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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

DISCIPLINA: HISTÓRIA MEDIEVAL II

PROFISSÕES LÍCITAS E PROFISSÕES ILÍCITAS NO OCIDENTE


MEDIEVAL

(Estudo Dirigido)

GRUPO:

 Andressa Freitas dos Santos

 Lidia Kathin do Nascimento

 Luciana Bezerra de Medeiros

 Naldo Motta Neris


REFERÊNCIA:

LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e


cultura no Ocidente. Lisboa: Editorial Estampa, 1980. p. 85-99.

1. Como o autor define o seu propósito nesse estudo?


Jacques Le Goff (1980) propõe um estudo da hierarquia das profissões
na sociedade do Ocidente Medieval. Sua intenção é analisar os tipos de
profissões, nobres, vis, lícitas e ilícitas, e pesquisar as dimensões econômicas
e sociais que existem dentro dessas classes profissionais. Além disso, o estudo
das mentalidades é destacado pelo autor como o aspecto mais importante a
ser analisado. Le Goff (1980) apresenta em seu texto o processo de evolução
das profissões no Ocidente Medieval, assim como suas variáveis responsáveis
pela gradual transformação da mentalidade medieval.

2. Que profissões estão listadas entre as proibidas ou aquelas que são


ocupações desonestas ou vis?
Existem diferenças, jurídicas ou práticas, entre as profissões proibidas,
negotia illicita, e os ofícios designados como desonestos ou vis, inhonestia
illicita, que variam conforme os documentos, as regiões e épocas. O texto cita a
categoria das profissões desprezadas que mais frequentemente aparece nos
documentos, dentre elas estão: estalajadeiros, carniceiros, saltimbancos,
histriões, mágicos, alquimistas, médicos, cirurgiões, soldados, rufiões,
prostitutas, notários, mercadores, todos no topo da lista. Há também: pisoeiros,
tecelões, coreeiros, tintureiros, pasteleiros, sapateiros, jardineiros, pintores,
pescadores, barbeiros, bailios, guardas campestres, guardas aduaneiros,
cambistas, alfaiates, perfumistas, tripeiros, moleiros, etc.

3. Que tabus explicam a interdição de algumas profissões?


Segundo Le Goff (1980) as interdições de algumas profissões medievais
eram sustentadas por tabus das sociedades primitivas. O primeiro é o tabu do
sangue, relacionado aos cortadores e carrascos. A lista também incluía os
cirurgiões, barbeiros, ou boticários, que em suas práticas medicinais faziam
uso da sangria. Médicos e soldados também faziam parte da classe de
profissões interditadas pelo tabu do sangue. O segundo tabu da impureza, da
sujeira, incluía os pisoeiros, tintureiros e cozinheiros. O autor cita o desprezo
que a sociedade medieval possuía pelos operários têxteis, conhecidos por
“unhas azuis”, eram vítimas do desdém de seus semelhantes, e principalmente
das mulheres, que os achavam desprezíveis. As profissões dos cozinheiros e
lavadeiros também eram alvo da desconsideração de seus contemporâneos.
O texto cita o menosprezo expresso na citação do bispo Adalbéron,
datada do Ano Mil, ele declara: “Não são carniceiros nem estalajadeiros...
desconhecem o calor ardente de uma panela gordurosa... não são lavadeiros e
desprezam fazer a barrela”. Uma segunda citação também é encontrada em
uma argumentação filosófica e teológica de S. Tomás de Aquino ao colocar no
fundo da escala profissional os lavadores de louça, por estarem em contato
com a sujeira. O terceiro tabu citado no texto é o do dinheiro. Em represália a
economia monetária, que disputava espaço juntamente com a economia
natural, foi estimulada a hostilidade contra os mercadores, que haviam adotado
o regime monetário. Todos os mercadores e demais classes profissionais que
lidavam com o dinheiro eram atacados como usurários ou cambistas, e todos
os assalariados tratados sob a designação de mercenários.

4. Que aspectos do pensamento cristão se somaram às condenações já


existentes?
Além dos tabus primitivos, o cristianismo somou à lista preceitos
derivados da sua herança de mentalidade e cultura, que possui como origem o
legado judaico e greco-romano dos antepassados. As profissões condenadas
dificilmente poderiam ser exercidas sem cair em um dos pecados mortais. Por
exemplo, a luxúria era a causa da condenação dos estalajadeiros e dos
rendeiros de estufa, pois suas casas mantinham má reputação. Os
saltimbancos, acusados de dançarem de forma vulgar, os taberneiros que
tiravam seu sustento da venda do vinho, do jogo e da dança; as operárias
têxteis, que devido a sua péssima remuneração oferecia um grande
contingente de mulheres à prostituição. A avareza, pecado profissional dos
mercadores, notários, juízes e homens de lei. O cozinheiro, acusado de
promover a gula. O pecado da preguiça representado pelos mendigos,
principalmente pelos mendigos válidos. Por fim, as profissões lucrativas,
condenadas pelo desprezo do mundo que todo o cristão deve demonstrar.

5. Em suma, na Alta Idade Média, o que fundamentava o desprezo de


grande número de atividades profissionais? Quais são as exceções?
Segundo o texto a Igreja medieval partia do princípio de que os homens,
sendo filhos de Deus, participavam igualmente de sua divindade, e o corpo
seria um tabernáculo vivo, o pecado residiria em tudo que o manchasse, por
essa razão as profissões consideradas luxuriosas eram condenadas. O
princípio bíblico da fraternidade entre os homens é usado para condenar os
usurários, que transgrediam as palavras de Cristo quando falava em emprestar
sem esperar nada em troca. Para o cristianismo medieval o homem deve
trabalhar à semelhança de Deus, ou seja, seu trabalho deve estar relacionado
à criação. A Alta Idade Média, de caráter essencialmente rural, menospreza
todas as atividades não ligadas diretamente à terra. As profissões que não
criam são consideradas inferiores. Os camponeses, responsáveis pela criação
das colheitas, e artesãos, que transformavam a matéria prima em algo novo,
escapavam à regra. O prestígio também era direcionado aos artesãos, ou
artistas, que manipulavam metais preciosos, o ourives, o alfageme, fabricante
de espadas e alfanjes, e o ferreiro.

6. Que ocorreu entre os séculos XI e XIII no que diz respeito às


profissões?
O conceito relativo às profissões na Alta Idade Média rural foi modificado
entre os séculos XI e XIII. O desenvolvimento urbano e a divisão do trabalho
figuraram como um dos motivos principais da revolução econômica e social
que a sociedade medieval passou. Desenvolveram-se novas profissões que
cresciam e se estabeleciam como novas categoriais profissionais que
reclamavam prestígios que estavam de acordo com a sua força. Buscavam
consideração dentro da sociedade da Baixa Idade Média, e a conseguiram. O
número de profissões desconsideradas diminuiu, os critérios passaram a ser
menos rígidos e multiplicaram-se as razões que desculpavam o exercício de
determinada função. A escolástica foi considerada o grande instrumento
intelectual responsável pela gradual mudança de mentalidade na sociedade
medieval. A casuística, entre os séculos XII e XIII, fez a separação entre as
profissões lícitas por natureza, ex natura, e as consideradas também ilícitas,
mas que possuíam justificativas para funcionar ocasionalmente, ex occasione.
A lista das profissões interditadas por natureza (ex natura) diminuiu
vertiginosamente. Dentre as razões que justificaram a condenação de certas
profissões encontramos o pecado mortal da usura, ainda amaldiçoada em
meados do século XII pelo decreto de Graciano, porém pouco a pouco passou
a ser tolerada. Os saltimbancos e as prostitutas ainda figuravam como
profissões indignas, posteriormente se buscaria tentativas de justificativas a
essas profissões.

7. Com a revolução econômica e social que se processou na Baixa Idade


Média, que razões ainda são apresentadas na condenação das
profissões?
No período da Baixa Idade Média os motivos de condenação são cada
vez mais estritos. Boa parte das profissões já estão reabilitadas e são aceitas
na sociedade medieval. A má intenção figura como a cupidez, ex cupiditate, e
amor ao lucro, lucri causa, dos mercadores. Além desta condenação as
proibições ainda eram motivadas por pessoas, tempos ou lugares. As
interdições atingem os clérigos, ex personna, proibidos por Alexandre III em
1163 de deixar o seu convento para lecionar medicina e direito civil, além de
estarem interditos de exercerem o ofício de comerciante. As interdições ligadas
ao tempo estão relacionadas, por exemplo, à proibição do trabalho noturno,
que buscava resguardar as funções e fraudes que ocorriam no período da
noite, e as condenações que atingem profissões exercidas em um mau local,
ex loci vilitate.
8. Quais os motivos de desculpa ou justificação das atividades
profissionais? Quais casos que melhor exemplificam essas novas
atitudes?
O numero de profissões ilícitas ou desonestas sofreu uma diminuição
paulatina da repressão da Igreja. A boa intenção, recta intentio, representa uma
das justificativas usadas para reverter os tabus antes disseminados. A partir do
século XII duas justificativas de maior importância foram impostas. A primeira
referia-se ao bem comum, essa justificativa levava o caráter de crescimento da
administração pública, urbana, ou dos príncipes que a sociedade do período da
Baixa Idade Média passava. Os direitos de cidadania foram concedidos aos
trabalhadores da indústria têxtil, do vestuário e outras funções semelhantes em
que há a necessidade das outras pessoas. Dessa forma a profissão do
mercador se justifica, graças a essa classe produtos que são escassos em uma
área se tornam acessíveis através do seu trabalho. A segunda justificativa foi
relativa ao trabalho, ao labor. O trabalho tornou-se digno de mérito, e o esforço
consumido no trabalho irá justificar o direito à remuneração e ao lucro. Os
professores passam a ser aceitos nas novas escolas urbanas que aumentam
no século XII. Esses professores recebem em troca do seu trabalho salários
pagos pelas autoridades públicas, de prebendas eclesiásticas, ou de somas em
dinheiro vindas diretamente dos estudantes.

9. Qual o quadro social e profissional típico da primeira fase da Idade


Média? Qual a nova paisagem que domina a partir do século XI?
O quadro social e profissional da Alta Idade Média foi marcado pelo seu
caráter rural e militar, em que a aristocracia militar e fundiária e o clero eram os
detentores da grande parte das terras. Devido a essa natureza rural, o
desprezo atinge a maioria dos trabalhos relacionados ao artesanato servil.
Assim como as profissões relacionadas ao artesanato, a categoria dos
assalariados, conhecidos sob a designação de mercenários, também sofrem
com o desprezo da sociedade da primeira fase da Idade Média. O preconceito
também atinge a todos os trabalhadores, laboratores. Nessa sociedade as
duas classes dominantes não se coadunam, o clero e a aristocracia laica
mantinham distância. O clero claramente desprezava a profissão do soldado,
que derramava sangue, seu caráter antimilitarista é evidente contra essa
classe. A renovação econômica, iniciada no século XI em boa parte graças ao
comércio de longo curso, traz uma modificação social na paisagem medieval. A
intensificação do comércio e a disponibilidade de produtos geraram novas
classes relacionadas ao artesanato, ao mercado, e à técnica. À medida que
essas classes aumentaram em tamanho e em expressividade, elas exigiam o
prestígio e respeito da aristocracia. Um dos meios que os profissionais das
classes desprezadas usaram para reverter sua situação foi a religião. Cada
profissão possuía seu santo patrono, dessa forma glorificando suas funções, e
afastando o desprezo.
10. O que caracterizava a nova clivagem social do mundo urbano na Baixa
Idade Média?
A evolução econômica, social e principalmente das mentalidades no
período da Baixa Idade Média foi responsável pela revolução das profissões a
partir do século XI. Essa transformação trouxe uma divisão nas classes
profissionais que separou uma camada superior da sociedade urbana, a
burguesia, das camadas inferiores, os grandes mercadores, os cambistas, os
pequenos artífices, companheiros operários, e os pobres. Um novo conceito de
desprezo é instaurado, ele acontece dentro das novas classes, entre as
próprias profissões. Não é mais o trabalho em si que demarca o desprezo, e
sim o trabalho manual.

11. Que atitudes assumiu a Igreja perante as mudanças operadas na


sociedade do Ocidente medieval e, consequentemente, na mentalidade
com relação às profissões?
A nova situação das profissões traz a aceitação das novas classes
profissionais por parte da Igreja. Ocupando um novo posicionamento passa a
proteger os mercadores, e fornece aos demais grupos profissionais a
justificativa teórica e espiritual necessárias à sua promoção social e
psicológica.

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