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Agradecimentos 23
Lista de ilustrações 27
Introdução: um retorno aos sentidos 31
Parte I
Gostos na antropologia
Parte II
Visões no campo
Parte III
Sonoridades na experiência cultural
Parte IV
Os sentÍdos na antropologia
2008). A influência de Rouch, personagem principal de uma obra estatuto da escrita na antropologia e sobre o realismo etnográfico,
de Stoller (1992), e cuja sutileza etnográfica é mais de uma vez ao Iado da crítica ao conceito de cultura [Coelho, 2076), ganham
realçada, fica evidente em diversos trechos do livro aqui traduzido, proeminência, motivando formas experimentais de escrita.
em especial no Capítulo 5, no qual se busca apreender os modos Em seu célebre texto, que abre A interpretação das culturas,
Songai de classificar os outros, inclusive os próprios antropólogos. Geertz (7973) sugere que o que antropólogos e antropólogas
Atento às contingências, Stoller situa tais classificações na história, efetivamente fazem é etnografia. Fazer etnografia, entretanto, não
no âmbito do colonialismo e do processo de islamização do Níger e se limita à aplicação de um conjunto de técnicas e procedimentos
de tradições religiosas autóctones [Cf. Stoller; 1995). - selecionar informantes, transcrever textos, colher genealogias,
A formação em linguística o tornou particularmente sensível fazer registros no diário de campo etc. Em campo e nos gabinetes,
a fenômenos relacionados à linguagem. O domínio de duas línguas - etnógrafos e etnógrafas têm como ocupação principal escreve4,
o francês e o Songai - facilitou sobremaneira sua pesquÍsa de campo. não havendo separação absoluta, como Geertz demonstrou
Seguindo os cânones da disciplina, Stoller considera o aprendizado posteriormente (2004), entre o "estar lá" e o "estar aqui". Geertz,
de línguas indispensável. O conhecimento da Iíngua nativa como se sabe, foi figura de proa nas discussões acerca do estatuto
possibilita ler profundamente situações prosaicas entre os Songai, da escrita na antropologia, inspirando a obra de autores como |ames
cujas interações verbais são copiosamente transcritas neste livro - Clifford, George Marcus e Dick Cushman, entre muitos outros.
ves por exemplo, as vívidas descrições constantes nos Capítulos l- e Sem qualquer pretensão de sintetizar o dito "pós-
4. O aprendizado das lÍnguas nativas, por sua vez, é essencialmente modernismo" em antropologia, pode-se dizer que, para autores
processual. Se o autor já se comunicava fluentemente em francês como Clifford e Marcus, como prática representacional, a produção
e em Songai antes de dar início à sua pesquisa de doutorado, é o de etnografias se dá mediante formas específicas de organização,
aprendizado de fórmulas secretas, encantamentos mágicos e de ordenação e apresentação dos dados pelo etnógrafo e pela etnógrafa.
feitiços e contrafeitiços - decorrentes de seu envolvimento visceral Dados etnográficos só fazem sentido no interior de arranjos
com pessoas de carne e osso - que o faz dominar a língua Songai, narrativos padronizados. Os artifícios literários empregados
direcionando sua atenção à dimensão performativa e pragmática [metáforas, alegorias, jogos de linguagem, formas narrativas etc.)
da linguagem. Retomando a teoria etnográfica de Malinowski e a já afetam a maneira pela qual os fenômenos culturais são registrados
canônica análise crítica de Stanley Tambiah [2018), Stoller revisita tanto no momento da observação quanto no da escrita final.
a questão do poder [mágico) das palavras, dialogando ativamente Ademais, a etnografia está imersa em um processo no qual a ação de
com Jeanne Favret-Saada. A importância da escuta evidencia-se não múltiplas subjetividades e de constrangimentos políticos está acima
só pelo cuidado dispensado às sonoridades [Capítulos 6 e 7), mas do controle de quem escreve. A etnografia não é apenas um método,
também pela postura em campo, de escuta ativa, paciente, aberta à pois se configura num campo marcado por tensões, ambiguidades e
sabedoria dos outros. indeterminações. Em resposta a essas forças, a escrita etnográfica
Publicado em 1989, O gosto das coisas etnográficas surge, encena estratégias específicas de autoridade. Assim, a compreensão
nos Estados Unidos, em um período frutífero de intercâmbio entre sobre o desenvolvimento da etnografia não pode ser divorciada de
a antropologia e a linguística. Na esteira de diversos estudos sobre a um debate político-epistemológico mais geral sobre a escrita e a
linguagem - seja da sociolinguística interacional de Erving Goffman representação da alteridade [Clifford & Marcus, 2016).
(7922-1982) e da etnografia da comunicação de Dell Hymes $927- Há diversas intersecções e confluências entre o trabalho de
2009), seja da rápida difusão da obra de autores como Paul Ricoeur Stoller e esse verdadeiro movimento paradigmático na antropologia
[1913-2005) e Michel Foucault (1926-L984) -, reflexões teóricas produzida a partir dos Estados Unidos, e aqui me limito a ressaltar
sobre as relaçôes entre linguagem e cultura ganharam vulto. Na apenas dois aspectos. Em primeiro lugari a atenção conferida
antropologia dita pós-moderna, discussões metateóricas acerca do às relações de poder e ao colonialismo. Stoller aborda a longa e
Lista de ilustrações
que minha
Penso, de fato, com mÍnha caneta, pois é frequente
está escrevendo'
cabeça'nadia saiba sobre o que minha mão
Wittgenstein
Ll I l'rrrrl Stolltr
engolidos; e algu.ns
Algunslivros devem ser degustados; outros'
pouio' devem ser mastigados e digeridos'
F'. Bactltr
O empirista [...] pensa que acredita no que vê, mas ele é muito
melhor acreditando do que vendo.
Santayana
l(X) | l',rrrl litollr.r
***
algum modo, havia recobrado sua força. Sorko Djibo se virou parir
mim e disse: 'As palavras foram boas para este homem."
Com minha desorientação nas alturas, deixamos o compound
do homem. Sorko Djibo me levou à sua casa, para eu poder receber
minha primeira lição sobre a escuta Songai. Embora eu estivesse
aprendendo vários encantamentos - instruções sobre como pensar
-, não tinha, ainda, começado a aprender a escutar. Ele me ensinou o
seguinte encantamento ;
KalelaéonomedêumadançapopularnoCinturãodoCobrenaRodésiadoNorte,
que, através da música,
associada a um uso pJ;i;;'J;,
relações zombeteiras
para
dança, e jogo, se traduz numa força
importante de integração e cooperação
á* g'"tt"' esta coleção assim por
Nomeamos
grupos que previamente viviam
hierarquias e desigualdades e,
acreditarmos no iogo ."rná'iáirc, pu.r"d.r*rn.har
qu" e inventivas com a tradição
relações iocosas
à nas
principalmen,., po. sobre a
"t'"Jn"t engendra novas possibilidades do saber
antropológica que a boa "i'ogtàfi'
alteridade.
Sobre o tradutor
Títulos Publicados
da etnografia
A escrita da cultura. Poéüca e políüca
Marcelo Moura Mello é licenciado e bacharelem Ciências Sociais pela Iames Clifford e George Marcus (Org'J
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Antropologia iradução de Maria Claudia Coelho
Social pela Universidade Estadual de Campinas. Doutor em e movimentos afroculturais
Devir negro: uma etnografia de encontros
Antropologia Social pelo Museu Nacional, Universidade Federal do
Ana Claudia Cruz da Silva
Rio de faneiro. Atualmente é Professor Adjunto do Departamento de
Sul e Sudeste do Brasíl
Antropologia e Etnologia da Universidade Federal da Bahia [UFBAJ, Êxodos, refigios e exílios' Colombianos no
atuando nos programas de pós-graduação em Antropologia e em Ángela Facundo
Estudos Étnicos e Africanos, além de ser pesquisador do Centro de público e relações pessoats no Brasil
Corrupção. l\m estudo sobre poder
Estudos Afro-Orientais. Foi Cientista Convidado da Universidade
Marcos Otavio Bezerra
de Lisboa, entre 2019 e 2020. Tem experiência etnográfica com
e práticas de poder na Nossa
comunidades remanescentes de quilombos no sul do Brasil e com As cores da masculinidade. Experiências interseccionais
descendentes de indianos na Guiana (antiga Guiana BritânicaJ. AmérÍca
Também realizou pesquisas em arquivos históricos no Brasil, na Mara Viveros VigoYa
Guiana, no Reino Unido e em Portugal. É autor de Reminiscências dos Tradução de Allyson de Andrade Perez
Quilombos: territórios da memória em ume comunidade negra rural Os sentidos da paternidade' Dos
"pais desconhecidos" ao exame de DNA
[São Paulo: Terceiro Nome/Fapesp, 20tZ). Sabrina Finamori
beduínas
A escrita dos mundos de mulheres' Histórias
Lila Abu-Lughod
Tradução de Maria Claudia Coelho