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O que toca nas emissoras paraibanas: uma análise sobre os gêneros musicais em
tempos de rádio expandido1
RESUMO
Este artigo tem o objetivo de discutir a maneira como cinco emissoras de rádio FM da
capital paraibana estruturam sua programação musical, compreendendo ainda se possuem
plataformas digitais e se há a preocupação em valorizar a cultura do ambiente em que
estão inseridas. O método de pesquisa tem abordagem qualitativa e finalidade descritiva,
tendo como base a musicologia da escuta. O estudo fundamenta-se nos conceitos de rádio
expandido, convergência midiática e rádio hipermidiático, balizando-se também em
conceitos da etnomusicologia. A pesquisa identificou que, mesmo havendo
predominância da música brasileira nas rádios paraibanas, apenas 3,85% da programação
é dedicada à produção local.
INTRODUÇÃO
1Trabalho apresentado no GP Rádio e Mídia Sonora, XXII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento
componente do 45º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPJ) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e-mail:
reginaldojppb@hotmail.com.br.
3Orientadora do trabalho. Professora da graduação e da pós-graduação em Jornalismo na Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), e-mail: patricia.monteiro@academico.ufpb.br
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Campo de pesquisa interdisciplinar repleto de ferramentas de pesquisa tomadas de empréstimo, e compostas a partir
de teorias e métodos de suas disciplinas irmãs, tais como a sociologia, a antropologia, a lingüística e a etnografia,
dentre outras (MUKUNA, 2008).
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beneficiavam dos hábitos consolidados de consumo musical através das ondas hertzianas
e das estratégias de marketing das gravadoras, como explicam Campos e Kischinhevsky:
As FMs musicais, consolidadas no Brasil entre os anos 1970 e 1980,
constituíam lugar privilegiado de escuta, servindo às grandes
gravadoras como vitrine para a inovação artística e também como
promotoras de vendas, ao auxiliarem na construção do sucesso
comercial por meio da (intensa) repetição de fonogramas (CAMPOS e
KISCHINHEVSKY, 2015).
O compositor baiano Elomar5 contou certa feita que estava saindo de sua fazenda
em direção ao centro da cidade para despachar encomendas pelo correio quando viu um
rapaz na beira da estrada a pedir uma ponga (carona, em seu dialeto sertanejo). Ao subir
na camionete e se acomodar, o rapaz trazia consigo uns compactos6 em suas mãos.
Perguntando de que artista se tratava teve como resposta: Michael Jackson!
5.Elomar Figueira Melo, compositor e violonista de Vitória da Conquista, nascido em 21 de dezembro de 1937, ainda
em atividade, compondo e promovendo concertos (PORTEIRA, 2022).
6. Discosde sete polegadas com cerca de 3 a 5 minutos de duração de cada lado, lançado por artistas para divulgar as
músicas de trabalho. Podiam ser simples ou duplos; também conhecidos como EP’s ou singles ou ainda discos de 45
rpm (VIEIRA, 2022).
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7. O "long-play" (LP) é uma gravação em vinil, reproduzida a 33 1/3 rotações por minuto (rpm) (EHOW, 2022).
8. Abreviação de fita cassete. Tratava-se de fita magnética em dispositivo plástico que permitia a gravação de áudio.
Tecnologia surgida em 1963 como alternativa para a reprodução portátil de músicas (COELHO, 2022).
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contratadas para comandar os microfones (numa época em que o mercado era dominado
pelos homens), seguindo estratégias que diferiam das outras rádios, como deixar a escolha
das músicas a serem tocadas ao gosto das locutoras; não tocar a mesma música duas vezes
ao dia; nunca aceitar jabá9; abolir a música de trabalho, entre outras (ESTRELLA, 2010).
Esta parceria ajudaria a consolidar o rock nacional na década de 80 e culminaria na
escalação de bandas como Paralamas do Sucesso, Blitz, Kid Abelha, e Barão Vermelho
em um dos maiores festivais de música do mundo: o Rock in Rio.
O rádio é um veículo centenário e que tem se reinventado, acompanhando o
desenvolvimento tecnológico. A convergência de mídias é hoje, parte da natureza desse
relevante meio de comunicação. Jenkins (2013) define convergência como um “fluxo de
conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia” referindo-se “à cooperação entre
múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios
de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de
entretenimento que desejam”. Para Lopez, o rádio é hipermidiático, visto que
sua construção narrativa apresenta-se como multimídia, mas sempre
fundamentada em uma base sonora, por isso se configura como rádio
(...) e insere-se no contexto da tecnologização das informações,
sofrendo influências principalmente do rádio digital e da entrada deste
meio na internet (LOPEZ, 2010).
PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
9 Valor financeiro usado para forçar a execução de algumas músicas por imposição das gravadoras ou agentes dos
artistas.
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Antes de apresentar quais os gêneros musicais e artistas que tocam nas rádios
pesquisadas, trazemos um breve contexto sobre cada uma delas.
Fundada em 02 de setembro de 1986, a Rádio Arapuan 95.3 FM é a primeira a
operar na freqüência modulada (FM) na cidade de João Pessoa, cobrindo 60 municípios
do estado paraibano e alcançando mais oito cidades nos estados vizinhos (quatro em
Pernambuco e quatro no Rio Grande do Norte (ARAPUAN, 2022). Tem em sua
programação a predominância dos ritmos que impõem a moda do momento em sintonia
com o que toma conta das rádios brasileiras conforme relatório da empresa de
monitoramento Crowley que analisou cerca de 350 emissoras de rádios em 14 cidades
brasileiras e detectou o sertanejo como gênero mais tocado (RANKING, 2021).
No caso observado, das 15 músicas relacionadas neste recorte 11 são do gênero
sertanejo (73,33%). Embora todas as músicas veiculadas sejam de origem brasileira
apenas uma é representante do mercado local. A cantora sertaneja Bizay é natural de
Patos, gravou seu primeiro DVD na cidade de Cabedelo (PB) e se divide entre as cidades
de João Pessoa e Goiânia (GO), epicentro da música sertaneja (BIZAY, 2022). O cantor
Diego Faria, mesmo tendo nascido em solo paraibano migrou na adolescência para São
Paulo onde iniciou sua carreira (SILVA, 2022). A Arapuan possue site onde se pode ouvir
outras três estações, ter acesso a alguns podcasts e conferir a programação da emissora.
Quadro 1 – Programação Arapuan FM
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portal G1 Paraíba, as TVs Cabo Branco e Paraíba (afiliadas da Rede Globo). Apresenta
programação musical calcada na MPB e no Pop internacional, como proclamado em seu
site (CABO BRANCO FM, 2022) e condiz com os dados analisados, onde se percebe que
a maioria das músicas veiculadas é de origem estrangeira (60%) em contraste com a
música nacional (40%) e, destas, nenhuma contempla a música paraibana.
Vale ressaltar que a programação privilegia fonogramas já consolidados no gosto
popular, sem predominância de estilos (disco, MPB, soul, soft rock, pop e rock) e sem
espaço para novidades no cenário musical, como mostra música mais recente datada de
2016 (Quadro 2).
A Cabo Branco FM é uma rádio predominantemente musical, com programação
iniciando às 5h e se estendendo até 24h, transmitindo programas como Lá vem o Som,
Expresso Brasil e Acervo Cabo Branco. Embora atualmente não se perceba espaço para
a música local, a emissora já produziu programa totalmente voltado para este nicho, como
o Som Nascente, com apresentação do jornalista Diogo de Almeida Camelo.
O programa tinha parceria da rádio Cabo Branco com o Portal G1, o que
demonstra a convergência do rádio com a internet, e colocou no ar três temporadas com
mais de 20 programas, evoluindo em 2019 para um podcast (SOM NASCENTE, 2022).
Tanto o Som Nascente quanto outros programas como Vozes do Brasil podem ser
acompanhados pela página da rádio na internet que também dispõe da programação da
rádio e um canal de notícias, embora não seja atualizado. A notícia mais recente informa
sobre uma homenagem concedida em 9 de junho de 2022.
Quadro 2 – Programação Cabo Branco FM
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A rádio Mix FM 93.7 faz parte da Rede Mix, (que tem sede em São Paulo e conta
com mais de 30 afiliadas em todo o Brasil), e se autodefine como a primeira emissora
fora dos limites do estado paulista, fundada em 20 de janeiro de 2005, com 17 anos de
atuação na cidade de João Pessoa.
A programação da MIX FM baseia-se fortemente no estilo pop (78,79%), com
predominância da música estrangeira (81,82%), o que demonstra ser a cultura nacional e,
sobretudo, local, totalmente negligenciadas na programação musical da emissora.
A rádio Mix FM 93.7 também investe pouco em lançamentos ou músicas mais
recentes (21,22%). A ausência do repertório doméstico, já verificada pela predominância
do espaço dedicado à música internacional, também se comprova com um dado ainda
mais preocupante: a completa ausência da música paraibana (0%) na programação,
conforme destacamos no Quadro 4, a seguir.
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por ser uma das poucas a privilegiar a música local (10,34%) e, no presente recorte,
oferecer uma programação 100% brasileira.
Embora não invista nos lançamentos, restringindo-se a veicular a produção
artística já consolidada (96,55%), e destes, se concentra na música produzida na década
de 1980, como estilo (pop rock ‘nacional’) mais veiculado (34,48%), conforme demonstra
o Quadro 5.
Quadro 5 - Programação Tabajara FM
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parte da programação da Rádio e são colocados à disposição do ouvinte para escuta sob
demanda em formato de podcast.
De forma resumida, e considerando-se todas as músicas veiculadas
simultaneamente, percebe-se que, mesmo havendo predominância da música brasileira
nas rádios paraibanas, apenas 3,85% é dedicada à produção local (Quadro 6).
Os dados apontam que apenas quatro em cento e quatro músicas são de autoria de
artistas paraibanos. Isso significa que a produção local é neglicenciada no momento de
compor a grade de programação das emisoras que foram alvo desta análise.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos critérios escolhidos para avaliar os dados selecionados, foi possível
perceber desafios e dilemas que marcam a estrutura da programação radiofônica,
sobretudo em termos de divulgação musical.
A Arapuan FM, que é líder em audiência na pesquisa das rádios mais ouvidas pela
internet (53,13%), entre as cinco emissoras escolhidas, opta por consolidar o sertanejo
como gênero musical mais veiculado e apresenta sempre músicas recém lançadas, quase
que de forma exclusiva, pois este gênero não foi percebido nas outras rádios avaliadas.
A Correio FM também lidera o ranking de audiência, só que através das ondas
hertzianas, no nicho religioso em que se encontra, com espaço inclusive para orações ao
vivo e participação dos ouvintes. As rádios Mix FM e Cabo Branco FM têm algumas
similaridades: ambas privilegiam a música internacional, músicas já consolidadas no
gosto popular e sem espaço para música local. Diferem apenas no gênero musical. A
primeira privilegia o pop enquanto a segunda a música popular brasileira.
Já a Rádio Tabajara FM tem programação 100% nacional, com espaço para a
música paraibana além de oferecer outras vitrines que ajudam a privilegiar a música
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autoral local como os programas “Palco Tabajara” e “Tabajara em Revista”, uma parceria
que lembra o trabalho conjunto feito pelo Circo Voador e a Rádio Fluminense FM, nos
anos 80, realizado no Rio de Janeiro.
Outro aspecto a salientar é que, das cinco emissoras analisadas, três são emissoras
comerciais pertencentes a afiliadas de grupos de comunicação nacionais, ou seja, definem
sua programação a partir de certas lógicas de mercado e de programação em rede. A Rádio
Tabajara, por sua vez, é caracterizada como rádio estatal, tendo um espaço maior de sua
programação voltada à cultura e demais pautas locais, sobretudo vinculadas ao governo
do estado da Paraíba.
Embora não tenha sido alvo do presente estudo, pesquisar as motivações político-
editoriais das emissoras certamente ajuda a compreender por que as rádios tocam
determinados gêneros musicais e silenciam ou ignoram outros. Este silenciamento, por
sua vez, pode comprometer a sobrevivência de artistas locais.
Este levantamento, ainda inicial, teve o objetivo de identificar o espaço dado pelas
emissoras de rádio à música paraibana, buscando também compreender como a cultura
passa pelas ondas hertzianas e transborda para outras plataformas em tempos de rádio
expandido e convergência midiática. Em pesquisas futuras, pretende-se aprofundar este
aspecto, além de investigar as questões comerciais e editoriais que definem os critérios
de escolha da programação musical disponibilizada aos paraibanos.
REFERÊNCIAS
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à etnomusicologia. Revista opus. v. 6, 1999.
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Ranking das mais tocadas nas rádios brasileiras em 2020 mostra Rock parado no tempo: O
gênero sertanejo se destaca com novidades enquanto o pop-rock se prende ao repertório
"flashback" 01 jan. 2021. Disponível em:<
https://www.tenhomaisdiscosqueamigos.com/2021/02/01/rankings-musicas-tocadas-radios-
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