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Etnomídias indígenas e Vozes Emergentes

Por Renata Machado

Indígena da etnia Tupinambá, possui Bacharelado em Comunicação Social –


Jornalismo pela Universidade Estácio de Sá, roteirista, poeta e produtora. É
uma das coordenadoras de comunicação e idealizadoras da Rádio Yandê.
Trabalha e pesquisa a comunicação voltada para as etnomídias,
descolonização dos meios de comunicação, fortalecimento das narrativas
indígenas no cinema, televisão e literatura. Atua desde 2008 com comunicação
indígena, foi colaboradora e voluntária na área de etnojornalismo no portal
Índios Online e fez parte do Projeto Índio Educa resultado da parceria entre
Thydêwá em Ilhéus na Bahia, BrazilFoundation e Embaixada dos Estados
Unidos da América no Brasil, para atender ao Plano de Ação Conjunto Brasil –
Estados Unidos para a Promoção da Igualdade Racial e Étnica.

A comunicação indígena por meio da convergência de mídias rompe com


antigos paradigmas sobre as culturas dos povos originários no fortalecer das
identidades e visibilidade às suas demandas. O desafio é o protagonismo da
mídia indígena com autonomia, vozes e poder. Os povos passaram por um
longo período de objetos da nação brasileira em que o etnocentrismo dominou
as relações da sociedade nacional com as diferentes culturas, interferindo por
meio de um regime tutelar no modo de vida e pensar indígena. O indigenismo
em alguns momentos da história, quando assume um espaço de fala indígena
interfere nas narrativas ao tomar poder do discurso. Na comunicação e
informações com temática das culturas indígenas isso também acontece,
aqueles que se posicionam como interlocutores ao cuidar dos conteúdos
usando uma antiga postura paternalista e assistencialista trazem dificuldades
para uma real autonomia das populações indígenas. A emergência de uma
mídia indígena resulta da necessidade do retorno ao lugar próprio de fala e
direito, que surge na busca de realizar uma comunicação decolonial e não uma
que seja apenas uma versão indígena de outros veículos de comunicação e
jornalísticos. O etnocentrismo está enraizado no imaginário de profissionais da
grande mídia, por anos, comunidades foram vítimas do discurso generalista e
racista de diferentes veículos. ​É intensa a busca por políticas públicas para
comunicação e esclarecimento da população sobre os processos
comunicativos dentro e fora das comunidades. Não apenas uma simples
questão de apropriação das tecnologias, existe uma grande necessidade de
fortalecer a cultura como um dos caminhos para o empoderamento cultural,
educacional, social e político que fazem parte da comunicação.

“​Nós, não somos como uma simples folha seca, desprendida da sua haste, por não mais ser
necessário, solta ao vento sem direção a mercê de qualquer desígnio. Somos o equilíbrio da
Natureza, nos foi dada essa condição de integrar e ser integrado, de comungar em conjunto
novos significados, onde novas realidades são construídas sem que isso implique, na
descaracterização,ou inferiorização. Nós Povos da Floresta, vivenciamos essa
transcendência, sabemos da importância de estarmos ligados aos outros elementos
essenciais a Vida. Somos parte de um todo, mesmo com as nossas peculiaridades. Em nosso

vocabulário não existe o Eu, e sim, o Nós.​’’ ​Yakuy Tupinambá, curso de extensão
Escutar o Outro, uma filosofia alternativa, Faculdade de Letras – UFRJ, 2010.

Os antigos falavam que quando o mundo foi criado a primeira coisa que existiu
foi escuridão enquanto não existia o dia. Narram por gerações sobre o
nascimento de todas as coisas da terra. Os raios de luz de kuarasy para o
tronco Tupi Guarani podem ser comparados a força da palavra que surge
depois do escuro céu. Muitas vozes emergentes como a luz ecoam ao
amanhecer e entardecer, antes sem rosto, invisíveis, agora tão fortes como as
estrelas que iluminam a noite. A palavra é espírito que emana forças dos
elementos da natureza em comunicação com os diferentes ecossistemas,
estações, planetas, formas de vida e tempos, vão muito além de cosmovisões
que transcendem a forma como não indígenas compreendem nosso mundo,
elas fazem parte de outras correntes de pensamento, lugar de fala e até
mesmo rompe com signos ao saírem da invisibilidade do discurso de outros,
fazem ressignificação de todas as coisas. A comunicação é uma extensão da
natureza e do nosso espírito, por isso a colonização da mídia e do audiovisual
indígena feito por não indígenas, ao impor uma ótica colonial na forma que
indígenas devem fazer seus trabalhos, rompe com o essencial para os
comunicadores indígenas, que é valorizar sua identidade, cultura e visão
própria. É impossível acontecer o empoderamento e autonomia entre os povos
originários por meio de pessoas sem origem indígena. Não que falte a elas
capacidade, mas o fato de que deve ser iniciativa dos próprios indivíduos
originários para que exista uma apropriação significativa e não uma relação
fruto de uma postura assistencialista. As mídias indígenas nascem na busca de
uma comunicação indígena descolonizadora, por meio da etnomídia, os povos
originários fortalecem suas culturas realizando novas formas de transmissão de
seus saberes para as futuras gerações.

A Fundação Nacional do Índio – FUNAI – é o órgão indigenista oficial do


Estado brasileiro, ele substituiu o Serviço de Proteção ao Índio criado em 1910.
No período da ditadura o SPI cometeu uma série de crimes contra os direitos
humanos, torturas e até matanças de comunidades inteiras, separando
famílias, fazer uma integração forçada com trabalho escravo e todos os tipos
de violações. O órgão enfrenta um período de negociatas políticas entre
partidos ligados ao agronegócio e até boatos de que pode ser extinto.

O conceito de etnomídia surge primeiro em trabalhos de comunicação que


abordavam temática afro e do movimento negro. Etnomídia - Pesquisa em
mídia e etnicidades na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da
Bahia – ​é o primeiro grupo formalmente acadêmico, criado para ampliar a
pesquisa do debate e impacto do discurso midiático em diferentes grupos
étnicos discriminados na sociedade, incluindo afrodescendentes, indígenas,
judeus, asiáticos, ciganos, e outros no Brasil. Foi registrado no CNPq e
confirmado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), desde 1997.

O comunicador ​Anápuáka Muniz Tupinambá Hã hã hãe foi o primeiro indígena


a trazer para demanda dos povos indígenas este conceito, fortalecendo uma
apropriação significativa que as culturas fazem da etnomídia indígena. Primeiro
ele tentou realizar em um projeto de sua autoria com o nome Web Brasil
Indígena em 2007, que juntava conteúdos etnomídiaticos publicados em
diferentes sites. Graças a sua perspicácia continuou tentando aplicar o conceito
ao longo dos anos seguintes em outros projetos, mas apenas com a criação da
Rádio Yandê no ano de 2013 encontrou o território fértil para realização de um
trabalho de amplas produções de etnomídias indígenas, com a pluralidade dos
diferentes olhares étnicos culturais. Etnomídia indígena não é folclore, mas
vida, cultura em movimento. O que traz força na etnomídia é o fato de ela
poder ser realizada por indivíduos de diferentes culturas, sendo uma
ferramenta importante para todos os povos que estão enfrentando conflitos em
seus territórios, principalmente os que são marginalizados por uma cultura, que
tenta homogeneizar outras, impedindo de serem quem são. Nesta constante
censura de suas identidades, pessoas, seja na Palestina, Israel, África, Congo,
Ásia, México, Guatemala, e outros diferentes continentes e países no mundo,
podem encontrar nesta forma de comunicação maneiras de trazer força as
suas identidades, gerando autoestima para sujeitos de grupos étnicos vistos
como minorias pelas classes dominantes.

"Marcos é gay em São Francisco, negro na África do Sul,


asiático na Europa, hispânico em San Isidro, anarquista na
Espanha, palestino em Israel, indígena nas ruas de San
Cristóbal, roqueiro na cidade universitária, judeu na
Alemanha, feminista nos partidos políticos, comunista no
pós-guerra fria, pacifista na Bósnia, artista sem galeria e
sem portfólio, dona de casa num sábado à tarde, jornalista
nas páginas anteriores do jornal, mulher no metropolitano
depois das 22h, camponês sem terra, editor marginal,
operário sem trabalho, médico sem consultório, escritor sem
livros e sem leitores e, sobretudo, zapatista no Sudoeste do
México. Enfim, Marcos é um ser humano qualquer neste
mundo. Marcos é todas as minorias intoleradas, oprimidas,
resistindo, exploradas, dizendo ¡Ya basta! Todas as
minorias na hora de falar e maiorias na hora de se calar e
aguentar. Todos os intolerados buscando uma palavra, sua
palavra. Tudo que incomoda o poder e as boas
consciências, este é Marcos." Subcomandante Marcos,
Quarta ​Declaração da Selva Lacandona,​ México, 1994.

O Movimento Zapatista no México em 1994 por meio do ​Subcomandante


Marcos fez um comunicado ao mundo. Eles defendem princípios contra os
efeitos da globalização mundial, e ao afirmar que todas as minorias do mundo
são parte do movimento explicando porquê o uso de máscaras, existe
semelhanças em relação à área de atuação das etnomídias, que não podem
ser ignoradas, revelam uma grande preocupação de diferentes movimentos em
fazer vozes serem ouvidas, como um basta a todos os silenciamentos dos
poderes e governos. Diferente de esconder os rostos para todos serem um,
comunicadores indígenas necessitam mostrar sua pluriculturalidade, possuem
cores, culturas e diferenças, que são essenciais para valorização de quem são.
Por isso um comunicador indígena carrega consigo o compromisso de trazer
sua essência étnica e os espíritos de seu povo em suas narrativas. Seus
princípios pautados na ancestralidade e vozes das diferentes gerações,
reconhecem-se em meio às diferenças que os unem na relação com as forças
da Mãe Terra, a sagrada ​Abya Yala na língua do Povo Kuna, é o sinônimo de
América que alguns povos da América do Sul e suas organizações adotaram
para referir-se ao continente como forma de mostrar uma posição ideológica
em relação ao território invadido e nomeado de América mesmo já possuindo
vários nomes indígenas.

O colonizador fez de todos os povos originários objetos do Mundo Novo, fetiche


de missionários, jesuítas, romancistas, antropólogos, historiadores,
pesquisadores e estrangeiros que estabeleceram uma perspectiva colonial a
respeito de suas vidas e culturas ao longo dos séculos. A invasão dos
territórios e matanças em comunidades continuam até os dias atuais, um dos
motivos da necessidade não de uma mídia alternativa mas de mídias
indígenas, que são as oficiais para os povos. As mídias dos povos originários
são apenas alternativas para não indígenas. O que alguns acreditam ser mídia
alternativa indígena, na verdade são mídias oficiais dos povos indígenas em
desenvolvimento. Não devem ser confundidas com os muitos portais de
organizações indigenistas e ambientalistas.

A música ​The Revolution Will not Be Televised do escritor, compositor e músico


Gil Scott-Heron​ influenciado pelo poeta negro Langston Hughes, misturando
alguns gêneros jazz, blues, funk, soul e ritmos latinos, que tinham relação com
os ativistas afro-americanos, foi lançada ​no álbum Small Talk at 125th and
Lenox, de 1970 pela Grammy Hall of Fame. Ela inspirou rappers, artistas,
políticos, poetas e gerações​, que viram na faixa um inspirador manifesto,
embora o Scott-Heron afirmasse que era apenas uma sátira sobre as décadas
de 60 e 70 nos Estados Unidos​. A revolução não será televisionada foi escrita
em muros e tornou-se uma frase referência para diferentes movimentos
sociais. Por ter vindo de alguém com origem​ ​afro​-​americana ​esta frase ganha
uma potência incrível quando pensamos em uma mídia não televisionada, que
não faz parte da grande imprensa, está fora dela, e que a revolução não vai ser
exposta na televisão. A internet rompe paradigmas por meio da conectividade,
saindo de espaços privados para públicos, este território virtual e híbrido é
etnomídiatico, convidando-nos a refletir sobre esse espaço em que as novas
revoluções estão acontecendo.

“Nossos dinamismos culturais continuam sendo


desconhecidos, na medida em que nossas vozes continuam
sendo caladas, cobertas pelas vozes dos que se julgam
especialistas. Conectar-se ao mundo através da internet é
ter direito a ter um rosto e mostrar nossa voz. É saber dos
acontecimentos e, interesses que envolvem toda
humanidade. Fazemos parte desse contexto.’’(Yakuy
Tupinambá, Índios Online, 2006.)

Perfis nas redes sociais com presença indígena, blogs, sites, pessoas de povos
até mesmo com poucos anos de contato fazem parte de todo esse ambiente
cibernético, que cresce cada dia revelando formas de pensar e ser destes
indivíduos, como uma retomada não apenas do espaço físico, mas virtual,
produzindo territorialidades​ inimagináveis​ ​por muitos pesquisadores.

Alguns nomes de jornalistas indígenas brasileiros que vêm realizando trabalhos


dentro da comunicação indígena de formas variadas atualmente, na área de
assessoria de imprensa, produção de conteúdos, trabalhos acadêmicos e
tendo destaque no cenário nacional são Olinda Muniz Wanderley Tupinambá e
Pataxó Hãhãhãe da Bahia, Naine Terena do Mato Grosso do Sul, Mayra
Wapichana de Roraima, Erisvan Bone Guajajara do Maranhão, Sidney de
Albuquerque Terena de Mato Grosso do Sul, Djuena Tikuna do Amazonas, e
muitos outros.

Os comunicólogos indígenas enfrentam desafios no mercado de trabalho


brasileiro, por conta da invisibilidade destes profissionais em grandes meios de
comunicação do país e apagamento em alguns casos da presença deles
nestes veículos. A necessidade da realização de produções para o público
indígena é uma outra pauta que aparece a todo momento, quando não se
encontra representatividade em jornais televisivos para população indígena.
Nos Estados Unidos e outros países vemos um grande número de produtos
desenvolvidos para este público, de talk shows, series, filmes, desenhos
animados, novelas, festivais de música e cine, stand up, gastronomia e
reportagens.

O direito à comunicação indígena e políticas públicas para comunicação se


fazem necessárias, mas quando nem são pautas de debates por grande parte
do movimento indígena, aumenta a responsabilidade de comunicadores
indígenas em realizar assembleias, encontros, organizar estratégias para
implementação, e trazer avanços.
História da Yandê

A Rádio Yandê nasce depois de um longo período de experiências em


diferentes projetos. Nós, os três idealizadores, Eu, Renata Machado da etnia
Tupinambá, nascida em Niterói no Rio de Janeiro, jornalista, Erick Muniz,
conhecido como Anápuáka, da etnia Tupinambá nascido em São Paulo, sua
família é da Terra indígena Caramuru-Paraguaçu dos Pataxó Hã hã hãe em
Pau Brasil na Bahia, comunicador formado em Marketing e Denilson Monteiro
da etnia Baniwa, nascido em Barcelos, da ​aldeia ​Darí, conhecida como Barreira
no Amazonas​, publicitário e artista plástico. Depois de uma reunião no
município de Niterói em 2013, decidimos fazer um projeto de comunicação com
real protagonismo indígena e autonomia, escolhemos o nome de ​Yandê para
nossa rádio. A grafia é diferente da usada no Nhengatu e Tupi, ​Iandé, ou até
no Guarani ​nhande, buscamos personalizar com Y e ê. Significa todos, nós,
nosso e você, depende de como é usado em frases, ganha diferentes sentidos
de acordo como e quando é pronunciado. Nosso slogan ficou sendo “a rádio
de todos nós”, em um primeiro momento escutado em uma vinheta na voz de
Anápuáka, somos a primeira web rádio indígena brasileira. A logomarca da
rádio criada pelo artista e designer Denilson Baniwa, não apenas de muita
criatividade, mas cheia de significados com um interessante conceito de o
modo tradicional indígena agora em formato digital. O sinal de wifi em um
símbolo que a transmissão em cor amarela lembra a pena de um cocar, mas
também uma canoa levada pela água ou até mesmo uma flecha sendo
lançada, são algumas coisas visíveis às pessoas que olham nossa logomarca,
cada um costuma ver uma das três coisas, como um totem que é ativado de
acordo com quem o olha. Bandas indígenas e cantores encontram na rádio um
espaço de divulgação de seus trabalhos.

Eu comecei a fazer textos inéditos de assuntos nunca abordados em sites


indigenistas e outras mídias, fazíamos reuniões em equipe, falávamos sobre
diferentes assuntos, publicamos sobre eles, meu maior desejo era despertar
mais comunicadores, trazer também conscientização sobre certos assuntos. O
professor de História Valdevino Cardoso, da etnia Terena, atual acadêmico da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, conhecido como Vavá Terena,
foi nosso primeiro correspondente aldeado, ele é da Terra Indígena Limão
Verde em Aquidauana no Mato Grosso do Sul. Hoje é meu esposo, nosso filho
Rayan nasceu em 2016 em meio a todas as transformações que a rádio vem
fazendo nas redes sociais. A primeira contribuição mais conhecida de
Valdevino foi um áudio entrevista da Assembleia Terena da qual faz parte, com
som ambiente do local trazia essência de um conteúdo etnomídiatico gravado
apenas com um celular. ​Muitas pessoas acreditavam que éramos uma equipe
grande, com redação fixa e patrocínio, até hoje existe surpresa como três
pessoas criaram tanta coisa sem apoio, contando apenas com amigos mais
próximos, alguns familiares e grande força de vontade. Editais garantiram os
primeiros equipamentos, Comunica Diversidade 2014: Edição Juventude e
depois o ​Prêmio Pontos de Mídia Livre do Ministério da Cultura, por meio da
Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural em 2015.

No ano de 2014/2015 reparei uma moça indígena fazendo comentários e


escrevendo observações muito boas na página da rádio em uma das nossas
redes sociais de maior visibilidade, não conhecia, fiquei interessada em
convidar para fazer parte da equipe como correspondente, gostei muito das
coisas que ela escrevia, senti que havia dons e consciência em sua narrativa
da qual nós estávamos procurando. Conversei com a equipe e convidei Daiara
Tukano, Bacharel e Licenciada em Artes Plásticas na Universidade de Brasília,
produtora cultural, desenhista, e performer, indígena Tukano, mestranda em
Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade Federal de Brasília. Ela
aceitou e ficou sendo por um tempo nossa correspondente de Brasília,
enviando muitos conteúdos de vídeo, áudio e fazendo textos sobre diferentes
temáticas. Em 2017 fez um vídeo durante o Acampamento Terra Livre, que
ficou marcado na história da Yandê ao ultrapassar 2 milhões de visualizações,
neste mesmo ano convidamos para ser parte da coordenação da Yandê
conosco. Foi criado o programa Papo na Rede Yandê, de conversas com
indígenas em diferentes regiões do Brasil e etnias ao vivo no youtube por suas
webcams, também sendo incorporado na programação de áudio.

Nosso primeiro correspondente internacional foi o mexicano de origem


zapoteca e jornalista Pablo Perez, que hoje realiza um programa de rádio no
México chamado ​Calo chu? disponível online diretamente da ​comunidade de
Teotitlan em Oaxaca.

Em 2016 o jovem ​graduado em Licenciatura e Bacharelado de Ciências Sociais


pela PUC-Rio, atual Mestrando no Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social no Museu Nacional/UFRJ​, ​nascido no Rio de Janeiro, de
uma das últimas famílias de origem Guaicuru/Terena da Aldeia Ipegue em
Aquidauana no Mato Grosso do Sul, Idjahure Kadiwel estreou na Yandê como
comentarista durante as Olimpíadas 2016 no Rio de Janeiro. A British
Broadcasting Company realizou um programa chamado Today in Rio para
BBC. O convite foi feito por meio de uma ligação da BBC de Londres para
Yandê pedindo um comentarista indígena, momento marcante para toda
equipe por ser um convite de uma mídia estrangeira dando valor para nossa
mídia indígena. Idjahure passou mandar áudios, fotos, textos, traduzir para o
inglês e fazer lives de eventos em que estava presente. Recebemos também a
colaboração voluntária do acadêmico Jeferson Costa para tradução de textos
importantes para o inglês, que muito nos ajudou na tradução das primeiras
entrevistas internacionais.

Nossa primeira colunista foi a educadora, militante do movimento indígena


Tupinambá de Olivença, autora de vários textos, publicados alguns nas
coletâneas Índios na visão dos índios, na rede indiosonline e em Indiografie
(Costa & Nolan/Itália), e protagonista de um discurso histórico na Academia
Brasileira de Letras (ABL) em 2008 junto ao filósofo italiano Gianni Vattimo, a
baiana, Yakuy Tupinambá de Olivença.
Contamos com cerca de 500 colaboradores indígenas de todas regiões do
Brasil, alguns em um grupo de WhatsApp e outros em nossas redes sociais.
Possuímos também um grupo de ronda com jornalistas das principais mídias
não indígenas, que fazem notícias sobre os povos, além de um grupo de
indígenas de outros países. São alguns dos locais que compartilhamos
informações e recebemos sugestão de pautas.

Em 09 de Agosto de 2017, Dia Internacional dos Povos Indígenas, criado pela


ONU, colocamos no ar pela primeira vez ao vivo no youtube, o programa
Yandê Connection, um bate papo com indígenas ao redor do mundo,
impulsionado por Daiara Tukano. Nele dialogamos em inglês, espanhol e
outras línguas com indígenas de todos lugares. Na primeira edição nossos
convidados foram Djuena Tikuna, cantora, brasileira e jornalista da etnia
Tikuna, suas músicas são um sucesso na programação musical da rádio, Tai
Pelli que é escritora, advogada e defensora dos direitos indígenas, indígena da
etnia Taino do Caribe e ​Kvrvf Nawel, da Argentina, conhecido comunicador
indígena da etnia Mapuche. Sem patrocínio ou apoios, temos criado diferentes
conteúdos e produções ao longo dos anos.

O site da Yandê com mais de 500 mil acessos desde sua criação, e escutado
em mais de 60 países como mostram as estatísticas do próprio portal, reforça o
fato de que estamos além das fronteiras, sem fronteiras geográficas, territoriais,
étnicas ou culturais. Com músicas indígenas tradicionais e contemporâneas em
gêneros como Rap, MPB, Rock, Reggae cantados em idiomas indígenas por
músicos de diferentes povos que não encontram espaço para divulgar suas
músicas e trabalhos. Por isso romper as fronteiras é fundamental não apenas
para levar comunicação indígena, músicas, para todos os continentes, mas
trazer espaço para diferentes etnias do mundo. Um fato não muito mencionado,
mas também somos a primeira empresa indígena de etnomídia e comunicação
no Brasil, pois quase todos os projetos com indígenas fazem parte do terceiro
setor de organizações não governamentais ou de grupos e instituições
indigenistas.
O protagonismo e pioneirismo da Yandê chega em um cenário e mercado no
qual produções de temáticas indígenas são realizadas e controladas em sua
maioria apenas por não indígenas. Por meio das oficinas em diferentes
estados, comunidades, escolas, universidades e espaços culturais,
percebemos que Yandê é como um grande laboratório, em que todos
aprendem uns com os outros, não existem fórmulas certas de como as coisas
devem ser mas é parte de um processo vivo, que se adequa ao local que está,
não tentando moldar um formato para quem das oficinas participa.

Fomentar debates sobre relações de produção midiática e o processo de


afirmação de uma identidade racial auxiliam no processo de incentivo às novas
mídias indígenas. Em Abril de 2018 foi fundada a Casa Yandê, um centro
cultural indígena itinerante dedicado a divulgação e promoção dos povos
indígenas em sua tradicionalidade ou contemporaneidade. O ambiente soma
arte, educação, entretenimento, cultura e tecnologia. Um dos eventos de
estreia com participação especial de Dub For Galdino, do grupo de São Paulo,
Dubdem, difusora cultural, um projeto musical ligado a Indigenous Resistance
(IR), uma rede internacional dedicada mostrar por meio cultura sound system,
arte, reggae e resistências ancestrais mundiais.

Comunicação, autonomia, vozes e poder

O processo histórico de desenvolvimento de iniciativas indígenas, junto de


antropólogos e comunicadores em eventos de cinema e comunicação indígena
latino-americanos, serviram como incentivo para criação de trabalhos, na
implementação de grupos que seriam decisivos para a história da comunicação
na parte sul do continente, e diferem do norte que possui um foco de
empreendedorismo mais empresarial.

Nativos norte-americanos na década de 70, em movimento político por respeito


aos direitos, foram o impulso de questionamentos de muitas gerações futuras,
sobre racismo em veículos de comunicação e cinema de Hollywood. Aquela
figura nas telas mais famosas do mundo nunca os representou, mas criou no
imaginário mundial um personagem chamado de índio, não por seus reais
nomes, que fazia uma tal dança da chuva, colocava mão na boca, vestia
roupas engraçadas em desenhos do Pica Pau. Às vezes “bom selvagem” e
outras mau, um ser estranho chamado de pele vermelha mas como um animal,
aqueles que não eram humanos mas seres de outra espécie. Algumas vezes
chamados de guerreiros outras de assassinos.

Em 1973, o ator Marlon Brando ao ganhar o segundo Oscar pelo papel de Vito
Corleone em O Poderoso Chefão, pediu para atriz nativa americana Sacheen
Littlefeather ir em seu lugar e explicar que ele rejeitava o Oscar de 'Melhor ator’
por causa da maneira que Hollywood tratava artistas indígenas em suas obras.
Ela foi impedida de ler o texto escrito pelo ator em protesto, mas deixou uma
mensagem em alguns poucos minutos. Nativos faziam protesto em defesa do
território sagrado de ​ Wounded Knee naquele ano, o exército americano os
cercava com grande armamento.

“A indústria cinematográfica tem sido responsável, como qualquer um, pela


degradação do índio, fazendo piada de seu personagem, descrevendo-o como
selvagem, hostil e demoníaco.” “Já é difícil para as crianças crescerem nesse
mundo. Quando crianças indígenas assistem televisão e assistem aos filmes,
e quando veem sua raça retratada neles, suas mentes são prejudicadas de
maneiras que nós nunca saberemos.” Trecho da carta de Marlon Brando, 1973.

Cansamos de ser enfeite ou personagens caricatos em projetos de pessoas


não indígenas, existe uma grande dificuldade até os dias atuais de uma relação
de respeito em trabalhos no mercado audiovisual e outros setores. O
profissional indígena quando é contratado, não é um ato de caridade ou favor
mas deve ser por mérito e reconhecimento de seu potencial. Enfrentamos
muitas dificuldades nas relações, mas apesar de ainda haver grandes
equívocos, também encontramos pessoas não indígena que fazem a diferença
respeitando indivíduos indígenas como pessoas capazes, não assumindo uma
postura de superioridade.

Um momentos marcante na história da comunicação e cinema indígena foi


quando a ​Coordinadora Latinoamericana de Cine y Comunicación de los
Pueblos Indígena (CLACPI) foi criada em 1985 na cidade do México durante o I
Festival Latinoamericano de Cine y Video de los Pueblos Indígena, hoje ela
reúne comunicadores, coletivos e cineastas de diferentes continentes com
maior parte da América Latina. ​A ​Primeira Cúpula Continental de Comunicação
dos Povos Indígenas de Abya Yala ocorreu na Colômbia, em novembro de
2010, e o Congresso Nacional de Comunicação Indígena do México liderou o
lançamento de 2012 como o Ano Internacional da Comunicação Indígena.
Foram momentos históricos de grande relevância para a produção de uma
declaração que definiu um grupo de princípios que regem a comunicação
indígena de Abya Yala, com participação de comunicadores do México,
Colômbia, Equador, Bolívia e Argentina.

Não podemos esquecer da Assembleia Constituinte da Bolívia e sua


implementação na Constituição Política do Estado (CPE), com o programa de
televisão "Bolivia Constituyente Plurinacional", produzido por organizações
indígenas e sociais, com um trabalho de acompanhamento do processo de
implementação da Carta Magna. e não foi o único dedicado em uma base
regular para garantir a aplicação do CPE preparado entre 2006 e 2007, mas é
o primeiro programa de televisão feito por comunicadores indígenas originários
camponeses no país. Uma iniciativa das cinco organizações membros do
chamado Pacto de Unidade agrupado em torno do Coordenador Indígena
Audiovisual da Bolívia (CAIB), que tem o apoio do Centro de Formação e
Produção Cinematográfica (Cefrec). Além do programa de televisão, projetos
de comunicação em rádio, imprensa, cinema-video e novas tecnologias,
empregam entre 150 e 200 pessoas ligadas à CAIB. ​Por ser transmitido no
canal de televisão estadual da Bolívia, nos últimos anos, teve interrupções na
transmissão com atividades governamentais, os produtores da "Bolívia
Plurinacional" colocaram vários dos seus programas no site da Agência de
Comunicação ​Plurinacional.

Uma legislação nativa de comunicação indígena no Brasil e outros países, que


ainda não possuem este debate, que permita projetos de leis diferenciadas e o
direito Indígena à comunicação é fundamental no processo de
autodeterminação e autonomia dos povos. Pois todo processo organizacional
da política indígena depende desta base. O espaço consultivo que é constante
oferecido em diálogos junto de representantes do governo para lideranças das
diferentes etnias na saúde, educação e outras áreas, não contempla todas as
necessidades deliberativas pela falta de um parlamento indígena específico
para cuidar de tais questões.

O Nativeflix criado em 2015 por meio de Timothy Harjo da Amerind Media


Group, agregadora e difusora online de mídia digital indígena com sede em Los
Angeles na Califórnia. A versão indígena do popular Netflix, é apenas um
exemplo destes conteúdos realizados. Pessoas das Primeiras Nações no
Canadá, nativos americanos nos Estados Unidos, Maori na Nova Zelândia,
nativos havaianos, povos indígenas do sul e centro-americanos e insulares do
Pacífico anseiam por cada vez mais conteúdos.

A Māori Television fundada em 2004 é uma estação de televisão da Nova


Zelândia que transmite programas que auxiliam na revitalização da língua e
cultura maori. Um nicho que no Brasil ainda passa por um processo que está
ganhando força no audiovisual e em plataformas como Youtube, que recebeu
um forte impulso do Denilson Baniwa em 2016 ao ser incentivado por amigos a
fazer um canal. Jovens como o Benício Pitaguary do Ceará, Cristian Wariu da
etnia Xavante de Mato Grosso, vem se destacando, e outros que utilizam
também como espaço de divulgação de seus trabalhos, grupos de música
indígena e pessoas públicas. ​O Seminário Mídias Nativas em São Paulo,
organizado pelo ATOPOS da Escola de Comunicação e Artes da USP,
apresentou no ano 2006 algumas produções indígenas. A falta de pesquisas
sobre a história da comunicação indígena faz com que a maioria dos
pesquisadores do tema não tenha informações detalhadas. Os povos indígenas
começaram a ter contato com os meios de comunicação por meio da política
colonial e nacional, dentro de uma relação de dominação cultural e
homogeneização.

“Eu entendi que o movimento indígena no seu


começo lá no final dos anos 78, 79 precisava ter
uma coordenação de comunicação própria pois
dependíamos de outras publicações e mídias como
boletins e jornais locais para veicular nossas
denúncias que eram o principal assunto do nosso dia
a dia, ataques e agressões aos povos indígenas,
invasões de territórios e mentiras da mídia oficial....”
(Ailton Krenak, Rádio Yandê, 2014.)

Um projeto marcante de comunicação indígena no Brasil foi o Programa de


Índio, apresentando grandes pensadores indígenas, Ailton Krenak, Álvaro
Tukano e Biraci Yawanawá, iniciativa do Núcleo de Cultura Indígena, braço
oficial da União das Nações Indígenas, foi ao ar no mês de junho em 1985 a
primeira edição pelos 93,7 MHz da rádio USP de São Paulo. Com 30 minutos
semanais, durou de 1985 a 1990, sendo distribuído também para outras
emissoras educativas e comerciais, a Rádio EFEI (MG), Rádio Universidade de
Santa Maria (RS), Rádio Kaiowas (MS), hoje também na programação da
Rádio Yandê. Criado em 1987, o GRUMIN promoveu o acesso de mulheres e
homens indígenas e suas organizações, às informações por meio de
informativos da Rede de Comunicação indígena da escritora Eliane Potiguara.

Grupos indigenistas e missionários anteriormente já também faziam trabalhos


anteriores com comunicação e indígenas mas sem o total protagonismo das
etnias. Eles também foram fundamentais para o começo de novas relações
com a mídia, contribuindo totalmente para o cenário que vemos hoje, o
Conselho Indigenista Missionário (CIMI) criado em 1972, é até os dias atuais
um dos mais atuantes. ​ Vídeo nas Aldeias é um projeto na área de produção
audiovisual indígena no Brasil criado pelo francês, antropólogo e indigenista
Vincent Carelli em 1986, surgiu dentro das atividades da ONG Centro de
Trabalho Indigenista. Passou a ser como uma escola de formação de
audiovisual para indígenas feita por não indígenas, oficinas foram realizadas
com diferentes etnias para a formação de cineastas indígenas. Ganhador de
diferentes prêmios e festivais. Em 2000, se constituiu como uma ONG inserida
no Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura, de onde recebeu parte de
seus recursos para a realização dos trabalhos. O projeto possui alguns dos
maiores números de produções com participação de indígenas de diferentes
etnias, por não ser uma iniciativa dos povos indígenas ela não se enquadra
como projeto indígena, mas acabou servindo de base e inspiração para outros
projetos diferentes e focados em uma maior autonomia e independência de
indígenas na realização de suas produções.

Em 2008 tive contato pela primeira vez com etnocomunicação ao ser voluntária
da Rede Índios Online por convite e indicação da Maria José Amaral Bransfor,
conhecida como Yakuy Tupinambá de Olivença, grande comunicadora da
cultura de nosso etnia. Destacando que os Tupinambá de Olivença apenas
foram reconhecidos pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em 2002/2003,
em um cacicado matriarcal inicial da Cacique Maria Valdelice, a Jamopoty com
apoio e mobilizações de diferentes famílias. A Rede Índios Online criada em
2004 foi uma das primeiras a fazer este tipo de trabalho no ciberespaço, era
um grupo intercultural composto em maioria por indígenas, da ONG Thydêwá,
coordenada pelo argentino, cineasta e empreendedor Sebastian Gerlic. ​Em
2001 os membros da organização Águia Dourada se dividiram e em 2002 foi
fundada a Thydewá “esperança da terra” no idioma Pankararu. A série de livros
Índio na Visão dos índios foi um dos sucessos da organização.
A necessidade de compartilhar saberes culturais por meio da escrita me fez
perceber que fortalece nossa identidade e ao mesmo tempo cumpria uma
função, rompendo histórias impostas por não indígenas a respeito das nossas
culturas. Reconheci na narrativa de Yakuy coisas que aprendi com minha avó
que nasceu em 1916, e ela também repassava o que sua avó ensinou.
Crescemos em regiões e épocas diferentes, mas recebemos os mesmos
saberes da cultura. Isso me impulsionou a não deixar a semente morrer,
chamava atenção que toda repressão sofrida por nossas famílias, separações
da vida em comunidade, o ambiente urbano e outros obstáculos não foram
mais fortes que a resistência da narrativa.

Em 2010 estudei Roteiro Cinematográfico na Escola de Cinema Darcy Ribeiro -


Instituto Brasileiro de Audiovisual, por fazer parte do Ponto de Cultura Índios
Online e ser indicada por eles em um edital. Fiz uma prova com outros jovens
de diferentes pontos de cultura do Brasil, e fui selecionada. Pediram indicação
de mais indígenas de outros Pontos de Cultura que queriam estudar cinema
para fazer parte dos próximos processos de seleção e tentarem uma vaga,
indiquei um cineasta indígena do Vídeo nas Aldeias chamado Takumã Kuikuro,
outros indígenas de sua região no Mato Grosso haviam falado que sonhavam
com esta oportunidade. Embora ele conhecesse pessoas não indígenas que
tinham estudado, e até mesmo trabalhado na Escola de Cinema Darcy Ribeiro,
o que pareceu é que nunca tinha tomado conhecimento deste desejo da escola
em ter alunos indígenas. Escutei comentários sobre as tentativas de convidar
alunos não darem certo antes por indigenistas informarem que a Fundação
Nacional do Índio não iria autorizar. Nunca soube se essa informação chegou
realmente à Funai, ou foi um obstáculo criado por alguém de pensamento
tutelar. Logo depois o escritor Cristino Wapichana também passou pelo
processo seletivo com apoio do Índios Online e seu grupo de escritores
indígenas, NERIN. Três alunos indígenas, mas nossa presença mostrou que
todos são capazes e não apenas alguns privilegiados, podemos estudar o que
quisermos e aprender, foi um ano de muito aprendizado em 2011. O que deixa
explÍcito que ocupar espaços ainda é enfrentamento de um processo histórico
e social. Fiz parte do projeto Índio Educa ao lado de outros jovens, Marina
Marcos da etnia Terena, Sabrina Marques da etnia Taurepang, Alex Macuxi,
Amaré Krahô Kanela e Micheli Alves Machado da etnia kaiowá, voltado para
valorização das histórias e culturas indígenas, uma iniciativa de um edital com
BrazilFoundation e Embaixada dos Estados Unidos da América no Brasil, ​que
a organização não governamental Thydêwá foi selecionada.

A Associação Cultural dos Realizadores Indígenas (ASCURI) é um grupo de


jovens realizadores, produtores culturais indígenas Guarani, Kaiowa e Terena
formado no ano de 2008, sem financiamento, por meio das tecnologias de
comunicação criam estratégias de resistência para os povos indígenas de Mato
Grosso do Sul, na luta pelo território tradicional e a democracia midiática.
Idealizado por Ivan Molina da etnia Quechua da Bolivia, e os brasileiros, Gilmar
Marcos Galache da etnia Terena e Eliel Benites da etnia kaiowa. São pioneiros
no descolonizar do cinema indígena no Brasil, fazendo uma verdadeira
guerrilha audiovisual de imagens, que rompem a colonização de obras
indigenistas. Realizam oficinas de audiovisual em comunidades com ​indígenas
de diferentes nacionalidades, etnias, comunidades tradicionais, fortalecendo
interculturalidades entre povos. Criaram uma metodologia indígena de
formação dos realizadores, mostrando que cinema indígena é muito além, e
que sim existem cinemas i​ndígenas específicos, não apenas um conjunto de
posturas ou práticas de filmagem, e que um filme ou documentário realizado
sem certos cuidados em respeito às culturas, pode impactar de forma negativa
uma comunidade para sempre. Existe também uma perspectiva de gênero nas
narrativas, um filme sobre mulheres feito por homens, sempre vai ser do ponto
de vista masculino, não feminino. Eles priorizam o cinema coletivo, em que a
equipe é valorizada e não existe um diretor, ou uma pessoa vista como autor
da obra, a perspectiva é comunitária, empoderando todos que fizeram parte do
processo, não apenas um. Estão fora de grande parte do circuito de festivais
de cinema, premiações, ou dos holofotes da grande mídia. Fiéis ao que
aconselham os anciãos, fazem o cinema em memória de seus ancestrais para
que as culturas ou histórias continuem sendo passadas e antigas práticas
registradas como são. ​É com grande incentivo que no ano de 2018, três jovens
realizadores da etnia Guarani Kaiowá, Aldeia Panambizinho em Dourados -
MS, foram escolhidos pela estudar na Escola de Cinema Darcy Ribeiro no Rio,
o ator, cineasta e aprendiz de rezador Ademilson Concianza Verga, conhecido
por atuar no filme Terra Vermelha (2008) de Marco Bechis e roteiro de Luiz
Bolognesi, a guerreira e realizadora Micheli Perito e o realizador e desenhista
Gelearde Pedro. Como todos aprendemos na universidade e na ocupação de
diferentes espaços vem sempre quando um indígena passa por eles, abrindo
caminho para os próximos.

A memória é o tecido que permite ao espírito guardar histórias para as


próximas gerações. Formas físicas, nomes e tudo à nossa volta pode mudar,
mas em essência existe uma permanência no ser indígena que não pode ser
traduzida ou padronizada por estereótipos nascidos na utopia do colonizador
sobre o que são as populações indígenas. Projetos podem mudar muitas vidas
e comunidades, mas apenas as aldeias têm o poder de transformar suas
realidades. Discursos ainda são reproduzidos e estão no imaginário não
apenas de nativos. Por anos fomos oprimidos de forma física e psicológica. As
áreas demarcadas são também campos de concentração, não apenas dos
corpos ou territórios mas de nossas mentes, não existem fronteiras para as
nações indígenas. Passamos por um processo de libertação das gaiolas que
criaram, das regras estabelecidas, educação forçada, domesticação, ficção,
fantasia, utopia e tudo que outros falaram que éramos ou tínhamos que ser. ​A
autonomia é o único caminho para sustentabilidade e realização, do qual é
impossível encontrar sem independência nas instituições, organizações não
governamentais, órgãos governamentais não indígenas com reproduções do
pensamento colonial e suas práticas.

Não é possível compreender esta forma de comunicação sem perceber que


não existe limitação na comunicação em cada filosofia de um povo. Saberes
culturais ultrapassam o tempo e espaço do qual outras sociedades estão
acostumadas dentro de suas concepções. Às vezes foge totalmente à
linguagem tão valorizada pelo ocidente, pois também se manifesta por meio de
cores, imagens, desenhos, silêncio e sonhos. Sejam com plantas, pessoas,
animais, fogo, terra, água ou ar, falamos em uma comunicação que foge ao
que o ocidente espera da comunicação humana física. Um bom comunicador é
aquele que possui forte sensibilidade, muitos deles são os responsáveis pela
saúde espiritual em suas aldeias, pois possuem facilidade em comunicação
com mais de um mundo recebendo saberes para manter a cultura viva.
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Indios Online
Rádio Yandê

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