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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA – UFV

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCH


Departamento de Economia Doméstica – DED
Programa de Pós-Graduação em Economia Doméstica – PPGED
Disciplina: Espaço e Sociedade – ECD 650
Professora: Neide Almeida
Genival Souza Bento Júnior – 77671

O MITO DA CUTURA URBANA


WIRTH, L. O urbanismo como modo de vida. In: VELHO, O. (org.) O Fenômeno
Urbano, RJ, Zahar Editores, 1979, p. 89-112.

O conceito de urbanização defendido por Wirth (1979) transcende aspectos


meramente quantitativos. De acordo com o autor, a compreensão das metrópoles deve
perceber a sua influência nas relações sociais estabelecidas nesse espaço. Essa interferência
supera o contingente da população urbana. Nesse sentido, a cidade é muito mais do que sua
estrutura física, sendo a interseção e entre diferentes campos da vida humana – economia,
política, cultura, conflitos dentre outros.
A expansão das metrópoles não foi espontânea. Ela é um efeito da produção
humana e não deve se sobrepor as características coletivas anteriormente estabelecidas. A
vida social urbana preserva características de temporalidades precedentes. Portanto,
sustentar o dualismo campo-cidade não requer vê-los como tipos ideais que devem ser
analisados como modelos de associação humana. A pesquisa envolvendo a cidade deve
contemplar aspectos que retratam as distintas expressões da vivência humana nesses
espaços. Considerar apenas o número de habitantes não é o bastante para delinear o que é
uma comunidade urbana.
Os usos do conceito de cidade restringem-se a termos estatísticos e administrativos
que delineiam somente seu caráter decisivo quanto as questões citadinas. A influência dos
meios de comunicação e transportes colocaram as metrópoles como elementos centrais na
nossa civilização. O modo de vida urbano ultrapassa os limites geográficos e a urbanização
se tornou um modo de vida que inclui instituições, personalidades, comunicações e
transporte.

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Compreender a cidade consiste numa leitura baseada nas formas como as relações
sociais se dão e como seus condicionantes afetam os indivíduos. Para isso, é fundamental
abdicar dos aspectos racionais e materiais, adotando uma postura ecológica capaz de
entender como o sujeito constrói suas relações nesse espaço. Ao mesmo tempo, uma
acepção sociológica da cidade deve incluir os aspectos essenciais das distintas tipologias
citadinas e concomitantemente, deve reconhecer seus limites, uma vez que, existem
variáveis implícitas que emergem das particularidades de cada lugar.
Wirth (1979) expõe a cidade como “um núcleo relativamente grande, denso e
permanente, de indivíduos socialmente heterogêneos”. Essa explanação viabiliza a
formulação de uma teoria sobre o urbanismo a partir dos grupos sociais. Por essa ótica, a
proposta do autor é tratar a cidade como uma entidade social, reduzindo suas
características de análise a partir da pesquisa empírica e da teoria sociológica.
A questão central para a compreensão da cidade encontra-se nas formas de ação e
organização social que surgem de grupamentos compactos, relativamente permanentes e
heterogêneos. Ou seja, os problemas que serão estudados por um sociólogo da cidade
afloram dos grupos que habitam esse espaço. As características do urbanismo resultam
dessa densidade e heterogeneidade. Portanto, a pesquisa na cidade deve ser inclusiva e
significativa, mas distanciada de suposições desnecessárias. Ao mesmo tempo, sua
construção não deve se prender a números e na uniformidade dos grupos.
A metrópole é um misto de raças, povos e culturas heterogêneas. Ela superou as
experiências individuais, aglomerando as pessoas por meio das relações de
interdependência. Para a análise citadina, os constructos propostos são a quantidade da
população, densidade e heterogeneidade de habitantes e vida grupal. Eles podem ser
observados na pesquisa.
Desde a antiguidade, o crescimento populacional alterou a relação entre os sujeitos
e deles com a cidade. O aumento de um grupo promove uma maior variabilidade
individual. Essa variação motiva a separação espacial de acordo com aspectos como cor,
herança, status econômico e gostos. Espaços ocupados por grupos familiares, urbanísticos
e sentimentais – pertencentes a uma tradição folk – poderão findar-se ou tenderão à
heterogeneidade. A passagem desse processo é marcada por vínculos mais fracos. As
pessoas que integram esses grupos são diferentes, reforçando esses laços secundários.
O crescimento populacional inviabiliza o contato com todos os sujeitos de uma
comunidade. Nas metrópoles, o contato com as pessoas não está ligado ao número de

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pessoas conhecidas, pelo contrário, ele tem relação com as formas de relações
estabelecidas. Nesse sentido, um habitante da cidade pode ver um grande número de
pessoas, porém, suas relações serão restritas a uma fração desses sujeitos. Logo, há mais
contatos secundários do que primários. Mesmo nos contatos face a face, a impessoalidade
prevalece. O ethos atribuído ao ser humano citadino é marcado pela sofisticação e pela
racionalidade. A dependência do outro cumpre objetivos estabelecidos pela
interdependência dos sujeitos.
A individualidade promove a emancipação e a liberdade, mas tem a sua
participação, identidade e moral enfraquecidas. Isso acarreta um estado de anomia,
ampliado pela especialização do trabalho. Essa expertise é fomentada e perpetuada pelo
mercado afetando a organização da cidade, uma vez que, a comunicação entre as pessoas
justifica-se pela comunicação indireta, baseada nos interesses particulares e por processos
de delegação de funções.
A densidade promove a especialização dos indivíduos. Essa é a única forma para
aguentar a sua expansão numérica. O contato físico nos grandes centros altera a relação
entre indivíduos e cidade. O reconhecimento visual tem uma influência significativa na
urbanidade. Os antagonismos impulsionam a disputa pelo espaço. Nessa relação política, a
questão econômica – baseada no melhor retorno econômico – se destaca.
Concomitantemente, são essas divisões – riqueza e pobreza, local de trabalho e moradia,
esplendor e miséria, inteligência e caos – são responsáveis pela seleção e distribuição da
população no espaço. Isso dá as diferentes partes da cidade, funções especializadas.
A possibilidade de transgressão transforma a cidade num mosaico de mundos
sociais, cujas diferenças são requisitos da racionalidade e secularização da vida. A ausência
de laços num espaço onde as pessoas têm trabalhos comuns e contato próximo promove a
concorrência e a exploração. Os controles formais anulam a desordem em potencial.
Alguns exemplos seriam os semáforos, relógios e outros símbolos que servem para ordenar
o mundo urbano. O excesso de indivíduos torna a cidade um ambiente de conflitos e
disputas.
A variabilidade de interações sociais, personalidades e sujeitos rompe a rigidez dos
grupos sociais. Nenhum deles consegue se manter isolado e restringir seus membros
apenas a suas fronteiras. Os indivíduos transitam entre diferentes grupos, alguns deles
podem até divergir, entretanto, eles orientam suas personalidades. Diferentemente das
comunidades rurais, os indivíduos urbanos experimentam interseções entre grupos.

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Quando algo foge ao esperado, a saída de um membro e a inclusão de outro é rápida. Nesse
sentido, a formação de vínculos é fragilizada, pois a rotatividade afeta esses
relacionamentos.
Conseguir vivenciar a cidade em toda sua amplitude é impossível, pois as
oportunidades de conseguir alcançar os diversos grupos, situações e espaços são restritas.
A representação se torna uma opção para dialogar com os processos mais amplos. A
participação nas decisões da cidade fica a cargo de lideranças. Os indivíduos comportam-
se fluidamente e de maneira imprevisível. A cidade exerce influência niveladora, uma vez
que, ela padroniza as ações daqueles participam dos grupos. Noutras palavras, esse é um
procedimento de despersonalização.
A divisão social do trabalho e a produção de massa, impulsionadas pela expansão
da indústria, propiciou a padronização dos processos. Ao passo que a produção nas cidades
se desenvolve nesse sistema de produtivo, a possibilidade de aquisição de bens mudou as
relações pessoais. Elas são intermediadas pelas possibilidades de aquisições de bens e
serviços. A individualidade foi deslocada para a categorização. A massificação coloca as
pessoas num processo análogo. A facilidade ofertada pelas instituições deve atender às
exigências da média dos indivíduos e não de um conjunto isolado. Nesse sentido, os
sujeitos subordinam parte de sua individualidade às experiências comunitárias, dedicando-
se a participação na coletividade.
Com a compreensão dessa tríade, o sociólogo do espaço urbano abordará a cidade
de maneira orgânica através da sua estrutura física, como um sistema de organização social
e como um conjunto de atitudes e ideias e personalidades. Esses seriam as características
centrais para uma abordagem empírica do urbanismo.
Do ponto de vista ecológico, a maior parcela das particularidades da cidade existe
em função de seus números e densidade. Certas instituições são produtos exclusivos da
urbanização. A justificativa para o seu sucesso é pautada pela sua demanda, propiciando
vantagens para as populações que usufruem desses benefícios. A busca por essas
instituições provoca a dependência de outras regiões aos centros metropolitanos. A
variedade dos grupos pode inviabilizar o contato com a diferença, gerando quadros de
intolerância, indiferença e comunicação ínfima.
A queda da natalidade nos espaços urbanos é uma das marcas do urbanismo
ocidental que demonstra a sua transformação. No passado as taxas de mortalidade eram
elevadas, ao passo que, na atual conjuntura, as cidades passaram a ser habitadas pela ótica

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da qualidade de vida e saúde. Isso justifica a queda dos nascimentos. Aspectos
relacionados a qualidade de vida criaram instituições especializadas, mas alargaram a
insegurança pessoal. A incidência de relações secundárias alterou o conceito e as formas de
família. A ideia de vizinhança e a solidariedade social foram enfraquecidas pela
substituição de suas funções. A individualidade abriu espaço para divergências
vocacionais, educacionais, religiosas, recreativas e políticas. Portanto, a concepção de
família foi alterada e é formada por um núcleo reduzido de pessoas.
A vida econômica metropolitana ampliou as desigualdades e é sensível aos
momentos de crise. Situações de colapso econômico desestimulam a busca pelo emprego
autônomo. Mesmo se vendo como um beneficiário dos serviços ofertados na cidade, seus
investimentos em qualidade de vida – educação, alimentação, recreação dentre outros –
também são ampliados. Todas as necessidades humanas tornaram-se passíveis de
comercialização.
Embora haja cada vez mais individualmente, o habitante urbano busca grupos
pautados pelos seus interesses particulares. Observa-se o aumento de ONGs e do trabalho
voluntário. Essas são respostas à impotência diante da cidade. A participação nesses grupos
contribui para a formação da sua personalidade, aquisição de status e projeção de carreira.
Ainda assim, o envolvimento com essas atividades não garante a consistência e a
integridade das personalidades.
Os sujeitos são afetados pelas manipulações dos símbolos e estereótipos
disseminados pelas mídias. É impossível atrair indivíduos que estão fora de seus grupos.
Seus interesses só podem ser captados e gerenciados através dessa coletividade. O controle
social deve processar-se por meio deles. A ineficiência dos laços parentais reais
proporciona a formação de comunidades fictícias e das unidades de interesses. Enfatiza-se,
a substituição das unidades territoriais pelas unidades de interesse. O futuro do urbanismo
encontrar-se-á nas práticas emergentes do sistema de comunicação e na tecnologia de
produção e distribuição. Esses são os indicadores de uma nova forma de vida.

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