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As grandes cidades e a vida do espírito (1903) - Georg Simmel

O texto trata-se da relação entre o indivíduo e a cidade grande, e da influência que esta
causa no psicológico de cada um, em contraposição com as especificidades da vida no
campo, ou em cidades pequenas. A metrópole, com o seu caráter intelectualista, cerca o
indivíduo com a velocidade e as variedades da vida econômica, profissional e social, ao
passo que no campo, o ritmo é mais lento e mais habitual, onde as relações são pautadas
pelo sentimento
O autor destaca a conexão entre a economia monetária concentrada nas grandes cidades
com o domínio do entendimento. No fragmento: “Todas as relações de ânimo entre as
pessoas fundamentam-se nas suas individualidades, enquanto que as relações de
entendimento contam os homens como números, como elementos em si indiferentes, que
só possuem um interesse de acordo com suas capacidades passíveis de serem consideradas
objetivamente”. (p. 3), Simmel faz uma comparação entre as relações mais primitivas entre
produtor e cliente, nas quais os dois se conhecem mutuamente, das relações da cidade
grande moderna, nas quais produtores e fregueses são completamente desconhecidos.
O espírito moderno torna-se cada vez mais um espírito contábil, a partir do momento em
que a economia monetária preenche o cotidiano dos seres humanos com comparações,
cálculos, pontualidade, exatidão, redução de valores qualitativos a valores quantitativos,
etc. Estas condições são tanto as causas como os efeitos desse traço essencial. À medida em
que as relações do habitante típico das grandes cidades tornam-se complexas e variadas, é
de grande necessidade a existência de uma exata pontualidade nas realizações e atividades.
Dentre as consequências dessas circunstâncias está o caráter blasé dos indivíduos, resultado
da intensificação dos estímulos nervosos mediante a rapidez e intelectualidade da cidade
grande, levando à incapacidade de se reagir a novos estímulos. Devido ao caráter blasé, o
significado, assim como a distinção das coisas torna-se irrelevante; pode-se inferir que isso é
reflexo da economia monetária difusa, visto que o dinheiro como denominador comum de
todos os valores, destrói a peculiaridade e o valor específico dos objetos.
Na tentativa de se ajustar a essa forma de existência, cria-se uma certa indiferença entre os
indivíduos, o que é considerado frio e sem ânimo aos olhos daqueles que habitam em
cidades pequenas. Essa atitude, entretanto, garante ao sujeito uma espécie de liberdade
pessoal, o que remonta a uma das grandes tendências de desenvolvimento da vida social -
“O estádio mais inicial das formações sociais (...) é este: um círculo relativamente pequeno,
com uma limitação excludente rigorosa perante círculos vizinhos, estranhos ou de algum
modo antagônicos, e em contrapartida com uma delimitação includente estrita em si
mesmo, que permite ao membro singular apenas uma margem restrita de jogo para o
desdobramento de suas qualidades peculiares e para movimentos mais livres, de sua
própria responsabilidade.” (p. 7) - desse estádio surgem os diversos grupos sociais.
A liberdade individual e as personalidades singulares mais significativas estão estreitamente
relacionadas com a divisão do trabalho nas grandes cidades, pois diante de sua grandeza,
compreende uma enorme variedade de realizações, que tendem a sofrer um processo de
especialização. Além disso, observa-se a crescente necessidade de se criar novas
necessidades para as quais sejam necessárias o uso dessas especializações, estimulando a
diferenciação e o enriquecimento das necessidades do público, e conduzindo a variedades
pessoais crescentes, criando-se assim uma individualização espiritual dos atributos
anímicos. Segundo o autor, “parece ser a razão mais profunda pela qual justamente a
cidade grande direciona a pulsão à mais individual existência pessoal” (p. 11).
Em suma, pode-se caracterizar o desenvolvimento da cultura moderna pela predominância
do “espírito objetivo” sobre o “espírito subjetivo”, essa contraposição relaciona-se
essencialmente com a divisão do trabalho, a partir do momento em que esta exige do
indivíduo uma realização cada vez mais unilateral, tornando sua personalidade irrelevante,
consequentemente torna-se cada vez mais difícil de se destacar em uma sociedade
revestida de conteúdos impessoais.

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