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MP3, A MORTE DO ÁLBUM E O SONHO DE LIBERDADE DA

CANÇÃO?

Danilo Fraga Dantas1


danifraga@terra.com.br
.

Resumo:
Neste artigo pretendemos analisar a configuração da indústria fonográfica nos últimos anos.
Tendo como foco as formas de circulação e consumo possibilitadas pelas novas tecnologias
de comunicação, pretendemos analisar seu impacto na produção e no consumo da música
popular massiva. Dentre os diversos problemas que esse fenômeno pode nos suscitar,
pretendemos tratar mais especificamente do modo como ele afetou um dos formatos mais
tradicionais de circulação da indústria fonográfica nas últimas décadas: o álbum. Esse
formato, que se difundiu nos anos 60 junto com o LP, pode ser definido como uma reunião
de gravações com um determinado nome e capa e ajudou a definir e organizar grande parte
da produção e consumo da música nas últimas décadas.
Porém as inovações tecnológicas trazidas, principalmente, pela Internet prometem
modificar esse panorama. O fenômeno das redes de computadores tem chamado a atenção
dos estudiosos da Comunicação, entre outros motivos, por promover, pelo menos
potencialmente, a descentralização da produção e consumo de informação. Essas
características produziriam uma série de conseqüências culturais, econômicas e políticas
que têm sido alvo de debates intensos. Programas como o Napster, Kazaa, Soulseek, entre
outros, possibilitam que usuários de todo mundo compartilhem canções ao largo da ação
das grandes companhias, pelo menos as princípio. Essas novas formas de consumo, ou
mesmo de produção, selariam a morte do álbum?
Partindo das discussões da midiologia e dos estudos culturais pretendemos analisar o modo
como diferentes meios de comunicação refletem nas relações entre a Indústria Fonográfica
e o consumo cultural.

Palavras-chave: indústria fonográfica; tecnologias de comunicação; consumo cultural.

1
Bolsista da CAPES, graduado em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação da UFBA. Mestrando no Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Facom/UFBA e integrante do Grupo de Pesquisa
em Mídia & Música Popular Massiva, desenvolve pesquisa sobre o modo como o rock brasileiro se desenvolveu nas
décadas E-mail: danifraga@terra.com.br
Introdução

O termo música popular massiva, como utilizado por Jeder Janotti Jr. (2003),
carrega uma ambigüidade de grande importância para o estudo da musica nos dias de hoje.
Ao classifica um mesmo substantivo, a música, como, ao mesmo tempo, popular e
massivo, ele acaba colocando em questão alguns conceitos fortemente enraizados em nossa
cultura. Em um pensamento mais próximo da Escola de Frankfurt, por exemplo, seria um
contra-senso tratar algo como popular e massivo. Nesta perspectiva, essas duas palavras
trariam significados muito diferentes, ou até mesmo opostos. Toda a argumentação de
Adorno, em seu célebre ensaio Fetichismo na Música e Regressão na Audição (1980), e de
outros estudos baseados nesta perspectiva, como o de Márcia Tosta Dias (2000), diz
respeito ao modo como, ao submetê-la à lógica administrativa do capitalismo, a Indústria
Cultural despe a música popular de toda sua autenticidade para transformá-la em uma
mercadoria como qualquer outra. Assim, “as manifestações culturais, outrora produzidas
socialmente em espaços qualitativamente diferenciados e portadores de subjetividade,
perdem sua dimensão de especificidade ao serem submetidas à lógica da economia e da
administração” (Dias, 2000 p.26). Ao se tornarem parte da Indústria Fonográfica, os
fenômenos musicais deixariam de ser, automaticamente, populares para herdar, “do que lhe
era exterior, a produção em série, a padronização, a repetição, ou seja, a pseudo-
individualização” (Dias, 2000).
É exatamente sob esta perspectiva, marxista e tradicionalista, que se desenvolve os
estudos de José Ramos Tinhorão sobre samba – cujo ritmo “conserva ainda aquele
elemento primitivo fundamental” (Tinhorão, 1997 p.36). A autenticidade do samba
encontra-se em sua ligação com as manifestações populares que estão em sua origem.
Assim, o principal alvo da critica de Tinhorão é o advento da bossa-nova, como uma
contaminação do samba, esta manifestação popular por excelência, pela lógica da música
de entretenimento americana. Não sendo nem samba e nem jazz, a bossa-nova é acusada de
“renunciar às peculiaridades estilísticas brasileiras, numa tentativa desesperada de alcançar
um estilo internacional” (Tinhorão, 1998 p.45). Neste sentido, Tinhorão vincula o termo
“popular” a uma tradição que teria se mantida intacta até a influência “nefasta” da Indústria
Fonográfica. Ele instaura um dilema ideológico em uma discussão estilística: tudo o que
trai o samba original trai o “popular” e, portanto, é alienado. Apesar de Tinhorão não
condenar completamente o mercado cultural, ele só o aceita na medida que este processo de
massificação não afete a sagrada tradição do samba – algo impossível para Adorno. Mas
será que essa oposição entre o popular e o massivo se sustenta a uma análise mais próxima?
O termo música popular massiva coloca em questão a suspeita de que o tipo de
música que consumimos hoje é fruto do encontro das manifestações populares com os
artefatos mediáticos. Assim, a música, como a conhecemos hoje, nasce e se desenvolveu
em um ambiente próprio da indústria fonográfica, desenvolvendo, aos poucos, seu modo
mediático de ser. Ao nos referirmos a música popular massiva, portanto, estamos tratando
principalmente de um tipo de canção que nasceu em uma sociedade já dominada pelos
meios de comunicação de massa. É uma canção2 composta, executada, difundida e ouvida
segundo os recursos oferecidos pelo conjunto de técnicas de som presentes em nossa
sociedade que, por sua vez, está em estreita relação com a esfera política econômica das
gravadoras. Em resumo, estamos tratando de uma canção mediática. Neste sentido, alguns
estudos sobre o samba são bem esclarecedores, e provocativos para elucidar esta relação
entre o popular e o massivo. Os trabalhos de Luiz Tatit, O Século da Canção (2004), e de
Hermano Vianna, O mistério do Samba (1995), apesar de partirem de perspectivas bem
diferentes, a semiótica e a sociologia, chegam a conclusões semelhantes sobre como o
samba se configurou na relação com os media. Para Tatit, “foi o encontro dos sambistas
com o gramofone que mudou a história da música brasileira e deu início ao que
conhecemos hoje como canção popular” (Tatit, 2004 p. 35). Já Vianna se preocupa em
mostrar como a identidade do samba como símbolo da cultura popular brasileira foi
construída a partir de contribuições da Indústria Fonográfica, da intelectualidade carioca e
do governo de Getúlio Vargas. Se até o samba, considerado o símbolo máximo da cultura
popular brasileira, se desenvolveu em estreita ligação com a Indústria Fonográfica e as
técnicas de reprodução, o que restaria de estritamente popular?
Estudos como estes têm a importância de demonstrar como as relações entre o
popular e o massivo são mais ambíguas do que pode parecer a princípio. De forma que, se
não é possível pensar nem mesmo no samba sem levar em consideração sua relação com a

2
Uma canção é uma peça cantada, em formas de estrofes e refrões que se repetem. Sua duração média é de,
mais ou menos 3 minutos, o que está diretamente ligado à capacidade de seus suportes no momento em que
ela se desenvolve tecnicamente.
Indústria Fonográfica, parece impensável partir para uma análise de qualquer tipo de
música consumida mediaticamente sem tratar de sua relação com os aparatos técnicos e
mediáticos. Neste sentido parecem importantes algumas análises que, a partir do legado
teórico de Marshall McLuhan e da Escola de Toronto, se dedicam a estudar o papel da
técnica e da Indústria Fonográfica na configuração da produção e do consumo da música.
Nesta perspectiva se encontram estudos como o de Jonathan Sterne (2003), que em seu
livro The Audible Past, faz uma história das técnicas de reprodução de áudio e do modo
como estas técnicas influenciaram no modo de ouvir da humanidade. Sterne acredita que
um “novo regime de audição”3 instaura-se na modernidade, em paralelo ao novo regime da
visualidade tão falado por McLuhan. Para ele “há uma forma moderna de ouvir e ela está
articulada a uma história dos objetos técnicos de audição tais como o telefone, o telégrafo,
o fonógrafo e até mesmo a aparelhos de escuta médica tal como o estetoscópio”.
No Brasil, damos destaque aos estudos que estão sendo realizados na Universidade
Federal Fluminense, principalmente por Simone Sá (2004) e Leonardo de Marchi (on-line).
Em seu último artigo, Sá estava interessada no modo como as novas tecnologias da
telefonia móvel afetam na escuta e na Indústria Fonográfica. Já Marchi, em seu artigo A
angústia do formato, procura analisar a história dos suportes sonoros e o modo como o
desenvolvimento destas tecnologias de gravação e reprodução afeta a produção e o
consumo da música. Seu trabalho parte de uma perspectiva bem mais lúcida que grande
parte da bibliografia que procura tratar as conseqüências das novas tecnologias na música,
como em como em (Bandeira, 1999). Grande parte destes artigos se apressa em profetizar
como o consumo de MP3 libera o consumidor dos ditames da Indústria fonográfica e como
as novas tecnologias instauram uma nova audição, um novo consumo, um novo tudo.
Marchi não cai nesta armadilha. Porém, ao propor uma “história dos formatos,
independentemente do conteúdo gravado” (Marchi, on-line), ele, ao nosso ver, parece partir
de uma confusão entre os conceitos de suporte e de formato em uma suposição, ao que nos
parece, de que cada novo suporte mediático traria, necessariamente, a existência de novos
formatos.

3
Por regime de audição, Sterne entende “o conjunto de disponibilidades, costumes, técnicas corporais e
disposições subjetivas” envolvido nesta atividade.
Dessa forma, este artigo pretende esclarecer algumas confusões acerca dos
conceitos de suporte e formato ao analisar o nascimento e o desenvolvimento do álbum
como um formato de grande importância para o desenvolvimento da Indústria Fonográfica.
Ao tratar de sua migração por diferentes suportes (LP, fita magnética, DVD e, quiçá, MP3)
pretendemos relativizar algumas das questões colocadas sobre as conseqüências diretas das
novas tecnologias, principalmente a troca de arquivos pela Internet, no modo de ouvir
música.

Angústia, entre o suporte e o formato.

È muito comum em alguns estudos da dita “cibercultura” uma interpretação de


McLuhan em que, ao colocar a ênfase do estudo nos suportes mediáticos (o canadense já
dizia que “o meio é a mensagem”), muitas vezes os confundindo a existência destes
suportes com a existência dos formatos, ou mesmo relegando a importância deste último.
Parecem, muitas vezes, supor que cada novo suporte fundaria novos formatos, novos
modelos de consumo e recepção. De forma que, bastaria estudar os suportes para entender
os formatos. Antes de discutir quais as conseqüências desta confusão conceitual, cabe
definir melhor um e outro.
O suporte seria a base física, que, como nos mostrou McLuhan (1996) tem um papel
importante na configuração da “mensagem”. “Se as estruturas sociais de recepção estão
sempre ativas, essa mesma atividade não é livre, mas determinada a montante pelos meios e
suportes de transmissão. Não se conhece técnica intelectual ou informática que não veicule
uma ética, nem que seja profissional e, em seguida, social” (Debray, 1993 p.78). Já o
formato se dá como uma articulação entre forma e o meio e modo de expressão, ou seja, o
suporte, e estabelece uma relação direta com o campo da recepção. Para Valverde, “no caso
dos produtos da comunicação mediática, a predisposição do público estará associada aos
hábitos estéticos infundidos por determinados meios ou tecnologias da expressão, à relação
implícita com outras peças do universo mediático internacional ou ao corte semiótico
estabelecido pelo enquadramento característico de cada formato estético (a dimensão sócio-
técnica de sua forma de apresentação plástica)” (Valverde, 2000). O formato é a forma em
ato, encarnada em seu corpo mediático e investida de sua vigência midiológica. É o meio
pelo qual as praxes de recepção se transmitem a uma dada situação receptiva, estabelecendo
o quadro necessário para o desenrolar da experiência estética. “Esse conceito (de formato)
procura estabelecer uma articulação dinâmica entre forma, meio e modo de expressão, com
o campo da recepção” (Valverde, 2000).
Quando alguém diz, por exemplo, que gosta muito de ir ao "cinema" ou de ouvir
"música", podemos compreender tais expressões, mas sabemos que elas não são precisas,
porque ninguém efetivamente vai ao cinema ou ouve música, neste sentido genérico. A
nossa fruição das formas de expressão está completamente formatada, está subordinada a
determinadas configurações socio-técnicas: não se vai ao cinema, assiste-se a um filme, que
desenvolve algum tipo de trama durante um período médio de duas horas. Neste sentido
vale a pena notar que a configuração de um formato está em estrita ligação com os suportes
nos quais ele trafega. Assim, a configuração da canção como um formato musical de cerca
de três minutos, com determinados tipos de arranjos e repetições está em estrita ligação
com o suporte dos primeiros discos, que tinham exatamente a capacidade de gravação de 3
minutos e uma série de limitações técnicas. Luiz Tatit demonstra como, quando da chegada
das técnicas de gravação no Brasil, deu-se a escolha do samba como uma manifestação
musical com características afins à gravação:

Os gêneros associados à dança, aos ritos religiosos, às procissões, aos desfiles ou à luta
pouco tinham a oferecer à nova técnica uma vez que sua sonoridade dependia diretamente
da expressão do corpo e da elaboração cênica. A batucada, versão menos religiosa e mais
lúdica do velho batuque, apresentava um volume percusivo muito além da capacidade de
captação das precárias máquinas que só haviam sido testadas em registro de vozes. A idéia
de gravar musica erudita brasileira, sempre esteve fora de cogitação: nem os processos
mecânicos estavam aptos a comportar tamanha complexidade sonora, nem os músicos viam
necessidade de registro rudimentar de obras que já estavam suficientemente consignadas em
partituras (Tatit, 2004 p.94).

Assim, descobriu-se no samba o embrião do que seria a canção mediática brasileira.


Esse processo também acabou interferindo na própria formatação do samba: os sambistas
criavam melodias e letras para as brincadeiras noturnas, mas loco as esqueciam e partiam
para outras. O processo de gravação forçou o samba a se formatar de certa maneira,
fixando a letra, configurando refrões e escolhendo autores, onde antes só existia criação
coletiva. Para Tatit, assim surge a canção brasileira. Porém, não devemos achar que a
configuração típica da canção popular é apenas estabelecida como uma imposição do
suporte: ela é o resultado de uma série de transformações práticas, que envolvem
progressos técnicos, inovações mediáticas e alterações na atitude do ouvinte. Existe uma
certa expectativa social que não pode ser dissociada da interação que o espectador tem com
uma determinada peça. Esta expectativa deriva de uma história da configuração deste
formato em que ela se inscreve. Neste sentido, o 78 r.p.m., o 45 r.p.m, o LP, a fita
magnética, o CD, a MP3, como tratados por Marchi, seriam suportes, enquanto o álbum e a
canção seriam formatos. E, enquanto formatos, merecem um tratamento diferenciado.
A mediologia proposta por Regis Debray (1993) é fundada exatamente na a relação
entre a evolução das linguagens plásticas com a dos suportes físicos. Ele está preocupado
com questões como “de que maneira isso se transmite, difunde, circula, propaga,
multiplica, etc? Sobre que tipo de suporte? Que é que isso modifica e recompõe no corpo
dos transmissores e receptores? Através de que vetores? Que tipo de percursos, redes,
alianças, confluências, saídas, etc?” (Debray, 1993 p.36). Não parece ser muito diferente no
caso de McLuhan. Apesar de seu foco estar no modo como os diferentes suportes afetam a
vida social, ele parece estar atento ao modo como os formatos culturais instituídos migram
de um suporte a outro. Quando McLuhan diz que “o conteúdo de qualquer meio ou veículo
é sempre um outro meio ou veículo” (McLuhan, 1996 p.22), ele parece estar chamando a
atenção para a dinâmica entre a sucessão dos suportes e a permanência dos formatos. Nesta
linha de pensamento, uma nova tecnologia se apropria da forma de sua predecessora, forma
esta encarnada no formato. Não estamos aqui descartando a influência dos novos suportes
em seu “conteúdo”, mas antes apontando para uma relação mais complexa entre os suportes
e os formatos. Relação que vai além da substituição e, passa, exatamente pelo diálogo.

O álbum

A idéia de álbum remete ao conjunto das canções, da parte gráfica, das letras, da ficha
técnica e dos agradecimentos lançados por um determinado intérprete com um título, uma
espécie de obra fonográfica. Esse formato, que se difundiu nos anos 60 junto com o LP e se
configurou, por muito tempo, como o principal produto de toda a Indústria fonográfica. A
instituição do álbum como o produto fonográfico por natureza influenciou no modo de
produção e consumo da canção mediática. Agora não mais se consumia canção em sentido
estrito, mas um produto que reunia canções, imagens e palavras sob uma identidade
comum. Marchi chega a demonstrar esta diferença, para ele “o padrão de consumo do LP
também merece menção. Com o surgimento da estética do álbum, os discos passam a serem
vistos como obras de arte em si” (Marchi, on-line). Dessa forma, o álbum passa a ser
consumido como livros. Ao ser colecionado em discotecas privadas ganha o status de obra
fonográfica de um objeto cultural digno de nota.

O estabelecimento do LP como o coração da indústria norte-americana de discos


também significou que, em termos econômicos, adultos se tornassem o público alvo
do consumo de sons gravados. Os gêneros constantemente gravados no formato de
álbum (erudito e operístico, musicais da Broadway e o jazz, etc.), contribuíram para
o crescente prestígio do formato dos álbuns de musica popular adulta (Keightley,
2004 p.380).

Do encontro entre Os Mutantes e os tropicalistas foram produzidos alguns dos


álbuns mais importantes da música brasileira. Na verdade, a partir influência dos álbuns
conceituais dos Beatles, o tropicalismo modificou o próprio conceito de álbum. “Um álbum
é em geral uma reunião de gravações lançadas originalmente em um disco de doze
polegadas, de 33 rotações por minuto, e gravadas posteriormente em fita cassete e CD.
Predominou como formato nos anos 1960” (Shuker, 1999 p.17). Em 1968 o compacto
ainda representava 57% das vendas de disco no Brasil, mas a chegada do álbum foi de vital
importância para a canção popular brasileira. “A adoção do LP traz consigo uma mudança
profunda nos rumos da produção, uma vez que torna o artista mais importante que o disco”
(Dias, 2000 p.57). O lançamento de álbuns como Tropicália ou Panis et Cirsencis e Os
Mutantes foi de grande importância para a consolidação do formato no Brasil. Ao contrário
dos ídolos da jovem guarda, Os Mutantes e os tropicalistas lançavam discos mais próximos
dos álbuns conceituais então em moda na Inglaterra e EUA – como Sargent Peppers Lonely
Hearts Club Band dos Beatles e Tommy do The Who. Assim, o álbum deixa de vez de ser
apenas uma coleção de sucessos já lançados em compactos, para se tornar ele mesmo a obra
fonográfica – um conjunto de canções, com parte gráfica, letras, ficha técnica,
agradecimentos e um título, lançados por um determinado grupo ou intérprete.
Porém, a existência do álbum vai além do LP e se efetua através das fitas cassete,
dos CDs. Isto impede a conclusão rápida de que, estando o consumo de CDs fadado ao fim
(será mesmo?) estaria também o álbum condenado à morte.

Morte do álbum?

O mito da morte do álbum nasce com a criação do formato MPEG-1 Layer 3, o


famoso MP3 – um padrão internacional de digitalização de áudio que permite a compressão
de sons a até 1/12 do tamanho de outros formatos, como o WAV, guardando as principais
características do som em uma qualidade próxima de um Compact Disc. A partir das
possibilidades colocadas por messias tecnológico, é grande a quantidade de artigos na
Internet sobre a morte do álbum e a nova forma de consumo de músicas pela Internet. Esses
artigos têm nomes sugestivos como “A crise da indústria fonográfica e suas causas”,
“Indústria fonográfica: crise ou necessidade de transformação?” ou “A era do impasse e o
mercado fonográfico” e tratam do modo como tecnologias como o CD-R e a MP3 estariam
provocando uma crise na Indústria Fonográfica. Alguns desses artigos se apressam em
mostrar como “A indústria fonográfica está nos obrigando a comprar um álbum de doze (ou
mais) canções desconhecidas por causa de uma que gostamos“ (on-line).
É certo que sistemas como os programas de distribuição de arquivos na Internet
forçaram a Indústria Fonográfica a fazer algumas mudanças em seus principais
características. Porém, não podemos derivar daí a morte de um formato, o álbum, que está
há muito tempo influenciando nosso consumo. As práticas sociais não mudam no mesmo
ritmo que a tecnologia. E, muitas vezes, é a própria tecnologia que vem trazer de volta
certas práticas: com o constante aumento da velocidade de conexão, ao invés de baixar
músicas, muitos usuários passaram a baixar álbuns completos, inclusive com os arquivos
das imagens da capa e do fundo. Esses álbuns são facilmente encontrados em programas
como o Emule e o Soulseek. Aparelhos de reprodução desses arquivos, como os I-Pods ou
mesmo os MP3 Players, também dividem as canções por álbuns.
Antes de anunciar prematuramente a morte deste formato, o que de fato pode
acontecer algum dia, preferimos atestar sua migração para outros suportes: o DVD, cujo
consumo vem aumentando consideravelmente, e mesmo alguns padrões de consumo na
Internet. Para além das previsões tecno-proféticas, o que vemos hoje (30/09/2005) em
programas como o eMule (www.emule-project.net) ou o Soulseek (www.slsknet.org), são
arquivos zipados ou separados em pastas distintas de álbuns, com todas suas canções e
versões digitalizadas de sua parte gráfica. Em outros modelos de audição pela Internet,
como é o caso da RadioUol, também toda organização é feita através dos álbuns, existindo
inclusive com a possibilidade de ver a capa e ler as letras das canções. Conservadorismo ou
não, o fato é que existe uma distância considerável entre as possibilidades de ação na
Internet e o que acontece de fato. E, afinal, qual o problema em ser conservador? Ainda não
“lemos” a Odisséia de Homero, seja em um livro, no cinema ou em um net-book?
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