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Definição de arteterapia e

dimensões antropológicas da
atividade estética
PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL, SEM AUTORIZAÇÃO.
Lei nº 9610/98 – Lei de Direitos Autorais

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“A arte baseia-se na vida, porém, não como matéria, mas como forma. Sendo a arte um
produto direto do pensamento, é do pensamento que se serve como matéria; a forma vai
buscá-la à vida. A obra de arte é um pensamento tornado vida: um desejo realizado em si
mesmo. Como realizado tem que usar a forma da vida, que é essencialmente a realização;
como realizado em si mesmo tem que tirar de si a matéria com que realiza” Fernando
Pessoa (Prosa, de Ricardo Reis).

Ao iniciarmos o estudo sobre Arteterapia, é importante conceituar o termo arte, que


segundo dicionário Michaelis (2021), vem do latim ars, arts, significando a “maneira de ser
e agir, conduta, habilidade, ciência, talento, ofício”. Porém, podemos compreender o
conceito de arte é muito amplo para apenas uma definição. De acordo com Meira (2015,
p.10),

“definir arte é bem mais complicado que definir cultura. Alguns artistas são reconhecidos
por toda humanidade como tais. Ninguém pensa em questionar se as telas pintadas por
Van Gogh, as peças de Shakespeare ou as músicas compostas pelos Beathes são arte. Se
olharmos para trás percebemos que algumas obras tiveram tamanha força, influenciaram
de tal modo a produção de outros artistas e o comportamento da sociedade, que se
tornaram modelos do que seria a grande arte”.

A arte é entendida de acordo com cada época, cada cultura, que constrói uma percepção
de arte que pode ser mais utilitária, representando apenas uma “feitura”. Não somente o
termo arte é amplo, mas as linguagens dela também constituem uma série de expressões,
que convencionamos chamar de Dança, Música, Artes Visuais, Teatro, Cinema e
mais recentemente “Arte integradora”, como a arte circense. Diante de tais
definições, podemos entender que a Arte é a manifestação humana dos sentimentos,
expressões, produto de uma determinada cultura, de uma história.

Será que a arte realmente nos transmite sentimentos? Muitos artistas conseguem, através
de suas obras, transmitir as sensações e os sentimentos através da arte. Ao ouvirmos uma
música ou mesmo ao apreciarmos uma obra de arte, ela pode nos proporcionar diferentes
percepções e sensações, de maneira a instigar o que está dentro da pessoa, acessando o
seu inconsciente.

No início do século XX, juntamente com a psicologia aplicada, começam a utilizar testes
em empresas, exércitos e escolas, aliando o homem à natureza. Na Europa, os estudos de
Freud (1856-1939), contribuíram para a percepção de que nem todos os comportamentos
são racionais e conscientes.

Carl Jung (1875-1961), precursor das ideias de Freud, descobre que os conflitos podem
aparecer através da arte e passa utilizá-la como um instrumento terapêutico no
atendimento a pacientes com problemas psíquicos, iniciando a arteterapia como uma
terapia alternativa para tratar pacientes. Segundo Rabelo, Silva e Barbosa (2017, p.79),

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“a Arteterapia possui a capacidade de utilizar a Arte como ferramenta essencial para dar
forma visual aos problemas e materializar imagens mentais “de nossa tela interior”
encontra- se ressonância nos materiais plásticos, nas performances corporais, na música
entre outros. O inconsciente materializado na plasticidade das ações e construções
criativas revela quer de forma individual ou coletiva as necessidades mais profundas da
pessoa, pois sabemos que a Arte pode nos levar a construir várias representações de
mundo, real ou imaginário. Representações que espelham nossas emoções e sentimentos
e possibilita a redescoberta de nós mesmos”.

As linguagens da arte podem ser utilizadas como processo simbólico para atingir
caminhos decodificando os sentimentos e as expressões dos indivíduos. Como definição
de Arteterapia, Ciornai (2004, p.7) afirma que ela

“designa a utilização de recursos artísticos em contextos terapêuticos. [...] é uma


definição ampla, pois pressupõe que o processo do fazer artístico tem o potencial de cura
quando o cliente é acompanhado pelo arte-terapeuta experiente, que com ele constrói
uma relação que facilita a ampliação da consciência e do autoconhecimento,
possibilitando mudanças”.

Nesse sentido, a arteterapia está diretamente ligada ao fazer artístico sem se preocupar
com técnicas ou regras estéticas da arte, mas sim com a relação com o autoconhecimento
do indivíduo, sendo que o terapeuta constrói seu campo de observação e análise a partir
da produção artística, promovendo uma reflexão de autoconhecimento. Reis (2014, p.
143) observa que segundo a Associação Brasileira de Arteterapia, ela se consolida como

“um modo de trabalhar utilizando a linguagem artística como base da comunicação


cliente-profissional. Sua essência é a criação estética e a elaboração artística em prol da
saúde. Permitindo que o sujeito se expresse livremente e com mais espontaneidade.
Conforme delimita a Associação, a arteterapia é uma especialização destinada a
profissionais com graduação na área da saúde, como Psicologia, Enfermagem e
Fisioterapia, embora se reconheça sua utilização por pessoas formadas nas áreas das
artes e da educação, desde que sem o enfoque clínico”.

A arteterapia utiliza das atividades artísticas como ferramenta em prol da saúde e do


bem-estar do indivíduo, o terapeuta se ocupa em utilizar de técnicas de intervenções
artísticas para diagnosticar e tratar pacientes com comprometimento psíquico e social,
avaliando e reabilitando os pacientes. O campo de atuação desse profissional está cada
vez mais em expansão, atingindo não apenas os consultórios médicos, mas também
empresas, escolas e comunidade. Foi no campo da Psicologia que a arteterapia se
desenvolveu, principalmente como referência a tratamentos médicos. Segundo Reis
(2014, p.144) a arteterapia atualmente

“não está mais restrita aos consultórios, revelando-se um valioso instrumento para
intervenções também nas áreas da Psicologia social, escolar, organizacional, da saúde e
hospitalar. O que se quer mostrar aqui é que a arte é um poderoso canal de expressão da
subjetividade humana, que permite ao psicólogo e a seu cliente, seja ele um indivíduo,
seja um grupo, acessar conteúdos emocionais e retrabalhá-los através da própria
atividade artística. Uma grande diversidade de temas, desde traumas e conflitos

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emocionais, aspectos das relações interpessoais em um grupo, expectativas profissionais,
gênero e sexualidade, identidade pessoal e coletiva, entre outros, podem ser abordados
pelo psicólogo através da arte. Ela é uma ferramenta que amplia as possibilidades de
expressão, indo além da abordagem tradicional, que é baseada na linguagem verbal”.

A relação próxima entre a expressão, sensação e sentimento que a arte proporciona,


oferece um campo bem amplo para observação clínica, não passando pela concepção
tradicional verbal, mas pela interpretação e sensibilidade artística. Segundo Battistelli
(2018, n.p.),

“a palavra “psicologia” vem do Grego antigo psyque, que significa “mente”, e logos, que
significa “conhecimento ou estudo”. Como ela é uma ciência, tenta investigar as causas
do comportamento. Consequentemente, usa procedimentos sistemáticos e objetivos de
observação, medição e análise, apoiados por interpretações teóricas, generalizações,
explicações e previsões”.

A psicologia, ao estudar o comportamento humano, utiliza de diversos recursos como


forma de contribuir para o diagnóstico e tratamento do paciente. Foi com Jung que a
atividade artística aparece como função natural psíquica. Ele sugeria que seus pacientes
pintassem ou desenhassem livremente, acreditando que dessa maneira o homem
conseguiria organizar o caos interior. A partir de tais estudos, a arte foi garantindo seu
espaço nas terapias e influenciando outros pesquisadores como a educadora Margareth
Naumburg (1890-1983), que foi a primeira a sistematizar a arteterapia no seu trabalho
“Arteterapia de Orientação Dinâmica” (1966), seguindo o modelo de Freud, visto que as
técnicas de arteterapia facilitavam a projeção de conflitos inconscientes.

A arteterapia no Brasil nasce na segunda metade do século XX, com a psiquiatria na


vertente psicanalítica e Junguiana. Os principais representantes, segundo Reis (2014,
p.45) foram

“Osório Cesar (1895-1979) e Nise da Silveira (1905-1999), psiquiatras precursores no


trabalho com arte junto a pacientes em instituições de saúde mental. Ambos contribuíram
para o desenvolvimento de uma outra abordagem frente à loucura, contrapondo aos
métodos agressivos de contenção vigentes na época (eletrochoque, isolamento) à
possibilidade de expressão da loucura e de sua eventual cura através da arte. Conforme
relata Silveira, nesse caminho alternativo, construiu-se um tratamento mais humano, com
inegáveis efeitos terapêuticos na reabilitação dos pacientes, que promovia “a recuperação
do indivíduo para a comunidade em nível até mesmo superior àquele em que se
encontrava antes da experiência psicótica”.

A reabilitação de maneira mais humanizada passa a ser base para pesquisas no campo
psiquiátrico, favorecendo o autoconhecimento, a confiança e a convivência social
harmoniosa, utilizando da Arteterapia como uma ferramenta essencial nesse processo de
descoberta.

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Referências
ANASTASIOU, Helene Paraskevi. PRINCÍPIOS DA ARTETERAPIA. Revise - Revista
Integrativa em Inovações Tecnológicas nas Ciências da Saúde, [S.L.], v. 3, n. 00, p.
112-115, jan. 2020.

CIORNAI, Selma. Arte terapia Gestáltica: Um Caminho para a Expansão de Consciência.


Revista de Gestalt, São Paulo, v. 1, n.3, p. 5-31, 1994.

CIORNAI, Selma. Percursos em arteterapia: ateliê terapêutico, arteterapia no trabalho


comunitário, trabalho plástico e linguagem expressiva, arteterapia e história da arte. São
Paulo: Summus Editora, 2004.

ESPINOSA, Francisco Jesus Coll. Arteterapia: Dinámicas entre creación y procesos


terapêuticos. Editum. Edições da Universidade de Música, 2006.

FAGUNDES-RIDLEY, Ivete. Arte como terapia: Encontrando minha essência. São Paulo:
Cia do eBook,2020.

MEIRA, Beá. Arte: Do rupestre ao Remix. São Paulo: Scipione Didáticos, 2015.

RABELO, Cleison Luiz; SILVA, Edenice Maria da; BARBOSA, Maria Euda. Arteterapia,
Processos, sentimentos e emoções. Revista PLUS FRJ: Revista Multidisciplinar em
Educação e Saúde, [S.L.], v.1, n. 3, p. 78-85, jan. 2017.

REIS, Alice Casanova dos. Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do Psicólogo.
Revista Psicologia: Ciência e Profissão, [S.L], v. 1, n. 34, p. 142-157, mar. 2014.

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