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VIII Simpósio Internacional de Música na Amazônia

10 a 12 de novembro de 2021
Boa Vista, Roraima, Brasil

Parixara: música, história e dança indígena na escola


EDUCAÇÃO MUSICAL

Andressa Sousa do Nascimento


Universidade Federal de Roraima
cantoraeuterpe@gmail.com

Jefferson Tiago de Souza Mendes da Silva


Universidade Federal de Roraima
jtamancio@gmail.com

Resumo: Este estudo é resultado da construção de uma proposta de pesquisa


vinculadas as disciplinas do curso de Licenciatura em Música da Universidade
Federal de Roraima no ano de 2019, cuja temática busca dialogar sobre tradições
indígenas de Roraima através de atividades musicais na educação básica, tendo como
objeto de estudo a manifestação indígena Parixara. A metodologia é qualitativa, com
os métodos de observação e coleta de dados, em um relato de experiência vivenciado
na Comunidade Raposa 1, da etnia Macuxi, do estado de Roraima. Essa iniciativa tem
como base a aplicação da Lei nº 13.278/2016, e da Lei nº 10.639/2003 que estabelece
a inclusão no currículo da rede de ensino, a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, uma vez que o estado de Roraima abriga 86,5%
das Comunidades Indígenas do Brasil, onde a cultura indígena é uma realidade viva e
sua abordagem mostra-se pertinente no ambiente escolar.

Palavras-chave: Música indígena; Parixara; Macuxi; Roraima; Música na educação


básica.

Resumen: Este estudio presenta la propuesta de una actividad para la clase de música
en Educación Básica, teniendo como objeto de estudio la manifestación indígena de
Parixara. La metodología es cualitativa, con los métodos de observación y
recopilación de datos, en un informe de experiencia vivido en la Comunidad Raposa
1, del grupo étnico Makuxi, en el estado de Roraima. Esta iniciativa se basa en la
aplicación de la Ley nº 13.278 / 2016, y de la Ley nº 10.639 / 2003 que establece la
inclusión en el currículo de la red educativa, el tema obligatorio "Historia y cultura
afrobrasileña e indígena", ya que El Estado de Roraima alberga el 86.5% de las
comunidades indígenas en Brasil, donde la cultura indígena es una realidad viva y su
enfoque es relevante en el entorno escolar.

Palabras clave: Música indígena; Parixara; Macuxi; Roraima; Música en la


educación básica.

1. Presença e Música Indígena em Roraima

O estado de Roraima possui o maior número de comunidades indígenas do Brasil,


segundo dados do Censo 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/

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IBGE, tinha uma média de 500 mil habitantes abrigando 86,5% da população com descendência
ou declarados indígenas, sendo um estado com 11 etnias, em 32 Terras Indígenas demarcadas.
O desconhecimento das tradições indígenas por grande parte da população
brasileira cria uma visão equivocada das atividades e ações dos povos tradicionais, o que leva
a visão congelada nos tempos do descobrimento, fazendo com que a cultura indígena
permaneça na invisibilidade. “Desde a época de Cabral, os povos indígenas sofreram um
declínio populacional por diversos fatores. Inúmeras tradições se perderam e no âmbito musical
não foi diferente, contudo, há muitas descobertas a serem feitas, estudadas e compreendidas”
(SANTOS; FIOROTTI, 2015 p. 1650).
Essa percepção da tradição e dos valores indígenas é bastante forte em estados da
Região Norte com uma grande concentração dos povos tradicionais brasileiros. O marco dos
indígenas vive na nossa cultura, nas músicas, nas artes visuais, nos artesanatos e na culinária.
É algo pulsante e vivo para o povo de Roraima, mas que acaba por não ser valorizado da forma
necessária como preservação do que é ser índio dentro do ambiente escolar.
Com este olhar iniciou a construção deste estudo de pesquisa na disciplina
“Pesquisa em Música I”, do curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de
Roraima (UFRR), levando também para a disciplina de Estágio Supervisionado. Por ser cantora
e roraimense a autora principal deste artigo vivencia as práticas e trocas das culturas indígenas,
buscando nelas inspirações para suas músicas e cantos (FIGURA 1). Essa troca de vivências
permitiu um olhar mais atento sobre experiências ocorridas na Comunidade Raposa 1, da etnia
Makuxi1, em 2017. Quando questionada sobre o que gostaria de fazer dentro da disciplina
“Pesquisa em Música”, logo vêm essa experiência e como transformá-la numa prática para o
ensino de música na educação básica.
Das muitas experiências vivenciadas neste encontro de 2017 na Comunidade
Raposa 1 está a partilha de emoções através da dança, canto e manifestação do Parixara2, do


1
Makuxi é a designação corrente para os grupos Pemon, que habitam o sul da área circum Roraima, nas vertentes
meridionais do Monte Roraima e nos campos que se estendem pelas cabeceiras dos rios Branco e Rupununi,
território politicamente partilhado entre Brasil e Guiana. Dentre as terras indígenas nas quais residem populações
Makuxi, a que abriga a maior população é a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que compreende uma extensão
territorial de 1,7 milhões de hectares, comportando aproximadamente 21 mil pessoas. (Fernandes, 2015, p. 6). Para
esse estudo foi normatizada a grafia da palavra utilizada com “k”, forma mais recorrente utilizada nas fontes
consultadas para esse estudo, sendo que em outras fontes também encontra-se grafada com “c”.
2
Segundo Grünberg, Parixara é uma dança ritualística tradicional indígena para a caçada do javali.

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povo indígena Macuxi, uma população de filiação linguística Karib, que habita os vales dos
rios Branco e Rupununi, região partilhada entre o Brasil e a Guiana onde está localizada a Terra
Indígena Raposa Serra do Sol, abrigando a maior parte dos Macuxi, entre suas populações.
Essas emoções e a participação ativa dentro daquele Parixara nos traz à tona a importância da
aplicabilidade desta tradição no ensino de música na educação básica, como poderão ver mais
a frente.

Figura 1 - A autora bebendo caxiri3 na Maloca.


Fonte: Foto de J.Pavani

Os primeiros registros fonográficos existentes sobre o Parixara foram realizados em


1911 pelo etnólogo e naturalista alemão Theodor Kock-Grünberg, registrados no livro Del
Roraima Al Orinoco, publicado na Alemanha entre (1916–1924) que documentou materiais
sonoros indígenas no norte do Brasil e no sul da Venezuela no período de (1911-1913). “Foram
49 cilíndros com músicas tocadas e cantadas por membros das etnias Makuxi, Taurepang,
Yekuana- Maiongong.” (GALUCIO, 2009).

Em sua descrição Koch-Grünberg explica como nasceu a dança do Parixara: Así


nació la danza principal de los Makushí y Taulipang, el parischerá, cuyo primer


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Caxiri é uma bebida fermentada à base de macaxeira, utilizada em comemorações nas tribos indígenas da
Amazônia.

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bailador lleva el largo palo con la hilera de maraca hecha con placas zoomórficas de
adorno y que son disfrazados con hojas de palmas; la representación de esta danza
trae rica presa de cuadrúpedos así como la danza colibri “tukui” acompañada de
estridentes pitos, proporciona aves y peces; pues el primer bailador es el “padre de los
peces” el pajarito Sekei, el brujo Wazamaíme. (Grünberg, 1922, p. 366).

Figura 2 - Dança do Parixara, retratada pela pintora indígena Carmézia Emiliano4


Fonte: Autora, 2019.

Esses registos estão no terceiro CD da série "Documentos sonoros históricos", do


Arquivo Fonográfico de Berlim, contendo as gravações feitas em cilindros de Edison,
realizadas pelo etnógrafo alemão Theodor Koch-Grünberg (1872-1924) nos anos de 1911 e
1913, no Brasil.
O primeiro grupo a propagar a cultura indígena na capital foi o movimento cultural
Roraimeira (FIGURA 3), protagonizado pelos artistas roraimenses Eliakin Rufino, Neuber
Uchôa e pelo paraense Zeca Preto, que através de manifestações artísticas que incluem a
música, dança, artes visuais e culinária, inseriram em sua poética elementos da cultura indígena.
“O Parixara é um ritmo indígena, e hoje o mais difundido em Roraima, especialmente depois
do movimento cultural Roraimeira, que difundiu a dança e cita o vocabulário indígena em várias
de suas músicas” (SANTOS; FIOROTTI, 2015, p. 1653). Atualmente, outros grupos musicais
da capital também abordam a questão indígena em seus repertórios, tendo como destaque a
Banda Kruviana da Universidade Federal de Roraima (UFRR), que faz parte do Instituto de
Formação Superior Indígena (INSIKIRAN).


4
Quadro Dança do Parixara da pintora indígena Carmézia Emiliano, foto tirada na Exposição Cosmologias –
Mundos Makuxi realizada pelo Sesc Roraima. O traje utilizado na dança do Parixara, representado na Figura 2,
poderá ser aprofundado em um próximo estudo, sendo este focado na letra e música.

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Figura 3 - Trio Roraimeira.


Fonte: Amazonas Atual, 2018.

Entre outros registros fonográficos das manifestações mais atuais da música


indígena, que inclui o forró indígena, destacamos os do pesquisador Marcos Wesley de
Oliveira, do Instituto Sócio-ambiental (ISA), que atuou como produtor do CD de forró indígena
Caxiri na Cuia: o forró da maloca. “Lançado em 2015, marca o auge das articulações políticas
indígenas e indigenistas em âmbito local, ao coroar a homologação da demarcação da Terra
Raposa Serra do Sol, assinada pelo então Presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula
da Silva” (Fernandes, 2015, p. 106).

É importante ressaltar também o CD/livro do Projeto A Música das Cachoeiras


(2013) do pesquisador Agenor Vasconcelos, que resgatou a expedição do etnólogo alemão
Theodor Koch-Grünberg (1872-1924), realizado nas comunidades do Alto Rio Negro e na
região do Monte Roraima entre 1903 e 1913; além do livro Panton Pia’, do pesquisador Devair
Fiorotti, que reúne 77 cantos de Parixara e Tukui.

2. Relato de Experiência

A música indígena em Roraima continua sendo desconhecida por grande parte dos
estudantes em vários níveis de educação. Para Santos, “Apesar de parte da população indígena
ter reinventado sua arte, sua voz continua inaudível para grande parte da sociedade brasileira”
(SANTOS; FIOROTTI, 2015 p. 1650). Em meio ao cenário da disputa de terras, alguns
repertórios indígenas que estavam em desuso podem ser relembrados no contexto escolar.

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os ritmos de dança Parixara e Tukui, executados tradicionalmente nas antigas festas


regadas com bebidas preparadas com mandioca fermentada, tendo sido reelaborados
e estetizados no âmbito escolar, transformados em performances culturais e exibidos
em reuniões políticas como símbolo de ‘indianidade’ Makuxi (FERNANDES, 2015,
p. 1).

Para a aplicação desse estudo, foi escolhido o Colégio de Aplicação (CAp), que
criado em 2003 na UFRR, como uma unidade administrativa e acadêmica vinculada ao ensino
de educação básica. Segundo informações disponíveis no site do CAp, o Colégio tem por
objetivo assegurar um ensino de qualidade, formar cidadãos críticos, participativos e dinâmicos
diante das transformações do novo milênio; intensificar a integração escola-comunidade;
contribuir para a melhoria das condições educacionais do Estado, visando a busca constante do
aperfeiçoamento de suas práticas pedagógicas, sendo uma escola reconhecida pela qualidade
de seu ensino.
A música faz parte do currículo escolar no Ensino Fundamental e Médio. O Colégio
possui sala de música, professora com formação específica na área, quadro pautado,
instrumentos musicais como teclado, flautas e violão e equipamento de sonorização básico para
apresentações de voz e violão. Além das aulas de música formais, a instituição também oferece
Oficinas de músicas como parte do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID), com atuação de estudantes do Curso de Licenciatura em Música da UFRR.
Como instituição de ensino de educação básica federal o CAp deve seguir as normas
e diretrizes curriculares vigentes no Brasil, sendo uma delas a Base Nacional Curricular Comum
(BNCC), um documento que define como deve se desenvolver a aplicação dos conteúdos na
Educação Básica, de modo que os estudantes tenham assegurados o desenvolvimento de sua
aprendizagem, em conformidade com o Plano Nacional de Educação (PNE). Segundo a BNCC,
“a música é a expressão artística que se materializa por meio dos sons, que ganham forma,
sentido e significado, no âmbito tanto da sensibilidade subjetiva quanto das interações sociais,
como resultado de saberes e valores diversos estabelecidos no domínio de cada cultura” (Brasil,
2018, p. 196).
Tendo como base os preceitos teóricos da BNCC, no que diz respeito ao “domínio
de cada cultura” e as aplicações da Lei 13.278/2016, que inclui as artes visuais, a dança, a
música e o teatro como linguagens que constituirão o componente curricular obrigatório da
educação básica; e da Lei nº 10.639/2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação

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nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática


"História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena", buscamos uma proposta educacional que
proponha uma visão abrangente do ensino de música, apoiando-se na diversidade, e que tenha
na música indígena uma forma de valorização da cultura dos povos originários e aplicação
dessas leis.

2.1. Metodologia

Utilizando a metodologia qualitativa, através do método da observação e coleta


dados, foi possível constatar a baixa inserção de conteúdos voltados para a música indígena no
CAp, utilizando ferramentas qualitativas e o tendo como objeto de estudo a manifestação
indígena Parixara da etnia Makuxi, presente no estado de Roraima, compreendemos que
“Entender e incentivar a prática da diversidade cultural existente no Brasil é um caminho
saudável e pode provocar ressonâncias positivas na formação integral de crianças e jovens.”
(ALMEIDA; PUCCI, 2015, p. 39).
Para vivenciar uma experiência e aprender sobre o Parixara, estive em outubro de
2017, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, Comunidade Indígena Raposa I, localizada no
Município de Normandia, onde vive a maior parte do povo da etnia Makuxi. Nessa ocasião, foi
realizado o evento de The Giant Steps5, promovido pelo artista indígena Jaider Esbell, onde
observei um significativo número de composições musicais de Parixara.
Através de entrevistas e conversas informais com alguns indígenas da Comunidade,
tendo como recursos o gravador de voz, a câmera do meu celular e um bloco de anotações,
coletei algumas palavras em língua Macuxi, e fiz um registo do canto intitulado Taua'ke, que
na ocasião do evento, foi o canto de maior repercussão. Na ocasião, os cantos de Parixara e
Tukui estavam sendo apresentados como uma performance artística, para dar boas-vindas aos
visitantes, não se restringindo ao ritual de dança de caça. “A execução dos cantos e danças,
especialmente o Parixara e o Tukui, na abertura, nos intervalos e no encerramento de eventos,


5
The Giant Steps: Evento realizado em 2017, entre o indígena Jaider Esbell e o artista suíço Viliam Mauritz. O
propósito do artista suíço é encontrar nas mais diversas partes do mundo, condições específicas para realizar a
passagem de seu “gigante”.

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e reuniões de caráter político e interétnico, tornou-se uma espécie de vinheta cultural”


(FERNANDES, 2015, p. 95).
Como registro inicial, gravei um vídeo caseiro de voz e violão, cantando o Parixara
coletado e postei em minhas redes sociais. A partir desse registro, foi feito um convite por parte
dos organizadores do evento para fazer uma gravação em estúdio do canto que virou trilha
sonora do registro de imagens do evento. Postado o vídeo na rede social Facebook, o professor
Devair Fiorotti6 interagiu com as postagens (FIGURA 4), ressaltando detalhes na tradução,
baseados em sua pesquisa própria.
Atualmente este canto faz parte do meu repertório musical onde já apresentei na
Live de Lançamento do Livro Cânticos de Resistência de Alex Santos, e em entrevista no
Programa Brasil por dentro, de Socorro Lira, ambas apresentações em canais no Youtube, como
uma representação do Parixara indígena Macuxi.

Figura 4 - Interpretação e letra de Parixara publicado na rede social Facebook


Fonte: Facebook Euterpe Cantora, 2020.


6
Devair Fiorotti foi professor universitário, pesquisador, escritor e produtor cultural que dedicou parte de sua vida
na divulgação da cultura indígena, é autor do livro Panton Pia.

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O estudo também compreendeu a pronúncia das palavras em língua Macuxi, através de


entrevistas informais com indígenas locais e auxílio na tradução do guia de turismo indígena
Enoque Raposo, nativo da língua. “Os cantos indígenas fazem parte das tradições indígenas e
eram passados de geração para geração. Eram, pois hoje é difícil encontrar na região estudada
jovens que sabem tais cantos. É importante ressaltar que os cantos indígenas tradicionais são
constituídos de uma língua antiga e não contemporânea” (SANTOS; FIOROTTI, 2015 p. 1653)

2.2. Possibilidades para aplicação de práticas indígenas na escola

A experiência do Estágio é um ponto de partida para o licenciando iniciar sua


prática docente através da observação e posteriormente atuar em projetos escolares. Para
Pimenta e Gonçalves (1990), “a finalidade do estágio é propiciar ao aluno uma aproximação à
realidade na qual atuará. As autoras defendem uma nova postura, uma redefinição do estágio,
que deve caminhar para a reflexão, a partir da realidade”.
Durante minha experiência no Estágio do curso de Licenciatura em Música,
realizado no CAp, observei que a música indígena tem baixa inserção nos conteúdos de música
na escola. Através da coleta de dados realizada na Comunidade da Raposa 1, apresentarei uma
aula de música baseada no Parixara Taua’ke. Em uma perspectiva do estágio como pesquisa e
a pesquisa como estágio, “a pesquisa no estágio é um método, uma possibilidade de formação
do estagiário como futuro professor” (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 47).
Para elaborar essa atividade para uma aula de música, reiteramos o referencial
teórico baseado na BNCC, buscando contemplar a diversidade nos conteúdos, “o encantamento
com o aprender, o conhecimento de si mesmo e o conhecimento e respeito pelo o outro”
(ALMEIDA; PUCCI, 2015, p. 27).
As ações de aplicação do ensino de música e cultura indígena na escola poderia
ocorrer através de 8 passos:
1. Conhecer um pouco da história dos índios Macuxi em Roraima;
2. Entender o que é a música em que se manifesta a dança do Parixara;
3. Assistir vídeo de uma criança indígena cantando a música;
4. Aprender a letra do canto indígena o Parixara Taua’ke em língua Makuxi e a pronúncia das
palavras;

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Letra do Parixara Taua’ke em língua Makuxi


(Coletado pela autora – Consultoria em Makuxi: Enoque Raposo)
Taua’ke Taua’ke
Tatarumen’ka
Taua’ke Taua’ke
Ta’tarumenka
Taua’ke Taua’ke
Ta’tarumenka
Parixara i’pî eramatope
Eramatope eramato’pe
Parixara i’pî eramato’pe

Tradução do Parixara Taua’ke para o português


(por Devair Fiorotti)
vamos ver a vinda do Parixara
vamos ver
pinta-se com o jenipapo pinta-se
pinta-se com karutuke

vamos ver a vinda do Parixara


vamos ver
pinta-se com tabatinga pinta-se
pinta-se com tawake

vamos ver a vinda do Parixara


vamos ver
pinta-se com karutuke pinta-se
pinta-se com tawake

5. Aprender a cantar a melodia do Parixara Taua’ke;


6. Reconhecer os elementos que compõem a música e a dança do Parixara;
7. Em uma roda os alunos cantam em uníssono e dançam o Parixara Taua’ke;
8. Depois de realizada a performance, promover um breve debate suas impressões sobre a
música e curiosidades.

Ao optar por esse tema, e me aprofundar no estudo da manifestação Parixara,


observei que ainda há muito a ser pesquisado. A mitologia a cerca da construção dessa
música/dança, o misticismo do ritual, a reelaboração dos ritmos tradicionais, e os significados
implícitos na construção do traje, as formas de execução musical e instrumentação. A realização

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dessa atividade com o canto de Parixara Taua’ke, é uma possibilidade a ser desenvolvida em
uma disciplina de educação musical.
A experiência vivida na Comunidade Raposa 1, envolveu outros aspectos
pedagógicos que não foram abordados nesse relato, como a observação da presença desse
repertório nas escolas da própria Comunidade, e a ressignificação dos costumes, da língua, e da
própria música para as novas gerações de Macuxi, abordagens que poderão ser utilizadas em
outras práticas escolares.
Trazer repertórios indígenas tradicionais para a sala de aula colabora na promoção
da igualdade racial, fazendo com que os estudantes de um modo geral, em especial o indígena,
sinta que seus costumes e tradições são partes integrantes da construção social, combatendo o
preconceito racial, levantando a sua autoestima e conscientizando toda a comunidade escolar
para importância da preservação de sua cultura.

3. Considerações Iniciais

A partir desse estudo inicial, podemos concluir a importância da preservação da


Cultura7 e dos saberes dos Povos Indígenas, também chamados de Povos Originários, e da
abordagem de suas manifestações artísticas no âmbito escolar. Conforme observamos nessa
pesquisa, existem Leis que amparam e obrigam a inserção desses conteúdos nos currículos
escolares, porém na maioria das escolas da capital, devido à precarização do ensino, da falta de
equipamento, ou até mesmo por preconceito, temas relacionados à história e cultura Afro-
brasileira e Indígena, quase são abordados.
Quando se trata de música indígena, a pesquisa do etnólogo alemão Theodor Koch-
Grünberg, realizada no início do século XX, continua sendo a principal referência para os
estudos da área de etnomusicologia, o que permite uma grande fonte de pesquisa para
interessados. Até os dias de hoje, poucos registros foram realizados e as autoridades do estado
de Roraima ainda não reconheceram a dimensão, profundidade e a importância dos estudos

7
A definição de Taylor (1871), cultura é todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis,
costumes, ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
(LARAIA, 1997, p. 25). O homem é resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um
longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridas pelas numerosas gerações que
o antecederam. A manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e invenções.
(LARAIA, 1997, p. 45)

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etnográficos de Grünberg para nosso estado. Sua morte aconteceu em Vista Alegre, atual
Caracaraí em Roraima, em 1924. A lápide está exposta no Museu Integrado do parque Anauá,
em Boa Vista, que se encontra em situação de abandono.
A presença indígena em Roraima também está fortemente inserida no contexto
urbano, no cenário da cidade de Boa Vista como podemos observar nos versos do rap Tudo
índio, Tudo Parente, do compositor e poeta Eliakin Rufino, que retrata a dura realidade de
desamparo vivida pelos povos indígenas na cidade. Pretendo também continuar meu processo
investigativo utilizando a metodologia qualitativa, através dos métodos de observação e coleta
de dados, ampliando a abordagem do repertório de música tradicional indígena no âmbito
escolar, dando continuidade a esse estudo, e voltando a sua aplicação para a Educação Básica.

Referências bibliográficas

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Paulo: Callis, 2015.

AMÓDIO, Emanuele; PIRA, Vicente. Makusi Maimu - Língua Makuxi: guia para
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AMAZONAS ATUAL. Trio Roraimeira recebe homenagem do Ministério da Cultura. 28.


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_____. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE. 2019. Disponível em:


<https://censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em: 20 nov. 2019.

_____. Lei nº 13.278, de 2 de maio de 2016. Brasília, DF, 195º da Independência e 128º da
República.

_____. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Brasília , DF, 182º da Independência e 115º da
República.

FERNANDES, Felipe Munhoz Martins. Do Parixara ao forró, do forró ao “Parixara”: uma


trajetória musical. 2016. 168 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Antropologia, Ufscar, São
Carlos, 2016.

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Intérpretes: Manaaka e Yauyo. Trad.: Terêncio Luiz Silva e Devair Antônio Fiorotti, 2015.

GALUCIO, Ana Vilacy. Theodor Koch-Grünberg: documentando culturas indígenas no início


do século XX. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, [s.l.], v. 4,
n. 3, p.553-556, dez. 2009. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1981-
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LARAIA, Roque de Barros. Cultura, um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar,


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