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CANÇÃO?
Resumo:
Neste artigo pretendemos analisar a configuração da indústria fonográfica nos últimos anos.
Tendo como foco as formas de circulação e consumo possibilitadas pelas novas tecnologias
de comunicação, pretendemos analisar seu impacto na produção e no consumo da música
popular massiva. Dentre os diversos problemas que esse fenômeno pode nos suscitar,
pretendemos tratar mais especificamente do modo como ele afetou um dos formatos mais
tradicionais de circulação da indústria fonográfica nas últimas décadas: o álbum. Esse
formato, que se difundiu nos anos 60 junto com o LP, pode ser definido como uma reunião
de gravações com um determinado nome e capa e ajudou a definir e organizar grande parte
da produção e consumo da música nas últimas décadas.
Porém as inovações tecnológicas trazidas, principalmente, pela Internet prometem
modificar esse panorama. O fenômeno das redes de computadores tem chamado a atenção
dos estudiosos da Comunicação, entre outros motivos, por promover, pelo menos
potencialmente, a descentralização da produção e consumo de informação. Essas
características produziriam uma série de conseqüências culturais, econômicas e políticas
que têm sido alvo de debates intensos. Programas como o Napster, Kazaa, Soulseek, entre
outros, possibilitam que usuários de todo mundo compartilhem canções ao largo da ação
das grandes companhias, pelo menos as princípio. Essas novas formas de consumo, ou
mesmo de produção, selariam a morte do álbum?
Partindo das discussões da midiologia e dos estudos culturais pretendemos analisar o modo
como diferentes meios de comunicação refletem nas relações entre a Indústria Fonográfica
e o consumo cultural.
1
Bolsista da CAPES, graduado em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação da UFBA. Mestrando no Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Facom/UFBA e integrante do Grupo de Pesquisa
em Mídia & Música Popular Massiva, desenvolve pesquisa sobre o modo como o rock brasileiro se desenvolveu nas
décadas E-mail: danifraga@terra.com.br
Introdução
O termo música popular massiva, como utilizado por Jeder Janotti Jr. (2003),
carrega uma ambigüidade de grande importância para o estudo da musica nos dias de hoje.
Ao classifica um mesmo substantivo, a música, como, ao mesmo tempo, popular e
massivo, ele acaba colocando em questão alguns conceitos fortemente enraizados em nossa
cultura. Em um pensamento mais próximo da Escola de Frankfurt, por exemplo, seria um
contra-senso tratar algo como popular e massivo. Nesta perspectiva, essas duas palavras
trariam significados muito diferentes, ou até mesmo opostos. Toda a argumentação de
Adorno, em seu célebre ensaio Fetichismo na Música e Regressão na Audição (1980), e de
outros estudos baseados nesta perspectiva, como o de Márcia Tosta Dias (2000), diz
respeito ao modo como, ao submetê-la à lógica administrativa do capitalismo, a Indústria
Cultural despe a música popular de toda sua autenticidade para transformá-la em uma
mercadoria como qualquer outra. Assim, “as manifestações culturais, outrora produzidas
socialmente em espaços qualitativamente diferenciados e portadores de subjetividade,
perdem sua dimensão de especificidade ao serem submetidas à lógica da economia e da
administração” (Dias, 2000 p.26). Ao se tornarem parte da Indústria Fonográfica, os
fenômenos musicais deixariam de ser, automaticamente, populares para herdar, “do que lhe
era exterior, a produção em série, a padronização, a repetição, ou seja, a pseudo-
individualização” (Dias, 2000).
É exatamente sob esta perspectiva, marxista e tradicionalista, que se desenvolve os
estudos de José Ramos Tinhorão sobre samba – cujo ritmo “conserva ainda aquele
elemento primitivo fundamental” (Tinhorão, 1997 p.36). A autenticidade do samba
encontra-se em sua ligação com as manifestações populares que estão em sua origem.
Assim, o principal alvo da critica de Tinhorão é o advento da bossa-nova, como uma
contaminação do samba, esta manifestação popular por excelência, pela lógica da música
de entretenimento americana. Não sendo nem samba e nem jazz, a bossa-nova é acusada de
“renunciar às peculiaridades estilísticas brasileiras, numa tentativa desesperada de alcançar
um estilo internacional” (Tinhorão, 1998 p.45). Neste sentido, Tinhorão vincula o termo
“popular” a uma tradição que teria se mantida intacta até a influência “nefasta” da Indústria
Fonográfica. Ele instaura um dilema ideológico em uma discussão estilística: tudo o que
trai o samba original trai o “popular” e, portanto, é alienado. Apesar de Tinhorão não
condenar completamente o mercado cultural, ele só o aceita na medida que este processo de
massificação não afete a sagrada tradição do samba – algo impossível para Adorno. Mas
será que essa oposição entre o popular e o massivo se sustenta a uma análise mais próxima?
O termo música popular massiva coloca em questão a suspeita de que o tipo de
música que consumimos hoje é fruto do encontro das manifestações populares com os
artefatos mediáticos. Assim, a música, como a conhecemos hoje, nasce e se desenvolveu
em um ambiente próprio da indústria fonográfica, desenvolvendo, aos poucos, seu modo
mediático de ser. Ao nos referirmos a música popular massiva, portanto, estamos tratando
principalmente de um tipo de canção que nasceu em uma sociedade já dominada pelos
meios de comunicação de massa. É uma canção2 composta, executada, difundida e ouvida
segundo os recursos oferecidos pelo conjunto de técnicas de som presentes em nossa
sociedade que, por sua vez, está em estreita relação com a esfera política econômica das
gravadoras. Em resumo, estamos tratando de uma canção mediática. Neste sentido, alguns
estudos sobre o samba são bem esclarecedores, e provocativos para elucidar esta relação
entre o popular e o massivo. Os trabalhos de Luiz Tatit, O Século da Canção (2004), e de
Hermano Vianna, O mistério do Samba (1995), apesar de partirem de perspectivas bem
diferentes, a semiótica e a sociologia, chegam a conclusões semelhantes sobre como o
samba se configurou na relação com os media. Para Tatit, “foi o encontro dos sambistas
com o gramofone que mudou a história da música brasileira e deu início ao que
conhecemos hoje como canção popular” (Tatit, 2004 p. 35). Já Vianna se preocupa em
mostrar como a identidade do samba como símbolo da cultura popular brasileira foi
construída a partir de contribuições da Indústria Fonográfica, da intelectualidade carioca e
do governo de Getúlio Vargas. Se até o samba, considerado o símbolo máximo da cultura
popular brasileira, se desenvolveu em estreita ligação com a Indústria Fonográfica e as
técnicas de reprodução, o que restaria de estritamente popular?
Estudos como estes têm a importância de demonstrar como as relações entre o
popular e o massivo são mais ambíguas do que pode parecer a princípio. De forma que, se
não é possível pensar nem mesmo no samba sem levar em consideração sua relação com a
2
Uma canção é uma peça cantada, em formas de estrofes e refrões que se repetem. Sua duração média é de,
mais ou menos 3 minutos, o que está diretamente ligado à capacidade de seus suportes no momento em que
ela se desenvolve tecnicamente.
Indústria Fonográfica, parece impensável partir para uma análise de qualquer tipo de
música consumida mediaticamente sem tratar de sua relação com os aparatos técnicos e
mediáticos. Neste sentido parecem importantes algumas análises que, a partir do legado
teórico de Marshall McLuhan e da Escola de Toronto, se dedicam a estudar o papel da
técnica e da Indústria Fonográfica na configuração da produção e do consumo da música.
Nesta perspectiva se encontram estudos como o de Jonathan Sterne (2003), que em seu
livro The Audible Past, faz uma história das técnicas de reprodução de áudio e do modo
como estas técnicas influenciaram no modo de ouvir da humanidade. Sterne acredita que
um “novo regime de audição”3 instaura-se na modernidade, em paralelo ao novo regime da
visualidade tão falado por McLuhan. Para ele “há uma forma moderna de ouvir e ela está
articulada a uma história dos objetos técnicos de audição tais como o telefone, o telégrafo,
o fonógrafo e até mesmo a aparelhos de escuta médica tal como o estetoscópio”.
No Brasil, damos destaque aos estudos que estão sendo realizados na Universidade
Federal Fluminense, principalmente por Simone Sá (2004) e Leonardo de Marchi (on-line).
Em seu último artigo, Sá estava interessada no modo como as novas tecnologias da
telefonia móvel afetam na escuta e na Indústria Fonográfica. Já Marchi, em seu artigo A
angústia do formato, procura analisar a história dos suportes sonoros e o modo como o
desenvolvimento destas tecnologias de gravação e reprodução afeta a produção e o
consumo da música. Seu trabalho parte de uma perspectiva bem mais lúcida que grande
parte da bibliografia que procura tratar as conseqüências das novas tecnologias na música,
como em como em (Bandeira, 1999). Grande parte destes artigos se apressa em profetizar
como o consumo de MP3 libera o consumidor dos ditames da Indústria fonográfica e como
as novas tecnologias instauram uma nova audição, um novo consumo, um novo tudo.
Marchi não cai nesta armadilha. Porém, ao propor uma “história dos formatos,
independentemente do conteúdo gravado” (Marchi, on-line), ele, ao nosso ver, parece partir
de uma confusão entre os conceitos de suporte e de formato em uma suposição, ao que nos
parece, de que cada novo suporte mediático traria, necessariamente, a existência de novos
formatos.
3
Por regime de audição, Sterne entende “o conjunto de disponibilidades, costumes, técnicas corporais e
disposições subjetivas” envolvido nesta atividade.
Dessa forma, este artigo pretende esclarecer algumas confusões acerca dos
conceitos de suporte e formato ao analisar o nascimento e o desenvolvimento do álbum
como um formato de grande importância para o desenvolvimento da Indústria Fonográfica.
Ao tratar de sua migração por diferentes suportes (LP, fita magnética, DVD e, quiçá, MP3)
pretendemos relativizar algumas das questões colocadas sobre as conseqüências diretas das
novas tecnologias, principalmente a troca de arquivos pela Internet, no modo de ouvir
música.
Os gêneros associados à dança, aos ritos religiosos, às procissões, aos desfiles ou à luta
pouco tinham a oferecer à nova técnica uma vez que sua sonoridade dependia diretamente
da expressão do corpo e da elaboração cênica. A batucada, versão menos religiosa e mais
lúdica do velho batuque, apresentava um volume percusivo muito além da capacidade de
captação das precárias máquinas que só haviam sido testadas em registro de vozes. A idéia
de gravar musica erudita brasileira, sempre esteve fora de cogitação: nem os processos
mecânicos estavam aptos a comportar tamanha complexidade sonora, nem os músicos viam
necessidade de registro rudimentar de obras que já estavam suficientemente consignadas em
partituras (Tatit, 2004 p.94).
O álbum
A idéia de álbum remete ao conjunto das canções, da parte gráfica, das letras, da ficha
técnica e dos agradecimentos lançados por um determinado intérprete com um título, uma
espécie de obra fonográfica. Esse formato, que se difundiu nos anos 60 junto com o LP e se
configurou, por muito tempo, como o principal produto de toda a Indústria fonográfica. A
instituição do álbum como o produto fonográfico por natureza influenciou no modo de
produção e consumo da canção mediática. Agora não mais se consumia canção em sentido
estrito, mas um produto que reunia canções, imagens e palavras sob uma identidade
comum. Marchi chega a demonstrar esta diferença, para ele “o padrão de consumo do LP
também merece menção. Com o surgimento da estética do álbum, os discos passam a serem
vistos como obras de arte em si” (Marchi, on-line). Dessa forma, o álbum passa a ser
consumido como livros. Ao ser colecionado em discotecas privadas ganha o status de obra
fonográfica de um objeto cultural digno de nota.
Morte do álbum?
JANOTTI JR, Jeder.Aumenta que isso aí é rock and roll: mídia, gênero musical e identidade.
Rio de Janeiro:E-papers, 2003.
________. À Procura da Batida Perfeita: a importância do gênero musical para a análise da
música popular massiva. Revista Eco-Pós. Rio de Janeiro: Pós-Graduação em Comunicação
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________. Heavy Metal com Dendê : música e mídia em tempos de globalização. Rio de
Janeiro, E-papers, 2004.
________. Dos Gêneros textuais, dos Discursos e das Canções: uma proposta de análise da
música popular massiva a partir da noção de gênero mediático. IN: XIVCompós, 2005,Rio
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MARCHI, Leonardo di. A Angústia do Formato: uma história dos formatos fonográficos.
E-Compós, número2, julho/2004. Disponível em: http://www.compos.org.br/e-compos.
Acesso em 01/04/2005.
STERNE, Jonathan. The Audible Past: cultural origins of sounds reproduction. Durham &
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TATIT, Luiz. Semiótica da canção: melodia e letra. São Paulo: Editora Escuta, 1994.
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_________. O cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2002.
_________. O século da canção. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.