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DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz.

A indústria fonográfica brasileira e mundialização da


cultura. 2 ed. SP: Boitempo, 2008.

Prefácio (de Renato Ortiz):

- a criatividade individual se desenvolve em “um campo de organização social, cultural e


econômica”, a criatividade é “mediada pela técnica e pelas leis do mercado” (12).

- os oligopólios da música não são estabelecidos pelo controle dos meios de produção, mas
pelos meios de difusão (distribuição e acesso à mídia). A autora considera possível caracterizar
a posição do artista através de dois conceitos de Michel De Certeau: estratégia e tática.
Estratégia é o “cálculo das relações de força que se torna possível a partir de um ‘sujeito’ ...
que se situa num espaço específico” (13). Está vinculada a uma espacialidade de onde parte a
ação. Na tática, o cálculo não está vinculado a um espaço específico, uma espécie de
“artimanha para reverter o poder das instituições, mas situando-se sempre no seu raio de
ação” (14). Para a autora, o artista opera pela tática e a indústria pela estratégia. “Resta ao
artista jogar dentro do ‘lugar do outro’ procurando, na medida do possível, subvertê-lo a seu
favor; sua perspectiva de ação é porém parcial e individualizada pois ele deve se conformar à
posição que de antemão lhe foi atribuída neste jogo de forças desiguais” (14).

Prefácio à segunda edição:

- as tecnologias digitais integradas ao processo de produção fonográfica está em pelo


desenvolvimento, o que abre um campo para a investigação. Essa integração fez mudar as
regras do jogo: “a indústria fonográfica mundial não mais poderia manter o domínio fechado
sobre os meios de produção de discos, o que sempre sustentou sua primazia na proposição de
conteúdos musicais” (15). O que gera queda nos lucros, poucos investimentos e
reestruturação das formas de atuação. Os músicos ganharam maior contato com os meios de
registro de suas obras, liberdade estética e técnica. “Nunca a dimensão de business teve tanta
evidência, considerando que a aura de difusores de arte e cultura, sustentada pelos executivos
da indústria fonográfica, sempre a enevooou” (16).

Introdução:

- “... instaura-se um debate dos mais profícuos para a reflexão sobre a produção cultural nos
dias atuais, uma vez que a ‘mão branca da tecnologia’ parece intervir colocando a hipótese de
um real aumento de oportunidades, de melhoria da qualidade do produto e de diminuição do
poder, até então inquestionável, da grande transnacional do entretenimento” (21).

- A autora não se dedica à produção independente, mas “a complexidade e extensão dos


problemas que contêm indicam que poderiam ser, eles mesmos (produção independente e
difusão), objetos de trabalhos de pesquisa específicos”.

Indústria fonográfica: pressupostos teóricos e históricos

- Caso a música não tivesse sido racionalizada em seu processo, seu alcance seria bem menor,
sua capacidade de circular seria bem limitada.
- A administração iguala os setores da vida humana, inclusive o da cultura.

- Mesmo os produtos marginais são incorporados ao mercado, já que tudo interessa a ele. E
essa absorção é feita com a justificativa da qualidade, sendo instrumento de legitimação.

- O estudo das mercadorias culturais não pode ser feito sem o conceito de técnica e de
sociedade administrada.

- Técnica: produto para consumo e distinção para o consumidor.

- A autora não compartilha da idéia de que a teoria adorniana sobre a cultura seja pessimista e
elitista.

- A repetição de padrões musicais que se tornam Standards, fazem com que o consumidor ao
ouvir uma música no rádio pela primeira vez a “sinta” como um sucesso, e não cause
estranheza, formando hábitos de audição. “O reconhecimento perde sua posição de meio para
o conhecimento, para tornar-se um fim” (52). O sujeito reconhece o produto e reconhece a si
mesmo, pois o processo de reconhecimento é coletivo. “A diversidade, a segmentação, a
variedade, a pluralidade enunciadas pela era da mundialização, por mais que tomem uma
configuração específica neste fim de século, são características fundantes da indústria cultural
e do capitalismo global”. A diferença reside na “sofisticação da pseudo-individuação e da
estandardização, que criam micro-espaços autônomos e contudos subservientes à norma geral
(53).

- O LP para Paiano torna “o artista mais importante que o disco” (61) e institui o artista como
criador singular, é o tempo do autor.

Os anos 90 e as mudanças na indústria fonográfica brasileira:

- “O fato de que sua inovações características não passem de aperfeiçoamentos da produção


em massa não é exterior ao sistema. É com razão que o interesse de inúmeros consumidores
se prende à técnica, não aos conteúdos teimosamente repetidos, ocos e já em parte
abandonados. O poderio social que os espectadores adoram é mais eficazmente afirmado na
onipresença do estereótipo imposto pela técnica do que nas ideologias rançosas pelas quais os
conteúdos efêmeros devem responder” (ADORNO & HORKHEIMER, Dialética, p. 127).

- As mudanças ocorridas na indústria fonográfica devem ser compreendidas a partir da


reestruturação do modelo capitalista ocorrido no momento.

- Produção mundializada=estandardização (pode se pensar em um regionalismo agora). “A


universalização das técnicas e a consagração mundial de fórmulas padronizadas conferem um
ar de semelhança à produção mais diversificada e dilui o que, potencialmente, os recursos
tecnológicos poderiam ressaltar como especificidades dos produtos” (p. 124).

O espaço da produção independente:

- As indies tem ligação de complementaridade e não de oposição em relação às majors,


“oferecendo” produtos diferenciados e já testados às majors.
- “... as companhias independentes são os agentes da diversidade e da inovação no panorama
fonográfico.” (129-30).

- A questão dos ciclos: para Peterson e Berger os ciclos se alterariam entre concentração e
diversificação, para Paul Lopes a concentração não deixa de existir, o modelo de produção que
é substituído, como o sistema aberto que se inicia nos anos 80, no qual a indústria incorpora as
inovações para a manutenção do controle do mercado, “garantindo a concentração nas áreas
de fabricação e distribuição-difusão” (130).

- As facilidades na gravação geraram o que alguns autores como Hesmondhagh denominam de


especialização flexível (flexible specialization), ou seja, o crescimento e o aperfeiçoamento de
empresas independentes especializadas.

- Para Lopes, a ligação entre indies e majors podem agravar a padronização dos produtos
oferecidos, e não oferecer produtos mais diversificados.

- As novas tecnologias possibilitam a inserção de novos agentes no processo de produção, mas


as majors mantem o estreitamento quando incorporam novos artistas ao seu modelo no
momento da escolha do que será incorporado.

- As gravadoras apesar do discurso da diversificação e qualidade são na maioria iniciativas


individuais de artistas que querem viabilizar seus trabalhos.

- Na dificuldade para se definir o que é independente, nota-se 3 possibilidades: o artista com


proposta inovadora sem lugar no mercado, artistas e empresários apostando na segmentação
e na sensibilização das majors em relação ao seu trabalho, e a terceira, as 2 possibilidades
reunidas.

- Independente como opção de mercado, mas não traz nenhuma inovação estética (o que é
independente?).

Aspectos da difusão:

- Distribuição diz respeito a duas etapas anteriores à venda do produto: “a distribuição física
aos postos de venda e sua veiculação pelos vários meios de comunicação” (nota de rodapé p.
161), as rádios, TVs... A autora se concentra na segunda, por isso, utiliza o termo difusão, que é
o “espaço de mercado que antecipa, complementa e direciona o consumo” (161).

- Consumo compulsório ou aleatório: a exposição ao produto em meios como rádio ou TV, o


que pode levar à compra.

- Plugging para Adorno: em um sentido geral, a repetição incessante de um hit para fazê-lo
estourar, para ele trata-se de “uma continuação do processo inerente à composição e ao
arranjo do material musical. A promoção pelo plugging (...) almeja quebrar a resistência ao
musicalmente sempre-igual ou idêntico (...). Isso leva o ouvinte a extasiar-se com o o inevitável
e leva, assim, à institucionalização e à estandardização dos próprios hábitos de audição.” (nota
de rodapé p. 165 e 166, em “Sobre a música popular”).
- A autora coloca que naquele momento havia um boom nas vendas, tanto de álbuns de
grupos como trilhas de novela, mas que essa multiplicidade de estilos, agentes não mostravam
nenhuma diversidade, todos entoavam a mesma canção.

Considerações finais:

- A preocupação da autora concentra-se na exposição de produtos que aparentemente não é


feita para vender, o consumo aleatório ou compulsório, onde está disfarçado “o exercício de
um autoritarismo ímpar por parte dos meios instituídos” (176). Há uma aumento no número
de possibilidades de escolhas para o consumidor, mas não um aumento na qualidade dos
produtos oferecidos. O limite à criação livre ainda permanece, pois “as facilidades de produção
não têm garantido um lugar para o produto no grande mercado, salvo em situações em que
estes apresentam grande identidade com aqueles consagrados” (177).

Post-scriptum:

“Resta saber a real extensão dessas mudanças (internet e gravações digitais) e avaliar as
possibilidades de acesso ao grande mercado sem o crivo conceitual e estratégico das grandes
companhias. De qualquer forma, as grande companhias estão sem controle dessa situação e
procuram se armar contra iniciativas como a do MP3, tentando desenvolver um sistema
similar concebido de forma a proteger as obras, garantindo os seus direitos e os do autor”
(181).

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