espaço público.
A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, mesmo que em momentos
pontuais tenha dialogado com mulheres comunistas, em boa parte de sua história se
pautou pelo anticomunismo, ainda que reivindicasse mudanças na organização familiar.
A defesa do divórcio e da distribuição do pátrio poder entre marido e mulher esteve
presente em suas bandeiras de luta. Entretanto, taticamente, evitava parecer radical. A
estratégia era manter-se o mais próximo possível dos poderes constituídos. Para tanto,
muitas vezes defendia a emancipação das mulheres usando um tom moderado, por vezes,
reafirmando os valores que relacionavam as mulheres à vida doméstica. A intenção era
se afastar dos estigmas que pairavam em torno do feminismo e, paulatinamente,
conquistar direitos para as mulheres.
Como foi demonstrado por Rachel Soihet, a vertente do feminismo comandada
por Bertha Lutz evitou assumir posições radicais de contestação em relação aos homens,
além de contribuir com a mitificação da maternidade, presente nas argumentações em
defesa da aquisição de direitos. As mulheres reunidas em torno da federação, conscientes
do tempo e do espaço em que estavam inseridas, seguiram a trilha mais adequada aos seus
objetivos. Em uma tentativa consciente de prevenir ataques hostis, com frequência
132

reafirmavam sua feminilidade com a intenção de provar que o fato de estarem disputando
a política pública não as masculinizavam.46
Na década de 1950, quando novamente a FBPF retomou a regularidade de suas
atividades, o anticomunismo orientou o movimento, o que reforça a tese do feminismo
tático, defendida por Soihet; 47 ao mesmo tempo em que evidencia uma postura
estratégica. Estratégia, segundo Michel de Certeau, seria “o cálculo (ou a manipulação)
das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de
querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode
ser isolado”.48 Já a tática é “a ação calculada que é determinada pela ausência de um
próprio. Então nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. [...] A
tática é a arte do fraco”.49 Se por um lado, a estratégia “é organizada pelo postulado de
um poder”; a tática é determinada pela ausência dele. 50 Portanto, seria a ação de
indivíduos e grupos que ocupam o lugar do outro nas estruturas de poder, por isso jogam
no terreno do possível, aproveitando-se das circunstâncias favoráveis “para captar no voo
as possibilidades oferecidas por um instante”.51
Desde que foi fundada, a Federação de Bertha Lutz adotou como estratégia a
ocupação de espaços no poder político institucional, terreno majoritariamente ocupado
por homens brancos e tradicionalmente construído por e para eles. A partir da conquista
do poder público, agia taticamente para garantir conquistas feministas. Nesse espaço, era
preciso jogar no terreno do possível e aproveitar as circunstâncias favoráveis. Ao longo
de sua história, marcada por altos e baixos, a federação se adequou ao clima político do
momento, calculando a correlação de forças e estudando formas que julgava mais
adequadas para a conquista do poder público; na posse dele, construía alternativas para
que seus interesses feministas fossem atendidos. A partir de 1948 era completamente
desfavorável para a sua estratégia costurar alianças com o movimento de mulheres
rotulado de comunista, logo, destruidor radical da família, da “moral” e “dos bons
costumes”.
Nos anos 1950 a FBPF expressou-se publicamente contrária as atividades da
Federação de Mulheres do Brasil, de orientação comunista. Em 1954 chegou a lançar um

46
SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena.
Rio de janeiro: 7Letras, 2013, passim.
47
Ibid., p. 55-122.
48
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 15° ed., v. 1. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 99.
49
Ibid., p. 100-101.
50
Ibid., p. 101.
51
Ibid.
133

manifesto contra um evento organizado pelo grupo, agora adversário. Intitulado de


Manifesto às Mulheres da América e do Mundo, o documento tinha por objetivo impedir
a realização da Conferência Latino Americana de Mulheres no Rio de Janeiro e destacou
que a as mulheres da federação comandada por Bertha Lutz se “recusavam a participar e
prestigiar quaisquer movimentos de orientação comunista ou à serviço do comunismo
[...]”. 52 Mais adiante volto ao episódio para explicar os pormenores. Antes, é preciso
discutir os elementos que, em alguma medida, podem ajudar a entender as aparentes
contradições.

3.3. Marxismo, libertação das mulheres e moralismo

Os discursos anticomunistas foram elaborados a partir da crítica/deturpação do


debate marxiano e marxista sobre a família, a libertação das mulheres e o patriarcado. Ao
longo do século XIX e XX, comunistas como Karl Marx, Friedrich Engels, August Bebel,
Alexandra Kollöntai, Clara Zétkin, Leon Trótski, Vladmir Lênin e outras construíram
teses sobre a libertação das mulheres. 53 As elaborações teóricas foram diversas e
marcadas por dissensos, mas foram homogeneizadas entre os anticomunistas.
O contexto também foi atravessado por debates feministas. É difícil datar o ponto
inicial do feminismo. Como movimento, se manifestou em diferentes lugares, grupos e
formas.54 No caso do debate comunista sobre os temas caros ao feminismo, no geral, em
que pesem as divergências, predominou, até 1930, especialmente entre os teóricos
bolcheviques, a ideia de que a instituição familiar moldada ao estilo burguês e as
atividades domésticas seriam as principais forças do que chamavam de “opressão
feminina”.
Ao se colocar no debate, em 1949, Simone de Beauvoir concordou que a
instituição familiar e as obrigações domésticas assumidas como tarefas naturais pelas
mulheres contribuíam para sua submissão. No entanto, se posicionou criticamente em
relação às interpretações que relacionavam o esfacelamento da família e a implantação

52
LIDO no Senado o manifesto de numerosas senhoras brasileiras contra a Conferência Latino Americana
de Mulheres. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 54, n. 18.824, p.3, 07 ago., 1954.
53
O resumo das principais teses dessas autoras e autores pode ser consultado em: BEAUVOUIR, Simone.
O segundo sexo: fatos e mitos. v. 1, 3 ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. p. 83-91; ALAMBERT,
Zuleika. Feminismo: o ponto de vista marxista. São Paulo: Nobel, 1986, passim; TOLEDO, Cecília (Org.).
A mulher e a luta pelo socialismo: Coletânea de textos de Marx, Engels, Lenin, Clara Zetkin, Trotski.
Sundermann: São Paulo, 2014, passim.
54
Para um panorama geral dos movimentos feministas em nível internacional e nacional cf. GONÇALVES,
Andréa Lisly. História & Gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
134

do socialismo à “libertação feminina”. Segundo ela, a “opressão da mulher” não poderia


ser entendida como decorrência da propriedade privada, mas através da categoria original
do Outro. Partindo das teses de Engels que explicou que as mulheres foram inferiorizadas
em função de sua “fraqueza muscular” quando as sociedades primitivas passaram a usar
ferramentas de bronze e ferro, a filósofa destacou que não foi o bronze que despertou a
vontade masculina de inferiorização, mas um projeto de enriquecimento e expansão que
não incluía “a mulher” como sujeito do processo pois ela já era percebida como Outro.
“Se não houvesse nela a categoria original do Outro, e uma pretensão original ao domínio
sobre o Outro, a descoberta da ferramenta de Bronze não poderia ter acarretado a opressão
da mulher”. Neste sentido, suprimir a família não bastaria para libertar “a mulher”, mas
libertar-lhe das coações do patriarcado, especialmente no que diz respeito a “obrigação
de parir”. “É impossível, ver-se por exemplo, encarar a mulher unicamente como força
produtora, ela é para o homem uma parceira sexual, uma reprodutora, um objeto erótico,
um Outro através do qual ele se busca a si próprio”.55
Durante o processo revolucionário russo, apareceu o problema da família nuclear
e da necessidade de construção de novas alternativas que deveriam vigorar na sociedade
comunista. No imediato pós-Revolução de 1917 medidas como a legalização do divórcio,
a criação de creches e maternidades no interior das fábricas ou em bairros de população
operária densa, o reconhecimento de matrimônios não-oficiais, a educação sexual e a
regulamentação do aborto começaram a ser adotadas, o que conferia verossimilhança às
afirmações de que o comunismo destruiria a família e a moral tradicional.56
Em 1919, na IV Conferência de Operárias sem Partido, em Moscou, Lênin
sinalizou que mudanças apenas no campo jurídico não seriam suficientes para emancipar
as mulheres. Eram necessárias transformações ligadas à maneira de execução das tarefas
domésticas, propondo a coletivização dessas atividades e a participação das mulheres na
política pública.57 A militante do PCUS Alexandra Kollöntai também defendeu mudanças
objetivas para a emancipação das mulheres no âmbito político e jurídico, como a
legalização do divórcio e do aborto, a igualdade salarial entre os sexos, a construção de
creches, restaurantes populares, etc.; ao mesmo tempo em que chamou a atenção para a
necessidade de transformações no campo sociocultural, propondo novos valores para o
amor, a família e a maternidade. A bolchevique foi uma entusiasta da tese do amor livre.

55
BEAUVOUIR, 2016, p. 87-89.
56
MOTTA, 2002, p. 66; LEÃO, 2003, p. 44; GOLDMAN, 2014, p. 19-31.
57
LÊNIN, V. I. O socialismo e a emancipação da mulher. Rio de Janeiro. Vitória, 1956. p. 9-10.
135

Defendeu a construção de uma nova moral sexual capaz de servir aos interesses coletivos
da classe trabalhadora. Para ela, o matrimônio legal e indissolúvel contribuía para a
“desigualdade absurda entre os sexos”.58
Portanto, a legalidade do casamento, bem como a sua indissolubilidade (o
divórcio) eram dispensáveis na nova moral proposta, que substituiria o amor “absorvente
e exclusivo da moral burguesa” pelo “amor-camaradagem”, indiferente à estabilidade da
relação. No entanto, o “amor-camaradagem” não deveria ser confundido com a “luxúria”.
Para Kollöntai, o ato sexual não era visto como um fim em si mesmo, prazer fácil,
“satisfação única dos desejos carnais pela prostituição” como, segundo ela, acontecia nas
sociedades que se orientavam pelos valores burgueses. A nova forma de amar não
excluiria a atração física entre os sexos, considerada base importante, “assim como na
luxúria”, do “amor espiritual”. De acordo com a bolchevique, a diferença era que o “amor
espiritual” despertava no casal qualidades como sensibilidade, delicadeza e desejo de ser
útil aos outros, traços fundamentais na construção da sociedade comunista baseada em
uma “moral proletária”. Para que o projeto se tornasse possível, a autora estabeleceu três
pilares básicos:

1°) Igualdade nas relações mútuas; [...] 2°) Reconhecimento mútuo e


recíproco dos seus direitos, sem pretender nenhum dos seres unidos por
relações de amor a posse absoluta do coração e da alma do ser amado;
[...] 3°) sensibilidade fraternal; a arte de assimilar e compreender o
trabalho psíquico que se realiza na alma do ser amado.59

O entusiasmo de Kollöntai sobre as questões ligadas à liberdade sexual e ao


definhamento da família, na avaliação de Wendy Goldman, pode ter sido um tanto quanto
prematuro, mas ela não estava sozinha na avaliação sobre a decadência progressiva da
instituição. Na União Soviética, durante a década de 1920, juristas, membros do partido
bolchevique, planificadores sociais e ativistas do movimento pela liberdade das mulheres
promulgaram amplamente a tese do definhamento da família. Embora houvesse a crença
que o declínio seria processual, o PCUS não manteve uma ortodoxia rígida. As diferenças
eram expressas quando se tratava de assuntos controversos, especialmente aqueles
relacionados aos temas sexuais, à criação dos filhos e à necessidade da família na
transição para o socialismo.60

58
KOLLÖNTAI, Alexandra. A nova mulher e a moral sexual. São Paulo: Global, 1979, p. 125-129.
59
Ibid., p. 125-129.
60
GOLDMAN, Wendy Z. Mulher, Estado e Revolução: política familiar e vida social soviéticas, 1917-
1936. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 23.
136

Ao contrapor as elaborações de Lênin e Kollöntai sobre as uniões baseadas no


amor livre, Goldman destacou que ela defendeu que a moral e a família nuclear eram
historicamente construídas, portanto, sujeitas a mudanças. Para ela, o ato sexual não
deveria ser concebido como algo vergonhoso nem pecaminoso, mas como natural, uma
manifestação de um organismo saudável. Portanto, deveria ser encarado como qualquer
outra necessidade física, como fome e sede. Lênin, por sua vez, adotou uma posição mais
conservadora, “demonstrando seus rígidos preconceitos vitorianos na própria metáfora de
sua resposta: ‘certamente’, escreveu, ‘a sede deve ser saciada. Mas uma pessoa normal
deitaria na sarjeta e beberia de uma poça?”.61 Para Lênin, os problemas ligados à moral
sexual burguesa mereciam atenção relativa. Segundo ele, em contextos de acirrada luta
de classes, “tais assuntos podem contribuir facilmente para excitar, para estimular a vida
sexual de certos indivíduos, para destruir a forma e a saúde da juventude”.62
Os revolucionários comunistas modernos, na avaliação de Jorge Ferreira,
resgataram crenças, tradições e códigos comportamentais da ética puritana inglesa dos
séculos XVII e XVIII, própria da formação cultural burguesa.63 No entanto, o debate entre
Lênin e Kollöntai é um exemplo de que esse resgate foi alvo de disputas. Ao estudar as
elaborações teóricas dos homens e mulheres conectadas ao debate feminista e que
pensaram a revolução, Wendy Goldman evidenciou a complexa e longa discussão sobre
as questões morais travada desde o século XIX entre as comunistas, mas inspirado em
pensamentos que circulavam na Europa desde, pelo menos, o século XVII.64
Apesar dos dissensos, não é difícil imaginar que as posições mais radicais no que
diz respeito à organização familiar e sexo-afetivas geravam calafrios nos grupos
conservadores. No Brasil, tomadas de forma descontextualizada e, por vezes desonestas,
a discussão foi simplificada pelos anticomunistas. É certo que muitos se articulavam por
medos reais; outros, no entanto, instrumentalizavam o debate para espalhar o pânico de
que haveria uma completa desregulação da vida sexual e familiar. Os comunistas estariam
importando as ideias soviéticas, o que representava um risco para a estabilidade das
famílias caso elas fossem implementadas no Brasil.
Esse comportamento foi recorrente mesmo depois da ascensão de Stalin ao poder.
O novo dirigente da URSS não disfarçou sua formação conservadora no que se refere à

61
GOLDMAN, 2014, p. 25-26.
62
LÊNIN, 1956, p. 72.
63
FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do mito: cultura e imaginário dos comunistas no Brasil (1930-1956).
Niterói/Rio de Janeiro: EdUFF/MAUAD, 2002. p. 128.
64
GOLDMAN, op. cit., p. 31-46.
137

moral e à família. Em 1936, implementou o Novo Código da Família. A partir de então


as ideias libertárias discutidas no processo da Revolução Russa começaram a ser
destruídas, ressurgindo a defesa da família tradicional. A política stalinista deformou a
visão socialista original. No contexto, os juristas soviéticos repudiaram muitas das ideias
revolucionárias iniciais e passaram a exigir, em um evidente deslocamento ideológico, o
fortalecimento e a estabilização da instituição familiar.65
Em 1946, o jornal pecebista Classe Operária divulgou com entusiasmo o “novo
código” soviético através da mensagem destinada a todos os partidos comunistas. O texto
de P. Pichugina, presidenta do Soviet do Distrito de Tagansk, em Moscou, dava relevo às
conquistas das mulheres soviéticas, que tinham direitos iguais aos dos homens em todos
os campos da vida econômica, estatal, cultural, social e política, garantindo às soviets
direito a salários, descanso e recreio, seguro social e educação, licença maternidade antes
e depois do parto sem prejuízo de seus salários, além de maternidades, creches e jardins
de infância, visando mantê-las no mercado de trabalho para desfrutarem de sua
independência econômica.66
O “Novo Código”, diferente do Código de 1918, proibiu o aborto e restringiu o
divórcio e as uniões livres. De acordo com P. Pichugina, alinhada ao projeto stalinista de
estabilização e fortalecimento da família, a medida tinha por objetivo proteger as
mulheres dos supostos prejuízos decorrentes do aborto, bem como impedir qualquer
atitude irresponsável dos pais.67 As demais restrições foram justificadas pela necessidade
de fortalecimento da família, que constituía o cerne das preocupações stalinistas. 68 O
projeto de difusão do ideal de família e do lugar social das mulheres não se restringiu às
páginas da imprensa; folhetos e revistas também serviram de meios de difusão desse ideal.
Dados de um inquérito policial aberto em Salvador em 1953 trazem informações
a respeito. No documento, a polícia alegou que por volta das 11 horas da manhã do dia
30 de julho daquele ano “trafegavam livre e ostensivamente duas carroças superlotadas

65
GOLDMAN, 2014, passim.
66
PICHUGINA, P. As Mulheres na União Soviética. A Classe Operária, Rio de Janeiro, ano 1, n. 36, p.
12, 07 nov. 1946 apud LEÃO, 2003, p. 55.
67
Ibid.
68
LEÃO, 2003, p. 55.
138

de material de natureza comunista”69, na Avenida Joana Angélica, trecho da Lapa.70 Logo


em seguida, abriu-se uma investigação tendo como base a Lei de Segurança Nacional
herdada do Estado Novo.71 Entre o vasto material anexado ao inquérito, havia livros,
panfletos e revistas produzidos pelo PCB e por partidos comunistas de outros países,
recortes de jornais e revistas comunistas, livros marxistas e material de propaganda,
incluindo folders e cartazes de divulgação da revista mensal La Mujer Sovietica,
publicada em russo, chinês, alemão, inglês, francês e espanhol. O periódico tinha por
objetivo divulgar as atividades das mulheres soviéticas na política e na cultura, além de
abordar temas relacionados à vida cotidiana, à família e à educação das crianças.72
O ideal de mulher soviética que serviria de modelo para orientar as comunistas
brasileiras tinha muito em comum com as construções hegemônicas já amplamente
divulgadas no Brasil. No entanto, os anticomunistas não esqueceriam de uma hora para
outra as ideias revolucionárias de outrora. Portanto, a divulgação na imprensa pecebista
do Código da Família da URSS e a apreensão de uma carroça com “material subversivo”,
provavelmente serviam de provas de que o “perigo vermelho” estaria se alastrando, pondo
em risco a integridade das famílias, ainda que pairasse nas páginas da imprensa do PCB
a defesa do modelo tradicional de família e de mulher.73

69
Processo de apreensão de material comunista. Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), fundo:
Secretaria de Segurança Pública, Delegacia Auxiliar (Capital), fl. 2. A consulta foi realizada em 2014.
Naquele momento, a documentação estava em processo de catalogação, indisponível para consulta pública.
Enquanto escrevia a tese, o arquivo estava fechado para a reforma. Não fosse a generosidade de Djalma
Melo, que me avisou da existência da caixa, e de Edilza do Espírito Santo, à época coordenadora do Setor
Judiciário, que autorizou a consulta, não teria sido possível acessar e fotografar a documentação.
70
O episódio foi narrado por João Falcão como uma farsa da polícia soteropolitana inventada para, pela
segunda vez, empastelar O Momento. Em suas palavras: “Propositalmente, agentes da polícia consideraram
a carga de uma carroça com chumbo para a oficina do jornal como sendo um carregamento de material
subversivo e sob esse pretexto invadiram a redação do jornal e depredaram”. FALCÃO, 1988, p. 387.
71
A Lei de Segurança Nacional foi promulgada em 4 de abril de 1935, definia crimes contra a ordem
política e social. Seu principal objetivo foi transferir para uma legislação especial os crimes considerados
contra a segurança do Estado, submetendo-os a um regime mais rigoroso, com o abandono das garantias
processuais. Em setembro de 1936, sua aplicação foi reforçada com a criação do Tribunal de Segurança
Nacional. Cf.: A ERA Vargas. Dos anos 20 a 1945. FGV/CPDOC. Disponível em: <
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/> Acesso em: 06 set., 2019.
72
Panfleto La Mujer Sovietica. Processo de apreensão de material comunista. Arquivo Público do Estado
da Bahia (APEB), fundo: Secretaria de Segurança Pública, Delegacia Auxiliar (Capital), anexo.
73
No caso do Brasil, a partir da década de 1940, o PCB se empenhou na defesa do modelo de família
tradicional. Ainda que muitos dos autores compartilhassem da cultura machista, entendo que a insistência
nas publicações, especialmente aquelas que reforçavam que os casais comunistas eram “normais”, foi um
meio disputa pública com os discursos anticomunistas que acusavam os adversários de destruidores da
família. Os jornais do partido, com alguma regularidade, publicavam textos exaltando as qualidades dos
casais comunistas, reforçando a ideologia do homem público em contraposição à mulher do lar, mesmo
quando se referiam aos casais em o homem e a mulher eram ativos militantes políticos, a exemplo de Prestes
e Olga Benário.
139

Foi nesse clima que o anticomunismo recuperava seu poder político. Entre 1947
e 1950 a repressão tornou-se mais contundente e as mulheres militantes sentiram o seu
peso. Muitas foram afogadas pela onda de violência política, e algumas saíram sem vida,
como Zélia Magalhães e Angelina Gonçalves. Os órgãos da imprensa comunista
registram um número significativo de prisões e perseguições.

3.4. Violência política e resistências

Em 16 de novembro de 1949, a pecebista Zélia Magalhães (1926-1949) foi morta


quando participava, no Rio de Janeiro, de um comício organizado pelo PCB e pela Liga
de Defesa das Liberdades Democráticas, que abrigava diferentes tendências políticas.74
O objetivo era lembrar os sessenta anos de proclamação da República no Brasil. A data
emblemática serviria também para um protesto contra a Lei de Segurança Nacional
herdada do Estado Novo. Zélia estava acompanhada do marido quando a polícia dissolveu
o comício a balas. O casal até conseguiu correr e saltar num bonde, mas foi alcançado por
Procopinho, policial famoso pela truculência. Grávida, talvez confiando que sua barriga
o sensibilizaria, Zélia se colocou entre eles. Foi alvejada e morreu a caminho do
hospital.75
No ano seguinte mais uma mulher tombaria vítima da perseguição do Estado: a
tecelã Angelina Gonçalves, assassinada pela polícia quando participava, no Rio Grande
do Sul, das comemorações ao Primeiro de Maio. Durante a passeata, carregava um cartaz
simplório que estampava a frase: “O petróleo é nosso”. Como vimos, o movimento era
associado ao comunismo, por isso, provavelmente, o cartaz contribuiu para provocar a ira
anticomunista, ainda mais sendo levantado em uma passeata promovida por um sindicato.
A polícia atirou contra os manifestantes. Angelina e mais três trabalhadores, Osvaldinho
Correia, Euclides Pinto e Honório Porto, tombaram.76
A truculência repercutiu nacionalmente, tanto nos periódicos do PCB, quanto na
imprensa de grande circulação. No caso Zélia, a imprensa pecebista deu grande destaque
à gravidez da vítima para sensibilizar a opinião pública e chamar a atenção para o fato de

74
SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 530-531; ZÉLIA nossa heroína. Momento Feminino, Rio de Janeiro,
ano 3, n. 63, p. 4-5, 31 dez., 1949.
75
MACEDO, 2001, p. 187-188.
76
Ibid., p. 188-189; MONTENEGRO, Ana. Novos Mártires. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n.
69, p. 3, 18 mai., 1950.
140

que a violência do Estado não respeitava nem gestantes, desconsiderando o caráter


sacralizado da maternidade tão divulgado socialmente. Já em relação a Angelina,
explorou-se sua condição de tecelã.
Arcelina Mochel usou sua coluna em Momento Feminino para protestar contra a
morte de Zélia. Enfatizou, talvez com certo exagero, que no dia seguinte ao episódio
trágico “toda a imprensa trazia em suas páginas a revolta incontida contra o assassínio de
Zélia Magalhães pela polícia. Coisa bárbara, selvagem, tirar a vida de uma jovem esposa
que escondia no ventre a vida de sua vida”.77 Mas na prática, apenas os jornais do PCB
deram grande visibilidade ao caso. Ainda segundo a pecebista, o dia 17 de novembro
amanheceu com toda cidade do Rio de Janeiro comentando o crime da véspera.

Nos trens, nos bondes, nas filas, nas casas comerciais, nas repartições
públicas, por toda a parte o nome de Zélia era pronunciado. Uma
heroína da mais dura época nacional tombou defendendo os mais
sagrados direitos da humanidade. Consternação e revolta. Protestos,
lutas, vingança. Levantou-se contra a Câmara, contra o traiçoeiro
fuzilamento em plena fase constitucional. Para onde vamos?78

Sobre Angelina Gonçalves, a Federação de Mulheres do Brasil recebeu a notícia


dias depois do crime, através de um telegrama enviado pela União Feminina Gaúcha,
publicado na íntegra pelo jornal Momento Feminino. No texto, a organização pedia que a
entidade nacional se pronunciasse contra “a brutal chacina do 1º de maio contra a classe
operária e o povo da cidade de Rio Grande”, descrevendo Angelina como “heroica
lutadora antifascista”.79 Atendendo ao pedido, a FMB enviou – com uma cópia para a
FDIM – um telegrama de protesto ao então Governador do Rio Grande do Sul, Valter
Jobim, contra os “desacatos” às “liberdades constitucionais de manifestações em praça
pública”. Exigiu providências em relação ao “bárbaro assassínio [da] senhora gaúcha”.80
Zélia e Angelina foram transformadas em heroínas pelo movimento organizado
em torno da FMB e pelo Partido Comunista. No Manifesto de Agosto, ao apelar para a
importância da presença das mulheres no movimento contra a “guerra e o terror fascista”,
Luiz Carlos Prestes citou as duas como referências à “luta feminina”.

Operárias, camponesas, donas de casa, mães e esposas! Sois vós que


primeiro sentis as agruras produzidas pela fome em nossos lares. Com
vossa tradicional coragem e decisão, impede o crime de mais uma

77
ARCELINA. Seremos a palavra da vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 63, p. 2, 31 dez.,
1949.
78
Ibid.
79
Ibid.
80
TELEGRAMAS da FMB. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 69, p. 2, 18 mai., 1950.
141

guerra imperialista! Organizai-vos para luta contra a fome e a carestia


de vida. A libertação nacional do julgo imperialista exige vossa
participação ativa – é a bandeira porque já tombaram Zélia e Angelina,
e que continua em vossas mãos.81

O poema “Juramento”, assinado por Edith Herve, escrito no Rio de Janeiro em 15


de maio de 1950 e publicado em Momento Feminino na edição de número 69, também
sublinha o heroísmo de ambas e destaca que as mortes deveriam ser transformadas em
bandeira de luta:

I. Teu Grito não cala/ nem de noite nem de dia/ Teu grito não cala/ e só
calará na madrugada de nosso dia.
II. Nem tu, nem Zélia/ nos querem/ chorando aflitas/ no epílogo branco
do cemitério.
III. Na nossa luta não há mistérios:/ Terra, Pão e Liberdade./ Por esse
nosso céu de fraternidade./ Bala assassina/ matou mais uma mulher
IV. Mas tu sabias,/ companheira Angelina,/ Zélia sabia.../ que ficam
muitas/ são/ velha, moça e menina/ Pra não chorar./ Pra não temer./ Pra
não parar.
V. Não tenho mortos/ pra velar/ Elas são claridade,/ são impulsos/ para
enxergarmos/ para alcançarmos/ Terra, Pão e Liberdade.
VI. Vamos andar,/ Velha, moça e menina./ Vamos andar/ Tua Bandeira,
Angelina/ em nossa mão/ erguida está.
VII. Teu grito/ pelo Direito/ só calará/ na madrugada de Nosso Dia.82

A poeta Jacinta Passos, através do poema “Elegia das quatro mortas”, publicado
no livro Poemas Políticos (1951), também homenageou Zélia e Angelina, além de Dade
e Olga Benário, todas mortas pelo Estado. Dade, diferente das outras, não morreu por ser
militante política, mas “se acabou” por “labutar demais”.83 O fato de Jacinta ter colocado
uma anônima entre as heroínas do movimento de mulheres e do PCB, e o lugar que ela
ocupou no texto (não veio por último, mas no meio) é emblemático. Provavelmente, quis
evidenciar o heroísmo da luta cotidiana de milhares de mulheres pobres e negras cujo
valor não era reconhecido. É possível que houvesse muito afeto envolvido. Dade,
provavelmente, acompanhou bem de perto a infância de Jacinta, contribuindo com os
cuidados que envolvem o maternar. Ela foi uma das empregadas domésticas que trabalhou
muitos anos para a sua família, em Cruz das Almas, interior da Bahia.
A família Passos, como será detalhado no quarto capítulo, era formada por
latifundiários da região do Recôncavo Baiano. A mulher que inspirou a personagem do

81
PRESTES, Luiz Carlos. Manifesto de agosto de 1950 apud VINHAS, 1982, p. 157.
82
HERVE, Edith. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 69, p. 4, 18 mai., 1950.
83
Além desse poema, Dade inspirou outras personagens na poesia de Jacinta. AMADO, Janaína (Org.).
Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio,
2010, p. 152 (nota de rodapé n. 18).
142

poema era negra, como boa parte das empregadas domésticas do país. Trabalhando para
uma família latifundiária, Dade provavelmente realizava tarefas relacionadas aos
cuidados com as crianças e às tarefas domésticas para além do espaço restrito da casa. O
excesso de trabalho, segundo o poema, era a causa do seu adoecimento e morte.

Flor de tristeza, vagarosa, Dade./ Foi assim que te vi no campo, um dia./


Tu vens chegando, tua fala lenta:/ – não sou de natural tão triste/ mas
labutei demais e me acabou. [...] Treze homens levaram teu caixão./ –
Morreu de que? – perguntam. A doença já encontrou teu corpo
consumido:/ onze filhos, pobreza, mais a roça, mais água e lenha e casa
de farinha./ Morreste sem remédio como um bicho:/ desconhecia o
poder das letras,/ da medicina e da luz elétrica./ [...] Flor de tristeza,
vagarosa, Dade, / foi de morte matada que morreste/ e bem sabias. O
crime não tem data:/ morte lenta, geral, antiga, fria:/ O latifúndio
acabou contigo.84

O problema racial, assim como o de gênero e classe, fez parte das preocupações
de Jacinta, que ao longo de sua carreira político-artística escreveu textos numa perspectiva
interseccional, ainda que o conceito de interseccionalidade não existisse.85 Ao colocar a
empregada doméstica entre figuras heroificadas, a poeta certamente quis evidenciar o
heroísmo das muitas mulheres em condição semelhante a de Dade: mulheres negras que,
diariamente, lutavam para sobreviver em uma sociedade socialmente desigual, racista,
sexista e excludente. A preocupação com os marcadores sociais que atravessam os
sujeitos, e mais especificamente o racial, ficou ainda mais demarcada na homenagem que
fez a Zélia. Até onde pude pesquisar, Jacinta, usando uma linguagem de seu tempo, foi a
única que deu ênfase ao lugar racial da militante: mulher negra.

Também tu: de crespa cabeleira/ viva,/ de onde vens morena de


manhã?/ – Pelas costas. Me mataram pelas costas./ Covardia. Pois se
mata assim um ser humano? [...] – Meu filho ia nascer:/ mundo mais
humano o que eu queria/ Tão simples assim. Assim teu sonho era,/ o
nosso de fartura e paz./ Será feito pela mão dos pobres/ (pobres não
eram tuas mãos de mulher irmã das mãos do negro,/ do camponês/ e do

84
PASSOS, Jacinta. Elegia das quatro mortas. In: PASSOS, Jacinta. Poemas Políticos. Rio de Janeiro:
Livraria-Editora da casa do Estudante do Brasil, 1951 apud AMADO, Janaína (Org.). Jacinta Passos,
coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010, p. 151.
85
Embora não fosse necessariamente nova a reflexão sobre as a multiplicidade das “opressões”, sobretudo
em termos de raça, classe e sexo/gênero, o conceito de interseccionalidade começou a ser forjado no interior
do feminismo negro norte-americano nas décadas de 1970-80 para se referir à forma pela qual essas
categorias criam desigualdades; ao mesmo tempo em que forjam uma “interseccionalidade emancipadora”,
ou seja, solidariedades políticas em torno de projetos decoloniais. Por decolonialidade entende-se o
movimento que rompe com a colonialidade do poder e do saber. Cf. LUGONES, María. Rumo ao
feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, 935-952, set./dez., 2014, passim;
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização
política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 30, n. 1, p. 143-
163, jan./abr., 2015. p. 151-154.
143

trabalhador?)/ Pelas mãos dos pobres que têm fome e sede de justiça na
terra.86

Além das poesias, várias outras homenagens foram prestadas às “heroínas” Zélia
Magalhães e Angelina Gonçalves e, em número muito menor, às empregadas domésticas.
O jornal Momento Feminino publicou muitos textos, entre os quais, notas biográficas,
artigos e poesias, sobre as duas “heroínas” que tombaram defendendo os “interesses do
povo”. Os textos enfatizavam aspectos como coragem, altruísmo e espírito de resistência.
Além das publicações, foram organizados eventos para homenageá-las, especialmente em
datas comemorativas como Dia das Mães, Dia Internacional da Mulher e Primeiro de
Maio. No que diz respeito às empregadas domésticas, saíram, em número menor, artigos
que denunciavam o trabalho exaustivo e a ausência de direitos trabalhistas para a
categoria.
Voltando à violência sofrida pelas mulheres politicamente organizadas em torno
da FMB e do PCB, além dos assassinatos, muitas sofreram prisões e violência física. Em
setembro de 1949, Alice Tibiriçá, à época uma mulher de 63 anos, foi detida na sede da
FMESP pelo Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP) para
prestar esclarecimentos sobre uma reunião de mulheres. Pesava sobre Alice a acusação
de ser uma das lideranças do PCB e de ter pretensões de infiltrar comunistas em feiras
livres de São Paulo para promover uma “agitação” em favor da paz e contra a carestia.87
Naquele mesmo ano e estado, na cidade de Tupã, a jovem Maria Aparecida, que segundo
Momento Feminino era menor de idade, foi presa em novembro quando participava de
uma reunião em defesa da paz. Meses antes ela já havia sido detida no Rio de Janeiro
durante a Primeira Convenção Feminina daquele estado. Na primeira vez, foi liberada de
imediato, mas em São Paulo amargou 6 meses e 9 dias de cárcere.88
A FMB se mobilizou para libertá-la, buscando orientações com a FDIM e
enviando delegações de mulheres que partiam de vários estados do país em direção ao
estado de São Paulo para negociarem sua libertação e para visitá-la na prisão.89 Segundo

86
PASSOS, Jacinta. Poemas Políticos. Rio de Janeiro: Livraria-Editora da casa do Estudante do Brasil,
1951 apud AMADO, Janaína (Org.). Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna
crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010, p. 152-153.
87
PEREIRA, 2016, p. 28; MORENTE, Marcela Cristina de Oliveira. Invadindo o mundo público:
Movimentos de mulheres (1945-1964). São Paulo: Humanitas, 2017. p. 90.
88
LOUDES. Solidariedade a Maria Aparecida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 64, p. 2, 31
jan., 1950; UMA tarde com Maria Aparecida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 68, p. 3, 02
mai., 1950.
89
ATIVIDADES Femininas [Caravana exige em Tupã a libertação de Maria Aparecida]. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 67, p. 2, 24 fev., 1950; MARIA Aparecida, a jovem heroína. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66, p. 5, 17 mar., 1950; CARAVANA de solidariedade às mulheres de
144

denunciavam, a jovem, que sofria de problemas pulmonares, estava presa em condições


precárias, em um cubículo “sem colchão, sem dependência sanitária, sem ao menos uma
cadeira onde pudesse recostar o seu frágil corpo doente”.90 Além disso, teve de ouvir
“frases inconvenientes” dirigidas por soldados. 91 As inconveniências provavelmente
eram assédios sexuais dos quais as encarceradas poderiam ser vítimas.
Ana Montenegro foi mais direta na denúncia. Destacou que na delegacia de
menores do Rio de Janeiro era comum encontrar meninas grávidas dos tiras, sugerindo a
provável existência de estupros de vulneráveis naquela instituição.92 Portanto, a violência
também era generificada. As mulheres, além de expostas às violências físicas comuns,
ficavam sujeitas aos abusos sexuais e torturas psicológicas.
Em 1950, a violência de Estado seguiu seu curso no combate ao comunismo e ao
feminismo, expressivo naquele ano. No Rio de Janeiro, em 06 de março, mulheres foram
presas, mas logo liberadas, quando participavam de um ato de protesto em frente ao
Itamarati contra uma reunião com embaixadores norte-americanos. No Paraná, no mesmo
período, sofreram com “medidas arbitrárias do Chefe de Polícia de Curitiba” que proibiu
“a realização de Conferências nas associações femininas daquele estado”.93
As comemorações do 8 de março daquele ano foram vetadas nos estados de São
Paulo e Ceará. Arcelina Mochel expressou seu repúdio na coluna Nossos Problemas,
destacando que o “governo só tem força nas armas, amedrontando-se vergonhosamente
por qualquer forma de organização feminina, mesmo quando as mulheres realizam uma
festividade de caráter tão elevado como o ‘8 de março’”.94 Segundo ela, motivados pelo
medo, “os desordeiros do Sr. Ademar de Barros foram interditar a sede da FMES, para
que não fosse levado a efeito o ato público do Dia Internacional da Mulher”.95 Com a
mesma razão, o governador do Ceará, o sr. Faustino, “mandou beleguins acabarem com

São Paulo – Liberdade a Maria Aparecida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 67, p. 5, 04 abr.,
1950; UMA tarde com Maria Aparecida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 68, p. 3, 02 mai.,
1950.
90
MARIA Aparecida, a jovem heroína. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66, p. 5, 17 mar.,
1950.
91
LOUDES. Solidariedade a Maria Aparecida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 64, p. 2, 31
jan., 1950.
92
MONTENEGRO, Ana. Eleições marcadas de sangue. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 76,
p. 3, 20 set., 1950.
93
PARANÁ: as mulheres vencem o Mandado de Segurança. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n.
66, p. 5, 17 mar., 1950.
94
MOCHEL, Arcelina. Nosso Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66, p. 2, 17 mar.,
1950.
95
Ibid.
145

a alegria das mulheres e do povo” que realizavam uma “entusiástica passeata de


automóveis com painéis, cartazes e faixas”.96
O saldo dos conflitos foi a prisão de dez mulheres da Federação de Mulheres do
Estado do Ceará (FMEC), que foram liberadas em seguida após a pressão das
participantes do ato. À noite elas continuaram com o movimento em um ato público
“realizado com apoio dos motoristas”, fundamental para que encerrassem o 8 de março
“com brilhantismo e coragem, levantando bem alto a luta consequente em defesa da
paz”.97 No estado de São Paulo, cinco mulheres também foram presas e agredidas quando
faziam convocação para as comemorações do 8 de março. As senhoras Irene Funcia,
Delbi Jurandir, Enbela de Jesus Montenho, Encarnação Barrego e Norma Lopes, todas da
Federação de Mulheres do Estado de São Paulo (FMESP), resistiram à prisão, “tendo sido
barbaramente agredidas pelos beleguins do Sr. Ademar de Barros”.98

Tais violências foram cometidas no Brasil no momento atual quando há


mais de 40 anos tem sido comemorado em todo o mundo o dia dedicado
às mulheres. Este ano esta data está sendo comemorada festivamente
pela Federação Democrática Internacional de Mulheres, entidade que
congrega 80 milhões de mulheres de todo o mundo ardorosas
defensoras da paz mundial.99

Certamente, a declarada parceria com a FDIM, e paralelamente com o


comunismo, explica as ações repressivas, que não se limitaram aos casos mencionados.
Em setembro de 1950 Elisa Branco foi presa por ter levantado a faixa “Nossos filhos não
irão para Coreia” em um desfile militar comemorativo de 7 de setembro, no vale do
Anhangabaú, em São Paulo. A faixa fazia referência ao movimento contra o envio de
tropas brasileiras para Guerra da Coreia. De acordo com Elza Macedo, com ostensiva
violência, Elisa foi arrancada à força de um ônibus quando já se retirava. Depois de presa,
foi julgada e condenada a 48 meses de reclusão. O fato rendeu uma ampla mobilização
da FMB, que organizou uma Comissão Nacional Pró-Anistia de Elisa Branco, que
agregou suas várias associações espalhadas pelo Brasil e a FDIM.100

96
MOCHEL, Arcelina. Nosso Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66, p. 2, 17 mar.,
1950.
97
AS MULHERES do Brasil festejam entusiasticamente o 8 de março data Internacional da Mulher.
Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66, p. 3, 17 mar., 1950.
98
ADEMAR de Barros espanca mulheres em São Paulo. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66,
p. 3, 17 mar., 1950.
99
Ibid.
100
MACEDO, 2001, p. 209.
146

Durante todo o período da prisão, Momento Feminino tentou mobilizar a opinião


pública, publicando cartas de apoio, pedidos de anistia e apelo aos juízes. Toda essa
mobilização contribuiu para que o Supremo Tribunal Federal (STF) libertasse Elisa pouco
mais de um ano depois. Logo em seguida ela se tornaria o símbolo da luta pela paz no
Brasil, tanto que em 1952, no Congresso dos Povos pela Paz realizado em Viena, recebeu
o Prêmio Internacional Stalin pela Paz e passou a compor o Comitê Executivo da FDIM
e, em 1953 foi elevada ao cargo de vice-presidenta.101
O mês de setembro de 1950 foi marcado por mais prisões de mulheres. Por ocasião
das disputas eleitorais para os parlamentos estaduais, mulheres ligadas ao PCB e
simpatizantes foram presas no Distrito Federal e em alguns estados do país, entre os quais,
São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Na prisão, foram vítimas de inúmeras
violências. 102 Em novembro do mesmo ano, no estado de Pernambuco, Momento
Feminino denunciou mais um ataque: a prisão de doze mulheres que se organizavam para
sair coletando assinaturas para o “Apelo de Estocolmo”. Na prisão, tiveram os cabelos
cortados com peixeiras e foram espancadas com cassetetes de borracha, socos e pontapés.
Segundo a denúncia, uma das vítimas, Abigail Barbosa, estava grávida e abortou em
função dos maus tratos.103
Em 1951 os casos de repressão às mulheres continuaram. Em março, a escritora
Alina Paim recebeu ordem de prisão por ter se dirigido à cidade de Cruzeiro para
documentar uma greve de ferroviários protagonizada por mulheres; ao passo que as
companheiras de Momento Feminino reagiram à arbitrariedade.104 Os eventos sofreram
perseguição. O Primeiro Congresso da FMB, programado para acontecer em São Paulo
de 23 a 26 de junho de 1951, inicialmente, foi proibido pelo governador Ademar de
Barros. Jacinta Passos, que naquele ano era presidenta da FMB e participou como chefe
da delegação carioca, foi detida e fichada pelo Departamento de Ordem Política e Social
de São Paulo (DEOPS-SP).105

101
MACEDO, 2001, p. 209.
102
MONTENEGRO, Ana. Eleições marcadas de sangue. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 76,
p. 3, 20 set., 1950.
103
CONTRA a paz o governo de Pernambuco. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 76, p. 11, 20
nov., 1950.
104
Prontuário 107813, Alina Paim, 16 mar., 1951. Arquivo Público do Estado de São Paulo, Departamento
de Ordem Política e Social, DEOPSSPA007709. Disponível em: <
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/acervo/repositorio_digital/deops_ficha> Acesso em: 12 set.,
2019; NOSSA solidariedade a Alina Paim. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 51, p. 7, abr.,
1951. No quinto capítulo retomaremos o caso.
105
Prontuário n. 113825, Jacinta Passos, 17 dez., 1951. Arquivo Público do Estado de São Paulo,
Prontuários, Departamento de Ordem Política e Social, DEOPSSPJ000115. Disponível em: <
147

Mas, apesar de todas as dificuldades criadas pela polícia de São Paulo, o congresso
aconteceu, sob forte pressão policial, entre os dias 28 e 30 do mês seguinte, reunindo 231
delegadas de treze estados do país, a maioria de São Paulo.106 No mesmo ano, Arcelina
Mochel foi investigada por sua participação no “movimento feminino” de orientação
comunista.107 Ao que parece, entre 1952 e 1953 houve uma diminuição na perseguição.
No Rio de Janeiro, atividades públicas voltaram a ser proibidas em 1954. A primeira
Conferência Latino Americana de Mulheres, organizada pela FMB com a anuência da
FDIM e programada para agosto, sofreu uma ofensiva anticomunista. Com a aparente
retração do anticomunismo, a FMB voltou a apostar na possibilidade de integrar mulheres
de grupos políticos divergentes, tanto que convidaram a Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino para participar da conferência internacional.108
Mas o PCB continuava ilegal, ainda que com a imprensa ativa e as organizações
de massa e de base na legalidade, a exemplo da FMB e das uniões femininas. No entanto,
a disposição FBPF, acostumada a atuar dentro da ordem, não era a mesma da década
anterior. A Federação de Bertha Lutz, que mais uma vez trabalhava para se recompor e
recuperar a liderança do movimento feminista nacional, desta vez, optou por não arriscar
uma nova aliança com as mulheres comunistas. Provavelmente, suas dirigentes, em
particular Bertha Lutz, receavam mais um desmoronamento da entidade, tal qual
aconteceu em 1947, quando houve a mesa-redonda com a presença de mulheres
comunistas, como vimos no segundo capítulo.
Talvez por isso, somado ao verdadeiro medo do “perigo vermelho” que sempre
esteve presente entre suas associadas, a FBPF, após debate em duas reuniões realizadas
em junho de 1954, resolveu recusar o convite, além de elaborar um manifesto contra as
comunistas e divulgá-lo na imprensa. 109 O “Manifesto às Mulheres da América e do

http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/acervo/repositorio_digital/deops_ficha> Acesso em: 12 set.,


2019.
106
São Paulo – 136; Distrito Federal – 57; Estado do Rio – 11; Goiás – 6; Bahia – 6; Minas Gerais – 4;
Paraná – 2; Pernambuco – 2; Ceará – 2; Rio Grande do Sul – 2; Alagoas – 1; Espírito Santo – 1; Mato
Grosso – 1. Cf.: EM DEFESA da vida que criamos! Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 86, p. 6-
7, ago., 1951; DECLARÇÕES da presidente da Federação de Mulheres do estado de São Paulo. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 85, p. 3, jun./jul., 1951; FIALHO, Branca. Pela Paz, pela criança, pelo
Brasil. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 85, p. 3, jun./jul., 1951; EM MARCHA para o I
Congresso. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 85, p. 3, jun./jul., 1951; RESOLUÇÃO do I
Congresso da Federação de Mulheres do Brasil. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 86, p. 6, ago.,
1951.
107
MORENTE, 2017, p. 90.
108
Livro de Atas, vol. 5, p. 186-188. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência BR AN, RIO Q0. ADM, EOR.SEC, TXT.2, v. 5.
109
Ibid.
148

Mundo” foi assinado por vários grupos e personalidades e lido no senado pelo Senador
Hamilton Nogueira. O documento anticomunista apresentou doze justificativas contrárias
à Conferência Latino Americana de Mulheres e responsabilizou o Estado pelo
crescimento do comunismo, na medida em que não trabalhava para garantir a “equidade
para o povo brasileiro”. Ademais, suas autoras destacaram:

– que sendo democratas recusavam participar e prestigiar quaisquer


movimento de orientação comunista ou à serviço do comunismo [...];
– que sabem, embora circulares-programas desta Conferência partem
nomes de pessoas até este momento não envolvidas em comunismo,
que a organização da Conferência é da Federação Internacional de
Mulheres “Democratas”, uma das muitas instituições com as quais o
partido comunista atrai incautos do mundo inteiro, responsável por
outros Congressos vermelhos realizados na Europa, cujo aliciamento
foi feito por emissárias enviadas a outros países, pelo Comitê
Permanente com sede em Moscou [...];
– que, no Brasil, após a viagem de propaganda da Secretária do referido
Comitê [Antifascista de Mulheres Soviéticas], sra. Vaillant Couturier,
a federação de Mulheres (comunista) do Brasil irradiou seu campo de
ação, e segundo informe lido em Budapeste, no segundo congresso
dessa federação, em 1948 [sic] já possuía no Brasil os núcleos do Rio
de Janeiro, São Paulo, Santos, Curitiba, Florianópolis, Juiz de Fora,
Porto Alegre, Belo Horizonte, Nova Lima, Uberlândia, Salvador,
Recife, Aracaju, Vitória, Fortaleza e Goiás110;
– que o impulso e a Irradiação deste movimento é devido
principalmente a displicência das mulheres democratas do Brasil, que
ensarilham as armas de combate, e estão deixando que as comunistas
lhe tomem a frente nas reivindicações de toda espécie.
– Por tudo isso, concitamos a mulher brasileira a levantar sua voz e sua
ação contra a infiltração comunista em nosso meio [...] ingressando nos
partidos políticos democráticos, lutando dentro deles por uma situação
definida para a mulher e, sobretudo, impondo um tratamento de
equidade para o povo brasileiro, para acabar com os privilégios e a
miséria, alimentos de que se tem servido o comunismo em todos os
tempos para irradiar sua ação.111

110
Lembrando que a Federação de Mulheres do Brasil, entidade à qual o manifesto se refere, só foi fundada
em 1949. Nesse sentido, um ano antes não poderia estar em seu segundo congresso, tampouco com filiais
espalhadas em todo Brasil. Por uma confusão, deliberada ou não, o manifesto certamente se referia as
atividades do Instituto Feminino de Serviço Construtivo que antecedeu a fundação da federação.
111
Assinaram o manifesto: “Maria Soares de Andrade, Bertha Lutz – pela Federação pelo Progresso
Feminino; Maria Sabina de Albuquerque, escritora, declamadora, vice-pres., FPS; Romy Medeiros, pelo
Conselho Nacional de Mulheres; Carmen Portinho, engenheira, pela União Universitária feminina;
Magdala de Paula Freitas, engenheira, pela Associação de Engenheiras e Arquitetas; Diva de Miranda
Moura, vice-presidente da FBF; Ruth Leoni, presidente da Federação das Antigas Alunas CC; Maria Luiza
Munis de Aragão, presidente da Associação de Assistências Sociais; Rosaura Frias de Paula, presidente da
Associação de São Vicente de Paula; Carlota Paes de Carvalho, pela Associação de pais (e mães de família)
e pela União Nacional de Associações Familiares; Maria Eugênia Celso, escritora e jornalistas; Adelaide
Paixão, engenheira da prefeitura; Vera de Melo, jornalista; Sofia Magno de Carvalho, vice-presidente da
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e jornalista; Ida Belisário Távora, serventuária de Justiça;
Dylam Cunha Ribeiro, poeta; Laura de Figueiredo, musicista; Nayle Jurgens, advogada; América Xavier
da Silveira, presidente das Juntas Brasileiras das obras de Preservação das Jovens; dra. Iracy Doyle, médica
psiquiatra, diretora do Instituto de Medicina Psicológica; Stella de Faro, diretora do Instituto de Serviço
149

A ofensiva não se resumiu às manifestações da FBPF pela imprensa. Dias antes


da conferência, um helicóptero financiado pela Cruzada Anticomunista sobrevoou a
cidade do Rio de Janeiro espalhado panfletos que alertavam sobre o caráter comunista do
evento, com a finalidade de boicotar a conferência.112 A Federação de Mulheres do Brasil
reagiu. Em um documento assinado por Branca Fialho, pontuou que a conferência não
trataria de assuntos político-partidários e que dela poderia participar mulheres de qualquer
orientação político-ideológica, comunistas e anticomunistas.113

Entretanto, essa conferência apolítica [política como sinônimo de


política partidária] desencadeou uma campanha de oposição que, diante
do nosso silêncio, aos poucos se avolumam. Não compreenderam que
o nosso silêncio era consequência do nosso desprezo. Desprezamos a
campanha enquanto foi feita malevolamente através da imprensa.
Desprezamos também a propaganda da Cruzada Anticomunista
realizada por meio de aviões com grande custo de gasolina [...] tão
destituída de inteligência que cai no ridículo. Desprezamos ainda o soi-
disant telegrama de Berlim publicado por alguns jornais denunciando
como comunista a Conferência Interamericana de Mulheres.114

A federação só resolveu se manifestar publicamente quando o Senador Hamilton


Nogueira resolveu “ler e encampar calúnias de senhoras que desfrutam posição na nossa
sociedade”, supostamente “enganadas a ponto de assinarem um documento cheio de
falsidades”. A intenção era chamar à responsabilidade os caluniadores, “exigindo que
provem suas alegações sob pena de, perante o público, ficar evidenciada sua má-fé”.115
Seguindo as recomendações da FDIM, a FMB continuou apostando na
possibilidade de convencer as mulheres que assinaram o manifesto de repúdio à
conferência a retomarem a frente única que tentaram construir de 1946 a 1948. Através
da imprensa, convidaram as “signatárias do manifesto” para um debate sobre os objetivos
da conferência. Foram “especialmente convidadas as senhoras Bertha Lutz, Maria Rita
Andrade e Romy Fonseca”116, provavelmente em decorrência dos diálogos estabelecidos
na década anterior.

Social; Maria Luisa Aché Pilar, pela União Social Feminina e Maria Luisa Souza Leão, pela Associação de
Senhoras Brasileiras”. LIDO no Senado o manifesto de numerosas senhoras brasileiras contra a Conferência
Latino Americana de Mulheres. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 54, n. 18.824, p.3, 07 ago., 1954.
112
MACEDO, 2001, p. 229.
113
FIALHO, Branca. Resposta ao Senador Hamilton Nogueira Arquivo Público do Estado de São Paulo,
microfilmes do Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo Pereira,
Resistência Interna [e apoio internacional]. Processos, prisões e torturas.
114
Ibid.
115
Ibid.
116
Ibid.
150

Até onde pude verificar, o senador não voltou atrás das denúncias e a reunião com
as senhoras nominalmente convidadas não aconteceu. A conferência, sim. A FMB
recorreu ao Ministério da Justiça expondo os propósitos do evento e solicitando garantias
da sua realização. O pedido foi aceito e no dia 27 de agosto abriram-se os trabalhos na
sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), reunindo representantes de 10 países.
A conferência aconteceu sob proteção policial, dada a convulsão política do momento
provocada pelo suicídio de Getúlio Vargas três dias antes. Muito provavelmente ela não
teria acontecido se o anticomunismo estivesse fortalecido politicamente, o que veio a
acontecer dois anos depois.117
Em meados de 1956 o impacto do anticomunismo atingiu mais diretamente o
funcionamento da federação. Naquele momento iniciaram-se ameaças de que seria
colocada na ilegalidade. Suas associadas tentaram impedir a decisão arbitrária emitindo
uma nota à imprensa. O texto tinha por objetivo “obviar a manifesta tentativa de violação
de seus legítimos direitos, garantidos pela Constituição Federal”. Elas se colocaram “à
disposição da Imprensa para mais amplos esclarecimentos”.118 No entanto, diferente de
1954, ao que parece, o anticomunismo começava a ganhar robustez, ao mesmo tempo em
que a crise interna do partido se tornava ainda mais dramática. Em agosto de 1956 ocorreu
o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, que divulgou os crimes de
Stalin e o autoritarismo decorrente do culto à personalidade. Segundo lembranças de
Moisés Vinhas:

A primeira reação da direção nacional do PCB foi a de avestruz: adiar


enquanto puder a discussão em torno dos fatos, tanto mais que muitos
continuavam a acreditar, contra todas as evidências, ser o “relatório
secreto” de Kruchev “intriga da reação”. Paralisada, paralisava o
partido. Há quem fale em verdadeiro estado de catalepsia, que durou
meses. Enquanto isso, na maior confusão, as bases ferviam: com as
revelações, as certezas que haviam informado a vida e a ação de
militantes forjados no mais fino aço do monolitismo stalinista se
desfazia, uma a uma.119

Em meio ao crescente anticomunismo e à crise provocada pelo congresso, em


janeiro de 1957 um decreto de Juscelino Kubistchek proibiu por seis meses o

117
MACEDO, 2001, p. 232; SINAL dos tempos. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 8, n. 108, p. 20-
23, set./out., 1954.
118
FEDERAÇÃO de Mulheres do Brasil. Última Hora, Rio de Janeiro, ano 6, n. 1.525, p. 10 (cad. 2), 12
jun., 1956.
119
VINHAS, 1982, p. 176.
151

funcionamento da FMB e de todas as entidades filiadas.120 Esta foi a primeira vez que a
instituição foi colocada na ilegalidade. Segundo nota divulgada nas páginas policiais da
imprensa carioca de grande circulação, a FMB e a Associação Feminina do Rio de Janeiro
(AFRJ) “tinham caráter subversivo e nada mais eram do que frentes legais do instinto
PCB”. 121 A federação tentou se defender, respondendo, mediante nota divulgada nos
mesmos jornais, que provaria “em juízo serem patrióticas as atividades da Federação de
Mulheres”.122 A imprensa comunista se mobilizou para defendê-la.123
Apesar dos protestos e do retorno à legalidade após os seis meses, a partir daquele
ano ficou difícil para a FMB manter a força política do início da década. Desde 1956 não
contava mais com seu principal meio de comunicação e articulação – o jornal Momento
Feminino, e ainda tinha de lidar com medidas autoritárias. Mesmo com dificuldades,
continuou funcionando. Em 1959, participou da Segunda Conferência Latino Americana
de Mulheres, no Chile; em 1960 comemorou o 8 de março no Rio de Janeiro124; no ano
seguinte tentou realizar o II Encontro Latino Americano de Mulheres, mas parece que o
evento não saiu do papel.125 Formalmente, segundo Macedo, a partir de 1957 a FMB
sobreviveu muito precariamente até 1965, quando deixou de existir após a morte de
Branca Fialho.126

3.5. Notas sobre o Golpe Civil-Militar e os movimentos feministas

O encerramento das atividades da federação no ano seguinte ao golpe que instituiu


a Ditadura Civil-Militar não significou o fim das atividades feministas no país. Durante

120
Segundo Marcela Morente, o decreto de Kubistchek se baseou no artigo 6° do decreto 9.085, de 25 de
março de 1946, lançado pelo Governo Dutra, que dispunha sobre o registro civil de pessoas jurídicas,
estabelecendo que seriam fechados, por um prazo não superior a seis meses, “as sociedades que fizessem
falsa declaração de seus fins, ou que após receberem o registro passassem a exercer atividades ilícitas ou
nocivas à segurança do Estado, a ordem política ou social, ao bem público, à moral e aos bons costumes”.
MORENT, 2017, p. 35.
121
DE CARÁTER subversivo as duas entidades. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 56, n. 19.581, p.
5 (1 cad.), 24 jan., 1957; FECHADAS a Federação de Mulheres do Brasil e a Associação Feminina. Diário
de Notícias, Rio de Janeiro, ano 27, n. 10.495, p. 15, 24 jan., 1957.
122
PROVAREMOS em juízo serem patrióticas as atividades da Federação de Mulheres. Última Hora, Rio
de Janeiro, ano 7, n. 2.037, p. 5, 16 fev., 1957.
123
ILEGAL a suspenção da Federação de Mulheres. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 5, n. 2.025, p.
3, 27 jan., 1957; SÉRIE de provocações anticomunistas para abrir caminho à reação e ao entreguismo. Voz
Operária, Rio de Janeiro, n. 402, p. 3, 02 fev., 1957; PARA onde vai o governo de JK. Voz Operária, Rio
de Janeiro, n. 402, p. 5, 02 fev., 1957.
124
MACEDO, 2001, p. 240-241.
125
Manuscrito. Arquivo Público do Estado de São Paulo, microfilmes do Archivio Storico del Movimento
Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo Pereira, Resistência Interna [e apoio internacional]. Processos,
prisões e torturas.
126
MACEDO, op. cit., p. 240-241.
152

quase todo o regime ditatorial a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino continuou
atuando, como de hábito, nas franjas do poder. Como não compõe os objetivos centrais
da pesquisa, não posso mensurar a sua força política, nem apresentar dados mais
consistentes sobre os resultados dos diálogos que manteve com os governantes durante a
ditadura. O que posso dizer depois de uma breve investigação na documentação da
federação é que as associadas se mobilizaram por cima, trocando cartas com os generais
com relativa frequência. Elogios às forças armadas eram comuns e, pelo menos no
período imediatamente posterior ao golpe, apelos anticomunistas. Ao mesmo tempo,
reivindicavam direitos para mulheres, especialmente da elite.127
Poucos dias depois do fatídico 31 de março de 1964, a federação enviou
telegramas para as forças golpistas, entre as quais, o então presidente do Senado federal,
Senador Auro Moura Andrade 128 ; o governador do Estado de São Paulo, Ademar de
Barros129; o governador do Estado de Minas Gerais, Magalhães Pinto;130 o governador do
então Estado da Guanabara, Carlos Lacerda;131 ao chefe da Segunda Região Militar (São
Paulo), General Amaury Kruel; ao chefe da Quarta Região Militar e ao General Olímpio
Mourão Filho.132 Todos os telegramas foram assinados por sua presidenta Bertha Lutz,
que congratulava as autoridades por supostamente terem acabado com a crise que
“infelicitava” o país e pela suposta restituição da democracia. Bertha Lutz, numa evidente
estratégia de conseguir uma colocação para a federação no novo governo, não esqueceu

127
Reconhecer que a federação estava preocupada com os interesses das mulheres de elite que compunham
a sua base e o consequente limite dessa atuação, não implica em negar a importância dela e, depois, a
extensão – a posteriori – das conquistas– ainda que muito limitada – para mulheres das camadas populares.
Atualmente, legalmente, qualquer mulher pode prestar concurso para o Banco do Brasil, fazer concurso
para exercer o cargo de juíza ou adentrar na carreira diplomática, mesmo que na prática, especialmente nos
dois últimos casos, sejam profissões extremamente elitizadas e majoritariamente masculina e branca. Mas
o direito legal de exercer o cargo foi uma conquista feminista, e a FBPF desempenhou um papel importante
na reivindicação desse direito, como indica o amplo acervo documental depositado no Arquivo Nacional,
Rio de Janeiro, no Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Parte dessa documentação
encontra-se disponível para consulta online no site do arquivo.
128
Telegrama enviado ao Senador Auro Moura Andrade em 03 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0.
ADM, COR. A964.3, p. 26.
129
Telegrama enviado ao Governador Ademar de Barros em 06 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0.
ADM, COR. A964.3, p. 27.
130
Telegrama enviado ao Governador Magalhães Pinto em 06 abr., 1964. Telegrama enviado ao Senador
Auro Moura Andrade em 03 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0. ADM, COR. A964.3, p. 28.
131
Telegrama enviado ao Governador Carlos Lacerda em 06 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro,
Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0. ADM,
COR. A964.3, p. 29
132
Telegrama enviado ao General Olímpio Mourão Filho em 08 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0.
ADM, COR. A964.3, p. 31.
153

de pontuar para as autoridades o “destacado papel da mulher” 133 na campanha


anticomunista e sugerir “maior participação feminina na vida pública”.134
No dia 14 de abril, em nome da federação, Bertha Lutz e Zuleika Lintz (vice-
presidenta) endereçaram uma carta ao Presidente da República que acabara de ser eleito
pela cúpula militar, o General Humberto de Alencar Castelo Branco. No texto,
enfatizaram que a “mulher brasileira” havia demonstrado seu civismo “impulsionando o
movimento que devolveu ao Brasil a paz e a democracia”.135 Por isso, solicitaram ao
presidente “participação direta no governo prestes a iniciar-se, de modo a serem
amplamente aproveitados seu equilíbrio e capacidade de soerguimento do país”.136 Para
provar o total alinhamento ideológico com o regime, a federação marcou em tintas fortes
o seu anticomunismo. Através de um manifesto escrito em uma reunião da diretoria,
realizada no dia 06 de abril de 1964, conclamou:

O Congresso Nacional, as Forças armadas e a Nação em geral a que não


deixem de escapar a oportunidade de consolidar a vitória da
democracia, escolhendo, sem mais delongas, um governo firme,
apartidário, capaz de repor incontinente o país no caminho da Ordem e
do Progresso. Atente, outrossim, o Congresso para o perigo que
representa a presença de traidores da pátria no seu seio e aja com o
máximo rigor no sentido de extirpar definitivamente o cancro que lhe
corrói o organismo.137

Ao mesmo tempo, colocou-se à disposição para trabalhar pela destruição do


comunismo. Para tanto, seria necessário que o novo governo abrisse espaço para a
participação direta da “mulher brasileira” em seus quadros nacionais e estaduais. Também
sugeriu que se iniciasse o mais rapidamente possível uma intensa campanha de educação
moral e cívica, “para que o povo em geral e a mocidade em particular, desintoxicados do
veneno marxista, possam contribuir para o advento de um Brasil melhor”.138

133
Telegrama enviado ao Governador Magalhães Pinto em 06 abr., 1964. Telegrama enviado ao Senador
Auro Moura Andrade em 03 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0. ADM, COR. A964.3, p. 28.
134
Telegrama enviado ao Governador Ademar de Barros em 06 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0.
ADM, COR. A964.3, p. 27.
135
Carta enviada ao General Humberto de Alencar Castelo Branco em 14 abr., 1964. Arquivo Nacional,
Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO
Q0. ADM, COR. A964.3, p. 34.
136
Ibid.
137
Livro de Atas, v. 7, p. 21-24. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência: BR NA, RIO Q0.ADM, EOR.SEC, TXT.2, V.7.
138
Ibid.
154

Ao longo de toda a ditadura, que se estendeu até 1985, a FBPF, negociando por
cima e dialogando amistosamente com os ditadores, pautou demandas feministas
relevantes, como o direito de as mulheres prestarem concurso para o Banco do Brasil e
para juízas, além de disputar a linguagem, exigindo que as mulheres que ocupavam cargos
públicos fossem chamadas no feminino, rejeitando, por exemplo, a expressão deputado
até então usada somente no masculino.139 Defendeu os direitos para mulheres na linha do
igualitarismo, por acreditar que uma legislação com “direitos especiais” para um dos
gêneros contribuía para manter as desigualdades entre homens e mulheres.
A federação se posicionou contrária à proibição do trabalho noturno para as
mulheres e à exigência de um tempo menor de contribuição para a aposentadoria. Talvez
muito presas somente às experiências das mulheres das camadas economicamente
privilegiadas e aos seus interesses de classe, defendia que a lei deveria ser a mesma para
todos e todas, sem nenhuma diferenciação. Partindo dessa premissa, se descolava da
realidade de milhares de mulheres trabalhadoras cujas experiências eram marcadas por
longas e exaustivas jornadas de trabalho, dentro e fora de casa.
Na mesma década de 1960 e nos anos iniciais da década seguinte, além da
federação de Bertha Lutz, havia outras mulheres movimentando o debate feminista.
Pesquisadoras demonstraram que mulheres como Carmen da Silva, Rose Muraro,
Heleieth Saffioti, Romy Medeiros, Ana Montenegro, Ecilda Ramos de Souza, entre
outras, não deixaram para trás a defesa da emancipação das mulheres. Houve iniciativas
coletivas, a exemplo dos grupos de reflexão que, sem nenhum regulamento, reunia
mulheres para falar de tudo, em especial sobre os assuntos relacionados aos sentimentos
e ao cotidiano das participantes.140
No campo das organizações de esquerda, que depois do Golpe de 1964 se
fragmentou em uma constelação de siglas141, as mulheres também marcaram presença.

139
Durante a década de 1960 elas enviaram várias cartas as autoridades políticas bem como as redações de
jornais em um movimento para que tornasse possível que mulheres pudessem prestar concurso para
qualquer cargo do Banco do Brasil, bem como passaram a exigir que mulheres ocupantes de cargo público
fossem tratadas no feminino. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileiro pelo
Progresso Feminino. Código de Referência: BR RJANRIO Q0.ADM, COR (Várias pastas).
140
Para mais informações sobre a movimentação feminista na década de 1960 cf.: DUARTE, Ana Rita
Fonteneles. Carmen da Silva: o feminismo na imprensa brasileira. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2005;
PEDRO, Joana. Narrativas fundadoras do feminismo: poderes e conflitos. Revista Brasileira de História,
São Paulo, v. 26, n. 52, p. 249-272, 2006; MÉNDEZ, Natália Pietra. Com a palavra o segundo sexo:
percursos do pensamento intelectual feminista no Brasil dos anos 1960. 2008. Tese (Doutorado em História)
– Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2008.
141
Segundo Jacob Gorender, até 1964 o PCB era a principal força de esquerda de inspiração marxista do
Brasil, com sólida irradiação no movimento operário e ramificações no meio estudantil, camponês e nas
155

Ainda que não necessariamente tenham construído organizações específicas e que nem
todas tivessem preocupações feministas, muitas delas relataram que não deixaram de
problematizar as hierarquias de gênero dentro das organizações.142
*
Ao longo da discussão espero ter deixado evidente que apesar do autoritarismo –
presente mesmo em tempos que se pretendiam democráticos –, do conservadorismo, do
anticomunismo e do antifeminismo, antes da década de 1970 mulheres cisgênero
construíram um amplo movimento político através de meios como a imprensa e
organizações. Parte dele assumiu um caráter feminista defendendo a igualdade política,
jurídica e social entre mulheres e homens. Na década de 1940 mulheres comunistas e
liberais atuaram em organizações próprias, construíram eventos, tentaram fundar um
movimento de mulheres unificado acima das divergências ideológicas e partidárias,
tentativa frustrada na década seguinte em função do acirramento da Guerra Fria e do
consequente anticomunismo. Na década de 1950 foi o movimento organizado em torno
da Federação de Mulheres do Brasil, alinhada ao PCB, que se tornou hegemônico.
Todo o processo foi marcado por disputas e tensões, alianças e rupturas,
divergências conciliáveis e irreconciliáveis. O antifeminismo não poupava nenhum dos
grupos de seus adjetivos desqualificadores. Independente da orientação política, mulheres
com pretensões emancipacionistas eram, no mínimo, acusadas de estarem “fora de lugar”,
reivindicando demandas que contrariavam a “natureza” dos sexos. As mulheres

campanhas anti-imperialistas. O partido era referência para todas as organizações de esquerda. Embora o
autor silencie, acrescentamos a presença nos movimentos de mulheres, como a tese vem demonstrando.
Mas depois do golpe, houve várias rupturas e o surgimento de diversas siglas que construíram a resistência
a partir de táticas diversas. GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A esquerda brasileira: das ilusões à
Luta Armada. 2° ed. São Paulo: Ática, 1987. p. 20-140.
142
Há vários trabalhos que analisam a participação das mulheres nas organizações de esquerda e na
resistência à Ditadura Civil-Militar, muitos dos quais preocupados em analisar as relações entre os gêneros,
entre os quais: RIDENTI, Marcelo Siqueira. As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo. Tempo
Social. São Paulo, v. 2, n. 2, p. 113-128, jun./dez., 1990; FERREIRA, Elisabeth F. Xavier. Mulheres,
militância e memória. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996; COLLING, Ana Maria. A
resistência da mulher à ditadura militar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997; CUNHA, Maria
de Fátima da. A face feminina da militância clandestina de esquerda: Brasil anos 1960/70. Tese (Doutorado
em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2002; WOLFF, Cristina Scheibe. Jogos de gênero na luta da esquerda armada no Brasil: 1968-1974. In:
WOLFF, Cristina Scheibe; FÁVERI, Marlene de; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Leituras em rede:
gênero e preconceito. Florianópolis: Mulheres, 2007; JOFFILY, Mariana. A diferença na igualdade: gênero
e repressão política nas ditaduras militares do Brasil e da Argentina. Espaço Cultural, Cascavel, n. 21, p.
78-88, 2009; CRUZ, Jaíza Pollyanna Dias da. “Ou isto ou aquilo”: implicações entre maternidade e
militância para mulheres que militaram em oposição à ditadura militar no Brasil (1964-1985). Dissertação
(Mestrado em Psicologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2013; REIS, Débora Ataíde. Memória(s) Militante(s): narrativas autobiográficas e
imagens de resistência em Derlei Catarina de Luca (1966-1973). Dissertação (Mestrado em História) –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.
156

politicamente alinhadas ao PCB enfrentaram, ainda, o anticomunismo e se tornaram alvo


do violento sistema repressivo do Estado, mesmo em épocas que se pretendiam
democráticas. Ser mulher e fazer oposição à ordem política era demais para uma
sociedade tradicionalmente anticomunista, antifeminista e conservadora. As várias
formas de reprimir as mulheres de esquerda evidenciam que a ideologia da fragilidade
feminina era seletiva. Historicamente, excluía trabalhadoras pobres, principalmente
negras; e também deixava de lado aquelas que ousavam disputar os âmbitos públicos
questionando o sistema político e social. Quanto conveniente, o Estado deixava em
suspenso o mito da mulher frágil, tão martelado na imprensa, na literatura e nos manuais
de educação.
157

PARTE 2 – INVENÇÃO DA LIBERDADE: A POLÍTICA EM


PROSA E POESIA

Além da imprensa e dos meios políticos convencionais apresentados na primeira


parte, as mulheres disputaram o espaço público através da escrita literária. Esta parte da
tese se dedica às trajetórias política e literária de duas escritoras comunistas que foram
ligadas ao PCB: a poeta Jacinta Passos Amado e a romancista Alina Leite Paim. As duas
eram conhecidas entre seus contemporâneos, mas hoje são nomes invisibilizados. No
quarto e quinto capítulo faço uma breve abordagem de suas respectivas trajetórias,
trazendo informações que ajudam a localizar suas obras no tempo e espaços de produção.
Suas vidas têm muitos pontos em comum. As duas são do interior do Nordeste –
Jacinta de Cruz das Almas, Bahia; Alina de Estância, Sergipe. Ambas apostaram no
comunismo como único meio capaz de construir uma sociedade feminista, antirracista e
pautada na justiça social. Além das afinidades políticas e regionais, elas experimentaram
o manicômio em momentos diferentes de suas vidas: Alina de forma breve; Jacinta
definitiva. As duas usaram a ficção como instrumento político-feminista, tornando-se
conhecidas entre seus contemporâneos e alvo da polícia, mas esquecidas (e/ou
silenciadas) a posteriori. Para completar o quadro, tanto uma como a outra deu um tom
autobiográfico em grande parte de suas criações literárias.
Não demonstrarei com a profundidade merecida as intersecções entre vida e arte
nas experiências das autoras. Foge aos meus objetivos construir uma síntese capaz de
explicar o labirinto da operação de transformar a vida vivida em narrativa ficcional.
Pretendo demonstrar as perspectivas feministas de suas narrativas; como se colocaram no
debate político, especialmente através da literatura e como suas obras foram recebidas.
Acredito que o tom autobiográfico que as duas deram às suas criações representou um
exercício de “escrita de si”; trabalho, segundo Margareth Rago, de construção subjetiva
na experiência da escrita. Uma prática de liberdade. Neste processo, abre-se a
possibilidade do devir, de ser outro. Não se trata de um texto confessional com a
finalidade de demarcar uma identidade objetiva. “Assim, o eu de que se trata não é uma
entidade isolada, mas um campo aberto de forças; entre o eu e seu contexto não há
propriamente diferenças, mas continuidade”.1

1
RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade.
Campinas: Unicamp, 2013. p. 52
158

Busco evidenciar que em grande parte de suas produções elas assumiram o


compromisso, embasadas na teoria literária marxista – e obviamente nas interpretações
que prevaleceram no período – de construir narrativas ficcionais que retratassem as
experiências concretas. A ideia central era colocar a arte a serviço do projeto de
construção do mundo socialista, provavelmente em função do poder que a linguagem
artística teria em acessar os sentimentos, muitas vezes dando uma maior sensação de
presença da realidade quando comparadas às outras formas de produção do
conhecimento. Mas o debate sobre o como fazer foi atravessado por tensões.
Me aproximei da produção de Jacinta Passos e Alina Paim ciente de que as obras
e os gêneros literários não devem ser tomados como invariantes e universais. Em sintonia
com Jerry Eagleten, acredito que a análise de uma obra literária requer uma “atenção
sensível às suas formas, estilos e significados. Mas isso também significa compreender
essas formas, estilos e significados como produtos de uma história específica”.2 Como
sugeriu Roger Chartier, os textos de outros tempos e/ou espaços não foram compostos,
publicados, lidos e recebidos segundo os critérios que caracterizam nossa própria relação
com o escrito.

Trata-se, portanto, de identificar histórica e morfologicamente as


diferentes modalidades da inscrição e da transmissão dos discursos e,
assim, de reconhecer a pluralidade das operações e dos atores
implicados tanto na produção e publicação de qualquer texto, como nos
efeitos produzidos pelas formas materiais dos discursos sobre a
construção de seu sentido. Trata-se também de considerar o sentido dos
textos como o resultado de uma negociação ou transações entre a
invenção literária e os discursos ou práticas do mundo social que
buscam, ao mesmo tempo, os materiais e matrizes da criação estética e
as condições de sua possível compreensão.3

Assim, a análise da produção literária de Jacinta Passos e Alina Paim implicou em


uma busca à recepção e às suas próprias elaborações teóricas no campo da literatura. Cada
uma ao seu modo explicitou o que entendiam por literatura e arte. Ambas contribuíram
para a reflexão no campo da teoria literária. Jacinta em artigos jornalísticos, Alina na
própria narrativa romanesca e em entrevistas. Os dois próximos capítulos recuperam
fragmentos de vidas com o objetivo de demonstrar as contribuições de Jacinta Passos e
Alina Paim para a construção do conhecimento e para a história política do Brasil.

2
EAGLETAN, Jerry. Marxismo e crítica literária. São Paulo: Unesp, 2001. p. 14-15.
3
CHARTIER, Roger. Literatura e História. Topoi, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 197-216. Dez. 2000. p. 197.
159

CAPÍTULO 4 – POLÍTICA EM VERSOS: A POÉTICA FEMINISTA


DE JACINTA PASSOS

Imagem 4: Fotografias de Jacinta Passos1

Estudos de lógica:
A mulher está presa porque é comunista ou é comunista porque está
presa?
O homem tem família porque tem propriedade privada ou
tem propriedade privada porque tem família?
Este homem faz continência porque trabalha ou
trabalha para fazer continência?
Os trabalhadores da arte trabalham para fazer figuração ou
fazem figuração porque trabalham?
Eu faço arte porque sou artista ou sou artista porque faço arte?
– Por que é que aquele bezerro vai atrás das tetas da vaca?
– Preguiça de comer capim...
– Ó esquerdista!2
Não sois a cabeça de esquerda, sois a esquerda de uma cabeça!
Caderno 14, 19683

1
Fotografias disponíveis em: AMADO, Janaína (Org.). Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa,
biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/corrupio, 2010. p. 329; 333.
2
A expressão esquerdista era pejorativa. Esquerdismo significava sectarismo e construção de teorias não
coerentes com a realidade.
3
Os textos foram escritos por Jacinta Passos no período em que esteve internada na Casa de Saúde Santa
Maria, um sanatório localizado na cidade de Aracaju. O conjunto de manuscritos foi organizado por sua
filha Janaína Amado em Cadernos numerados. COMPRIMIDOS poéticos. In.: AMADO, Janaína (Org.).
Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/corrupio,
2010.
160

4.1. Apresentação

Natural da cidade de Cruz das Almas, interior da Bahia, Jacinta Velloso Passos
nasceu em 30 de novembro de 1914, na Fazenda Campo Limpo. Filha do político Manoel
Caetano da Rocha Passos e da dona de casa Berila Eloy Passos, era parte de uma família
de tradição aristocrática da região. Seu avô, conhecido na região como comendador
Themístocles, era latifundiário, escravagista e político. Seu pai, filho mais velho do
comendador, nasceu quatro anos antes da promulgação da Lei Áurea. Quando adulto, por
um período, se dividia entre a política e a administração das fazendas da família. Sua mãe,
Bedé entre os familiares, também descendia da aristocracia da região.4
Em 1926 Manoel Caetano vendeu a um dos seus irmãos a fazenda que possuía,
comprou um sobrado no bairro de Nazaré, em Salvador, para onde se mudou com a esposa
e as cinco filhas (entre as quais um menino). Ele desejava progredir em sua carreira
política e a capital aparecia como espaço privilegiado. Um ano após a mudança,
conseguiu ser eleito deputado estadual, conquistando o prestígio e o poder almejados. No
entanto, o cargo não lhe garantiu estabilidade econômica. Sua carreira política foi
conturbada, com sucessivas perdas de mandatos, próprias do clima político da época.
Quando faleceu, na década de 1950, o único patrimônio da família era o sobrado de
Nazaré.5 A contradição entre a real situação financeira e a imagem de pompa que a família
transmitia foi narrada em versos por Jacinta no poema “Canção da Partida”:

O meu pai é deputado/ democrata liberal/ – Viva a eleição!/ Terça-feira


vou ao baile no Palácio Aclamação/ – Andar na rua sem chapéu/ ficará
bem para nós?/ – Não fica!/ Minha irmã vai se casar/ com um doutor6./
Sou rica! – Vamos vender Campo Limpo/ para pagar nossa casa/ na
Ladeira do Hospital./ As meninas logo vão/ entrar na Escola Normal,/
é mais seguro/ professora é meio de vida,/ ninguém sabe do futuro/
Minha mãe, minha mãezinha/ todo dia na cozinha/ faz doce pra vender/

4
Grande parte das informações sobre sua trajetória foram extraídas da biografia escrita por sua filha, a
historiadora Janaína Amado. A biografia compõe o livro Coração Militante, organizado por ela. Com rigor,
a obra une história e memória. Com base em depoimentos orais e outras fontes históricas a historiadora e
neste caso também memorialista e personagem, montou uma narrativa emocionante. Para evitar notas
exaustivas, evitamos sinalizar a todo momento. O faremos apenas nas citações diretas e quando a
informação estiver em outra fonte. Cf. AMADO, Janaína. Biografia de Jacinta Passos: Canção da liberdade.
In: AMADO, Janaína. (Org.) Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica.
Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010, p. 335-442.
5
Na época, o bairro de Nazaré era povoado pela classe média ascendente, especialmente profissionais
liberais. Para um interessante passeio nos bairros de Salvador no período em tela convém consultar o livro
Bahia de Todos os Santos, de Jorge Amado. Na obra, o autor constrói um excelente espelho (lembrando
que espelhos enquadram imagens a partir da perspectiva de quem olha) da cidade do Salvador e da história
e características centrais dos bairros soteropolitanos. Cf. AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos. São
Paulo: Martins, 10ª ed. 1964. bairros de Salvador no período em tela
6
Alusão ao casamento de uma de suas irmãs com um médico.
161

– Augusto Braço Cotó, vá entregar no Triunfo/ e cobre!/ Não diga nada


a ninguém, meu bem./ Sou Pobre! [...] Não sei se sou rica ou pobre,/
vivo lá e vivo cá,/ sou como a mãe de S. Pedro,/ entre o céu e a terra
está.7

Muitos dos poemas de Jacinta Passos foram inspirados em histórias vividas por
ela mesma. “Canção da Partida” é um deles. O trecho acima faz referência ao lugar social
de sua família: típica classe média. A ausência de estabilidade financeira foi decisiva para
que Berila e Manoel resolvessem investir na educação das quatro filhas e do filho mais
novo. Caso necessário, precisavam ter meios que lhes assegurassem a sobrevivência. Em
1927, mesmo ano em que chegaram em Salvador, as “quatro passos”, como ficaram
conhecidas entre suas colegas, começaram a estudar na renomada e concorrida Escola
Normal. Em 1932 saíram de lá professoras, uma das poucas profissões consideradas
apropriadas para moças das camadas médias. Jacinta foi laureada na formatura,
destacando-se em Matemática, o que contribuiu para que no ano seguinte passasse a
ensinar a disciplina na mesma escola em que se formou, e Literatura Brasileira no Instituto
Isaías Alves.
O irmão, Manoel Caetano Filho, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia
em 1933, quando começou a se envolver com o movimento estudantil e os círculos
literários do estado. Nesse período nasceu a afinidade entre ele e Jacinta, os únicos da
família apaixonados por leitura, poesia, filosofia e política. Mesmo sendo mais jovem, foi
ele que a aproximou dos estudantes e intelectuais católicos e comunistas que faziam arte
e política. Por ser homem, Nelito, como era chamado pelos familiares, gozava de
autonomia e liberdade de movimento no espaço público, ao contrário da irmã. Em
companhia de um homem tornou-se mais fácil para ela circular mais livremente nas ruas
e participar das primeiras reuniões e manifestações públicas que marcaram sua vida.

4.2. Mergulho na vida pública: literatura, imprensa e política

Nos primeiros anos de juventude, como aprendera na infância, Jacinta Passos


permaneceu fervorosamente católica, ao mesmo tempo em que entrava em contato com
o ideário comunista. Em 1939 estourou a Segunda Guerra Mundial, evento que contribuiu
para que a professora de quase 25 anos, ainda solteira – o que naquele tempo não era

7
PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo: Edições Gávea, 1945 apud AMADO, 2010, p. 95.
162

razoável para mulheres da camada social da qual fazia parte – se envolvesse ainda mais
nas atividades políticas.
Participou de passeatas, comícios, atos públicos, manifestações de rua, além de
escrever textos contra o nazifascismo para a imprensa local. Nesse período seu irmão lhe
apresentou um amigo, Giovane Guimarães, com quem Jacinta engatou um namoro. O
novo namorado também frequentava os círculos dos intelectuais comunistas e socialistas.
A relação a aproximou ainda mais desses setores, inclusive com os militantes pecebistas,
maior força política da esquerda do período. A partir de então passou a estudar com afinco
os preceitos do socialismo e do comunismo, a história da Revolução Russa e os materiais
produzidos pelo PCB.
Embora figuras masculinas tenham facilitado a circulação de Jacinta na esfera
pública e no contato com as ideais comunistas, quando mergulhou na militância não ficou
à sombra dos homens. Dentro do possível, caminhou com as próprias pernas, fez escolhas
e em muito contrariou os padrões da sua família, cuja história ancorava-se num passado
escravista veementemente criticado por ela, embora na prática, como veremos, tenha
usufruído dessa “herança” em alguma medida.
Nas décadas de 1940-50 tornou-se uma figura proeminente nos cenários político
e intelectual do país. Na Bahia, entre 1942 e 1943, colaborou e trabalhou na redação da
revista Seiva, ligada ao PCB. Segundo João Falcão, era a única mulher entre os redatores.8
Também colaborou com o jornal O Imparcial, à época, de grande circulação no Estado.
Nele, dirigiu uma página semanal, a “Página Feminina”. Como jornalista, escreveu,
“sobretudo, sobre a situação política do Brasil e do mundo, os acontecimentos da Segunda
Guerra Mundial, a necessidade de combater o nazifascismo, a mobilização das mulheres,
as opções que via a cada momento para a sociedade brasileira”.9
Publicou poemas e construiu reflexões sobre teoria literária, expressando as
inquietações próprias do contexto. Se referindo aos reflexos da guerra nas dinâmicas
políticas e principalmente sociais, declarou que “às novas formas de vida correspondem
sempre novas formas literárias”. Para ela, a literatura e qualquer expressão artística
deveriam ser “fiéis à realidade do seu tempo [...]. Quando alguém, dentro da arte, procura
falsificar a realidade, procura prolongar épocas que já terminaram, consegue apenas

8
FALCÃO, João. A história da revista Seiva – Primeira revista do Partido Comunista do Brasil – PCB.
Salvador: Ponto & Vírgula, 2008, p. 74.
9
PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10, ago., 1942.
163

caricaturas e não seres humanos”. 10 Em 1945, em entrevista concedida ao jornal O


Momento, quando perguntada sobre a relação entre arte e política, respondeu que “todo
artista verdadeiro, isto é, todo artista que sente realmente a sua obra e procura realizá-la
honestamente, faz arte social”, fosse ele “reacionário” ou “revolucionário”.11

Assim o grande poeta reacionário Mário Quintana faz arte social porque
sua obra reflete o desespero e o fim de vida de uma classe sem solução.
Assim os romancistas revolucionários de 30 fizeram arte social porque
refletiram no romance as aspirações de uma parte da população
brasileira que começava a pesar na vida social: os explorados do campo,
famintos da terra. Nos regimes democráticos, existe arte reacionária e
arte revolucionária. No fascismo não há arte. Foi o que se viu na Itália,
na Alemanha e no período de fascistização do Brasil.12

Lembremos que naquele ano a guerra havia acabado e a ditadura do Estado Novo
dava sinais de falência. A sensação era de que o país estava cada vez mais próximo de
uma democracia. Na leitura de Jacinta, “com o processo de redemocratização do país”,
os “artistas revolucionários” encontravam novas condições para produzir. Sobre o perfil
dos escritores que chamou de revolucionários, destacou que a maioria era “homens [sic]
de classe média não identificados com sua classe, e que por isso não podem criar, dentro
dela, uma arte que seria reacionária”. Por isso, para produzirem precisavam “de um
contato com o povo”. Para tanto, o Partido Comunista serviria de ponte entre eles e as
camadas populares. O Partido estaria ligado, “realmente, à massa, e representa[va] as suas
aspirações”.13
Embora considerasse a importância dos “artistas revolucionários”, ou seja,
daqueles preocupados em criar uma arte vinculada à vida das camadas populares, em sua
opinião, a literatura só encontraria sua forma mais perfeita quando fosse
“verdadeiramente popular”, isto é, produzida pelo povo. E quem era o povo para Jacinta?
Deixemos que ela própria responda:

O povo é feito de vós que estais aqui [no primeiro comício de Prestes
na Bahia após a anistia], que viestes da Penha, da Barroquinha, do
Chame-Chame, da Estrada da Liberdade, das fábricas, das oficinas, das
casas, lojas, repartições e escritórios. É Joaquim Monteiro, é Manoel
estivador que mora no Pau-Miúdo, que tem 7 filhos para criar, e cuja
filha mais velha vai todo dia a pé, muitas vezes em jejum, do Pau-Miúdo
até a Escola Normal, porque não mora longe, como milhões de irmãos

10
PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10, ago., 1942.
11
Idem. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas [Entrevista]. O Momento, Salvador, ano 1, n. 40,
p. 3, 10 dez., 1945.
12
Ibid.
13
Ibid.
164

nossos, que a distância isolou, sem dinheiro para pagar o bonde. O povo
é negro Benedito, que como estrangeiro, em plena solidão, perdido no
meio do mato, morando numa casa de terra batida, comendo carne-seca
com farinha, de pé no chão, trabalhando sem descanso, sem saúde, sem
médico, sem instrução, sem alegria, porque não tem dinheiro, porque
não tem terra para plantar, e não tem terra para plantar porque o patrão
é dono de léguas e léguas de terras abandonadas. O povo é feito de vós,
dessa gente que forma a maioria, a grande massa da nação brasileira.14

As palavras da autora demonstram que para ela o lugar social garantiria


necessariamente o engajamento político nas causas do povo. Segundo avaliou, o que
chamavam de Literatura Popular no Brasil não passava de uma falsificação porque não
era feita pelas pessoas que experimentavam, na prática, as exclusões sociais.

Porque é feita por gente que não vive nas casinhas miseráveis que mal
abriga do sol e da chuva, no sertão onde a luta do homem contra a
natureza e o meio toma, às vezes, um caráter de resignação trágica, nos
morros por onde trepam as criaturas que as grandes cidades excluíram
de sua vida. Tudo isso é tomado como motivo exótico e não como
material vivo. [...] Poesia popular verdadeira será com o ‘lundu de Pai
João’, lundu que vivia na boca do povo e que foi recolhido por vários
estudiosos do folclore, em vários pontos do Brasil. O lundu diz o
verdadeiro sentimento do negro, revolta reagido pela ironia. [...] Os
esforços para atingir essa incorporação virá delas mesmas, dessas
correntes humanas, como delas virá a sua realização literária. Qualquer
esforço, nesse sentido, dos que vivem fora dessas correntes humanas
será um esforço mais ou menos falso. Reconhecer isso é talvez a atitude
mais honesta, o máximo que podemos atingir com nossa pobre
capacidade de sermos objetivos, nós outros, os burgueses.15

Falando como mulher burguesa, lugar de fala16 que reconheceu como seu, Jacinta
Passos destacou que como tal carregava “também a crosta/ essa que a classe gerou/ vil,
tirânica, escamenta”. 17 Como considerava impossível se desvencilhar totalmente dos
valores burgueses no qual havia sido formada, defendeu que somente aqueles que viviam
na pele a exploração e a exclusão seriam capazes de expressar com verdade a realidade.

14
O POVO não pode mais ser enganado. O Momento, Salvador, ano 1, n. 37, p. 5, 29 nov., 1945.
15
PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10, ago., 1942.
16
O conceito de “lugar de fala” problematiza a universalidade. Como destacou a filósofa Djamila Ribeiro,
todos os sujeitos possuem um lugar de fala. O que significa dizer que as pessoas têm lugar social, seja de
subalternidade ou de privilégio. Mas os demarcadores de especificidade só aparecem quando se trata de
sujeitos subalternizados. A universalidade é uma construção arbitrária que esconde privilégios ao mesmo
tempo que deixam intocáveis. Só são rotulados de específicos os grupos que são minorias políticas. Homens
brancos, cisgênero e heterossexuais também ocupam lugares de raça, gênero e sexualidade, muito embora
não sejam demarcados com esses qualificadores, diferente do que acontece, por exemplo, quando se trata
de uma mulher trans, negra e homossexual. “Só fala na voz de ninguém quem sempre teve voz e nunca
precisou reivindicar sua humanidade”. RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte:
Letramento/Justificando, 2017. p. 90.
17
PASSOS, Jacinta. Canção do amor livre. In: PASSOS, Jacinta. Poemas Políticos. Rio de Janeiro: Casa
do Estudante do Brasil, 1951 apud AMADO, 2010, p. 157.
165

Nesse momento a literatura encontraria sua forma perfeita. Mas enquanto as condições
sociais não eram favoráveis, visto que o analfabetismo penalizava largas parcelas da
sociedade brasileira, caberia aos intelectuais “burgueses” construírem uma literatura
engajada que expressasse, ainda que de forma limitada, as desigualdades sociais. Em sua
leitura, a arte não deveria ser mero vínculo de entretenimento, mas direcionada para a
transformação social.18
A teoria literária marxista que influenciava as escritoras e escritores comunistas,
entre os quais Jacinta, nega que, por si só, a arte tem o poder de mudar o curso da História,
mas insiste que pode ser um elemento ativo de mudança. 19 Tomando a arte como
eminentemente política, Jacinta Passos colocou sua pena a serviço de um projeto de
sociedade comunista, feminista e antirracista, sem deixar de estar conectada a atmosfera
intelectual do contexto. Segundo Ilka Oliveira, na década de 1940 muitos escritores
brasileiros produziam uma “literatura proletária” e/ou regionalista, tendência iniciada nos
anos 1930, atravessados por “uma grande fertilidade da produção literária de caráter
regionalista”.

São romances de Jorge Amado (como O País do Carnaval, Cacau e


Suor), José Lins do Rego (com o Menino de Engenho e Usina), Rachel
de Queiroz (com O Quinze, João Miguel e Caminho de Pedras),
Graciliano Ramos (com São Bernardo e Vidas Secas), Amando Fontes
(com Os Corumbas) e muitos outros não consagrados na Geração de
30, mas de algum modo fiéis a ela, que se constituem exemplos
privilegiados da sede documentária que se intensifica nesses anos,
sugerindo ainda o momento de criação da infraestrutura para o
desenvolvimento da cultura [literária]. Muitos destes escritores estão
ligados ou próximos ao PCB, recebendo diretamente a influência de
suas discussões, num momento em que de modo geral se refinavam as
expectativas de uma literatura social e se difundiam as traduções de
escritores russos ou outros estrangeiros afinados com a esquerda, como
Panai Strati, Boris Pilniak, llya Ehremburg, Michael Gold e Jack
London e Steinbeck.20

Na década de 1940 a tendência se consolidou. Foi um período de grande


movimentação intelectual, especialmente a partir de 1945, quando se desenvolveram
articulações e quebras de alianças no meio intelectual. O I Congresso Brasileiro de
Escritores, realizado pela Associação Brasileira de Escritores (ABDE), fundada em 1942,
foi um marco importante. No congresso, realizado em janeiro de 1945, intelectuais

18
PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10, ago., 1942.
19
EAGLETON, Terry. Marxismo e crítica literária. São Paulo: Unesp, 2011. p. 25.
20
OLIVEIRA, Ilka. A literatura na Revolução: contribuições literárias de Astrojildo Pereira e Alina Paim
para uma política cultural do PCB nos anos 50. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária) – Instituto de
Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998. p. 37.
166

comunistas e de outros grupos políticos comprometidos com a luta antifascista e contra o


Estado Novo se uniram. No período prevaleceu a ideia de arte e literatura engajadas contra
as desigualdades sociais.21
Toda a produção de Jacinta Passos teve um declarado cunho social, portanto
explicitamente atravessada pelos temas que compunham as disputas políticas e sociais do
tempo da escrita. Mesmo quando escrevia sobre amor, não deixava de lado a reflexão
política, sobretudo, feminista. 22 Em 1942, publicou com seu irmão o livro Nossos
Poemas, pela Editora Bahiana. A obra é dividida em duas partes: a primeira, “Momentos
de Poesia”, reúne 38 poesias de Jacinta Passos; a segunda, “Mundo em Agonia”, traz 22
poemas do seu irmão. Na obra, além de tematizar os conflitos políticos do momento e as
suas lembranças na Fazenda Campo Limpo, Jacinta trouxe para a cena temáticas cadentes
em toda sua trajetória político-intelectual: as desigualdades de gênero, raça e classe.
Nossos Poemas não passou invisível pela crítica. Lafaiete Spínola, médico e
conhecido crítico literário da Bahia, teceu comentários. Segundo avaliou: “os ‘Momentos
de Poesia’, da sra. Jacinta revelam uma artista, senão de monumentos grandiosos, pelo
menos de delicados painéis. Extremamente impressionista e, mais ainda, impressionada,
possui, contudo, um defeito raro nas mulheres: pensa”. Para Spínola, ainda que não
pudesse ser considerado extraordinário, o livro cumpria bem o que era a função da arte,
“a mais perturbadora das angústias humanas”. O livro era bem-sucedido porque criava
“uma estranha vida, a que implantaram as leis de seu capricho e de sua fantasia”. Os dois
poetas “à semelhança de tantos outros, são testemunhas expressivas dessa ânsia incontida
de realização, que é a própria essência da arte”.23
Escrito numa época em que o ato de pensar era visto como “um defeito raro nas
mulheres”, o livro foi bem avaliado por um crítico proeminente do estado da Bahia. No
meio literário, eram as vozes dos homens brancos que chancelavam a entrada ou não de
um escritor ou escritora nos círculos considerados respeitáveis. Eles estabeleciam as
normas, estilos e belezas da arte. Eram a maioria. Para as mulheres – e para os negros –
não era simples furar a bolha.24 O escritor negro Lima Barreto (1881-1922) é um exemplo

21
OLIVEIRA, 1998, p. 41.
22
As expressões feministas de Jacinta Passos serão analisadas no sexto capítulo em diálogo com o
feminismo do seu tempo.
23
SPINOLA, Lafaiete. O Imparcial. Salvador, 24 out., 1942, p. 5. Biblioteca Pública do Estado da Bahia.
Setor: Periódicos Raros. Salvador.
24
No Brasil, o cenário parece não ter mudado muito, pelo menos até 2004. Ao estudar a produção literária
brasileira entre 1990 e 2004, Regina Dalcastagnè constatou um “mapa de ausências” nos romances
brasileiros, sobretudo, de dois grandes grupos: pobres e negros. A equação de gênero também apresentou
resultados desfavoráveis para as mulheres, que publicam bem menos que os homens, responsáveis por
167

emblemático. Seus romances, todos publicados na Primeira República, não foram


chancelados por seus contemporâneos. O valor literário só foi reconhecido anos depois.
Em outubro de 1941, o editorial da revista Seiva advertiu que o silêncio estava relacionado
às temáticas abordadas. “Porque falou nos pobres e no preconceito de cor, porque falou
em carregadores sujos e mulatos pobres, Lima Barreto foi boicotado por longos anos
pelos donos da glória”.25
Anos depois, a pesquisadora Lilia Moritz Schwarcz chegou à conclusão
semelhante. Segundo ela, Recordações, o primeiro romance de Lima Barreto, publicado
em 1909, foi condenado pela crítica provavelmente em função das temáticas que o
escritor elegeu. Falar sobre racismo não agradava uma República que acabava de nascer
sob o signo de uma emancipação inconclusa dos recém-libertos da escravidão relegados
à marginalização em vários setores da sociedade. Denunciar as desigualdades raciais
manchava a imagem do novo regime político que se pretendia moderno. Era melhor
manter a falácia da convivência pacífica entre as raças.26
Diferente de Lima Barreto, Jacinta Passos era branca, mas mulher. Se ele era a
“outra” raça, ela era o “outro” gênero. Em 1949, na famosa obra O Segundo Sexo, Simone
de Beauvoir chamou a atenção para o fato de que a alteridade faz parte do pensamento
humano. “Nenhuma coletividade se define como Uma sem colocar imediatamente a
Outra diante de si”. 27 Historicamente, o outro quando subjugado é inferiorizado
socialmente. Embora generalizasse, Beauvoir falava de uma realidade própria do mundo
ocidental e ocidentalizado e das leituras construídas a partir do sistema de pensamento
colonial que é sempre autorreferente.
Nesse universo, como destacou a filósofa, os racistas enxergam os negros sempre
como inferiores aos brancos; os machistas, as mulheres como inferiores aos homens.
Neste caso, há uma singularidade. Não existe um marco que explique a inferiorização das
últimas. Diferente dos demais, às mulheres faltou um acontecimento. No que diz respeito
ao racismo contra negros, a escravidão é um marco. As classes sociais também emergiram

72,7% das publicações. “Ainda mais gritante que a pouca presença feminina entre os autores publicados é
a homogeneidade racial. São brancos 93,9% dos autores e autoras estudados. [...] E, em grande medida,
aqueles que participam do campo literário já estão presentes também em outros espaços privilegiados de
produção de discurso, notadamente na imprensa e no ambiente acadêmico. [...] Os números indicam, com
clareza, o perfil do escritor brasileiro. Ele é homem, branco, aproximando-se ou já entrando na meia idade,
com diploma superior, morando no eixo Rio-São Paulo”. DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura brasileira
contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Horizonte, 2012. p. 158-162.
25
ESCRITORES das Américas: Lima Barreto. Seiva, Salvador, ano 3, n. 10, out., 1941, p. 35.
26
BEAUVOUIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. v. 1, 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
p. 210-223.
27
Ibid., p. 13.
168

em um contexto histórico: o surgimento do capitalismo. “Nem sempre houve proletários,


sempre houve mulheres”.28 Elas foram definidas por sua estrutura fisiológica; portanto
pela natureza. “Sua dependência não é consequência de um evento ou de uma evolução,
ela não aconteceu. É, em parte, porque escapa o caráter acidental do fato histórico que a
alteridade aparece aqui como um absoluto”.29 O homem (branco/ocidental) assumiu o
lugar positivo e neutro, “ao ponto de dizermos ‘os homens’ para designar os seres
humanos” 30 ; ao passo que “a mulher” é o lado oposto, negativo. “A humanidade é
masculina, e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele. [...] O homem
é pensável sem a mulher. Ela não, sem o homem. [...] O homem é o Sujeito, o Absoluto;
ela o Outro”.31
Ocupando a condição de sujeito socialmente inferiorizado pelo gênero, enquanto
mulher branca, Jacinta Passos conseguiu reconhecimento no campo literário entre os seus
contemporâneos. Mas o seu gênero comumente era levado em consideração quando suas
obras eram analisadas, o que não acontecia com o sexo oposto. Ela não deixava de ser
vista como alguém que não era parte “natural” do grupo, fato que certamente exigiu que
negociasse suas criações literárias.
Ao longo de sua trajetória contrariou muitas das expectativas sociais que recaíam
sobre ela: mulher, branca, oriunda da aristocracia rural do interior da Bahia e educada
dentro dos princípios cristãos.32 As escolhas e os acasos confirmam o caráter imprevisível
e paradoxal da vida real. Ao que tudo indica, em 1943, abandonou a fé católica e no ano
seguinte mergulhou de corpo e alma na vida política, adotando uma postura anticristã. A
nova maneira de ver a religião não foi transferida para sua produção poética: “manteve-
se à parte dos poemas, mesmo dos políticos, só vindo a integrar os escritos dos últimos
anos de vida, os Cadernos do Sanatório, e, assim mesmo, os escritos são em prosa não em
verso”.33
Quanto mais mergulhava na militância, mais se afastava da religião, que passou a
considerar fator de alienação da humanidade e da exploração do povo. “Pagou um preço
altíssimo por derrubar tantas barreiras, na contramão da vida, na construção do caminho

28
BEAUVOIR, 2016, p. 15.
29
Ibid., p. 11.
30
Ibid.
31
Ibid., p. 12.
32
Aos 50 anos de idade foi assim que Jacinta Passos se definiu ao dar entrada, em 31 de maio de 1964, na
Casa de Saúde Santa Maria, sanatório localizado em Aracaju: mulher, branca, casada/desquitada, mãe e
comunista. Cf. MACHADO, Dalila. A história esquecida de Jacinta Passos. Salvador: Secretaria da
Cultura e Turismo/Fundação Cultural do Estado, EGBA, 2000. p. 30.
33
AMADO, 2010, p. 363.
169

duro de seus ideais”.34 Como militante do PCB, atuou em diferentes espaços e cidades,
entre as quais, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Petrolina e Aracaju.
Organizou núcleos, sobretudo de mulheres, participou de reuniões e passeatas, escreveu
textos sobre a “situação feminina” e sobre a importância da ação das mulheres na
construção da democracia no país. No movimento de mulheres, como escrevi no capítulo
anterior, presidiu a Federação de Mulheres do Brasil. Foi detida em 1951, em São Paulo,
durante um evento promovido pela organização. Ao que parece, foi na capital paulista,
cidade para a qual se mudou em fevereiro de 1944, que ela mergulhou ainda mais na
militância comunista.

4.3. Casamento, maternidade, PCB e consagração literária

A mudança para São Paulo foi um marco importante em sua trajetória. Quando se
mudou foi morar com o namorado, James Amado, um jovem estudante quase dez anos
mais novo que ela. Para uma mulher branca de classe média, morar com o namorado antes
do casamento representava uma afronta à moralidade. Mas a prática era relativamente
comum no meio artístico e político do qual Jacinta e James faziam parte. Ela não seria a
primeira companheira de James a contrariar a norma. Antes dela, ele já havia morado com
uma jovem artista. E no partido, por diversas razões, a exemplo da clandestinidade ou
como escolha de não submeter às leis burguesas, não era incomum que homens e
mulheres comunistas vivessem uma vida matrimonial sem oficializar ou legalizando
tardiamente a relação.35
A diferença de idade entre os dois também não correspondia ao lugar comum,
neste caso independente do meio. Ele acabara de completar 22 anos, ao passo que ela
estava chegando à casa dos trinta. Uma “solteirona”36 para os padrões do período, mas
intelectual respeitada na Bahia. O lugar de prestígio na vida pública, todavia, não tinha o
mesmo valor atribuído aos homens. Como observou Clara Coria, o sucesso profissional

34
AMADO, 2010, p. 11.
35
Luiz Carlos e Maria Prestes, bem como Mauricio e Alzira Grabois são dois exemplos de casais
comunistas que só oficializaram o matrimônio após anos de convivência. No primeiro caso, segundo
lembrou Maria, a ilegalidade pesou, além disso, ela alegou não querer formalidade, pois se a relação não
desse certo seria mais fácil a separação. O segundo casal resolveu viver o que entendia por união livre, leia-
se, casamento não legal. Cf. PRESTES, Maria. Meu Companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes.
2° ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. p. 74; LEÃO, Viviane Maria Zeni. Mulheres e o imaginário comunista
(uma nova história; uma história nova) 1945-1956. Dissertação (Mestrado em História) – Setor de Ciências
Humanas, Artes e Humanidades, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2003. p. 122.
36
Expressão pejorativa usada para mulheres que depois dos 25 anos ainda não estavam casadas.
170

assumia diferentes significados para homens e mulheres. “Assim, no caso masculino


trata[va]-se de um homem ‘bem sucedido’ e, no caso da mulher, aquela que ‘conseguiu
compensar um fracasso na sua realização feminina’”.37
Uma mulher considerada plenamente realizada não era aquela bem-sucedida
profissionalmente, mas a “bem casada”, leia-se, com um homem capaz de prover a
família. Assim, o casamento de Jacinta não era o ideal. James, ainda que filho de
proprietários rurais abastados, não passava de um jovem estudante sem profissão e renda
fixa. Para piorar, muito mais novo que ela. Se mudássemos a ordem das diferenças, o
casal estaria enquadrado na normalidade, mas sendo a mulher a mais velha, ainda que
independente, não raro ouvia impropérios machistas. Segundo Janaína Amado, “muitos,
homens e mulheres, estranhavam a diferença de idade e de temperamento entre os dois.
Jacinta enfrentou ironias e agressões”. 38 Em depoimento, Zélia Gattai relatou uma
situação de constrangimento relacionada à diferença de idade do casal:

Houve um fato de que eu não gostei. Jantávamos na casa do Nonê, filho


de Oswald de Andrade [em São Paulo, em 1945]. Chegaram James e
Jacinta. Ela, austera, de ‘tailleur’, coque, temperamento sisudo, parecia
mais velha do que era. Já ele, parecia mais novo. Isso fazia a diferença
de idade entre eles aumentar. Quando Jacinta passou, uma convidada
falou: ‘La madre heroica!’. Jacinta fez que não ouviu, mas deve ter
ouvido, porque a convidada falou alto, e eu, que estava mais longe,
ouvi.39

Além de mais velha que o companheiro, quando começaram a namorar ela já havia
tido outra experiência sexual. Em 1941 havia “perdido a virgindade”, então considerada
sagrada para a mulher, com uma paixão do momento.40 O namoro durou pouco tempo e,
ao que tudo indica, o final foi sofrido para ela. Em dezembro de 1943 conheceu James e
depois de alguns meses morando juntos, em 18 de março do ano seguinte, se casaram
apenas no civil, numa cerimônia inusitada. Dela participaram apenas os noivos, duas
testemunhas (um amigo do casal e um desconhecido que escolheram na hora) e o juiz
responsável. Como estabelecia o Código Civil adotou o sobrenome do marido e passou a
chamar-se Jacinta Passos Amado. Ao sair do cartório, os recém-casados dirigiram-se a

37
CORIA, Clara. O sexo oculto do dinheiro: formas de dependência feminina. Rio de Janeiro: Record/Rosa
dos Ventos, 1996. p. 42.
38
AMADO, 2010, p. 375.
39
Ibid., p. 376.
40
A relação afetiva e sexual virou tema de cinco de seus poemas: O Momento eterno, Limitação, Mulher,
Canção Simples e Ressonância, todos escritos em 1941 e publicados em Nossos Poemas. O homem com o
qual se envolveu, que preferiu manter-se no anonimato, anos depois, confirmou o ato em entrevista a
Janaína Amado. Revelou que o namoro começou a esquentar e, certo dia, por iniciativa de Jacinta,
consumaram o ato na casa de uma amiga dela, na Cidade Baixa. AMADO, 2010, p. 62-67.
171

uma agência da Western Telegraph Company, no centro da cidade, e enviaram à família


da noiva o seguinte telegrama: “Abraçamos queridos pais pt Jacinta James”.41
Depois do casamento, raramente assinava com o sobrenome do marido, talvez
porque, como disse, antes ela já era uma escritora conhecida pelo sobrenome Passos. Nos
meios políticos e artísticos em que circulou, apesar do machismo, Jacinta não se tornou
conhecida como “filha”, “irmã” ou “mulher de”. Mesmo sendo filha de político, irmã de
médico/escritor, e casada com um também escritor e militante – irmão do já famoso Jorge
Amado – conseguiu sustentar seu próprio nome: Jacinta Passos.
Meses após o casamento ela engravidou. Grávida, viveu boa parte dos
acontecimentos políticos de 1945 que, como vimos, foi um momento de expectativas e
otimismo na política brasileira. A presença de uma empregada doméstica, Regina
Menezes Figueiredo, “herança” de sua família, certamente facilitou sua vida pública. De
acordo com Janaína Amado, Regina era uma “antiga serviçal da família Passos”42 enviada
da Bahia por sua mãe para auxiliá-la nas tarefas domésticas. É provável que os
antepassados de Regina e outras empregadas domésticas citadas por Janaína Amado
tivessem trabalhado como escravizados para a sua família – ou outras famílias do
Recôncavo Baiano – nos tempos da escravidão. A forma como Janaína Amado se refere
a elas parece atestar o vínculo com o passado escravista, tanto pela ideia de posse que
aparece na linguagem – serviçais da família, enviadas por – quanto pela característica
histórica do emprego doméstico no Brasil, que guarda uma relação muito próxima com o
passado escravista. Regina e tantas outras empregadas domésticas representavam uma
continuidade do lugar reservado às mulheres negras e pobres após a emancipação da
escravidão incompleta.43
Podendo contar com o apoio da empregada doméstica, tornou-se menos difícil
para Jacinta participar de comícios, passeatas e outros atos políticos, alguns perseguidos
pelo governo do Estado. Como boa parte dos intelectuais, da juventude e vários setores
da sociedade, Jacinta Passos via o comunismo como única possibilidade de transformar

41
AMADO, 2010, p. 370.
42
Ibid., p. 374.
43
Cf. COSTA, Suely Gomes. Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde reprodutiva.
Estudos Feministas. Santa Catarina, v. 10, n. 2, p. 301-322. Jul./dez., 2002; MELLO, Soraia Carolina de.
Feminismos de Segunda Onda no Cone Sul problematizando o trabalho doméstico (1970-1989).
Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Santa Catarina. Florianópolis, 2010; SILVA, Maciel Henrique da. Domésticas criadas entre textos e
práticas sociais: Recife e Salvador (1870-1910). Tese (doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011; BERNARDINO-COSTA, Joaze.
Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização política das trabalhadoras domésticas
no Brasil. Revista Sociedade e Estado. Brasília, v. 30, n. 1, p. 147-163. Jan-abr., 2015.
172

o Brasil em um país igualitário, humano e justo. O novo mundo livraria da exploração,


inclusive, as empregadas domésticas. Mais do que uma utopia, o projeto era visto cada
vez mais como possível, dados os exemplos da URSS e da China, tidas como protótipos
de sociedades comunistas concretas. Portanto, se o comunismo já estava sendo
implementado com sucesso naqueles lugares, logo chegaria ao Brasil.
Além das atividades partidárias, no primeiro semestre de 1945 Jacinta Passos
publicou seu segundo livro de poesias, desta vez assinado apenas por ela. Canção da
Partida foi publicado em São Paulo, pelas Edições Gaveta. Segundo conta Janaína
Amado:

Foram editados apenas 200 exemplares, em formato grande (17,5 x


22,5), papel bouffant de primeira qualidade, numerados e assinados pela
autora, ilustrados com cinco desenhos de Lasar Segall, um dos quais na
capa, além de mais dez exemplares, marcados de A a J, cada um
contendo uma ponta-seca original de Segall. O livro foi muito bem
recebido pela crítica, conseguindo chamar a atenção de escritores e
estudiosos de muito prestígio, que publicaram críticas e resenhas sobre
ele na imprensa.44

Em Canção da Partida, alguns poemas do livro anterior foram republicados. As


temáticas de gênero, raça e classe foram desenvolvidas de forma mais explícita. Ela
chegou a fundir os três elementos que estruturam as relações sociais, estabelecendo
privilégios a uns em detrimento de outros. O poema “Canção da Partida” que abre e tem
o mesmo título do livro é representativo. Em versos, ela narra a vida em Campo Limpo,
a transição para Salvador, os diferentes estilos de vida do campo e da cidade, a herança
da escravidão para homens e mulheres negras, denunciando a emancipação incompleta
dos libertos. “Benedito tem cem anos:/ negro duro!/ cem anos de escravidão./ Cadê
Princesa Isabel/ que a liberdade inventou?/ manoca o fumo, menina,/ você hoje vadiou”.45
No mesmo poema, declarou que só o comunismo libertaria todos os “oprimidos”,
instituindo quase um paraíso na Terra.

Quando a gente lá chegar,/ Venâncio!/ não precisas mais de pinga,/


Manuel nunca mais xinga,/ Lampião deixa o cangaço,/ Sinhá Anastácia/
não precisa mais rezar./ [...] O país para onde vamos,/ Estelita!/ é uma
terra tão bonita, parece até invenção./ O país para onde vamos/
Vitalina!/ fica aqui, fica na China,/ fica nas bandas do sul,/ fica lá no
Polo Norte,/ principia onde termina,[...] muito além daquele monte, [...]
lá na linha do horizonte, [...] onde a terra encontra o céu.46

44
AMADO, 2010, p. 371.
45
PASSOS, Jacinta. Canção da Partida apud. AMADO, 2010, p. 85-86
46
Ibid., p. 94-95.
173

Seu segundo livro a lançou na literatura nacional. Se o primeiro, ao que parece,


circulou mais amplamente apenas no Estado da Bahia, o segundo extrapolou as fronteiras
regionais, sendo comentado por críticos famosos, como Antônio Cândido, Roger Bastide
e Sérgio Milliet.47 Cândido observou que os ritmos populares, a melodia elementar e o
canto de esperança o caracterizava, destacando que a poeta havia mergulhado “de alma e
corpo nos ritmos e nas realidades que a vida oferece; [...] a sua sensibilidade esposa
ardentemente as formas da vida e encontra nelas um deleite sem maiores exigências”.48
Mais adiante, fez uma radiografia dos poemas.

Para a sra. Jacinta Passos o mundo do exterior e a vida existem como


uma soberania à qual não há como fugir. Daí seu apego às recordações,
ao som das palavras, aos ritmos de movimento, à associação das
imagens visuais e auditivas. Não se pense, todavia, que a sua poesia seja
barulhenta e colorida. Há nela zonas de silêncio e ternura, a fazerem
contraponto com a relativa exuberância da maioria dos poemas. [...] Se
o adjetivo não fosse tão vulgar, eu diria que Canção da Partida nos
revela uma poesia dinâmica. Seus versos estão sempre se deslocando
em planos diversos; vertigem de ritmos, desejo de mudança social,
projeção no futuro, volta ao passado.49

Para o crítico, a grande qualidade do livro, qual seja, “o senso de apego às coisas
e às pessoas”, também era responsável pelos defeitos: “certa vulgaridade discursiva, um
sentimentalismo por vezes fácil demais e, não raro, uma demagogia que a autora não sabe
evitar”. Ao final, destacou que Canção da Partida firmava Jacinta Passos “numa posição
50
de primeira plana na moderna poesia brasileira”. Roger Bastide também se
impressionou positivamente com a capacidade da autora em fundir “a necessidade
revolucionária do progresso humano e a cultura popular tradicional, à herança lírica dos
ancestrais”,51 o que para ele era o problema essencial da poesia. Já nas palavras Geraldo
Vieira a obra trazia uma

poesia dialética – muda de sussurros, contato quase imperceptível de


seres, código de calma, solução de repouso, fácil liturgia de

47
Cândido, Antônio. Poeta e Poesia. O Jornal, Rio de Janeiro, ano 27, n. 7864, p. 4, 15 dez., 1945. Segundo
Janaína Amado, a crítica foi publicada originalmente no jornal Diário de São Paulo em 13 de dezembro de
1945. Cf. AMADO, 2010, p, 459-464; BASTIDE, Roger. Trimestre Poético. O Jornal, Rio de Janeiro, ano
27, n. 7.639, p. 4, 24 mar., 1945; Segundo Janaína Amado, a crítica foi escrita em 1946 e publicada no livro
Diário crítico de Sérgio Milliet. AMADO, 2010, p. 465-471.
48
CÂNDIDO, op. cit., p. 4.
49
Ibid.
50
Ibid.
51
BASTIDE, Roger, op. cit.
174

comunicações próximas, íntimo aspecto de estados de alma em êxtase


que nada tem de dança ritual e sim de inércia de bem aventurança.52

Sérgio Milliet destacou que Canção da Partida se sobressaía pela “sensibilidade,


que por ser feminina nada tem de piegas”. Naturalizando a sensibilidade como
caraterística feminina, logo coisa de mulher, o autor demarcou a presença da “riqueza
melódica do folclore” e a conexão com a “poesia social”. Para ele, “Jacinta Passos nunca
se esquece de que é mulher”. Diferente de Cândido, observou que ela conseguiu “vencer
o maior dos obstáculos: a demagogia”, mas com grande dificuldade evitava o
convencional. Outro ponto fraco da autora, segundo ele, era a carência de malícia na
técnica do verso. “Precisa, sem dúvida alguma, superar a sua inocência um pouco
primitivista e, portanto, saborosa, mas algo primária e monótona. Há simplicidade e
simplicidade. Simplicidade inocência e simplicidade decantação. A esta é que se deve
chegar”.53
As palavras dos críticos refletem as expectativas do grupo. A atmosfera literária
da época estava marcada pela ideia de que a arte deveria interligar-se ao meio social e
expressar, sobretudo, os anseios das camadas desfavorecidas. Analisando as cartas
trocadas entre o escritor Graciliano Ramos (1892-1953) e o artista plástico Cândido
Portinari (1903-1962), Dênis de Mores demonstrou que, embora concordasse que a arte
deveria expressar os anseios populares, Graciliano demonstrou preocupação com o
trabalho do artista e sua relação com as injustiças sociais:

O que às vezes pergunto a mim mesmo, com angústia, Portinari, é isto:


se elas desaparecessem, poderíamos continuar a trabalhar?
Desejaríamos realmente que elas desapareçam ou seremos também uns
exploradores, tão perversos como os outros, quando expomos
desgraças?54

Em que pese as ponderações do escritor de Vidas Secas, o que estava em alta no


universo ficcional dos comunistas eram as histórias da “gente oprimida”, de preferência
apontando o comunismo como horizonte. Na época, o realismo socialista, que estabelecia
que a literatura e a arte deveriam exercer papel exclusivamente pedagógico na difusão
das bases para a construção do mundo comunista, a cúpula do PCB ainda não o havia

52
VIEIRA, José Geraldo. Poesia – solução para tudo. Correio Paulistano, São Paulo, ano 91, n. 27.343, p.
4, 13 mai., 1945.
53
Segundo Janaína Amado, a crítica foi escrita em 1946 e publicada no livro Diário crítico de Sérgio Milliet.
AMADO, 2010, p. 465-471.
54
Carta de Graciliano Ramos a Cândido Portinari, 15 fev., 1946 apud MORAES, Dênis. O Velho Graça:
uma biografia de Graciliano Ramos. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 221.
175

imposto como padrão estético para os artistas do partido. Foi somente em 1948 que o
Comitê Central demonstrou obstinação em adotá-lo, tendo em Andrei Zhdanov a maior
força de propagação.55

O zdanovismo esmagou a atividade criadora, subordinando-a a cânones


dogmáticos. [...] Em lugar da cultura burguesa, “decadente e
degenerada”, escritores e artistas se empenhariam em edificar a “cultura
proletária”, a única capaz de desmitificar os valores morais da classe
dominante e sustentar o caráter revolucionário da obra de arte. As
inovações estéticas passaram a ser condenadas como antissoviéticas e
contrarrevolucionárias.56

A aclimatação do realismo socialista no Brasil foi facilitada, segundo Ilka


Oliveira, pelo movimento literário iniciado no país na década de 1930 que, como vimos,
trouxe os temas sociais e o regionalismo para o centro das narrativas. 57 Canção da
Partida, publicado em 1945, se conectou às tendências de seu tempo. O livro colocou
Jacinta sob os holofotes, marcando sua entrada no rol dos grandes escritores do momento.
Mas nem só de glórias vivia a artista. No campo pessoal, naquele mesmo ano de
expectativas democráticas e êxitos como escritora, Jacinta enfrentou uma grande perda.
Aos oito meses de gestação sofreu um aborto que a abateu física e psicologicamente. Para
se recuperar, passou uma temporada com o marido em Águas de Lindoia, interior de São
Paulo.
No recesso resolveram recomeçar a vida em Porto Alegre, para onde partiram em
setembro. Na nova cidade Jacinta se filiou oficialmente ao PCB, proferiu palestras e
estreitou relações com o meio intelectual gaúcho, que também recebeu bem o seu segundo
livro. Poucos meses após a mudança, o partido convocou o casal a se dirigir para
Salvador. Ambos deveriam se candidatar a cargos eletivos. “Ordens da direção do partido
não eram discutidas, eram cumpridas”. 58 Retornaram à Bahia e se estabeleceram
provisoriamente na casa da família dela, cujo pai havia se lançado na disputa eleitoral
concorrendo a uma vaga de deputado federal na Assembleia Constituinte pela UDN,
partido ideologicamente oposto ao da filha, sua opositora política e concorrente no pleito.
Segundo Janaína Amado:

Não há informações sobre como foi a convivência do casal no sobrado


dos Passos, mas se pode imaginar a situação inusitada de, numa mesma

55
MORAIS, 2012, p. 249.
56
Ibid.
57
OLIVEIRA, 1998, p. 36.
58
AMADO, 2010, p. 378.
176

casa, morarem uma filha candidata a deputada federal pelo Partido


Comunista, e um pai que militava como todas as energias na UDN,
partido contrário ao PCB. [...] Na época Jacinta concedeu entrevista ao
jornal O Momento na sala da casa de seu pai, o que parece indicar
tolerância em relação a ela [ou atrevimento de sua parte?].59

Diferente de Jacinta, James teve sua candidatura recusada pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Ela foi a única candidata do gênero feminino dos 23 candidatos lançados
à Assembleia Constituinte pelo PCB. Mesmo não sendo candidata preferencial do partido,
que escolheu Carlos Marighela, não deixou de fazer campanha, assumindo uma vida
pública junto aos demais candidatos e a outras mulheres que atuavam na retaguarda.60 Ao
longo da campanha, participou ativamente de comícios em defesa do programa pecebista
da “Chapa Popular”, “com ênfase na questão das mulheres, o principal assunto sobre o
qual se debruçava, escrevia e discursava”.61
Em que pese o esforço, não conseguiu se eleger. O único candidato à Constituinte
eleito pelo partido foi Carlos Marighela. Luiz Carlos Prestes elegeu-se Senador. Passadas
as eleições, Jacinta e James continuaram em Salvador, mas se mudaram para uma casa
modesta na Cidade Baixa, em Mont Serrat. A intensa atividade político-partidária
permaneceu fazendo parte da vida de ambos. A militância consumia a maior parte do
tempo do casal, que sobrevivia, basicamente, com subsídio transferido pelo partido e
talvez com alguma ajuda da família. Jacinta e o marido escreviam regularmente para o
jornal O Momento. Ela, com menos intensidade do que antes, também produzia poemas,
muitos dos quais com temáticas relacionadas aos eventos políticos que agitavam o
contexto; ele investia na ficção em prosa. No período escreveu o romance que, em 1949,
foi publicado com o título Chamado do mar.62
Como era comum às mulheres do PCB, Jacinta dava aulas em comunidades
pobres, usando o espaço para divulgar o ideário comunista. Em 1947, mais uma vez o
partido a escolheu como candidata, agora ao cargo de Deputada Estadual Constituinte.63

59
AMADO, 2010, p. 378.
60
Os candidatos preferenciais eram aqueles nos quais os membros do partido tinham o dever de votar. De
acordo com Ricardo Szilio, a escolha desses candidatos seguia uma linha autoritária, que foi criticada por
Mauricio Grabois em um documento da Secretaria Nacional de Divulgação do PCB. SZILIO, Ricardo José.
“Vai, Carlos, ser Marighella na vida”: outro olhar sobre os caminhos de Carlos Marighella na Bahia (1911-
1945). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2017. p. 310.
61
AMADO, 2010, p. 239.
62
AMADO, James. Chamado do mar. São Paulo: Círculo do Livro, s/a.
63
Após a promulgação da nova Constituição, em setembro de 1946, foram marcadas novas eleições para o
dia 19 de janeiro do ano seguinte. O pleito destinou-se a escolha dos deputados estaduais, governadores,
um terceiro senador e mais um deputado federal.
177

Mas desta vez ela não foi a única mulher a concorrer pelo partido ao pleito no estado da
Bahia. Entre os 60 candidatos da “Chapa Popular”, 6 eram mulheres (10%) e nenhuma
foi candidata preferencial. Assim como nas eleições de 1945, mergulharam em intensa
campanha, com exceção de Jacinta.64
Nas curvas imprevisíveis da vida, pouco tempo após saber que disputaria mais
uma eleição, engravidou. Seu nome não foi retirado da chapa, mas não foi possível
participar da campanha. A gravidez era de risco. Durante sete meses ficou internada no
Instituto de Radiologia, em Salvador, e no dia 21 de abril de 1947 deu à luz a sua filha,
três meses após as eleições que lhe rendeu 23 votos. 65 O casal decidiu chamá-la de
Janaína, um dos nomes de Yemanjá. Segundo memórias da família recuperadas pela
própria Janaína, “era um nome tão inusitado à época que o padre da igreja de Nazaré,
mesmo sendo conhecido dos Passos, recusou-se a batizar a criança, por causa do seu
‘nome de candomblé’”;66 caso explícito de racismo religioso.
A maternidade impôs mais uma grande mudança em sua vida. Os primeiros meses
foram difíceis. Além das dificuldades comuns do puerpério, o PCB mergulhava em mais
uma tempestade política. O nascimento de Janaína coincidiu com o crescimento do
anticomunismo e perseguição política ao partido. Lembremos que naquele ano o registro
do PCB foi caçado iniciando-se a caça aberta aos comunistas. Na época, ela e o marido
moravam em um modesto quarto de pensão na rua Chile, para onde James se mudou nos
meses em que Jacinta esteve internada. Pouco mais de dois meses após o nascimento de
Janaína, a sede do jornal O Momento, na qual James trabalhava, foi depredada pela
polícia, que quebrou muitas máquinas essenciais para o funcionamento do periódico. Os
minguados recursos financeiros que o casal recebia do partido praticamente sumiram.
Sem dinheiro e sob intensa pressão, assim encontrava-se a mulher que acabara de se tornar
mãe.

64
Além de Jacinta, candidataram-se: Ana Montenegro, funcionária pública; Bernadete Santos, operária
fumageira, Carmosina Nogueira, enfermeira, Dagmar Gudes, médica e Maria Lopes de Melo, professora
primária. Os candidatos preferenciais do partido foram: Mario Alves, Giocondo Dias e Jaime Maciel. A
CHAPA popular, O Momento, Salvador, 19 jan. 1947, p. 2; AS MULHERES baianas têm as suas
candidatas. O Momento, Salvador, 03 jan. 1947. p. 1.
65
O PCB obteve um total de 12.580 votos no estado. Conseguiu eleger dois deputados estaduais: Giocondo
Dias (com 1.094 votos) e Jaime da Silva Maciel (com 1174 votos). Seu pai conseguiu se eleger pela UDN,
tornando-se o parlamentar mais idoso daquela legislatura. AMADO, 2010, p, 380; SERRA, Sônia. O
Momento: História de um jornal militante. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1987. p. 56.
66
Segundo narra Janaína Amado, o batizado só ocorreu devido a muita insistência da família de Jacinta.
Jacinta e o marido não queriam batizá-la. Ainda de acordo com Janaína, seu nome só se tornaria popular na
década de 1970 quando a atriz Leila Diniz deu esse nome a filha, que nasceu em 1971. AMADO, 2010, p.
380.
178

Foi preciso dar uma pausa na agitada vida pública. No início de 1948, contando
com a retaguarda familiar, mudaram-se para uma das fazendas do pai de James, localizada
em Ponta do Sul, região afastada dos centros urbanos e de difícil acesso, no sul do estado
da Bahia. Na mudança, mais uma vez Regina Figueiredo foi “enviada” para acompanhar
o casal.67 Lá permaneceram por cerca de três anos. Só saíam de tempos em tempos para
visitar as famílias – a dela em Salvador, a dele no Rio de Janeiro – e para as atividades
partidárias. No ano de 1950, como destaquei no capítulo anterior, a repressão aos
militantes do PCB era intensa, mas, distantes das aglomerações urbanas, Jacinta e James
viviam com tranquilidade. Afastada das pressões políticas, ela aproveitou para mergulhar
em leituras e escrever poemas. Segundo narra Regina Figueiredo:

Engraçado é que d. Jaci, lá na roça, naquele fim de mundo daquela roça


sem nada, ela que cresceu com todo o luxo, d. Jaci, [...] que na fazenda
ficava lá lendo, lendo e escrevendo, mexendo na sobrancelha, [...] ela
me falou um dia assim, bem na varanda da casa, debruçada na cerca da
varanda: – Gosto daqui. Por mim, eu não saía daqui, morava aqui para
sempre.68

Ao que parece, a roça não era tão palatável para Regina, que a descreveu como
um fim de mundo, “sem nada”. Na roça “sem rádio nem qualquer outro meio de
comunicação, sem eletricidade ou água encanada”69, provavelmente o trabalho de Regina
tornou-se mais difícil. Mas para Jacinta, que anos antes trabalhava intensamente como
militante e enfrentava turbulências políticas e pessoais representou o encontro com a paz,
interrompida em 1951, quando o casal, por ordem do partido, teve de retomar a militância
em tempo integral. Mudaram-se com a filha para o Rio de Janeiro. Regina voltou para a
Bahia. “A partir de maio, passaram a residir com a filha em Copacabana, próximo ao
túnel novo, num apartamento com três quartos espaçosos, construído havia pouco”.70
No Rio de Janeiro Jacinta publicou o seu terceiro livro: Poemas Políticos, agora
pela Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, ligada ao PCB. Sua nova criação
reuniu textos inéditos e uma coletânea do livro anterior. Os inéditos, escritos entre 1946

67
Lembremos que em 1945, quando Jacinta sofreu o aborto, Regina Figueiredo foi enviada para São Paulo
para trabalhar para o casal enquanto Jacinta se recuperava. Não há registros, mas provavelmente quando o
casal voltou para Salvador, Regina retornou a prestar serviços à família Passos. Quatro anos depois, mais
uma vez a empregada doméstica teve de deslocar-se, agora para uma fazenda distante. Não dispomos de
mais nenhuma informação sobre quem era Regina, além de empregada doméstica que por muitos anos
serviu a família Passos. De onde era? Tinha filhos? Como era mudar-se de cidade toda vez que recebia
ordens?
68
Depoimento de Regina Menezes Figueiredo apud. AMADO, 2010, p. 384.
69
Ibid., p. 381.
70
Ibid., p. 385.
179

e 1950, foram divididos em duas seções: “Poemas Políticos” e “Canções Líricas”. A


publicação reforçou o prestígio da autora nos círculos de esquerda, mas dada o clima
político da década de 1950, foi considerado sectário pela crítica literária não comunista.
Com a polarização mundial da Guerra Fria, os Estados Unidos, lado capitalista da guerra,
promoveram, através do Comitê Parlamentar para Atividades Antiamericanas, uma
“incruenta perseguição à intelectualidade progressista”.71 A “caça às bruxas” repercutiu
no Brasil e os escritores do PCB ou simploriamente identificados como comunistas foram
estigmatizados.72
Se em seus dois primeiros livros o mundo comunista já aparecia no horizonte de
expectativas da autora, o novo livro, escrito quando o realismo socialista já dava o tom à
produção dos escritores e escritoras do partido, deu ainda mais ênfase ao ideário
comunista. As temáticas abordadas relacionam-se ao latifúndio e à exploração da classe
trabalhadora no campo e nas cidades, sem deixar de trazer reflexões relacionadas aos
conflitos políticos do contexto, a exemplo do poema “Elegia das quatro mortas”, citado
anteriormente, que entre outras, homenageou Zélia Magalhães e Angelina Gonçalves,
ambas assassinadas pela polícia durante manifestações de rua. Também trouxe assuntos
que já vinham sendo tratadas antes, como a moral sexual, a família, as desigualdades
raciais e de gênero.
Naquela conjuntura, as escritoras e escritores estavam se ambientando com o
padrão estético importado da URSS. Como sinalizou Dênis de Moraes, submetidos a uma
coerção ideológica interna, dificilmente conseguiam atender plenamente às expectativas
do partido. Eram os dirigentes, não necessariamente especializados em literatura, que
julgavam o que poderia ou não ser editado. Contradizendo o próprio discurso partidário,
que denunciava a opressão e a tirania, na prática dominava a coação. Jorge Amado,
Rossine Camargo Guarnieri, Ariovaldo Matos, James Amado, Alina Paim, Dalcídio
Jurandir, Oswaldino Marques, entre outros, tiveram que adequar suas criações literárias
às determinações do partido ou foram completamente censurados, como foi o caso de
Rossine Guarnieri que teve um romance vetado.73 Jacinta Passos, que se esforçou para
colocar sua arte a serviço da revolução seguindo as normas do realismo socialista, não
seria poupada das advertências. Segundo Carréra Guerra, um dos censores, o maior

71
MORAES, Dênis. O imaginário vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-
53). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. p. 150.
72
Ibid.
73
Ibid., p. 158-167.
180

defeito de Poemas Políticos “era o apego aos padrões clássicos”.74 Conforme Dênis de
Moraes:

Jacinta teria cometido a ousadia de comparar a legenda do PCB a um


rio que “nem sequer flui caudaloso como um Amazonas”. o que levou
Carréra a admoestá-la: “Parece-me que tal ‘rio’ não pode ser
artisticamente reduzido em suas proporções, sem prejuízo de sua
extensa verdade”.75

As críticas ao seu novo livro foram um dos menores problemas na vida da escritora
naquele ano de 1951, período particularmente agitado em sua trajetória. O PCB
atravessava mais uma fase conturbada, ela havia assumido a presidência da FMB,
rendendo-lhe uma prisão em São Paulo, e acabara de publicar um livro que a deixava
ainda mais na mira da polícia.76 Ao acúmulo de trabalhos de outrora e à perseguição
política com a qual já estava relativamente acostumada, somava-se a maternidade, tarefa
que exigia – e exige – muito da mãe em uma cultura cujo cuidado com as crianças e
vulneráveis era – e é – visto como função “naturalmente feminina”.77
Era – e continua sendo – difícil para as mulheres se desvencilhar desse lugar. No
caso de Jacinta, é possível que naquele momento o marido não se dedicasse tanto quanto
ela à gestão do cotidiano e às responsabilidades com a filha. Talvez por isso, como era
comum entre as mulheres das camadas médias, brancas em sua maioria, sempre que
julgava necessário, solicitava à família a presença de uma empregada doméstica de sua
confiança e simpatia. Em 1951 foi a vez de Tomázia Ribeiro de Queirós ser “enviada”
para passar uma temporada com Jacinta no Rio de Janeiro para que ela pudesse participar,
em setembro, do IV Congresso de Escritores, em Porto Alegre. Por que não Regina, que
já havia estado com ela em dois momentos? Não tenho resposta.

74
MORAES, 1994, p. 165.
75
Ibid.
76
Em 1951 a polícia política de São Paulo abriu um prontuário para registrar sua vida política Prontuário
n. 113825, Jacinta Passos, 17 dez., 1951. Arquivo Público do Estado de São Paulo, Prontuários,
Departamento de Ordem Política e Social, DEOPSSPJ000115. Disponível em: <
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/acervo/repositorio_digital/deops_ficha> Acesso em> 12 set.,
2019.
77
O que não significa dizer que sempre foi assim e que todas as sociedades atribuem os mesmos
significados e práticas no que diz respeito ao lugar das mães no cuidado com as crianças. Elisabeth Badinter,
em seu estudo sobre a sociedade francesa no século XVIII, demonstrou que o amor materno e
consequentemente as formas de maternar sofreram variações ao longo do tempo. Seguindo essa linha Nancy
Chodorow demonstrou que “a maternação das mulheres não é um fato universal transcultural imutável. [...]
O papel das mulheres, tal como o conhecemos, é um produto histórico”. Cf. BADINTER, Elisabeth. Um
amor conquistado: o mito do amor materno. São Paulo: Circulo do Livro, s/a; CHODOROW, Nancy.
Psicanálise da maternidade: uma crítica a Freud a partir da mulher. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos,
1990. p. 52.
181

O congresso aconteceu após sucessivas rupturas na Associação Brasileira de


Escritores. A frente começou a se enfraquecer em 1947. Refletindo o clima político
polarizado, no II Congresso Brasileiro de Escritores realizado em setembro em Belo
Horizonte aconteceu o primeiro racha político-ideológico. O tema central do evento era
a discussão de um anteprojeto de lei sobre a regulamentação do direito autoral no Brasil.
Mas naquele momento, o PCB – partido de parte dos intelectuais ali presentes – acabara
de ser posto na ilegalidade. Sem passar pela comissão de assuntos políticos da ABDE, a
delegação comunista encaminhou a votação diretamente no plenário de uma moção de
repúdio ao fechamento do partido, que foi aprovada. Os membros da comissão – entre
eles, Carlos Drummond de Andrade, Affonso Arinos, Odylo Costa Filho e Antônio
Cândido – em sinal de protesto, renunciaram aos cargos.78
Em 1949, durante a eleição para a nova diretoria da ABDE, a crise tornou-se ainda
mais profunda, eliminando os resquícios de convivência pacífica no meio intelectual. De
acordo com Moraes, os intelectuais comunistas lançaram chapa própria. A chapa
adversária era predominantemente liberal. Em consonância com o momento político que
o Brasil atravessava, os dois lados, ainda de acordo com o autor, mostraram-se
intransigentes, passionais e vaidosos. Consequentemente, a sede da Associação Brasileira
de Imprensa virou palco de uma batalha que descambou para agressões físicas. “Os
insultos e as intimidações de parte a parte substituíram os argumentos e o bom senso”.79
Os comunistas perderam nas urnas. Inconformados, resolveram protestar contra a
posse da nova diretoria eleita. Dalcídio Jurandir, Astrojildo Pereira, Alina Paim, Milton
Pedrosa, Lia Correa Dutra, Victor Kinder, Maurício Vinhas de Queiroz e Graciliano
Ramos foram mobilizados para a tarefa. Segundo narra Moraes, a chapa vitoriosa decidiu
por uma solenidade discreta para não estimular agravos. No entanto, a chapa adversária
soube que os oponentes já ocupavam a sede da Casa do Estudante do Brasil, onde seria
realizada a cerimônia. O ambiente da pequena sala era o mais confuso possível. Sessenta
pessoas comprimiam-se em um calor sufocante. Os comunistas gritavam e vaiavam cada
diretor eleito que aparecia. Não demorou a explodir uma tremenda confusão. 80 Anos
depois, um dos participantes da reunião, Moacir Werneck de Castro, em uma narrativa
jocosa, lembrou do episódio.

78
MORAES, 2012, p. 239.
79
Ibid., p. 245.
80
Ibid., p. 246-247.
182

Afonso Arinos apareceu armado de revólver para o que desse e viesse.


Alina Paim, da outra facção, ao saber disso, queria enfrentá-lo a golpes
de guarda-chuva. A mesa de reuniões separava as duas hostes. A certa
altura, Dalcídio Jurandir e Carlos Drummond, ambos gladiadores de
escassa musculatura, disputaram na força física o livro de atas, que era
o pomo de discórdia, o símbolo do poder. [...] Em redor, sequazes
exaltados vociferavam ameaçadoramente. Foi quando Lia Correa Dutra
pediu a Graciliano Ramos – que embora homem de partido era
respeitado por todo mundo – para intervir a fim de aplacar os ânimos.
O velho Graça não teve dúvidas: subiu numa cadeira e berrou para
gregos e troianos: “Vão todos à p... que p...!” Um completo desastre
como pacificador.81

Diante da briga generalizada, marcada por gritos, trocas de bofetões, chutes e


empurrões, a diretoria eleita, comandada por Drummond, se retirou e no dia seguinte
renunciou ao cargo. “O escândalo repercutiu intensamente na imprensa, ceifou amizades
de décadas e afastou da ABDE centenas de associados, que fundariam a União Brasileira
de Escritores (UBE)”.82 Em 1951, o IV Congresso de Escritores, ao qual Jacinta e James
se dirigiram, foi realizado sob o comando dos intelectuais do PCB. O partido atravessava
um momento crítico de sua existência, com um número reduzido de militantes, quando
comparado a explosão de 1945, e sob a mira constante da polícia.
É muito provável que a crise política do partido no qual Jacinta depositava grandes
expectativas e trabalho tenha impactado seus ânimos e de tantos outros militantes. Ela,
agora mãe de uma criança de 3 anos, dividia a maternidade com as atividades partidárias.
Mesmo contando com o apoio de empregadas domésticas com as quais compartilhou as
tarefas domésticas e os cuidados com a filha, precisava conciliar a vida pública às diversas
demandas da vida privada. Certamente se sentia exausta. Não por caso resolveu que não
teria mais filhos. Há indícios de que pretendia fazer um procedimento cirúrgico de
laqueadura das trompas. Em 1951 escreveu uma carta para sua então cunhada Zélia
Gattai, exilada com o marido na Tchecoslováquia. Na oportunidade, mencionou uma
provável cirurgia de esterilização – que havia sido três vezes adiada. No entanto, James,
que à época era seu marido, não se lembra de a esposa ter passado pela cirurgia, é possível,
de acordo com Janaína Amado, que tenha ficado apenas no nível dos planos.83 Além de
informar sobre o procedimento cirúrgico que pretendia fazer, fez ressalvas à cunhada.
Aparentemente preocupada com a ideia dela ter muitos filhos, perguntou: “Ainda vai

81
CASTRO, Moacir Werneck de. Éramos assim em 1949. Jornal do Brasil, ano 97, n. 136, p. 11 (1°
Caderno), 22 ago., 1987.
82
MORAES, op. cit., p. 247.
83
AMADO, 2010, p. 388
183

continuar parindo ou vai parar? Um casal já chega, dona”.84 Ao que tudo indica, para
Jacinta “ter e cuidar de muitos filhos era incompatível com a militância política”.85

4.4. Últimos passos: o difícil equilíbrio entre a lucidez e a loucura

Naquele mesmo ano de 1951, um mês após o retorno do congresso de escritores,


ela sofreu sua primeira crise nervosa em seu apartamento no Rio de Janeiro.
“Aterrorizada, gritava, debatia-se e agredia fisicamente o marido e Tomásia”.86 No dia
seguinte não houve melhora e resolveram levá-la à clínica psiquiátrica do médico
comunista Isaías Paim, no bairro de Botafogo. Lá foi diagnosticada como portadora de
esquizofrenia paranoide, “então considerada uma doença progressiva e irrecuperável para
a qual não existiam medicamentos nem terapias específicas”.87 O psiquiatra recomendou
que o marido permanecesse na clínica acompanhando a esposa como forma de prevenir
um agravamento no quadro clínico. E assim James o fez.
Essa foi a primeira das muitas passagens em manicômios que Jacinta teve de
enfrentar até o final da vida.88 Iniciava-se a abertura do seu calvário. A partir de então seu
mundo começou a ruir sem que ela pudesse controlar. Durante as internações era tratada
com eletrochoques, injeções de insulina e barbitúricos, procedimentos comumente
empregados à época. Quatro meses e meio após o início do primeiro tratamento, a família
não considerou os resultados satisfatórios. James resolveu consultar a médica Eliene
Mochel – irmã da comunista Arcelina Mochel e colega de Jacinta no trabalho em
Momento Feminino. Seguindo as sugestões da médica, a paciente foi transferida para um
sanatório na Ilha do Governador.
No ano seguinte, por iniciativa do seu irmão, Jacinta saiu da rede de médicos
comunistas e foi encaminhada para um sanatório em São Paulo, a Clínica Psiquiátrica
Charcot, à época referência em tratar problemas de ordem psicológica. A mudança
representou o fim definitivo do casamento e o afastamento progressivo da filha. Em 1953,
seu marido (agora ex) decidiu recomeçar a vida ao lado de outra mulher. À época, por ter

84
Carta de Jacinta à Zélia Gatai, 20 set., 1951 apud AMADO, 2010, p. 387.
85
AMADO, op. cit., p. 387-388 (nota de rodapé n. 100).
86
Ibid., p. 389.
87
Ibid.
88
Janaína Amado narrou o processo de todas as internações de sua mãe. Depois da clínica de Isaías Paim,
Jacinta passou pelos seguintes sanatórios: Casa de Repouso do dr. Francisco Sá Pires, na Ilha do
Governador, Rio de Janeiro; Clínica Psiquiátrica Charcot, São Paulo; Sanatório São Paulo, Salvador; Casa
da Saúde Santa Maria, Aracaju.
184

que dar continuidade ao tratamento, Jacinta continuou morando em São Paulo na casa de
sua irmã, Dulce, com quem tinha muitas diferenças de temperamento e valores, e do
cunhado Nestor Santos, que era médico. Por que não foi para a casa do irmão com quem
guardava tantas afinidades? Não sei.
Em junho daquele mesmo ano, Jacinta teve mais uma recaída e voltou a ser
internada na clínica Charcot, onde permaneceu por cerca de um ano e meio. Mais uma
vez no sanatório, em condições totalmente desfavoráveis, escreveu seu quarto e último
livro: o épico A Coluna, um longo poema de 15 cantos que recria a história da Coluna
Prestes, a famosa marcha do “Cavaleiro da Esperança” pelo interior do Brasil. Seu último
livro estava ainda mais marcado pelo realismo socialista. Entre as entradas e saídas do
sanatório, Jacinta não deixou de dialogar com o PCB e certamente estava a par do padrão
estético estabelecido pelo partido que, ao que tudo indica, ajudou a financiar a edição, tão
em sintonia com o zdanovismo.
O livro foi escrito de 1953 a 1954 e publicado em 1957, pela editora Coelho
Branco, do Rio de Janeiro. O poema épico era uma parte de um projeto maior: um livro
que seria intitulado “Histórias do Brasil e outros poemas”. O manuscrito perdeu-se na
cinzenta ditadura que se instalou no Brasil em 1964. Jacinta, à época com 50 anos, fora
presa em Aracaju no ano seguinte ao golpe. Sua irmã Maria José resolveu examinar o
material de Jacinta que se encontrava na casa da mãe, em Salvador, e chegou à conclusão
de que se tratava de “substância subversiva”. Numa conversa tensa entre ela, a mãe e a
irmã Lourdes decidiram queimar os papeis. O marido de Lourdes, Eraldo Siqueira, tentou
demovê-las da ideia e sugeriu armazenar os achados em sua casa, mas a tentativa foi
fracassada. Elas acharam perigoso continuar com o material que poderia complicar ainda
mais a situação de Jacinta. Assim, em Brotas, bairro de Salvador, na casa de Lourdes e
Eraldo arderam na fogueira “os originais de sete livros de Jacinta Passos, aqueles que
anunciara em A Coluna, além dos textos que pode ter escrito entre 1957 [...] e 1959,
quando deixou Salvador”89 e mudou-se para Petrolina.
Como nos livros anteriores, em A Coluna as mulheres personagens marcaram
presença. A história da Coluna Prestes, que geralmente era contada enfatizando apenas o
protagonismo dos homens, na pena de Jacinta foi povoada por mulheres. No poema “Os
heróis e as feras”, que compõe o épico, elas entraram como figuras importantes das tropas
da coluna, cujo valor era invisibilizado.

89
AMADO, 2010, p. 428.
185

Quarenta Mulheres: Mulheres guerreiras/ quem viu teu valor? na


macha ligeiras/ que a guerra provou./ Mulheres não passam/ além deste
rio!/ Por ordem! O comando/ que tal proibiu. No rio Uruguai/ quem
pode passar?/ Raiou a manhã/ – Soldados marchar! Quarenta mulheres/
nas tropas estão/ Mas como? E agora/ o comando diz, não? Diante do
fato/ novo decidir/ outra ordem foi dada/ – mulheres seguir! Mulheres
guerreiras/ quem viu teu valor?/ na marcha ligeira/ que a guerra
provou.90

No ano em que publicou A Coluna, Jacinta estava morando na casa da mãe em


Salvador, para onde se mudou em 1955. Sozinha, separada do marido, longe da filha,
estigmatizada como louca. A vida tornou-se ainda mais difícil para ela. Continuou
militando no PCB, mas sem o mesmo prestígio e respeito de antes. Voltou a escrever para
o jornal O Momento, que raras vezes publicava um texto seu. Não foi indicada, como no
passado, para chefiar ou sequer integrar delegações em congressos, nem na esfera local.
Aparentemente, a brilhante escritora e militante outrora sempre solicitada caiu no
ostracismo entre os “companheiros”. A imagem de “louca” e “separada do marido” talvez
fosse vista como problemática demais para um partido que defendia códigos morais
rígidos. Seus militantes deveriam manifestar, tanto no plano das ideais quanto na prática,
uma superioridade intelectual e, sobretudo, moral em relação ao resto da sociedade.91
Desprestigiada entre os “companheiros” e com problemas de convivência com a
família, em 1957, Jacinta resolveu passar uma temporada no Rio de Janeiro para ficar
mais próxima da filha, que a essa altura já estava com 10 anos de idade e morando com o
pai e a madrasta. Esta foi a última vez que conviveram juntas por uma longa temporada.
No Rio, alugou um modesto quarto de pensão. Em janeiro do ano seguinte foi detida na
Central do Brasil quando vendia seu mais novo livro, considerado subversivo pela polícia.
Foi liberada após James se dirigir à delegacia e alegar que ela sofria de “doença mental”.
Em fevereiro, ela voltou para Salvador decidida a se desquitar e recuperar a guarda
da filha. Ela não estava satisfeita com a educação que a menina recebia, que julgava
“pequeno-burguesa”. Quando estava com Janaína, sempre que podia a levava para bairros
populares para que a menina conhecesse in loco a realidade dos trabalhadores e
trabalhadoras pobres. Segundo lembranças de Janaína Amado das férias que passou com
a mãe em 1955, em Salvador:

90
PASSOS, Jacinta. A Coluna. Rio de Janeiro: Coelho Branco, 1947 apud AMADO, op. cit., p. 188-189.
91
Para um debate mais amplo sobre a moral comunista cf.: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O PCB e a moral
comunista. Locus, Juiz de Fora, v. 3, n. 1, p. 69-83, 01 jan., 1997; FERREIRA, 2002.
186

Logo após o almoço, em alguns dias da semana nós duas saíamos.


Tomávamos um bonde ou ônibus até a Praça Castro Alves, descíamos
o Elevador Lacerda rumo à Cidade Baixa (esta era a parte do passeio de
que eu mais gostava, a descida no Elevador), onde tomávamos outro
transporte, até um bairro longe e muito pobre, que não sei identificar.
Descíamos a encosta de um morro – perigoso, quando chovia – até um
grupo de casas paupérrimas, onde moravam famílias negras. Ali, ao ar
livre, na terra, sobre três caixotes de madeira, Jacinta, profundamente
coerente com sua forma de pensar, dava aula às crianças.92

Preocupada em oferecer à filha uma educação coerente com os princípios


comunistas, Jacinta Passos iniciaria mais uma difícil batalha em sua vida ao decidir brigar
por sua guarda. James não concordava que a menina fosse morar com ela em Salvador.
Janaína também não queria ir. Além disso, seu ex-marido não desejava que ela entrasse
com um processo unilateral de desquite, o que seria muito desgastante para ambos. A
solução encontrada por ele foi inventar para a ex-mulher que a menina iria estudar na
Rússia. A família Passos, acreditando tratar-se da melhor solução para o impasse,
concordou. Ninguém revelou a Jacinta que Janaína continuava a viver no Rio com o pai
e a madrasta.93
Ao receber a notícia, que segundo Janaína Amado foi dada por Carlos Marighella,
Jacinta reagiu aparentemente bem. A filha estava indo estudar na tão admirada União
Soviética, sonho de qualquer comunista. No entanto, logo em seguida ela teve recaídas.
Mais uma vez foi levada para um manicômio. No primeiro semestre de 1958 a família a
internou no Sanatório São Paulo, em Salvador, “onde ficou durante meses. Com
frequência telefonava para a casa dos pais, implorando que fossem buscá-la, tirá-la de
lá”.94 Quando saiu do internamento, provavelmente muito magoada, foi embora. Em 1959
mudou-se para Petrolina. Pouco se sabe da sua vida enquanto esteve por lá – lembremos,
como disse linhas acima, que os escritos da época foram queimados em 1965. Em 1962
se mudou novamente, agora para Barra dos Coqueiros, uma pequena vila de pescadores
localizada na margem do Rio Sergipe em frente à cidade de Aracaju.
Na vila, morou em um pequeno barraco de madeira com apenas um cômodo. Ia
frequentemente para a capital, onde estabeleceu contato com militantes pecebistas locais,
que provavelmente não sabiam do seu problema de saúde. Militou até 1965,
desenvolvendo atividades internas na seção sergipana do partido, escreveu para a
imprensa pecebista local, ajudou a criar e manter grupos de mulheres. Nesse período,

92
AMADO, 2010, p. 399.
93
Ibid., p. 411.
94
Ibid., p. 414.
187

atuou com mais autonomia. Não esperava ordens diretas do partido para fazer discursos
junto às aglomerações e distribuir seus textos, tanto em Barra dos Coqueiros quanto em
Aracaju. “Entre os militantes de Aracaju, que ignoravam sua história pessoal ou a
conheciam apenas superficialmente, Jacinta recuperou o prestígio perdido em Salvador”95
– e voltou para a mira da polícia.
Quando o golpe protagonizado pelos militares aconteceu em 1964, ela era figura
conhecida por sua militância em Sergipe. Não tardou a ser presa. A primeira detenção
provavelmente aconteceu em fevereiro de 1965; a segunda, no final de abril, quando
pichava um muro com palavras de ordem. Foi levada para o 28º Batalhão de Caçadores
de Aracaju e submetida a interrogatórios conduzidos pelo tenente Rabelo. Vinte e seis
anos depois, o militar deu entrevista à pesquisadora Dalila Machado. “Sequioso por
demonstrar que agiu com correção, ponderação e brandura (raros na época), assim como
obedeceu a todos os procedimentos processuais devidos (o que também era raro)” 96 ,
informou que no primeiro interrogatório, ao ser questionada sobre suas manifestações
públicas, Jacinta respondeu em versos. No segundo, incialmente manteve-se calma,
depois demonstrou agressividade. No terceiro, “o tenente estava atento quando ela
começou a se exaltar, perdendo o controle diante de suas provocações”.97 Ao prosseguir
com as perguntas, chegou à conclusão de que a depoente, “apesar de seu relacionamento
com pessoas como Jorge Amado [...], Eduardo Portella, Carlos Marighella e João
Amazonas, nomes por ela citados, possuía uma independência de ideias que o deixou
impressionado”.98
Diante da situação, a encaminhou para o Pavilhão de Mulheres onde foi
consultada por um médico, que a diagnosticou como “doente mental”, “portadora de
desequilíbrio nervoso”.99 Depois do diagnóstico, ela foi encaminhada para o Sanatório
Público do Estado de Sergipe Adulto Botelho, onde permaneceu por 10 dias. Em seguida
a família bancou a transferência para a Casa de Saúde Santa Maria, instituição particular.
Durante os sete anos em que esteve internada produziu textos em prosa e verso de uma
lucidez surpreendente para uma mulher considerada louca. 100 No período não ficou a
parte dos acontecimentos. “Estava sempre bem informada. Além de atenta ao noticiário

95
AMADO, 2010, p. 420.
96
Ibid., p. 422.
97
MACHADO, 2000, p. 29.
98
Ibid.
99
Ibid.
100
Parte da produção encontra-se reunida no livro organizado por Janaína Amado nas seções Comprimidos
Poéticos, que abre o livro, e Textos inéditos. Cf. AMADO, 2010, p. 15-21; 219-259.
188

do rádio e televisão, [...] Jacinta lia diariamente os jornais”.101 Mergulhou completamente


no universo criativo, escrevendo livremente sobre tudo, em especial sobre política e arte.
“Inventou um mundo de liberdade” em poemas, peças teatrais, letras para canções, textos
radiofônicos, filosofia, história etc. Segundo cálculos de sua filha, que teve acesso aos
manuscritos, “Jacinta preencheu cerca de 3.348 páginas de cadernos manuscritas no
período, quase 560 páginas por ano, quase 16 páginas por dia”.102
Ao longo de sua trajetória artística e política, Jacinta Passos defendeu demandas
que hoje facilmente são relacionadas ao pensamento feminista. No entanto, não encontrei
nenhum registro em que a autora tenha assim se identificado. Ao que parece, como boa
parte das mulheres do seu grupo político, Jacinta enxergava o feminismo como uma
guerra dos sexos que pretendia instituir um mundo marcado por uma certa “dominação
feminina”. Para ela, a liberdade das mulheres estava condicionada ao desenvolvimento
dos meios produtivos e à coletivização do trabalho doméstico. Voltaremos ao assunto na
próxima parte da tese.
Os versos que abrem o capítulo foram escritos na Casa de Saúde Santa Maria,
última morada de Jacinta. Eles resumem as ideias políticas que movimentaram toda sua
trajetória. Família, maternidade, arte, comunismo e liberdade – das mulheres, dos pobres
e das pessoas negras. Mas no dia 28 de fevereiro de 1973, às 15 h: 30 min, Jacinta Passos
sofreu um derrame cerebral.103 Aos 58 anos de idade a poeta abriu as portas do sanatório
e voou “poesia sem fronteiras”:

A poesia está em mim mesma e para além de mim mesma./ Quando eu


não for mais um indivíduo/ eu serei poesia./ Quando nada mais existir
entre mim e todos os seres,/ os seres humildes do universo,/eu serei
poesia./ Meu nome não importa./ Eu não serei eu, eu serei nós,/ serei
poesia permanente, poesia sem fronteiras.104

101
AMADO, op. cit., p. 427.
102
Ibid., p. 427.
103
“Sua certidão de óbito registra como causa mortis um derrame cerebral. Escreveu em seu caderno até à
véspera, dia 27 de fevereiro, já com a letra bastante alterada. Contaram à enfermeira Ates, de férias na
ocasião, que, no dia do seu falecimento, mesmo se sentindo mal, Jacinta ainda queria que lhe dessem a
enceradeira para encerar o chão. [...] Compareceram ao seu enterro em Aracaju a irmã Lourdes, a sobrinha
Marta (filha de Lourdes) e o ex-marido, James Amado”. Na ocasião, Manoel Caetano Filho já havia
falecido. Seu irmão mais novo morreu em 1972. AMADO, 2010, p. 433-434.
104
PASSOS, Jacinta. Eu serei poesia. In: AMADO, op. cit., p. 81.
189

CAPÍTULO 5 – POLÍTICA EM PROSA: OS ROMANCES


FEMINISTAS DE ALINA PAIM

Imagem 5: Fotografias de Alina Paim1

O matrimônio, o grande sacramento que abençoa os filhos e assegura a


felicidade dos cônjuges era apenas uma mistificação, uma prostituição
santificada, selada com orações e gestos ridículos, onde a mulher se
comprometia diante de um altar a entregar seu corpo, em troca de casa,
de comida e de roupa, a um homem que não a entendia e que a
considerava apenas como uma fêmea. A mulher seria uma arrumadeira,
uma cozinheira, trabalhando da manhã à noite, sem merecer
consideração alguma, e, na cama, deveria prestar-se à satisfação dos
desejos do senhor que gozaria sem se preocupar em saber se aquilo
agradava-a, trazia-lhe prazer, ou causava-lhe repugnância. Esse
casamento era apenas uma escravidão reconhecida pela religião e pelas
leis (Negrito no original)2

5.1. Apresentação

1
A primeira fotografia (esquerda para a direita) está presente em: Prontuário n° 45.289 (Solicitação de
antecedentes de Alina Leite Paim para viagem para a Itália, França, Suíça e Inglaterra). Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro, fundo DPS. A segunda está disponível na contracapa do romance PAIM,
Alina. A Correnteza. Rio de Janeiro: Record, 1979.
2
PAIM, Alina. Estrada da Liberdade. Rio de Janeiro: Leitura, 1944. p. 140.
190

Natural de Estância, interior de Sergipe, Alina Andrade Leite nasceu em 10 de


outubro de 1919. Filha do caixeiro viajante3 Manoel Vieira Leite e da dona de casa Maria
Portela de Andrade Leite, perdeu a mãe, vítima de tuberculose, ainda muito criança.
Como o pai trabalhava viajando, foi morar em Simão Dias, na casa dos avós maternos,
Adelaide Andrade Portela, dona de casa, e Bernadinho Cruz de Andrade, funcionário
público. Na nova residência compartilhou o cotidiano com mais quatro tias costureiras e
solteiras. Uma delas faleceu de tuberculose quando Alina ainda era criança.4
Enquanto esteve em Simão Dias, estudou na Escola Menino Jesus e no Grupo
Escolar Fausto Cardoso, ambas instituições católicas. Por volta dos 10 anos de idade se
mudou para Salvador para estudar como aluna interna no Convento Nossa Senhora da
Soledade, instituição de freiras de onde saiu formada professora primária em 1937. No
colégio católico deu os primeiros passos no campo da literatura quando, aos doze anos,
começou a publicar no jornal literário da escola. Após a formatura, sua primeira
experiência profissional também foi no ambiente em que estudou. Logo em seguida foi
aprovada, com 9,33 de aproveitamento, em um concurso público no estado da Bahia,
passando a ensinar também em uma escola pública localizada na Liberdade, bairro
popular soteropolitano.5
Em 1940, em função de conflitos com alguns de seus familiares, dos quais não sei
pormenores, teve uma crise e passou quase três meses internada no Hospital Psiquiátrico
Juliano Moreira, antigo Asilo São João de Deus, localizado na capital baiana. Foi neste
ambiente hostil que conheceu o psiquiatra Isaías Paim, dez anos mais velho que ela, com
quem se casou em 1943, aos 24 anos de idade. Sendo o homem o mais velho do casal, a

3
Caixeiro viajante era o nome dado aos homens que trabalhavam com vendas de produtos em várias regiões
do país, em uma época em que os transportes entre as cidades não eram tão fáceis. Por analogia, os
representantes comerciais atuais exercem uma atividade similar.
4
Diferente de Jacinta Passos, ainda não foi escrita uma biografia de Alina Paim, fato que dificultou o
mergulho em sua vida privada. Para montar o pequeno quadro biográfico juntei fragmentos de artigos,
entrevistas, dicionários, prontuários produzidos pela polícia e dos elementos pré-textuais de seus romances,
que por vezes, apresentam uma nota biográfica. Os documentos oficiais e policiais consultados foram:
Certidão de Óbito de Alina Leite Paim, nº 062000155 2011 4 00108 22 0032362 27. Documento consultado
no acervo particular do pesquisador Gilfrancisco Santos, que gentilmente abriu seu acervo localizado em
sua residência, em Aracaju; SECRETARIA da Educação, Saúde e Assistência Pública. Diário Oficial da
Bahia. 19 mai., 1938. Arquivo Público do Estado da Bahia, Salvador; Prontuário n° 45.289 (Solicitação de
antecedentes de Alina Leite Paim para viagem para a Itália, França, Suíça e Inglaterra). Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro, fundo DPS; Recrutamento para o Partido Comunista do Brasil. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro, Fundo Polícia Política; Série comunismo, notação 2-A, maço 03. fls.
99-152; Elementos subversivos do SIA Ministério da Agricultura, Rio de Janeiro, 10 nov., 1966. Arquivo
Nacional, Serviço Nacional de Informações. ID. C0084001-1983; Prontuário 107813, Alina Paim, 16 mar.,
1951. Arquivo Público do Estado de São Paulo, Departamento de Ordem Política e Social,
DEOPSSPA007709.
5
SECRETARIA da Educação, op. cit.
191

diferença era comum. Depois do matrimônio, Alina, agora Leite Paim, abandonou a
estabilidade de um concurso público e mudou-se para o Rio de Janeiro para acompanhar
o marido que tinha por objetivo construir carreira na Capital Federal. Como era comum
às mulheres do seu tempo, o sucesso profissional do marido era a prioridade do casal.
Natural de Juazeiro, interior da Bahia, de família de poucos recursos, o marido de
Alina Paim conseguiu se formar médico pela Faculdade de Medicina da Bahia. Ao que
parece, pelas parcas informações disponíveis, era um homem polêmico. De acordo com
Juberty Antônio de Sousa e Walmor J. Piccinini, “uma das características de Paim era sua
capacidade de se meter em confusões, com colegas, com amigos, com mulheres”.6 Pouco
se sabe sobre a dinâmica da sua vida de casado e sobre os pactos estabelecidos com sua
companheira. A informação disponível é que, como grande parte dos homens do seu
tempo, Isaías era dado a relacionamentos sexuais e afetivos extraconjugais. Naturalizando
o modelo machista de relação, Sousa e Pccinini escreveram que o médico:

Sempre protegeu a sua família, e, quando das suas separações, os filhos


sempre foram protegidos e resguardados de suas aventuras. 7 [...]
Sempre foi um cavalheiro, gentil com as pessoas do sexo oposto.
Sempre disposto a novas aventuras. Com alguma frequência premiava
a alguma conquista com uma viagem à Europa, ou então fazia parte de
sua forma de conquista. Nunca teve um rompimento amoroso em que a
sua parceira ficasse magoada consigo. Entretanto, com o passar do
tempo passou a ser “presa fácil” das mulheres aventureiras e mais
jovens. Sempre foi muito generoso para com as suas companheiras.
Mas, não era imune às armadilhas afetivas. Numa vez ficou muito
deprimido com a separação e terminou sendo tratado em CTI (Grifos
meus).8

Não disponho de mais detalhes sobre a vida e as “aventuras” de Isaías Paim, se


teve mais filhos além das duas com a esposa, nem como isso impactava o dia a dia do
casal. Mas dada as descrições, talvez o casamento com Alina Paim tenha sido marcado
por conflitos envolvendo as “aventuras” sexuais e afetivas do marido.

5.2. Mudanças e projeção na cena pública

Casada e morando no Rio de Janeiro, Alina Paim ficou sem profissão definida.
Seu diploma só tinha validade na Bahia. A saída encontrada foi lecionar em uma escola

6
SOUZA, Juberty Antonio; PICCININI, Walmor. História da Psiquiatria: Isaías Paim (1909-2004).
Psychiatry online Brasil, v. 15, n.1, jan., 2010.
7
O trecho parece sugerir que além das duas filhas com Alina, ele teve filhos de outras relações.
8
SOUZA; PICCININI, op. cit.
192

para filhos de pescadores em Marambaia, Rio de Janeiro, onde atuou por um ano. Nesse
ínterim, escreveu seu primeiro romance. Segundo declarou em entrevista, o romance já
estava pronto em sua cabeça antes da mudança para a Capital Federal – “Quando vim da
Bahia trazia-o na cabeça, bem escondidinho”. 9 Mas a geralmente difícil e tortuosa
travessia da cabeça para a folha em branco aconteceu nos intervalos das aulas que dava
em Marambaia.
Talvez sem programar, a mulher sem profissão definida que chegou à Capital
Federal acompanhando o marido se projetou no cenário político e nos círculos literários.10
Firmou-se no espaço público como Alina Paim. Desde que casou, passou a assinar com
o sobrenome do cônjuge, o que não significa dizer que se firmou publicamente como a
“mulher de”. Pouco mais de um ano após a mudança para o Rio de Janeiro, publicou seu
primeiro romance: Estrada da Liberdade. Após vencer um concurso de lançamento de
novos escritores promovido pela editora Leitura, a edição, dirigida por José Barbosa de
Mello (membro do PCB), foi publicada. Os exemplares foram impressos no apagar das
luzes de 1944 e o lançamento ocorreu no início do ano seguinte.
Dedicado aos escritores Jorge Amado, Dias da Costa e Edson Carneiro, o livro foi
o primeiro da Coleção Leitura, lançando uma série que tinha por objetivo “revelar à crítica
e ao público do Brasil novos nomes de escritores brasileiros”.11 A pré-estreia contou com
a publicação de textos entusiasmados cujo objetivo era criar expectativas nos futuros
leitores e, claro, vender.12 Muito provavelmente, Alina Paim já era um nome conhecido
entre os examinadores do concurso, pelo menos, de ouvir falar. A dedicatória aos três
conhecidos intelectuais comunistas, um deles Dias da Costa, que também trabalhava na
editora, é um indício de que ela já tinha inserção no meio intelectual antes da publicação.13
Além disso, Graciliano Ramos, que já era um consagrado literato, foi seu interlocutor.
Antes de se submeter ao concurso, a autora teve aulas de técnica literária com o escritor,

9
LIMA, Melo. Leitura descobre uma romancista. Leitura, Rio de Janeiro, n. 19, p. 40-41; 69, jun. 1944.
10
O nome de Alina Paim aparece em número muito maior nas páginas dos periódicos, quando comparada
com seu marido, que muito raramente é citado, e sempre de forma muito rápida. Ao que parece, ele se
tornou figura conhecida em seu campo profissional. Publicou vários livros na área de psiquiatria
reconhecidos pelos pares. Mas sem dúvida, ela se tornou uma figura pública muito mais conhecida que ele.
11
PAIM, Alina. Estrada da Liberdade. Rio de Janeiro: Leitura, 1944, orelha.
12
LIMA, 1944, p. 40-41.
13
A informação foi encontrada no próprio artigo de Melo Lima. “Minutos depois apareceu Dias da Costa.
Interrogado, disse logo que o livro era bom e que aconselharia a publicá-lo. Mas Dias da Costa era suspeito,
a dedicatória estava ali a ameaçá-lo”. Ibid.
193

que elogiou a naturalidade do romance e a forma corajosa com a qual enfocava os


assuntos. Faltava-lhe aprimorar a técnica narrativa.14
A orelha do romance não foi assinada. A apresentação foi feita em nome da equipe
editorial, que advertiu: o romance era de uma estreante, revelando uma “poderosa
vocação de romancista, através de uma sensibilidade artística das mais delicadas”. 15
Anunciava-se, portanto, uma escritora em seus primeiros passos. A finalidade era
provavelmente alertar aos leitores e aos críticos que se tratava de uma escritora em
formação, por isso, era preciso relevar os possíveis defeitos e ponderar a crítica. Sua
autora, “uma professora de vocação”, como ela própria se definiu 16 , elegeu como
protagonista uma companheira de profissão: Marina, “que não erramos em dizer que é
muito a própria Alina Paim”.17 Assim como sua criadora, logo que se formou na escola
do Convento, Marina foi aprovada em um concurso público para atuar no magistério
estadual com 9,33 de aproveitamento.18
Narrado em terceira pessoa e seguindo o realismo europeu 19 , tendência que
marcaria a trajetória intelectual da autora, o romance conta as experiências de uma jovem
professora que passou parte importante de sua vida como interna de um convento. Ao
sair, Marina deparou-se com um mundo cheio de contradições e profundas desigualdades
de classe, sexuais e raciais. Ela “não tolerava o professor pedante, que era negro, e dizia
sempre as alunas: – Nós os brancos... fazemos isto ou aquilo. [...] Passava em todas as
classes, dizia sempre as mesmas coisas e embirrava com as alunas de cor”.20
O enredo é marcado por duas temporalidades: o passado, acessado através das
lembranças de Marina nos tempos em que era interna; e o presente, conectado a dinâmica
do seu trabalho e do cotidiano na casa onde morava junto à família da sua madrinha Edite.
O título faz referência direta ao bairro pobre Estrada da Liberdade, hoje apenas Liberdade,
local em que Marina transitava com frequência por ensinar em uma escola pública da
região. Além da referência objetiva, talvez expresse a estrada subjetiva percorrida pela

14
CARDOSO, 2010, p. 127; MORAES, Dênis. O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. São
Paulo: Boitempo, 2012. p. 194.
15
PAIM, 1944, orelha.
16
LIMA, 1944, p. 40-41.
17
MALHEIROS, Eglê. Três romances e sua autora. Sul: Revista do Círculo de Arte Moderna.
Florianópolis, ano 4, n. 14, p. 19-22, ago./set., 1951.
18
PAIM, op. cit., p. 23.
19
Contrapondo-se ao romantismo, o gênero realista preocupava-se em “imaginar, mas também descrever e
criticar as mazelas da realidade, além de inspirar-se por elas. [...] A literatura realista deveria apresentar o
indivíduo – seus sentimentos, talentos, inspirações – a partir das engrenagens sociais que o condicionavam”.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: Triste visionário. São Paulo: Cia das Letras. p. 211.
20
PAIM, op. cit., p. 193-194.
194

personagem na busca da liberdade. O enredo se desenvolve na cidade de Salvador, na


zona pobre da Estrada da Liberdade; em Santo Antônio Além do Carmo, bairro de classe
média de então (que Marina chamava de pequena-burguesia) e nas escolas onde lecionou:
a pública e a do convento onde estudou. Como bem descreveu Eglê Malheiros, uma das
poucas críticas literárias no período, o enredo apresenta indivíduos os mais variados:
“desde os repletos de humanidade até aqueles que parecem mais uma convenção, como é
o caso do jovem médico [que Marina se apaixonou], uma transposição moderna do
príncipe encantado”.21
Marina só compreendeu efetivamente todos os problemas com os quais se deparou
e a educação deformada do convento, que já lhe incomodava, quando teve contato com
as ideias comunistas, que lhe ajudaram a entender as raízes históricas das desigualdades
de classe e sexuais. O comunismo funcionou como uma luz para as suas ideias e lhe
permitiu compreender as falácias do casamento pequeno-burguês que, na prática,
escravizava as mulheres; a educação baseada em princípios que atrofiava as
mentalidades; o modelo de educação escolar construído para manter as desigualdades de
classe e, consequentemente, os privilégios dos ricos; e a cultura machista que negava às
mulheres o direito ao prazer sexual. A luz que vinha do Oriente, metáfora que usou no
final da narrativa para se referir à URSS, era a esperança de que era possível eliminar
todas as opressões. Embora apresente tipos humanos diversos, em alguns momentos o
enredo ganha um tom maniqueísta. As personagens que compõem o grupo do mal
(homens e freiras) perdem a complexidade humana; as boas (mulheres, crianças e
comunistas), por outro lado, são pensadas dentro das contradições próprias da
humanidade, marcada por dilemas, crises e incoerências.
Parece que o livro foi recebido com certo alvoroço em Salvador, sendo retirado
das livrarias e queimados no convento onde Alina Paim estudou e em outros internatos
da cidade. Em entrevista, a escritora contou que foi procurada por um grupo de jovens,
ex-estudantes de internatos, que lhe contaram “sobre a fogueira” que foi feita com os
exemplares de Estrada da Liberdade no colégio em que estudavam.22 Não é possível
mensurar com precisão a dimensão das supostas fogueiras de livros em instituições
religiosas, mas podemos imaginar que a recepção não foi das melhores. No romance a
autora faz críticas duras à instituição, acusando as freiras de hipocrisia. Guardiãs da

21
MALHEIROS, 1951, p. 19-22.
22
GONÇALVES, Isolda. Autora de livros queimados em praça pública rompe silêncio de 12 anos. Diário
de Pernambuco, Recife, ano 154, n. 169, p. 7 (seção D), 24 jun., 1979.
195

moral, as freiras-personagens mantinham um “cemitério de anjos”, sugerindo que a


prática do aborto era comum entre elas. Denunciou o tratamento elitista dispensado às
alunas: se ricas, bem tratadas; pobres, humilhadas. Ademais, evidenciou que as internas,
na calada da noite, se encontravam às escondidas para trocas de carícias sexuais.

Intrigada, [Marina] vira dois vultos. A princípio não distinguira bem,


estavam abraçados, juntos da cortina pesada que pendia da arcada de
cimento armado, separando o dormitório dos quartinhos. Os vultos
afastavam-se um pouco espreitando. Tudo silencioso. Voltavam aos
beijos. Um deles mergulhou a mão na gola da camisola do outro,
apalpando alguma coisa. Era impossível o que vira. Os vultos
separaram-se assustados, fugindo. A Irmã Vigilante vinha chegando.
Saíra do quartinho, precisava saber quem eram. Passara a cortina a
tempo, um dos vultos metia-se sob as cobertas na terceira cama da
segunda fila; o outro andou mais um pouco e recolheu-se na quinta
cama da oitava fila. No dia seguinte identificara-os: eram Odete e
Helenita. Uma do 3º ano Normal e a outra do 1º Fundamental. Eram
amigas particulares. Depois daquilo, compreendera mais ou menos os
dizeres da circular que estava fixado numa das colunas do recreio das
maiores: “É terminantemente proibido andar duas alunas afastadas das
companheiras. O menor grupo permitido é de três. Não admitimos
brinquedos de mãos” (Negrito no original).23

O romance, que tinha a pretensão de mostrar aquele ambiente o mais real


possível, certamente gerou constrangimento entre as freiras. A relação erótica entre duas
moças não era socialmente palatável, menos ainda em um ambiente cristão. Tornar isso
público, ainda que através da ficção, certamente desagradava o clero. Por isso, é bem
provável que tenham efetivamente queimado o máximo de exemplares que conseguiram.
Além das impressões da autora, que morava na capital federal e soube do episódio por
terceiros, não disponho de maiores informações, mas sei que o livro, além de
possivelmente ter movimentado os internatos católicos soteropolitanos, não foi silenciado
pela crítica.
Todos concordaram que se tratava de um romance social que, como vimos no
capítulo anterior, estava em alta nos meios literários do contexto, empolgando
especialmente os intelectuais comunistas e progressistas. O livro era o que se esperava no
meio: “uma história de piedade e de esperança”.24 Mesmo assim, muitos deles destacaram
que em algumas passagens a narrativa tornou-se panfletária – “Há, sem dúvida, na obra,
os preconceitos e um pouco da intransigência da juventude quando se converte a um ideal

23
PAIM, 1944, p. 98-99.
24
LIMA, Camillo de Jesus. Estrada da Liberdade. Leitura, Rio de Janeiro, n. 29, p. 48, mai., 1945.
196

novo”, sentenciou Roger Bastide. 25 Jorge Medauar teve a mesma impressão, com a
ressalva de que o deslize não comprometia o conjunto da obra que, em sua leitura, tinha
uma unidade perfeita. “Seu conjunto compensa falhas e evidencia a fibra de um
temperamento criador”.26
Opinião não compartilhada por Álvaro Penafiel, que julgou o romance sem
literatura, revelando “a inexperiência, a falta de aprendizagem que a maior vocação não
conseguirá superar”.27 Newton Braga concordou. Dialogando com a ressalva da orelha de
que a autora era estreante, destacou que a informação não tinha relevância. “Um livro é
mercadoria à venda e é obra que o autor acha madura. E assim deve ser recebido, até
como homenagem ao autor”. Em sua opinião, o romance de Alina Paim tratava de uma
“revolta primária contra as desigualdades sociais e contra as deficiências e absurdos da
educação num colégio religioso”.28 Raimundo Souza Dantas chegou a decretar a morte
de Alina Paim enquanto ficcionista, por julgá-la “inexpressiva pela completa ausência de
um sentido artístico em suas produções”.29
Em uma sociedade marcada por lugares bem demarcados de gênero, o fato de a
autora ser mulher atraiu análises generificadas. Como vimos, eram os homens
majoritariamente brancos que construíam as convenções literárias e os compartimentos
de classificação das obras. Os livros escritos por mulheres eram colocados na caixa de
literatura feminina; ao passo que não existia a caixa masculina para as obras dos
homens. 30 A chamada literatura feminina era descrita como um tipo de ficção de

25
BASTIDE, Roger. Tabuleiro de livros da Bahia. O Jornal, ano 27, n. 7627, p. 4, 10 mar., 1945.
26
MEDAUAR, Jorge. Dois romances. Leitura, Rio de Janeiro, n. 34, p. 12-16, out., 1945.
27
A.F. Livros do Dia. A Manhã, Rio de Janeiro, ano 4, n. 1095, p. 3, 6 mar., 1945.
28
BRAGA, Newton. Uma voz da província. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 44, n. 15452, p. 1 (2ª
seção), 18 mar., 1945.
29
DANTAS, Raimundo Souza. Meditações sobre jovens. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 47, n.
16907, p. 8 (2ª seção), 1-2 mai., 1948.
30
Passadas algumas décadas, a realidade apresenta alguma semelhança. Analisando a produção literária
brasileira entre 1990 e 2004, Regina Dalcastagnè observou: “É claro que os tempos mudaram, que algumas
lutas por direitos civis desembocaram também na literatura, fazendo com que mulheres, negros,
homossexuais, índios começassem, timidamente, a se revelar na condição de escritores. Mas, como vimos,
ainda não foram incorporados de fato. Séculos de literatura em que as mulheres permaneciam nas margens,
condicionaram-nos a pensar que a voz dos homens não tem gênero e, por isso, existam duas categorias, a
literatura, sem adjetivos, e a literatura feminina, presa a seu gueto. Da mesma forma, aliás, que, por vezes,
parece que apenas os negros têm cor ou somente os gays carregam as marcas de sua orientação sexual.
Romper com essa estrutura de pensamento é muito mais difícil quando não se percebe, ou não se assume,
que nosso olhar é construído, que nossa relação com o mundo é intermediada pela história, pela política,
pelas estruturas sociais. E que, portanto, toda e qualquer apreciação literária é regida por interesses, por
mais difusos que eles sejam. Negar isso é insistir na perpetuação de uma forma de opressão, que elimina da
literatura tudo o que traz as marcas da diferença social e expulsa para os guetos tantas vozes criadoras em
potencial”. DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura brasileira contemporânea: um território contestado.
Vinhedo: horizonte, 2012. p. 192-193.
197

qualidade duvidosa comprometida pelos “deslumbramentos”, excesso de sensibilidade e


“tergiversações”. Mas em Estrada da Liberdade, segundo avaliou Ascendino Leite, as
“marcas dos deslumbramentos de que, em regra geral, padecem os livros de inspiração
feminina” não chegaram a comprometer sua qualidade, porque manifestavam-se “num
sentido mais sério e consequente”.31 Inspirado na mesma lógica, Jorge Medauar advertiu
que, apesar de escrito “por uma sensibilidade de mulher”, o romance não carregava as
“tergiversações femininas, tão lamentavelmente habituais na literatura de um incalculável
número de autoras”.32
Ou seja: as análises de uma obra escrita por mulheres já traziam um a priori
negativo. Era literatura feminina carregada de “sentimentalismos”. Se a literatura feita
por mulheres era feminina, o inverso não era verdadeiro. As criações dos homens brancos
heteronormativos eram tidas como universais, portanto dispensavam demarcadores. A
fumaça da universalidade silenciava sobre o lugar social dos grupos hegemônicos,
escamoteando seus privilégios; ao passo que através do “paradigma do Outro”, como
indicou Sueli Carneiro, inscrevia os sujeitos subalternizados criando expectativas sobre
eles. O Outro era rotulado, o “Eu hegemônico”, não.33 No campo do gênero, os homens
das letras não viam com bons olhos excessos de “feminilidade” na obra. Uma boa
literatura deveria, portanto, ponderar a sensibilidade, deslumbramentos e tergiversações
lidas como femininas.
Alina Paim, ao longo de sua trajetória, por diversas vezes, cedeu às
“recomendações” de estilo impostas pelo grupo político-literário no qual estava inserida
e aspirava reconhecimento, mas certamente, mediante negociações, não deixou de
imprimir o seu “feminino”/feminista. O conjunto de seus livros traz as marcas do debate
feminista do seu tempo e permite sustentar a tese de que no intervalo entre as chamadas
primeira e segunda onda feministas houve um feminismo entre ondas atravessado por
uma diversidade de temáticas, entre as quais, a opressão da sexualidade das mulheres e
das violências, inclusive sexuais, no casamento. Voltaremos ao debate na terceira parte.
A publicação de seu primeiro romance, bem ou mal, foi bastante comentada no
34
meio literário, colocando-a em evidência. Mas o tom de denúncia sobre as

31
LEITE, Ascendino. Estrada da Liberdade. Leitura, Rio de Janeiro, n. 25, p. 18, jan., 1945.
32
MEDAUAR, Jorge. Dois romances. Leitura, Rio de Janeiro, n. 34, p. 12-16, out., 1945.
33
CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do Outro como não-ser como fundamento do ser. Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 20-
24.
34
Todo escritor que publica um livro escreve para ser lido. Ganhar visibilidade na crítica, bem ou mal
falado, é importante para movimentar a circulação. O silêncio também é uma forma de recepção e é a mais
198

desigualdades entre homens e mulheres chamou pouca ou nenhuma atenção da crítica.


Muito rapidamente, alguns chegaram a demonstrar a presença marcante das personagens
“femininas”, mas nenhum deu ênfase, como o fez Eglê Malheiros, ao problema
enfrentado por elas enquanto categoria social e política. O que mais chamou a atenção,
positiva ou negativamente, foi a denúncia às desigualdades de classe. Eglê, que, como
vimos, assim como Alina também militava no movimento de mulheres de caráter
feminista, foi a única a destacar “as observações agudas” que a narrativa de Estrada da
Liberdade fez do lugar que as mulheres ocupavam na “família pequeno burguesa”.

A madrinha de Marina, boa, mas atrasada, desse atraso secular que se


convencionou ser a condição ‘sine qua’ para uma boa esposa, amarrada
ao egoísmo de um marido enfatuado e indiferente, esquecendo as
mágoas no diz-que-diz da vizinhança, é o retrato de muitas mães de
família do Brasil afora.35

As palavras de Eglê Malheiros, quando comparadas aos pareceres da crítica


masculina, abrem brechas para a reflexão de como o lugar social, embora não determine
o engajamento político, pode contribuir para forjá-lo. Se o pensamento feminista
contribuiu para que a personagem Edite chamasse a atenção de Eglê Malheiros, o lugar
de educador fez com que Fernando Tude de Souza, diretor da Rádio do Ministério da
Educação e Cultura, se interessasse pelo debate sobre a educação escolar que aparece no
romance de forma contundente. Como ele mesmo destacou, ali ele falava como educador
não como crítico literário. Desse lugar, leu com entusiasmo as páginas “vivas e reais” do
drama da professora Marina que acabara de sair de uma educação falsa do convento para
enfrentar a realidade de uma escola pública localizada num bairro pobre.36
O diretor da rádio do Ministério da Educação realmente aprovou o quadro
montado em Estrada da Liberdade e dos princípios educacionais impressos em suas
páginas. Pouco tempo depois da publicação do livro, ele convidou Alina Paim para
escrever para o programa infantil No reino da Alegria, dirigido por Geni Marcondes,
compositora e diretora musical.37 Em função dos seus textos radiofônicos, em 1979, Alina

frustrante para um escritor. Segundo Lília Schwarcz, a crítica que mais incomodou Lima Barreto foi o
silêncio. SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Cia das Letras, 2017. p.
215.
35
MALHEIROS, 1951, p. 19-22.
36
SOUZA, Fernando Tude. A professorinha Marina. Leitura, Rio de Janeiro, n. 27, p. 13, mar., 1945.
37
GENI Marcondes. Enciclopédia Itaú Cultural, 05 jan., 2015. Disponível em: <
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa393078/geni-marcondes> Acesso em: 24 fev., 2020.
199

Paim foi homenageada pela União Brasileira de Escritores (UBE) com o diploma especial
de Personalidade do Ano Internacional da Criança.38

5.3. Mergulho na militância partidária, contribuições na imprensa e investimento


na literatura romanesca

Em 1945, mesmo ano em que começou a escrever para a rádio, onde colaborou
até 1956, se filiou oficialmente ao PCB, partido com o qual, ao que tudo indica, ela já se
relacionava desde quando morava em Salvador. No partido, atuou no movimento de
mulheres como colaboradora do jornal Momento Feminino e do Departamento Feminino
do Comitê Democrático Botafogo-Lagoa. Fez parte das células Estivador Santana e
Theodore Dreiser, composta somente por escritores, entre os quais, Graciliano Ramos,
Floriano Gonçalves, Ignácio Rangel, Lia Corrêa Dutra, Benedito Papi, Laura
Austregésilo, Israel Pedrosa e Gilberto Paim. Uma das funções da célula, cujo nome
homenageava um escritor norte-americano, era “disseminar as teses que vinham do
Comitê Central através de artigos, conferências, conversas e reuniões”.39
Em pouco tempo a Theodore Dreiser foi dissolvida. O motivo: por sugestão de
Graciliano, resolveu à revelia da cúpula partidária criar uma seção para apreciar originais
inéditos de jovens escritores. Após a decisão, o jornal Tribuna Popular publicou uma
nota solicitando o envio de textos para que se iniciassem as apreciações. O projeto chegou
ao conhecimento de Diógenes de Arruda Câmara, dirigente do PCB, que entendeu que o
grupo de intelectuais desejava controlar os jovens escritores. “Centralizador, Arruda
ordenou a dissolução da célula. [...] Os intelectuais se dispersaram pelos comitês
distritais. [...] A hierarquia não podia ser melindrada”.40
Alina Paim completaria sua agenda política e intelectual escrevendo textos para a
imprensa comunista e não comunista. Além do jornal Momento Feminino, onde se ocupou
da seção de Puericultura e publicou contos, colaborou com revistas literárias, como
Esfera, dirigida por Silvia Leon Chalreo e Maura de Sena Pereira, e Leitura. Também se
ocupou das revistas especializadas em “assuntos femininos”, como a revista Walkyria e
O Cruzeiro, além de escrever para os jornais cariocas Correio da Manhã e Voz Operária
(do PCB). Geralmente publicava contos, muitos dos quais fragmentos dos seus romances

38
LIVROS e autores. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano, 89, n. 163, p. 9 (Caderno B), 18 set., 1979.
39
MORAES, 2012, p. 212.
40
Ibid., 212-213.
200

já publicados ou inéditos. Também escreveu alguns poucos artigos analisando os assuntos


do momento.41 Seu grande investimento intelectual foi na literatura romanesca.
Foi como romancista que a mulher, que parecia uma “menina tímida, novinha e
com jeito de freira à paisana”, se destacou no campo intelectual. 42 Contrariando as
expectativas daqueles que sentenciaram sua morte como ficcionista, publicaria mais
quatorze livros de ficção ao longo de sua carreira: dez romances, entre eles uma trilogia,
e quatro livros de literatura infanto-juvenil.43 Por ironia do destino, seu terceiro romance
foi publicado pela Editora Globo compondo uma coleção que incluía um livro de
Raimundo Dantas, o mesmo que deu o prognóstico de que Alina Paim não passaria do
primeiro romance.
Arte e militância partidária se entrecruzaram em seu fazer político. Os seus
espaços de experiência – família, maternidade, escola, religião e PCB – se tornaram
cenários para as invenções. Característica que apareceu em seu primeiro romance. A
Sombra do Patriarca e Simão Dias, publicados logo em seguida, seguiram o mesmo tom
autobiográfico do primeiro. Escritos quase simultaneamente, foram lançados em um curto
intervalo de tempo. Assim como Estrada da Liberdade, também foram orientados pelo
Velho Graça antes de chegarem às editoras.44
Elaborado entre outubro de 1945 e fevereiro de 1946, A Sombra do Patriarca foi
lançado em 1950 pela editora Globo e dedicado a Graciliano Ramos.45 Simão Dias saiu
em 1949 pela Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, mas foi construído meses

41
Em uma busca utilizando a ferramenta de busca nominal na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
digitei o nome Alina Paim e localizei os seguintes textos: Artigos – PAIM, Alina. A educação na Rússia.
Leitura, Rio de Janeiro, ano 3, n. 29, p. 47, mai., 1945; Idem. Dez dias que abalaram o mundo. Leitura, Rio
de janeiro, ano 3, n. 31, p. 34, jul., 1945; Idem. A Mulher e a FEB, O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 22 set., n.
48, p. 3, 1945. Contos – PAIM, Alina. Inauguração da luz elétrica. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
1, n. 2, p. 8, 01 ago., 1947; Idem. Agonia. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 48, n. 17.184, p. 2 (3°
Caderno), 27 mar., 1949; Idem. A casa. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 68, p. 4, 02 mai.,
1950; Idem. O comunismo é como o vento. Voz Operária, Rio de Janeiro, ano 2, n. 82, p. 12, Rio de Janeiro,
16 dez; Idem. A outra lição. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 81, p. 4, fev., 1951; Idem. A
Carta. Leitura, Rio de Janeiro, ano 9, n. 43-44, p. 22-23, jan./fev., 1961.
42
Foi assim que Graciliano Ramos a descreveu na orelha de Simão Dias. Além do Velho Graça, Jorge
Amado, no prefácio de Sol do Meio Dia, observou que a modéstia e a timidez eram traços característicos
da autora. Ao entrevistá-la, em 1979, Isolda Gonçalves disse estar diante de uma mulher “miúda” com
“jeito quieto de quase timidez. E uma voz segura, um olhar direto e firme encarando a gente. Assim é Alina
Paim”. GONÇALVES, 1979, p. 7.
43
Romances: Estrada da Liberdade (1944), Simão Dias (1949), A Sombra do Patriarca (1950), A Hora
Próxima (1955), Sol do Meio Dia (1961), a Trilogia de Cataria (1965) – O Sino e a Rosa, A Chave do
Mundo e o Círculo –, A Correnteza (1979) e A Sétima Vez (1994). Livros infanto-juvenis: O lenço
encantado (1962); A casa da coruja verde (1962); Luzbela vestida de cigana (1962) e Flocos de algodão
(1966).
44
MORAES, 2012, p. 194.
45
PAIM, Alina. A sombra do patriarca. Porto Alegre: Globo, 1950.
201

depois do anterior, entre agosto e dezembro de 1946.46 O primeiro, considerando a ordem


de escrita, é narrado por Raquel, que conta o que viu e ouviu nos meses em que passou
nas propriedades de um tio latifundiário, tio Ramiro. 47 O enredo é simples, como se
alguém tivesse falando livremente sobre as lembranças de uma viagem marcante. A
narradora apresenta uma realidade profundamente desigual do interior do Nordeste, onde
uns poucos usufruem de riqueza, conforto e poder, enquanto uma maioria trabalha e vive
de forma miserável para manter os privilégios dos poderosos. Ela se opõe de forma
contundente a este modelo de sociedade tipicamente patriarcal e apresenta o seu mundo
ideal, o comunista, onde não existiria nenhum tipo de opressão.48
Mais uma vez a crítica se divide. Os simpáticos às ideias comunistas o
descreveram como esplêndido e ardente de vida, “desde já um dos melhores tipos do
romance brasileiro, pelo cuidado que ela teve em não fazer um «tipo»”; uma
representação do patriarcado, “mas sem simbolismo, sem composição, antes guardando
traços pessoais e diferenciadores”.49

Assim, ela não nos quer dar uma tese, mas um episódio característico
que prova, no rumo em que ela investe, isto é, no sentido de mostrar um
estágio social medievalesco que nos é próprio. E, portanto, esse estudo

46
Nos dois romances a autora datou o tempo da escrita. O lançamento de A Sombra do Patriarca começou
a ser anunciado pela editora em 1948. O livro foi divulgado como parte de uma coleção de autores
brasileiros, entre os quais, Noite na Taverna e Macário, de Álvares de Azevedo; Lendas do Sul, de Simões
Lopes Neto; Segredos da Infância de Augusto Meyer; Pássaro Ferino, de Genolino Amado; Os filhos do
medo, de Ruth Guimarães e Solidão dos Campos, de Raimundo S. Dantas. Portanto, desde aquele ano a
editora já estava de posse dos originais. Não sei os motivos do atraso, que pode ter sido por problemas do
próprio processo de edição, marcado por correções e sucessivas trocas entre editores e autoras. PRÓXIMOS
Lançamentos. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 18 jan., 1948, p. 1 (Segunda Seção); ROSEMBLATT
nos fala da Editora Globo. Leitura, Rio de Janeiro, n. 47, p. 18, fev.; DE TODOS os Fronts. Correio da
Manhã, Rio de Janeiro, 13 jun., 1948, p. 8 (2ª Seção)1948.
47
A versão que disponho foi restaurada. Sem capa original. O livro não tem prefácio. A apresentação
provavelmente foi feita na orelha, que não tive acesso em função da ausência da capa.
48
No contexto, o patriarcado se referia às grandes famílias agrárias. No romance, a expressão apareceu
como um sistema de opressão de classe não de gênero, destacando que é marcado pelo machismo. O
conceito de patriarcado passou a ser utilizado para explicar a subordinação das mulheres em relação aos
homens a parir da década de 1970. De acordo com Joan Scott, grosso modo, as teóricas do patriarcado
explicaram a subordinação das mulheres como uma necessidade de o macho dominar as mulheres em
função da reprodução e/ou da sexualidade em si. Para a autora, esta interpretação é problemática sobretudo
porque se baseia na diferença física como se ela tivesse um caráter universal e imutável. No entanto, há
quem conteste esta leitura. Há uma polêmica envolvendo a pertinência ou não do uso do conceito ao mesmo
tempo em que se discute até que ponto o conceito de gênero deve substitui-lo. Cf. SCOTT, Joan. Gênero:
uma categoria útil para a análise histórica. Educação & Realidade: Porto Alegre, v. 20, p. 71-99, jul./dez.
1995; MACHADO, Lia Zanotta. Perspectivas em confronto: relações de gênero ou patriarcado
contemporâneo? Série Antropológica, n. 284, Brasília, p. 2-19, 2000.; DELPH, Christine. Patriarcado
(teorias do). In: HIRATA, Helena et alii. Dicionário crítico do feminismo. São Paulo: UNESP, 2009, p.
173-178. SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, Patriarcado e violência. São Paulo: Expressão Popular/Fundação
Perseu Abramo, 2015.
49
FORA do Prelo. Revista da Semana, Rio de Janeiro, n. 44, p. 45, 04 nov., 1950.
202

adquire traços universais, ausente dele, qualquer regionalismo,


qualquer propósito de pitoresco, de colorido pelo colorido.50

Para Ruth Guimarães, uma das poucas mulheres que aparece como crítica
literária, as únicas “qualidades extraordinárias” do livro eram: coragem, sinceridade e
assunto. No mais, era um livro mal realizado. “É uma coisa anódina, insípida e
impalpável. Ninguém vê o patriarca em ação, ninguém sente a sua atuação envolvente ou
a sua vitalidade absorvente”; além do excesso de diálogos feitos para ilustrar “as ideias
da Autora, principalmente sobre a posição da luta da mulher, posição de combatente e
não de expectadora” e, sobretudo, sua orientação política. “Ah, meu deus! Essas
tendências na literatura”.51
A explicitação da tendência política nas narrativas de ficção era uma característica
que também não agradou a João Vasconcelos. Concordando com a crítica anterior, ele
achou o patriarca inexpressivo: a sombra do patriarca que deveria dominar o romance,
como era prometido no título, era fraca. Em sua leitura, o livro não se concretizava
enquanto literatura pois não atendia à verossimilhança exigida. Achou a narrativa “uma
má caricatura” de romance que, “por má-fé”, era reconhecido apenas pelas “esquerdas
que tudo topa, até mesmo aplaudir sem discrepâncias realizações mofinas como esta de
d. Paim”.52 Para ele, a narrativa era uma tentativa fracassada de imitação da vida que,
conforme lembrou, tinha “o direito de ser, por vezes, inverossímil, enquanto a ficção
“precisa antes de tudo ser verossímil para ser boa. Assim, a vida cria arbitrariamente, mas
o ficcionista cria só livremente e dentro de limites rígidos que devem ser respeitados”.53
As palavras de Vasconcelos se aproximam de uma visão de literatura que continua
movimentando a teoria literária contemporânea: a de que a ficção “triunfa por si mesma
[...] e não pelo testemunho que oferece sobre o mundo real”.54 Sua verdade, segundo o
crítico e romancista Mario Vargas Llosa, é intrínseca ao próprio texto que comunica
verdades fugazes que escapam das descrições científicas da realidade. As fabulações
romanescas encapsulam o caos da vida real numa trama de palavras que para parecerem
verdadeiras dependem “da sua própria capacidade de persuasão, da força comunicativa

50
FORA do Prelo. Revista da Semana, Rio de Janeiro, n. 44, p. 45, 04 nov., 1950.
51
GUIMARÃES, Ruth. Sobre um moleiro e duas sombras. Jornal de Notícias, São Paulo, ano 5, n. 1.375,
p. 1 (Segundo caderno), 15 out., 1950,
52
VASCONCELOS, João. Nos domínios da Ficção. Diário de Pernambuco, Recife, ano 26, n. 51, p. 1-2
(2ª seção), 04 mar.,1951.
53
Ibid.
54
LLOSA, Mario Vargas. A verdade das mentiras. São Paulo: Arx, 2004. p. 64.
203

de sua fantasia, da habilidade de sua magia”.55 A verdade do romance não estaria em sua
capacidade de documentar o real, mas na verossimilhança, leia-se, na harmonia e
coerência da narrativa, por mais imaginosa ou fantástica que seja.

Porque dizer a verdade para um romance significa fazer o leitor viver


uma ilusão, e ‘mentir’, ser incapaz de conseguir esse engano, esse logro.
O romance é, pois, um gênero amoral ou, ainda melhor, de uma ética
sui generis, para a qual verdades ou mentiras são concepções
exclusivamente estéticas. [...] Sem ilusão não existe romance.56

Por outro lado, autores ligados à teoria literária marxista continuam se opondo a
esta concepção de arte, por eles chamada de burguesa. Terry Eagleton é um deles. Para o
crítico, a literatura revela mais do que concepções exclusivamente estéticas, ao mesmo
tempo que não deve ser entendida como uma forma de organização do “caos da vida”.
Mais do que entreter, as expressões artísticas, entre elas a literatura, revelam (e podem
servir), ao mesmo tempo que instituem a partir da dialética forma-conteúdo, as ideologias
da sociedade. O autor atualizou as reflexões de Georg Lukáks para quem a ficção
representa “as conexões mais profundas entre homem [sic], destino e mundo, e
certamente surgiu dessa busca pela profundidade, ainda que no mais das vezes não tenha
consciência da própria origem”.57
Não por acaso, na perspectiva de Eagleton, as mudanças de convenções literárias
são reflexos de mudanças ideológicas profundas. Por isso, a arte revolucionária (leia-se,
marxista) deveria disputar/impor alterações. Mas não há uma relação simples e simétrica.
“A forma literária, como Trotsky nos faz lembrar, possui um alto grau de autonomia. [...]
Também sobrevivem nas novas formas literárias vestígios das antigas”.58

A forma, eu diria, é sempre uma unidade complexa composta por pelo


menos três elementos: [1] ela é moldada em parte por uma história
literária das formas “relativamente autônomas; [2] ela cristaliza a partir
de certas estruturas ideológicas dominantes; [...] [3] ela personifica um
conjunto específico de relações entre autor e público. É a unidade
dialética desses elementos que a crítica marxista se preocupa em
analisar. Ao selecionar uma forma, portanto, o escritor descobre que sua
escolha já está limitada ideologicamente.59

55
LLOSA, 2004, p. 16.
56
Ibid.
57
LUKÁCS, Georg. Sobre a forma e a essência: carta a Leo Popper (1910). A alma e as formas. Belo
Horizonte: Autêntica, 2015. p. 37-41.
58
EAGLETON, Terry. Marxismo e crítica literária. São Paulo: Unesp, 2011. p. 53.
59
Ibid., p. 53-54.
204

Regina Dalcastagnè concorda que as convenções literárias estão sintonizadas com


o contexto. Por isso, relativizou a ideia de que todas as fabulações da literatura,
independente do recorte histórico, encapsulam o caos da vida real dentro de uma narrativa
coerente. Pensando a literatura contemporânea de 1990 a 2004, ela destacou que “o
espaço da ficção, hoje, é tão ou mais traiçoeiro que o da realidade. Não há a intenção de
controlar ninguém, tampouco, de estabelecer verdades definitivas ou lições de vida.
Reafirma-se, no texto, a imprevisibilidade do mundo e as armadilhas do discurso”.60 A
autora também problematizou a ideia recorrente de que a literatura é um campo de
liberdade, “um lugar frequentado por qualquer um que tenha algo a expressar sobre o
mundo e sua experiência nele”. 61 Como qualquer meio de expressão, é contaminada
ideologicamente, na medida em que é construída, avaliada e legitimada em meio a
disputas por reconhecimento e poder. “Ao contrário do que apregoam os defensores da
arte como algo acima e além de suas circunstâncias, o discurso literário não está livre das
injunções do seu tempo e, tampouco, pode prescindir dele”.62
As questões relacionadas ao papel social cumprido pela literatura e aos dilemas
que movimentam a teoria literária contemporânea – marcada por uma complexidade não
alcançada nessas breves linhas – guardadas as devidas proporções, agitava o contexto em
que Alina Paim escrevia seus romances. O grupo de intelectuais comunistas com o qual
ela se relacionou, pelo menos até 1961, defendia que a literatura revolucionária deveria
colocar sua forma e conteúdo a serviço das ideias comunistas. Menos do que entreter, o
objetivo era construir uma espécie de literatura pedagógica para a revolução, servindo de
meio para a construção do futuro almejado. Simão Dias, o terceiro romance escrito por
Alina Paim se inspirou nesse ponto de vista. O compromisso era denunciar a realidade
através da ficção e despertar as mulheres para a ideia de que era possível se libertarem da
opressão e dominação masculina.
A apresentação coube a Gracilano Ramos que escreveu a orelha. Segundo Dênis
de Moraes, mais do que apresentá-lo, o autor de Vidas Secas, empolgado com a narrativa,
dedicou-se com afinco à revisão do texto. De posse dos originais, marcou um encontro
com Alina. “Queria discutir o romance [...] um dia inteiro, em um local tranquilo. ‘Deve

60
DALCASTAGNÈ, 2012, p. 93.
61
Ibid., p. 191.
62
Ibid.
205

estar uma calamidade para pedir um dia todo’, pensou ela”.63 Em um restaurante vazio,
deu um tapa na pasta e sentenciou:

– Acho esse romance bom.


– E por que levou tanto tempo para dizer isso?
– Porque hoje você vai aprender coisas para o resto da vida.
Novamente o texto trazia correções gramaticais e pontos assinalados
para discussão sobre estrutura de cenas e personagens.64

Segundo a romancista, as horas de lição nortearam para sempre a sua carreira.65


A orelha escrita por Graciliano também foi um carimbo importante, já que feita por uma
grande referência no campo literário. As palavras do Velho Graça, que atribuíam ao seu
novo romance “um valor que o trabalho da juventude apenas iniciava” 66 , certamente
deixaram a escritora lisonjeada, além de lhe conferir prestígio no meio literário. O
romance que tanto empolgou Graciliano tem um estilo narrativo diferente dos dois
primeiros, mas é carregado do mesmo tom social, aplaudido por uns e repudiado por
outros.
Narrado em terceira pessoa é intimista e marcado por penetração psicológica. Ao
contrário dos outros dois, não há mocinhas e bandidos, mas pessoas carregadas de
humanidade. Situada na pequena cidade de Simão Dias, cidade em que Alina Paim viveu
parte da infância, conta histórias de mulheres a partir dos pontos de vista de quem
observava e de quem vivia a experiência. Neste aspecto, evidencia a complexidade da
existência humana, das leituras que são feitas delas e da impossibilidade de alcançar os
“compartimentos da alma” do outro. Os segredos íntimos, as feridas e frustrações de cada
uma foram apresentados como parte de um terreno impermeável ao olhar do outro. Como
descreveu Graciliano Ramos, as personagens do romance “são criaturas que a fizeram
padecer na infância ou lhe deram alguns momentos de alegria, em cidadezinhas do
interior”.67

Nenhum excesso de imaginação. Em geral os homens são vistos a


distância, não se fixam. A escritora julga talvez não conhecê-los bem e
receia apresentá-los deformados; limita-se quase sempre a fazer
referência a eles ou, quando é indispensável, a metê-los na ação em
diálogos curtos, em rápidas passagens. [...] O que surge com intensidade
é a existência das mulheres – complicações, desarranjos, pequeninos
problemas. Há umas admiráveis tias velhas, rendeiras, beatas, calejadas

63
MORAES, 2012, p. 194-195.
64
Ibid., p. 195.
65
Ibid.
66
PAIM, 1949, orelha.
67
RAMOS apud PAIM, 1949, orelha.
206

nos mexericos. E há também a criança atormentada, a melhor criação


de Alina. Vê-se bem que a romancista cochilou nas orações compridas,
trocou bilros na almofada e aguentou muito puxão de orelha. Essas
desventuras lhe fornecem hoje excelente matéria.68

Conforme observado por Ilka Machado, em Simão Dias Alina Paim depurou seu
estilo e expôs com mais firmeza o que elegeu como centro de suas atenções: a condição
social das mulheres. Em tom autobiográfico, desenvolveu uma história em que o coletivo
se sobrepôs ao individual, sem prejuízo de personagens fortes e bem construídas.69 As
personagens centrais são mulheres que tiveram suas potencialidades reduzidas pelo estilo
de vida e pelos valores compartilhados na pequena cidade do interior. Como
consequência, viviam angustiadas e submetidas ao elemento masculino – pai ou marido.
O casamento era a única expectativa de suas vidas; caso contrário amargariam a condição
de “solteironas”.
Mas nem todas aceitaram esse lugar com passividade, embora muitas vezes a força
das circunstâncias a fizessem padecer por serem do sexo feminino, como foi o caso de
Maria do Carmo e Luísa, transposições que a autora fez de si mesma com a licença poética
e a coerência da vida fictícia que marcava seu estilo literário. 70 A primeira, uma
adolescente criada pelos avós e mais três tias “solteironas”. Só conhecia carinho quando
estava aos cuidados da tia Luísa. As decepções da vida e a eterna dependência ao pai, um
senhor intransigente cujas vontades deveriam ser sempre satisfeitas, tornaram as tias
amargas e grossas. A menina tornou-se válvula de escape das frustrações, a qualquer
vacilo eram surras e castigos.
Do Carmo não tolerava os maus tratos e desprezava o estilo de vida da pequena
cidade, pequena demais para as suas necessidades objetivas e subjetivas. Desejava um dia
poder abandoná-la. “Se fosse embora, não voltaria nunca. Não. Era preciso voltar um dia,
apenas por algumas horas, para vingar-se de todos”. 71 Contrariando o ideal de
feminilidade, a menina não era doce e tinha dúvidas se desejava realmente casar-se.
“Casar traria mesmo vantagens? Esfregar fundo de panela, pregar botão em roupa, ter

68
RAMOS apud PAIM, 1949, orelha.
69
OLIVEIRA, 1998, p. 19.
70
Para o escritor e crítico literário Antônio Cândido, mesmo sendo herdeiras das ambiguidades da vida, as
personagens possuem contornos bem definidos e definitivos na plena concretização do ser humano
individual, vivendo momentos supremos, perfeitos à sua maneira; bem diferente do “fluir cinzento e
cotidiano da vida empírica, onde as pessoas “de carne e osso” não se apresentam de modo tão nítido e
coerente, nem de forma tão transparente e seletiva. CÂNDIDO, Antônio et. al. A personagem de ficção. 5ª
ed. São Paulo: perspectiva, 1976. p. 45-46.
71
PAIM, 1949, p. 108.
207

filho, mudar fraldas mijadas, ouvir berros: nisto se resumia a sorte de vovó Carolina e de
Comadre Mariana”.72 Ela sonhava em conquistar a vida fora de Simão Dias, ganhar seu
próprio dinheiro, ser independente e “falar grosso”, ser como a tia Luísa.

Tia Luísa não era como Iaiá e Adélia, que engoliam a seco tudo que o
velho [Bernardinho] dizia. Tia Luísa não precisava dele, tinha marido,
loja de sobrado, malhada e dinheiro dela mesma. Não era para conseguir
outra coisa que ensinava no salãozinho. Seria bom ser como tia Luísa.
Ganhar dinheiro e falar grosso.73

Ao contrário do que imaginava a menina, Luísa tinha as suas frustrações. Embora


não precisasse mais engolir a seco os desaforos do pai e tivesse um marido que não lhe
maltratava, ela se sentia presa a uma vida mesquinha. Havia estudado em Salvador, onde
se formou professora. Após a formatura, retornou a Simão Dias, casou-se e passou a
administrar a casa e uma pequena loja do marido, além de dar aulas particulares para as
crianças da região. O estilo de vida a deixava completamente insatisfeita porque se sentia
limitada. A maternidade, antes um projeto, tornou-se um medo. Não desejava ser mãe,
pois temia se ver ainda mais enredada àquele estilo de vida.
A expressão feminista do romance é tão contundente que a jornalista Yvone Jean
considerou desnecessário que a autora explicitasse a ideia que o norteou: “É possível
reconstruir a vida sobre os alicerces cavados com a análise de si mesma, levantados sobre
a compreensão de uma igualdade real entre sexos”. 74 No novo romance, ainda na
perspectiva da crítica, Alina Paim alcançou um progresso extraordinário com
personalidades que vivem e empolgam.
As mesmas personagens que empolgaram Yvone não agradaram parte dos homens
do PCB. Dalcídio Jurandir, que também era escritor, embora concordasse que em Simão
Dias Alina Paim progrediu no domínio da expressão, achava que havia perdido a
espontaneidade e retrocedeu no que diz respeito à escolha do tema e à “maneira de estudar
e interpretar a realidade”, “contradição da romancista”. 75 O fato das mulheres, seus
dilemas cotidianos e seus sentimentos terem se tornado centrais na narrativa também não
empolgou Astrojildo Pereira, que o julgou marcado por “perniciosas influências”, “coisas

72
PAIM, 1949, p. 119.
73
Ibid. p. 80-84.
74
JEAN, Yvonne. Presença da Mulher. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 49, n. 17.347, p. 15, 15 out.,
1949; PAIM, 1949, p. 206.
75
JURANDIR, Dalcídio. Sobre “A Hora Próxima”. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.657, p.
4, 13 nov. 1955.
208

arbitrárias e estéreis, como “miudezas psicológicas, psicanalíticas e introspectivas”. 76


Estes posicionamentos são reflexos das posturas antifeministas entre os comunistas, às
quais me referi no terceiro capítulo.

5.4. Uma pausa na introspecção: experimentando o realismo socialista

O tom feminista, provavelmente as “perniciosas influências” às quais Dalcídio se


referia, foi colocado de lado em seu próximo romance. Em A Hora Próxima a autora
tentou ceder às recomendações do partido. A narrativa se voltou completamente para a
luta de classes e manteve o protagonismo das mulheres. Publicado em 1955 pela editora
Vitória, foi o décimo primeiro volume – o primeiro nacional – da coleção Romances do
Povo, dirigida por Jorge Amado. Foi feito por encomenda e na medida do realismo
socialista importado da URSS. Anunciado como “Ferroviários”, foi publicado como A
Hora Próxima, referência ao futuro comunista almejado. A greve representava “a ante
hora de uma «hora próxima», que seria a substituição do regime político-econômico
motivador dos sofrimentos e da luta das personagens”.77 Com capa do artista amazonense
Percy Deane e orelha escrita pela equipe editorial, o livro foi apresentado como “o ponto
de partida de uma nova fase em seu trabalho literário”. Nele, as habilidades da autora
estariam a serviço da captação “da humanidade exuberante do povo brasileiro, no que ele
tem de mais novo e poderoso, o impulso e o crescimento do movimento operário”.78

Eis o primeiro romance de autor nacional na Coleção Romances do


Povo. O interesse da narrativa, o sentido e a realização do livro
asseguram-lhe um êxito certo. Em A Hora Próxima encontramos
aspectos magníficos da vida dos trabalhadores, elementos e costumes
da nossa terra e da nossa gente. Homens e mulheres cujas palavras e
ações nos transmitem um permanente calor combativo. O mesmo calor
humano e a mesma exuberante combatividade que integram a nossa
tradição operária e que Alina Paim soube apreender, que inspiraram e a
fizeram tomar um caminho novo, um caminho seguido por um número
sempre maior de escritores (negrito no original).79

O romance representou, portanto, um esforço da autora em atender às


recomendações do PCB. A literatura deveria se direcionar para o “calor combativo” da

76
PEREIRA, Astrojildo. O novo romance de Alina Paim. Imprensa Popular, ano 3, n. 1.556, p. 1-2 (3°
caderno), 17 jul. 1955.
77
SALLES, Heráclio. Notas de literatura. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 26, n. 10.554, p. 2
(Suplemento Literário), 14-15 ago., 1955.
78
PAIM, Alina. A Hora Próxima. Rio de Janeiro: Vitória, 1955, orelha.
79
Ibid.
209

classe trabalhadora, não para os “problemas miúdos” do cotidiano. Como foi narrado no
capítulo anterior, no período o partido incitou seus escritores a produzirem literatura com
objetivos sociais revolucionários. “Os ‘heróis positivos’ do proletariado deveriam ser
‘divinizados’ em suas lutas contra a dominação burguesa”.80 Esta era a fórmula estética
numa época em que o sectarismo estabelecia as regras. Junto com outros escritores, Alina
Paim ficou encarregada de escrever um romance verdadeiramente proletário.81 A ela foi
dada a tarefa, prontamente aceita, de documentar uma greve de ferroviários que estourou
por iniciativa das mulheres dos trabalhadores no dia 28 de fevereiro de 1951 na cidade de
Cruzeiro, em São Paulo, e logo se espalhou pelas estações de Minas Gerais (Soledade,
Divinópolis, Itajubá e Três Corações).
O conteúdo central do enredo é o movimento grevista, dando especial atenção ao
protagonismo das mulheres no movimento e ao papel dos dirigentes comunistas na
condução da greve. Embora a narrativa traga a participação de mulheres e homens negros,
a negritude some do cartão de visita. O desenho da capa representa mulheres posicionadas
em frente a um trem num movimento de pará-lo. Todas elas de pele clara e cabelos lisos.

Imagem 6: Capa do romance A Hora Próxima


In: Acervo particular

80
MORAES, 2012, p. 251.
81
Segundo Dênis de Moraes, além de Alina Paim outros escritores receberam a tarefa de documentar
eventos operários e transformá-los em romances, entre os quais, Dalcídio Jurandir e Plínio Cabral. Ibid.
210

Sabemos que essa não era – nem é – a cor nem a cara que predominava – e
predomina – na classe trabalhadora brasileira, mas vivendo em um período em que o
debate sobre a invisibilidade e a ausência de representação/representatividade da
negritude ainda não tinha a dimensão de hoje, é possível que a autora não tenha
identificado o problema. Durante o processo de escrita, Alina Paim contou com a
colaboração dos trabalhadores que inspiraram as personagens, que lhe cederam
entrevistas, sugeriram temas e lhe apresentaram pessoas importantes do sindicato dos
ferroviários. 82 A experiência certamente marcou sua vida. Anos depois, em entrevista
concedida em 1979, lembraria com carinho e orgulho do contato direto que teve com os
ferroviários e as mulheres grevistas.

– Ah, esse livro me rendeu muitos e grandes amigos. Para escrever


sobre a greve das mulheres dos ferroviários fui juntar-me a elas,
conhecer de dentro sua luta. Aprendi a conhecer as máquinas e seus
homens. Sua linguagem e seu trabalho. Tornei-me uma delas. Minha
verdadeira alegria foi quando me nomearam delegada do IV Congresso
Ferroviário, realizado em agosto de 1955, em Campinas. Para mim, foi
a coisa mais estupenda de minha vida de escritora. Convidara-me a
fazer parte da Mesa. Não sou de falar em público. Não sei. Não gosto.
Não posso. Pois, olhe, senti-me tão bem entre aqueles novos amigos
que me vi falando como se estivesse na minha casa, contando coisas,
participando de tudo. Quando terminou a sessão, surpreendi-me com
uma fila de pessoas que desejavam falar-me. Entre elas, estava um
velhinho simpático. Perguntou-me: “– A senhora é canhota?”
Surpreendi-me. “– Não. Por quê?” “– Então sua mão que escreve é a
Direita?”. Confirmei. Ele a tomou entras as suas e beijou-a: “– Quero
beijar a mão que escreveu a história de minha gente”.83

A narrativa assumiu uma característica completamente diferente dos seus três


primeiros romances, marcados por uma temporalidade que transita constantemente entre
presente e passado, para onde somos conduzidas pelas memórias das personagens que
apresentam suas expectativas para o futuro. Em A Hora Próxima predomina o presente.
Raramente a “romancista cede à sua tendência pessoal” 84 e traz as memórias das
personagens para o centro da narrativa, sobretudo, quando uma delas, dona Palmira, entre
o sono e a vigília, reconstrói as surpresas, os sofrimentos e as resignações de sua vida de

82
A informação aparece em uma das entrevistas que concedeu no período de pré-lançamento do romance.
Segundo declarou: recebi dos ferroviários e de suas companheiras a maior contribuição e estímulo.
Contavam-me sua vida, seus sentimentos, iam buscar velhos [no] bairro ferroviário de Cruzeiro”. UM
LIVRO de luta e de esperança. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 7, n. 1283, p. 3 (Suplemento
Dominical), 22 ago., 1954.
83
GONÇALVES, Isolda. Autora de livros queimados em praça pública rompe silêncio de 12 anos. Diário
de Pernambuco, Recife, ano 154, n. 169, p. 7 (seção D), 24 jun., 1979.
84
SALLES, Heráclio. Notas de literatura. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 26, n. 10054, p. 2
(Suplemento Literário), 14-15ago., 1955.
211

pobre. Nesse momento a personagem “toma um sopro de vida, agora tem nervos, sangue,
memória, é um ser humano de cujo destino participamos, com as suas humilhações e
perplexidades”.85
Alina Paim declarou que escreveu o romance “procurando captar na ação, nos
caracteres, no estilo, a humanidade exuberante do povo brasileiro, no que ele tem de mais
novo e poderoso, o impulso e o crescimento do movimento operário”. 86 Em uma
autocrítica pública, provavelmente estimulada pelo PCB, enfatizou – quase se
desculpando pelo que havia produzido até então – que o novo romance representava um
divisor de águas em sua carreira literária. A mudança teria começado, de acordo com ela,
quando tomou consciência de que “a vida do escritor deve estar ajustada à do militante.
Não há literatura sem partido e sem classe. Sendo assim, coloquei minha arte a serviço
do proletariado e da revolução”.87

Nos meus primeiros romances – disse – tentei fixar a realidade


brasileira, sem perspectivas. Sem querer, dava em meus livros uma
visão miúda da vida e dos homens [sic], entregava-me a métodos de
análise em que via mais o negativo, sobretudo, o intencionalmente
“complicado” do homem [sic]. Pensava mais nos dramas individuais,
como se estes fossem desligados das causas que os determinam,
isolando-os até certo ponto da vida social.
E num desabafo:
– Isso me levava a um beco sem saída. Abandonei este caminho para
tentar o realismo socialista que julgo uma forma qualitativamente nova
e mais elevada de realismo artístico, expressando a realidade em
constante movimento e renovação que lhe são naturais. Isto exige uma
ligação mais íntima do escritor com o seu povo, uma participação mais
direta do escritor na vida e nas lutas de seu povo. [...] Considero o livro
o ponto de partida de uma nova fase em meu trabalho literário.88

O livro saiu três anos após o esperado. A publicação programada para 1952 foi
atrasada em função das críticas do dirigente Diógenes de Arruda Câmara, que não era
especializado em crítica literária e nunca havia escrito uma linha de romance. A autora
teve de modificar a narrativa para garantir sua publicação. Ela não foi a única a sofrer
censuras do partido. De acordo com Dênis de Moraes, “nem a ‘vanguarda intelectual’ se

85
SALLES, Heráclio. Notas de literatura. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 26, n. 10054, p. 2
(Suplemento Literário), 14-15ago., 1955.
86
MEIRA, Mauritônio. Alina Paim (escritora com rosto de adolescente) faz Romance Social com a
participação do povo. Última Hora, Rio de Janeiro, ano 4, n. 999, p. 5-6, 18 set., 1954.
87
Entrevista publicada em Para Todos, n. 7, mar., 1951 apud MORAES, Dênis. O imaginário vigiado: a
imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-53). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. p.
162.
88
MEIRA, Mauritônio, op. cit.
212

esquivou dos dissabores”.89 Dalcídio Jurandir, que em 1952 havia concluído Linha do
Parque, só conseguiu publicá-lo em 1959, sem os rigores do início da década. O escritor
Ariovaldo Matos também sofreu intervenções no romance Corta-Braço que narra uma
invasão de terrenos urbanos em Salvador e só foi editado depois que o autor aceitou
reescrevê-lo construindo a figura do herói positivo ao gosto dos censores.90Atuando como
censor literário, Arruda Câmara matou e ressuscitou personagens de Jorge Amado; tentou
impedir que romances de Alina Paim fossem levados à URSS para tradução; ridicularizou
poetas e novelistas do PCB; trabalhou, sem sucesso, para deixar inéditos manuscritos de
Graciliano Ramos, pois o escritor se recusou a transformar sua arte em instrumento de
propaganda política. Para ele, a literatura era essencialmente revolucionária, portanto, não
precisava virar cartaz.91
Era difícil aplicar o método exportado da URSS à realidade brasileira e ao gosto
dos “analistas” do partido. Alina Paim não conseguiu realizar-se completamente dentro
da fórmula zdanovista. A autora teve de fazer várias mudanças na narrativa devido às
“inconveniências”. 92 Mesmo assim, o final não atendeu as expectativas. Segundo
avaliaram os críticos pecebistas, as ações da greve foram narradas de maneira
empolgante, mas o romance não trazia para os leitores a consciência do proletariado, algo
central no realismo socialista, tampouco construiu personagens comunistas fortes e
expressivas, o que também estava no script da fórmula stalinista. Ademais, pontuaram
que havia muito esquematismo e personagens que pouco se diferenciavam entre si.93
Alina Paim não conseguiu se adequar completamente ao estilo imposto, o que para
Dênis de Moraes seria impossível, pois o realismo socialista “não guardava o menor
parentesco com a realidade brasileira subdesenvolvida”.94 Mesmo assim, os comunistas
consideraram que aquele era o melhor romance da escritora. “Com todos os seus defeitos,
porém, «A Hora Próxima» é um bom romance, o melhor da autora e um dos mais

89
MORAES, 1994., p. 161.
90
MATOS, Ariovaldo. Corta-Braço. 2 ed. Salvador: EGBA; Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1988.
91
MORAES, 2012, p. 249-252.
92
Idem., 1994, p. 162.
93
Em agosto de 1955, Fernando Guedes publicou três textos no jornal Imprensa Popular (ano 8, números
1580 – 14 ago., p. 4; 1584, 19 ago., p. 4 e 1586, 21 ago., p. 5), analisando o romance. Todos com o título
“O novo Romance de Alina Paim”. Além dele, o jornal publicou comentários de outros autores:
JURANDIR, Dalcídio. Sobre “A Hora Próxima”. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1657, p. 4,
13 nov. 1955; HAMPEJS, Zdenek. Um acontecimento significativo na literatura Latino-Americana.
Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1682, p. 5, 11 dez., 1955; PEREIRA, Astrojildo. Balanço
editorial. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 9, n. 1701, p. 5, 08 jan., 1956.
94
MORAES, 2012, p. 251.
213

significativos do ano que finda”.95 Nos próximos, conforme esperavam, ela superaria os
problemas. Após destacar algumas falhas do romance, “muito naturais em quem está
abrindo um novo caminho” 96 , Fernando Guedes apostou que aquele era o “ponto de
partida de um debate com o qual muito terá a lucrar nossa literatura”.97
A dificuldade da romancista em usar a nova técnica e as deficiências da forma não
ficaram invisíveis aos olhos dos críticos não comunistas, menos otimistas sobre o
progresso da autora dentro do padrão estético importado da URSS. Para Heráclio Salles
o problema não estava na convicção político-ideológica da autora, mas no desprezo de
suas “tendências pessoais”. Para evitar falhas na técnica narrativa que comprometiam a
realização literária seria mais prudente que a autora evitasse “entrar em domínio que não
é o seu”.98 Em sua concepção, Alina Paim era bem-sucedida quando mantinha a técnica
da construção da alma das personagens através do mergulho em suas memórias,
característica dos seus primeiros romances. Mas ao que parece, como vimos linhas acima,
os trabalhadores que se tornaram personagens gostaram de se ver representados. A autora
foi uma das homenageadas no IV Congresso Ferroviário, realizado em Campinas no
mesmo ano da publicação do romance, experiência que marcou sua carreira. Conforme
declarou em entrevista, aquela foi “a coisa mais estupenda de minha vida de escritora”.99
Ao final da palestra, o beijo que um trabalhador lhe deu na mão direita certamente coroou
o momento de alegria.
Ainda que não tenha atendido completamente as expectativas dos
“companheiros”, A Hora Próxima foi traduzido na Rússia e na China. A autora – junto
com Maria Alice Barroso, Jorge Amado, Caio Prado Júnior, José Lins do Rego, Josué de
Castro, Érico Veríssimo, Afonso Schmidt, Graciliano Ramos – figurou na lista dos
autores brasileiros mais traduzidos na União Soviética. 100 Mas as glórias vieram
acompanhadas de complicações com a polícia do estado de São Paulo. Sua presença no
movimento grevista lhe rendeu um mandado de prisão expedido pelo Juiz da comarca de
Cruzeiro e a mira do DOPS-SP, que logo em seguida abriu um prontuário para registrar

95
JURANDIR, Dalcídio. Sobre “A Hora Próxima”. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1657, p.
4, 13 nov. 1955.
96
GUEDES, Fernando. O novo romance de Alina Paim. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1580,
p. 4 (2° caderno), 14 ago., 1955.
97
Ibid.
98
SALLES, Heráclio. Notas de literatura. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 26, n. 10054, p. 2
(Suplemento Literário), 14-15ago., 1955.
99
GONÇALVES, Isolda. Autora de livros queimados em praça pública rompe silêncio de 12 anos. Diário
de Pernambuco, Recife, ano 154, n. 169, p. 7 (seção D), 24 jun., 1979,
100
BRASILEIROS: lemos os seus livros na Rússia. Leitura, Rio de Janeiro, n. 59, p. 32-33, mai., 1962;
TRÊS notáveis escritores soviéticos visitaram o brasil. Leitura, Rio de Janeiro, n. 67, p. 61, jan., 1963.
214

seus passos. Ela não chegou a ser presa. 101 Quando o mandado foi expedido já se
encontrava no Rio de Janeiro. O partido e o movimento de mulheres se mobilizaram
amplamente contra a arbitrariedade.102
Aparentemente, quando o romance A Hora Próxima foi publicado, Alina Paim já
era mãe. Por volta de 1952 ela engravidou.103 As demandas da maternidade, somadas às
outras atividades da vida, como o trabalho no partido e na rádio provavelmente
contribuíram para que a escritora desacelerasse o ritmo de trabalho. Como era – e é
comum – os cuidados com os filhos recaíam e recaem muito mais sobre as mães. Maternar
envolve doação e muito trabalho. Os cuidados com a criança não são “simplesmente uma
série de comportamentos, mas participação num relacionamento interpessoal, difuso e
afetivo”.104 Foi preciso dar um tempo. Seu próximo romance só seria publicado em 1961,
embora tenha sido anunciado em 1957 sob o título “A telha de vidro”.105

5.5. De volta aos compartimentos da alma: retomando a politização do cotidiano

Sob o impacto do escândalo de 1956 que pôs a nu os crimes do Stalinismo, em


Sol do Meio Dia Alina Paim retornou aos problemas “miúdos” do cotidiano. A história
se desenvolve em uma pensão do subúrbio do Rio de Janeiro, numa das ruas que
desembocam na praça Santos Dumont. Narrado em terceira pessoa por uma narradora
onisciente, o romance segue o tom intimista e de penetração psicológica de Simão Dias,
desvendando o cotidiano da pensão de D. Beatriz e a conjuntura política da década de
1950. A pensão abrigava várias histórias, pequenas e grandes tragédias familiares.
Nenhuma das famílias que ali morava, por mais “normais” que tentassem parecer,

101
A cópia do mandado de prisão foi anexada ao Prontuário 107813, Alina Paim, 16 mar., 1951. Arquivo
Público do Estado de São Paulo, Departamento de Ordem Política e Social, DEOPSSPA007709.
102
AMEAÇADA de prisão a romancista Alina Paim. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 4, n. 654, p. 1,
29 mar., 1951; O “UKASE” contra Alina Paim. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 4, n. 655, p. 3, 30
mar., 1951; A ORDEM de prisão contra Alina Paim. Voz Operária, Rio de Janeiro, ano 3, n. 98, p. 3, 07
abr., 1951; NOSSA solidariedade a Alina Paim. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 86, p. 8, abr.,
1951.
103
Não tenho muitas informações sobre a vida privada de Alina Paim. Sei que ela teve duas filhas: Luísa e
Teresa. Sabemos que Alina Paim engravidou da primeira filha nove anos após o casamento, portanto, em
1952.
104
CHODOROW, Nancy. Psicanálise da maternidade: uma crítica a Freud a partir da mulher. Rio de
Janeiro: Rosa dos Temos, 1990. p. 53.
105
“A romancista Alina Paim acaba de concluir um novo livro, seu quinto romance, que tem o nome de ‘A
telha de vidro’. Explicando a simbologia do título, a romancista disse-nos que a telha de vidro, muito usada
no interior, é o lugar por onde entra a luz nas casas escuras”. A HORA Próxima em Russo. Leitura, Rio de
Janeiro, ano 15, n. 5, p. 72, nov., 1957.
215

conseguia corresponder completamente aos padrões morais socialmente estabelecidos.


De acordo com Santos Moraes:

A autora surpreende a vida de vários pensionistas, moças desajustadas,


casais em constante conflito íntimo para, numa técnica contrapontística,
fixar seus dramas em cenas que se sucedem, tendo como base a
evocação. [...] As personagens principais vão sempre buscar no passado
as histórias de suas vidas. Somente Ester tem uma ação atual no
romance. É uma militante política. Mas de um modo um tanto impreciso
e apagado. O que dá a Alina Paim a característica de romancista
psicológica, introspectiva. As personagens estão sempre presas ao
passado que lhes determina o comportamento, absorve seus
pensamentos e em função de que vivem e se desenvolvem os seus
dramas.106

O romance se desenrola no intervalo de uma semana – a semana da morte de


Getúlio Vargas. É uma história que se compõe por si mesma, “fragmentária, num jogo de
pensamentos e de fatos, semelhante ao roteiro de filme, entrecruzado de cenas de interior
e de campo”. 107 Foi lançado com selo de qualidade e ampla divulgação na imprensa.
Vencedor do Prêmio Manoel Antônio de Almeida da Associação Brasileira do livro, com
capa de José Antônio Nunes do Couto, desenho premiado no mesmo concurso.

Imagem 7: Capa do romance Sol do Meio Dia


In: Acervo pessoal

106
MORAES, Santos. Gazetilha Literária. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 134, n. 198, p. 6 (1º
Caderno), 29-30 mai., 1961.
107
PAIM, Alina. Sol do meio dia. Rio de Janeiro: Associação Brasileira do Livro, 1961, p. 154.
216

A imagem é composta por uma mulher de pele clara e cabelos lisos, séria, olhando
de frente. O enquadramento é semelhante às fotos de documento de identidade. Ao fundo,
aparece a pensão, principal cenário do romance. O desenho representa Ester, militante
comunista e uma das principais personagens do romance. Um dos seus lados está
sombreado, o outro iluminado pelo sol. A representação tem a ver com o título. Ao meio
dia o sol não faz sombras, uma metáfora do mundo desejado por Ester: sem sombras,
marcado pela iluminação que aparece ao lado esquerdo da face desenhada. Uma
sociedade sem hipocrisia e “febre de moralidade”.
“A Telha de Vidro”, título inicialmente anunciado, tinha significado similar.
Segundo declarou Alina Paim, nas cidades do interior, as telhas de vidro eram muito
utilizadas nas casas para servir de entrada de luz. 108 Ester, assim como sua criadora,
observando a fresta deixada por uma telha de vidro que o pai instalou em seu quarto,
percebeu que “na hora do meio dia a luz ficava em pé. [...] Mais tarde descobriu que na
vida também é preciso fender a escuridão com telhas de vidro”.109

E nem sempre é o dono do telhado quem sobe a escada e trabalha para


transformar o poço num quarto habitável e cheio de cores, visitado pelo
sol e a estrela, com uma lente de alcance que permite assistir ao avanço
da madrugada, numa afirmação de que à noite sucede novo dia.110

O prefácio do romance coube ao escritor Jorge Amado, antigo companheiro de


militância político-literária. Assim como a orelha, o prefácio é um convite à leitura. A
escolha de quem vai escrevê-lo não é aleatória nem movida apenas por afinidades
pessoais. Mais do que companheiro partidário, Jorge Amado era um escritor renomado.
Uma apresentação deste porte e feita com entusiasmo ajudaria a atrair o público. Falando
deste lugar, o escritor descreveu Alina Paim como “um nome que dispensa toda e
qualquer apresentação”, consagrada como “um dos nossos [sic] melhores romancistas”
nacional e internacionalmente. “Entre os prosadores surgidos em 1945, geração das mais
significativas, seu nome é estrela de primeira grandeza”.111

Ela atinge agora sua maturidade criadora. A menina da “Estrada da


Liberdade” que irrompeu pelo romance brasileiro em 1945 e nele impôs
sua presença soube construir seu caminho e crescer de livro para livro,
para chegar à madureza deste Sol do Meio Dia que será, sem dúvida,
um dos acontecimentos literários importantes do ano. Estou certo do
sucesso deste romance, não só junto aos intelectuais, mas também entre
108
A HORA Próxima em Russo. Leitura, Rio de Janeiro, ano 15, n. 5, p. 72, nov., 1957.
109
PAIM, 1961, p. 308-309.
110
Ibid., p. 309.
111
AMADO, Jorge. Prefácio apud PAIM, 1961, p. 7.
217

o grande público, pois ele é construído com a experiência vivida e o


amor ao ser humano.112

Assim como A Hora Próxima, Sol do Meio Dia circulou internacionalmente. Foi
traduzido na Bulgária em 1963, e na Alemanha em 1968. A narrativa, embora continue
apostando no comunismo como redentor da humanidade, se desprendeu do realismo
socialista e ousou questionar as prioridades revolucionárias, bem como o lugar que as
demandas feministas ocupavam na luta de classes. O romance é mais um indício que
informa sobre a circulação do debate feminista no Brasil entre as duas primeiras ondas.
Esther, uma das personagens centrais, assim como sua criadora, era comunista e
“moça do norte”.113 Ambas saíram do interior de Sergipe para morar na então Capital
Federal. No entanto, diferente de Alina Paim, Ester não era de Estância, mas de
Paripiranga, e não chegou ao Rio de Janeiro casada, mas em busca de crescimento
profissional. Morando na Capital Federal, passou momentos difíceis. Como a autora,
passou alguns meses internada no manicômio e foi filiada ao PCB. Quando entrou no
partido, era quente na memória de Ester os “vultos de mulheres tristes”, “a infinita
procissão de solteironas” de Paripiranga. Elas apareciam como “um pesadelo que não se
desvencilhava inteiramente”.114 Por isso, no primeiro pichamento que fez como militante
comunista teve vontade de se rebelar contra aquela situação.

A mão segurava a broxa com firmeza, o coração em tumulto, todo


anseio daquele brado: “Pão, terra e liberdade!” As letras não saíram
negras porque fossem de piche, nelas estava todo o negrume do sangue
pisado de milhares de corações de mulheres tristes, sem uma palavra de
carinho, um beijo de amor, um par de braços tenros em volta do
pescoço. Quando toda a força daquelas vidas se voltaria para a beleza e
a alegria? [...] Tudo de que precisavam: livrar-se do pão da piedade,
pela conquista de uma profissão e de um mundo em que a condição de
mulher não signifique trabalho mais explorado. Como gostaria de
poder, no silêncio de uma noite estrelada de Paripiranga, cobrir todos
os muros como essas três palavras e mais um outra! Pintaria – Pão, terra,
amor e liberdade – e essa manhã devia despontar como um toque de
alvorada.115

A passagem traz uma aspiração da romancista – a luta pela liberdade das mulheres,
fossem elas casadas ou “solteironas”. De acordo com a narrativa, por muito tempo o PCB

112
AMADO, Jorge. Prefácio apud PAIM, 1961, p. 8.
113
No tempo da escrita a expressão era utilizada para se referir as pessoas do Norte-nordeste. Para uma
discussão sobre o processo de construção de sentidos o “Nordeste” e o “nordestino” cf. ALBUQUERQUE
JUNIOR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2018.
114
PAIM, 1961, p. 33.
115
Ibid., p. 33-34.
218

tratou a questão como “desvio feminista” – “‘A companheira tem desvio feminista –
disse-lhe certa vez o secretário político”.116 Esther não reagiu. O fuzilou com os olhos e
controlou o impulso de gritar-lhe: “Conheça melhor as companheiras. Pontifique menos
e enxergue mais”.117 Além de pejorativamente rotulada de feminista, no partido, Esther
era discriminada por ser intelectual. Certa vez, ouviu de um dirigente: “Vocês intelectuais
pequeno burguesas embelezam a realidade, têm teias de aranha na cabeça”.118 A frase lhe
deixou confusa e desapontada: “Por que existia a dúvida contra ela? Tinha culpa se
aprendera a ler, estudara, traduzia francês, encontrava-se por trás de um teclado ao invés
dos pentes de um tear?”.119
Analisando as advertências e preconceitos de outrora, Esther não mais aceitaria
anular suas ideias – e aqui está o impacto de 1956 e as críticas que vieram depois
relacionadas ao lugar que os literatos e artistas ocupavam na cúpula partidária. Segundo
Dênis de Moraes, a camisa de força ideológica e às exigências impostas aos militantes,
sobretudo nos tempos do zdnovismo, marginalizaram os escritores e artistas do centro
partidário. Geralmente, suas atividades estavam ligadas aos movimentos culturais e
políticos que serviam para cobertura legal do PCB, conferências, congressos, publicações
e assinaturas de manifestos. O grupo não ascendia à alta cúpula dirigente.120
Havia chegado a hora de não se envergonhar por ser intelectual e por colocar a
luta pela liberdade das mulheres no centro da militância. Conforme as histórias vão se
desenrolando, a narradora aponta quais são as grandes sombras que atrapalhavam a
entrada de luz na vida das pessoas: a desigualdade de classes e a “febre da moralidade”,
que impediam as pessoas, sobretudo as mulheres, de “defenderem a própria
personalidade”.121 Era preciso romper com o “falso pudor diante das coisas que realmente
emocionam”.122 As duas grandes sombras eram responsáveis por encobrir a possibilidade
de uma vida plena, na medida em que limitava a realização pessoal dos indivíduos presos
às aperturas materiais e às convenções morais.
Ao fazer esta simbiose, a narradora deixou evidente que o pessoal é tão político
quanto a estrutura econômica responsável pelas discrepâncias sociais. O romance foi bem
recebido pelos críticos literários, embora poucos textos tenham sido escritos sobre ele.

116
PAIM, 1961, p. 93.
117
Ibid.
118
Ibid., 169.
119
PAIM, 1961, p. 170.
120
MORAES, 2012, p. 249.
121
PAIM, op. cit., p. 271.
122
Ibid.
219

Ao que parece, no contexto havia uma escassez na publicação de críticas. Em 1961,


Adonias Filho usou as páginas do Diário de Notícias carioca para reclamar:

Mesmo nas revistas especializadas, quando os buscamos em estudos


mais amplos, já não os encontramos. E no movimento editorial rareiam
os seus livros de interpretação e esclarecimento, de exegese e debate.
No entanto, se levantarmos o registro, logo verificaremos que eles – os
críticos literários – não faltam. O que já, efetivamente, é uma espécie
de disponibilidade que resulta de condições que os expulsam da tarefa
rotineira e do trabalho normal.123

Nos poucos comentários que localizei, no geral, Sol do meio dia foi bem avaliado.
Considerado com menos defeitos que os livros anteriores, elogiaram o amadurecimento
literário da autora. “Com aquela sua maneira, bem feminina, de ver e narrar, com a finura
e uma linguagem de quem sabe nos comover profundamente”.124 No entanto, a maneira
“bem feminina” da narrativa desagradou a Assis Brasil. Pouco afeito às criações literárias
de mulheres e carregado dos preconceitos antifeministas, lamentou que no Brasil as
literatas abusavam de “veleidades literárias” e “casinhos domésticos”. Pior era a literatura
“que quer se passar por feminista, por (apenas) esboçar reação em face aos conflitos
sociais”. 125 Conforme avaliou, o surgimento das escritoras, especialmente a partir de
1930, não tinha importância alguma para a literatura do país. Elas formavam, “talvez,
uma espécie de marginalismo, de eclosão espontânea, para só então aparecerem as
romancistas, ou as ficcionistas de valor comprovado. O que existe de bom – muito pouco
– é ainda encarado como exceção.”126 Enquadrando Alina Paim na caixa da literatura
feminista – “esta mais feminista que as outras”127 – o crítico, em um tom provocativo,
definiu Sol do Meio Dia como “sintomático feminino em luta contra seu temperamento
romântico”.128
Com o evidente objetivo de desqualificar o tom feminista da obra e, em alguma
medida, naturalizar o feminino, Assis Brasil declarou que o esforço de Alina Paim em
construir um outro lugar para as mulheres não foi bem-sucedido. Em sua interpretação,
ela não conseguiu superar o “romantismo de normalista” quando tentou levar para o
centro da narrativa os problemas políticos que o país passava. Talvez, para o autor, a

123
FILHO, Adonias. A crítica literária. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 32, n. 11.847, p. 2 (Segunda
seção), 28 jun., 1961.
124
JURANDIR, Dalcídio. Três Livros. Novos Rumos, Rio de Janeiro, ano 3, n. 120, p. 5, 23-29 jun., 1961.
125
BRASIL, Assis. Literatura feminista (2). Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 71, n. 211, p. 2
(Suplemento Dominical).09 set., 1961.
126
Ibid.
127
Ibid.
128
BRASIL, op. cit.
220

feminilidade da autora impediu o logro. Mulheres não estariam habilitadas a falar de


política. Em sua concepção, “Alina Paim, defendendo seus pontos-de-vista – que são o
ponto-de-vista concreto de muita gente – não consegue ultrapassar uma média de lugares
comuns e emoções corriqueiras”. Assim como “suas companheiras de geração – às quais
ela pode classificar de burguesas”, usava a ficção “para a exteriorização de suas
idiossincrasias”.129
No mesmo ano em que publicou Sol do Meio Dia, Alina Paim já tinha outra obra
engatilhada e “sintomaticamente feminina”, caso isso signifique inteligência e capacidade
de transferir para a ficção temas variados, desde política pública até dilemas do cotidiano,
sem perder a dimensão da emoção e dos sentimentos humanos. Fragmentos do seu novo
romance circularam na imprensa em forma de conto.130 A nova criação era recheada de
“casinhos domésticos” e dramas familiares. Mais uma vez, a autora levava à cena pública
a dimensão política do cotidiano, sem perder de vista a emoção e os sentimentos que
atravessavam as vivências das personagens.
Inicialmente divulgado como Duelo de Catarina131, a publicação saiu em 1965
dividida em três volumes: O sino e a rosa, A chave do mundo e O círculo, que podem ser
lidos isoladamente sem prejuízo de compreensão. Narrado em terceira (narradora
onisciente) e primeira pessoa (a protagonista Catarina), a história é montada em tempos
contrapostos.

A casa, localizada no subúrbio onde mora Catarina, agasalha os dois


tempos do romance de Alina Paim: o presente, marido e filha, a febre
da criança, e o passado que a angústia reconstitui buscando aquela
menina do Educandário de Orfanato. Os dois tempos se revezam com a
mesma intensidade. As duas Catarinas, que pareciam tão separadas, aí
se unem e se completam, a de ontem dando ordem e vontade à de hoje.
Nesses dois planos se compõe a trilogia que nos apresenta situações,
cenas, quadros, personagens, dentro de uma atmosfera intimista,
podemos dizer melhor, lírica.132
*
Catarina tem uma constante: a busca do sentido da vida, a compreensão
de si mesma e do que lhe acontece para melhor se integrar na vida e no
convívio de seus semelhantes. Os três romances de Catarina deslizam
no espaço de uma noite de vigília. É um trabalho com muitos planos de

129
BRASIL, Assis. Literatura feminista (2). Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 71, n. 211, p. 2
(Suplemento Dominical).09 set., 1961.
130
PAIM, Alina. A Carta. Leitura, Rio de Janeiro, ano 19, n. 43, p. 22-23, jan./fev., 1961. O conto é um
fragmento do romance O Círculo, terceiro volume da trilogia de Catarina.
131
A contracapa de A Casa da Coruja Verde, publicado em 1962 traz a informação de que “O Duelo de
Catarina” estava “em preparo”. PAIM, 1962.
132
JURANDIR, Dalcídio. Menina Órfã em colégio de Freira: A trilogia de Alina Paim. Diário de Notícias,
Rio de Janeiro, ano 36, n. 13.303, p. 2 (Suplemento Literário), 03 abr., 1966.
221

tempo. Ao amanhecer, acorda bem mais amadurecida que a Catarina


que se encolheu no topo da escada, no princípio da noite. Foram
violados com certa audácia os seus “compartimentos selados”.133

Ao velar o sono de sua filha de dois anos que ardia em febre, Catarina faz uma
catarse ao rememorar toda a vida em suas diferentes fases. Em O Sino e a Rosa revelou a
infância vivida no convento da Santa Casa de Misericórdia de Salvador, onde foi deixada
na roda dos expostos. O título faz referência a um castigo injusto que a protagonista sofreu
no convento, ficando três dias embaixo de um sino, um cubículo apertado – ela mal podia
estirar as pernas – e sem iluminação. Ali desabrochou como uma menina de convicções
fortes que não se dobrava diante de injustiças, mesmo quando exposta a situações de
sofrimento físico e psicológico.134
A Chave do Mundo se refere ao momento em que ela extrapola os muros do
convento, evidenciando a trajetória da protagonista na adolescência. Nessa fase ela vai
passar uma temporada na mansão de um casal burguês localizada no Corredor da Vitória,
área nobre de Salvador. Vitória, mais conhecida como Madame Jordão, e Maurício, um
jovem engenheiro, pretendiam adotá-la, plano frustrado pela paixão, em alguma medida
correspondida, de Mauricio por Catarina, menina no auge dos seus 14 anos, recém-
chegada à adolescência.135
No último, O círculo, a protagonista é internada num sanatório na cidade de
Salvador após um ataque decorrente de uma tentativa de suicídio com doses excessivas
de remédios. Ela acabara de completar 20 anos e foi acometida por uma crise existencial.
No sanatório Catarina fez um balanço da própria vida, costurando todas as experiências
e dando sentido a elas. O título faz referência ao processo de abertura dos
“compartimentos selados”, concluído na noite de vigília acompanhando a filha doente,
quando ela deu um giro de 360° em torno de si própria. No processo, juntou retalhos de
si, “emendando a porcelana que o mundo trincou e o tempo desprendeu em mil
pedaços”.136

Quantas vezes se nasce, quantas vezes se morre no decorrer de uma


vida? E a identidade, quantas se possui? A mesma paixão, quantas
faces? A verdade, quantas verdades? Um homem [sic], quantos
caminhos? [...] A vida é uma. Quantas milhões tem a unidade?137

133
FILIZOLA, Wania. Alina Paim, a vencedora. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 34, n. 13080, p. 6
(Suplemento Literário), 11 jul., 1965.
134
PAIM, Alina. O sino e a rosa. v. 1. Rio de Janeiro: Lidador, 1965.
135
Idem. A chave do mundo. v. 2. Rio de Janeiro: Lidador, 1965.
136
Idem. O círculo. v. 3. Rio de Janeiro: Lidador, 1965. p. 158.
137
Ibid., p. 168.
222

A trilogia foi a primeira publicação da autora em que o comunismo não apareceu


na narrativa. No ano em que foi publicado, o país mergulhava em mais uma ditadura que
duraria até 1985. O fato, por si só, não explica a ausência. No período obras de teóricos
marxistas continuaram sendo publicadas e vendidas. No entanto, sendo brasileira e
conhecida como comunista, talvez sofresse censura caso fizesse propaganda do
comunismo. Como não tive acesso ao manuscrito, não sei se a decisão foi tomada por
precaução ou se realmente julgou que as ideias partidárias não cabiam no enredo. O que
sei é que em algum momento de sua vida ela deixou o PCB. A partir de 1965 ela parou
de conectar suas criações aos compromissos partidários e resolveu mergulhar de corpo e
alma na busca existencial. Catarina, assim como Alina Paim, era romancista. No último
volume da trilogia, a personagem-escritora explicou como construía suas fabulações, o
que ajuda a entender como Alina pensava a criação literária. Uma personagem, descreveu
Catarina, era a mistura dela própria e de muitas pessoas que atravessaram sua vida no
plano real. “A história vem da realidade. A transposição segue segunda natureza e um
novo mundo. A novela não terá você nem eu”. 138 Assim, a personagem de ficção só
existiria enquanto ficção, por mais traços do mundo real que ela apresentasse e por mais
autobiográficas que parecessem ser. Neste caso, retomando as palavras de Antônio
Cândido, as personagens de ficção herdavam da vida suas ambiguidades, mas possuíam
contornos bem definidos e definitivos na plena concretização do ser humano individual.
Viviam momentos supremos, perfeitos à sua maneira; bem diferente da vida empírica em
que as pessoas não se apresentam de modo tão nítido e coerente, nem de forma tão
transparente e seletiva.139
Como aconteceu com Sol do meio dia, a trilogia de Catarina saiu com selo de
qualidade. Foi especialmente premiada no Concurso Walmap, que só contemplaria um
único vencedor, mas acabou recompensando também os três novos romances de Alina
Paim com o valor de 500 mil cruzeiros.140 Ironicamente, o pódio foi dividido com Assis
Brasil, aquele que quatro anos antes julgou a “presença feminina” na literatura sem
nenhuma importância. Mas a técnica narrativa arrojada da trilogia, marcada pela

138
PAIM, O círculo, 1965, p. 157.
139
CÂNDIDO, Antônio et. al. A personagem de ficção. 5ª ed. São Paulo: perspectiva, 1976. p. 45-46.
140
FILIZOLA, 1965, p. 6.
223

superposição de planos e tempos e um estilo realista de análise psicológica e de contexto


agradou aos críticos.141
Apesar de consagrada como escritora e do reconhecimento de sua maturidade
enquanto ficcionista, a incompletude da realização dava sentido à sua vida. Aos sessenta
anos declarou que “sentir-se realizada é uma expressão muito definitiva e utópica.
Enquanto alguém enxerga possibilidades de aprender e aperfeiçoar-se ainda está tentando
realizar-se. É o meu caso”. 142 Partido desse princípio, publicaria mais três livros, um
infanto-juvenil – Flocos de Algodão (1966) – e dois romances: A Correnteza (1979) e A
Sétima Vez (1994).
Entre os livros Flocos de Algodão e A Correnteza, Alina Paim ficou 13 anos sem
publicar. No retorno, a senhora de baixa estatura, aparentemente frágil e de cabelos
brancos, não escondia uma energia que, segundo impressões de Beatriz Bonfim, era difícil
de ser avaliada à primeira vista.143 Nos dois últimos romances, a mulher que atingira a
maturidade de uma vida política intensa e de uma vasta produção literária mergulhou
ainda mais nos sentidos da existência humana. O primeiro, publicado em 1979 pela
editora Record, foi apresentado por Valdemar Cavalcanti, autor da orelha. Amigo de
longa data, o reconhecido escritor e crítico, que também foi militante do PCB,
acompanhava sua produção desde o início de sua carreira. Segundo ele, desde Estrada da
Liberdade Alina Paim traçou “decididamente seu caminho, ciente de sua vocação e
disposta a não fugir da trilha”.144

Agora, ressurge, madura, com A Correnteza, que constitui um painel da


vida de subúrbio do Rio. Mas não é positivamente a moldura o que mais
importa neste romance, embora montada com indiscutível maestria.
Importante mesmo é o quadro psicológico que Alina Paim apresenta,
de extraordinária nitidez. E o leitor inteligente observe no fino do traço
das figuras femininas, em particular, e veja como ela as desenha com
mãos leves e firmes.145

Narrado em terceira pessoa por uma narradora onisciente, o romance se aproxima


do estilo narrativo de Simão Dias e Sol do Meio Dia. Mas diferente dos dois primeiros
não se concentra na dinâmica da vida na juventude. As personagens mais significativas

141
FILIZOLA, 1965, p. 6; JURANDIR, Dalcídio. Menina Órfã em colégio de Freira: A trilogia de Alina
Paim. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 34, n. 13.303, p. 2 (Suplemento Literário), 03 abr., 1966, p.
2; CAVALCANTI, Valdemar. Jornal Literário. O Jornal, Rio de Janeiro, ano 47, n. 13.673. p. 2 (2°
Caderno), 27 abr., 1966.
142
FILIZOLA, op. cit., p. 6.
143
BONFIM, 1979, p. 1.
144
CAVALCANTI, Valdemar apud PAIM, Alina. A Correnteza. Rio de Janeiro: Record, 1979, orelha.
145
Ibid.
224

já passaram dos cinquenta anos. Não tem apenas uma personagem central e a história é
contada sob as diferentes perspectivas dos sujeitos, fato que contribuiu para humanizá-
los, na medida em que evidencia a complexidade das relações sociais e os diferentes
sentidos que os acontecimentos adquirem a depender do lugar que a pessoa ocupa no
desenrolar da história. Segundo declarou em entrevista concedida a Beatriz Bonfim, o
título sugere um jogo de memória.

– No fluir dos acontecimentos passados, surgem as perguntas que desde


o princípio do mundo o homem [sic] vem fazendo a si mesmo: vivi com
intensidade ou desperdício? Esbanjei o dom da vida? Harmonizei-me
com meus semelhantes ou fui apenas estéril? E as respostas dos
personagens, neste ajuste de contas, não são necessariamente
pessimistas. Porque até na última meia hora de sua existência a pessoa
pode recomeçar a viver, desde que encontre um sentido novo para estar
no mundo.146

Como disse, depois da publicação de Flocos de Algodão, Alina Paim ficou treze
anos sem lançar novo livro; ela que, desde o primeiro romance não passava mais de cinco
anos sem contar uma nova história, além de escrever novelas infantis para um programa
radiofônico da Rádio do MEC. Quando perguntada sobre os motivos da ausência,
respondeu:

– Doze anos armazenando experiências, sendo absorvida e absorvendo


vida. Caminhos se dividindo e se cruzando. Emprego, filhas a criar,
trabalho, muito trabalho. Chegava em casa exausta, e não queria dar o
pior de minha fadiga àquilo de que mais gosto na vida – escrever.147

Além da fadiga do cotidiano, a turbulência e violência política da Ditadura Civil-


Militar talvez tenha contribuído para a saída de cena de uma mulher com mais de quarenta
anos de idade, mãe de duas filhas (Luísa e Maria Teresa), que já havia experimentado os
dissabores da perseguição política e os dilemas e contradições do PCB. Em 1979, ano em
que A Correnteza foi publicado, ela havia alcançado os 60 anos de idade e suas filhas já
eram adultas. Se recusava a falar sobre seu passado no mundo da política, quase nada
dizia de sua vida íntima. Afirmava apenas que não era indiferente aos acontecimentos do
país. E não era. Em 1977, junto com outros escritores – entre os quais, Jorge Amado,
Antonio Callado, Barbosa Lima Sobrinho, Aurélio Buarque de Hollanda, Angela Cosetti,
Janete Clair, Elisabete Lins do Rego, Origenes Lessa, entre outros – assinou o manifesto
dos professores paulistas contra a falta de liberdade nas universidades de São Paulo, fruto

146
BONFIM, 1979, p. 1.
147
Ibid.
225

do autoritarismo da ditadura.148 Também acompanhava o desenvolvimento da literatura


brasileira, atenta ao aparecimento de publicações de novos e antigos autores, “apesar das
condições adversas à manifestação do pensamento”.149
No ano em que publicou A Correnteza a ditadura já dava sinais de desgaste. Em
1979 o Ato Institucional n°. 5, que marcou a virada para um regime mais autoritário e
violento, foi revogado. A sensação era de que haveria uma “abertura democrática”, que
começou a se concretizar em 1985, com a posse do novo presidente civil eleito
indiretamente. Tancredo Neves assumiu em janeiro e morreu em abril. José Sarney o
substituiu no cargo. Em 1988, com a elaboração da nova Constituição, a democracia
parecia se consolidar.
Nos anos finais da ditadura, entre 1982 e 1983, Alina Paim escreveu seu último
romance, ao menos que temos notícia: A Sétima Vez, que só seria publicado onze anos
depois pela editora Fundesc, de Aracaju. Segundo Núbia N. Marques, responsável pela
edição e autora da orelha do novo livro, nenhum editor havia se interessado em publicá-
lo até aquele momento. Todos “viraram as costas aos romancistas que não entraram na
ciranda de leitura fácil, leve, enganosa, alienadora, permitindo o crescimento avassalador
do lixo-literário nacional e internacional”. 150 Editado no interior do Nordeste, e
aparentemente distante do padrão literário do contexto, não encontrei comentários e
críticas nos periódicos de repercussão nacional. Não estudei as obras de ficção que
ocuparam o mercado editorial brasileiro nas décadas de 1980-90, mas as palavras de
Núbia Marques evidenciam que o romance de Alina Paim não correspondia à atmosfera
literária do momento, o que talvez ajude a explicar a dificuldade em encontrar editoras
interessadas em publicá-lo.
A Sétima Vez é um romance complexo e desconcertante. Narrado em primeira
pessoa, se constitui pela sobreposição de tempos e espaços, trazendo para o centro da
narrativa as ideias e sentimentos de um sexagenário de classe média. Aposentado, o
narrador Teodoro faz um balanço de sua existência, mencionando os dissabores de viver
sob uma ditadura e as dificuldades econômicas que teve de enfrentar após a
aposentadoria. A obra mantém a característica marcante da escritora: introspecção e
penetração psicológica. Com quase setenta anos, Alina Paim deslocou sua atenção, antes

148
PROFESSORES do Rio apoiam manifesto de paulistas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 87, n. 50,
p. 20 (1° caderno), 28 mai., 1977.
149
BONFIM, 1979, p. 1.
150
MARQUES, Núbia apud PAIM, Alina. A sétima Vez. Aracaju: Fundesc, 1994, orelha.
226

centrada nos dilemas das mulheres, para os problemas de exclusão e invisibilidade dos
idosos. Numa narrativa emocionante, evidenciou os dramas de uma fase da vida em que
o ser humano é percebido como estorvo. Curiosamente, este é o único romance em que o
protagonista é um homem.
Diferente de todos os outros, os “problemas femininos” saíram do centro da
narrativa. Os anteriores, publicados de 1944 até 1979, salvaguardadas as diferenças,
tiveram uma presença marcante de mulheres que questionavam as normas sociais
estabelecidas para o gênero, inclusive a literatura infanto-juvenil, a exemplo da curiosa,
inteligente e corajosa Catita, a menina que “sempre se arranja”151, personagem dos livros
A casa da Coruja Verde e Luzbela vestida de Cigana, publicados em 1962 pela editora
Conquista.152
No entanto, Alina Paim nunca se assumiu feminista, embora as características das
suas personagens e seu engajamento no movimento por emancipação das mulheres tenha
contribuído para que seus contemporâneos assim lhe percebessem. Entrevistada em
diferentes momentos de sua vida, a pergunta sobre sua relação com o feminismo quase
sempre aparecia. Até 1979 ela negou pertencimento. Admitia que o “problema da mulher”
era central em suas preocupações políticas, mas entendia o feminismo como um
movimento que descolava a luta das mulheres das demais – “Claro que sou favorável à
afirmação da mulher, mas não em contraposição ao homem. O problema da mulher não
é isolado, como nenhum outro”.153 Não se sentia feminista “no sentido de lançar a mulher
contra o homem, não. Os dois têm de marchar lado a lado. Sou a favor do ser humano,
isso sim”.154
Mas as mudanças de sentido pelas quais a palavra passou transformou também
suas respostas. Trinta anos depois, quando lhe foi feita a mesma pergunta ponderou: “se
sou feminista não sei, mas sei que sou verdadeira. A verdade é o meu grande
compromisso. Estou sempre do lado da verdade, e se isso é ser feminista, então eu sou”.155
Flutuando conforme as mudanças de contexto e significados atribuídos as palavras, em
2009 Alina Paim já permitia ser considerada feminista, ainda que com ressalvas; diferente
da década de 1970 em que ela dispensou o adjetivo. O relativo consenso sobre o

151
PAIM, Alina. A casa da coruja verde. Rio de Janeiro: Conquista, 1962. p. 37.
152
Ibid.; PAIM, Alina. Luzbela vestida de cigana. Rio de Janeiro: Conquista, 1962.
153
BONFIM, 1979, p. 1.
154
GONÇALVES, 1979, p. 7.
155
Entrevista concedida a Ana Maria Leal Cardoso, fev., 2009, Campo Grande, MS apud CARDOS, Leal.
A obra de Alina Paim. Interdisciplinar, Aracaju, ano 4, v. 8, p. 35-45, jan./jun., 2009. p. 37.
227

significado da palavra feminismo já estava consolidado nos anos 2000, diferente da


década de 1970 quando, aparentemente, iniciava-se o processo de consolidação.156 Na
maior parte do tempo em que a romancista se construiu enquanto escritora e militante, os
sentidos da expressão não eram os mesmos do atual. Mas partindo do entendimento
hegemônico atualmente, considero o conjunto de sua obra como feminista, sobretudo os
cinco primeiros romances. Neles a autora trouxe uma discussão central acerca da
liberdade das mulheres e da quebra das hierarquias de gênero, debate que tem atravessado
os movimentos feministas em diferentes temporalidades.
Em Estrada da Liberdade Marina não se conformava com o modelo de
casamento vivido por sua madrinha. Em A Sombra do Patriarca são as mulheres –
representadas por Raquel, Leonor e dona Gertrudes – que comandariam a revolução social
comunista. Maria do Carmo e Luísa de Simão Dias não se dobraram às naturalizações
relacionados aos destinos das mulheres da pequena cidade. Juntas, “longe daquelas
serras”, encontrariam “o segredo da liberdade da mulher”.157 Ester também desejava um
mundo iluminado pelo Sol do meio dia que eliminaria as sombras da “febre da
moralidade” que escondia a liberdade e destruía a vida de muitas famílias. Na trilogia de
Catarina e em A Correnteza, embora não sejam marcados pela explicitação de demandas
políticas, a autora construiu mulheres que administraram seus próprios destinos. Não
eram sombras de nenhum homem. Mas ainda que se apresentem como expressões
feministas, as narrativas não marcadas por contradições. Ao mesmo tempo em que as
protagonistas se opunham a uns, reforçavam outros valores culturais da época. Os
romances não escapam das ambiguidades da vida, afinal são escritos por pessoas de carne
e osso atravessadas pelos valores do tempo da escrita. Em algumas passagens a autora
reforçou características que naturalizavam o ser mulher-feminina. O paradoxo foi comum
ao feminismo da época. Como vimos, a disputa por e no espaço público foi marcada pela
afirmação de que ao ocupá-lo as mulheres não deveriam abrir mão da feminidade.
Tendo em seu horizonte a ideia de que o feminino era uma marca natural de toda
mulher, uma das personagens de Alina Paim advertiu que as mulheres tinham uma
racionalidade marcada por uma sensibilidade muito própria. Não possuíam “uma

156
Inspirado em Maurice Halbwachs, Michael Pollak advertiu que embora pareça um fenômeno individual,
a memória também deve ser compreendida, sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, “como um
fenômeno construído socialmente e submetido a flutuações, transformações e mudanças constantes”.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-
212, 1992. p. 202.
157
PAIM, 1949, p. 207.
228

psicologia em linha reta. Sem curvas e ziguezagues, amor e flores, a mulher se torna um
monstrengo de saias”.158 Em grande parte de seus romances, as protagonistas, mesmo que
críticas ao modelo de casamento que “escravizava” as mulheres, sonhavam com o
“príncipe encantado”, homem que não lhes diminuiriam o desenvolvimento pessoal.
Marina apostava suas fichas em Paulo, jovem médico diferente de todos os homens que
conhecia. Rachel e Leonor também tinham seu par perfeito, ainda que a segunda
desafiasse as normais morais por ter se apaixonado por um homem casado. Livre da
“escravidão afetiva”, Luísa sonhava em encontrar alguém com quem pudesse construir o
“verdadeiro” matrimônio. “Em seu projeto de felicidade havia lugar para o homem,
desejo de um companheiro”.159 Ester projetou sua vida ao lado de Osvaldo, homem que
sabia aceitá-la “sem indagações e censuras”.160
O modelo projetado por Alina se distanciava do príncipe protetor e provedor que
circulava nos contos de fadas. O homem ideal, em parte, não correspondia à
masculinidade hegemônica. A fabulação tem uma perspectiva feminista. No que diz
respeito às “solteironas”, leia-se, mulheres que não casavam, foram construídas como
mulheres tristes, deprimidas e dependentes do pai. Aí entra uma ambiguidade: as
narrativas não deixam evidente se elas eram tristes simplesmente porque não casaram, ou
porque havia uma cultura que impunha às mulheres o casamento como destino, o que
impedia a muitas buscarem outras alternativas para a realização pessoal e o encontro com
uma vida feliz.
As contradições inerentes em todas as experiências humanas não nos impedem de
reconhecer em Alina Paim uma escritora que contribuiu para o movimento e o
pensamento feminista. Aos 91 anos, na manhã do dia 28 de fevereiro de 2011, mais
precisamente às 10h:13 min ela fechou a última página. A escritora de tantas histórias
marcantes, emocionantes e carregadas de sensibilidade e “assuntos “femininos” se
despediu do mundo real. Na hora da partida, ela estava em casa, na cidade de Campo
Grande, Mato Grosso do Sul.161 A passagem foi silenciosa, sem nenhuma nota de pesar
nos jornais de grande circulação nacional, tampouco nos programas de televisão de
grande audiência. Como herança, deixou as vidas e as ideias vibrantes das suas
personagens que lutaram por um mundo mais justo e igualitário, onde as mulheres não

158
PAIM, 1961, p. 158.
159
Idem., 1949, p. 206.
160
Idem., 1961, p. 66.
161
Certidão de Óbito de Alina Leite Paim, nº 062000155 2011 4 00108 22 0032362 27. Documento
consultado no acervo particular do pesquisador Gilfrancisco.
229

tivessem suas experiências limitadas pelo lugar de gênero, onde ninguém passasse fome
e privações materiais e onde o racismo não carimbasse corpos e vidas negras. A vida das
personagens, guardadas as devidas proporções, se confunde com a da própria autora.

Os fragmentos das trajetórias da poeta baiana Jacinta Passos Amado e da


romancista sergipana Alina Leite Paim evidenciam a importância de ambas para a história
política do país, mais particularmente para o debate comunista e feminista. As duas
usaram os meios literários para expressar suas ideias tomando a arte como um meio
legítimo de fazer política e transformar a sociedade. A postura que assumiram lhes redeu
resistências, tanto por parte dos companheiros de partido, quanto entre famosos críticos
literários do período. Se a “literatura feminina” era vista com certo descrédito, a feminina-
feminista tornava o olhar ainda mais preconceituoso.
As experiências das duas escritoras, somadas as outras ações políticas do
movimento de mulheres de orientação comunista desenvolvidas entre as décadas de 1940
e 1970 nos informam sobre a presença de um debate feminista no cenário político
nacional. Os fatos evidenciam que o feminismo não saiu de cena do debate público entre
as conhecidas duas primeiras ondas feministas, nem foi esporádico e individual. O
movimento se desenvolveu em uma sociedade atravessada pelo anticomunismo-
antifeminista. Vimos que todos meios de ação que suas representantes mobilizaram para
o debate feminista (imprensa, organizações e literatura) sofreram alguma intervenção do
Estado e perseguições motivadas tanto pelo anticomunismo quanto pelo antifeminismo.
As comunistas que defendiam ideias feministas, a exemplo de Alina Paim e Jacinta
Passos, também tiveram de enfrentar censuras dentro do próprio partido, que costumava
colocar a “questão da mulher” como um problema a ser resolvido quando o proletariado
vencesse a luta de classes.
Apesar da perseguição e dos estigmas que tiveram que carregar, as mulheres não
deixaram de disputar o âmbito público. Dentro e fora do partido, em meio às tensões e
ambiguidades, travaram um debate feminista, levando ao cenário político temas
provocadores da ordem de gênero estabelecida, que colocava as mulheres em situação de
inferioridade, principalmente quando negras e pobres. Distantes do conceito de gênero e
sexualidade, que surgiram como forma de descrever as relações sociais anos depois, o
movimento feminista de orientação comunista problematizou a natureza inscrita no ser
230

homem/mulher – masculino/feminino. Com base na análise das experiências de várias


mulheres e nas transformações sociais em curso, demonstrou que muitas das diferenças
entre os “sexos” justificadas pelo critério biológico estavam inscritas no plano cultural.
Até aqui, nos concentramos na ação dessas mulheres no processo de construção do
movimento. Na próxima parte nos concentraremos de maneira mais pormenorizada no
debate de ideias feministas. Sigamos.
231

PARTE 3 – DEBATE FEMINISTA: A DEFESA DA AUTONOMIA


DAS MULHERES NOS ÂMBITOS PÚBLICO E PRIVADO

Direcionada para o estudo das ideias que circularam no movimento feminista de


orientação comunista, esta parte está dividida em dois capítulos: o capítulo 6 aborda as
disputas pela conquista do espaço público (política e mundo do trabalho); o seguinte se
detém na análise da politização do cotidiano. As esferas pública e privada não são
tomadas como campos opostos, mas interligados.
Segundo Sueann Caulfield, “o dualismo casa-rua não é um sistema cultural
homogêneo ou estático. Os valores, práticas e relações associados a cada um desses polos
mudam ao longo do tempo e variam entre diferentes grupos sociais e indivíduos”.1 Em se
tratando da disputa política de mulheres na esfera pública, sobretudo feminista, é
impossível analisar os dois âmbitos de maneira separada. A ocupação do espaço público
por mulheres vem acompanhada do debate sobre a administração do lar, culturalmente
atribuída ao gênero feminino. Com o movimento feminista de orientação comunista não
foi diferente. Constantemente as mulheres que o construíram tiveram de responder aos
dilemas relacionados ao lugar – ou ao não lugar – que ocupavam na esfera pública,
partindo da reflexão sobre os impactos das obrigações atribuídas e naturalizadas como
“femininas” na esfera privada. Este assunto ocupa as páginas a seguir.

1
CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro.
Campinas: Unicamp, 2000. p. 33.
232

CAPÍTULO 6 – DESIGUALDADES DE GÊNERO NA ESFERA


PÚBLICA E DILEMAS DO COTIDIANO

6.1. O Código Civil de 1916 e as restrições à liberdade das mulheres

Entre as décadas de 1940 e 1970 as reivindicações pela alteração do Código Civil


de 1916, então em vigor no Brasil, movimentaram o debate feminista sobre diversos
temas relacionados às relações de poder nos âmbitos público e privado e ao lugar de
subalternidade atribuído ao gênero feminino. No contexto, os ideais que demarcavam
lugares de gênero eram legalmente ratificados pela lei civil e atingiam mais diretamente
as mulheres casadas.1
Escrito em 1889, por encomenda – a autoria coube ao então jovem jurista Clóvis
Beviláqua –, o Código só foi aprovado em 1916, quando o parlamento retirou as
“disposições liberais” – aquelas que ampliavam os direitos das mulheres e das crianças
ilegítimas da família, considerados os mais fundamentais por Beviláqua. Na República
que acabava de nascer, liberais e conservadores concordavam que a família não deixaria
de ser, como foi no Império, a instituição mais importante. Sua “harmonia” dependia das
diferenças entre os direitos dos homens e das mulheres, ficando suspensas a liberdade
individual das últimas. As divergências diziam respeito à amplitude da supressão. No
projeto original, o autor pautou-se no princípio de família constituída por amor e respeito
mútuo. Considerava os homens como “chefes naturais” que deveriam ter autoridade pela
esposa, ao passo que elas exerceriam funções reprodutivas na família e na sociedade,
descritas como igualmente “nobres e elevadas”.2
Como destacou Rachel Soihet, a partir da segunda metade do século XIX, quando
começou, a partir do Rio de Janeiro, o processo de modernização no país, passou a haver
uma exaltação de papeis considerados naturais para as mulheres, como mães e esposas.
Nos discursos, a “habilidade feminina” nas atividades domésticas e na gerência do
cotidiano chegou a ser descrita como uma atividade superior ao trabalho dos homens fora
do lar. Diante dos primeiros ensaios de reivindicação feminista, estrategicamente

1
BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de
Janeiro, DF: Presidência da República [1916]. Disponível em: <
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1910-1919/lei-3071-1-janeiro-1916-397989-publicacaooriginal-
1-pl.html> Acesso em: 31 jun., 2019.
2
CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1919-
1940). Campinas: Unicamp, 2000. p. 62-64.
233

começou-se a difundir a ideia de que os homens eram incapazes de desempenhar tão bem
as “funções superiores” exercidas pelas mulheres no âmbito doméstico. Exagerava-se “a
incompetência masculina no desempenho das funções superiores por elas exercidas. Não
haveria outro recurso senão abandonar aos últimos as ‘mesquinhas’ ocupações
profissionais e intelectuais”.3
Em que pese a vinculação com o pensamento de que naturalmente homens e
mulheres tinham funções sociais distintas e que aos homens cabia a autoridade, Beviláqua
não considerava que a autoridade do marido deveria anular o princípio jurídico da
igualdade. Todavia, a comissão parlamentar reformulou seu projeto inicial. A versão final
reproduziu as diferenças de gênero, colocando os homens como sujeitos jurídicos
capazes, e as mulheres incapazes. Refletindo “tanto os valores culturais que condenavam
o comportamento sexual ilícito das mulheres, mas não o dos homens, como o
paternalismo tradicional que diluía os princípios liberais de igualdade e
responsabilidade”4, a nova lei civil restringiu a cidadania e a autonomia das mulheres
casadas, dentro e fora do lar. Equiparadas aos menores de 16 anos, legalmente, ficavam
na condição de relativamente incapazes. A lei representava, portanto, uma interdição
institucional do lugar de fala das mulheres.
Tomando como parâmetro o comportamento sexual, a lei reverberava os valores
compartilhados culturalmente que dividiam as mulheres em duas categorias, de acordo
ao comportamento sexual: “honestas” e “desonestas”.5 Caso descobrisse que a esposa não
era mais virgem ou qualquer indício de “desvio sexual” prévio, o marido poderia pedir a
anulação do casamento. 6 Seguindo o mesmo princípio, as filhas “desonestas” ou
“impuras” estavam sujeitas à deserdação, condição que não se aplicava aos filhos.7
Seguindo as tradições do direito canônico e imperial, o direito do livre-arbítrio na
escolha do cônjuge foi mantido, sem direito ao divórcio, em que pese as reivindicações
de alguns juristas, parlamentares e de mulheres, como a jornalista Josefina Almeida de
Azevedo e a advogada Mirtes Campos. O Código previa apenas o desquite, caracterizado
pela separação de corpos e bens sem direito a contrair novo matrimônio. Caso a esposa

3
SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena.
Rio de janeiro: 7Letras, 2013. p. 30.
4
CAULFIELD, 2000, p. 69.
5
Para aprofundar o debate sobre a circulação dos valores que classificavam as mulheres como “honestas”
ou “desonestas” / “faladas” cf. PEDRO, Joana Maria. Mulheres honestas e mulheres faladas: uma questão
de classe. Florianópolis: EdUFSC, 1994; CAULFIELD, op. cit.
6
Somente em 2002 o Código Civil brasileiro deixou de considerar a ausência de virgindade como causa
legítima para anulação do casamento.
7
CAULFIELD, op. cit., p. 66.
234

fosse pobre e considerada “honesta”, ela teria direito à pensão alimentícia e aos meios de
subsistência para os filhos, mas se mantivesse relações sexuais com outros homens depois
da separação poderia perder este direito.8
No que diz respeito aos filhos fora do casamento, a lei civil proibia o
reconhecimento dos “espúrios”, a exceção dos casos em que os pais voluntariamente
quisessem ou viessem a se casar com a mãe do “ilegítimo”, o que só era possível se ficasse
viúvo, já que o divórcio não estava previsto. No caso dos concubinatos, os filhos naturais
poderiam abrir processo de reconhecimento de paternidade desde que a mãe fosse
considerada “mulher honesta”. Também havia, ainda que raramente, os filhos que
processavam mulheres casadas pedindo reconhecimento de maternidade. “A medida
relembra [...] a prática social de esconder os filhos ilegítimos para proteger a honra das
mulheres e de suas famílias”.9
Sobre as relações matrimoniais, a lei civil estabelecia que cabia aos maridos a
condição de chefes da família, dando ao homem total autoridade em relação às decisões
importantes da vida conjugal e familiar. Considerado o “cabeça do casal”, ele tinha o
dever de proteger, defender e sustentar financeiramente esposa, filhos e filhas; enquanto
elas só poderiam exercer profissão, comerciar, aceitar tutela ou curatela e mandato com a
autorização do “chefe” que, “coerente com a perspectiva patrimonialista que regia a
sociedade conjugal, tudo isso podia fazer sem consultá-la”.10 Até a escolha do domicílio
conjugal, legalmente, ficava a cargo do homem, embora na prática, como enfatizou Nice
Figueiredo, eram as circunstâncias que determinavam essa fixação “e são marido e
mulher, juntos, quem a fazem”.11
Se para tomar posse de um mandato, a esposa precisava de autorização do
cônjuge, que poderia revogá-lo quando bem entendesse, o Código limitava, inclusive, o
pleno exercício dos direitos políticos assegurados no Código Eleitoral de 1932, conquista
dos movimentos feministas das décadas de 1920-1930. Elas também ficavam em
desvantagem no que diz respeito ao poder que tinham na família. As mães eram
destituídas do pátrio-poder, atribuído apenas ao pai. Mesmo viúvas, caso casassem
novamente, ao segundo marido era transferida a responsabilidade legal sobre os filhos
dela.

8
CAULFIELD, 2000, p. 66.
9
Ibid., p. 68.
10
MACEDO, 2001, p. 197.
11
FIGUEIREDO, Nice. O domicílio conjugal. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 18, p. 6, 21
nov., 1947.
235

No que diz respeito à gestão do patrimônio, as mulheres casadas não poderiam


vender, hipotecar ou assumir qualquer obrigação sobre uma casa ou bem que antes do
casamento era exclusivamente seu, nem passar a outrem uma hipoteca que tivesse sobre
a casa de uma terceira pessoa. Também ficavam impedidas de aceitar ou rejeitar herança
ou legado sem que o marido autorizasse. Conforme destacou a advogada Nice Figueiredo,
quando casavam, as mulheres ficavam impossibilitadas “de velar os interesses
econômicos, morais e intelectuais de seu próprio filho em pé de igualdade com o marido,
com os mesmos direitos que este, já que na prática ela tem sempre muito mais deveres”.12
Os homens casados, ao contrário, “numa situação de privilégio”, poderiam aceitar ou não
“o que bem lhe apraz sem o consentimento da mulher, pois corre em seu favor a presunção
de que é suficientemente capaz de defender o patrimônio familiar”. 13 O marido só
precisaria do consentimento expresso da esposa para “vender, hipotecar ou litigar sobre
os imóveis do casal” ou para “prestar fiança ou fazer uma doação”.14
Nice Figueiredo considerava injustificada a “presunção da incapacidade da
mulher para a realização de negócios”.15 Demonstrou que a realidade provava que muitos
homens, por atitudes mal calculadas, eram responsáveis pela ruína patrimonial da família.
Além disso, grande número de mulheres cumpria efetivamente todos os deveres
determinados pela lei, “participando economicamente da vida do casal, não mais com
dotes cujo montante, às vezes, desconhecia, mas com o produto do seu trabalho intelectual
e braçal”.16 Ademais, como foi pontuado na II Assembleia Nacional de Mulheres, “um
número muito elevado de mulheres trabalhadoras [eram] arrimo de família”. 17 A
advogada observou que a lei deveria se pautar na realidade. Para ela, a eliminação das
diferenças no mundo concreto deveria reverberar no plano legal, pois as distinções
jurídicas geravam um desiquilíbrio de poder entre o casal. Na prática, “por iniciativa da
própria mulher, premida pelas condições de existência, desapareceram as diferenças de
deveres entre marido e mulher”.18

12
FIGUEIREDO, Nice. O estado civil das mulheres. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 8, p. 7,
12 set., 1947.
13
Idem. Os deveres da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 27, p. 8, 23 jan., 1948.
14
Idem. Os deveres de um marido. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 25, p. 2, 09 jan., 1948.
15
Ibid.
16
Ibid.
17
RESOLUÇÃO sobre a defesa dos direitos econômico-políticos das mulheres. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 2, n. 55, p. 8, fev. 1949.
18
FIGUEIREDO, Nice. Os deveres da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 26, p.
2, 16 jan., 1948.
236

6.2. Mulheres em busca de autonomia: reivindicações pela alteração da lei civil

Com a sensação de que após a Segunda Guerra Mundial o mundo e o lugar das
mulheres nas relações sociais não eram mais os mesmos, Nice Figueiredo destacou que o
Código Civil não acompanhava as mudanças que vinham se processando no século XX
de forma cada vez mais acelerada. No Brasil, as transformações aconteciam e atingiam
de forma mais direta e perceptível as pessoas dos grandes centros urbanos. Na virada do
século XIX para o XX, o processo de industrialização e urbanização no país ocorreu de
forma desigual espacial e socialmente.
Durante a Primeira República a tradição se inscreveu na modernidade. Novo e
velho confundiam-se. As ruas das grandes cidades ganhavam configurações modernas
inspiradas em modelos europeus, ao mesmo tempo em que conviviam com práticas rituais
e hábitos herdados da escravidão. Além disso, a marginalização – econômica, política,
social e cultural – das camadas populares e dos ex-escravizados convivia com o luxo de
poucos. Além dos paradoxos das cidades, a dinâmica dos grandes centros urbanos se
contrapunha aos demais “Brasis” perdidos nos sertões longínquos ou nas florestas
fechadas. “Brasis” que na verdade eram um só a conviver de maneira ambivalente e
conflituosa. Nesse novo mundo, conviviam muitas temporalidades, marcadas por
cenários contraditórios: sertão e cidade, patrão e empregado, imigrantes e ex-escravos,
homens e mulheres. O poder e o privilégio continuavam nas mãos de poucos: homens
brancos.19
Na década de 1940 as ambivalências não se dissolveram. As desigualdades sociais
e os vários “Brasis” continuaram existindo em que pese os efeitos da Segunda Guerra que
aceleravam o desenvolvimento industrial e urbano. Vivendo as mudanças do período,
Jacinta Passos denunciou em um comício do PCB que a população pobre da Bahia ainda
enfrentava muitas dificuldades ficando à margem das vantagens da “modernização”, a
exemplo do Negro Benedito, “que como estrangeiro, em plena solidão, perdido no meio
do mato, morando numa casa de terra batida, comendo carne-seca com farinha, de pé no
chão, trabalhando sem descanso, sem saúde, sem médico, sem instrução, sem alegria
[...]”.20 Este também era o caso das empregadas dos latifúndios que eram superexploradas

19
SCHWARCZ, Lilia Moritz. População e sociedade. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. História do Brasil
Nação: A abertura para o mundo (1889-1930), vol. 3, Madrid/Rio de Janeiro: Fundación
MAPFRE/Objetiva, 2012. p. 50-51.
20
O POVO não pode mais ser enganado. O Momento, Salvador, ano 1, n. 37, p. 5, 28 nov., 1945.
237

sem nenhum direito. Para denunciar a precariedade do emprego doméstico, Jacinta


escolheu a narrativa poética. Como demonstramos no quarto capítulo, a personagem
Dade, mesmo nome de uma das empregadas domésticas da família Passos, não suportou
o excesso de trabalho e morreu. “Morreste sem remédio/ como um bicho:/ desconhecia o
poder das letras/ da medicina/ e da luz elétrica”.21
Embora convivendo com tantas disparidades sexuais, raciais, regionais e de
classe, depois das duas grandes guerras e das conquistas dos movimentos feministas, que
atingiam mais diretamente as mulheres das camadas médias dos centros urbanos,
ampliava-se entre elas expectativas e desejos que iam além do ser mãe e esposa.22 A partir
da década de 1930, a defesa pelo fim das restrições impostas pelo Código Civil tornou-se
central para o debate feminista, ganhando visibilidade e força em diferentes grupos
políticos, desde o movimento liberal da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino,
até o comunista da Federação de Mulheres do Brasil. A pressão política que exerceram
contribuiu para que o debate chegasse ao parlamento, enfrentando resistência de
parlamentares conservadores.
Teresa Cristina Marques e Hildete de Melo analisaram as disputas políticas em
torno do Código Civil entre as décadas de 1930 e 1960, a partir da atuação da FBPF, do
protagonismo de Bertha Lutz enquanto Deputada Federal entre 1936 e 1937, pelo Partido
Autonomista, e do engajamento, nas décadas de 1940-50, do então Deputado Federal
baiano Nelson Carneiro (UDN) e do Senador pelo Partido Social Progressista (PSP),
Mozart Lago, ambos abertos ao diálogo com grupos feministas diversos e partidários de
mudanças emancipacionistas para as mulheres casadas.23 Carneiro e Mozart enfrentaram
forte oposição do deputado-Padre Monsenhor Arruda Câmara que qualificava o Projeto
de Lei que visava alterar o Código Civil como uma ameaça à indissolubilidade do
casamento e à estabilidade da família. Ademais, as autoras evidenciaram o protagonismo

21
PASSOS, Jacinta. Elegia das quatro mortas. In: PASSOS, Jacinta. Poemas políticos. Rio de Janeiro:
Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1951 apud AMADO, Janaína (Org.). Jacinta Passos,
coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010. p. 153.
22
Falar em novas expectativas não implica em dizer que antes as mulheres não tinham aspirações e desejos
próprios. Como demonstrou Elisabeth Badinter, em sociedades em que às mulheres são atribuídas maiores
responsabilidades em relação ao cuidado com os filhos, a mulher casada que tem filhos legítimos “é uma
personagem relativa e tridimensional. Relativa porque ela só se concebe em relação ao pai e ao filho.
Tridimensional porque, além dessa dupla relação, a mãe é também uma mulher, isto é, um ser específico
dotado de aspirações próprias que frequentemente nada têm a ver com as do esposo ou com os desejos do
filho. BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. São Paulo: Círculo do Livro,
s./a. p. 23.
23
Os dois estiveram abertos ao diálogo tanto com as mulheres da Federação dirigida por Bertha Lutz,
quanto com a Federação de Mulheres do Brasil, participando de eventos e debates promovidos pelas duas
organizações.
238

de duas importantes advogadas feministas: Romy Martins Medeiros da Fonseca e


Orminda Ribeiro Bastos, responsáveis pela escrita do texto preliminar do Projeto de Lei
(PL) do senador Mozart Lago, apresentado em 1952, relativo à refutação da incapacidade
jurídica das mulheres casadas.24
Em 1950, a própria Romy Medeiros foi vítima das restrições legais quando seu
direito de ir e vir foi condicionado à vontade do cônjuge. Ironicamente, quando precisou
viajar à Santiago do Chile para apresentar o projeto de modificação da lei civil brasileira,
foi obrigada a apresentar a autorização do marido, experimentando na própria pele “o
constrangimento de saber-se um ser juridicamente inferior e por isso necessitado de
tutela”.25
As mulheres da federação de orientação comunista, a FMB, também se engajaram
no movimento pela alteração do Código Civil. Desde a sua criação, em 1949, a
organização assumiu o compromisso de promover, junto às associadas, debates e
palestras sobre a necessidade de modificação das leis restritivas da liberdade das
mulheres. 26 Para tanto, contaram com a colaboração de personalidades, como os
desembargadores Vicente Faria Coelho e Osni Duarte, o Senador Mozart Lago, o
debutado Nelson Carneiro, as advogadas Nice Figueiredo, Romy Medeiros e Zélia Pinho
de Rezende, que então presidia a União Universitária Feminina (UUF).
A FMB incluiu em seu programa a defesa dos direitos civis, econômicos e
políticos das mulheres, sobretudo das trabalhadoras, incluindo as empregadas domésticas.
Pautou a necessidade de construir “um amplo movimento nacional no sentido da
modificação do Código Civil no que se refere aos direitos da mulher”.27 Ao longo de sua
existência, o debate sobre as restrições legais impostas às mulheres casadas foi colocado
em todos os eventos nacionais e reuniões do Conselho, chamando a atenção para o fato
de que a lei estava em descompasso com a realidade e com as novas possibilidades abertas
às mulheres.28

24
Cf. MARQUES, Tereza Cristina de Novais; MELO, Hildete Pereira de. Os direitos civis das mulheres
casadas no Brasil entre 1916 e 1962. Ou como são feitas as leis. Estudos Feministas, Florianópolis, n. 2, v.
16, p. 463-488, mai./ago., 2008.
25
MACEDO, Elza Deli Veloso. Ordem na casa e vamos à luta! Movimento de mulheres: Rio de Janeiro
1945-1964. Lydia da Cunha – uma militante. 2001. Tese (Doutorado em História) – Instituto de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001. p. 196.
26
Ibid., p. 197.
27
RESOLUÇÕES. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 60, p. 4, 30 jun. 1949.
28
INSTALADO o Conselho da Federação de Mulheres. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n.71,
p. 4, 15 jun., 1950; A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5,
n.96, p. 2, out./nov., 1952; SINAL dos tempos a união das mulheres latino-americanas. Momento Feminino,
Rio de Janeiro, ano 8, n. 108, p. 20-21, set./out./nov., 1954; PREPARANDO a Conferência Internacional
239

Na 1° Assembleia Nacional de Mulheres, realizada no Rio de Janeiro em 1952,


que contou com a presença do Senador Mozart Lago, a FMB, ao se referir às limitações
do Código Civil, provocou: “Mulher ou escrava?”.29 As resoluções estabeleceram que “a
mulher tem demonstrado plena capacidade para todos os atos da vida civil e social”, e
que era “cientificamente falsa” a “pretensa superioridade fundamental do homem”. Era
urgente, portanto, a reforma da lei civil para que desaparecessem as restrições de ordem
jurídica impostas às mulheres, em descompasso com as experiências de boa parte delas.
Neste sentido, orientou que “todas as organizações femininas do país – Uniões Femininas,
Federações de Mulheres, agremiações várias femininas, clubs, etc...” incluíssem “em seus
programas de atividades a defesa de medidas ligadas ao levantamento da posição jurídica
da mulher”. Por fim, o documento estabeleceu:

A Assembleia Nacional de Mulheres condena a inexistência do direito


de garantir à mulher casada poder trabalhar sem a exigência da
autorização do marido para o exercício de uma profissão qualquer; o
direito natural e lógico de ter pátrio poder sobre seus filhos de
casamento anterior, quando contrai novo casamento; o direito à
aposentadoria aos 25 anos de serviço não só à funcionária pública como
a todas que trabalham, ressalvada a opinião do interessado.30

Seguindo a mesma linha, Iracema Ribeiro que não era atuante na FMB, mas ligada
à cúpula do PCB, defendeu as mudanças legais. Segundo ela, o código era inspirado em
“ideologias retrógradas sobre a pretensa superioridade masculina”. Desse modo, julgou
absurdas as “restrições aos direitos das mulheres”. 31 Por isso, tanto o “movimento
feminino” quanto o PCB deveriam priorizar a luta pela reforma da lei civil que não estava
sintonizada com a realidade de muitas mulheres. Igualmente, Nice Figueiredo
demonstrou que além do descompasso entre a lei civil e a realidade, havia um choque de
princípios entre ela e a própria Constituição de 1946, que assegurava a igualdade de
direitos entre os sexos.32

das Mulheres Trabalhadoras. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 9, n. 115, p. 34, 1955; NA
HISTÓRIA do Trabalho Humano pela primeira vez reúnem-se Mulheres Trabalhadoras do Mundo inteiro.
Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 9, n. 118, p. 21, 1956.
29
A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n.96, out./nov.,
1952, p. 5.
30
1ª Assembleia Nacional de Mulheres, op. cit.; A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n. 96, p. 5, out./nov., 1952; I ASSEMBLEIA Nacional de Mulheres.
Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 7, n. 97, p. 3, dez., 1952.
31
RIBEIRO, Iracema. Sobre o trabalho do Partido Comunista do Brasil entre as mulheres. Imprensa
Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.468, p. 2-4 (3° Caderno), 03 abr., 1955.
32
FIGUEIREDO, Nice. O estado civil das mulheres. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 8, p. 7,
12 set., 1947.
240

Apesar dos contrastes amplamente denunciados pelas mulheres de diferentes


grupos políticos, o Projeto de Lei visando modificar o Código Civil tramitou por dez anos.
O trabalho persistente das feministas, que contou com o apoio de parlamentares, com
destaque para o deputado federal Nelson Carneiro e o senador Mozart Lago, possibilitou
que, finalmente, em 27 de agosto de 1962, o Congresso Nacional aprovasse a primeira
mudança no que diz respeito às restrições impostas às mulheres casadas. O texto foi
sancionado pelo presidente João Goulart como Lei n° 4121/62 – Estatuto Civil da Mulher
Casada.33 O novo Estatuto melhorou sensivelmente a situação jurídica das mulheres ao
liberá-las da necessidade da tutela do marido para exercerem uma profissão, além de
garantir às viúvas o poder legal sobre seus filhos quando casavam novamente. No entanto,
manteve o homem como chefe da família e exclusivamente responsável pela
administração dos bens comuns; preservou a ausência de virgindade da esposa como
causa legítima de anulação do casamento; continuou permitindo ao pai utilizar a
“desonestidade da filha” como motivo para deserdá-la e não legalizou o divórcio. A
separação continuou sendo prevista por desquite. 34 O divórcio só seria legalizado em
1977. O projeto de autoria de Nelson Carneiro, então Deputado Federal pelo Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), foi instituído via Emenda Constitucional, em 28 de junho
de 1977.35 Meses depois, em 26 de dezembro, foi sancionada a Lei n. 6.515, conhecida
como Lei do Divórcio. A partir de então a separação passou a vir acompanhada de
automática autorização para novas núpcias.36
O Estatuto Civil da Mulher Casada representou uma vitória parcial, é verdade,
mas não deixou de ser uma conquista importante para as mulheres, especialmente para
aquelas das camadas médias. O movimento feminista de orientação comunista estava
atento ao fato de que a nova lei não promoveu uma revisão radical dos seus direitos civis.
A pecebista e integrante da FMB, Lydia da Cunha37, ao comentá-lo destacou: “apesar
deste primeiro passo na lenta caminhada pela conquista de direitos integrais, muito ainda

33
BRASIL. Lei n° 4.121, de 27 de agosto de 1962. Situação Jurídica da Mulher Casada. Brasília, DF:
Presidência da República [1962]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-
1969/L4121.htm> Acesso em: 29 out., 2019.
34
MACEDO, 2001, p. 198; MARQUES; MELO, 2008, p. 483.
35
BRASIL. Emenda Constitucional n° 9, de 28 de junho de 1977. Brasília, DF: Câmara dos
Deputados/Senado Federal [1977]. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc09-77.htm> Acesso
em: 30 nov., 2019.
36
Idem. Lei n°. 6.515, de 26 de dezembro de 1977, de 26 de dezembro de 1977. Dissolução da Sociedade
Conjugal e do Casamento. Brasília, DF: Presidência da República [1977]. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6515.htm> Acesso em: 30 nov., 2019.
37
Para mais informações sobre a trajetória política de Lydia da Cunha cf.: MACEDO, 2001.
241

têm as mulheres a conquistar...”.38 Para as comunistas, as mudanças no plano legal dentro


da estrutura capitalista não eram o fim último. Embora reconhecessem a relevância, no
horizonte de expectativas da cidadania socialista, a libertação política das mulheres só
seria possível com a implementação do comunismo. As reformas liberais não resolveriam
o problema. Mas ainda que tivessem a revolução como finalidade, a FMB atuou dentro
das condições reais e se empenhou no movimento pelas mudanças das leis que restringiam
a autonomia das mulheres.39
As discussões feministas pela alteração do Código Civil incorporaram uma série
de temáticas que vinham sendo debatidas ao longo do século XX. O debate girou em
torno de questões relacionadas tanto ao direito das mulheres ao mundo público (mundo
do trabalho, estrutura jurídica e política institucional), quanto às restrições que sofriam
na esfera privada e no campo da moral sexual, muitas das quais ratificadas legalmente.
As mulheres não deixaram de analisar o peso da cultura na elaboração das leis e na
construção das esferas pública e privada. No processo, desnaturalizaram muitos dos
papeis atribuídos aos homens e às mulheres, colocando em xeque a ordem de gênero
estabelecida como natural.

6.3. Por mais mulheres na política institucional

Embora legislasse para todas, o Código-Civil de 1916 atingia mais diretamente as


mulheres das camadas médias e altas da sociedade que, de fato, para conquistarem uma
carreira profissional e/ou política, bem como administrar seu patrimônio ficavam
submetidas à vontade dos maridos. As mulheres pobres/negras tinham outra dinâmica.
Entre elas, o trabalho era – e ainda é – essencial para a sobrevivência da família. Muitas
trabalhavam na informalidade, em condições precárias e com salários baixíssimos. Por
isso, bell hooks destacou que a discriminação de gênero e a opressão sexista sozinhas não
explicam as razões das mulheres privilegiadas ficaram impedidas de trabalhar fora de
casa. O fato de os trabalhos disponíveis para elas terem sido os mesmos trabalhos de mão
de obra não qualificada e pouco remunerada disponíveis para todas as mulheres
trabalhadoras também configurou uma parte importante da ausência.

38
MACEDO, 2001, p. 198.
39
Ibid., p. 199-204.
242

Grupos de elite compostos por mulheres com alto nível de educação


permaneceram em casa, em vez de fazer o tipo de trabalho que várias
mulheres de classe média baixa e da classe trabalhadora estavam
fazendo. Às vezes, algumas dessas mulheres desafiavam a convenção e
trabalhavam fora de casa exercendo tarefas muito inferiores às
habilidades adquiridas por meio da educação que tiveram, e
enfrentando a resistência do marido e da família.40

Para hooks, a crença de que trabalhar fora de casa iria realmente proporcionar
ganhos que garantissem a autossuficiência econômica era restrita às mulheres
economicamente privilegiadas. Pela experiência, as mulheres trabalhadoras já sabiam que
o salário que recebiam era insuficiente para libertá-las.41 Se em termos gerais os salários
da classe operária já eram baixos, ficavam ainda menores quando a profissional era
mulher.
No que diz respeito ao casamento legal, a preocupação com a administração do
patrimônio, e o direito de ocuparem cargos políticos, elementos que compunham as
restrições do Código Civil, as experiências das trabalhadoras pobres também era outra.
Por diversas razões, inclusive de ordem material – oficializar o casamento era caro – não
casavam legalmente, tampouco tinham patrimônio para administrar. Além disso, ocupar
os quadros da política institucional estava muito distante das prioridades da maioria delas,
dada a dinâmica do dia a dia e as necessidades mais urgentes de sobrevivência, como se
alimentar, vestir e sustentar as filhas e os filhos. Por outro lado, parte das mulheres das
camadas médias aspiravam a conquista do poder político institucional. Reconheciam a
importância das conquistas feministas no campo da política, mas reclamavam que na
prática muito deveria ser feito para que ocupassem efetivamente o poder público, seja no
mundo da política, onde eram sub-representadas, seja no mundo do trabalho, onde ainda
se levantavam muitos obstáculos.
O programa da FMB pautou a maior participação das mulheres nos quadros da
política institucional, defendendo a necessidade de “pugnar pela maior participação da
mulher nos cargos legislativos e administrativos do país”.42 Definiu como fundamental
que se respeitasse, coisa que o Estado não vinha fazendo na prática, o direito de livre

40
HOOKS, bell. Feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos,
2019. p. 66.
41
Ibid., p. 67.
42
NOSSO Congresso. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 60, p. 3-4, 30 jun., 1949.
243

associação e expressão de pensamento e a participação das mulheres na defesa dos


direitos dos povos em reger seus próprios destinos.43
Em entrevista concedida ao jornal Momento Feminino, Maria Augusta Tibiriçá,
Ivone Miranda e Nice Figueiredo falaram sobre a importância das mulheres no mundo da
política pública. A primeira defendeu que como parte integrante da coletividade, elas
tinham “as mesmas responsabilidades que os homens na condução dos destinos da
humanidade”. Usando um argumento muito comum aos movimentos feministas do
período, Maria Augusta Tibiriçá destacou que a inserção das mulheres nas instituições
públicas melhoraria e tornaria mais sólida a estrutura familiar. Segundo ela, a integração
das mulheres “na vida política e administrativa do país e do mundo” contribuiria para a
efetiva defesa e proteção do “seu lar e sua família”.44
Partindo do pressuposto de que “a vida política de uma nação é a sua coluna
vertebral, pois a ela estão, direta ou indiretamente, ligados todos os problemas, sejam eles
de ordem econômica, financeira, social ou cultural”, Ivone Miranda usou seu espaço na
entrevista para destacar a relevância da participação “feminina” na vida política do Brasil.
Mais do que ornamentos, “sorrindo como bonecas de luxo nos lugares elegantes”, as
mulheres deveriam “lutar corajosamente” para a construção da “felicidade da pátria” e
pelos anseios coletivos. Era preciso “reagir contra o indiferentismo pelos assuntos
políticos, indiferentismo que aqui em nossa terra já havia assumido quase proporções de
um dos atributos inerentes ao sexo”.45 E continuou:

Como diz D. Alice Tibiriçá, é lamentável termos de assinalar que entre


as centenas de representantes da Câmara Federal não se conte uma
única representante feminina. No próprio Distrito Federal, dos 50
vereadores eleitos, apenas quatro pertencem ao nosso sexo, sendo que
duas acabam de ser afastadas pelo ignóbil projeto Ivo d’Aquino.
Acreditamos, porém, no movimento de reação que se vem processando
e esperamos que nas próximas eleições mulheres como Arcelina
Mochel, Alice Tibiriçá. Odila Schmidt, Lígia Lessa Bastos e mais
algumas incansáveis líderes femininas possam ser contadas às
centenas.46

Nice Figueiredo, numa fala concisa, reafirmou a necessidade de modificação da


lei civil para que as mulheres pudessem exercer plenamente seus direitos políticos.
Precisavam “lutar contra a onda de arbitrariedades e de desrespeitos para garantir a sua

43
SINAL dos tempos a união das mulheres latino-americanas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 8,
n. 108, p. 20-21, set./out./nov., 1954.
44
PENSAMENTO da Mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 30, p. 9, 20 fev., 1948.
45
Ibid.
46
Ibid.
244

própria posição de lutas e conquistas”. Não importava “se a tarefa [era] difícil ou se [...]
nada consegui[ssen]. O que importa[va] [era] lutar”.47 No Pleno Ampliado do Comitê
Central do PCB, realizado em março de 1955, Iracema Ribeiro, assim como Ivone
Miranda, lamentou a baixíssima representatividade das mulheres na política pública.
Segundo ela, era “monstruoso que uma parcela considerável, mais de 50%, da população
brasileira, seja mantida à margem dos grandes problemas da nação”.48
A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que na década anterior
protagonizou o movimento pelos direitos das mulheres na política institucional, também
se ressentiu da baixa representatividade “feminina” nas esferas do poder público. Para
amenizar a situação, a partir de 1945 a organização tentou concretizar um antigo projeto:
criar um partido exclusivamente composto por mulheres. De imediato, o objetivo foi
frustrado pelas limitações legais. De acordo com a advogada Maria Lourdes Pinto,
consultora jurídica da federação, para que um partido pudesse ser criado era necessário
49
que a legenda tivesse “dez mil eleitores em cinco circunscrições”. Elas não
conseguiriam chegar ao número em pouco tempo. Por isso, resolveram formar um núcleo
eleitoral destinado a trabalhar para eleger “candidatos democráticos e reconhecidamente
feministas”.50
O movimento pela criação de uma Liga Eleitoral Feminina com status de partido
político continuou sendo empreendido pela federação ao longo da década de 1940,
embora não tenha conseguido logro. Mas a tentativa foi importante e a federação criou
meios de atuar nas eleições e na política institucional negociando com as autoridades
públicas a ampliação dos direitos das mulheres. A FBPF sempre assumiu publicamente
seu compromisso com o feminismo. Nas eleições, não deixava de enfatizar “a necessidade
de se trabalhar com os homens que são feministas”, defendendo ao mesmo tempo a
importância de “colocar nas chapas elementos femininos, principalmente nas que tem
probabilidade de eleger, procurando que haja desses elementos em vários partidos”.51
Em que pese as conquistas legais de 1932, mais de uma década depois os grupos
feministas precisaram reivindicar a integração prática das mulheres nos espaços formais
da política pública. A federação de Bertha Lutz o fez assumindo a identidade feminista,

47
PENSAMENTO da Mulher, op. cit.
48
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
49
Livro de Atas, vol. 5, p. 11. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência BR AN, RIO Q0. ADM, EOR.SEC, TXT.2, v.5.
50
Ibid., p. 14.
51
Ibid., p. 20-21.
245

o que significa dizer que nem em termos nominais o feminismo saiu de cena entre as
supostas primeira e segunda ondas feministas.

6.4. Mundo do trabalho: dignidade e melhores condições para as trabalhadoras

Ainda no campo da esfera pública, a crítica sobre o não cumprimento das leis no
mundo do trabalho compôs o repertório do debate feminista. Como demostrou Gláucia
Fraccaro, no início do século XX as próprias operárias reivindicaram direitos que lhes
assegurassem melhores condições de trabalho e salários. 52 O movimento da FMB,
embora dirigido por mulheres brancas das camadas médias, sobretudo profissionais
liberais, colocou como prioridade a defesa dos direitos das trabalhadoras das camadas
populares, entre as quais operárias, camponesas e empregadas domésticas, categorias que
marcaram presença no campo do feminismo de orientação comunista.
A Federação de Mulheres do Brasil estabeleceu em seu programa a necessidade
de fazer valer a aplicação em todo o país da lei que previa a igualdade salarial, sem
distinção de sexo, para pessoas que desempenhassem a mesma função e em iguais
condições; defendeu a criação de dispositivos legais que impedissem que as mulheres
fossem dispensadas do trabalho quando casassem, noivassem ou engravidassem; sugeriu
às mulheres que se organizassem em campanhas para fazer valer a assistência aos filhos
das trabalhadoras mediante a criação de lactários, creches, escolas maternais etc., em
todos os estados, procurando levar realmente essa assistência a zona rural; e pontuou que
era fundamental trabalhar para obter uma legislação que fixasse direitos e deveres que
regulassem a relação das empregadas domésticas e suas patroas.53
No que diz respeito ao trabalho noturno, defendeu que se cumprisse a legislação,
no sentido de impedir que as mulheres trabalhassem entre 22 e 5 horas da manhã,
salvaguardada algumas exceções. O Decreto do Trabalho das Mulheres liberava aquelas
empregadas junto com outros membros da família; as funcionárias em que a interrupção
do serviço prejudicasse o funcionamento normal do estabelecimento; ou ainda as
mulheres cuja interrupção da atividade tivesse como consequência a perda de produtos
perecíveis; bem como as que ocupavam postos de trabalho na área da saúde: hospitais,
clínicas, sanatórios e manicômios; as incumbidas de tratamento de enfermos e aquelas

52
Cf. FRACCARO, Gláucia. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio
de Janeiro: FGV, 2008. p. 21-35.
53
NOSSO Congresso. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 60, p. 3, 30 jun., 1949; RESOLUÇÕES
do Congresso Nacional Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 61, p. 4, 30 ago. 1949.
246

maiores de 18 anos empregadas nos setores de telefonia e radiotelefonia ou que


ocupassem postos de direção e responsabilidade.54
A defesa da proibição do trabalho noturno das mulheres, exceto nos casos listados,
se dava em duas vias: uma considerando os riscos de estupro; a outra ligada ao
reconhecimento – às vezes naturalizado – de que a elas caberia os cuidados do lar e das
crianças. Ana Montenegro denunciou que as operárias paulistas eram vítimas de “crimes
horripilantes” quando “voltavam à casa altas horas da noite ou se dirigiam à fábrica em
plena madrugada”.55 No que se refere ao cotidiano das mulheres trabalhadoras, Jacinta
Passos destacou que era urgente a adoção de medidas que atenuassem os problemas das
operárias, pois elas eram vítimas de jornadas exaustivas de trabalho, tanto na fábrica
quanto em casa. E declarou:

A mulher operária sente ainda mais diariamente esses problemas,


porque sua condição é a mais difícil; além de trabalhar em péssimas
condições nas fábricas para receber um salário que sustente ou ajude a
sustentar sua casa e seus filhos, ela tem de resolver os problemas de
casa, comprar os gêneros, cozinhar, zelar pela casa e criar os filhos.56

Nem todos os grupos feministas concordavam que deveria haver restrições ao


trabalho noturno das mulheres. A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino
acreditava que o estabelecimento de especificidades legais para as mulheres contribuía
para a permanência das desigualdades de gênero. Em 1932, na reunião do Conselho
Nacional do Trabalho (CNT), Berta Lutz defendeu que a proibição do trabalho noturno,
reconhecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), era uma lei “paternal”
que sob a justificativa de proteger as mulheres acabava prejudicando-as. Para reverter a
situação, a FBPF produziu um abaixo-assinado cujo texto destacava que qualquer
dispositivo legal proibitivo, exceto a proteção à maternidade, era um atentado à
“individualidade da mulher”.57
Apesar dos protestos, não houve, de imediato, alterações legais neste sentido, mas
a federação dirigida por Lutz não deixou de reivindicá-las. Em 1946, na 5ª Convenção
Nacional Feminina da instituição, elaborou um documento defendendo o princípio de que
todos são iguais perante a lei. Ninguém deveria ser privado “de qualquer direito conferido

54
FRACCARO, 2018, p. 192-193.
55
MONTENEGRO, Ana. Direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 9, n. 115, p. 34,
1955.
56
PASSOS, Jacinta. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas [Entrevista]. O Momento, Salvador,
ano 1, n. 40, p. 3, 10 dez., 1945.
57
FRACCARO, op. cit., p. 193-195.
247

por lei em virtude de sexo, raça, estado civil, classe social, ou crença religiosa”. Era
preciso que fosse “expressamente reconhecido o texto da carta das Nações Unidas
assinada pelo Brasil em S. Francisco que estabelece a igualdade absoluta de direitos para
os sexos”.58 Nem a regulamentação da aposentadoria, que conferia às mulheres um tempo
menor de serviço quando comparadas aos homens, deveria ser diferenciada. Esses
argumentos não levavam em consideração a realidade de mulheres que, na prática,
cumpriam uma jornada de trabalho exaustiva nas fábricas e em casa não contavam com a
distribuição do trabalho com os homens, fossem eles maridos, pais, filhos ou irmãos;
tampouco com o serviço, ainda que muito baratos, de empregadas domésticas. Mesmo
recebendo baixíssimos salários, boa parte das famílias da classe trabalhadora não tinham
condição de contratá-las.
O lugar de gênero e os valores culturais atribuídos às funções sociais de homens
e mulheres traziam implicações para as trabalhadoras. Fossem elas das camadas populares
ou médias, recebiam salários menores e, em diferentes proporções, sofriam com a falta
de assistência à maternidade e à infância, além de estarem expostas aos assédios morais
e sexuais. Iracema Ribeiro relatou os problemas:

Além de sofrerem das péssimas condições de vida dos operários, as


mulheres trabalhadoras são vítimas, ainda, de toda uma série de
discriminações. [...] Raríssimas são as creches nas empresas, poucas são
as fábricas que possuem bebedouros, lavatórios, vestiários e
restaurantes. É comum as operárias comerem em marmitas nas calçadas
das fábricas e trocaram de roupa atrás dos teares. Além disso, as
mulheres operárias são atingidas pelo sistema de multas, pela exigência
de assiduidade de 100% ao trabalho, o que reduz, em muito, seus
ínfimos salários.59

As mulheres que trabalhavam “em serviços de alojamento e alimentação, de


higiene pessoal, de conservação e reparação, diversões, atividades domésticas
remuneradas, etc.” enfrentavam situação parecida, às vezes, piores. “Estas em alguns
casos, como as empregadas domésticas, por exemplo, não são sequer contempladas pelos
direitos inscritos na legislação trabalhista”. As camponesas seriam as mais exploradas,
“submetidas às mais brutais e desumanas condições de trabalho no campo, sem ao menos
serem mencionadas como trabalhadoras agrícolas ou como camponesas”.60

58
5ª Convenção Nacional Feminina convocada pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileiro pelo Progresso Feminino. Código de
Referência: BR RJANRIO Q0.ADM, EVE. COV.16. p. 1.
59
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
60
Ibid.
248

Apesar de viverem com menos privações materiais, a vida das mulheres de classe
média também não era um mar de rosas. “Difícil é a vida das comerciárias, funcionárias
públicas, bancárias, etc. Ganhando salários que mal chegam para sua subsistência, são
obrigadas, pela natureza de sua profissão, a apresentar-se sempre bem vestidas e bem
calçadas”.61 Elas também não dispunham de creches ou jardins de infância “onde possam
deixar os filhos nas horas de trabalho”. Mas diferente das trabalhadoras pobres, aquelas
com salários menos baixos tinham a possibilidade de “pagar mensalidades exorbitantes
em estabelecimentos particulares”. Caso recebessem salários mais modestos eram
“levadas a deixar seus filhos entregues aos cuidados de pessoas inexperientes”.62
As mulheres das camadas médias também estavam vulneráveis ao assédio no
mundo do trabalho, situação que virou tema na literatura de Alina Paim. Em Sol do Meio
Dia, Ester se sentiu constrangida ao perceber que o corpo e o “poder de sedução” eram
critérios para a escolha das mulheres no mercado de trabalho. Percebeu que na busca por
emprego elas tinham seus corpos erotizados:

Na sala de espera das Companhias, encontrava moças ansiosas a pintar-


se, alisar o busto e exibir as pernas, prontas a avançar com precipitação
ao menor gesto do contínuo. Era uma atmosfera deprimente. Parecia-
lhe estar num mercado de escravas, onde era preciso agradar e mostrar
habilidades, como se o emprego fosse um lugar num serralho e a
escolha dependesse de lábios carnudos, busto firme e pernas bem-feitas.
Ouviu e aprendeu muita coisa nestas salas de espera. Ali, vinha morrer
muita ilusão sobre a situação da mulher, seu direito ao trabalho, sua
independência e igualdade perante a lei. Que direito ao trabalho era
aquele se lhe procuravam reduzir a dignidade? Que independência era
aquela se havia um tremor de ansiedade e medo mais perto do sentir de
escrava? Que igualdade era aquela se a aceitavam nos escritórios apenas
para explorar com mais sossego, pagando-lhe menor salário que os
homens? Onde estava a justiça, salário igual para produção igual?63

Ainda que todas enfrentassem problemas no mundo do trabalho decorrentes da


discriminação de gênero pautada na inferiorização do feminino, as mulheres das camadas
populares – negras em sua maioria – não compartilhavam das mesmas experiências das
mulheres dos setores médios. Somado ao gênero, o lugar de classe/raça impactava na
forma como elas se colocavam no mundo, no nível salarial, educacional e na maneira
como eram vistas/invisibilizadas. As operárias, como observou Jacinta Passos,
enfrentavam uma dupla jornada de trabalho, “nas fábricas e nas casas, nas mais duras

61
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
62
Ibid.
63
PAIM, Alina. Sol do meio dia. Rio de Janeiro: Associação Brasileira do Livro, 1961. p. 93.
249

condições, sentindo falta do mais necessário para seu conforto. E nas fábricas quase
sempre receb[iam] salário inferior ao dos operários”.64

6.5. Emprego doméstico 65 : trabalho de fronteira, relação intragênero e


superexploração

Já as empregadas domésticas, ao exercerem um tipo de atividade de fronteira entre


o público e o privado, sofriam privações ainda maiores submetidas a uma complexa e
tensa relação com a patroa. O debate sobre o emprego doméstico ganhou espaço nas
discussões das feministas que atuaram em sintonia com o PCB. Na década de 1930,
Patrícia Galvão, através do romance Parque Industrial, publicado em 1933 sob o
pseudônimo de Mara Lobo, criticou a exploração de classe presente entre as mulheres,
sobretudo no emprego doméstico. 66 Ao narrar uma reunião feminista, certamente se
referindo ao grupo de Bertha Lutz, criou a imagem de um feminismo elitista que
desprezava as mulheres pobres.

O barman cria cocktails ardidos. As ostras escorregam pelas gargantas


bem tratadas das líderes que querem emancipar a mulher com pinga
esquisita e moralidade. Uma matrona de gravata e grandes miçangas
aparece espalhando papeis.
– Leiam. O recenseamento está pronto. Temos um grande número de
mulheres que trabalham. Os pais já deixam as filhas serem professoras.
E trabalhar nas secretarias... Oh! Mas o Brasil é detestável no calor. Ah!
Mon Palais de Glace!
– Se a senhora tivesse vindo antes, podíamos visitar a cientista sueca...
– Ah! Minha criada me atrasou. Com desculpas de gravidez. Tonturas.
Esfriou demais o meu banho. Também já está na rua! [...]
– O voto para as mulheres está conseguido! É um triunfo!
– E as operárias?
– Essas analfabetas. Excluídas por natureza.67

64
PASSOS, Jacinta. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas [Entrevista]. O Momento, Salvador,
ano 1, n. 40, p. 3, 10 dez., 1945.
65
Aqui me refiro exclusivamente ao problema das empregadas domésticas que compõem um grupo maior
do chamado emprego doméstico, que inclui serviços diversos, desde os relacionados à limpeza, cuidado de
crianças e idosos, até atividades de portaria, motorista, entre outras. No campo do emprego doméstico
também há hierarquias de gênero. O trabalho geralmente realizado por homens (motorista, porteiro etc.)
quase sempre é regulamentado e formalizado, ao contrário do que acontece com as mulheres (lavadeiras,
empregadas domésticas, cuidadora de idosos).
66
Como pontuou Thelma Guedes, Parque Industrial é um romance ligado à tradição realista. Seu foco
narrativo são as difíceis condições de vida do proletariado de São Paulo na década de 1930. O enredo
denuncia o modo de vida dos ricos – classe burguesa e aristocrática do café. Para tanto, instrumentaliza
“sofisticados expedientes estéticos, nascidos no seio desse mesmo grupo privilegiado a ser combatido, ou
seja, recursos provenientes do legado modernista”. GUEDES, Thelma. Pagu: Literatura e Revolução: um
estudo sobre o romance Parque Industrial. São Paulo: Ateliê Editorial/Nankin Editorial, 2003. p. 42-43.
67
LOBO, Mara. Parque industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p. 76-78.
250

O objetivo do trecho era denunciar o elitismo que julgava comum ao movimento


feminista liberal. Para a autora, o grupo feminista em questão não estaria preocupado com
as demandas das trabalhadoras pobres. Sabemos que, não obstante as contradições, as
feministas ligadas a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino realizaram um
trabalho junto às mulheres trabalhadoras, embora muito frequentemente as pensassem
como destituídas de formação política. A dirigente da filial baiana da FBPF, Edith
Mendes da Gama e Abreu, por exemplo, se pronunciou contra código eleitoral provisório
de 1931 que facultou o voto apenas às mulheres solteiras ou viúvas com renda própria ou
às casadas autorizadas pelo marido. Muito restritamente, o código privilegiava uma
pequena parcela de mulheres trabalhadoras.68
As feministas da federação não tinham dúvida de que o voto era fundamental para
a emancipação das mulheres, mas não estavam de acordo que o direito se restringisse às
mulheres trabalhadoras, mesmo porque muitas delas não tinham vínculos trabalhistas
e/ou dependiam de seus pais ou maridos. E elas não queriam depender de autorização
para votar. Ao expressar sua insatisfação com a medida, Edith Mendes da Gama e Abreu
deixou transparecer seus preconceitos de classe:

Como pôr-se acima do trabalho altruístico a atividade obrigada pelas


circunstâncias? Como o descortino mental de uma mulher culta pode
ser vencido pela energia material de uma operária na colaboração
política de um povo? Não que eu me ajuste às doutrinas de
superioridades de classes. Apego-me, sim, à teoria da conferição de
direitos pela equivalência das aptidões.69

Segundo ela, era inconcebível considerar que as mulheres “obrigadas a trabalhar


pelas circunstâncias” fossem mais capazes de votar do que as “mulheres cultas” que,
altruisticamente, lutavam por direitos políticos “femininos”. Mais uma vez, fica evidente
que o debate feminista era atravessado por contradições. Rachel Soihet sinalizou o
paradoxo relacionado ao emprego doméstico que, como vimos, foi criticado por Pagu.
Segundo ela, para as feministas da FBPF se dedicarem às suas profissões e/ou atividades

68
De acordo com Eliana Batista, na década de 1930, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, a
admissão do “voto feminino” se constituiu em uma pauta recorrente nos jornais, encontrando diferentes
questionamentos tanto por parte do governo quanto da oposição. “Desde o início da República se discutia
no Brasil se o ‘belo sexo’ era dotado de autonomia necessária exigida a um corpo eleitoral”. BATISTA,
Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos: acomodação e reação política ao governo de Getúlio Vargas
(1930-1937). 2018. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018. p. 239.
69
ABREU, Edith Mendes da Gama. Restrições inaceitáveis apud VIEIRA, Cláudia Andrade. Mulheres de
elite em movimento por direitos políticos: o caso de Edith Mendes da Gama e Abreu. 2002. (Dissertação)
– Mestrado em História – Faculdade de História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2002. p. 108.
251

políticas contavam com o trabalho das empregadas domésticas, cuja remuneração era
baixíssima.70 Como vimos no quarto capítulo, isso também podia ser comum entre as
comunistas. A relação patroa e empregada é atravessada por uma série de problemas
decorrentes de um pacto desigual entre mulheres, voltaremos a isto mais adiante.
A comunista Jacinta Passos contou com empregadas domésticas em algumas fases
de sua vida, mas era um tipo de emprego que parecia incomodá-la. Tanto que usou a
ficção para idealizar um mundo em que essa exploração deixasse de existir. No universo
comunista, “o progresso de uma” não custaria “o atraso de muitas”.71 Alina Paim também
usou a literatura para demonstrar como a amenização do trabalho doméstico para umas
mulheres só era possível mediante a exploração de outras. Em praticamente todos os seus
romances aparecem personagens que são empregadas domésticas, todas negras. Em uns,
de maneira inexpressiva, com falas pontuais, apenas como parte do cotidiano das famílias
das camadas médias, como é o caso de Sinhá Ernestina, de Estrada da Liberdade e Joana
de Sol do Meio Dia; em outros elas ganham voz e demonstram ter consciência da
exploração ao qual estavam submetidas, a exemplo de Maria Pequena de Simão Dias, que
mesmo morando longe se recusava a dormir no emprego ou morar perto das patroas.

Cumprimentando os conhecidos, Maria Pequena atravessa ligeiro ruas


de casa de palha. Sempre as sextas-feiras, lamentava morar longe e
recorda o conselho que d. Eusébia lavadeira mais uma vez lhe dera de
abandonar a sua casinha. [...] Apenas quando tem de acordar com o
escuro para chegar cedo ao engomado de seu Bernardinho sente a
distância, pondera as palavras de Eusébia e reconhece que o aviso está
pesado de razões. Uma vez por semana, seu pensamento se detém no
problema, e anos seguidos a situação tem permanecido inalterada.72

No entanto, ao final do dia exaustivo de trabalho e da longa caminhada para chegar


à casinha distante, na beira do açude, concluía que era melhor continuar como estava. Ali
era o seu canto. “Do batente para dentro quero ver branca com coragem de engrossar a
voz para minha banda”.73 Em sua casa simples, podia viver sozinha, de cabeça erguida,
sem se sentir inferior. Em Estrada da Liberdade, Marina observou que as lavadeiras da
Baixa do Estica todos os dias acordavam cedo, deixavam seus filhos pela rua – já que não

70
SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismo: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. p. 95.
71
PASSOS, Jacinta. Uma história de três mães. Caderno 2, 1967 apud AMADO, 2010, p. 237.
72
PAIM, Alina. Simão Dias. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1949. p. 7.
73
Ibid., p. 16.
252

havia creches – para lavar as roupas de mulheres que provavelmente não enxergavam
quão difícil e miserável era aquele dia a dia.

Aquelas mulheres lavavam desde quando o sol subia no céu, até quando
ele se escondia no lado oposto. Ali mesmo cozinhavam o feijão. Aqui
e acolá, nas trempes de paralelepípedos, alguns pedaços de tábuas
crepitavam, cozinhando o feijão magro em latas negras de sujo. As
mulheres tinham o suor a escorrer pelo rosto, e quando se inclinavam,
Marina pela gola da camisa de ombros largos, única peça de roupa que
havia sobre o busto, via os peitos moles e pelancudos batendo de
encontro à barriga. Uma lavadeira tossiu e assoou o nariz na mão,
sacudindo o catarro no capim, em seguida mergulhou as mãos na
espuma esfregando a roupa. Marina, enquanto seguia para o morro
fronteiro, olhava o coradouro. Lenços bordados alvejavam sob os raios
do sol, combinações e calças de fazenda delicada e com bicos de rendas
finos, estendidas no capim, tinham salpicos de espuma brilhantes. De
quem seria aquela roupa? Saberia a dona daqueles lenços bordados o
trabalho torturante daquelas mulheres, do nascer ao pôr do sol, na Baixa
do Estica?74

Mais marginalizadas que as trabalhadoras das fábricas, as empregadas domésticas


– fossem elas fixas, diaristas ou lavadeiras, do campo ou da cidade – não contavam com
a regulamentação do seu emprego. Diante da vulnerabilidade, a necessidade de inseri-las
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi defendida pela Federação de Mulheres
do Brasil e nas páginas do jornal Momento Feminino.

Descascando batatas, lavando panelas, limpando móveis, arrumando,


cozinhando, as empregadas domésticas alugam seu trabalho sem ter, na
legislação trabalhista, nenhuma garantia. Sua carteira profissional é
apenas um registro policial. O ministério do trabalho não a registra, nem
lhes dá direito à sindicalização. [...] Começam as domésticas a sentir
necessidade de organizar-se; em vários bairros suas associações
começam a surgir e a desenvolver-se, tendo como objetivo principal o
direito à sindicalização.75

A federação dirigida por Bertha Lutz também se colocou no debate, mas até onde
investiguei, na década de 1940, a linha central não foi a defesa da regulamentação, mas a
capacitação profissional da categoria. Segundo Rachel Soihet, o trabalho das mulheres,
inclusive das mulheres pobres, fez parte do repertório político de Bertha Lutz que
“estimulou as diversas categorias profissionais femininas, entre elas as operárias, a
formarem associações de classe”. 76 Mas seus vínculos diretos com a categoria eram

74
PAIM, 1944, p. 77-78.
75
AS EMPREGADAS domésticas no seu trabalho exaustivo. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1,
n. 10, p. 1, 26 set. 1947.
76
SOIHET, 2013, p. 79-95.
253

frágeis. Sobre o emprego doméstico, mais especificamente, na década de 1940 a política


que a FBPF definiu para essas trabalhadoras foi a criação de escolas de formação de
domésticas cuja estrutura seria mais modesta que as tradicionais, sem curso secundário.
Nelas seriam ensinadas “maneiras de servir, atender etc.”; além de cursos de “arte
doméstica” que deveriam ser implementados em bairros proletários.77 A ideia era formar
empregadas capazes de desempenhar bem os serviços domésticos. A medida, segundo a
avaliação da entidade, traria benefícios mútuos: para as patroas, que ficariam mais
satisfeitas e, consequentemente, para as empregadas que supostamente teriam mais
chances de estabilidade no emprego.
Mas o central para essas trabalhadoras era a regulamentação da profissão,
demanda que vinham colocando no debate político desde a década de 1930. De acordo
com Joaze Bernardino-Costa, os primeiros sindicatos das domésticas surgiram nos anos
30, quando Laudelina de Campos Melo, engajada tanto no movimento sindical quanto no
movimento negro promovido pela Frente Negra Brasileira (FNB), fundou a primeira
entidade em Santos, a Associação Profissional de Empregadas Domésticas (APED). A
instituição tinha por objetivo conquistar o status jurídico de sindicato e,
consequentemente, fortalecer a luta para que as empregadas domésticas tivessem seu
trabalho regulamentado. Em função do Estado Novo (1937-1945), ainda segundo o autor,
houve uma suspensão das atividades e o movimento só voltou a se articular no eixo Rio-
São Paulo a partir da década de 1950.78
Em que pese a suspensão das atividades da APED, empregadas domésticas de
várias partes do país se movimentavam politicamente. Parte delas se integrou ao
movimento feminista de orientação comunista. Elas não deixaram de pautar suas
demandas na década de 1940. O Estado Novo pode ter gerado uma retração e uma
consequente perda de força, mas não uma suspensão total das atividades da categoria
profissional. Em Minas Gerais, em 1947, funcionava uma associação de empregadas
domésticas que, segundo estimativa do Momento Feminino, congregava mais de cem
mulheres que se reuniam todos os domingos. 79 No mesmo ano, em São Paulo, uma
empregada doméstica – Maria Benedita Cruz – foi candidata ao cargo de vereadora com

77
Livro de Atas, vol. 5, p. 56. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência BR AN, RIO Q0. ADM, EOR.SEC, TXT.2, v.5.
78
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização
política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Revista Sociedade e Estado. Brasília, v. 30, n. 1, p. 147-
163. Jan-abr., 2015. p. 155.
79
PEREIRA, Maura de Sena. Em Nova Lima uma das mais belas organizações femininas do Brasil.
Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 14, p. 6, 24 out., 1947.
254

o compromisso de defender os direitos da categoria. 80 A presença dessas mulheres


certamente foi fundamental para que, em 1949, a FMB colocasse com um dos pontos do
seu programa a defesa da regulamentação da atividade profissional.
O debate sobre o emprego doméstico dialoga diretamente com a realidade das
mulheres na esfera privada, historicamente marcada pela ausência da responsabilização
dos homens. Mas as implicações do peso do trabalho doméstico em suas vidas são
atravessadas por diferenças. Para garantir o funcionamento adequado do cotidiano sem
tanto desgaste físico, as mulheres ricas e das camadas médias, brancas em sua maioria,
ainda que em função do gênero fossem responsabilizadas pelo bom funcionamento do lar
e da família, podiam contar com uma ou mais empregadas, geralmente negras, para
executar os trabalhos domésticos e “auxiliar” na criação dos filhos. Mulheres que muitas
vezes tinham seus próprios filhos e família e não contavam com uma rede pública de
proteção, como creches e escolas em tempo integral. Onde o Estado não chegava a
solidariedade se construía através da formação de redes de apoio. Eram essas redes que
acolhiam os filhos das empregadas domésticas e demais trabalhadoras pobres. O apoio de
outras mulheres igualmente pobres, muitas das quais parentes próximas (mães, irmãs,
tias) ou vizinhas, amenizava a lacuna deixada pelos poderes públicos que não cumpriam
– e não cumprem satisfatoriamente – a obrigação legal de proteção à infância e à
maternidade.81
Tanto nos casos em que as mulheres contratavam empregadas domésticas, quanto
nos casos em que eram criadas redes de apoio, forjava-se o que Sueli Gomes da Costa
chamou de maternidade transferida. Em sociedades nas quais os homens são
desresponsabilizados das tarefas domésticas e dos cuidados com crianças e vulneráveis,
as mulheres criam diferentes redes de mútuas responsabilidades. 82 Acredito que
expressão mais adequada seria maternidade compartilhada, sobretudo quando são
forjadas redes de apoio. A ideia de transferência pode remeter a interpretação de que há
uma desresponsabilização completa da mãe que trabalha e deixa os filhos sob os cuidados
de outra mulher, o que não é o caso na maioria das vezes.

80
A PRÓXIMA vitória eleitoral em São Paulo. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 14, p. 16, 24
out., 1947.
81
O livro de ficção infantil intitulado Rainhas, de Ladjane Alves Sousa, através de uma narrativa lúdica,
fala dessa realidade ainda muito comum para muitas mães e crianças pretas e periféricas do Brasil. SOUSA,
Ladjane Alves. Rainhas. Salvador: EDUFBA, 2018.
82
COSTA, Suely Gomes. Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde reprodutiva. Estudos
Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 2, p. 301-322. Jul.-dez, 2002. p. 303-304.
255

Para Costa, o processo de transferência – que prefiro chamar de compartilhamento


–, muitas vezes, atualiza desigualdades seculares no acesso das mulheres aos direitos
sociais, próprias das relações de poder e subordinação que presidem a montagem dos
sistemas protecionistas (creches, lactários, lavanderias, restaurantes populares, etc.). Em
países em que não há ou que são insuficientes os sistemas de apoio às suas saídas, algumas
mulheres deslocam, muitas vezes em um processo tenso, obrigações e encargos
domésticos às outras, o que não significa dizer que deixam de assumir responsabilidades
relacionadas à gestão do cotidiano familiar. A maternidade compartilhada cobre
deficiências estruturais. Ela se dá através de pactos de convivência diversos.83 Mas ao
mesmo tempo que resolve um problema, revela e institui outras formas de desigualdade.
Conforme Costa:

Em uma grande diversidade de pactos em torno dos afazes domésticos,


as mulheres encontraram meios informais de remunerá-los que, de certa
maneira, redefiniram, a cada tempo, as desigualdades entre elas. No
caso brasileiro, formas protecionistas podem ser desvendadas no
entorno das casas, das fazendas e das fábricas, organizando as práticas
sociais de cada tempo. Mulheres pobres [...] sempre tiveram muitos
afazeres nas ruas, tantas vezes extensões das obrigações domésticas,
mas, em geral, contando com redes familiares de compadrio e de
vizinhança de longa data estabelecidas. Em contrapartida, um outro
padrão de sociabilidade, concernente às camadas sociais médias e altas,
limita as saídas das mulheres do espaço doméstico. Esse padrão apoia-
se em laços de proteção e dependência entre mulheres das mesmas
classes e entre essas e outras de classes diferentes. Nessas relações, a
maternidade transferida de uma para outras mulheres – de quaisquer
classes – é uma regularidade que se reafirma.84

Mas, ainda de acordo com Sueli Costa, a transferência de obrigações domésticas


socialmente atribuídas às mulheres, independente das diferenças entre elas, poderia
implicar na construção de cumplicidades e algumas formas de mobilidade social
compensatórias, que redefinem a posição social de todas. É uma relação marcada por
“seguidos pactos (e guerras) domésticas. Só o cuidadoso preparo dessa transferência de
responsabilidades e de afetos no interior da vida doméstica podia impedir o risco de caos
na vida familiar”.85
Contudo, no caso específico do emprego doméstico, como demonstrou Soraia
Mello, na prática, em países da América Latina a transferência e/ou compartilhamento
não tem necessariamente garantido a ascensão social de todas, mas de apenas um lado: as

83
COSTA, 2002, p. 303-304.
84
Ibid., p. 306
85
Ibid., p. 308.
256

mulheres das classes médias e altas. Para tornar possível suas carreiras profissionais,
costumam contratar outras mulheres economicamente desfavorecidas, que muito
dificilmente ascendem socialmente. Segundo os dados estatísticos analisados pela autora,
historicamente a ascensão social das empregadas domésticas em países amefricanos –
para usar a expressão de Lélia Gonzalez –86, tem sido praticamente nula, provocando uma
espécie de “estabilidade da pobreza”, devido às características do emprego e aos baixos
salários. Mello destacou que estudos revelaram que nas décadas de 1970-80, em regiões
onde o emprego doméstico não era tão comum ou barato quanto no Sul Global, o número
de mulheres com alto grau de instrução no mercado de trabalho era menor.87

Quer dizer, a libertação das mulheres do Sul estaria ocorrendo às custas


do serviço doméstico? Qual libertação e quais mulheres seriam essas?
É uma questão difícil de responder, porque pouco se falou e fala a
respeito. Afinal, de que forma lidavam (e lidam) as patroas feministas
com essas situações.88

No Brasil, Soraia Mello observou que a relação patroa/empregada é marcada por


desigualdades de classe e raça que se traduzem em precarização das condições de trabalho
e tensões que se perpetuam. Através de entrevistas realizadas com trabalhadoras
domésticas, ela listou os principais problemas relacionados a este tipo de emprego.
Apesar de viverem dentro das casas com as famílias, as empregadas dificilmente são
tratadas como parte dela. Dormem em quartos de depósito e sem ventilação, muitas vezes
não têm permissão de, durante as refeições, sentar-se à mesa ou mesmo comer o mesmo
tipo de comida. Sem falar da obrigação de usar uniforme, que demarca o seu lugar na
casa, entre outros pactos desiguais. Além disso, sofrem com a falta de privacidade e com
dilemas pessoais, como saudade da família, círculo social reduzido e/ou controlado e falta
de espaço e tempo para afetividade. Também enfrentam dificuldades com o trabalho em
si. Neste tipo de emprego, geralmente, não se especifica qual a atividade lhe cabe
exatamente, além disso, cobra-se perfeição. O trabalho tende a ser monótono e repetitivo,
mas ainda assim uma tarefa que exige muita responsabilidade, em troca de um salário que
é em média mais baixo do que o de qualquer outra categoria. Além de todos estes

86
A autora criou a categoria de amefricanidade para pensar a realidade social marcadamente racista dos
países da região conhecida como América Latina – que ela prefere denominar Améfrica Landina. Para mais
detalhes cf.: GONZALEZ, Lélia. A categoria político cultural de Amefricanidade. Tempo Brasileiro, Rio
de Janeiro, n. 92/93, p. 69-82, jan., jun., 1988.
87
MELLO, Soraia Carolina de. Feminismos de Segunda Onda no Cone Sul problematizando o trabalho
doméstico (1970-1989). Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2010. p. 151-152.
88
Ibid., p. 152.
257

problemas, algumas vezes elas precisam driblar o ciúme da patroa em relação aos filhos
e/ou ao marido; outras são vítimas de violência sexual e/ou testemunham episódios de
violência doméstica que vitimam as patroas.89

Assim sendo, as próprias reivindicações feministas de sair da esfera


privada, do ambiente doméstico, e ingressar no mercado de trabalho,
são limitadas a certas classes específicas. Para a maior parte das
mulheres que trabalha fora, o que se apresenta é uma dupla jornada de
trabalho que, no caso das domésticas – e babás, lavadeiras, passadeiras,
diaristas etc. – se restringe aos afazeres domésticos, em suas casas e nas
casas das/os outras/os.90

Ao analisar o problema pensando o contexto norte-americano, bell hooks


evidenciou que dependendo das características, o emprego doméstico assume o
pressuposto sexista de que “o poderoso deve exercer autoridade sobre o fraco”, ideia que
na maioria das vezes está presente na relação entre mulheres em se tratando desse tipo de
emprego.91 Por isso, a autora chamou a atenção para a necessidade de levar até as últimas
consequências o conceito feminista de sororidade, leia-se, solidariedade política entre
mulheres. Esta solidariedade deveria ir além “de reconhecimento positivo das
experiências de mulheres, e também da compaixão compartilhada em casos de sofrimento
comum”.92 E destacou:

[...] a sororidade jamais teria sido possível para além dos limites de raça
e classe se mulheres individuais não estivessem dispostas a abrir mão
de seu poder de dominação e exploração de grupos subordinados de
mulheres. Enquanto mulheres usarem poder de classe e de raça para
dominar outras mulheres, a sororidade feminista não poderá existir por
completo.93

O fato de serem mulheres não foi (e continua não sendo) suficiente para gerar
sororidade entre patroas e empregadas domésticas. Por isso, segundo Joaze Bernardino-
Costa, o movimento político das domésticas precisou problematizar a invisibilidade que
tiveram em muitos debates feministas. O movimento pode ser definido como um processo
de construção da interseccionalidade emancipadora: uma articulação estratégica dos
marcadores de desigualdade: classe, raça e gênero. A mobilização foi importante para a

89
MELLO, 2010, passim.
90
Ibid., p. 151.
91
HOOKS, 2019. p. 36.
92
Ibid.
93
Ibid.
258

criação de solidariedades e para ganhos democráticos que produziram projetos de


resistência e reexistência.94

6.6. Classe e gênero: diferentes mulheres, diferentes necessidades

Atento às desigualdades entre mulheres, o movimento feminista de orientação


comunista denunciou a ausência da proteção à maternidade das trabalhadoras pobres,
fossem elas operárias ou empregadas domésticas. Essas mulheres se viam
impossibilitadas de maternar dentro de padrões mínimos de conforto e segurança. Muito
raramente contavam com instituições que amenizassem o drama cotidiano do cuidado
com as crianças. Essa era a situação das famílias operárias de Salvador, realidade que
ganhou contornos ficcionais no romance Estrada da Liberdade. Ao andar pelas ruas
pobres do bairro que deu nome ao romance, a protagonista notou que as crianças
costumavam ficar pela rua, “brincando e xingando”, até a hora de ir à escola, muitas vezes
sem almoço; isso quando estudavam. “Como podia ser de outra maneira? Cedo, pela
manhã, o pai ia para a oficina, a mãe ia lavar roupa na Baixa do Estica”.95
A realidade se aproximava em muito da ficção, já que eram raras as creches. A
situação, sem dúvida, atingia em maior grau as mulheres, já que eram elas que assumiam
os cuidados com as crianças, além de haver muitas mães que criavam seus filhos sozinhas.
A legislação trabalhista instituída na Consolidação das Leis do Trabalho, de 01 de maio
de 1943, estabelecia que as empresas com mais de 30 mulheres maiores de 16 anos de
idade deveriam instalar creches, deixando à margem milhares de mulheres que
trabalhavam na informalidade. 96 Para amenizar a situação, e certamente atendendo às
demandas colocadas pelos movimentos feministas, o deputado Gregório Bezerra
estabeleceu no Art. 2° do PL n°. 1.155 que deveriam ser instalados creches e berçários,
com no mínimo 50 leitos em todos os bairros e distritos comerciais e industriais, “em
cujas áreas se concentrem mais de 1000 mulheres assalariadas, devendo sua localização

94
BERNARDINO-COSTA, 2015, p. 159.
95
PAIM, 1944. p. 60.
96
BRASIL. Decreto-Lei n° 5.452, de 1 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de
Janeiro, DF: Presidência da República [1943]. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm> Acesso em: 30 nov., 2019.
259

atender as necessidades mais urgentes da população beneficiada dos respectivos centros


de trabalho”.97
Contudo, mesmo a limitada proteção legal no que diz respeito à maternidade e à
infância “era frequentemente desrespeitada também em prejuízo da mulher”.98 Segundo
denúncias de Ana Montenegro, as empresas têxteis, metalúrgicas e diversas companhias
norte-americanas não admitiam mulheres casadas, quando contratavam, elas eram
proibidas de ter filhos “sob pena de demissão sumária”. 99 De acordo com Iracema
Ribeiro, “os patrões burla[vam], assim, as leis de proteção à maternidade, já conquistadas,
enquanto a mulher v[ia] cerceado, na prática, o direito que lhe [era] mais caro, o direito
de ser mãe”. 100 A Federação de Mulheres do Brasil denunciou que as medidas eram
desumanas, assim como o fato das mulheres grávidas continuarem executando os mesmos
trabalhos durante a gestação.101
Nas fábricas, as operárias, fossem elas mães ou não, eram submetidas a “oito horas
de trabalho sem conforto e sem proteção”,102 jornada que pesava na vida de “milhões de
moças e mães de família para quem o trabalho, em vez de um legítimo direito, constitui
um sacrifício, não somente no tocante às necessidades materiais, mas a outras restrições
que atentam até contra a dignidade humana”.103 Segundo a FMB:

[As] despedidas injustas se repetem frequentemente, mesmo porque,


não raro, as carteiras profissionais, que criam relações de trabalho entre
operário e patrão, não são devidamente e oportunamente anotadas. [...]
O princípio constitucional das liberdades democráticas é inexistente
para muitos casos, provocando injustiças e se convertendo muitas vezes
em medidas arbitrárias e ilegais, tais como invasão dos lares,
sequestros, espancamentos e várias formas de castigo a homens e
mulheres que manifestem qualquer descontentamento com a
administração do país, em qualquer setor de trabalho.104

Ana Montenegro disse ouvir, em 1955, queixas de centenas de trabalhadoras do


Distrito Federal relacionadas ao não cumprimento da Legislação Trabalhista e à ausência

97
1ª Assembleia Nacional de Mulheres: Resoluções sobre os direitos das mulheres, documento aprovado
em 18 nov., 1952. Arquivo Público do Estado de São Paulo, microfilmes do Archivio Storico del Movimento
Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo Pereira, Fundo Roberto Morena, 1932-1978.
98
Ibid.
99
MONTENEGRO, Ana. Direitos da mulher. Momento Feminino, ano 9, n. 115, p. 34, 1955.
100
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
101
A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n. 96, p. 5,
out./nov., 1952.
102
MONTENEGRO, Ana. Direitos da mulher. Momento Feminino, ano 9, n. 115, p. 34, 1955.
103
1ª Assembleia Nacional de Mulheres: Resoluções sobre os direitos das mulheres, documento aprovado
em 18 nov., 1952. Arquivo Público do Estado de São Paulo, microfilmes do Archivio Storico del Movimento
Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo Pereira, Fundo Roberto Morena, 1932-1978.
104
Ibid.
260

completa de fiscalização do Ministério do Trabalho. Para piorar, grande parte delas


desconhecia seus próprios direitos inscritos na Legislação. Na opinião da jornalista, o
quadro só seria revertido quando as trabalhadoras se reunissem em Departamentos
Femininos nas Associações de classe e, juntas, trabalhassem pelo cumprimento da
legislação e pela conquista de mais direitos.105
A proteção efetiva das mulheres trabalhadoras era urgente. Diferente das mulheres
das camadas médias, elas não reivindicavam o direito ao trabalho, já que trabalhar fora
de casa não era uma opção. Elas trabalhavam para sobreviver e garantir o sustento da
família. Para a categoria, a briga era outra: garantir condições dignas de trabalho e salários
justos, capazes de pagar efetivamente as tarefas que desempenhavam. Compelidas pelas
necessidades materiais, elas tinham que buscar o sustento “nas fábricas, nos balcões e nos
lares alheios”, pontuou Nice Figueiredo. “Primeiro que as outras”, elas compreenderam
“a necessidade de cooperar financeiramente para o sustento da casa e dos filhos”.106 A
realidade das famílias trabalhadoras foi tomada por Nice como prova de que era
infundado o papel de provedor e chefe da família legalmente atribuído apenas ao marido.
O Código Civil, disse ela, era surdo às experiências das famílias proletárias.
Mais do que a responsabilidade material, o lugar de provedor, segundo Nice, trazia
a reboque a autoridade “masculina” em detrimento da “feminina”, tradição
arbitrariamente construída pelos homens [economicamente privilegiados], que “para
garantir certas vantagens [...] tomaram a si o encargo de sustentar as famílias”. A
mentalidade das mulheres teria sido formada “em função de tal princípio, aceitando-o
como um estado natural de coisas”. A classe trabalhadora, cuja realidade impelia outra
lógica, não seria poupada dessa construção social. Mesmo nas famílias marcadas pela
fome e miséria, geralmente “o homem trabalhava desesperadamente para evitar que sua
mulher concorresse com o produto do seu trabalho para o sustento da família”.107
Para a advogada, a atitude tinha “muito de boa fé e coragem”, mas trazia prejuízos
enormes “para esses pais, maridos, e irmãos e, sobretudo, para a família que queriam
manter sozinhos sem a ajuda efetiva da mulher”. Entre os problemas, destacou o
aniquilamento físico “e o abatimento moral que lhe seguia sempre. Depois as dificuldades
que criavam para uma família onde muitas eram as bocas para comer e dois, apenas, os

105
MONTENEGRO, Ana. Direitos da mulher. Momento Feminino, ano 9, n. 115, p. 34, 1955.
106
FIGUEIREDO, Nice. A manutenção da família. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 21, p. 10,
12 dez., 1947.
107
Ibid.
261

braços para trabalhar”. Em sua leitura, “a manutenção da família continuou, na teoria, a


ser uma obrigação do homem, mas, na prática, era conseguida pelo esforço em conjunto
dos homens e das mulheres”.108
Cheia de idealizações em relação às famílias operárias, Nice Figueiredo não
conseguia perceber que os homens trabalhadores podiam exercer a “dominação
masculina”. Formados em uma sociedade marcada pelo machismo estrutural, como
qualquer homem, os trabalhadores subjugavam suas esposas, muitas vezes lançando mão
da violência física. A atitude de trabalhar desesperadamente para sustentar integralmente
suas famílias, que para ela representava um ato de coragem e boa-fé, poderia também
significar a salvaguarda da autoridade e dos ideais de masculinidade vigentes, que
atravessavam todas as camadas da sociedade. É verdade que ela não nega que a classe
trabalhadora era influenciada por ideais hegemônicos de casamento, no entanto, não
reconhece que, ao fim e ao cabo, os significados da “dominação” eram os mesmos na
medida em que os valores culturais circulavam.
Certa ingenuidade acerca das relações maritais da classe trabalhadora não foi uma
singularidade da advogada. Seguindo essa linha, Jacinta Passos enfatizou que nas relações
matrimoniais dos casais trabalhadores o grande problema, o que causava “a tristeza e a
discórdia” era a falta do “pão de cada dia”.109 Através da ficção, espaço próprio para
idealizações, Alina Paim endossou essa perspectiva ao fabular a realidade das famílias
operárias. “Ali se guardava o amor às coisas belas, apesar da miséria em que vivem”.110
As famílias proletárias de A Hora Próxima – como vimos, um romance inspirado no
Realismo Socialista que tinha a pretensão de fazer uma descrição da classe operária e ao
mesmo tempo contribuir para educá-la – foram construídas com base na solidariedade de
classe. Se o homem fosse comunista, ele era consciente da necessidade de não oprimir a
esposa. Silvio, membro do PCB e casado com uma mulher muito católica, parou para
refletir sobre as causas dos desentendimentos do casal.

Fez esforço para compreender claro, todo o coração voltado para a ânsia
de compreender o que se passava entre os dois. E pequenos incidentes
começaram a despontar em sua lembrança. Aqui uma discussão, ali
outra, sempre a Igreja e o Partido como o miolo das questões. Muitas
vezes lhe ridicularizava a devoção, num dia pilheriava contra a missa
ou contra o padre, noutro ria das velas acesas diante do nicho, na
cantoneira do quarto. “A religião foi feita para tapear tolos”. [...]

108
FIGUEIREDO, Nice. A manutenção da família. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 21, p. 10,
12 dez., 1947.
109
O POVO não pode mais ser enganado. O Momento, Salvador, ano 1, n. 37, p. 5, 29 nov., 1945.
110
PAIM, Alina. A Hora Próxima. Rio de Janeiro: Vitória, 1955. p. 250.
262

Hostilizava ao invés de raciocinar com ela e ir, com respeito e ternura,


abrindo-lhe os olhos para a realidade. Tivera duas maneiras de agir, para
os estranhos mostrava-se compreensivo, para a companheira era cego e
sectário. Em casa representava o cabeçudo, quando devia ser mais
humano em família. A resposta de Adélia fora ditada por ele. [...]
Quando entrasse em casa depois da greve tudo seria diferente. Iria
conquistar a harmonia perdida e abandonar o coração à ternura como
nos tempos da mocidade.111

O trecho é emblemático da função pedagógica que a narrativa assumiu. A intenção


era mostrar como um comunista deveria se comportar tanto no casamento quanto em
relação à religiosidade da classe trabalhadora. Com respeito e tolerância, cabia ao
comunista “iluminar” o proletariado para que se libertasse das heranças burguesas. As
famílias proletárias estavam mais preparadas para isso porque seus membros
compartilhavam a solidariedade de classe forjada nas aperturas cotidianas, ainda que
houvesse desentendimentos. Essa perspectiva não circulava apenas entre as comunistas
brasileiras. No mesmo período histórico, em um contexto espacial diferente, a filósofa
francesa Simone de Beauvoir destacou que as mulheres pobres não sofriam “opressão de
sexo”, mas apenas de classe. Mesmo sabendo, através dos fabulários da Idade Média, que
a violência marcava essas relações, destacou que nas camadas pobres da sociedade “o
marido só tem sobre a mulher o privilégio de espancá-la; mas ela opõe a esperteza à força,
e os esposos defrontam-se em pé de igualdade. Ao passo que a rica paga sua ociosidade
com a submissão”.112
Na leitura de Beauvoir, nas classes trabalhadoras a opressão econômica se
sobrepunha à sexual, anulando a desigualdade entre homens e mulheres; mas ao mesmo
tempo aniquilava “todas as possibilidades do indivíduo” na medida em que eram
explorados enquanto classe. 113 Esse pensamento, embora não fosse unânime, esteve
presente no debate feminista das mulheres do PCB. O protagonismo da classe
trabalhadora na revolução socialista foi pensado, muitas vezes, idealizando os sujeitos
que compunham a classe, geralmente descritos como personagens naturalmente honestas,
bondosas e solidárias.114

111
PAIM, 1955, p. 287-288.
112
BEAUVOUIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. v. 1, 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
p. 142.
113
Ibid., p. 146.
114
Frequentemente os militantes do PCB representavam a classe trabalhadora e os comunistas – vanguarda
da revolução proletária– como pessoas heroicas, potencialmente honestas, bondosas e solidárias, incapazes
de atitudes que ferissem a dignidade humana. Essas representações aparecem de forma muito contundente
na literatura, a exemplo dos romances: PAIM, Alina. A hora próxima. Rio de Janeiro: Vitória, 1955; PAIM,
Alina. A sombra do patriarca. Rio de Janeiro/Porto Alegre/São Paulo: Globo, 1950; MATOS, 1988;
AMADO, Jorge. O Cavaleiro da Esperança: vida de Luís Carlos Prestes. São Paulo: Cia das Letras, 2011.
263

Mas a classe trabalhadora, como a própria Beauvoir reconheceu, era atravessada


pela ideologia da domesticidade. O fato de o salário das mulheres ser essencial para a
subsistência da família não promovia uma ruptura imediata com o conjunto de ideias que
o tornava secundário. Ainda que na prática não fosse, geralmente a contribuição das
mulheres para o sustento da família era vista como auxiliar. A tradição estabeleceu
desigualdades em relação ao valor dos salários de homens ou mulheres para além do
critério quantitativo/monetário. “Efetivamente, de acordo com a tradição, dinheiro e
ambição deviam ser distintivos masculinos”. 115 Ao passo que o salário das mulheres,
mesmo sendo fundamentais para a sobrevivência das famílias, podia ser lido como
complementação de renda.
As diferentes atribuições qualitativas relacionadas aos salários de homens e
mulheres, na perspectiva de Beauvoir, ajudam a entender a resistência dos homens
trabalhadores à incorporação das mulheres nas fábricas e nos sindicatos no processo da
Revolução Industrial europeia, o que trouxe problemas tanto para a luta de classes, quanto
para a emancipação das mulheres. A ideologia, segundo Simone de Beauvoir, também
explica a permanência, no século XX, da desigualdade salarial entre os sexos. Se o
homem era o provedor, logo era justo que ganhasse mais. Esse pensamento serviu para
justificar a dificuldade de sindicalização das operárias. Já que o trabalho das mulheres era
apenas auxiliar, os trabalhadores mais importantes eram os homens, os verdadeiros
provedores da família. A eles, portanto, cabiam as decisões e formulações sobre as
necessidades da classe.116
A ideia de que o salário das mulheres era apenas uma complementação da renda
da família esteve presente nas páginas de Momento Feminino. Ao orientar as mulheres
sobre casamento e “obrigações domésticas”, uma das colaboradoras da coluna “Nosso
Amor Nossa Vida” destacou que caberia aos homens batalhar para prover a família,
enquanto o salário das mulheres serviria apenas de “auxílio” à manutenção da casa. Para
ela, o “trabalho feminino” era importante como um meio de formação pessoal no sentido
de promover o contato direto com as dificuldades da vida. No entanto, a principal tarefa
do gênero continuava sendo zelar pelo lar. As mulheres deveriam “encarar seus trabalhos

PASSOS, Jacinta. A Coluna. Rio de Janeiro: Coelho Branco, 1957 apud AMADO, Janaína. (Org.): poesia,
prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010. p. 161-217.
115
CORIA, 1996, p. 39.
116
BEAUVOUIR, 2016. p. 170-175.
264

domésticos como deveres e não como obrigação”.117 Quando as condições financeiras


não permitiam contratar empregadas, não deveriam se queixar. Segundo orientação da
possível leitora Ana de Lima: “Você não pode ter uma empregada para os seus filhos e é
obrigada a lavar toda a roupa? Ora, amiga, isso não é nada porque eu sou solteira e faço
isso também”.118
No que diz respeito às mulheres das camadas médias e o direito ao trabalho, o seu
lugar de auxiliar era ainda mais contundente, o que podia contribuir para que muitos
maridos as proibissem de trabalhar. Para Nice Figueiredo, depois das duas grandes
guerras mundiais, os homens de classe média tornaram-se incapazes de prover sozinhos
o sustento da família. O historiador inglês Eric Hobsbawm, escrevendo muitos anos
depois, pontuou essa transformação. Analisando mais propriamente as mudanças no Sul
Global, destacou que houve um aumento do setor terciário e uma modificação relacionada
ao valor do “trabalho feminino”. Em um mundo em que cresceram as ocupações que
exigiam maiores níveis de instrução, o trabalho das mulheres das camadas médias,
principalmente das casadas, passou a ser fundamental para garantir uma boa formação
escolar para os filhos.119 Assim, impulsionadas pelas necessidades materiais, as mulheres
de classe média “tiveram de se lançar no comércio, nos escritórios, nas repartições
públicas e nas profissões liberais”.120
Ao ingressarem no mercado de trabalho, diferente das trabalhadoras pobres, na
leitura de Jacinta Passos, elas conquistavam a independência econômica. Mesmo que os
seus salários fossem menores que os dos homens, conseguiam sobreviver sem grandes
privações. Distantes das preocupações com o “pão de cada dia” e mais atingidas pelas
tentativas de recolocá-las no estrito espaço doméstico, Jacinta avaliou que elas sentiam
com mais intensidade o peso da “discriminação sexual”.121
Já sobre as mulheres burguesas, Nice Figueiredo escreveu que elas não
precisavam trabalhar e por isso não serviam à luta das mulheres. 122 No ano seguinte,

117
ALBUQUERQUE, Graciana. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n.
79, p. 2, 20 dez., 1950.
118
LIMA, Ana de. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 79, p. 2, 20 dez.,
1950.
119
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1014-1991. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
p. 282-311.
120
FIGUEIREDO, Nice. A manutenção da família. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 21, p. 10,
12 dez., 1947.
121
PASSOS, Jacinta. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas [Entrevista]. O Momento, Salvador,
ano 1, n. 40, p. 3, 10 dez., 1945.
122
FIGUEIREDO, Nice. A importância do trabalho para a mulher casada. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 37, p. 11, 16 abr., 1948.
265

Simone de Beauvoir afirmou que, na maioria dos casos, “a mulher burguesa faz questão
de seus grilhões porque faz questão de seus privilégios de classe”. 123 O suposto
desinteresse das mulheres burguesas em relação ao feminismo, destacado tanto por Nice
quanto por Beauvoir, parte da ideia de que elas estavam mais alinhadas aos interesses de
sua classe por viverem em uma condição materialmente confortável. Por isso, a carreira
profissional era completamente secundária. No entanto, a própria Nice reconhecia que,
“apesar de rica, [...] é o marido quem chefia a vida conjugal e esta mulher afortunada
sofre todas as restrições que uma mulher sofre em sua capacidade de agir”.124 E Beauvoir
na própria metáfora que utilizou, reconhecia que as mulheres burguesas estavam presas
aos grilhões do machismo.
Sabemos que a necessidade de crescimento profissional, intelectual, político vai
além das necessidades meramente materiais. Justamente por isso a conquista de espaços
de sociabilidade para além do mundo doméstico compôs as aspirações de mulheres
burguesas ao longo da história. Não por acaso, a própria Nice tratou o tema com
ambiguidade, ora reconhecendo que a incapacidade civil da mulher casada limitava a vida
das mulheres ricas, ora enfatizando que elas não se engajavam no “movimento feminino”,
pois estariam em situação absolutamente confortável. O tempo livre de que dispunham
seria dedicado às frivolidades como “belereiros, chás, pife-pafe, Jokey”, ou “para
martirizar as empregadas e a família com os seus excessos de limpeza e de ordem”.125
É evidente a aproximação entre o pensamento de Nice Figueiredo e Simone de
Beauvoir, ambas inspiradas no marxismo. Não quero sugerir com isto que houve um
diálogo direto entre as intelectuais, mas demonstrar que as ideias feministas foram
produzidas e circularam em diferentes espaços. O pensamento foi forjado não apenas por
pensadoras europeias e norte-americanas que obtiverem reconhecimento e repercussão
internacional certamente pela importância de suas ideias, mas também em função do
espaço em que foram produzidas: o chamado Norte Global.
De acordo com Grosfoguel, a produção de conhecimento nortecêntrica tem gerado
a inferiorização dos conhecimentos produzidos por homens e mulheres de todo o planeta
(incluindo as mulheres ocidentais). A legitimidade e o monopólio do conhecimento
nortecêntrico instituem o racismo e/ou sexismo epistêmico, “desqualificando outros

123
BEAUVOIR, 2016. p. 163.
124
FIGUEIREDO, Nice. A importância do trabalho para a mulher casada. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 37, p. 11, 16 abr., 1948.
125
Idem. Você não trabalha porque não quer. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 09 jul., 1948. p. 5.
266

conhecimentos e outras vozes críticas frente aos projetos imperiais/coloniais/patriarcais


que regem o sistema-mundo”.126 No caso da epistemologia feminista, o conhecimento das
mulheres produzidos fora do centro localiza-se na margem da margem. As produções das
mulheres do Norte-Global se sobressaem em relação às demais. O conhecimento
hegemônico exclui a epistemologia do Sul.127

6.7. Prioridades do movimento: gênero ou classe?

Jacinta e Nice concordavam que o movimento de mulheres deveria dispensar mais


energia na resolução dos problemas das trabalhadoras pobres, que sofriam com a fome e
a miséria. No entanto, as mulheres das camadas médias não deveriam ficar desassistidas
aguardando o fim das desigualdades de classe. As duas defenderam um trabalho “unitário
e organizado” em torno das “reivindicações femininas”, da forma mais ampla possível.128
Segundo Jacinta, havia “um número de reivindicações femininas comuns a todas as
mulheres”, sua participação na vida política do país era uma delas. Para a pecebista era
possível construir um trabalho unitário em torno dessas reivindicações.129
Nice também não tinha dúvida que era possível incorporar os diversos interesses
das mulheres, desde as trabalhadoras: “as que mais sofrem” e deveriam ser
recompensadas primeiro; até as de classe média: que precisavam “lutar por outros direitos
que nem elas nem as primeiras possu[íam] ainda”.130 O movimento de mulheres deveria
se esforçar para garantir “o maior bem-estar para as mulheres que mais trabalham e
carregam os fardos maiores”.131 Não poderia se restringir às reivindicações de moradia
digna nos morros, “lavar roupa com abundância de água e cozer sob clara e boa luz

126
GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/
sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e Estado.
Brasília, v. 31, n. 1, p. 25-49, jan./abr., 2016. p. 25-26.
127
Aqui não tenho a pretensão de analisar com a profundidade merecida a construção da epistemologia
feminista no Brasil. Mas acho importante registrar que não é incomum que coletâneas direcionadas ao
debate teórico feminista incluam somente – ou sobretudo – teóricas feministas do chamado Norte-Global.
A coletânea Teoria política feminista: textos centrais, organizada por Luis Felipe Miguel e Flávia Baroli é
um exemplo. Nela não encontramos nenhuma referência às teóricas feministas negras e/ou decoloniais.
Estas não seriam centrais para a teoria política feminista? Cf. MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia.
Teoria política feminista: textos centrais. Vinhedo: Horizonte, 2013.
128
PASSOS, Jacinta. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas [Entrevista]. O Momento, Salvador,
ano 1, n. 40, p. 3, 10 dez., 1945; FIGUEIREDO, Nice. Uma lição aprendida com a experiência. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 62, p. 4, 30 out., 1949.
129
PASSOS, op. cit.
130
FIGUEIREDO, op. cit.
131
Ibid.
267

elétrica”.132 Elas também mereciam se livrar das restrições legais e da cultura que limitava
a autonomia das mulheres.
No entanto, no mesmo grupo circulava a ideia de que em um primeiro momento
o movimento deveria concentrar energia exclusivamente no combate às desigualdades de
classe. Na opinião de Rosa Bittencourt, as mulheres precisavam “lutar contra essas
condições de vida que perturbam a vida das famílias”.133 Todas tinham o dever de se opor
à exploração de classe, “contra a fome e a miséria que atormentam todos os lares, lutar
por melhores salários para o seu companheiro, por mais um pedaço de pão, por um
sapatinho para seus filhos”. 134 Para Ana Montenegro, embora não descartasse a
importância da emancipação das mulheres, seria necessário, primeiro, eliminar a miséria
e exploração do povo. Não por acaso, quando substituiu Nice Figueiredo na coluna
“Direitos da Mulher” deixou de lado as temáticas da companheira e tratou exclusivamente
dos direitos das mulheres operárias.
A problemática sobre quais problemas eram prioritários – classe ou gênero –
atravessou as décadas. Mesmo depois dos anos 1970, quando se começou a construir um
relativo consenso sobre a urgência da emancipação das mulheres, inclusive em termos
sexuais, as comunistas continuaram debatendo se a luta deveria ocorrer em etapas. No
livro publicado em 1981, que intitulou Ser ou não ser feminista?, Ana Montenegro
continuou priorizando a luta de classes. Ela criticou o movimento feminista no Brasil e
algumas teóricas feministas internacionais que, a partir da década de 1970, passaram a
ser lidas com intensidade pelas brasileiras, como Simone de Beauvoir, Betty Friedan,
Alice Schwarzer, Juliet Mitchell e Helene Lange. Para Ana, as mulheres deveriam investir
mais energia na luta contra o capitalismo porque a “opressão feminina” era resultado dele.
Por isso, não deveria ser pensada isoladamente, “como o fazem algumas correntes e
personalidades feministas, sem explicar a relação entre a discriminação da mulher e a
propriedade privada, entre a exploração e a opressão”.135 Em sua opinião, o feminismo
exagerava nos temas sexuais e na política sexual, fato que imobilizaria politicamente o

132
FIGUEIREDO, Nice. Uma lição aprendida com a experiência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
3, n. 62, p. 4, 30 out., 1949.
133
BITTENCOURT, Rosa da Costa. Nosso Amor, Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4,
n. 80, p. 2, 18 jan., 1951.
134
LIMA, Ana de. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 80, p. 2, 18 jan.,
1951.
135
MONTENEGRO, Ana. Ser ou não ser feminista? Recife: Cadernos Guararapes, v. 3, 1981. p. 42.
268

movimento de mulheres, pois não atingiria as “grandes massas femininas”, muitas


privadas das necessidades mais básicas.136
Zuleika Alambert, ao contrário, no livro Feminismo: o ponto de vista marxista,
publicado em 1986, exaltou as contribuições do feminismo e das teóricas feministas na
luta de mulheres e no pensamento marxista. Sua concepção era de que os argumentos
audaciosos e, por vezes, agressivos de teóricas feministas em todo o mundo, a exemplo
de Simone de Beauvoir e Juliet Michell, foram fundamentais para ampliar as reflexões
acerca das “opressões” de classe e gênero. Dentro do debate marxista, mais
especificamente, os movimentos feministas teriam contribuído para ampliar as análises
sobre o sistema capitalista, incorporando a ideia de que a libertação das mulheres deveria
ser enfrentada com novos conceitos e novas práticas.137
Na década de 1940 os embates sobre a pertinência ou não das discussões sobre os
problemas ligados aos “temas sexuais”, leia-se, aqueles que diziam respeito à liberdade
sexual das mulheres e à denúncia da dupla moral também permearam as discussões do
movimento feminista de orientação comunista. Para algumas tratava-se de uma
preocupação “pequeno burguesa”, para outras era uma questão que interessava a todas as
mulheres. Dentro dessas diferentes leituras, parte delas não deixou de politizar essas
questões, bem como os dilemas do cotidiano sobre o lugar das mulheres e dos homens
nas tarefas domésticas, no casamento e na educação das crianças. Este é o assunto do
próximo capítulo.

136
MONTENEGRO, 1981, p. 30-46.
137
ALAMBERT, Zuleika. Feminismo: o ponto de vista marxista. São Paulo: Nobel, 1986. p. XV-XVIII.
269

CAPÍTULO 7 – DESIGUALDADES DE GÊNERO NA ESFERA


PRIVADA: A POLÍTICA DA INTIMIDADE

7.1. Trabalho doméstico e relações de gênero

Uma das implicações da construção das desigualdades de gênero foi a


naturalização de que as mulheres eram as principais responsáveis pela organização da
esfera privada e do cotidiano familiar. Daí a relação mais direta entre patroa e empregada
no emprego doméstico e a construção de redes de mulheres no processo da maternidade
compartilhada discutida no capítulo anterior.
O problema do trabalho doméstico, incluindo o cuidado com as crianças, foi
debatido pelas feministas da FMB e do PCB. A ideia que prevaleceu no movimento
dialoga com a defesa da coletivização das atividades domésticas que, como aparece no
terceiro capítulo, foi discutida no processo revolucionário russo. Para Jacinta Passos, o
fim da “escravidão doméstica” era responsabilidade do Estado e não de mudanças
individualizadas nas famílias. Talvez querendo dizer que isso trazia o risco de uma
espécie de dominação às avessas, Jacinta Passos escreveu: “Uma esposa sofria a
escravidão doméstica. Decidiu acabar com a escravidão doméstica. Então pegou a
vassoura, o balde etc. e fez do esposo seu escravo doméstico”.1 Para ela, a transformação
dependia da “construção de um sistema econômico-social baseado na propriedade social
dos meios de produção”, que reduziria a “oposição entre maternidade e outras atividades
sociais a um mínimo de contingência biológica”.2
Iracema Ribeiro compartilhava de ponto de vista semelhante. Em um Pleno
Ampliado do PCB realizado em 1955, destacou que era dura a vida das mulheres
trabalhadoras, sobretudo quando mães, devido ao “pequeno número de escolas, jardins
de infância e postos de puericultura”.3 A situação das donas de casa não era menos infeliz.
Para a comunista, elas eram verdadeiras escravas domésticas, “presas aos duros afazeres

1
PASSOS, Jacinta. Oposição no singular. Caderno 2, 1967 apud Jacinta Passos, coração militante: poesia,
prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010. p. 231.
2
Ibid. p. 237.
3
RIBEIRO, Iracema. Sobre o trabalho do Partido Comunista do Brasil entre as mulheres. Imprensa
Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.468, p. 2-4 (3° Caderno), 03 abr., 1955.
270

do lar, envoltas numa rede de preconceito, privadas do acesso à instrução”.4 Viviam uma
“completa inferioridade, reduzidas a um isolamento quase total da vida social e política”.5
Na mesma linha, em artigo jornalístico, Maria Guerra sugeriu que a construção de
novos modelos de relações sociais entre homens e mulheres perpassava o investimento
em “instituições em que pessoas especializadas e responsáveis” ajudassem as mães a
educar os filhos. Destacou que enquanto isso não fosse uma realidade, era preciso a
“colaboração de todos os elementos da família – pais e filhos” nas tarefas domésticas para
que homens e mulheres pudessem “realmente viver uma vida completa”. 6 Nice
Figueiredo estava de acordo. Segundo ela, o trabalho doméstico merecia uma atenção
relativa e não deveria “ser a finalidade exclusiva das mulheres”.7 Era imprescindível a
“construção de creches e estabelecimentos similares que venham resolver,
favoravelmente, o problema da criança e a situação da mulher casada que trabalha”.8 Ao
mesmo tempo, era necessário dividir os afazeres entre todos os membros da família. Para
a advogada: “Tanto o homem como a mulher podem executar as duas espécies de
trabalho, quer doméstico ou não doméstico, pois assim como existem as médicas,
advogadas, professoras e funcionárias, existem também os cozinheiros, [ilegível], criados
de quarto, criados de sala etc...”9
Em sintonia com as interpretações bolcheviques, o movimento feminista de
orientação comunista concordava que era necessário fazer das tarefas do lar coisa pública.
A coletivização implicaria em transformar o trabalho de reprodução em trabalho
remunerado. Maria Guerra e Nice Figueiredo pontuaram que enquanto isso não fosse
possível, era preciso dividir o trabalho entre todos os membros da família, independente
do gênero. Dentro do pensamento comunista havia certo desprezo pelas atividades do lar
quando não remuneradas e restritas ao espaço doméstico. Essas tarefas eram vistas como
improdutivas e limitadoras do pleno desenvolvimento da personalidade humana. Dessa
maneira, as mulheres só conseguiriam se realizar individualmente quando ingressassem
no mercado de trabalho e colhessem os frutos do próprio trabalho.

4
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
5
Ibid.
6
GUERRA, Maria. Educação para a guerra, educação para a paz. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
7, n. 108, p. 10-11, set./out./nov., 1954.
7
FIGUEIREDO, Nice. A mulher casada e o trabalho. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 20, p.
2, 05 dez., 1947.
8
Ibid.
9
Idem. Você não trabalha porque não quer. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 44, p. 5, 09 jul.,
1948.
271

A independência econômica ruiria toda a estrutura que garantia os poderes


familiares aos homens. Usando adjetivos duros, Lênin descreveu o trabalho doméstico
como uma atividade banal, esmagadora e degradante para as mulheres. Argumentou que
a verdadeira emancipação aconteceria não somente pela igualdade no plano jurídico, mas
também com a transformação integral das atividades do lar em trabalho socializado. Na
mesma linha, Alexandra Kollöntai destacou que na sociedade socialista todas as tarefas
domésticas deveriam se tornar públicas. O economista soviético Engenii Preobrazhenskii
também considerou os trabalhos domésticos como “um fardo que antecede qualquer outra
coisa”, por isso deveria ser coletivizado.10
O desprezo pelas tarefas domésticas assentava-se numa tradição, segundo Hannah
Arendt, construída na era moderna, que inverteu tradições que diferenciava o labor do
trabalho. A diferenciação passou a glorificar o “trabalho produtivo”, leia-se, aquele que
produz um produto, como fonte de todos os valores. O estabelecimento da diferença entre
trabalho produtivo e improdutivo promoveu o labor ao trabalho, menosprezando com o
rótulo de improdutivo os trabalhos que supostamente não enriquecem o mundo. O
desprezo decorre da falta de percepção de sua produtividade, pois eles não geram
produtos palpáveis e nem sempre são quantificáveis. Até o tempo dispensado é difícil de
mensurar. Ao contrário da produtividade do trabalho, que acrescenta novos objetos ao
artifício humano, a produtividade do labor só ocasionalmente produz objetos. Sua
preocupação fundamental são os meios da própria reprodução. Mesmo quando sua
reprodução já está assegurada, pode ser utilizada para a reprodução de mais um processo
vital, “mas nunca produz outra coisa senão «vida»”.11
No mundo prático, como observou Eleni Varikas, o tempo na vida doméstica não
é necessariamente vivido como tempo perdido. “Ele mistura atividades quantificáveis
com atividades irredutíveis à quantificação que são igualmente fontes de prazer”.12 Na
década de 1950 Alina Paim usou sua literatura para ponderar o desprezo, evidenciando a
importância – muitas vezes invisível – do trabalho doméstico. A personagem tia Celina
representava a força e a relevância da dona de casa. Nas palavras de Raquel, protagonista
da trama:

10
GOLDMAN, Wendy Z. Mulher, Estado e Revolução: política familiar e vida social soviéticas, 1917-
1936. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 23-24.
11
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 99.
12
VARIKAS, Eleni. “O pessoal é político”: desventuras de uma promessa subversiva. Tempo, Rio de
Janeiro, v. 2, n. 3, p. 59-82, 1996. p. 77.
272

Ela não tinha tempo de sentar-se, às voltas com o trabalho de casa. [...]
Fiquei olhando-a por muito tempo. Cheia de resignação, repetindo com
simplicidade frases feitas, essa mulher humilde que não sabia guardar
nada para si mesma me ensinara muito sobre a vida e sobre os homens
[sic]. Fiquei admirando tia Celina, senti um respeito religioso pelo seu
sacrifício cotidiano e anônimo. Por trás dos seus olhos mansos e doces
se escondia uma força; em seu braço frágil, durante anos tio Olavo se
havia apoiado sem saber [que] se este apoio lhe faltasse, ele teria rolado
como um fardo até o desespero.13

No entanto, o legítimo reconhecimento da importância do trabalho doméstico


significou naturalizar a mística de que caberia somente às mulheres as “sublimes” tarefas
do lar. As mesmas tarefas que podem ser fonte de prazer, quando tomadas como
obrigação de apenas um gênero contribuem para que o espaço do lar se torne um ambiente
de controle masculino que faz do espaço privado “um espaço de tirania, um espaço de
privação de direitos”.14

Privação dos direitos civis e políticos que retirava de uma metade do


gênero humano a independência necessária para participar, não da
gestão de uma comunidade instituída de uma vez por todas sem seu
consentimento, mas da própria definição do conteúdo e das regras da
vida comum.15

No Brasil, embora o movimento feminista de orientação comunista


problematizasse a ideia de que o trabalho doméstico era “trabalho feminino”, dentro do
PCB prevaleceu a naturalização dessas atividades como “coisas de mulher”. Segundo as
lembranças de Maria Prestes, sua função principal nos aparelhos, mesmo antes de casar
com Luiz Carlos Prestes, era limpar e cozinhar, obrigação que geralmente era atribuída
às mulheres, que poderiam ser submetidas a violências psicológicas quando
desagradavam os “companheiros”. Ela própria foi vítima quando discutiu com Arruda
Câmara por ele ter gritado com uma das militantes que preparou uma comida que ele não
gostava, como narrei no terceiro capítulo.
A naturalização das atividades domésticas como atribuição “feminina” fez parte
do pensamento de parte das próprias integrantes do movimento. No jornal Momento
Feminino emergiram vozes de prováveis militantes que acreditavam que a elas caberia as
responsabilidades com a administração e o bom funcionamento do lar. Elas deveriam

13
PAIM, Alina. A sombra do Patriarca. Porto Alegre: Globo, 1950, p. 213.
14
Ibid. p. 61.
15
Ibid.
273

encará-lo como “deveres e não como obrigação”.16 Diná Mendes Pereira, colaboradora
assídua da coluna “Nosso Amor Nossa Vida”, escreveu:

Isto é da vida de todas as mulheres, esposas de operários. Porque eu sou


uma mulher bastante doente e não reclamo contra o meu marido, contra
as aperturas de vida que muitas vezes passamos; mais doente me sinto
quando vejo que meu marido está pagando empregada em certas
ocasiões, pois ele também ganha pouco e não dá para gozarmos de
conforto. E assim mesmo, doente como sou, sinto-me satisfeita de
cuidar de minhas obrigações domésticas.17

Formadas com base na ideologia da domesticidade, elas próprias assumiam e


naturalizavam o trabalho e a administração do lar como obrigação. Por outro lado, como
vimos, havia aquelas que desnaturalizaram esse lugar e cobraram do Estado – e, às vezes,
dos homens – medidas que as libertassem do “fardo” de um trabalho socialmente
desvalorizado executado sem remuneração. Elas consideravam fundamental que as
atividades domésticas fossem transformadas em coisa pública, fato que emanciparia as
donas de casa que trabalhavam sem salário e reconhecimento, bem como eliminaria a
exploração de classe das empregadas domésticas, condicionadas a baixíssimos salários e
a precárias condições de trabalho. No mundo ideal, as mulheres não dependeriam da
exploração de outras para ascender socialmente. Nas palavras de Jacinta Passos, na
sociedade comunista: “Para ser aviadora, aquela jovem não precisa que outras mulheres
a substituam na escravidão doméstica. O progresso de uma já não custa o atraso de
muitas”.18

7.2. Família, educação das crianças e maternidade

As relações familiares, assim como as atribuições da maternidade, também


compuseram o repertório crítico do movimento feminista de orientação comunista, ainda
que o próprio partido endossasse um ideal de família em sintonia com o padrão
conservador. Os quadros do PCB, segundo artigo publicado em O Momento, eram
escolhidos “de preferência entre os trabalhadores mais dedicados às suas famílias. Isso
demonstra que, ao contrário do que pregava a reação, nós, os comunistas, somos os mais

16
ALBUQUERQUE, Graciana. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n.
79, p. 2, 20 dez., 1950.
17
PEREIRA, Dina Mendes. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 79, p.
2, 20 dez., 1950.
18
PASSOS, 1967 apud AMADO, 2010, p. 237.
274

dedicados defensores da família”.19 A defesa foi tática. Ocupando o lugar do outro nas
estruturas do poder político tradicionalmente anticomunista, os pecebistas precisavam
atuar no terreno do possível e aproveitar as oportunidades abertas pelo contexto.
Lembremos que entre 1945-46, o partido crescia de forma vertiginosa, ampliando
consideravelmente o número de filiados. A estratégia era tornar-se um “partido de
massas”. Portanto, era preciso destruir os rótulos anticomunistas enfatizando que os
casais comunistas eram exemplares, seguindo o modelo tradicional de família, mesmo
que na prática isso nem sempre fosse possível.
Por vezes, a vida clandestina e sucessivas prisões impediam uma vida familiar
dentro da normatividade, na medida em que dificultavam a convivência e até a
estabilidade das relações conjugais. Luiz Carlos Prestes e Maria são exemplos. O casal
desafiou o padrão da “família tradicional”. Viveu boa parte da vida conjugal sem
oficializar a relação em função da vida clandestina na década de 1950. Quando se
conheceram, Maria era uma mulher separada e já criava sozinha dois filhos do primeiro
casamento e Prestes possuía uma filha, criada pela avó e tias. Quando ele propôs que se
casassem no exterior, ela preferiu não oficializar a relação. Segundo suas lembranças:
“Além de ser impossível um casamento legal, eu não queria qualquer formalidade. Nesse
sentido disse para o Velho que se não desse certo seria até mais fácil nos separarmos. Sem
essa coisa de documentos, tudo é mais tranquilo”.20 Além disso, houve sujeitos que se
recusaram a casar tanto no religioso quanto no civil como forma de não se enquadrarem
nos valores burgueses.21 Apesar dos vários arranjos familiares que, por diversos motivos,
na prática, o PCB comportou, a imagem que os comunistas queriam deixar era de que os
casais do partido respeitavam todos os valores tradicionais de família, diferente do que
pregava a “reação”.
Reconhecer a tática não anula desconsiderar a formação cultural dos sujeitos.
Certamente, boa parte dos pecebistas que escreveram na imprensa em defesa do
casamento tradicional, da família e da moral sexual acreditava efetivamente nesse
modelo. De acordo com Jorge Ferreira, o PCB, sobretudo a partir do início dos anos 1950,

19
CONFIAR firmemente nas liberdades conquistadas. O Momento, Salvador, ano 1, p. 1, 25 jun., 1945
1945. p. 1.
20
PRESTES, Maria. Meu companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes. Rio de Janeiro: Rocco,
1992. p. 74.
21
LEÃO, Viviane Maria Zeni. Momento Feminino: mulheres e imaginário comunista. Dissertação
(Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, 2003. p. 121-123.
275

tentou submeter seus militantes a uma moral, uma ética e uma rígida conduta pessoal.22
Mesmo assim, as mulheres não deixaram de desafiar as normatizações. Através da poesia,
Jacinta Passos contrariou o ideal de família normatizado. Endossando a tese marxista de
que o surgimento da família estava relacionado ao nascimento da propriedade privada,
acreditava que a destruição do capitalismo eliminaria o modelo familiar burguês. O trecho
a seguir, escrito na década de 1960 em um dos seus cadernos do sanatório, é
representativo:

Por que é que aquele cachorro, mais aquela cachorra, mais aqueles oito
cachorrinhos não formam uma família?
Por que não têm propriedade privada [...]
Janaína é minha filha, não é minha propriedade.23

A ficção também foi o meio escolhido por Alina Paim para problematizar as
relações familiares normatizadas. Em Estrada da Liberdade (1944), em conexão com
suas percepções do mundo real, construiu uma família de classe média, tipicamente
nuclear: a família de dona Edite (madrinha de Marina) e seu Augusto. Nela, o amor não
fazia morada. As relações eram marcadas pelo autoritarismo do marido, subserviência da
esposa e autoritarismo de ambos em relação ao único filho. Parece que a narrativa queria
evidenciar que a estrutura familiar fundamentada em uma cultura machista também
vitimava as crianças, que sofriam violências diversas alicerçadas em um modelo de
educação autoritário reproduzido por homens e mulheres. Décadas depois, a teórica
feminista bell hooks chamou a atenção para o mesmo problema. Ao analisar a violência
no lar, a autora destacou que, em casa, a “violência patriarcal”, frequentemente chamada
de violência doméstica, não é exercida exclusivamente pelos homens, mas se manifesta
através de várias forças coercitivas. Tal violência está pautada na legitimação do controle
do indivíduo mais poderoso. “Essa definição estendida de violência doméstica inclui a
violência de homens contra mulheres, a violência em relacionamentos entre pessoas do
mesmo sexo e a violência de adultos contra crianças”.24
Voltando às discussões de Alina Paim, a família de tio Ramiro de A Sombra do
Patriarca (1950), uma família de latifundiários assentada na zona rural, não destoava do
padrão urbano no que diz respeito ao autoritarismo do marido e à subserviência da esposa.

22
FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do mito: cultura e imaginário dos comunistas no Brasil (1930-1956).
Niterói/Rio de Janeiro: EdUFF/MAUAD, 2002. p. 127.
23
PASSOS, Jacinta. Caderno 18, 1968 apud AMADO, 2010, p. 19-21.
24
HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 4ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos, 2019. p. 95-96.
276

No entanto, neste caso, a autoridade não foi um atributo apenas do homem. Tereza, filha
do patriarca, tal qual o pai, era autoritária e manipuladora, representando junto com ele a
voz do patriarcado, que no romance aparece como um sistema de opressão de classe. Tio
Ramiro, grande proprietário rural, tinha a filha como aliada no controle das instituições –
família, religião e política – para manutenção do seu poder.
Contrariando as normatizações de gênero, a narrativa construiu, em contraposição
à mulher autoritária, um homem submisso. Oliveira, marido de Tereza, era passivo diante
da esposa e se submetia aos desmandos dela e do sogro. Embora insatisfeito, não tinha
coragem para romper o casamento e se livrar do patriarcado. Ao construir um personagem
masculino frágil que precisou da ação de duas jovens comunistas para libertá-lo – Raquel
e Leonor –, provavelmente, a intenção de Alina Paim foi, subliminarmente, se contrapor
a naturalização da masculinidade forte e corajosa e da feminilidade doce e passiva.25 A
estratégia foi repetida em mais dois romances. Em Sol do Meio Dia (1961), Veloso, o
marido de D. Beatriz, era uma voz completamente apagada diante da esposa. Na família
de Dona Isabel de A Correnteza (1979) não era diferente. Era ela quem tinha voz altiva
diante de um marido completamente inexpressivo.26 Estas construções informam sobre a
elaboração e circulação do pensamento feminista na literatura de Alina Paim.
Além de apresentar personagens que se contrapunham ao ideal de gênero
culturalmente construídos, a autora levou para a ficção a vida de famílias que destoavam
do padrão. A narrativa de Sol do meio dia trouxe diversos modelos, desde aqueles
compostos apenas por “mães solteiras” – como à época eram chamadas as mães que
criavam seus filhos sozinhas, hoje chamadas de mães solo – e filha; ou mãe, filha e avó;
até aquelas normatizadas: mãe, pai e filhos. Eram famílias muito comuns na realidade
brasileira, mas que não correspondiam ao modelo idealizado como normal. Reunidas na
pensão de dona Beatriz, em função das dificuldades como alto preço dos aluguéis,
desemprego e carestia de vida, que também atingia as camadas médias das grandes
cidades do Brasil na década de 1950, as várias famílias de Sol do Meio Dia se
amalgamaram em um mesmo teto, tornando-se única, numerosa e atravessada por
diferentes dilemas. Eram obrigadas a compartilhar o lar e o dia a dia, com suas alegrias e
problemas.

25
Cf. ALVES, Iracélli da Cruz. A política em prosa: representações comunofeministas em A sombra do
patriarca. In: BATISTA, Eliana Evangelista; SILVA, Paulo Santos (Orgs.). Dos fios às tramas: tecendo
histórias, memórias, biografia e ficção. Salvador, Quarteto, 2019, p. 171-187. p. 177.
26
PAIM, Alina. Sol do meio dia. Rio de Janeiro: Associação Brasileira do Livro, 1961; PAIM, Alina. A
Correnteza. Rio de Janeiro: Record, 1979.
277

A família de dona Isabel – A Correnteza – também destoava do normatizado.


Apesar de “normal” na forma (mãe, pai e filhos), o conteúdo escondia segredos
inconfessáveis. A matriarca, que vestia a carapuça de “mulher honesta”, leia-se, casada
com aparência de sexualmente recatada, casou com o noivo da irmã e depois do
casamento se prostituía clandestinamente. Apesar da vida pregressa, foi incapaz de
acolher uma das filhas que engravidou antes do casamento, colocando-a para fora de casa.
A intenção da autora talvez tenha sido denunciar a hipocrisia que se escondia atrás dos
discursos e práticas moralistas de muitas famílias aparentemente tradicionais. Jacinta
Passos também ironizou a moral da família normativa, que considerou marcada pela
hipocrisia. No poema “Pânico no Planeta Marte” escreveu: “Vamos ser sutis./ O mal está
na raiz!/ Vamos defender a família. Queres?/ Vamos ter muitas mulheres”.27
Mais do que criticar o modelo de família tradicional, Alina Paim o substituiu por
um ideal de relações familiares considerado adequado. Através da voz de Leonor – A
sombra do Patriarca – defendeu que “família é comunhão”, realidade ausente na família
do patriarca, formada por “um punhado de pessoas ligadas pelo interesse, aos poucos se
devorando”.28 A instituição defendida por Leonor deveria seguir as bases do comunismo
que trazia “uma visão nova de tudo”. O contato com o ideal impunha um novo processo
de educação, “porque nada do que nos haviam ensinado serve para orientar nessa
caminhada”. A tomada de consciência comunista representava “instantes de
renascimento” que despertavam “o desejo de trabalhar, de ajudar a construir com firmeza
a perseverança”.29 E era com base nessa esperança que Leonor acreditava que um dia a
família não seria uma mera instituição baseada em interesses, mas lugar de laços de
solidariedade entre os membros.
As reflexões sobre as disparidades de gênero nas relações familiares não
compuseram apenas o universo da ficção que, pelo próprio estilo narrativo, o fazia de
modo subliminar. Os artigos jornalísticos, como não poderia deixar de ser, foram mais
diretos e assertivos. No texto que publicou em Momento Feminino, Maria Guerra
defendeu o que chamou de “organização inteligente da família”, leia-se, a divisão das
responsabilidades com a administração, limpeza e cuidados domésticos com todos os
membros da casa, independente do gênero. O novo modelo facilitaria a vida das mães e,

27
PASSOS, Jacinta. Pânico no planeta Marte. In: PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo: Gaveta,
1945 apud AMADO, 2010, p. 102.
28
PAIM, 1950, p. 205.
29
Ibid.
278

30
principalmente, construiria novos homens e mulheres. Se todos os membros
colaborassem, a instituição familiar viraria uma pequena coletividade, “forma de
organização superior ao caos que geralmente reina nas famílias em que a mãe é uma quase
escrava dos filhos ou em que estes não têm voz ativa”.31
Como Alina Paim demonstrou na ficção, Maria Guerra concordava que o modelo
familiar tradicional também prejudicava as crianças já que condicionadas a uma educação
autoritária. A partir desse pressuposto, reivindicou que as crianças fossem educadas
dentro de um espírito coletivo. Independente do sexo, elas precisavam de senso de
responsabilidade.32 Era fundamental formar “cidadãos e não homens e mulheres aos quais
apresentamos exigências morais completamente diversas”. 33 Embora o conceito de
gênero ainda não tivesse sido forjado, Maria Guerra compreendeu que “ser homem” e
“ser mulher” não se resumiam meramente aos critérios biológicos. Homens e mulheres,
de acordo com ela, eram educados dentro de ideais de masculinidade e feminilidade
culturalmente construídos.

Nasce um menino ou nasce uma menina. As reações que provocam nos


pais são bastante diferentes. [...] Desde o início se evidenciam dois
objetivos diferentes para a educação desses recém-nascidos de sexos
diferentes e objetivos diferentes acarretam métodos, exigências,
aspirações também diferentes. Nem é preciso dizer que na sociedade
em que vivemos o menino é mais valorizado que a menina. Muitas mães
darão para isto a desculpa: quero ter filhos homens para não haver
infelizes a mais. Isto não é verdade. As mulheres não são criaturas
infelizes. Infelizes são as condições de vida que elas têm encontrado
durante séculos, quando os seus direitos, se existem, existem apenas no
papel. Consideramos, porém, a realidade. Desde o início da vida, certos
pais e, o que é mais grave ainda, certas mães, têm dois pesos e duas
medidas para filhos e filhas. O que para um é natural e louvável, para a
outra é impossível e condenável; o que é qualidade num, é defeito na
outra.34

Mais uma vez, lemos uma análise que se assemelha ao que escreveu Beauvoir em
1949 – “Ninguém nasce mulher: torna-se-mulher”.35 Assim como a filósofa francesa, a
jornalista brasileira evidenciou os aspectos culturais que normatizavam o ser mulher ou
homem, muitos dos quais tomados como naturais. Alina Paim também estava atenta ao

30
GUERRA, 1954, p. 10-11.
31
Ibid.
32
Ibid.
33
Ibid.
34
Ibid.
35
BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo: a experiência vivida. v. 2. 3° ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2016. p. 12.
279

problema de que meninos e meninas eram formados de forma diversa, o que contribuía
para forjar desigualdades entre homens e mulheres. Desde muito cedo, seus destinos
começavam a ser traçados. Para os meninos, a expectativa era a conquista do mundo
público. Eles eram ensinados a aspirar carreira profissional e desenvolvimento intelectual.
As meninas, ao contrário, eram educadas para a vida do lar. Luísa, personagem de Simão
Dias, dava aulas particulares às crianças das camadas médias da pequena cidade e
observou com incômodo a desigualdade.

Da mesinha, Luísa observava os alunos: de um lado meninas, do outro


meninos. Tinha recebido das mães a recomendação de não os deixar
juntos na mesma carteira: as meninas estavam se pondo moças e elas
julgavam que a mistura não era decente. [...] Os meninos escreviam em
silêncio, despreocupados da presença uns dos outros, entregues
unicamente ao que estavam fazendo. Cedo iam vivendo independentes,
firmados nas próprias forças. [...] Clarita e Inesinha começavam a voltar
os olhos para si mesma, ajeitar as blusas exibindo seios novos e
ousados. Viviam cochichando, rindo, acotovelando-se, fazendo
atitudes. [...] Sentada à mesinha, diante dos alunos, Luísa continuou
refletindo sobre a situação. Ali estavam quatro meninos e três meninas;
todos sairiam da cidade pequena para estudar na capital do Estado; elas
voltariam e eles iriam estabelecer-se em outra parte onde houvesse
maiores possibilidades. [...] Voltariam compreendendo melhor os
problemas, exigindo mais e sentindo-se estranhas entre os seus.
Situação intolerável.36

As autoras demarcaram que os lugares sociais de homens e mulheres eram


forjados por uma educação desigual e não pela natureza. Maria Guerra defendeu que só
uma educação pautada na lógica da igualdade reverteria o problema. A autora lamentou
o fato das próprias mulheres, as principais responsáveis pela educação das crianças,
contribuírem para a perpetuação da subjugação do gênero feminino. As mães julgavam
as mesmas atitudes de maneira diferente a depender do sexo da criança. Diante da
indisciplina dos meninos, elas tinham “a tendência de considerá-lo varonil, se ele é
exigente, autoritário, sentem-se felizes porque saberá vencer na vida; se ele se aproxima
do tipo de autocrata caseiro, elas também não protestarão”.37 Mas quando as meninas se
comportavam igualmente eram tratadas de forma diversa. “Desobediência e indisciplina
não constituirão provas de ‘feminilidade’, o autoritarismo e a exigência serão também
contrários ao ideal de ‘doçura’, próprio à mulher. E assim por diante”.38 Já os meninos
que tomavam a iniciativa de ajudar as mães nos trabalhos caseiros eram rotulados de

36
PAIM, 1949, p. 52-54.
37
GUERRA, 1954, p. 10-11.
38
Ibid.
280

“maricas”, não correspondendo, portanto, “ao ideal de ‘masculinidade’. As mulheres


serão as primeiras a apupá-lo. Facilmente verificamos que para a menina tudo será
considerado ao contrário”.39

Por um lado, as próprias mulheres preparam com extraordinário afã e


carinho os futuros maridos, tantas vezes autocráticos e despóticos, de
suas filhas; por outro lado, lamentam a sorte destas, considerando-as
predestinadas à infelicidade, como se tal predestinação fosse possível.
[...] O desejo persistente de confinar a mulher ao lar, de desligá-la da
vida social, de colocar em oposição a sua condição de mãe e a sua
condição de cidadã, faz também parte do plano educacional geral da
sociedade em que vivemos.40

A análise de Maria Guerra chama a atenção para a necessidade de aliviar o peso


da maternidade. Uma sociedade que atribuía às mulheres todo o trabalho relacionado ao
cuidado com as crianças contribuía para que o tornar-se mãe fosse interpretado por Nice
Figueiredo como uma “tragédia biológica”.41 No entanto, apesar delas assumirem a maior
carga de cuidado com os menores no cotidiano, o Código Civil, contraditoriamente, dava
apenas ao pai o poder legal de decidir sobre o destino dos filhos e filhas. As mães eram
reduzidas a cuidadoras já que, quando casadas, a autoridade era exclusividade do pai,
único responsável por responder juridicamente pelos dependentes.
Além disso, as experiências de muitas mulheres eram incompatíveis com a
dedicação exclusiva à maternidade e à vida familiar, padrão implicitamente estabelecido
no Código. Nas camadas populares não era incomum que mães criassem seus filhos sem
a presença paterna, realidade que ganhou contornos na ficção de Alina Paim. Em Sol do
Meio Dia, D. Júlia enfrentou a barra de ser “mãe solteira”. Grávida, “saíra da fazenda de
seu Vicente [seu patrão e pai da criança] enxotada como cão”. 42 Por viver na pele a
discriminação, era completamente solidária com as mulheres rotuladas de “desonestas”,
especialmente com aquelas que, como ela, criavam seus filhos sozinhas.
Além da ficção, a denúncia, muito provavelmente em função da pressão feminista,
tornou-se pauta no parlamento federal e ganhou as páginas de Momento Feminino. O
Deputado Gregório Bezerra apresentou o PL 1.155 de 1947 cujo objetivo era proteger
“principalmente as crianças e mães brasileiras”. 43 Seus dez artigos regulamentavam a

39
GUERRA, 1954, p. 10-11.
40
Ibid.
41
CONSENTIMENTO para casar. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 10, p. 8, 26 set., 1947.
42
PAIM, 1961, p. 197.
43
LÉA. Creches para as crianças. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 27, p. 4, 23 jan., 1948.
281

urgente ampliação de creches para acolher as filhas e filhos de trabalhadoras. Abaixo,


selecionei aqueles que julguei mais importantes:

Art. 1º – Serão instaladas, em todo o território Nacional, sob a direção


do Departamento Nacional da Criança do Ministério da Educação e
Saúde, creches e berçários destinados a prestar assistência aos filhos das
mulheres que exerçam atividades remuneradas fora do lar, nas
condições previstas nesta lei. [...]
Art. 3º – Nos estabelecimentos industriais e comerciais em que
trabalhem mais de 100 mulheres, deverá o DNC manter uma creche em
colaboração com a empresa proprietária, desde que, no inquérito
efetuado nos termos do art. 4º se prove a existência de, pelo menos, 10
gestantes. [...]
Art. 5º – farão jus aos benefícios desta lei, em condições de igualdade:
a) as mulheres contribuintes de quaisquer instituições e
Previdência;
b) as empregadas domésticas que recorrerem nos respectivos
distritos de moradia ou emprego;
Art. 6º – Todos os serviços prestados nas creches e berçários, instalados
nas condições desta lei, serão inteiramente gratuitos.
Art. 7º – Para as inscrições às vagas existentes, em cada creche será
apenas exigida prova ou declaração de maternidade.
Parágrafo único – No caso da declaração, somente terá validade quando
feita pelo próprio. [...]44

Caso fosse aprovada e cumprida, certamente a lei contribuiria para aliviar os


encargos de muitas mulheres da classe trabalhadora que viviam a maternidade de maneira
bem diferente dos ideais culturalmente compartilhados. Primeiro que elas precisavam
trabalhar fora de casa grande parte do tempo, ficando impedidas de, como rezava os
manuais, acompanhar de perto o desenvolvimento de suas filhas e/ou filhos. Para
trabalharem não contavam com um suporte do Estado, já que não existiam creches e
escolas maternais suficientes – em termos quantitativos e qualitativos – para que
pudessem deixar suas crianças.
Ao apresentar o projeto, o deputado fez a defesa sem esquecer de evidenciar as
dificuldades ainda maiores enfrentadas pelas “mães solteiras” e empregadas domésticas,
“cujos patrões não as aceitam com meninos pequenos”. Nos dois casos – as primeiras por
não contarem com um marido e as segundas pela precariedade do trabalho – ficavam
reduzidas à miséria. “Fato desta natureza constituiu objeto de uma nota publicada no
‘Jornal do Brasil’, mais ou menos nos seguintes termos: ‘Oferecem-se duas crianças, de
6 a 9 anos, a quem interessar possa’”.45 O deputado aproveitou a nota para falar de aborto
e infanticídio, que para ele estavam umbilicalmente ligado à pobreza. Segundo editorial

44
LÉA, 1948, p. 4.
45
Ibid.
282

de Momento Feminino, com coragem, Gregório Bezerra defendeu as “mães solteiras,


desprovidas, desamparadas, mães perseguidas por esta falsa moral, mães que muitas
vezes são renegadas por seus próprios pais”.46

Muitas vezes as mães pobres – disse o deputado Gregório Bezerra – por


falta de dinheiro, não podendo recorrer ao médico para encobrir a sua
desonra, provocam o aborto criminoso que, na maioria dos casos, as
leva a sepultura. Outras, envergonhadas, recorrem ao infanticídio, sem
recursos, desprezadas pelos pais, pela sociedade e pelo Estado.47

Além das mães pobres, o aborto também fazia parte do universo das mulheres de
classe média. Algumas circunstâncias contribuíam para que optassem pela interrupção da
gravidez. Na prosa de Alina Paim, o motivo que levou uma de suas personagens ao aborto
foi a ausência de independência econômica que a deixava completamente subordinada ao
marido, era o caso de d. Edite. Ela e seu Augusto já tinham um filho. Por acidente, ela
engravidou, contrariando o desejo do marido, preocupado apenas com as despesas que
um novo filho traria. Inicialmente, D. Edite se recusou a interromper a gravidez, mas
depois cedeu à pressão de Seu Augusto e se submeteu a um aborto clandestino feito de
maneira precária em sua própria casa.48 Como nos conta a narradora:

Um movimento desusado enchia a noite. [...] Uma voz rouca,


entrecortada de choro – a voz da madrinha. [...] Os gemidos eram cada
vez mais dolorosos. Seu Augusto andava da sala de visitas até a arcada
do quarto de Alcova.
– Edite teve um aborto. [...]
Marina sentiu uma vontade enorme de chorar. O coração apertava, toda
vez que ouvia os gemidos vindos do quarto de alcova. [...] Por que a
madrinha Edite fizera isso? Uma coisa perigosa, podia morrer.49

Se a mulher foi exposta ao risco de morrer no processo de interrupção da gravidez,


ficando dias deprimida, debilitada fisicamente e cheia de remorsos, o cotidiano do homem
quase não foi alterado. Augusto ficou alguns dias constrangido e silencioso, mas logo
depois retomou a rotina. “Tivera até a coragem de sair uma noite para o cinema. Marina
sentira revolta com aquela maneira de agir. A mulher doente, depois de estar perto da
morte, não merecia um sacrifício?”50 Marina queria compreender os motivos da madrinha
colocar sua vida em risco para interromper a gravidez. Despida de julgamento moral –
nos diálogos mostra-se preocupada apenas com os riscos à saúde – e julgando o homem

46
LÉA, 1948, p. 4.
47
Ibid.
48
PAIM, 1944, p. 57.
49
Ibid., p. 129-132.
50
Ibid., p. 134.
283

algoz, conversou com a vítima. Depois do diálogo, entendeu que o aborto significava
mais um meio de opressão das mulheres, que colocavam sua vida em risco para atender
as vontades dos seus “senhores”. Além disso, era um negócio lucrativo. A enfermeira que
fez o procedimento vivia daquilo e não cobrava barato. “Para se ver livre do menino,
Augusto deu, sem pena”.51
Não houve nem no projeto de lei nem em Alina Paim a defesa da regulamentação
do aborto, pauta completamente ausente no movimento investigado. Nos dois casos a
prática foi condicionada a fatores econômicos e morais. O deputado demonstrou repúdio
pela prática, descrita como criminosa. Para Gregório Bezerra o crime era motivado
basicamente por duas razões, não necessariamente separadas: dificuldade financeira e
salvaguarda de uma “falsa moral”. Quando feito por mulheres pobres e solteiras, as razões
se cruzavam já que elas eram duplamente ameaçadas, tanto pela falta de condição
material, quanto pelo moralismo que condenava as “mães solteiras”. Para o deputado,
opinião chancelada pelas editoras de Momento Feminino, com a eliminação da pobreza
as mulheres não teriam motivos para abortar. Alina Paim preocupou-se em denunciar os
riscos à saúde das mulheres sem criminalizá-las. Para a escritora, quando se livrassem da
dependência econômica não precisariam colocar a vida em risco para atender à
determinação do marido.
Hoje o debate sobre o aborto está em outro patamar. Vai além das questões
meramente materiais. Está pautado na defesa da descriminalização e regulamentação.
Grosso modo, defende-se que todas as mulheres têm direito ao aborto legal e seguro, sem
esquecer que em países em que o aborto é crime, são as mulheres pobres – no caso do
Brasil pobres e negras – que mais morrem em abortos clandestinos. E quando levam a
gravidez adiante não deixam de estar expostas aos riscos, seja durante a gestação, seja na
hora do parto, já que na maioria das vezes não contam com assistência adequada à saúde
materna e infantil, problemas de longa data.
Na década de 1950 o jornal Momento Feminino denunciou que as operárias
grávidas eram maltratadas. Mesmo nos últimos meses, executavam os mesmos
trabalhos. 52 Além disso, como falei, não era incomum perderem o emprego quando
engravidavam. No puerpério, a licença maternidade praticamente não existia – muitas
empresas davam apenas quinze dias de afastamento – e elas não tinham horário para a

51
PAIM, 1944, p. 56.
52
A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n.96, p. 5, out./nov.,
1952.
284

amamentação, tampouco locais reservados para tal. No parto, sofriam com a carência de
maternidades e de cuidados médicos. Quando eram da zona rural a situação poderia ser
ainda mais degradante. Como era comum à época, especialmente no interior, as mulheres
pariam em casa. Quando pobres, muitas vezes em condições precárias de higiene e sem
acesso a amparo hospitalar. Este foi o caso de Lucrécia, mulher negra que trabalhava em
um latifúndio. Em função de complicações no parto, morreu “estirada na esteira, jogada
como um fardo”53, “na imundice, como um bicho, miserável como sempre vivera, isolada
dos seus”.54
A tragédia trata-se de uma narrativa ficcional representativa da realidade de
muitas mulheres pobres que sofriam com a carência de serviços de saúde e assistência à
maternidade – da gestação, passando pelo parto, até a criação das filhas e filhos. Na
década de 1950, segundo denúncia de Iracema Ribeiro, o número de maternidades no país
era baixíssimo. De acordo com dados apresentados por ela, o Brasil contava apenas com
103 maternidades “com um total de 4.464 leitos”. Além do baixo número de locais
seguros para o parto, a comunista denunciou ainda que as mães trabalhadoras depois não
contavam com assistência nem educação escolar para seus filhos e filhas. Mais uma vez
recorrendo aos números, destacou:

Para uma população infantil de 13.325.000 crianças em idade escolar,


em 1950 existiam 83.870 escolas primárias com matrículas para
5.176.000 crianças. Assim, cerca de 60% das crianças em idade escolar
estão privadas do direito de iniciar-se, pelo menos, nas primeiras letras.
Somente 472.000 crianças terminam anualmente o curso primário, o
que se explica pela pobreza, as doenças, a subalimentação e a
necessidade de abandonar a escola para trabalhar.55

Diante de tantas maneiras distintas – muitas das quais trágicas – de ser mãe no
Brasil, Nice Figueiredo estava correta quando dizia que o Código Civil não legislava para
todas, deixando à margem muitas mulheres em que as formas de estar no mundo
destoavam por completo dos ideais de mulher, maternidade e família definidos pela lei
civil. Atenta às ambiguidades entre a lei e a vida prática, a advogada defendeu que era
injusto o estabelecimento legal da autoridade paterna. Muitas crianças nem tinham pais e
tantas outras eram sustentadas pelos salários de ambos. O menor, enfatizou ela, era filho
tanto de um homem quanto de uma mulher que “sofreu a tragédia biológica da
maternidade, que o criou e que tem uma série de obrigações a cumprir com esse filho até

53
PAIM, 1950, p. 220.
54
Ibid., p. 222.
55
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
285

a morte”.56 Ao rotular a maternidade como uma “tragédia biológica”, certamente assustou


as leitoras, motivando as reclamações que pesaram sobre ela durante o período em que
foi colunista de Momento Feminino, como demonstrei no primeiro capítulo.
Apesar das críticas aos vários tipos de violência aos quais as mães – sobretudo as
pobres – eram expostas, predominava a exaltação da maternidade como uma dádiva. No
próprio jornal Momento Feminino, onde Nice era colunista, elaborava-se discursos que
romantizavam a maternidade, endossando a máxima tão repetida em nossa cultura de que
ser mãe seria “padecer no paraíso”. Os filhos deveriam sempre ocupar o primeiro plano
em suas vidas. A seção “Nosso Amor Nossa Vida” foi palco para circulação dessa ideia.
Os conselhos publicados costumavam naturalizar o lugar da mãe como principal
responsável pelo cuidado com as crianças. Seria dela a obrigação de constantemente
fiscalizar o que os menores liam, comiam ou vestiam.
No que diz respeito aos meios de entretenimento considerados saudáveis para a
educação, partindo do anti-imperialismo, as mulheres de Momento Feminino orientavam
que as mães deveriam selecionar a literatura adequada para seus filhos. “Evitemos
envenenar a alma dos nossos filhos com histórias de bandidos, hoje tão em moda na
literatura infantil”. 57 Era preciso uma atenção especial às histórias em quadrinhos,
“histórias norte-americanas infestadas de bandidos, cientistas loucos, super-homens,
mulheres provocantes, ou com um humorismo completamente sem graça”; 58 como
também bloquear o uso de brinquedos que estimulassem a violência e o espírito de guerra:

Revólver à cinta, dividem-se em grupos que se procuram destruir. É


tudo brincadeira. Mas é o brinquedo que prepara para o amanhã. [...]
Plantemos nos coraçõezinhos dos nossos filhos a semente da paz, do
amor ao próximo para que eles construam um mundo melhor.59

Quando mães de meninas adolescentes, a orientação era de que vigiassem os


“namoricos” das filhas, numa evidente preocupação em regular a vida sexual das jovens
para que não se tornassem “mulheres faladas”: “A vida de hoje, tão agitada e perigosa,
infunde receios e cuidados a terno. Faça com que ela adquira confiança em você dizendo-
lhe a verdade”.60 No que diz respeito ao comportamento sexual dos meninos, silêncio.
Este tipo de discurso estava em sintonia com muito do que era divulgado nas “revistas

56
CONSENTIMENTO para casar. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 10, p. 8, 26 set., 1947.
57
NOSSOS Filhos. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 33, p. 5, 12 mar., 1948.
58
MADALENA. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 8, n. 108, p. 2, 1954.
59
NOSSOS Filhos, op. cit.
60
MADALENA, op. cit.
286

femininas” do período. Lembremos que, como demonstrou Carla Pinsk, no contexto do


pós-Segunda Guerra, as camadas abastadas da sociedade passaram por um processo de
diminuição das distâncias entre homens e mulheres: “novas formas de lazer, novos pontos
de encontro surgem nas cidades. Modificam-se regras e práticas sociais que vão do
convívio nas ruas ao relacionamento familiar”.61
Por outro lado, os aspectos tradicionais das relações entre os gêneros
prevaleceram, “como as distinções de papeis com base no sexo, a valorização da castidade
para a mulher e a moral sexual diferenciada para homens e mulheres”.62 A preocupação
com a “castidade feminina” permeou o discurso de parte das mulheres que contribuíram
com Momento Feminino. A ressalva de que no tempo da escrita a vida estaria agitada e
perigosa, certamente fazia referência às novas formas de sociabilidades urbanas das
mulheres de classe média que tornavam necessários os “receios e cuidados a terno” para
que as meninas não tivessem sua “castidade” violada.

7.3. Moral sexual heteronormativa

Se por um lado o jornal Momento Feminino imprimiu textos preocupados em


regular a sexualidade das mulheres, característica não muito diferente dos jornais
“femininos” da época; por outro, também trouxe perspectivas questionadoras da norma.
Ao discorrer sobre a possibilidade de anulação do casamento caso o marido descobrisse
que a esposa não era mais virgem, prevista no Código Civil até 2002, a advogada Nice
Figueiredo – em 1947 – prontamente defendeu que a virgindade não deveria ser um
critério para medir a dignidade de uma mulher. A ratificação legal de que as mulheres
deveriam permanecer virgens até o casamento representava, em sua opinião, uma
violação da liberdade individual.

A virgindade é um predicado físico, cuja preservação é assunto que diz


respeito tão somente a quem a possui. Dignidade é um predicado moral
que independe da existência da membrana virginal. Pode existir com
esta e, também, independente desta. A prática do ato sexual não desonra
pessoa alguma. [...] A atitude corajosa de uma mulher que sem
interesses e objetivos determinados se dá ao homem que ama, não é e
nunca foi, apesar da barreira de preconceitos erguida pelos homens,
uma atitude indigna reveladora de falta de pudor ou recato.63

61
PINSKY, Carla Bassanezi. Mulheres dos anos dourados. São Paulo: Contexto, 2014. p. 18.
62
Ibid., p. 18.
63
FIGUEIREDO, Nice. A anulação do casamento. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 13, p. 6,
17 out., 1947.
287

Logo, considerar a virgindade como elemento para a anulação de um casamento


“além de uma arma perigosa contra a mulher é, sobretudo, uma humilhação que se lhe
impõe em nome de um preconceito que espelha a velha concepção de atribuir absoluta
liberdade ao homem e completa escravização da mulher”.64 O sentido da dignidade das
mulheres, continuou, era amplo, “tem um valor menos anatômico e que se traduz na
honestidade de seus sentimentos, na pureza de suas intenções, na coragem de suas atitudes
e, sobretudo, na coragem de assumir a responsabilidade de seus atos”. Eram estas e outras
“qualidades morais que qualificam nosso caráter de digno e honesto e não a ausência de
uma membrana que a incompreensão dos homens tanto valoriza”.65
Os discursos conservadores eram contundentes ao defender que as mulheres
tinham que se manter virgens até o casamento. Aquelas que desafiavam essa lógica
corriam o risco do estigma de “mulher fácil”. Algumas sofriam destinos trágicos como a
internação em manicômios para não comprometer a “honra” das famílias.66 Elas sofriam
discriminações tanto no âmbito familiar, quanto no mundo público; ao contrário dos
homens, que eram motivados a iniciar a vida sexual ainda muito jovens como prova da
masculinidade, fato que não deixava de gerar sofrimento àqueles que não conseguiam
desempenhar o papel masculino idealizado.67
A comunista Jacinta Passos também se opôs ao ideal de virgindade das mulheres
até o casamento – na prática e textualmente. Como aparece no quarto capítulo, quando
casou com James já não era “virgem”. A experiência foi narrada no poema Limitação,
escrito em 1941:

Nos teus gestos vibra nesta hora, hora única de amor,/ a minha mesma
grande ânsia impossível./ Nas tuas carícias sôfregas,/ no apelo
magnético do teu olhar debruçado sobre o meu,/ nos teus ouvidos que
parecem esperar uma palavra inefável,/ na tua boca ansiosa querendo
sorver o sopro substancial de minha vida,/ nas tuas narinas ofegantes,/
nas tuas mãos tateando o meu corpo/ como se quisessem guardar nas
pontas dos dedos a memória de minhas formas/ nos teus gestos vibra
nesta hora, hora única de amor,/ a minha mesma grande ânsia
impossível./ Ânsia de posse total./ Atingir, através de teu corpo, tua

64
FIGUEIREDO, Nice. A anulação do casamento. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 13, p. 6,
17 out., 1947.
65
Ibid.
66
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil. Rio de
Janeiro: Intrínseca, 2013.
67
ALVES, Iracélli da Cruz. Os movimentos feminista e comunista no Brasil: história e historiografia.
Tempos Históricos, Marechal Cândido Rondon, v. 21, n. 2, p. 107-140, jun./dez., 2017. p. 123.
288

essência imutável e única./ Revelar-te a ti mesmo./ Tocar, possuir como


uma realidade tangível,/ minha/ o mistério profundo do teu ser.68

A relação que virou tema de poesia foi confirmada pelo homem com quem Jacinta
compartilhou a experiência sexual, que em entrevista a Janaína Amado pediu
anonimato. 69 Ciente dos rótulos aos quais estava exposta por ter violado os padrões
culturais ao transar antes do casamento – juridicamente legitimados pelo Código Civil –
Jacinta escreveu o poema Canção Simples, uma evidente crítica ao duplo padrão moral
arbitrariamente construído e normatizado.

A flor caída no rio/ que leva para onde quer,/ sabia disso e caiu,/ seu
destino é ser mulher./ Leva tudo e segue em frente,/ amor de homem é
tufão,/ o de mulher é semente/ que o vento enterrou no chão./ Mulher
que tudo já deu,/ homem que tudo tomou,/ é mulher que se perdeu,/ é
homem que conquistou./ Mulher virgem, condição/ para homem dar –
nobre gesto –/ resto duma divisão/ se a divisão deixou o resto./ No
sangue, a honra é lavada/ de homem que mulher engana,/ mulher que
vive enganada/ coitado! Fraqueza humana./ A flor caída no rio/ que a
leva para onde quer,/ sabia disso e caiu,/ seu destino é ser mulher!70

Além da crítica ao ideal de virgindade, o movimento problematizou o tabu sexual


que permeava a formação das mulheres. A personagem Marina, criação de Alina Paim,
achou um despropósito a ausência de educação sexual nas escolas. As meninas
atravessavam a infância e adolescência completamente ignorantes sobre o assunto.
Contrária a essa lógica, defendeu, após ter mergulhado na leitora do livro A questão
sexual, de Augusto Forel, que a prática sexual era uma necessidade humana (para homens
e mulheres) como qualquer outra.71 Ela questionava por que as freiras que lecionavam no

68
PASSOS, Jacinta. Limitação. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos Poemas.
Salvador: Bahiana, 1942 apud AMADO, 2010, p. 63.
69
AMADO, op. cit., p. 365 (nota n. 55).
70
PASSOS, Jacinta. Canção Simples. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos Poemas.
Salvador: Bahiana, 1942 apud AMADO, 2010, p. 66. O poema foi publicado pela primeira vez em 1941.
71
Augusto Forel foi um médico português. O livro foi publicano no início do século XX e várias vezes
editado no Brasil. É uma obra volumosa e densa com o objetivo de oferecer uma explicação biológica e
social sobre a sexualidade de homens e mulheres. São 549 páginas divididas em 19 capítulos, a saber: 1. A
Reprodução dos seres vivos, 2. A evolução da descendência dos seres vivos, 3. Condições naturais e
mecanismo da copula humana – gravidez – características sexuais correlativas, 4. O desejo sexual, 5. O
amor e as outras irradiações do desejo sexual na alma humana, 6. Etnologia e história da vida sexual do
homem e do casamento, 7. A evolução sexual, 8. Patologia sexual, 9. O papel da sugestão e da psicanálise
na vida sexual, a embriaguez amorosa, 10. A questão sexual em relações com o dinheiro e a propriedade.
Prostituição, cafetismo e concubinagem venal. 11. Influência do meio sobre a vida sexual, 12. Religião e
vida social. 13. O direito à vida sexual, 14. A medicina e a vida sexual, 15. Moral sexual, 16. A questão
sexual na política e na economia política, eugenismo, 17. A questão sexual na pedagogia. 18. A vida sexual
na arte e 19. Olhar retrospectivo e perspectivas futuras. É interessante observar que, seguindo o
entendimento que prevalecia no contexto, o autor defendeu que o “homossexualismo” era uma patologia e
a masturbação de ambos os sexos provocava doenças psicológicas. Como demonstrarei mais adiante, Alina
289

convento não falavam de sexo com franqueza e naturalidade. Menos do que vigilância,
as meninas precisavam de informação, ao passo que as freiras ofereciam ignorância ao
falar somente sobre castidade. A Madre Superiora costumava dizer:

“Sexo. Pecado da carne. Imoralidade” [...] Reviu a Madre Superiora na


conferência dos sábados repetindo: “O sexto mandamento: Guardar
castidade. Longe do pensamento toda a impureza. O inferno está cheio
de impuros, o pecado da luxúria”. Pensava naquele tempo que a luxúria
estava ligada ao luxo, à riqueza. Luxúria. Depois, com a continuação
fora entendendo que deveria ser alguma coisa horrível, vergonhosa.
Noutra ocasião, a superiora dissera: “Minhas filhas comecemos, de
cedo, a reprimir a carne nas pequenas coisas. Por exemplo: ser casta no
próprio banho, não demorar a vista em certas partes do corpo”. Sexo.
Naquele livro devia haver muito do que ela não sabia.72

Em Sol do Meio Dia, Alina Paim construiu personagens femininas positivas que
desafiavam as normas sexuais. A autora cuidou de evidenciá-las como mulheres
batalhadoras, sem deixar de destacar que, mesmo assim, eram discriminadas socialmente
por destoarem do comportamento considerado adequado para o gênero. Era o caso de
Iracema e Silvia, a primeira desquitada e mãe de uma filha que criava sozinha. Sob a outra
recaía a confirmação da suspeita de que mantinha casos extraconjugais. O ato foi
considerado imoral pela dona da pensão que a expulsou. Por outro lado, na mesma pensão,
Alexandre, marido de Albertina, também saía sozinho durante à noite, enquanto a esposa
ficava triste por saber que ele mantinha relações fora do casamento. Mas sendo homem,
não era condenado por isso. Essa dupla moral apareceu como um problema na narrativa.

Para que essa humilhação inútil infligida à mulher, de súbito evitada


como se transmitisse sarna, perseguida com olhares furtivos que lhe
seguiam os passos no corredor? [...] A hóspede havia errado, mas a dona
da pensão não era juiz. Não lhe cabia a iniciativa de desfechar castigos,
dominada pela febre de moralidade, pressa em afastar Silvia como se a
situação suspeita não viesse se arrastando durante meses, com
telefonemas misteriosos, saídas precipitadas e cartas a mão própria.73

Antes, através da personagem Luísa – Simão Dias – Alina já nadava contra a


corrente do recato sexual “feminino”. Apesar da educação religiosa que recebeu durante
toda a vida, Luísa subverteu quase todas as regras “da Santa Madre Igreja: a noção de
recato na vida conjugal, e também do dever de ceder sempre à vontade do marido sem
jamais se esquecer do pudor. Ato sexual moderado, dentro da vigilância do Senhor, sob

Paim abordou a questão da homossexualidade de maneira ambígua, provavelmente influenciada pela leitura
do livro. FOREL, Augusto. A Questão Sexual. 10 ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1941.
72
PAIM, 1944, p. 12.
73
Idem., 1961, p. 201.
290

a benção e o olhar da Igreja”.74 Ela não preservou castidade até o matrimônio, não teve
filhos, tinha desejos sexuais e não venerava o marido, embora tenha se violentado para
satisfazê-lo sexualmente, de acordo com o previsto nos ensinamentos religiosos –
“Crescei e multiplicai-vos. Multiplicai-vos. Multiplicai-vos”. 75 Infeliz por sentir suas
potencialidades limitadas, Luísa não conseguia sentir prazer quando transava com o
marido, mas se sentia obrigada a satisfazê-lo.

Como se sentira suja, poluída e imunda depois daquela cena! Era


ridículo. Terêncio estava sozinho, grotesco, se debatendo sobre um
pedaço de madeira, sobre um ser morto. Naquele momento Luísa
julgara-se amarrada, insensível, morta. Um pedaço de pau. Percebia o
que se passava como coisa distante, sentia-se do lado de fora, olhando
e vendo. Vendo. Nunca o ato sexual lhe pareceu tão ridículo e brutal.
Cafungar de porcos. [...] Coisa absurda. Então a voz de Terêncio
chegou-lhe num esforço para sacudi-la. – “Estou dentro de você,
querida Luísa”. Ódio que não suspeitava em si explodiu e ela deixou
por instantes de estar morta para odiar, sacudida pelo forte desejo de
matar. [...] Imbecil. [...] Repugnância, nojo como não havia
experimentado ainda diante de outra coisa, invadiu-a. Ficou esperando
que a situação terminasse, a água tiraria todos os vestígios. Mas não se
enganava, mesmo naquele instante Luísa sabia que não conseguiria tirar
a sujeira que se entranhara dentro de si. [...] Chegara a pensar em
prostituta, mulher que se entrega sem prazer, cavalgada por brutos.
Tivera asco e pena de si mesma, bicho passivo, imolado como carneiro
no matadouro, sem gemido, olhos arregalados cheios de censura
incompreendida.76

A insatisfação com o marido e a violência que representava se submeter ao sexo


com alguém que ela desprezava, não apagava a necessidade de, efetivamente, sentir
prazer sexual. Luísa desejava outros homens. Seu corpo precisava de prazer. A violência
que sofria no ato sexual dentro do matrimônio limitava a necessária satisfação sexual. A
deficiência era amenizada quando fantasiava transando com outros homens. Nesses
momentos, conseguia atingir o orgasmo, como fica evidente na narrativa: “Imaginando,
o corpo inchava e aquecia-se, os olhos doíam e fechavam-se, o lábio inferior pendia
úmido e pesado, os seios entesavam-se enrugando-se, os músculos das coxas vibravam
nervosos, primeiro tensos depois bambos num relaxamento súbito”.77
Para além da imaginação, Luísa foi buscar satisfação sexual e afetiva em uma
relação extraconjugal com um antigo amante. Alberto era casado e a relação foi

74
PAIM, Alina. Simão Dias. Rio de Janeiro: Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1949, p. 117-
118.
75
Ibid.
76
PAIM, 1949, p. 38-39.
77
Ibid., p. 161-162.
291

atravessada por conflitos, mas sexualmente prazerosa. No entanto, o prazer por si só não
era suficiente. O parceiro ideal seria aquele que lhe proporcionasse satisfação sexual e
leveza na alma. E ela sonhou literalmente com isso. No sonho, estava só e infeliz quando
encontrou um homem que, embora não conseguisse enxergar o rosto, despertou-lhe o
desejo e lhe satisfez sexualmente.

O homem fez-lhe carícias e ela entregou-se toda, confiante. Quis sentir


prazer, prazer forte. Sentiu. Veio sono, antes de dormir, num instante
de lucidez aguda, perguntou-lhe: – “sou pedaço de pau, estou viva?” E
o homem respondeu sem hesitar: – “Está viva Luísa, você é fêmea”.
Quis ver-lhe o rosto, agarrá-lo. Estava cega, o homem escapou. Mas o
fato não a afligiu, tinha paz e tinha sono. [...] Quem era o Homem?
Quem era esse homem que lhe acariciava as nádegas? Quem era o
homem? Perguntas acudiam sem intervalos, insistentes como ordens.
[...] O homem estava dentro de sua vida, no passado? [...] Terêncio?
Não, o marido era um tolo. Alberto? O chão do escritório, o silêncio, a
noite caindo. Não. Afastando-se do prédio deserto depois desses
encontros, seus passos levavam desassossego, sensação de logro,
insatisfação. A voz de Alberto não desatava laços, apartava nós.78

Luísa deixa entrever que os pilares básicos para a relação sexual e afetiva entre
um homem e uma mulher era o prazer sem angústias, sem peso na alma, sem culpa, sem
ciúmes. Partindo desse ideal e incomodada com as normatizações sociais que criavam
desigualdades entre os sexos, ela se solidarizava com todas as mulheres cujas vidas
destoavam do que era considerado moralmente certo, a exemplo da viúva “mal falada” e
da vizinha que engravidou antes do casamento. Entendia que as pessoas deveriam ser
“livres de fazer o que entendem, de agir como julgarem certo”.79
Ester – Sol do Meio Dia – também levantou a bandeira contra o que chamou de
falso pudor. Mesmo apaixonada por Osvaldo, seu namorado, sentiu “enleio e
perturbação” com o beijo que Sérgio lhe deu de repente. “Como podia amar Osvaldo e
estremecer com o contato de outro homem?”.80

Esforçava-se para experimentar uma ponta de culpa, agarrava-se numa


aresta qualquer para se penitenciar. Tudo continuava claro, de luz mais
intensa, um meio-dia fora do horário, todas as sombras recolhidas como
se fossem raízes. “É pelas raízes que sobe a vida’ – pensou de repente,
com o espanto do monge que penetrou um mistério sagrado e teme ter
descoberto um segredo que devia ficar longe de seu conhecimento. O
desejo de analisar estancou-se. Permaneceu apenas a certeza de estar
viva, viva como jamais tivera a capacidade de ser. [...] Seu amor era

78
PAIM, 1949, p. 111-113.
79
Ibid. p. 57-59.
80
Idem., 1961, p. 129.
292

Osvaldo, inteira pertencia a Osvaldo, mas o dono de um jardim não é o


único que sente o perfume das flores.81

Em Estrada da Liberdade, Alina Paim movimentou a narrativa com um tema


ainda mais nebuloso na época: a relação sexual entre duas mulheres. Como escrevi no
quinto capítulo, no convento era comum as “amigas particulares” se encontrarem no meio
da madrugada para trocar carícias. A relação extrapolava os muros do convento. Na escola
pública em que a professora Marina atuava, ela tinha duas colegas que namoravam.

Hildiva e Odila de mãos dadas diziam segredos, eram encontradas nas


rampas aos abraços... Diziam muita coisa das duas. Quando as olhava
Marina lembrava-se das duas alunas do convento, atrás da cortina do
dormitório. “As amizades particulares constituem uma verdadeira praga
do Egito”.82

A narrativa é ambígua. Não há um julgamento direto sobre a relação. As aspas


foram utilizadas para demarcar que se tratava de uma frase proferida pelas freiras na
época em que Marina estudava no convento. Marina não se posicionou. Por outro lado,
considerando a referência ao livro A questão sexual feita no início do romance, Marina e
sua criadora talvez concordassem que a relação entre duas mulheres era patológica. O
autor Augusto Forel, sustentando as teses médicas da época, se referiu à
homossexualidade como uma doença.83 Além disso, dentro do PCB e do movimento de
mulheres, praticamente não havia reflexões sobre sexualidade fora do padrão
heterossexual. Segundo Jorge Ferreira, o que prevalecia era a discriminação e a
desqualificação moral das relações homossexuais.84 Não é coincidência que na década de
1930, um documento de repúdio aos integralistas produzido pela seção baiana do PCB
enfatizou a necessidade de “dissolver a mão armada as paradas integralistas. [...] Ou isto
ou ficamos toda vida a sofrer a humilhação de nossa querida pátria enxovalhada pela
horda homo-sexual [sic] dos ‘galinhas verdes’ [...]”.85 A expressão “homo-sexual” foi
utilizada como forma de desqualificar profundamente o grupo político adversário.

81
PAIM, 1961, p. 129-130.
82
Idem, 1944, p. 122.
83
No capítulo 8 do livro A Questão Sexual citado por Alina Paim no romance Estrada da Liberdade como
uma referência importante para entender a sexualidade humana, o autor trata das patologias sexuais, entre
elas, enquadra a homossexualidade. No tópico II do capítulo, intitulado “Inversão sexual e amor
homossexual”, ele foi taxativo: “o amor homossexual é de ordinário patológico e [...] quase todos os
invertidos são menos ou mais acentuado, psicopatas ou nervroticos [sic], cujo desejo sexual é tão anormal
como ainda ordinariamente exaltado”. FOREL, Augusto. A questão sexual. 10° Ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1941. p. 242.
84
FERREIRA, 2002, p. 127.
85
Caso 171. Folhetos do Partido Comunista do Brasil. Disponível em: <http://sovdoc.rusarchives.ru/>
Acesso em: 10 set., 2019.
293

Mas houve quem provocasse uma reflexão sobre os aspectos culturais que levava
à discriminação. Graciliano Ramos em suas Memórias do Cárcere problematizou até que
ponto era natural a repugnância que sentiu quando, na prisão, testemunhou a relação
sexual entre dois homens. O autor reconhecia que suas conclusões eram incompletas e
movediças e que lhe faltava um exame que transpusesse as barreiras culturais.

Por que desprezá-los ou condená-los? Existem – e é suficiente para


serem aceitos. Aquela explosão tumultuária é um fato. Estupidez
pretender eliminar os fatos. A nossa obrigação é analisá-los, ver se são
intrínsecos à natureza humana ou superfetações. Preliminarmente
lançamos opróbrio aqueles indivíduos. Por que? Porque somos
diferentes deles. Seremos diferentes, ou tornamo-nos diferentes? Além
de tudo ignoramos o que eles têm no interior. Divergimos nos hábitos,
nas maneiras, e propendemos a valorizar isto em demasia. Não lhes
percebemos as qualidades, ninguém nos diz até que ponto se distanciam
ou se aproximam de nós. Quando muito, chegamos a divisá-los através
de obras de arte. É pouco: seria bom vê-los de perto sem máscara. Penso
assim, tento compreendê-los – e não consigo reprimir o nojo: natural ou
imposto? Quem sabe se ele não foi criado artificialmente, com o fim de
preservar o homem social, obrigá-lo a fugir de si mesmo?86

A audaciosa reflexão de Graciliano estava muito distante do que era comum na


sociedade brasileira da primeira metade do século XX. E os comunistas eram parte dela,
endossando muito dos seus valores, sobretudo no campo da moral sexual. Jorge Ferreira
e Viviane Leão demonstraram que os militantes que tivessem atitudes consideradas
imorais poderiam ser punidos com censura pública, remoção do posto de responsabilidade
ou expulsão do partido. 87 Em Curitiba, ao descobrir que sua esposa havia cometido
adultério durante suas constantes viagens em atividade partidária, “desnorteado”, um
militante solicitou desligamento da organização. Para avaliar o caso, organizou-se uma
reunião para debater o problema. Na ocasião, ele explicou que a mulher, que não era do
partido, justificou o fato argumentando que se sentia solitária devido às suas frequentes
ausências. Após a exposição, os companheiros que participavam da reunião repudiaram
a “infidelidade” da mulher, responsabilizaram o marido por não ter educado sua família
dentro da moral comunista, o que impediria esse “desvio pequeno-burguês”, e censuraram
de maneira contundente a ausência de autocontrole do rapaz, que foi condenado a “rever
seus conceitos e comportamento através de uma autocrítica pública”.88

86
RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere, vol. 1. Rio de janeiro/São Paulo: Record, 1986. p. 311.
87
FERREIRA, 2002, p. 118-121; LEÃO, 2003, p. 123-124
88
LEÃO, op. cit., p. 118-124.
294

Em São Paulo, o relacionamento entre Gentil e Otília também sofreu a intervenção


dos “companheiros”. Os dois militavam no Comitê de Zona, na região leste da capital
paulista. Quando se conheceram ela era legalmente casada, mas na prática o casamento
já não existia. Entre as atividades políticas se apaixonaram e começaram um
relacionamento às escondidas, mas logo foram descobertos e submetidos a avaliação dos
membros do comitê que censurou o casal sob a justificativa de que a luta revolucionária
exigia sacrifícios pessoais e a relação não estava de acordo com os parâmetros morais do
partido (purificação ética, firmeza de caráter, elevação moral e devoção integral à
revolução). A separação foi consumada.89
Se por um lado houve militantes punidos por condutas que contrariavam a moral
comunista, outros foram poupados da vigilância. Ao que parece, algumas “imoralidades”
consideradas naturais para os homens eram toleradas, mesmo que rigidamente
condenadas pela moral comunista. O alcoolismo, de acordo com Ferreira, é um exemplo.
Mesmo que teoricamente fosse considerado como um grave vício herdado da decadência
capitalista, portanto, não condizente com a elevação moral dos comunistas, houve certo
silêncio não casual entre os pecebistas. Eles sabiam do gosto soviético pela vodca – e por
aqui o consumo de bebidas alcóolicas também não era incomum entre os militantes.
Mesmo assim, o PCB não admitia pessoas alcóolatras na organização – pelo menos não
aquelas em que o alcoolismo era mais escandaloso – mas eram reservados diante da
questão.90
A prostituição é outro caso. Era veementemente recriminada por teóricos
comunistas e vista como “o que havia de pior em matéria de decadência social do
capitalismo”. 91 As prostitutas eram consideradas vítimas da opressão capitalista e da
degenerescência moral da burguesia, por isso, mereciam piedade dos revolucionários.92
O movimento de mulheres de orientação comunista não contradisse essa interpretação. A
prostituição também era vista como uma imoralidade que vitimava as mulheres
desesperadas por diversos fatores, muitos dos quais conjugados: discriminação moral, se
porventura “perdessem” a virgindade antes do casamento; desespero econômico; e
necessidade de prover os filhos.93

89
FERREIRA, 2002, p. 118-129.
90
Ibid., p. 125-126.
91
Ibid., p. 126.
92
Ibid., p. 127.
93
Atualmente, sobrevivem leituras que interpretam a prostituição como resultado de uma sociedade
machista e moralista. Neste sentido, as mulheres são sempre vistas como vítimas desse sistema. Por outro
lado, como demonstrou Margareth Rago, são grandes os desencontros entre as prostitutas que se organizam
295

Apesar de todas as ressalvas que existiam em relação à prostituição como um mal


gerado pelo capitalismo, os homens comunistas movimentavam o mercado do sexo. João
Falcão não deixou de registrar a experiência em suas memórias. Segundo contou, em
finais da década de 1930, contexto de ilegalidade do PCB, os militantes costumavam se
reunir de madrugada. Como ele morava com as tias e um irmão, precisava sair mais cedo
de casa. Para não ficar perambulando pelos bares ou bancos de jardins com o material do
partido, o que levantaria suspeitas, além de prejuízos caso fosse preso, resolveu passar as
horas que antecediam aos encontros em uma casa de meretrício. Segundo contou:

Foi assim que encontrei Edite, uma jovem morena, de Alagoinhas,


muito bonitinha e meiga. [...] Ali encontrei o porto seguro para esperar
com a minha carga explosiva [referência aos materiais do partido que
costumava carregar] a hora da “subversão”. [...] Assim, o tempo foi
correndo até que um dia ela desapareceu. Senti sua ausência e tive
saudades da discreta e meiga Edite. Saí a procura de outro porto. [...]
De boa estatura, clara e bonita, Jussara substituiu Edite. Este
relacionamento durou pouco tempo. Primeiro porque ela gostava de
fingir cenas de ciúmes e, além disso, era curiosa. Certo dia percebeu
que eu portava um revólver. Armou o maior escândalo para que eu não
saísse à rua. Não consegui convencê-la e, já em cima do horário
marcado para o encontro com os companheiros – eu não podia atrasar
um minuto sequer – começou a gritar. Fui obrigado a usar a força e dei-
lhe uma coronhada de revólver na cabeça, para abatê-la. Daí por diante,
não me permiti mais qualquer envolvimento pessoal dessa natureza.
Vinha agindo dessa forma por falsa conveniência revolucionária.94

As palavras de Falcão conformam a ideologia de uma feminilidade ideal,


corporificada em Edite, “discreta e meiga”, e contrariada por Jussara, curiosa demais para
uma mulher, mais ainda para uma prostituta. Mas ambas coisificadas como meros
“portos” que podiam ser “abatidas” quando necessário. A expressão “abatida”, vale
destacar, é de extrema violência. O comunista naturalizou a violência física ao qual essas
mulheres eram – e são – expostas, sem nenhuma proteção do Estado. Contraditoriamente,
ao mesmo tempo em que “vinha agindo dessa forma por falsa conveniência
revolucionária”, João Falcão justificou a violência física à mulher – atitude que também
feria a ética militante – como um ato de defesa intransigente do PCB. O partido estaria

politicamente e algumas feministas. As abolicionistas, por exemplo, lutam para acabar com a prostituição
em vez de regulamentar suas práticas, pauta defendida por muitas prostitutas brasileiras. RAGO, Margareth.
A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções de subjetividade. Campinas: Unicamp, 2013,
passim.
94
FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conheci. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988. p.
71.
296

acima de qualquer interesse pessoal. Na década de 1980, ao fazer autocrítica, ele não
identificou o erro na agressão em si, mas no envolvimento pessoal com prostitutas.
Fernando Sant’Anna também não silenciou sobre o hábito de frequentar zonas de
meretrício. Ao falar de sua juventude como militante comunista na cidade de Salvador,
nos anos 1930, informou que dividia suas ocupações entre a sala de aula – ele estudava
no Ginásio da Bahia – e as reuniões do partido. Para se divertir frequentava o Baiano de
Tênis, clube frequentado pelas elites; e, sobretudo, o cassino Tabaris, que ficava perto da
Praça Castro Alves. O espaço era frequentado por políticos, homens da elite baiana e
algumas mulheres que entravam por curiosidade. Além do óbvio espaço para jogos, o
cassino, como de costume, contava com área de dança e shows. Entre as dançarinas,
muitas eram “mulheres de vida livre”, expressão usada por Sant’Anna como sinônimo de
prostituta. Mas advertiu que quem frequentava o Baiano e o Tabaris, ambos altamente
elitistas, era o “Fernando mundano” não o “Fernando Comunista”. 95 A ressalva
provavelmente foi feita para frisar que quando vestia a capa de comunista assumia um
comportamento condizente à moral pregada pelo partido.
Ede Ricardo Soares, ao investigar a atuação do PCB em Alagoinhas-Bahia, entre
1945 e 1956, descobriu que mais do que um espaço de entretenimento, as casas de
prostituição poderiam servir para reuniões políticas. Ao que parece, esse foi o caso da
Pensão Americana, propriedade de Maria Francisca Pereira, mais conhecida como
Arabela. A “dona de pensão” foi militante do partido e seu estabelecimento frequentado
por pecebistas. Os indícios apontam que anos antes das atividades políticas, Arabela teria
sido prostituta.96 Em 1950, quando anunciou sua desfiliação do PCB na imprensa local e
estadual, aproveitou para solicitar aos “ex-companheiros” que tivessem a “fineza” de
pagar o que lhes deviam. E ameaçou: “Em caso contrário chamarei nominalmente os
mesmos pela imprensa”.97
Os “desvios” de conduta de parte da militância, bem como a moral e o
comportamento dos pecebistas, considerando questões relacionadas à família e à
sexualidade, estavam em total acordo com a moral – e a tolerância a certos desvios – da

95
RISÉRIO, Antônio. Adorável comunista: história, política, charme e confidências de Fernando
San’Anna. Rio de Janeiro Versal, 2002. p. 50-60.
96
SOARES, Ede Ricardo de Assis. Os comunistas e a formação da esquerda (Alagoinhas, 1945-1956).
Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2013, passim.
97
Ibid., p. 68
297

moral burguesa tão criticada pelo grupo. As narrativas sobre o casamento não se
distanciavam desses valores.

7.4. Casamento e divórcio

Em um artigo publicano em 1945 no jornal O Momento, Wladimir Guimarães


descreveu a relação de Luiz Carlos Prestes e Olga Benário (que nunca foram legalmente
casados) como modelo ideal de casamento. Olga não escapou do lugar de “companheira
para o conforto do lar e estímulo para as perigosas e muitas vezes inglórias lutas
revolucionárias” do “glorioso capitão do exército brasileiro, produto revolucionário dos
anseios incontidos do povo”.98
No entanto, sabemos que na prática Olga nunca foi uma simples “companheira
para o conforto do lar” do “Cavaleiro da Esperança”. Aos 28 anos, quando veio para o
Brasil na companhia de Prestes, sua missão era a de garantir sua segurança durante a
viagem. A comunista alemã já possuía larga experiência política, formação intelectual e
militar. Ao sair de Moscou, Olga era oficialmente casada e Prestes, segundo conta Maria,
chegou a conhecer seu marido e garantir que ela “voltaria sã e salva para a União
Soviética”.99 Mas os caminhos do coração talvez sejam menos previsíveis do que os da
revolução. Prestes e sua guarda costa se envolveram e iniciaram um romance que, dada
as circunstâncias, nunca foi oficializado, mas precocemente interrompido pela repressão
do Estado. Após o levante de 1935, que entraria para a história com a alcunha pejorativa
de Intentona Comunista, o casal foi preso. Prestes permaneceria encarcerado até 1945.
Olga teve um destino mais trágico. Grávida, em 1936, foi deportada para Alemanha e
presa em um campo de concentração, onde teve sua filha. Em 1942, aos 34 anos, foi
exterminada em uma câmara de gás.
A imagem do casal comunista construída no artigo de Guimarães não está em
sintonia com a história que, em alguma medida, estava distante do padrão moral
construído como normal. Olga não era necessariamente a mulher do lar que o autor quis
fazer crer. Maria Prestes contou, aparentemente orgulhosa do seu lugar de esposa

98
GUIMARÃES, Wladimir. Heroina e Martir. O Momento, Salvador, ano 1, p. 2, 15 out., 1945.
99
PRESTES, 1993, p. 64.
298

devotada e dona de casa exemplar100, que seu marido Luiz Carlos Prestes lembrava que,
diferente dela, Olga nunca foi uma mulher dada às prendas domésticas. “Não sabia fazer
tantos pratos, costurar, muito menos arrumar o aparelho clandestino com feminilidade.
Olga, dizia o velho, era inteligente, gostava de estudar, mas do prazer cotidiano ela abriu
mão muito cedo”.101
Não é possível atestar as avaliações de Prestes sobre sua relação com Olga a partir
das memórias de Maria, com quem casou (não legalmente) em 1952 e permaneceu até o
final da vida. As lembranças falam mais dela mesma e de suas concepções sobre o que
seria o “prazer cotidiano” das mulheres. Ser inteligente e gostar de estudar, para Maria, e
talvez para Prestes dada a sua formação cultural, comprometia a “feminilidade” e,
consequentemente, a harmonia do lar. Ainda segundo as lembranças da sua companheira,
quando foi pedida em casamento ela ficou com medo de aceitar por ele ser o chefe
máximo do partido, “pessoa importante e de inteligência singular, enquanto ela era
simplesmente uma pessoa subordinada à estrutura partidária”.102 Diante do impasse, o
“Cavaleiro da Esperança” teria argumentado, segurando em sua mão:

Uma mulher intelectualizada, uma mulher que estuda filosofia, traria


para mim milhões de problemas. Eu tenho minhas ideias, ela teria as
dúvidas dela. Fiz um esforço enorme para escapar da minha formação
elitista. Com uma mulher intelectualizada, que no Brasil de hoje só pode
ser representante das classes favorecidas, eu teria retomado meu lado
pequeno-burguês.103

Era preferível, seguindo as normas de gênero culturalmente compartilhadas, que


a esposa cuidasse da administração do lar, quando muito tendo o marido como auxiliar
nas tarefas domésticas – e nas lembranças de Maria Prestes, seu marido aparece como
alguém que “ajudava” nos afazeres do lar; – e o marido, no caso comunista, se dedicava,
auxiliado pela mulher, aos estudos e ao trabalho militante. Às mulheres caberia a função
de garantir a felicidade da família. Este princípio organizador associa homens/produção
à esfera pública e mulheres/reprodução ao espaço privado; ao mesmo tempo em que
qualifica a esfera pública como espaço para a produção cultural e a esfera privada como

100
O próprio título do seu livro de memórias reflete a importância que o casamento assumiu em sua vida.
Em Meu companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes, ela narra suas experiências como militante
do PCB e como mulher de Prestes. A narrativa centra-se no cotidiano da militância e da entrecruzada vida
em família com o famoso “Cavaleiro da Esperança”.
101
PRESTES, 1992, p. 63-64.
102
Ibid., p. 72.
103
Ibid., p. 73.
299

lugar meramente reprodutivo. A ideia é sustentada por estruturas material e simbólica,


sendo um elemento que organiza as relações entre os gêneros de forma desigual.104
Como observou Ferreira, “a moral revolucionária defendida pelos comunistas [...]
reproduziu as mesmas ambiguidades e duplicidades presentes nos valores e nos padrões
comportamentais de seus inimigos, embora eles repudiassem de maneira virulenta a
moralidade pregada pela burguesia”.105 Os pecebistas eram homens e mulheres do seu
tempo, incorporando os valores culturais da sociedade ao qual estavam inseridos. Dentro
do PCB circularam leituras conservadoras no que diz respeito à moral sexual e familiar,
muito distante dos debates travados durante a Revolução Russa. Por outro lado, a
discussão feminista ligada ao partido questionou esses valores criticando, inclusive, a
postura dos “companheiros” que os reproduziam. Nas palavras de Iracema Ribeiro:

Até nas fileiras de nosso Partido se faz sentir a influência dessas velhas
ideias que pregam a superioridade do homem sobre a mulher e
defendem a condição do homem como “senhor”, o que acarreta graves
prejuízos ao movimento revolucionário e conduz a subestimar o papel
da mulher na luta de libertação nacional e social do povo brasileiro.106

Portanto, se os anticomunistas não esqueceram as ideias revolucionárias dos


bolcheviques quando acusavam os comunistas de destruidores da família, as mulheres
conectadas com o debate feminista também não deixaram que elas se perdessem e
formularam o debate à luz da realidade brasileira. Contrariando a ideia de que cabia ao
homem o papel de senhor, houve a problematização do modelo de casamento
culturalmente construído e legitimado no campo jurídico. E não tinha como falar em
casamento, sem tratar da lei do divórcio, que até então não era previsto no Brasil. Como
dissemos no capítulo precedente, até 1977, o Código Civil previa apenas o desquite, leia-
se, separação de corpos do lar conjugal sem autorização de novas núpcias. Quem casava
assumia um vínculo jurídico para o resto da vida.107
Em seu primeiro mandato em 1947, quando eleito Deputado Federal pela UDN-
BA, o deputado Nelson Carneiro, atendendo as demandas colocadas por diversos grupos

104
Para ampliar o debate cf: ÁVILA, Maria Betânia. Notas sobre o trabalho doméstico. In: LIMA, Maria
Ednalva Bezerra de. et al (Orgs). Transformando as relações trabalho e cidadania: produção, reprodução
e sexualidade. São Paulo: CUT/BR, 2007.
105
FERREIRA, 2002, p. 124.
106
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
107
O Código Civil de 1916 atravessou quase um século sendo palco de disputas. Somente em 2002 foi
integralmente reformulado. BRASIL. Lei nº 10.406, de10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasil, DF.
Presidência da República [2002]. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em 18 jan., 2020.
300

feministas, apresentou um Projeto de Lei propondo a regulamentação do divórcio. As


mulheres de Momento Feminino fizeram ampla divulgação a favor do projeto e
convidavam autoridades públicas para participarem de eventos com o objetivo de
demonstrar a relevância da lei.108 Defenderam a importância da sua aprovação porque
entendiam que “o fato de não haver divórcio coloca a mulher desquitada numa situação
incômoda de insegurança moral”.109
Em 1952, Fernanda Brito fez uma defesa contundente do projeto de Edson
Carneiro, agora deputado pelo Partido Social Democrata, Bahia (PSD-BA). Para a
colunista, aquela seria “a mais oportuna de todas as leis necessárias à sociedade
brasileira”.110 Ciente do conservadorismo presente no país, evidenciou que ao longo da
história e em várias partes do mundo qualquer renovação era “taxada – a priori – de
loucura, falta de pudor, atentado ao poder divino e à família”.111

Conservadores e herméticos existiram em todos os tempos e em todas


as idades, desde que o homem [sic] saiu das cavernas para a civilização.
E o que caracteriza esses indivíduos é que na sua quase totalidade eles
pensam e afirmam ter à mão todos os segredos da vida, o conhecimento
inteiro do universo e das suas leis, como também se propalam enviados
da Providência para salvar a humanidade...112

Entretanto, alertava ela: apesar da constante reação do espírito conservador de


todas as épocas, vez por outra surgem e se impõem novas teorias, leis e concepções do
universo e da sociedade”. E assim aconteceria com a legalização do divórcio no Brasil.
Em sua leitura, a humanidade atravessava uma época de “civilização” e “progresso”. O
clímax estaria nas “grandes reformas no cenário da humanidade. Em 76 países – os
maiores e os mais civilizados povos do globo – «o divórcio tem o seu papel saliente na
forma da lei»”. Se os países “civilizados” já tinham legalizado o divórcio, a sua proibição
no Brasil representava, portanto, um atraso. Além de retrógrada, era imoral, baseada num
“falso e imaginário vínculo indissolúvel do casamento”. 113 Na prática, proibi-lo
significava obrigar os cônjuges desquitados a constituírem “seu novo lar” ilegalmente.

108
A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n. 96, p. 5,
out./nov., 1952.
109
SINAL dos tempos a união das mulheres latino-americanas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 8,
n. 108, p. 20-21, set./out./nov., 1954.
110
BRITO, Fernanda. Divórcio. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n. 93, p. 10, jun., 1952. Nesta
edição o artigo está assinado no masculino, Fernando Brito. No entanto, os artigos das edições seguintes
passaram a ser assinados no feminino, como Fernanda Brito. Como eram comuns os erros de edição,
acreditamos que foi o que ocorreu quando foi publicado o primeiro texto da colunista.
111
Ibid.
112
Ibid.
113
Ibid.
301

A menos que os nossos legisladores acreditem – grande inocência – que


os desquitados riscam das suas vidas as pretensões do matrimônio. A
única e indiscutível solução pelo bem-estar social e moral do nosso
povo é, sem dúvida, a lei do divórcio, que o desquite nada resolve
positivamente. Progredir – à força da evolução natural – é a marcha
constante da sociedade. O espírito conservador de todas as épocas e de
todos os tempos jamais conseguiu barrar os passos da civilização e do
progresso. E se no tempo da Santa Inquisição não foi possível, mesmo
sob as ameaças da fogueira, continuar afirmando e defendendo o
sistema geocêntrico, da mesma forma, hoje ou amanhã, mais cedo ou
mais tarde, o gênio do progresso que marcha por cima de todos os tabus
e convenções sócio-político-religiosos, promulgará a lei do divórcio no
Brasil.114

No casamento, como vimos, além de proibir o divórcio, o Código-Civil


inferiorizava as mulheres sob a justificativa de que as distribuições de papeis contribuíam
para formar a “unidade do casal”. No entanto, Nice Figueiredo considerou que elas eram
“desnecessárias, porque não afetam a unidade do casal, injustas porque só se aplicam às
mulheres quando [...] deveriam também recair sobre os maridos, absurdas porque criam,
na prática, situações ridículas e embaraçosas”.115 Como exemplo, citou um caso que disse
testemunhar em seu ambiente de trabalho. Em fins de 1947, no Rio de Janeiro, um homem
moveu uma ação civil contra a ex-mulher. Em resumo, quando casados – em regime de
separação de bens –, a esposa contraiu uma dívida e o marido assumiu legalmente a
responsabilidade do pagamento, caso ela não o fizesse. Após o prazo, a mulher tornou-se
inadimplente e ele teve de solver o débito. Depois que se separaram, o marido resolveu
cobrar a dívida na justiça. Mas a ação em curso foi suspensa pelo juiz porque, por ser
casada, a mulher só poderia se defender em juízo e evitar que seus bens fossem
penhorados com a autorização do marido:

e, das duas uma, ou obtinha esse consentimento do seu próprio


adversário ou era condenada à revelia. É evidente que nunca esta
mulher obteria do marido o consentimento exigido, pois o interesse dele
era exatamente o de impedir a atuação da mulher e conseguir penhorar
o que ela possuía.116

A advogada demonstrou, ainda, que o Código Civil penalizava injustamente as


mulheres que abandonavam o domicílio familiar sem justa causa, leia-se, sem provar que

114
BRITO, 1952, p. 10.
115
FIGUEIREDO, Nice. Os deveres da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 26, p.
2, 16 jan., 1948.
116
Idem. A capacidade da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 33, p. 3, 12 mar.,
1948.
302

era traída, que sofria violência física e/ou que o marido não estava provendo a família
devidamente. Quando a mulher não apresentava causa justa para abrir mão do casamento,
a lei obrigava que parte dos seus rendimentos fossem temporariamente sequestrados “em
proveito dos filhos e do marido”.117 Nice estava de acordo com a obrigatoriedade das
mulheres assumirem a responsabilidade financeira com os filhos, mas considerou
inaceitável que o marido tivesse o direito de receber e gastar parte dos rendimentos da
esposa. Para ela, a imposição era uma forma de coagi-la, contrariando sua liberdade
individual.

Se uma mulher, pela razão, pelo sentimento e pelo seu caráter não se
sente vinculada ao homem que é seu marido e aos filhos que saíram do
seu ventre, não será castigo econômico e a privação de dinheiro que fará
essa mulher mudar de atitudes e compreensão, transformando-a em boa
esposa e boa mãe. Pode ser que forçada pela situação financeira ela
volte para habitação conjugal; pobres filhos e pobres maridos, que têm
por mãe e esposa não uma mulher que os ame, mas uma mulher que
ama o seu dinheiro, o conforto que lhe proporciona. [...] Compreende-
se perfeitamente o sequestro em favor dos filhos, porque essa medida
traduz uma responsabilidade em face destes filhos, responsabilidade
que tem de ser dividida entre pai e mãe. Mas o sequestro em favor do
marido é incompreensível, pois é atribuído como medida coercitiva que
além de vergonhosa é inútil e, sobretudo, prejudicial quando consegue
surtir os efeitos desejados.118

Além de se colocar contrária à coação imposta às mulheres no que diz respeito ao


casamento, Nice Figueiredo desnaturalizou o amor materno. Gestar uma criança “dentro
do seu ventre” não garantia automaticamente vínculos afetivos entre mãe e filha/o.
Contrariando a ideia de um suposto instinto materno, ela evidenciou que uma mulher não
necessariamente desejaria cuidar e se dedicar à prole. Era possível até que as mães não
amassem seus filhos. Em sua concepção, as mulheres não deveriam ser coagidas
legalmente a permanecer em um lar onde não estava satisfeita. Observou que a
obrigatoriedade da mulher deixar parte dos rendimentos com o esposo quando se separava
privilegiava apenas os maridos de mulheres que trabalhavam: “pois enquanto determina
como medida protetora da família a apropriação parcial dos bens da mulher pelo marido,
deixa sem proteção a família cuja mãe e esposa, irresponsável ou leviana, não tenham
nenhum rendimento capaz de ser sequestrado”.119

117
FIGUEIREDO, Nice. O sustento da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 22, p. 2, 19
dez., 1947.
118
Ibid.
119
Ibid.
303

Para ela, a lei nada mais era do que uma forma de mascarar a ausência de coragem
dos homens “de enfrentar suas derrotas conjugais”.120 Através do recurso da ironia, a
advogada sugeriu que os homens precisavam aprender a lidar com o abandono afetivo.
No texto, ela evita se posicionar sobre os motivos que poderiam levar uma mulher a
romper com o casamento e com a maternagem, também não fez nenhum julgamento
moral, se atendo à análise das determinações legais que, para ela, eram absurdas e
atentavam contra a autonomia das mulheres.
Além de provocar problemas no plano jurídico, os papeis idealizados para homens
e mulheres no casamento embaraçavam o cotidiano dos casais que em alguma medida
estavam fora do padrão, realidade que inspirou a criação literária de Alina Paim. Zélia,
personagem de Sol do Meio Dia, enfrentava problemas conjugais porque era
profissionalmente bem-sucedida, ao contrário do marido que não conseguia se estabelecer
em sua profissão. O fato fazia com que ele se sentisse diminuído, mas sem iniciativas
para mudar. Zélia parecia não ver problema na condição em si, mas na imobilidade do
marido diante dela.
Já as mulheres da pequena cidade de Simão Dias eram submetidas a um modelo
de casamento que diminuía suas potencialidades. A personagem Maria do Carmo
questionava as vantagens da vida conjugal. “Casar traria mesmo vantagens? Esfregar
fundo de panela, pregar botão em roupa, ter filho, mudar fraldas mijadas, ouvir berros
[...]”. 121 Não era essa sua expectativa de vida. O que desejava mesmo era “Ganhar
dinheiro e falar grosso” para não precisar “engolir a seco” tudo que lhe diziam.122 Marina
de Estrada da Liberdade estava certa de que não queria para si um matrimônio em que
tivesse que se submeter a um “senhor”. Para ela:

O matrimônio, o grande sacramento que abençoa os filhos e assegura a


felicidade dos cônjuges” era apenas uma mistificação, uma prostituição
santificada, selada com orações e gestos ridículos, onde a mulher se
comprometia diante de um altar a entregar seu corpo, em troca de casa,
de comida e de roupa, a um homem que não a entendia e que a
considerava apenas como uma fêmea. A mulher seria uma arrumadeira,
uma cozinheira, trabalhando da manhã à noite, sem merecer
consideração alguma, e, na cama, deveria prestar-se à satisfação dos
desejos do senhor que gozaria sem se preocupar em saber se aquilo
agradava-a, trazia-lhe prazer, ou causava-lhe repugnância. Esse

120
FIGUEIREDO, Nice. O sustento da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 22, p. 2, 19
dez., 1947.
121
PAIM, 1949, p. 119.
122
Ibid., p. 84.
304

casamento era apenas uma escravidão reconhecida pela religião e pelas


leis (Negrito no original).123

Ao chamar o casamento de “prostituição santificada”, Marina fez uma crítica


radical ao modelo conjugal comum em que as mulheres não tinham sequer garantido o
prazer sexual. Para ela, as relações matrimoniais precisavam ser mais igualitárias no
cotidiano, o que incluía o prazer sexual das mulheres. A professora não se opôs ao
casamento em si. Entedia que a vida de uma mulher só teria sentido se “unida a de um
companheiro. E os dois serão completos tendo filhos”.124 Ela desejava “casar-se, ter um
filho, mas não suportaria ter um senhor”. Em seu horizonte de expectativas estava um
“companheiro, um homem com quem pudesse colaborar em seus trabalhos, estudar juntos
e de quem se orgulhasse como pai de seu filho”.125 Aliás, como evidenciei no quinto
capítulo, praticamente todas as personagens questionadoras da moral construídas por
Alina Paim sonharam com um “príncipe encantado” idealizado como um homem que não
subjugaria a companheira. No casamento ideal, a mulher existiria por conta própria não
assumindo “condição de sombra”.126
Assim como Marina, personagem de ficção de Alina Paim, Nice Figueiredo
(mulher de carne e osso) destacou que não tinha aversão ao matrimônio. “Quem disse que
somos contra o casamento? Muito ao contrário. Discordamos até da modinha que diz que
a vida de solteiro é melhor que a de casado... Somos contra o casamento nos moldes da
nossa lei civil. Isso sim”.

Contra o casamento que a serviço de tradições e convencionalismos,


inventa a supremacia do homem-marido, decreta a subordinação da
mulher-esposa; contra o casamento que não pretende assegurar a
igualdade de tratamento aos cônjuges e dita medidas que impedem à
mulher de velar pela segurança, decoro e progresso de sua família;
contra o casamento que exige o beneplácito do marido para que a
mulher possa trabalhar, como se o trabalho não fosse um direito e um
dever de cada cidadão; contra o casamento que incentiva o parasitismo
de milhares de mulheres, enquanto exige o trabalho forçado de milhões
de outras; contra o casamento que rouba à mãe viúva o pátrio poder dos
seus filhos porque contrai novas núpcias; contra o casamento que se
desmancha, que se anula porque a mulher não é mais virgem; contra o
casamento que justifica hipocritamente todas as limitações à capacidade
da mulher em nome da unidade de direção da família, criando o
consentimento da mulher para que o marido possa exercer certas
atividades ligadas ao patrimônio do casal, depois de declarar que a
mulher é menos apta que o homem para as atividades patrimoniais e,

123
PAIM, 1944, p. 140.
124
Ibid., p. 153.
125
Ibid., p. 140.
126
Idem., 1961, p. 275.
305

por essa razão, justifica a necessidade do consentimento do marido para


que a mulher possa exercer atividades do mesmo caráter, mas de
importância muito menor; contra o casamento que impede a mulher
casada de ser livremente tutora ou curadora como pode ser o marido
etc. etc... Contra esse casamento moldado em princípios hipócritas e
saudosistas nós somos.127

Ao listar todas estas razões, a advogada desnaturalizou o poder masculino social


e historicamente construído, pontuando que a “supremacia do homem-marido” foi forjada
à “serviço de tradições e convencionalismos” criadas por homens e em benefício deles.
Em artigo anterior, ela afirmou que “a mulher fora compelida, por uma divisão de serviço
estabelecida pelos homens, e do agrado de muitas mulheres [das classes abastadas]”.128
Por essa razão ela se dedicava a apontar “como mulher, a injustiça da situação da mulher
casada em face ao marido, como advogada localizando essa injustiça na lei, com a
vantagem e as desvantagens do nosso sistema legislativo que necessita de imediata
revisão”.129
A autora sugeriu que o modelo ideal de casamento seria aquele que valorizasse
“os cônjuges pela capacidade de produção de cada um e não por normas preestabelecidas,
praticamente desmoralizadas”.130 Para ela, os laços matrimoniais representavam “um dos
últimos redutos de diferenciação de direitos entre os homens e as mulheres. Antes era o
sexo, agora o estado civil de casada”.131 Reconheceu que seria impossível que, de repente,
as mulheres tomassem de assalto esse reduto e se libertassem, “mas podemos denunciá-
lo, mostrar como é sustentáculo e como poderá ser conquistado”.132 Numa perspectiva
otimista, defendeu que um dia a subjugação das mulheres pelo casamento chegaria ao
fim, como consequência do movimento delas próprias, “numa luta de conquistas que
poderá ser custosa mas que, fatalmente, trará a vitória”.133
As palavras de Nice Figueiredo estão em conexão com muito do que foi debatido
dentro do movimento feminista de orientação comunista. Sem seguir uma linha reta e não
distante de tensões e discordâncias, as mulheres que dele fizeram parte estavam de acordo
que era necessário construir novas formas de relações entre os gêneros e intragênero: em
casa e fora dela. Para que a utopia se tornasse real, defendeu que as mulheres precisavam

127
FIGUEIREDO, Nice. Contra o casamento. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 31, p. 8, 27
fev., 1948.
128
Idem. Os deveres da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n, 27, p. 8, 23 jan., 1948.
129
Idem. Contra o casamento. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 31, p. 8, 27 fev., 1948.
130
Ibid.
131
Ibid.
132
Ibid.
133
CONSENTIMENTO para casar. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 10, p. 8, 26 set., 1947.
306

lutar pela transformação da sociedade de modo que garantisse direitos, deveres e


oportunidades igualitárias para todas e todos nas esferas pública e privada. Era necessário
eliminar a cultura que inferiorizava as mulheres, limitando sua autonomia, espaços de
circulação e desenvolvimento profissional, intelectual e político. O debate não
desconsiderou que enquanto houvesse desigualdade de classe e racismo, que impunha
uma condição de superexploração para as mulheres pobres e negras, era necessária uma
legislação diferenciada para elas. Havia o reconhecimento de que as mulheres precisavam
se organizar para conquistarem efetivamente a utopia da igualdade social. Existia uma
movimentação feminista significativa, marcada pela produção de uma epistemologia
feminista questionadora da ordem social, cultural e política.

7.5. Desnaturalização da desigualdade de gênero

Nas décadas de 1940-60 as análises empreendidas pelo movimento feminista de


orientação comunista reconheceram que as desigualdades que estruturavam as relações
de gênero foram historicamente construídas. Endossando as teses marxistas, o movimento
localizou o início da opressão no surgimento da propriedade privada. Na perspectiva da
pecebista Iracema Ribeiro:

Os ideólogos da reação apregoam que por uma “fatalidade biológica” a


mulher é física e intelectualmente inferior ao homem, justificando
assim a exploração econômica, a opressão política e a segregação social
da mulher. Muito difundida no Brasil e zelosamente cultivada pelas
forças retrógradas, tão monstruosa teoria atingiu amplas massas do
povo e até mesmo os setores mais avançados da população. O pior é
que é facilmente aceita pela quase totalidade das mulheres. [...]
Nascidas com a divisão da sociedade em classes e transmitidas através
dos tempos pelas classes exploradoras, essas ideias retrógradas foram
refutadas pela ciência e são profundamente antiproletárias. A grande
indústria moderna igualou a mulher ao homem como trabalhadores e a
construção do socialismo na União Soviética revelou a imensa energia
criadora das mulheres.134

Em um texto sobre a importância das comemorações do Primeiro de Maio no


Brasil, o jornal Momento Feminino exaltou a histórica participação das mulheres “nas
lutas travadas pela emancipação geral da humanidade”. Segundo a narrativa, desde o
surgimento da propriedade privada e da consequente sociedade dividida em classes, “a
mulher passou a fazer parte dessa propriedade privada como escrava do homem,

134
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
307

escravizada à família que então se constituía”.135 A partir de uma perspectiva linear e


endossando os recortes históricos constituídos no contexto, o artigo atravessou diversos
momentos da história ocidental, evidenciado o desenvolvimento histórico da
subordinação das mulheres da Grécia clássica à contemporaneidade. O período
contemporâneo seria fruto da Revolução Industrial, ponto de partida para a “consolidação
do Estado burguês” e para o processo de luta e reconhecimento dos direitos das mulheres.
Lygia Maria de Lessa Bastos, da UDN, embora não tenha ratificado a tese
marxista de que a “opressão feminina” era consequência do surgimento da propriedade
privada, concordava que “só nos tempos modernos obteve a mulher, no contrato social, o
gozo da comunhão de bens com o homem, ficando este, porém, com a gestão dos
mesmos...” No entanto, no passado havia sido pior. Durante a antiguidade elas seriam
tratadas como “servas” ou “simples coisas” e na Idade Média “endeusadas poeticamente,
mas praticamente escravizadas no interior dos castelos”. 136 Isso quando eram das
camadas abastadas, acrescento.
Além dos artigos jornalísticos, a narrativa sobre a secular – por isso aparentemente
natural – subordinação das mulheres compôs o repertório poético da comunista Jacinta
Passos. Ela construiu uma narrativa com o mesmo conteúdo, mas em forma de poema.
Em Chiquinha o eu poético relacionou a “opressão feminina” à propriedade privada. O
objetivo era evidenciar as diferentes maneiras de exploração das mulheres e do domínio
dos seus corpos, alguns explorados outros adorados, mas todos completamente
desconhecidos – feitos “puro espírito, mistério e tabu”. A autora chamou a atenção para
a sexualização e desumanização das mulheres negras – “/teu corpo de negra/ teus braços
de serva,/ Teu sexo de fêmea,/ teu ventre fecundo,/ produtor de escravos,/ dos donos do
mundo.”137

Teu corpo cansado/ lutou no Egito,/ as mãos,/ mãos escravas, /


abanaram leques/ e teu corpo nu,/ teus seios morenos/ e teus pés
pequenos/ dançaram lascivos,/ligeiros,/ airosos, /deleitando o tédio/ de
reis ociosos./ Chiquinha, /teu corpo,/teu corpo cansado,/foi corpo
explorado/ na Mesopotâmia,/ na Pérsia e Turquia / – haréns de sultão
–/ foi pária na Índia,/ na China e Japão.
Teu corpo explorado/ foi mercadoria,/ espada e cavalo / e vinho, foi
orgia/ na Arábia lendária/ de ardência e magia.
Já foi, na Judeia,/corpo apedrejado./ Na Grécia, teu corpo/ vestido de

135
A MULHER e o 1º de Maio. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 7, n. 107, p. 18, mai., 1954.
136
BASTOS, Lygia Maria Lessa. A mulher venceu... Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 45, p.
3, 23 jul., 1948.
137
PASSOS, Jacinta. Chiquinha. In: PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo: Gaveta, 1945 apud
AMADO, 2010. p. 117.
308

túnica,/ foi vênus olímpica,/ foi deusa na arte,/ foi serva na vida./ No
império romano,/ teu corpo serviu a César/, guerreiros,
fidalgos, patrícios,/ à flor da nobreza,/ miséria e grandeza,/ foi
senhora-escrava,/ matrona impoluta,/ dama e prostituta
Chiquinha/ Chiquinha/ durante dez séculos,/ teu corpo fechado/ nas
torres feudais/ de imensos castelos,/ foi corpo arrancado/ da terra, da
vida,/corpo sem raiz,/ feito puro espírito,/mistério e tabu,/ teu corpo
adorado/ foi corpo explorado.
E quando as nações/, nos tempos modernos,/ abriram caminhos/ ao
mundo futuro,/caminhos no mar/ em busca de terras,/ riquezas,
escravos,/ teu corpo apanhado/ nas selvas da África/ chegou ao
mercado/vendido e comprado,/teu corpo de negra/ teus braços de
serva,/ teu sexo de fêmea,/ teu ventre fecundo,/ produtor de escravos,/
dos donos do mundo./ Teu corpo apanhado/ nas selvas da África,/ nas
terras indígenas,/ nas tribos nativas/ das ilhas do mar,/ teu corpo
ajudou/ Europa a crescer/ e um mundo a nascer/ nas terras da
América.138

Passando por vários espaços e tempos, Jacinta construiu uma narrativa


evolucionista em que aparece uma imagem racista de África. Endossando o imaginário
comum à época, a autora se referiu ao continente como uma “selva” – imagem que nos
remete à ideia de animalização e desordem – de onde as mulheres foram arrancadas para
servirem de escravas aos “donos do mundo”. No entanto, como é largamente demonstrado
por pesquisadoras e pesquisadores atualmente, no contexto do tráfico transatlântico a
África possuía sociedades complexas em diálogo comercial entre elas e com regiões da
Europa e Ásia.139 Mas, no período em que Jacinta escreveu predominava a ideia de uma
África selvagem povoada por povos “primitivos”. Neste sentido, apesar de atenta a
“questão racial” no Brasil, a autora não escapou da visão racista sobre o continente
africano. Ao mesmo tempo, denunciou que a modernidade se instituiu às custas da
superexploração de mulheres pobres, negras e indígenas cujo trabalho ajudou “Europa a
crescer/ e um mundo a nascer/ nas terras da América”.
Para Jacinta, assim como para suas companheiras de Momento Feminino, a
modernidade – entendida como tempo de expansão e consolidação do capitalismo pelo
mundo –, embora continuasse explorando as mulheres e operando numa estrutura de
desigualdade de classe e “sexual”, trazia as bases para a sua libertação. “Chiquinha/ tão
frágil, magrinha./ Teu corpo miúdo/ o tempo secou,/ as formas redundas/ o tempo gastou./

138
PASSOS, 1945, p. 116-117.
139
Para mais informações sobre as estruturas sociais em África e sobre os imaginários acerca do continente,
cf., respectivamente, LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002; OLIVA, Anderson Ribeiro. Reflexos de África: ideias e
representações sobre os africanos no imaginário ocidental, estudos no Brasil e Portugal. Goiânia: Ed. da
PUC Goiás, 2010.
309

Pareces criança./ Chiquinha,/ magrinha/ que doce esperança te faz resistir?”. 140 A
esperança estaria no desenvolvimento das forças produtivas burguesas que oferecia as
bases materiais – industrialização e inserção das mulheres no mundo produtivo
desvencilhando-as do mundo doméstico – para a posterior revolução comunista:

Tu sabes/ Chiquinha/ que a máquina que move/ o mundo moderno/


te vem libertar? [...]
O dono da máquina,/ teu dono e senhor,/ Chiquinha,/ é teu
comprador./ Tu vendes teus braços,/ trabalho, energia,/ tu vendes teu
tempo,/ descanso, alegria,/ vigor, juventude,/ beleza e saúde/ futuro
dos filhos,/ tu vendes, tu vendes,/ Chiquinha que dor!/ Tu vendes teu
sexo,/ desistes do amor.
A máquina/ te vem libertar./ Dinheiro! Dinheiro!/ A máquina te vem
devorar. [...]
A máquina/ a máquina/ te vem devorar/ Chiquinha/ Chiquinha/ tu
sabes que a máquina/ te vem libertar? [...]
A máquina/ prolonga teus braços,/ liberta teu corpo/ de serva
doméstica,/ te arranca da casa,/ derruba as paredes/ limites, fronteiras/
do lar, doce lar/ – prisão milenar –/ e faz do teu corpo/ cansado/
explorado/ e multiplicado na luta/, esse mundo difícil,/ Chiquinha/ teu
reino será.141

No poema intitulado Estrela do Oriente, reapareceu a perspectiva de que as bases


para a revolução estariam colocadas, sobretudo em função da existência da URSS,
considerada a “Pátria do Socialismo”: “Levantai-vos, párias de todo o mundo!/ Não
vedes? Ela vem vindo, a Estrela do Oriente/ alta, bela, imponente, os pés plantados no
chão, traz o fogo no olhar e uma foice na mão”. 142 Assim como Jacinta, Alina Paim
apresentou a ideia de que o desenvolvimento do capitalismo trazia como contraponto “a
luz da revolta”, a “luz vermelha”143, luz que vinha do “Oriente”.144 Antes de se tornar
comunista, a personagem Raquel ouvia coisas terríveis “sobre pessoas que abraçavam
essas ideias”. Elas eram descritas como “capazes de tudo, passavam insensíveis sobre a
honra e a família para obedecer a ordens de fanáticos”.145 Mas quando conheceu de perto
as ideias de d. Gertrudes, uma senhora comunista, se viu diante de um tipo de esperança
que nunca “tinha visto ainda em ninguém”.146

140
PASSOS, op. cit., p. 115.
141
PASSOS, 1945, p. 115-120.
142
Idem. Estrela do Oriente. In: PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo: Gaveta, 1945 apud
AMADO, 2010. p. 106.
143
PAIM, 1950, p. 79.
144
Idem., 1944, p. 222-224.
145
Idem., 1950, p. 203.
146
Ibid.
310

Partindo do princípio de que as desigualdades de gênero não eram naturais, mas


historicamente construídas, o debate feminista de orientação comunista – que também
contava com a presença de mulheres não comunistas – viu na “modernidade” o momento
propício para mudanças efetivas na condição social das mulheres. As comunistas viam o
momento como uma etapa necessária à revolução que implementaria o único modelo de
sociedade capaz de garantir efetivamente a igualdade entre as pessoas. As mudanças
decorrentes da modernidade foram tomadas como base empírica para a refutação da
“cientificamente falsa e pretensa superioridade fundamental do homem”.147 No mundo
moderno, as mulheres estariam em condições de “competir com o homem e vencer em
qualquer coisa que tenha vocação”, defendeu Raquel, protagonista de A sombra do
Patriarca.148 E prosseguiu:

A mulher tem possibilidades iguais às do homem, a educação é que


atrofia, dando um valor exagerado a seus sentimentos e neutralizando
suas energias intelectuais. Repete-lhe a todo instante que é a mais fraca
e, sem uma vontade masculina ao seu lado nada poderá fazer. Incute-
lhe a ideia falsa de que sozinha terá apenas de escolher a prostituição.149

A percepção de que o gênero não determinava as competências das mulheres


compôs o repertório feminista. A poesia de Jacinta Passos cantava que havia chegado o
tempo em que as mulheres poderiam escolher seu caminho: “Menina, minha menina,/
carocinho de araçá,/ cante/ estude/ reze/ case/ faça esporte e até discurso,/ faça tudo que
quiser/ menina! não esqueça que é mulher”.150 Mas o poema evidencia que a possibilidade
não se estendia a todas igualmente. As mulheres negras precisavam se libertar de três
“gaiolas”: a de classe (“– Pelo sinal da pobreza!); a de gênero (“– Pelo sinal de mulher!”)
e a de raça (“– Pelo sinal da nossa cor!”). Como anunciou o eu poético:

Minha terra tem gaiola/ onde canta o sabiá. [...] Bernadete é preta,/ é
preta que nem tição/ Bernadete é pobre/ é pobre sem um tostão./ Regina,
Minervina, Estelita e Conceição.151/ – Pelo sinal da pobreza!/ – Pelo
sinal de mulher!/ – Pelo sinal da nossa cor!/ Nós somos gente marcada/
– ferro em brasa em boi zebu –/ ninguém precisa dizer:/ Bernadete,
quem és tu? 152

147
1ª Assembleia Nacional de Mulheres: Resoluções sobre os direitos das mulheres, documento aprovado
em 18 nov., 1952. Arquivo Público do Estado de São Paulo, microfilmes do Archivio Storico del Movimento
Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo Pereira, Fundo Roberto Morena, 1932-1978.
148
PAIM, 1950, p. 46.
149
Ibid., p. 40.
150
PASSOS, 1945, p. 91.
151
As personagens foram inspiradas nas empregadas da família Passos de mesmo nome. Lembremos, como
foi narrado no capítulo 4, que Regina trabalhou para Jacinta em alguns momentos de sua vida.
152
PASSOS, op. cit., p. 92.
311

A resolução da “1° Assembleia Nacional de Mulheres” realizada pela FMB, assim


como a ficção, evidenciou que historicamente as mulheres “têm demonstrado plena
capacidade para todos os atos da vida civil e social”.153 No entanto, continuavam sendo
inferiorizadas social e juridicamente ao mesmo tempo em que a sociedade permanecia
sendo atravessada por uma cultura que naturalizava papeis para os “sexos”. Portanto,
defenderam que somente com mudanças estruturais as mulheres conseguiriam conquistar
efetivamente a emancipação.

7.6. As chaves da liberdade: independência econômica, moral e afetiva

Para a maioria das mulheres que compuseram o movimento feminista que estamos
acompanhando nestas páginas, a independência econômica era a chave mestra da porta
da liberdade. Para Nice Figueiredo: “Só a independência econômica assegurará às
mulheres um tratamento igual aos homens. Não a independência resultante de herança ou
dote, mas a decorrente do trabalho”.154 Lembremos que independência econômica não
significava simplesmente trabalhar fora de casa. As trabalhadoras pobres sabiam – e o
movimento feminista de orientação comunista compreendeu – que trabalhar por baixos
salários e sem infraestrutura adequada para as crianças não garantiria a autossuficiência
para as mulheres. Dentro do projeto defendido pelo PCB, as mulheres só conseguiriam
conquistar efetivamente a independência econômica quando existisse as condições
materiais necessárias no Brasil, o que só aconteceria quando o país se emancipasse do
imperialismo norte-americano. Pensando a intersecção de gênero e classe, Iracema
Ribeiro destacou:

A emancipação econômica da mulher está, portanto, estreitamente


ligada à emancipação econômica e política do Brasil. Não se poderá
libertar o povo brasileiro dos restos feudais e escravistas, conservando-
se 50% da população num regime de opressão. Da mesma maneira, a
mulher não se emancipará totalmente enquanto o povo brasileiro estiver
submetido ao julgo dos imperialistas norte-americanos que, apoiados
no regime de latifundiários e grandes capitalistas, têm todo interesse em
manter nosso povo no maior atraso, oprimido e sem gozar de
liberdade.155

153
1ª Assembleia Nacional de Mulheres, op. cit.
154
FIGUEIREDO, Nice. A importância do trabalho para a mulher casada. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 37, p. 11, 16 abr., 1948.
155
RIBEIRO, 1955, p. 3-4.
312

A interpretação de que a independência econômica era o elemento principal para


a emancipação/libertação das mulheres era hegemônica no comunismo internacional e no
pensamento feminista do período. Não por acaso, Simone de Beauvoir interpretou que na
família operária não havia dominação de sexo porque ambos batalhavam pelo sustento da
família. Ainda que as mulheres fossem desfavorecidas no mercado de trabalho, os
maridos “só” teriam sobre elas “o privilégio de espancá-la; mas ela opõe a esperteza à
força, e os esposos defrontam-se em pé de igualdade. Ao passo que a rica paga sua
ociosidade com a submissão”. 156 Mas, como vimos, a ideologia da domesticidade –
apontada pela própria filósofa – estava para todas as classes, tornando a equação das
relações entre homens e mulheres das camadas populares mais complexa do que a suposta
força versus esperteza.
Embora circulasse com intensidade a ideia de que a independência econômica era
o principal instrumento para a conquista da autonomia, o movimento de mulheres de
orientação comunista pavimentou o debate com outros elementos. Nice figueiredo
ponderou que para uma independência integral, que assegurasse “a capacidade de agir
por si própria, o poder de realizar a própria vontade [...]”, seria preciso construir, também,
a independência moral.

Se você, leitora, é uma mulher capaz de orientar a sua vida sem precisar
dos conselhos de todos os seus parentes e vizinhos, se você resolve seus
problemas morais ou de qualquer outra espécie sem exigir ajuda de
amigos; se você luta para realizar um ideal mesmo contra o ambiente
em que você vive; se você tem a coragem de sofrer para não obedecer
servilmente; se você prefere perder o conforto, o luxo e a comodidade
para sustentar a sua opinião e a sua vontade ou para não fazer o que lhe
parece errado, então, você pode ser independente. Você só não será
realmente independente se não for capaz, além de tudo, de bastar-se por
si própria, de trabalhar e sustentar-se, de se vestir, comer e morar na sua
própria casa, ou de contribuir com a sua parcela para a satisfação das
necessidades do grupo em que você vive. Esta é a independência
econômica que lhe permite ter independência moral.157

Neste sentido, a independência moral dependia da econômica, mas esta não


necessariamente garantiria aquela. A efetiva liberdade das mulheres estava condicionada
à conquista de ambas. Alina Paim concordou que era necessário que elas garantissem a
capacidade de reger suas próprias vidas sem precisar de rédeas masculinas. Mas o que
Nice chamou de dependência moral, ela denominou de escravidão afetiva a partir de uma

156
BEAUVOIR, 2016, p. 142.
157
FIGUEIREDO, Nice. O que é independência? Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 39, p. 4, 30
abr., 1948.
313

demarcação de gênero mais explícita. Através da voz de Luísa, observou que as mulheres
estavam imersas em uma cultura que as tornavam afetivamente dependentes dos homens.
De geração em geração eram ensinadas que precisavam de uma figura masculina gerindo
e controlando autoritariamente suas vidas, “primeiro o pai depois o marido”. Assim, a
sustentação do “poder odioso” era garantida pelas próprias mulheres devido ao “defeito
de visão” e à “educação lhe haviam colocado diante dos olhos”.158

Resignação e passividade no cativeiro vinham de longe, sucedendo-se


através de gerações que se perdiam no passado. Para que discutir se
estava na Bíblia, se Deus já havia dito milênios atrás, à primeira fêmea:
– “Multiplicai-vos grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor
terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido e ele te dominará”. De
cabeça baixa, culpada e servil, a mulher vem se arrastando como bicho
manso, coração cheio de vergonha, olhos sem esperança fitando um
homem à sua frente.159

Após uma sucessão de tragédias, Luísa foi impulsionada a “abrir os


compartimentos da alma”, processo que lhe possibilitou chegar à conclusão de que a
liberdade das mulheres estava condicionada não somente à conquista da independência
econômica e ao acesso à instrução, mas, sobretudo, à eliminação da “escravidão
afetiva”.160 “Era preciso começar do princípio, reconstruir a vida nos alicerces cavados
com a análise de si mesma, levantados sobre a compreensão de uma igualdade real entre
os sexos”.161

No último período da Escola Normal, discutira muito com as colegas


sobre a liberdade da mulher; naquela época seus planos de
independência reduziam-se à luta econômica, à posse do dinheiro;
algumas vezes avançava também no domínio intelectual, procurando
ter percepção lúcida de problemas humanos. Com surpresa Luísa
certificara-se que vencer nos terrenos econômicos e intelectual não
constituía tudo para a mulher, falta muito para que seja inteiramente
livre, senhora de seu destino. [...] Para quebrar cadeias, fora sacudida
pelo sofrimento, atirada no espaço ao sabor de conflitos, ferira e
ensanguentara as mãos. [...] Pela primeira vez, experimentara
independência, tinha consciência de liberdade agora que rompera com
a escravidão afetiva, abandonara as lentes falsas herdadas da mãe
Carolina, partira a continuidade de submissão mantida pelas mulheres
da família através de gerações. Escolhera o caminho, dirigia o voo

158
PAIM, 1949, p. 202-203.
159
Ibid., p. 202.
160
Depois de perder o marido em uma tragédia e de ter enfrentado a tentativa do pai em segurar as rédeas
de sua vida agora que estava viúva, Luísa colocou-se a pensar. Atrás do balcão da loja que agora lhe
pertencia, “passou as mãos sobre as cochas, alisando dobras do vestido de luto. Continuou pensando,
abrindo os compartimentos da alma, como quem penetra em terreno desconhecido, cheio de surpresas, de
que nunca se havia aproximado na ausência da luz”. PAIM, 1949, p. 203.
161
PAIM, op. cit., p. 206.
314

mesmo contra o vento, era livre e, sem apoio, começava a conhecer


segurança, compreendia que ela estava dentro de si mesma, nascia da
confiança nas próprias forças. Poderia viver em Simão Dias, em
qualquer parte do mundo, e permanecer independente, mantendo a
liberdade conquistada.162

Descobertas as razões de sua infelicidade, ela se sentiu livre tirando de dentro de


si “uma força vinda do mais profundo do seu ser, emprestando-lhe segurança e firmeza
necessárias para fazer-se respeitar, para amar e fazer-se amada, dentro do clima em que
isso é possível – na igualdade real entre homem e mulher!”.163 Mas a liberdade individual
não era suficiente. Era preciso uma construção coletiva de modo que todas as mulheres
pudessem se libertar do machismo.

Não tinha dúvidas sobre o que esperava. Os problemas não tinham


sido varridos por um raio salvador, iria viver dentro da sociedade
existente, e se transformação grandiosa havia operado dentro dela,
em oposição, o mundo permanecia o mesmo do período do conflito,
os homens julgando-se heróis, dissimulando sem êxito a mentalidade
de senhor.164

Em sintonia com Luísa, a personagem Ester – Sol do Meio Dia – quebrou muito a
cabeça para entender os problemas enfrentados pelas mulheres. Como consequência,
viveu tensos debates com os companheiros comunistas, que lhe acusavam de ter uma
“visão unilateral imbuída de paixões e, por isso, desgarrada do conjunto”.165 Acusada de
ter “um desvio feminista” – adjetivo que, no período, soava pejorativo para as mulheres
comunistas porque era uma forma de equipará-las às “pequeno-burguesas” – sofreu
muitas repreensões, que não a impediu de manter-se firme na defesa da igualdade entre
os sexos. Acreditava que os problemas das mulheres não poderiam ser pensados apartados
da luta de classes. “Custou-lhe muito entender que não existem problemas isolados, que
enquanto todo o povo fosse explorado, a mulher, por abandonar a casa pela fábrica ou
escritório, não alcançava por este gesto a sua carta de alforria”.166
Para Ester, diferente do que o partido muitas vezes tentou impor, o fim da
exploração da classe trabalhadora não traria a liberdade para as mulheres de maneira
automática. Para alcançá-la, seria necessária uma mudança estrutural radical nos campos
político, social e cultural. O projeto só seria bem-sucedido com a eliminação das

162
PAIM, 1949, p. 203-204.
163
Ibid. 206.
164
Ibid.
165
Idem., 1961, p. 92-93.
166
Ibid.
315

hierarquias entre homens e mulheres. A “questão da mulher” não deveria ser colocada em
plano secundário. “A luta não é mesquinha. [...] E por que é que você pensa que estamos
na luta, nós as mulheres? De que adianta vencer se na grande partilha não houver violetas
para todas”.167

Como gostaria de poder, no silêncio de uma noite estrelada de


Paripiranga, cobrir todos os muros como essas três palavras e mais
um outra! Pintaria – Pão, terra, amor e liberdade – e essa manhã devia
despontar como um toque de alvorada. [...] Não foi para que a vida
fosse mais bela que entrou na luta? Não foi para que o amor deixasse
de ser privilégio que se tornou militante?168

Para que as violetas chegassem às mãos de todas era preciso considerar,


efetivamente, a dimensão política da vida privada. Através da tragédia envolvendo a
família da dona da pensão, a narradora demonstrou o quanto a “febre da moralidade” e a
ideia de “honra” eram violentas. Dona Beatriz, sempre guardiã da moral e dos bons
costumes, obrigou a irmã a casar porque engravidou. Mas o marido fugiu. Para salvar a
“honra” da família, ela resolveu tomar o filho de Helena, sua irmã, e registrar como seu.
Convivendo na pensão como tia do próprio filho, Helena entrou numa profunda depressão
e cometeu suicídio. Diante do trágico desfecho, Esther mergulhou intensamente na
análise do problema, geralmente visto como individual, íntimo, mas que na verdade tinha
uma dimensão coletiva. “Enquanto despreocupada tagarelava aqui e ali sobre eleições,
intrigas e boatos corriqueiros, na casa de onde saiu uma vida fora despedaçada”.169

Mais terrível que o vazio do quarto era o vulto da sobrevivente [d.


Beatriz], na clausura da sala de janelas fechadas, esmagado pela sua
participação naquela morte. [...] – Querendo salvar, eu matei. Com as
palavras, Helena surgiu ali entre elas. [...] Era uma Helena que nunca
soube enxergar quando viva, uma jovem desposada do amor e do filho,
um coração em que a esperança foi estrangulada, um pensamento de
onde baniram até a sombra de um sonho. Uma criatura só não teria
fôlego para tamanha empresa de devastação. [...] O suicídio de Helena
lhe surgia mais complexo do que o derradeiro ato consumado na solidão
da noite. Era a última parcela de uma soma, a pequena vitória que unida
às anteriores permitiu à morte ocupar o espaço inteiro. Teria também
concorrido para isso? Qual o volume de sua participação naquela
derrota da vida? O recolhimento daquela hora era propício, guiava a
consciência para um exame desembaraçado. Fora parcial, tendo
conhecimento de um drama se fixou apenas em uma versão e muito de
leve. [...] Com uma lucidez tardia, buscou a mão de d. Beatriz e num

167
PAIM, 1961 p. 92-93.
168
Ibid., p. 33-34.
169
Ibid., p. 309.
316

aperto sereno, pronunciou com firmeza: – O suicídio de Helena é


responsabilidade de muitos.170

Os “muitos” enunciado provavelmente quis chamar a atenção para a


responsabilidade coletiva das tragédias cotidianas, muitas delas consequência do
moralismo. Era uma forma de demarcar que o pessoal é político. Ainda que d. Beatriz
tivesse responsabilidade na morte da irmã, ela também era vítima porque agia em defesa
de valores que lhes foram ensinados. Por esse motivo, a narradora não faz dela uma vilã.
Ela é construída como parte de um sistema atravessado pelo que chamou de “febre da
moralidade”. Na obsessão em manter a “honra” da família, d. Beatriz não conseguiu
dimensionar seus atos e, sem desejar, foi responsável pelo suicídio da irmã. No desenrolar
da história, evidencia-se o quanto a defesa intransigente da moral era hipócrita. A própria
d. Beatriz, nos subterrâneos da vida conjugal, teve um amante para tentar engravidar já
que não conseguia com o marido. O projeto foi frustrado, a relação acabou e o marido
morreu sem saber. Anos depois, ela casou novamente com um homem doze anos mais
jovem, tornou-se mãe do filho da irmã e obsessiva na salvaguarda da “moral” e dos “bons
costumes”. Na pensão, além da vigilância em relação à vida da irmã, era intolerante com
as mulheres que apresentassem qualquer desvio que ferisse o moralismo. Ao suspeitar
que uma das hóspedes mantinha relações extraconjugais, a expulsou e expôs a vida do
casal aos demais membros da casa.
Na pensão, d. Beatriz não era a única a vigiar o comportamento sexual das
mulheres. Havia uma rede de observadoras, cada qual com seus dilemas e sofrimentos,
mas sempre dispostas a julgar moralmente uma a outra. Somente aquelas que tinham
consciência de que todas estavam imersas na mesma tragédia não entravam na dinâmica
da fofoca, priorizando o acolhimento, a exemplo de Ester e dona Júlia; a primeira em
função da “consciência comunista”, a outra pela maturidade trazida pelas próprias
amarguras, já que sofreu as consequências de ter sido “mãe solteira”. Os enredos
evidenciam o peso da cultura na rede de aprisionamentos das mulheres. Os desfechos das
várias histórias de Sol do Meio Dia me permitem conjecturar que para Alina Paim, ainda
que não desconsiderasse o peso da dependência econômica, a “escravidão afetiva” e a
“febre da moralidade”, que ordenavam a vida sexual das mulheres e a estrutura da família
enquanto instituição eram os principais elementos da subordinação e infelicidade das
pessoas, sobretudo das mulheres.

170
PAIM, 1961, p. 324-325.
317

As percepções da escritora junto às várias vozes apresentadas ao longo da tese


evidenciam que o debate travado dentro do movimento feminista de orientação comunista
não foi consensual no que diz respeito aos caminhos que as mulheres deveriam percorrer
na conquista da liberdade. A independência econômica foi considerada por muitas o fator
principal, mas outras defenderam que era essencial garantir a “independência moral” e a
desconstrução da “escravidão afetiva”.

Apesar dos dissensos, grande parte das mulheres que movimentou o debate
compreendeu que havia uma cultura de subordinação do gênero feminino que atravessava
diferentes tempos e espaços. De geração em geração, as mulheres aprendiam a naturalizar
suas amarras e organizar suas vidas a partir de uma ordem de gênero regulada pelo
machismo estrutural que se misturava ao racismo e às desigualdades de classe. O
imbricamento gerava desigualdade entre as próprias mulheres.
As feministas que nos acompanharam ao longo da tese perceberam as
desigualdades e discutiram o que mais tarde Pierre Bourdieu chamou de violência
simbólica, que se traduz, na prática, no fato das mulheres assumirem sozinhas uma série
de responsabilidades na esfera doméstica, mesmo quando trabalham fora dela,
sobrecarregando-se; ao mesmo tempo em que se sentem culpadas e deprimidas quando
não conseguem se enquadrar aos ideais da feminilidade perfeita, que inclui o casamento
e a maternidade como suas principais realizações.171
Para o movimento feminista de orientação comunista, havia chegada a hora de
quebrar as hierarquias de gênero historicamente construídas. Sem pressa, de maneira

171
Pierre Bourdieu definiu a violência simbólica como um tipo de violência sutil marcada pela primazia da
dominação masculina, que “se afirma na objetividade de estruturas sociais e de atividades produtivas e
reprodutivas, baseadas em uma divisão sexual do trabalho de produção e de reprodução biológica e social,
que confere aos homens a melhor parte, bem como nos esquemas imanentes a todos os habitus: moldados
por tais condições, portanto objetivamente concordes, eles funcionam como matrizes de percepções, dos
pensamentos e das ações de todos os membros da sociedade, como transcendentais históricos que, sendo
universalmente partilhados, impõem-se a cada agente como transcendentes. Por conseguinte, a
representação androcêntrica da reprodução biológica e da reprodução social se vê investida da objetividade
do senso comum, visto como senso prático, dóxico, sobre o sentido das práticas. E as próprias mulheres
aplicam a toda a realidade e, particularmente, às relações de poder em que se veem envolvidas, esquemas
de pensamento que são produto da incorporação dessas relações de poder e que se expressam nas oposições
fundantes da ordem simbólica. Por conseguinte, seus atos de conhecimento são, exatamente por isso, atos
de reconhecimento prático, de adesão dóxica, crença que não tem que se pensar e se afirmar como tal e que
‘faz’, de certo modo, a violência simbólica que ela sofre”. BOURDIER, Pierre. A dominação masculina.
11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. p. 45.
318

progressiva, através de um movimento coletivo e organizado de mulheres – de


preferência, para grande parte delas, dentro dos princípios comunistas – conseguiriam
construir um mundo em que não fossem subjugadas, discriminadas e desfavorecidas em
função do seu “sexo”. Um universo pautado em valores feministas. “Não corras Dolores/
também eu não corro./ Quem chega primeiro/ ao cume do morro?/ Sozinho, ninguém!/
Pelos séculos dos séculos./Amém!”172

172
PASSOS, Jacinta. Canção do Segredo. In: PASSOS, Jacinta. Canção da partida. Salvador: São Paulo:
Edições Gaveta, 1945 apud AMADO, 2010, p. 109.
319

EPÍLOGO – FEMINISMO EM MOVIMENTO: UMA HISTÓRIA


PARA ALÉM DAS ONDAS

Chegou a hora das palavras finais de uma história que não se encerra aqui: a
história do feminismo ou dos feminismos no Brasil. Na tese minha intenção foi
demonstrar que entre as décadas de 1940 e 1970 desenvolveu-se um significativo
movimento feminista que comumente é negligenciado pela historiografia, que considero
ainda muito presa a uma cronologia que divide as temporalidades em fases bem
demarcadas. Essas narrativas pensam o movimento como uma extensão do movimento e
da epistemologia feminista construídos em países da Europa e nos Estados Unidos.
Ao longo dos capítulos espero ter demonstrado que é possível enxergar outros
movimentos para além das ondas. A primeira onda feminista não foi interrompida nos
anos 1940 para ressurgir em 1970 completamente renovada. A maré feminista sempre
esteve em movimento. Na disputa de narrativas produzidas no pós-1970 as vozes das
mulheres que se engajaram na luta contra a ordem de gênero antes da famosa década do
feminismo foram silenciadas.
No período que antecedeu a emblemática década de 1970, mulheres se articularam
politicamente e construíram projetos feministas de sociedade. A história que escolhi
contar está relacionada ao movimento feminista de orientação comunista que começou a
se articular institucionalmente a partir de 1945, perdendo força entre 1956-57. Apesar da
desestruturação institucional, suas agentes continuaram se movimentando e construindo
o pensamento/ação feminista. No processo, articularam e se expressaram de diferentes
maneiras, mobilizando vários meios: imprensa, organizações e literatura. Foi dirigido por
mulheres das camadas médias, letradas, brancas em sua maioria, o que não significa dizer
que não contou com a presença de mulheres negras e das camadas populares; presença
fundamental para que o movimento levantasse bandeiras compatíveis com a realidade
delas, a exemplo da legalização do emprego doméstico e de condições dignas para as
trabalhadoras, como creches próximas ao local de trabalho, lactários, escolas e condições
de higiene e segurança no emprego. O movimento assumiu o lugar político conectado às
mulheres trabalhadoras.
As demandas feministas foram diversas. Além das reivindicações próprias ao
mundo do trabalho, o movimento lutou por espaços no mundo da política pública ciente
320

de que não bastava a instituição legal do direito. As mulheres defenderam a modificação


do Código Civil de 1916; a igualdade política, jurídica e social para o gênero feminino,
sem perder de vista que enquanto houvesse desigualdade de classe era necessária uma
legislação diferenciada para as mulheres trabalhadoras (menor carga-horária, limitação
do trabalho noturno e menor tempo de contribuição para a aposentaria). Ademais,
pressionaram para que a história política do Brasil olhasse para as mulheres; questionaram
a cultura que demarcava lugares sociais de acordo ao gênero, mobilizando inclusive as
experiências de mulheres pobres que, na prática, contrariavam os ideais de feminilidade
normatizados; problematizaram o aborto, ainda que não defendessem a regulamentação;
defenderam o direito ao prazer sexual, dentro e fora do casamento; questionaram a ideia
de que as mulheres deveriam ser sexualmente recatadas; reivindicaram direitos e
condições dignas de trabalho, principalmente para as trabalhadoras pobres; denunciaram
o machismo que as trabalhadoras enfrentavam, fossem elas pobres ou das camadas
médias; e elaboraram análises que fundiam as opressões: gênero, classe e raça,
sobressaindo-se os dois primeiros demarcadores sociais.
O movimento teve de lidar com a repressão anticomunista e antifeminista do
Estado e com o machismo presente entre os militantes do PCB. Em linhas gerais, o partido
incentivou e investiu nas articulações políticas das mulheres, desde que subordinadas à
luta de classes e às determinações partidárias. Embora concordassem que a luta de classes
era prioritária, elas ampliaram o debate, denunciando que o machismo atrapalhava a
construção do projeto político comunista.
O mesmo machismo estrutural que atravessou o PCB no passado contribuiu para
que a historiografia do partido excluísse ou secundarizasse o movimento de mulheres.
Não por acaso, em muitas das narrativas as organizações sequer são mencionadas. Elas
só aparecem de maneira significativa nos trabalhos ligados ao campo da História das
Mulheres. Nos demais, raramente aparecem análises que pensem efetivamente o impacto
político das instituições de mulheres na dinâmica partidária. Não encontrei sínteses
capazes de demonstrar em que medida a ação das mulheres e/ou feministas foram
importantes para definir os programas do partido ou para sua sobrevivência em tempos
de crise, tema ainda em aberto.
O mesmo se aplica ao campo da História Política de forma geral. A exceção das
pesquisas ditas “específicas”, é muito difícil encontrarmos um balanço capaz de explicar
como os movimentos de mulheres influenciaram o jogo político brasileiro. Se os
movimentos protagonizados por mulheres brancas dificilmente compõem as análises, em
321

se tratando de mulheres negras a ausência é ainda mais flagrante. Durante a pesquisa me


deparei com pistas importantes sobre organizações políticas de empregadas domésticas
nas décadas de 1940 e 1950. Uma história, sem dúvida, protagonizada por mulheres
pretas, dadas as características estruturais do Brasil. Não tive fôlego e tempo para coletar
a documentação necessária para contar essa história, que considero fundamental para
entendermos os meandros da política brasileira. Pretendo fazê-lo muito em breve. Por
ora, deixo alguns questionamentos: será que a constelação de siglas de organizações
“femininas”/feministas que citei ao longo da tese (cerca de 27), somadas a outras que não
aparecem aqui, não tiveram nenhum impacto na dinâmica da história política brasileira?
Ou a importância foi muito secundária ao ponto dessa história não merecer atenção? Se
considerarmos o silêncio da maior parte dos trabalhos relacionados ao campo, parece que
tiveram pouca ou nenhuma importância, já que em muitos as siglas sequer são citadas.
Mas não aposto na irrelevância. Novas pesquisas certamente irão nos revelar
novas respostas. Talvez a história política possa ser recontada a partir de experiências
coletivas e/ou trajetórias de mulheres diversas. Acredito que os feminismos e a inserção
das mulheres na política não devem ser entendidos como movimentos “específicos”, à
margem da história política, mas como parte dela. Tanto é assim que uma das
características do anticomunismo foi o antifeminismo. No entanto, os estudos sobre
anticomunismo praticamente não evidenciam a dimensão do imbricamento
anticomunismo-antifeminismo. Ao longo da tese demonstrei que as ações feministas
incomodaram os grupos conservadores que não pouparam ataques antifeministas –
abertos ou sutis. O movimento feminista de orientação comunista ocupou um difícil
“entre lugar”: além do antifeminismo conservador, teve que driblar o antifeminismo-
comunista e o anticomunismo-feminista. Todavia, carecemos de pesquisas mais
consistentes sobre o assunto. Acredito que uma análise mais aprofundada traria
contribuições importantes ao campo da História Política.
No caso das mulheres que estudei, percebi que elas tiveram de jogar. Fizeram
concessões às pautas que o PCB – partido hegemonicamente masculino – estabeleceu
como prioritárias. Ao mesmo tempo, disputou espaços para fazer valer as demandas
feministas. As discussões evidenciaram que participação das mulheres na esfera pública
estava condicionada à resolução de problemas do âmbito privado. Neste sentido, houve a
problematização do modelo de casamento e família, bem como a reflexão sobre a
maternidade e sobre temas espinhosos e polêmicos, como aborto, divórcio e moral sexual.
322

Elas também pleitearam um modelo de educação igualitária para meninos e


meninas distante dos sentidos de gênero culturalmente compartilhados. Com isso,
desnaturalizaram muitas das diferenças que geravam – e ainda geram – desigualdades
entre homens e mulheres. Na primeira metade do século XX, parte das feministas
compreendia que muitas das diferenciações descritas como biológicas eram socialmente
construídas e se insurgiu contra a falácia da superioridade dos homens. As mulheres
movimentaram-se cientes de que para elas a disputa por e no espaço público estava
relacionada à política do cotidiano. Os dois âmbitos, marcados por relações de poder e
inferiorização do gênero feminino, se interpenetravam. Muitas das dificuldades que
encontravam na política e no trabalho eram consequência das tarefas que, em diferentes
níveis (a depender da classe/raça/idade/região), assumiam na administração da vida
doméstica. Portanto, o feminismo entre ondas chamou a atenção para o fato de que “o
pessoal é político”, ainda que não tenha usado o slogan que se tornou famoso na década
de 1970.
O reconhecimento dos vários fatores que contribuíam para a inferiorização das
mulheres foi seguido não apenas pela sugestão de modelos ideais de relações de gênero
em casa e fora dela, mas também pelo convite para que lutassem pela transformação da
sociedade de modo que fosse assegurado às mulheres e aos homens direitos, deveres e
oportunidades equânimes nas esferas pública e privada. As independências econômica,
moral e afetiva foram levantadas como fundamentais para o projeto feminista de
sociedade. A maioria estava de acordo que havia uma cultura de subordinação das
mulheres que atravessava diferentes tempos e espaços. De geração em geração, elas
aprendiam a naturalizar suas amarras e organizar suas vidas a partir da regulação
masculina. Mas as hierarquias de gênero historicamente construídas deveriam ser
eliminadas. Acreditavam que sem pressa, de maneira progressiva, através de um
movimento coletivo e organizado, de preferência – para grande parte delas – dentro dos
princípios comunistas, conseguiriam construir um mundo em que todas as mulheres não
seriam subjugadas, discriminadas e desfavorecidas.
Mas apesar do debate e ações políticas contra a cultura machista, o movimento de
mulheres de orientação comunista não se percebia feminista. Entre os principais motivos
para a recusa estavam a identidade comunista de muitas delas, a leitura de que o
feminismo era um movimento liberal e os rótulos pejorativos atribuídos às feministas. A
recusa do nome talvez ajude a explicar a sua não inclusão na historiografia sobre o
feminismo, que não raro afirma que entre as décadas de 1940 e 1970 houve uma retração,
323

beirando a ausência, de ações e discussões feministas no Brasil. No máximo, há um


reconhecimento de que algumas iniciativas individuais, lidas como excepcionais,
“anteciparam” o debate sobre questões que só se tornariam centrais para os movimentos
feministas a partir dos anos 70 do século XX.
Contrariando esta perspectiva, na tese trabalhei para demonstrar que a história do
feminismo no Brasil deve ser entendida como um movimento político difícil de ser
encaixado em etapas bem delimitadas. Jogando com as possibilidades abertas pelo
contexto, ao longo do século XX o movimento se organizou de diversas maneiras e a
partir de concepções políticas muitas vezes divergentes. A perspectiva das ondas não dá
conta de explicar o fenômeno. É preciso problematizar a ideia de que existe uma linha
evolucionista em que o feminismo do Norte-Global serve de métrica para avaliar o
desenvolvimento dos feminismos do Sul, geralmente vistos como evoluindo de acordo
com as ondas estrangeiras. É fundamental analisarmos as continuidades e
descontinuidades não apenas entre temporalidades distintas, mas também entre os
diversos grupos. Novas pesquisas neste sentido certamente ajudarão a compreender
melhor o desenvolvimento do feminismo no país e da conformação de uma cultura
política feminista. Ainda carecemos de pesquisas capazes de explicar satisfatoriamente
esta cultura política que hoje, aparentemente, se relaciona mais diretamente com os
movimentos de esquerda.
Por ora, arrisco a hipótese de que a hegemonia das mulheres de esquerda no
movimento feminista começou a ser forjada a partir da década de 1950. Entre as décadas
de 1920 e 1930 o movimento feminista de maior visibilidade era o da Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino, de orientação liberal. Pelo menos, este é o mais estudado
quando se fala em “feminismo de primeira onda”. Mas a partir de meados da década de
1940 a federação de Bertha Lutz perdeu espaço para o movimento feminista de orientação
comunista. As razões para a perda ainda não foram suficientemente exploradas. Se
observarmos, grande parte dos trabalhos sobre o “movimento de mulheres” entre as
décadas de 1940 e 1950 se debruça sobre as mulheres do PCB. Na década de 1970,
novamente são as mulheres de esquerda, agora organizadas em diversas siglas que
emergiram depois do golpe de 1964, que se sobressaem. O movimento denominado de
“feminismo de segunda onda” passa a ser descrito como hegemonicamente de esquerda,
ainda que se enfatize que muitas mulheres optaram por romper com partidos ou grupos
de hegemonia masculina. Mais do que isso: o feminismo em si passa a ser lido como
“naturalmente” de esquerda. Por vezes, não se considera a história do processo. Quando
324

e por que efetivamente os movimentos feministas passaram a ser hegemonicamente de


esquerda?
A narrativa que não pensa a dimensão histórica do processo acaba encobrindo a
complexidade de um movimento que ao longo da República se desenvolveu alinhado a
diferentes partidos – à direita e à esquerda – ou sem vínculos partidários. Um movimento
marcado por trânsitos. Encontrei mulheres que foram da Federação de Bertha Lutz e
depois se deslocaram para os grupos ligados ao PCB, a exemplo de Alice Tibiriçá e Nuta
James, talvez o inverso tenha acontecido. Pensar esses trânsitos provavelmente ajuda a
explicar o processo. A ação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino durante a
Ditadura Civil-Militar é outra história não contada. A federação, articulando por cima,
barganhou com os governos da ditadura e quiçá foi fundamental para garantir conquistas
feministas importantes. Mas isso é uma outra história...
Para encerrar, acho fundamental retomar as vozes das mulheres que construíram
o movimento que acompanhamos ao longo dos sete capítulos. Abri a tese com a voz de
Alina Paim, que apontava para os problemas das relações entre os gêneros, dizendo que
as mulheres precisavam de desvencilhar da dependência econômica, intelectual e,
principalmente, afetiva. Agora termino com as palavras de esperança e convite à luta
feminista de Nice Figueiredo, escritas há pouco mais de setenta anos, mas que continuam
com uma lamentável atualidade. Após tantas décadas:

Nós, as mulheres, temos muito que fazer. Temos de lutar contra muita
coisa e por muita coisa. Seja por um lugar ao sol ou um descanso à
sombra, seja pela igualdade de direitos ou pelo direito de comer, seja
pela paz ou guerra às injustiças, ao desrespeito e à irresponsabilidade.
Há, e ninguém melhor do que nós, sabe que há, muito que defender e
conquistar. [...] É possível que realizemos alguma coisa ou que nada
consigamos. Não importa. Virá um ano novo e com ele uma nova
esperança. Assim vamos continuando o nosso trabalho enquanto o
tempo passa sem olhar sequer para nós. Mas este mesmo tempo
indiferente será o nosso mensageiro às mulheres que viverão depois no
mundo melhor que estamos preparando.1

1
FIGUEIREDO, Nice. Mais um ano de luta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 24, p. 2, 03 jan.,
1948.
325

REFERÊNCIAS

 Fontes

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NA HISTÓRIA do Trabalho Humano pela primeira vez reúnem-se Mulheres
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NOSSO Congresso. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 60, p. 3-4, 30 jun.,
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NOSSOS Filhos. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 33, p. 5, 12 mar., 1948.
O ESTADO soviético condecora as mães. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n.
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O SENADOR do povo – Bom irmão, bom pai, bom homem. Momento Feminino, Rio
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OLIVEIRA, Déa Novais. A mulher precisa fazer política. Momento Feminino, Rio de
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PARANÁ: as mulheres vencem o Mandato de Segurança. Momento Feminino, Rio de
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PEREIRA, Maura de Sena. Em Nova Lima uma das mais belas organizações femininas
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PREPARANDO a Conferência Internacional das Mulheres Trabalhadoras. Momento
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PROBLEMAS daqui e do mundo: o futuro das mulheres de cor. Momento Feminino,
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PROCLAMAÇÃO Feminina. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 14, p. 5, 24
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QUATRO anos de vida. Uma vitória e uma necessidade. Momento Feminino, Rio de
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REGRESSARAM ao Brasil as mensageiras da Paz. Momento Feminino, Rio de Janeiro,
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Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 86, p. 6, ago., 1951.
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SONIA Kavakevska. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 6, p. 5, 29 ago.,
1947.
TELEGRAMAS da FMB. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 69, p. 2, 18
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TEREZA Margarida da Silva Orta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 5,
08 ago., 1947.
TRECHOS das intervenções da delegada da Federação de Mulheres do Brasil, Fany
Bastos, na Conferência de Moscou. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 64, p.
7, 31 jan., 1950.
TRECHOS de teses Apresentadas à Mesa Redonda promovida pela Federação
Brasileira pelo Progresso Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 25, p.
2, 09 jan., 1948.
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4, 30 jan. 1948.
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3, 02 mai., 1950.
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HAMPEJS, Zdenek. Um acontecimento significativo na literatura Latino-Americana.
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ILEGAL a suspenção da Federação de Mulheres. Imprensa Popular, Rio de Janeiro,
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PEREIRA, Astrojildo. O novo romance de Alina Paim. Imprensa Popular, ano 3, n.
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RIBEIRO, Iracema. Sobre o trabalho do Partido Comunista do Brasil entre as mulheres.
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AS MULHERES baianas têm as suas candidatas. O Momento, Salvador, ano 2, n. 283,
p. 1, 03 jan. 1947.
AS MULHERES devem organizar-se para saírem da escravidão. O Momento, Salvador,
ano 1, p. 1, 05 mai. 1946.
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CHAPA Popular do Partido Comunista. O Momento, Salvador, ano 1, p. 1, 19 nov.


1945.
CONFIAR firmemente nas liberdades conquistadas. O Momento, Salvador, ano 1, p. 1,
25 jun., 1945 1945.
GUIMARÃES, Wladimir. Heroina e Martir. O Momento, Salvador, ano 1, p. 2, 15 out.,
1945.
MOBILIZAM-SE as mulheres do mundo inteiro na luta contra a guerra. O Momento,
Salvador, ano 5, n. 969, p. 3, 12 abr. 1949.
O POVO não pode mais ser enganado. O Momento, Salvador, ano 1, n. 37, p. 5, 29
nov., 1945.
OS COMITÊS Democráticos farão o natal dos bairros. O Momento, Salvador, ano 1, n.
42, p. 8, 24 dez. 1945.

 Revista Leitura. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional <


http://memoria.bn.br/>

A HORA Próxima em Russo. Leitura, Rio de Janeiro, ano 15, n. 5, p. 72, nov., 1957.
BRASILEIROS: lemos os seus livros na Rússia. Leitura, Rio de Janeiro, n. 59, p. 32-33,
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LEITE, Ascendino. Estrada da Liberdade. Leitura, Rio de Janeiro, n. 25, p. 18, jan.,
1945.
LIMA, Camillo de Jesus. Estrada da Liberdade. Leitura, Rio de Janeiro, n. 29, p. 48,
mai., 1945.
LIMA, Melo. Leitura descobre uma romancista. Leitura, Rio de Janeiro, n. 19, p. 40-41;
69, jun. 1944.
MEDAUAR, Jorge. Dois romances. Leitura, Rio de Janeiro, n. 34, p. 12-16, out., 1945.
ROSEMBLATT nos fala da Editora Globo. Leitura, Rio de Janeiro, n. 47, p. 18, fev.
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SOUZA, Fernando Tude. A professorinha Marina. Leitura, Rio de Janeiro, n. 27, p. 13,
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TRÊS notáveis escritores soviéticos visitaram o brasil. Leitura, Rio de Janeiro, n. 67, p.
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 Voz Operária. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional <


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PAIM, Alina. O comunismo é como o vento. Voz Operária, Rio de Janeiro, ano 2, n.
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PARA onde vai o governo de JK. Voz Operária, Rio de Janeiro, n. 402, p. 5, 02 fev.,
1957.

 Revista Seiva. Fotocópias de acervo particular

ESCRITORES das Américas: Lima Barreto. Seiva, Salvador, ano 3, n. 10, p. 35, out.,
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PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10,
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 Novos Rumos. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional <


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JURANDIR, Dalcídio. Três Livros. Novos Rumos, Rio de Janeiro, ano 3, n. 120, p. 5,
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 Periódicos da imprensa de grande circulação. Todos disponíveis na Hemeroteca


Digital da Biblioteca Nacional < http://memoria.bn.br/>

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ABERTURA de inquérito na Câmara dos deputados. Diário de Notícias, Rio de Janeiro,
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AROLIMA. Sagramor: uma vida voltada para uma obra. Revista do Rádio, Rio de
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AS MULHERES brasileiras querem um lugar na mesa da paz. Diário da Bahia, Salvador,
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BASTIDE, Roger. Tabuleiro de livros da Bahia. O Jornal, ano 27, n. 7627, p. 4, 10 mar.,
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MORADORAS de Irajá protestam contra violências e dirigem um apelo ao chefe de
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MORAES, Santos. Gazetilha Literária. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 134,
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PROFESSORES do Rio apoiam manifesto de paulistas. Jornal do Brasil, Rio de
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PROVAREMOS em juízo serem patrióticas as atividades da Federação de Mulheres.
Última Hora, Rio de Janeiro, ano 7, n. 2.037, p. 5, 16 fev., 1957.
PRÓXIMOS Lançamentos. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 18 jan., 1948, p. 1
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SALLES, Heráclio. Notas de literatura. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 26, n.
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SÉRIE de provocações anticomunistas para abrir caminho à reação e ao entreguismo. Voz
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SPINOLA, Lafaiete. O Imparcial, Salvador, 24 out., 1942, p. 5 apud. AMADO, 2010, p.
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VASCONCELOS, João. Nos domínios da Ficção. Diário de Pernambuco, Recife, ano
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VIEIRA, José Geraldo. Poesia – solução para tudo. Correio Paulistano, São Paulo, ano
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______. O Círculo. Rio de Janeiro: Lidador, 1965.
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______. A Sétima Vez. Aracaju: Fundesc, 1995.

 Livros infanto-juvenis

PAIM, Alina. A casa da coruja verde. Rio de Janeiro: Conquista, 1962.


______. Luzbela vestida de cigana. Rio de Janeiro: Conquista, 1962.

 Contos

PAIM, Alina. A Carta. Leitura, Rio de Janeiro, ano 9, n. 43-44, p. 22-23, jan./fev.,
1961.
______. A casa. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 68, p. 4, 02 mai., 1950.
______. A outra lição. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 81, p. 4, fev., 1951.
______. Agonia. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 48, n. 17.184, p. 2 (3°
Caderno), 27 mar., 1949.
______. Inauguração da luz elétrica. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p.
8, 01 ago., 1947.
339

______. O comunismo é como o vento. Voz Operária, Rio de Janeiro, ano 2, n. 82, p.
12, Rio de Janeiro, 16 dez.

 Artigos jornalísticos

PAIM, Alina. A educação na Rússia. Leitura, Rio de Janeiro, ano 3, n. 29, p. 47, mai.,
1945.
______. Dez dias que abalaram o mundo. Leitura, Rio de janeiro, ano 3, n. 31, p. 34,
jul., 1945.
______. A Mulher e a FEB, O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 22 set., n. 48, p. 3, 1945.

 Entrevistas

BONFIM, Beatriz. Com Alina Paim voltam ao romance os temas do subúrbio carioca:
A Correnteza. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 89, n. 69, p. 1 (Guia Semanal de
Ideias e Publicações), 16 jun., 1979.
GONÇALVES, Isolda. Autora de livros queimados em praça pública rompe silêncio de
12 anos. Diário de Pernambuco, Recife, ano 154, n. 169, p. 7 (seção D), 24 jun., 1979,
republicada em Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, ano 29, n. 109, p. 6, 14-15 jul.,
1979.
Entrevista concedida a Ana Maria Leal Cardoso, fev., 2009, Campo Grande, MS apud
CARDOS, Leal. A obra de Alina Paim. Interdisciplinar, Aracaju, ano 4, v. 8, p. 35-45,
jan./jun., 2009.
MEIRA, Mauritônio. Alina Paim (escritora com rosto de adolescente) faz Romance
Social com a participação do povo. Última Hora, Rio de Janeiro, ano 4, n. 999, p. 5-6, 18
set., 1954.

TEXTOS DE JACINTA PASSOS

 Poesias: todas disponíveis em: AMADO, Janaína (Org.). Jacinta Passos,


coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador:
EDUFBA/Corrupio, 2010.

PASSOS, Jacinta. Canção Simples. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel.
Nossos Poemas. Salvador: Bahiana, 1942.
340

______. Eu serei poesia. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos
Poemas. Salvador: Bahiana, 1942.
______. Limitação. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos Poemas.
Salvador: Bahiana, 1942.
______. Mulher. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos Poemas.
Salvador: Bahiana, 1942.
______. O momento eterno. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nosso
Poemas. Salvador: Bahiana, 1942.
______. Ressonância. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos
Poemas. Salvador: Bahiana, 1942.
______. Canção da Partida. In: PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo:
Edições Gaveta, 1945.
______. Canção do Segredo. In: PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo:
Edições Gaveta, 1945.
______. Os heróis e as feras. In: PASSOS, Jacinta. A Coluna. Rio de Janeiro: Coelho
Branco, 1947.
______. Canção do amor livre. In: PASSOS, Jacinta. Poemas Políticos. Rio de Janeiro:
Casa do Estudante do Brasil, 1951.
______. Elegia das quatro mortas. In: PASSOS, Jacinta. Poemas Políticos. Rio de
Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1951.
______. Oposição no singular. Caderno 2, 1967.
______. Comprimidos poéticos, Caderno 14, 1968
______. Comprimidos poéticos. Caderno 18, 1968.

 Contos

PASSOS, Jacinta. Uma história de três mães. Caderno 2, 1967.

 Artigos jornalísticos

PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10,
ago., 1942.

 Entrevistas
PASSOS, Jacinta. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas. O Momento,
Salvador, ano 1, n. 40, p. 3, 10 dez., 1945.
341

MEMÓRIAS

 Livros

BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos: memórias. São Paulo: Alfa-Ômega,
1976.
CHAVES NETO, Elias. Minha vida e as lutas de meu tempo. São Paulo: Alfa-Omega,
1977.
FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conheci (20 anos de clandestinidade). Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988.
FERRAZ, Geraldo Galvão (Org). Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia
Galvão. Rio de Janeiro: Agir, 2005. p. 126-127.
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões à luta
armada. 2° ed. São Paulo: Ática, 1987.
MONTENEGRO, Ana. Ser ou não ser feminista? Recife: Cadernos Guararapes, v. 3,
1981.
MONTENEGRO, Ana; OLIVEIRA, Jardilina de Santana. Falando de Mulheres.
Salvador: ND. Gráfica e Editora LTDA, 2002.
PRESTES, Maria. Meu companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes. Rio de
Janeiro: Rocco, 1992.
RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere, vol. 1. Rio de janeiro/São Paulo: Record,
1986.
TOSCANO, Moema; GOLDEMBERG, Mirian. A Revolução das Mulheres. Rio de
Janeiro: Revan, 1992.

VINHAS, Moisés. O Partidão: a luta por um partido de massas 1922-1974. São Paulo:
Hucitec, 1982.
WERNECK, Maria. Sala 4: primeira prisão política. Rio de Janeiro: CESAC, 1988.

 Entrevistas

ALAMBERT, Zuleika. Entrevista cedida a Roselane Neckel em 04 ago., 2006. Transcrita


por Veridiana Bertelli de Oliveira.

OUTROS DOCUMENTOS
 Oficiais
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BRASIL. Decreto-Lei n° 5.452, de 1 de maio de 1943. Consolidação das Leis do


Trabalho. Rio de Janeiro, DF: Presidência da República [1943]. Disponível em: <
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BRASIL. Emenda Constitucional n° 9, de 28 de junho de 1977. Brasília, DF: Câmara
dos Deputados/Senado Federal [1977]. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc09-
77.htm> Acesso em: 30 nov., 2019.
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econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do
povo. Brasília, DF. Presidência da República [1962]. Disponível em: <
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/leidel/1960-1969/leidelegada-4-26-setembro-
1962-366961-publicacaooriginal-1-pl.html> Acesso em: 25 jan., 2020.
BRASIL. Lei n° 4.121, de 27 de agosto de 1962. Situação Jurídica da Mulher Casada.
Brasília, DF: Presidência da República [1962]. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L4121.htm> Acesso em: 29
out., 2019.
BRASIL. Lei n°. 6.515, de 26 de dezembro de 1977, de 26 de dezembro de 1977.
Dissolução da Sociedade Conjugal e do Casamento. Brasília, DF: Presidência da
República [1977]. Disponível em:
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BRASIL. Lei nº 10.406, de10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasil, DF. Presidência
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BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do
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Certidão de Óbito de Alina Leite Paim, nº 062000155 2011 4 00108 22 0032362 27.
Documento consultado no acervo particular do pesquisador Gilfrancisco.
Elementos subversivos do SIA Ministério da Agricultura, Rio de Janeiro, 10 nov., 1966.
Arquivo Nacional, Serviço Nacional de Informações. ID. C0084001-1983.
Prontuário n° 45.289 (Solicitação de antecedentes de Alina Leite Paim para viagem para
a Itália, França, Suíça e Inglaterra). Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, fundo
DPS.
Recrutamento para o Partido Comunista do Brasil. Arquivo Público do Estado do Rio
de Janeiro, Fundo Polícia Política; Série comunismo, notação 2-A, maço 03. fls. 99-152.
343

SECRETARIA da Educação, Saúde e Assistência Pública. Diário Oficial da Bahia. 19


mai., 1938.

 Textos diversos

ALAMBERT, Zuleika. Feminismo: o ponto de vista marxista. São Paulo: Nobel, 1986.
AMADO, James. Chamado do mar. São Paulo: Círculo do Livro, s/a.
AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos. São Paulo: Martins, 10ª ed. 1964.
______. O Cavaleiro da Esperança: vida de Luís Carlos Prestes. São Paulo: Cia das
Letras, 2011.
Caso 171. Folhetos do Partido Comunista do Brasil. Disponível em:
<http://sovdoc.rusarchives.ru/> Acesso em: 10 set., 2019.
FOREL, Augusto. A Questão Sexual. 10 ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1941.
KOLLÖNTAI, Alexandra. A nova mulher e a moral sexual. São Paulo: Global, 1979.
LÊNIN, V. I. O socialismo e a emancipação da mulher. Rio de Janeiro. Vitória, 1956.
LOBO, Mara. Parque Industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
MATOS, Ariovaldo. Corta-Braço. 2 ed. Salvador: EGBA; Fundação Cultural do Estado
da Bahia, 1988.
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1999.
TOLEDO, Cecília (Org.). A mulher e a luta pelo socialismo: Coletânea de textos de Marx,
Engels, Lenin, Clara Zetkin, Trotski. Sundermann: São Paulo, 2014.

 Projetos, programas, resoluções e manifestos

1ª Assembleia Nacional de Mulheres: Resoluções sobre os direitos das mulheres,


documento aprovado em 18 nov., 1952. Arquivo Público do Estado de São Paulo,
microfilmes do Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo
Pereira, Fundo Roberto Morena, 1932-1978.
5ª Convenção Nacional Feminina convocada pela Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileiro pelo
Progresso Feminino. Código de Referência: BR RJANRIO Q0.ADM, EVE. COV.16. p.
1.
Ano Internacional da Mulher. Arquivo Nacional, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência: BR RJANRIO Q0.ADM,
EVE.CNF,TXT.33, v. 3.
344

Anteprojeto de plano para organização de livro sobre História do Movimento Feminino


no Brasil. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência: BR AN, RIO Q0.ADM,
EOR.ELV.1. fl. 1-75.
Conclusões da 5° Convenção Nacional Feminina convocada pela Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino em louvor a Princesa Isabel, no seu centenário. Arquivo
Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, Rio
de Janeiro. Código de Referência: BR AN, RIO Q0. ADM, EVE. COV. 16.
FIALHO, Branca. Resposta ao Senador Hamilton Nogueira Arquivo Público do Estado
de São Paulo, microfilmes do Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano,
Instituto Astrojildo Pereira, Resistência Interna [e apoio internacional]. Processos,
prisões e torturas.
Manuscrito. Arquivo Público do Estado de São Paulo, microfilmes do Archivio Storico
del Movimento Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo Pereira, Resistência Interna [e
apoio internacional]. Processos, prisões e torturas.
OS COMUNISTAS e a questão da mulher. São Paulo: Cerifa/Novos Rumos, 1982.
Programa para a celebração do Ano Internacional da Mulher, 10° Boletim Periódico,
jan., 1975. Arquivo Nacional, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
Código de Referência: BR RJANRIO Q0.ADM, EVE.CNF,TXT.33, v. 2.

 Livro de Atas

Livro de Atas, v. 7, p. 21-24. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação


Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência: BR NA, RIO Q0.ADM,
EOR.SEC, TXT.2, V.7.
Livro de Atas, vol. 5. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência BR AN, RIO Q0.
ADM, EOR.SEC, TXT.2, v. 5.

 Cartas e telegramas

Carta da Associação Cívica Feminina (assinada por sua presidenta, Felita Presgare
Amaral) para Berta Lutz. 11 abr., 1945, p. 7-8. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro,
Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, código de referência: BR AN,
RIO Q0. ADM, COR A945.4.
Carta enviada ao General Humberto de Alencar Castelo Branco em 14 abr., 1964.
Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0. ADM, COR. A964.3, p. 34.
345

Telegrama enviado ao General Olímpio Mourão Filho em 08 abr., 1964. Arquivo


Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código
de Referência BR RJANRIO Q0. ADM, COR. A964.3, p. 31.
Telegrama enviado ao Governador Ademar de Barros em 06 abr., 1964. Arquivo
Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código
de Referência BR RJANRIO Q0. ADM, COR. A964.3, p. 27.
Telegrama enviado ao Governador Carlos Lacerda em 06 abr., 1964. Arquivo Nacional,
Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de
Referência BR RJANRIO Q0. ADM, COR. A964.3, p. 29
Telegrama enviado ao Governador Magalhães Pinto em 06 abr., 1964. Telegrama
enviado ao Senador Auro Moura Andrade em 03 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência
BR RJANRIO Q0. ADM, COR. A964.3, p. 28.
Telegrama enviado ao Senador Auro Moura Andrade em 03 abr., 1964. Arquivo
Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código
de Referência BR RJANRIO Q0. ADM, COR. A964.3, p. 26.

 Documentos policiais

Processo de apreensão de material comunista. Arquivo Público do Estado da Bahia


(APEB), fundo: Secretaria de Segurança Pública, Delegacia Auxiliar (Capital).
PROIBIÇÃO da revista Momento Feminino. Arquivo Nacional Torre do Tombo, PIDE,
Secretariado Nacional de Informação, Censura, cx. 733, 2f.
Prontuário 107813, Alina Paim, 16 mar., 1951. Arquivo Público do Estado de São
Paulo, Departamento de Ordem Política e Social, DEOPSSPA007709. Disponível em: <
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/acervo/repositorio_digital/deops_ficha>
Acesso em: 12 set., 2019.
Prontuário n. 113825, Jacinta Passos, 17 dez., 1951. Arquivo Público do Estado de São
Paulo, Prontuários, Departamento de Ordem Política e Social, DEOPSSPJ000115.
Disponível em: <
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/acervo/repositorio_digital/deops_ficha>
Acesso em: 12 set., 2019.
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 Bibliografia

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ed. São Paulo: Cortez, 2018.
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1940). 2 ed. São Paulo: Intermeios, 2013.
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício
do Brasil. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2007.
BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. São Paulo:
Circulo do Livro, s/a.
BEAUVOUIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. v. 1, 3 ed., Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2016.
______. O Segundo Sexo: a experiência vivida. v. 2. 3 ed., Rio de Janeiro: Nova
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Campinas: UNICAMP/CMU, 2007.
BLAY, Eva Alterman; AVELAR, Lúcia (Orgs.). 50 anos de feminismo: Brasil,
Argentina e Chile. São Paulo: EdUSP/FAPESP, 2017.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 11° Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2012.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 11ª ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
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política do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019.
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Janeiro: Record/Rosa dos Ventos, 1996.
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1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
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urbana, 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
______. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da
cidadania plena. Rio de janeiro: 7Letras, 2013.
SOUSA, Ladjane Alves. Rainhas. Salvador: EDUFBA, 2018.
SOUZA-LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e
resistência. São Paulo, Perseu Abramo, 2011.
TOSCANO, Moema; GOLDEMBERG, Mirian. A Revolução das Mulheres. Rio de
Janeiro: Revan, 1992.
VAZQUEZ, Petilda Serva. Momento: intervalo democrático e sindicalismo (1942-
1947). Salvador: UNIJORGE, 2009.
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade. São
Paulo: Expressão Popular, 2007.

2. Teses, dissertações e TCC’s


350

ABREU, Maira Luisa Gonçalves de. Feminismo no exílio: o Círculo de Mulheres


Brasileiras em Paris e o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris. Dissertação
(Mestrado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2010.
ALVES, Iracélli da Cruz. A política no feminino: uma história das mulheres no Partido
Comunista do Brasil – seção Bahia (1942-1949). Dissertação (Mestrado em História) –
Departamento de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Estadual de Feira de
Santana, Feira de Santana, 2015.
______. Bravas Companheiras! Representações do feminino em O Momento (1945-
1947). 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em História) –
Departamento de Educação, Universidade do Estado da Bahia, Alagoinhas, 2013.
ALVES, Luciana. Significados de ser branco – a brancura no corpo e para além dele.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2010.
BACK, Lilian. A seção feminina do PCB no exílio: debates entre o comunismo e o
feminismo (1974-1979). 2013. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2013.
BASTOS, Natália de Souza. Elas por elas: trajetórias de uma geração de mulheres de
esquerda. Brasil – anos 1960-1980. 2007. Dissertação (Mestrado em História) –
Instituto de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.
BATISTA, Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos: acomodação e reação política
ao governo de Getúlio Vargas (1930-1937). 2018. Tese (Doutorado em História) –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2018.
BRITO, Antônio Mauricio Freitas. O Golpe de 64, o movimento estudantil na UFBA e
resistências à Ditadura Militar (1964-1968). 2008. Tese (Doutorado em História) –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2008.
CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do Outro como não-ser como fundamento
do ser. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2005.
CRUZ, Jaíza Pollyanna Dias da. “Ou isto ou aquilo”: implicações entre maternidade e
militância para mulheres que militaram em oposição à ditadura militar no Brasil (1964-
1985). Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.
CUNHA, Maria de Fátima da. A face feminina da militância clandestina de esquerda:
Brasil anos 1960/70. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.
FERREIRA, Alane. Mulheres Vermelhas: a atuação das militantes do Partido
Comunista do Brasil (PCB) no jornal Momento Feminino (1947-1950). Dissertação
351

(Mestrado em História) – Departamento de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade


Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2019.
FLÔRES, Fernanda Lédo. Na mira da repressão: militância política e escrita
jornalística em Ana Montenegro (1947-1983). Dissertação (Mestrado em História) –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2017.
LEÃO, Viviane Maria Zeni. Momento Feminino: Mulheres e imaginário comunista
(Uma nova história, uma história nova). 1945-1956. 2003. Dissertação (Mestrado em
História) – Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003.
LIMA, Aruã Silva de. Comunismo contra o racismo: autodeterminação e vieses de
integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939). Tese (Doutorado em
História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2015.
LOBO, Daniella Ataíde. Militância feminina no PCB: memória, história e
historiografia. Dissertação (Mestrado em Memória: Linguagem e Sociedade) –
Departamento de Estudos Linguísticos e Literários, Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia, Vitória da Conquista, 2017.
MACEDO, Elza Deli Veloso. Ordem na casa e vamos à luta! Movimento de mulheres:
Rio de Janeiro 1945-1964. Lydia da Cunha – uma militante. 2001. Tese (Doutorado em
História) – Instituto de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001.
MELLO, Soraia Carolina de. Feminismos de Segunda Onda no Cone Sul
problematizando o trabalho doméstico (1970-1989). Dissertação (Mestrado em
História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis, 2010.
MÉNDEZ, Natália Pietra. Com a palavra o segundo sexo: percursos do pensamento
intelectual feminista no Brasil dos anos 1960. 2008. Tese (Doutorado em História) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2008.
OLIVEIRA, Alexandre Barbosa. Enfermeiras da Força Expedicionária Brasileira no
front do Pós-Guerra: o processo de reinclusão no Serviço Militar Ativo do Exército
(1945-1957). Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Ana Nery,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
OLIVEIRA, Ilka. A literatura na Revolução: contribuições literárias de Astrojildo
Pereira e Alina Paim para uma política cultural do PCB nos anos 50. Dissertação
(Mestrado em Teoria Literária) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 1998.
PASSOS, Ana Helena Ithamar. Um estudo sobre branquitude no contexto de
reconfiguração das relações raciais no Brasil. Tese (Doutorado em Serviço Social) –
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
PEREIRA, Andréa Ledig de Carvalho. Conservadoras ou revolucionárias? Trajetórias
femininas, filantropia e proteção social: São Paulo e Rio de Janeiro (1930-1960). 2016.
352

Tese (Doutorado em Política Social) – Centro de Estudos Sociais Aplicados,


Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016.
PINHEIRO, Marcos César de Oliveira. Dos Comitês Populares Democráticos (1945-
1947) aos Movimentos de Educação e Cultura Popular (1958-1964): uma história
comparada. Tese (Doutorado em História Comparada) – Instituto de História,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
______. O PCB e os Comitês Populares Democráticos da Cidade do Rio de Janeiro
(1945-1947). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.
REIS, Débora Ataíde. Memória(s) Militante(s): narrativas autobiográficas e imagens de
resistência em Derlei Catarina de Luca (1966-1973). Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2015.
RIBEIRO, Djamila. Simone de Beauvoir e Judith Butler: aproximações e
distanciamentos e os critérios da ação política. Dissertação (Mestrado em Filosofia) –
Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo,
Guarulhos, 2015.
SCHUCMAN, Lia Vainer. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça,
hierarquia e poder na construção da branquitude paulista. Tese (Doutorado em
Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
SERRA, Sônia. O Momento: História de um jornal militante. Dissertação (Mestrado dm
Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 1987.
SILVA, Maciel Henrique da. Domésticas criadas entre textos e práticas sociais: Recife
e Salvador (1870-1910). Tese (doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.
SILVA, Raquel de Oliveira. O PCB e Comitês Populares Democráticos em Salvador
(1945-1947). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.
SIQUEIRA, Tatiana Lima de. Impressões feministas: discursos sobre o feminismo no
Diário da Bahia (1930-1937). Dissertação (Mestrado em Estudos Interdisciplinares
sobre Mulheres, Gênero e Feminismo) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.
SZILIO, Ricardo José. “Vai, Carlos, ser Marighella na vida”: outro olhar sobre os
caminhos de Carlos Marighella na Bahia (1911-1945). Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2017.
SOARES, Ede Ricardo Assis. Os comunistas e a formação da esquerda (Alagoinhas,
1945-1956). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.
TAVARES, Btzaida Mata Machado. Mulheres Comunistas: Representações e práticas
femininas no PCB (1945-1979). 2003. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade
353

de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo


Horizonte, 2003.
TORRES, Juliana Dela. A representação visual da mulher na imprensa comunista
brasileira (1945-1957). Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Letras e
Ciências Humanas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2009.
VIEIRA, Cláudia Andrade. Mulheres de elite em movimento por direitos políticos: o
caso de Edith Mendes da Gama e Abreu. Dissertação (Mestrado em História) –
Faculdade de História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002.

3. Capítulos de livros

ALVES, Iracélli da Cruz. A política em prosa: representações comunofeministas em A


sombra do patriarca. In: BATISTA, Eliana Evangelista; SILVA, Paulo Santos (Orgs.).
Dos fios às tramas: tecendo histórias, memórias, biografia e ficção. Salvador, Quarteto,
2019, p. 171-187.
ALMEIDA, Lúcio Flávio Rodrigues. Insistente desencontro: o PCB e a revolução
burguesa no período 1945-1964. In: MAZZEO, Antônio Carlos; LAGOA, Isabel
(Orgs). Corações vermelhos: os comunistas brasileiros no século XX. São Paulo:
Cortez, 2003, p. 83-122.
AMADO, Janaína. Biografia de Jacinta Passos: Canção da liberdade. In: AMADO,
Janaína (Org.). Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna
crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010, p. 335-442.
ÁVILA, Maria Betânia. Notas sobre o trabalho doméstico. In: LIMA, Maria Ednalva
Bezerra de. et al (Orgs). Transformando as relações trabalho e cidadania: produção,
reprodução e sexualidade. São Paulo: CUT/BR, 2007.
BATISTA, Eliana Evangelista; SILVA, Paulo Santos (Orgs.). Dos fios às tramas:
tecendo histórias, memórias, biografia e ficção. Salvador: Quarteto, 2019, p. 33-62.
CARNEIRO, Sueli. Identidade Feminina. In: SAFFIOTI, Heleiheth I. B. MUÑOZ-
VARGAS, Monica (Orgs). Mulher brasileira é assim. Rio de Janeiro: Rosa do tempos,
1994, p. 187-193.

DELPHY, Christine. Patriarcado (teorias do). In: HIRATA, Helena et alii. Dicionário
crítico do feminismo. São Paulo: UNESP, 2009.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Sobre uma doença infantil da historiografia. In: Costa,
Marcos (Org). Escritos Coligidos - Livro II, 1950-1979. São Paulo: Unespe/ Fundação
Perseu Abramo, 2011.
LUKÁCS, Georg. Sobre a forma e a essência: carta a Leo Popper (1910). In: LUKÁCS,
Georg. A alma e as formas. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
354

MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Introdução: Teoria política feminista, hoje. In:
MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia (Orgs). Teoria política feminista: textos
centrais. Vinhedo: Horizonte, 2013, p. 7-54.
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana: 29 de julho
de 1944): mito, luto e senso comum. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO,
Janaína (Orgs.). Usos & abusos da História oral. 4° Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001, p.
103-130.
QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In:
LANDER, Edgardo (Org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais.
Perspectivas latino-americanas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina:
CLACSO, 2005. Colección Sur. p. 227-278.
RAGO, Margareth. Ética, anarquia e revolução em Maria Lacerda de Moura. In:
FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Arão (Orgs.). A formação das tradições (1889-1945).
v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 273-293.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. População e sociedade. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz
(Org.) História do Brasil Nação: A abertura para o mundo (1889-1930), vol. 3,
Madrid/Rio de Janeiro: Fundación MAPFRE/Objetiva, 2012.
SOARES, Ede Ricardo Assis. Insubordinação das bases do PCB frente às orientações
políticas dos Manifestos de Janeiro de 1948 e Agosto de 1950. In: SENA JÚNIOR,
Carlos Zacarias. Capítulo de história dos comunistas no Brasil. Salvador, EDUFBA,
2016, p. 197-213.
WOLFF, Cristina Scheibe. Jogos de gênero na luta da esquerda armada no Brasil: 1968-
1974. In: WOLFF, Cristina Scheibe; FÁVERI, Marlene de; RAMOS, Tânia Regina
Oliveira. Leituras em rede: gênero e preconceito. Florianópolis: Mulheres, 2007.

4. Artigos publicados em revistas e anais

ALVES, Iracélli da Cruz. Feminismos em debate: disputas, contradições e tensões


(1930-1937). Oficina do Historiador, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 113-130, jul./dez.,
2017.
______. Os movimentos feminista e comunista no Brasil: história e historiografia.
Tempos Históricos, Marechal Cândido Rondon, v. 21, n. 2, p. 107-140, jun./dez., 2017.
BAIRROS, Luiza. Nossos feminismos revisitados. Estudos Feministas, Florianópolis, v.
95, n. 2, p. 458-463, jun./dez., 1995.
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a
organização política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Revista Sociedade e
Estado, Brasília, v. 30, n. 1, p. 143-163, jan./abr., 2015.
BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e
perspectiva negra. Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 15-24, 2016.
355

BRITO, Mauricio Freitas. Militância estudantil e memória dos anos 1960. Tempo &
Argumento, v. 9. n. 21, Florianópolis, 2017.
CHARTIER, Roger. Literatura e História. Topoi, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 197-216.
Dez. 2000.
COLLINS, Patrícia Hill. O que é um nome? Mulherismo, Feminismo Negro e além
disso. Cadernos Pagu, Campinas, n. 51, 2017.
COSTA, Suely Gomes. Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde
reprodutiva. Estudos Feministas. Santa Catarina, v. 10, n. 2, p. 301-322. Jul./dez, 2002.
CURIEL, Ochy. Descolonizando el feminismo: una perspectiva desde América Latina y
el Caribe. In: Primer Coloquio Latinoamericano sobre Praxis y Pensamiento Feminista,
2009, Buenos Aires. Anais do Grupo Latinoamericano de Estudios, Formación y
Acción Feminista (GLEFAS) – Instituto de Género de la Universidad de Buenos Aires.
Buenos Aires: UBA, 2009.
______. Critica pós-colonial desde las praticas del feminismo antirracista. Nómadas,
Bogotá, n. 26, p. 91-99, abr., 2007.
DELPHY, Christine. Feminismo e Recomposição da Esquerda. Estudos Feministas,
Florianópolis, v. 13, n. 1. p. 187-199, 1992.
DOVE, Nah. Mulherismo Africana: uma teoria afrocêntrica. Jornal de Estudos Negros,
v. 28, n. 5, mai., 1998.
DUARTE, Constância Lima. Feminismo e Literatura no Brasil. Estudos Avançados,
São Paulo, v. 17, n. 49, p. 151-172, set./dez., 2003.
FRASER, Nacy. Repensar el ámbito público: uma contribución a la crítica da
democracia realmente existente. Debate Feminista, Cidade do México, v. 7, n. 4, p. 23-
58, mar., 1993.
FURTADO, João Pinto. Uma república entre dois mundos: Inconfidência Mineira,
historiografia e temporalidade. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, n. 42, p.
343-363, 2001.
GONZALEZ, Lélia. A categoria político cultural de Amefricanidade. Tempo Brasileiro,
Rio de Janeiro, n. 92/93, p. 69-82, jan., jun., 1988.
GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades
ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do
longo século XVI. Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 25-49, jan./abr., 2016.
______. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais:
transmodernidade, pensamento de fronteira e modernidade global. Revista Crítica de
Ciências Sociais, Coimbra, n. 80, p. 115-147, mar., 2008.
HEMMINGS, Clare. Contando estórias feministas. Estudos Feministas, Florianópolis,
v. 17, n. 1, p. 215-241, jan./abr., 2009.
JOFFILY, Mariana. A diferença na igualdade: gênero e repressão política nas ditaduras
militares do Brasil e da Argentina. Espaço Cultural, Cascavel, n. 21, p. 78-88, 2009.
356

KREUZ, Débora Strieder. A formação do movimento feminista brasileiro:


considerações a partir de narrativas de mulheres que militaram contra a Ditadura Civil-
Militar. Tempo & Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 24, p. 316-340, abr./jun., 2018.
LUGONES, María. Rumo ao feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis,
v. 22, n. 3, 935-952, set./dez., 2014.
MACHADO, Lia Zanotta. Perspectivas em confronto: relações de gênero ou patriarcado
contemporâneo? Série Antropológica, n. 284, Brasília, p. 2-19, 2000.
MACHADO, Paula Sandrine. O sexo dos anjos: um olhar sobre a anatomia e a
produção do sexo (como se fosse) natural. Cadernos Pagu, n. 24, p. 149-251, jan./jun.,
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MAIO, Marcos Chor. Cor, intelectuais e nação na sociologia de Guerreiro Ramos.
Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, ed. especial, p. 605-630, set., 2015.
MARQUES, Teresa Cristina de Novais; MELO, Hildete Pereira de. Os direitos civis das
mulheres casadas no Brasil entre 1916-1962. Ou como são feitas as leis. Estudos
Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 463-488, mai./ago., 2008.
MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. De por qué es necessario um feminismo descolonial:
diferenciación, dominación co-constitutiva de la modernidade occidental y el fin de la
política de identidad. Solar, Lima, n. 1, v. 12, p. 141-171, ago., 2017.
MODESTO, Edith. Transgeneridade: um complexo desafio. Via Atlântica, São Paulo, n.
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político. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 102, n. 3-20, dez., 2013.
SANTOS, Eunice Ferreira dos. Eneida de Moraes: militância e memória. Em tese, Belo
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SARTI, Cynthia Andersen. O feminismo brasileiro desde os anos de 1970: revisitando
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SILVA, Rafael Pereira da. Fragmentos de (auto)imagem: notas sobre o fundo Yvonne
Jean no Arquivo Público no Distrito Federal (1911-1981). Maracan, Rio de Janeiro, n.
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SOIHET, Rachel. Do comunismo ao feminismo: a trajetória de Zuleika Alambert.
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SOUZA, Juberty Antonio; PICCININI, Walmor. História da Psiquiatria: Isaías Paim
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TILLY, Louise A. Gênero, História das Mulheres e História Social. Cadernos Pagu,
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VARIKAS, Eleni. “O pessoal é político”: desenvolvimento de uma promessa
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5. Páginas de internet e blogs

A ERA Vargas. Dos anos 20 a 1945. FGV/CPDOC. Disponível em: <


https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/> Acesso em: 06 set., 2019.
BERTH, Joice. Branquitude e privilégios: o lacre social. Justificando, 27 set., 2017.
Disponível em: < http://www.justificando.com/2017/09/27/branquidade-e-privilegio-o-
lacre-social/> Acesso em: 06 set., 2019.
CARNEIRO, Sueli. Negros de pele clara. Centro de Estudos das Relação de Trabalho e
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https://www.ceert.org.br/noticias/genero-mulher/13570/sueli-carneiro-negros-de-pele-
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<https://revistacult.uol.com.br/home/colorismo-e-o-mito-da-democracia-racial/> Acesso
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SCHUMAHER, Schuma. Branquitude para além do incômodo. Geledés Instituto da
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VERBETE. Ligia Maria Lessa Bastos. Fundação Getúlio Vargas. Disponível em: <
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