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História e regulamentação da

arteterapia
PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL, SEM AUTORIZAÇÃO.
Lei nº 9610/98 – Lei de Direitos Autorais

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A arteterapia é um instrumento de intervenção profissional que tem como objetivo a
melhora da qualidade de vida e saúde física e psicológica do paciente. Ela utiliza das
linguagens artísticas como ferramenta essencial para análise terapêutica dos pacientes.
Segundo Reis (2014, p.43), de acordo com a definição proposta pela Associação Brasileira
de Arteterapia, ela

“é um modo de trabalhar utilizando a linguagem artística como base da comunicação


cliente profissional. Sua essência é a criação estética e a elaboração artística em prol da
saúde”. Conforme delimita a Associação, a arteterapia é uma especialização destinada a
profissionais com graduação na área da saúde, como Psicologia, Enfermagem e
Fisioterapia, embora se reconheça sua utilização por pessoas formadas nas áreas das
artes e da educação, desde que sem o enfoque clínico”.

Podemos observar que a Arteterapia envolve principalmente a área clínica, mesmo tendo
indícios de envolvimento pedagógico, educacional e social, sua maior referência está
contemplada em estudos psicológicos e clínicos. A base inicial para o desenvolvimento da
arteterapia aconteceu entre 1920 a 1930, com estudos de Freud (1856-1939) e também
de seu discípulo Jung (1875-1961). Reis (2014, p.145) relata que

“Freud (1856-1939), ao analisar algumas obras de arte (por exemplo, o Moisés, de


Michelangelo), observou que elas expressavam manifestações inconscientes do artista,
considerando-as uma forma de comunicação simbólica, com função catártica. A ideia
freudiana de que o inconsciente se expressa por imagens, tais como as originadas no
sonho, levou à compreensão das imagens criadas na arte como uma via de acesso
privilegiada ao inconsciente, pois elas escapariam mais facilmente da censura do que as
palavras”.

Segundo a autora, Freud não utilizou a arte em seus processos terapêuticos, embora
tenha contribuído com essa ideia. Um dos seus discípulos Carl Jung, que acabou
desenvolvendo sua própria teoria, a qual chamou de Psicologia analítica, começou a
associar a arte com a psicoterapia. Para ele, a criatividade artística era uma função
natural e estruturante, traduzindo em conteúdos do inconsciente através das linguagens
da arte, ou seja, “Jung utilizava o desenho livre para facilitar a interação verbal com o
paciente e porque acreditava “na possibilidade de o homem organizar seu caos interior
utilizando-se da arte” (ANDRADE, 2000 apud REIS, 2014, p.145).

Tais estudos abriram possibilidades de utilizar a arte como instrumento terapêutico e em


1941, a educadora Margareth Naumburg (1890-1983), passou a ser considerada uma das
fundadoras da arteterapia ao conseguir sistematizá-la em seus trabalhos, com base na
teoria psicanalítica denominada Arteterapia de Orientação Dinâmica (1966), visando
facilitar, com base em sua teoria, a projeção de conflitos do inconsciente em
representações artísticas.

A história da Arteterapia no Brasil teve início na segunda metade do século passado,


fortemente influenciada pelas duas vertentes teóricas (Freud e Jung). De acordo com Reis
(2014, p.145),

“estas encontram-se representadas respectivamente nas figuras de Osório Cesar


(1895-1979) e Nise da Silveira (1905-1999), psiquiatras precursores no trabalho com arte

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junto a pacientes em instituições de saúde mental. Ambos contribuíram para o
desenvolvimento de uma outra abordagem frente à loucura, contrapondo aos métodos
agressivos de contenção vigentes na época (eletrochoque, isolamento) à possibilidade de
expressão da loucura e de sua eventual cura através da arte”.

Segundo a autora, esse tratamento trazia uma nova vertente mais humana, com efeitos
terapêuticos para reabilitação do paciente, de forma a recuperá-lo para vida em
sociedade. O então estudante Osório César, que até 1923 fazia residência no Hospital
Psiquiátrico de Juqueri, de São Paulo, criou em 1925, a Escola Livre de Artes Plásticas,
organizando em 1948 uma exposição de arte do Hospital do Juqueri no Museu de Arte de
São Paulo.

Em 1929 publicou a obra “A Expressão Artística nos Alienados”, com análises e


classificação das obras de seus pacientes. Esse foi o início da Psicologia e da arte no Brasil
e, “embora hoje passível de crítica pelo reducionismo da obra artística a uma psicologia
individual e patologizante, em detrimento dos seus aspectos históricos e sociais” (REIS,
2014, p.145), é inegável a contribuição de Osório César no âmbito da análise da arte, que
diante da psicanalítica clássica, analisa a simbologia sexual presente nas representações
pictóricas de seus pacientes.

Em 1946, a psiquiatra Nise da Silveira assumiu a Seção de Terapia Ocupacional no Centro


Psiquiátrico D. Pedro II no Rio de Janeiro, realizando atividades com seus pacientes nas
mais diferentes linguagens artísticas, com ênfase na pintura e escultura. De acordo com
Reis (2014, p.46),

“para ela, a terapia com arte não deveria ter a finalidade de distrair, mas de contribuir
efetivamente para a cura dos pacientes. Em 1952, ela criou, na mesma instituição, o
Museu de Imagens do Inconsciente, composto pelo acervo crescente das obras produzidas
pelos internos, que conta com mais de 300.000 documentos plásticos, entre telas, papéis
e esculturas”.

No âmbito de pesquisa, Nise deixa um riquíssimo acervo de práticas de Terapias


Ocupacionais, relacionada ao estudo terapêutico e atividade criadora. Em seu livro “O
mundo das Imagens”, ela analisa várias imagens de seus pacientes e suas artes no
processo psicoterapêutico com base na teoria de Jung. Mesmo sendo seu nome uma
referência da arteterapia no Brasil, não concordava com essa denominação, mas como um
trabalho de terapia ocupacional. Para ela, a palavra arte tinha um peso de estética, de
valor e não como expressividade dos pacientes. Alguns críticos de arte ao frequentarem o
espaço do Museu de Imagens do Inconsciente, concebiam o valor artísticos as obras. Para
Reis (2014),

“outros aspectos a embasar a crítica de Nise da Silveira à arteterapia é que esta se


caracteriza pela intervenção do terapeuta, enquanto, na prática adotada em Engenho de
Dentro, as atividades realizadas pelos pacientes eram absolutamente livres, suas criações
davam-se espontaneamente a partir do material disponibilizado nos ateliers, sendo
apenas acompanhadas por uma monitora, mas não dirigidas por ela. Nisso encontramos
uma distinção não somente metodológica, mas também teórica, pois Nise da Silveira,
junguiana, refere-se especificamente à arteterapia desenvolvida por Margaret Naumburg,

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psicanalítica, na qual o paciente é “dinamicamente orientado”, a partir da relação
transferencial, a descobrir a significação de suas criações, um processo de interpretação
que não ocorria na abordagem proposta por Nise da Silveira” (REIS, 2014, p. 146).

Segundo a psiquiatra Nise da Silveira, a função desse instrumento era permitir que o
paciente se expressasse pela arte, além da maneira tradicional que é verbal, apoiando-se
na psicologia analítica de Jung, que inevitavelmente culmina na arteterapia.

“Embora possa ser desenvolvida a partir de diferentes referenciais teóricos, a arteterapia


se define em todos eles por um ponto em comum: o uso da arte como meio à expressão
da subjetividade. Sua noção central é que a linguagem artística reflete (em muitos casos
melhor do que a verbal) nossas experiências interiores, proporcionando uma ampliação da
consciência acerca dos fenômenos subjetivos” (REIS, 2014, p. 147).

Diante de tantos avanços e pesquisas que demonstram a importância da Arteterapia,


ainda estamos caminhando em passos lentos para a efetivação dessa profissão, por isso é
fundamental compreender um pouco sobre a luta para a regulamentação dela de acordo
com a Associação Brasileira de Arteterapia.

Figura 1 - Linha do tempo da Regulamentação da Arteterapia

Fonte: Elaborado pela autora

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É fundamental destacar que em 2015, a votação sobre a regulamentação da profissão se
deu através da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara, que
aprovou o Projeto de Lei 3416/15, que regulamenta a profissão de Arteterapeuta. Pelo
texto aprovado, é de competência do arteterapeuta coordenar e dirigir cursos de
graduação desse campo do conhecimento e demais cursos de educação e saúde em
instituições públicas e privadas.

Além disso, em 2017, ela foi inserida nas práticas complementares do Ministério da Saúde
pela portaria 849/2019, que preconiza que práticas como arteterapia, ayurveda, biodança,
dança circular e outras passariam a integrar a Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares.

Quanto aos cursos, no âmbito formal, a arteterapia é um ofício regularizado pela União
Brasileira de Associações de Arteterapia (UBAAT), com habilitação através de cursos de
pós-graduação com mínimo de 520 horas. Ela está registrada na Classificação Brasileira
de Ocupações (CBO), código 2263 (profissionais de terapias criativas e equoterapias) sob
título Arteterapia, cujo código é 2263-10, sendo bastante eficaz para tratar questões de
saúde e bem-estar ligadas ao emocional, tais como problemas de auto estima, depressão,
relacionamentos disfuncionais, ansiedade nos períodos de mudança de hábitos e
comportamentos, e como auxiliar em processos e procedimentos traumáticos, entre
outros.

Recentemente foi inserida no SUS em âmbito nacional pela Portaria n° 145/2017,


podendo, então, receber financiamento do Ministério da Saúde, por meio do Piso de
Atenção Básica (PAC) de cada município, em atenção às orientações da OMS que incentiva
os países a inserir tais práticas em seus sistemas de saúde.

Deve-se ressaltar que atualmente a Arteterapia aparece não apenas nos consultórios, mas
também como instrumento para intervenções psicossocial e educacional. Logo, não se
pode negar que a arte é um canal forte de expressão do ser humano, a qual permite,
através dela, o acesso ao inconsciente, é preciso um olhar clínico para que essa análise
seja realmente eficaz. Ela pode tratar de diversas patologias, desde traumas, conflitos
emocionais, relações interpessoais, questões ligadas a gênero, etc., indo além das
terapias tradicionais, auxiliando e garantindo a melhora do paciente de maneira mais
humana.

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Referências
ANASTASIOU, Helene Paraskevi. PRINCÍPIOS DA ARTETERAPIA. Revise - Revista
Integrativa em Inovações Tecnológicas nas Ciências da Saúde, [S.L.], v. 3, n. 00, p.
112-115, jan. 2020.

CIORNAI, Selma. Arte terapia Gestáltica: Um Caminho para a Expansão de Consciência.


Revista de Gestalt, São Paulo, v. 1, n.3, p. 5-31, 1994.

CIORNAI, Selma. Percursos em arteterapia: ateliê terapêutico, arteterapia no trabalho


comunitário, trabalho plástico e linguagem expressiva, arteterapia e história da arte. São
Paulo: Summus Editora, 2004.

ESPINOSA, Francisco Jesus Coll. Arteterapia: Dinámicas entre creación y procesos


terapêuticos. Editum. Edições da Universidade de Música, 2006.

FAGUNDES-RIDLEY, Ivete. Arte como terapia: Encontrando minha essência. São Paulo:
Cia do eBook,2020.

MEIRA, Beá. Arte: Do rupestre ao Remix. São Paulo: Scipione Didáticos, 2015.

RABELO, Cleison Luiz; SILVA, Edenice Maria da; BARBOSA, Maria Euda. Arteterapia,
Processos, sentimentos e emoções. Revista PLUS FRJ: Revista Multidisciplinar em
Educação e Saúde, [S.L.], v.1, n. 3, p. 78-85, jan. 2017.

REIS, Alice Casanova dos. Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do Psicólogo.
Revista Psicologia: Ciência e Profissão, [S.L], v. 1, n. 34, p. 142-157, mar. 2014.

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