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Serviço Social e

Expressões da
Questão Social
Material Teórico
Exclusão Socioterritorial

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Esp. Rute Oliveira da Luz

Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
Exclusão Socioterritorial

• Introdução

• Concepção de território

• Lugar social e território

• Intervenções urbanas

··O principal objetivo aqui é compreender como se deu


o processo de exclusão sociocioterritorial, partindo da
discussão sobre a concepção de território e sua configuração
a partir das transformações realizadas nas cidades, avaliando
quais os principais impactos das intervenções urbanísticas na
vida da população.
··Teremos, também, que compreender as novas configurações
socioespaciais a partir da expulsão da população dos centros
para as periferias, avaliando a sua principal causa e os meios
e estratégias de resistência dos que necessitam permanecer
nas cidades. Abordaremos, ainda, sobre a relação indivíduo
e território e sua interação na constituição da territorialidade.

Nesta Unidade, é fundamental o entendimento do contexto histórico das intervenções


urbanísticas que ocorreram nos principais centros urbanos, em especifico na cidade de São
Paulo. A proposta desse estudo é a de compreender essas mudanças e quais foram os impactos
que contribuíram para uma nova configuração não apenas na reformulação das cidades, mas em
seu entorno. Veremos ainda as principais causas da segregação espacial que constituem recortes
na cidade a partir das diferenças de classe. Compreender esse contexto é muito importante para
que os profissionais de Serviço Social tenham clareza nas suas intervenções e possam ter um
olhar crítico sob a condição de vida da população social e espacialmente excluída.
Esse estudo pretende, de modo geral, compreender o movimento urbanístico e seus principais
impactos na vida da população mais empobrecida, a relação do espaço na construção do ser
social, as formas de enfrentamento e o desejo de permanência nos centros urbanos como uma
questão de sobrevivência. Entender essas configurações nos permite compreender o significado
social da exclusão socioterritorial.

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Unidade: Exclusão Sócioteritorial

Contextualização

Vamos iniciar esta unidade refletindo sobre a concepção de território, as intervenções urbanas
e os processos de exclusão socioterritorial, assim como sua relação com a pobreza. Veremos
também as estratégias de resistência da população na cidade de São Paulo.

Como fazer uma análise da exclusão socioterritorial a partir do olhar na cidade.


Os grandes centros urbanos são formados por um vasto arranjo em sua composição, e esse arranjo se
materializa no espaço físico e social configurados a partir de várias estruturas e de suas particularidades
presentes nas grandes cidades
Sua divisão espacial é composta por áreas definidas, como: áreas de lazer, áreas comerciais,
residenciais, industriais, bairros grandes e pequenos. Cada bairro apresenta seu próprio polo e seus
espaços formados de acordo com as características de cada território – onde há maiores ou menores
movimentações, onde se estabelecem relações comerciais ou apenas relações de vizinhança. Podemos
citar como áreas restritamente residenciais os condomínios.
A estrutura urbanística das cidades prevê uma imagem limpa e organizada, porém, o aumento da
população e da própria cidade compõem um arranjo urbano dividido e nem sempre coeso com
essa ideia logística dos centros. Parte desse cenário o crescimento desordenado de bairros periféricos
sem estrutura urbanística adequada, favelas, cortiços, áreas de risco, casas autoconstruídas em leitos
de rios e em áreas inapropriadas para moradia – moradias estas que têm como principal fator as
desigualdades sociais, ou seja, quanto maior é a disparidade econômica maior são as diferenças no
que tange a configuração das cidades.
Quais foram essas intervenções urbanas que impactaram nas populações nos centros urbanos,
expulsando-as e criando essas novas configurações? E como as famílias se organizaram para enfrentar
essas intervenções das cidades? Quanto à concepção de território e identidade social, quais suas
principais características? E qual sua relação com a exclusão territorial?
A intenção desta unidade é ter um panorama que nos auxilie na compreensão dessas mudanças
e nos impactos desses processos na contemporaneidade, a fim de que esse saber nos auxilie para
a construção de uma leitura da realidade e de uma análise crítica das reais condições de exclusão
socioterritorial.
Rute Luz

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Introdução

A exclusão de bens materiais e culturais faz parte da vida cotidiana de um grande contingente
da população brasileira, a pobreza produz e mantém um enorme exército reserva de força de
trabalho. Um percurso da pobreza se estende do espaço metropolitano até as periferias que, tanto
geográfica, cultural quanto socialmente tornam-se cada vez mais afastadas dos centros urbanos.
Existe uma série de violações de direitos provocadas pelo sistema capitalista que fere vários
segmentos das classes empobrecidas por ele. A exploração de poucos sobre muitos gera uma
expressiva trama de ilegalidade que se entrelaça nas práticas urbanas e provoca profundos e
vastos sofrimentos.
As mudanças no mundo do trabalho vêm modificando ao longo da história o padrão
de crescimento das cidades. Temos como exemplo a cidade de São Paulo que, a partir da
década de 80, alterou sua imagem de polo industrial com o êxodo das indústrias para outras
cidades do Estado, houve, então, queda no crescimento populacional e empobrecimento de
parcelas significativas da burguesia e do proletariado, o emprego industrial foi substituído pela
terceirização, com esse processo de metamorfose as indústrias deram lugar ao centros comerciais
e setores de serviços.

O desenvolvimento e as mudanças significativas nas cidades


Do ponto de vista ambiental, São Paulo chega ao final do século XX seriamente comprometida:
poluição de água, ar, etc.; enchentes e desmoronamentos; boa parte da população encontra-se
em risco eminente devido a sua condição precária de moradia; entre outros problemas não só
ambientais mas sociais, de saúde, educação, etc.

Fonte: Thinkstock/Getty Images

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Unidade: Exclusão Sócioteritorial

Essas questões agravam-se à medida que a luta pela sobrevivência das famílias torna-se cada
vez maior frente a essas dinâmicas complexas. Ao mesmo tempo em que São Paulo se desenvolve
economicamente, traz com seu desenvolvimento mudanças significativas, ocasionadas por essas
novas configurações no mundo do trabalho – o crescimento da burguesia, a multiplicação de
funções e assalariamento do trabalho e o crescimento do setor terciário foram, sem dúvidas,
fatores de ampliação das desigualdades.
A população mais empobrecida foi expulsa por esse processo das áreas centrais, onde está
a melhor infraestrutura urbana. Ela se deslocou para áreas cada vez mais distantes e periféricas
da cidade em que o solo é menos valorizado. Quanto às regiões centrais, essas sofreram com o
processo de deterioração da proliferação de favelas e cortiços como forma de moradia, outra
situação que se faz cada vez mais constante e visível.
A pobreza é umas das principais violências presentes nas sociedades contemporâneas.
Seu impacto é destrutivo, causado pelo sistema capitalista, deixando profundas marcas nas
gerações de famílias empobrecidas – marcas que atingem a subjetividade dos indivíduos
e toda a sua vida prática, causadas por desemprego, saúde precária, moradia insalubre,
desconforto, insegurança alimentar, ignorância e alienação, fadiga diante de uma carga de
trabalho exploratória, entre outros fatores que delineiam a realidade das pessoas que vivem em
situações de subalternidade e pobreza.

Fonte: Thinkstock/Getty Images

Esses fatores são vistos em todas as partes, porém, nas cidades, essas condições são
evidenciadas à medida em que os territórios cheios de significados as qualificam dentro de um
espaço geográfico, ou seja, a pobreza nas cidades está bem desenhada por uma condição não
apenas social mas territorial.
A noção de pobreza é ampla e complexa, supõe gradações e também tem uma concepção
relativa devido a múltiplas condições e situações. Antigamente, ela era medida por apenas um
indicador, a renda, mas atualmente outros indicadores são usados em sua mensuração, como
educação, natalidade, saúde, usufrutos de recursos sociais, dentre outros. Essa mudança vem
apontando em suas pesquisas novos níveis e condições de pobreza que, mesmo ainda com um
viés economicista, irão defini-la como algo temporário ou permanente – pobres são aqueles que
não têm acesso ao mínimo de bens e recursos e, por isso, são excluídos em diferentes graus.

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A pobreza é expressão direta das ralações sociais e não está associada unicamente à privação
de materiais. Ela alcança vários níveis na vida e na condição humana – espiritual, social,
econômica, política, moral ético – e, de várias formas, intervém diretamente ou indiretamente
na sociedade como um todo, mas, principalmente, nos indivíduos que estão imersos na luta
pela sobrevivência.
Ao analisarmos a pobreza sob a ótica da exclusão social, esta constrói uma referência, um
lugar no mundo onde o poder é ausente, o mando de decisão fragilizado ou inexistente, as
práticas de resistência e luta andam lado a lado com as privações matérias e de conhecimento
dos processos sociais. As classes sociais assim divididas têm em sua composição a chamada
classe popular, caracterizada por sua semelhança e condição de vida empobrecida, geralmente
formada por trabalhadores pobres que em sua maioria vivem com poucos recursos.

Fonte: Biscan/wikimeia commons

De acordo com estudos realizados nos centros urbanos das cidades, constatou-se que essa
classe de trabalhadores urbanos não é homogenia. No Brasil, por exemplo, evidencia-se uma
classe diversificada com diferentes experiências de dominação

Concepção de Território

Do ponto de vista social, o território é o espaço concreto da realidade da vida coletiva, é a


base da cidadania, pois esta só é real quando está de fato ativa no território. É nesse espaço
que se concretizam as relações sociais, de solidariedade, poder, vizinhança, entre outras que
ultrapassam os muros do privativo e ganham significado e importância valorativa. É nesse espaço
em que as desigualdades sociais tornam-se evidentes, onde as condições de vida se assemelham
e se diferenciam e podemos enxergar claramente a presença ou ausência de serviços públicos
e as mais diversas diferenças de qualidade desses mesmos serviços. A partir das dimensões do
território, podemos observar as condições concretas de habitação, de escolas, do transporte, do
lazer, do transitar, do participar, do exercer direitos e do viver a cidadania.
Em 1980, o debate sobre a cidadania marcou a agenda política do Brasil. Essa agenda culminou,
mesmo em meio a divergências, no que conhecemos como Constituição Federal de 1988.

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Unidade: Exclusão Sócioteritorial

O direito como filantropia


Com as mudanças que ocorreram nos meios de produção e na forma de conduzir o Estado
motivadas por acordos capitalistas entre a política econômica e a política de mercado, a função
do direito voltou-se para uma perspectiva de cidadania não real e até mesmo as questões éticas
foram reduzidas a uma confusão generalizada entre política e caridade, cidadania confundindo-
se com filantropia e direitos com ajuda humanitária. A filantropia, por sua vez, tem fragmentada
na sociedade os padrões de cidadania, aos quais as políticas públicas recorreram na implantação
do projeto neoliberal, a fim de reduzir, e até mesmo anular, suas responsabilidades quanto ao
seu papel protetivo.
É nesse sentido que o território se torna uma referência concreta das condições de vida,
apresentando uma realidade vivida que não se resume a sinônimos de especificidades
fragmentadas, mas sim uma condição complexa de expressões concretas resultantes dos
processos de exclusão e de inclusão social.
É no território que se identifica as mais variadas situações, tanto no campo da materialidade
quanto no campo da subjetividade. É nesse espaço que é construído o ser social, suas relações
e seu comportamento. É a partir dessa realidade vivenciada no território que são construídas as
concepções de mundo e as reais situações vivenciadas pela coletividade.
A concepção de território utilizada pelas ciências sociais, econômicas e políticas ultrapassa
os limites geográficos, apresentando uma heterogeneidade de condições. Para essas ciências, o
território não deve ser considerado apenas dentro do conceito de espaço, pois o que caracteriza
um território é o seu uso: é a partir da sua utilização e dos atores fazem esse uso que, de fato, as
transfigurações transcendem às concepções geográficas.
Ao analisarmos as dinâmicas das populações por meio das pesquisas, podemos identificar
apontamentos significativos que envolvem macro regiões e territórios. Esses apontamentos se
distinguem nas particularidades com grandes diferenças de mobilidade no que se refere a macro
regiões, ora para mais ora para menos, por isso a concepção de insociabilidade entre sujeito e
território, ou população e território, que permite um olhar próprio da vida cotidiana vivenciada
pelos seus agentes. Dessa forma, o território obtém significado a partir da interação com o
homem e passa a ter sentido social nos permitindo compreender os conceitos de espaço de
vida e de espaço vivido, em outras palavras, permite uma ótica não apenas no aspecto da
materialidade, mas também de sua representação para os que nele se encontram.

O território: relação tempo e espaço


O homem desenvolve suas práticas cotidianas no espaço de vida em torno de sua moradia,
trabalho ou em locais que frequenta – como lugares de lazer, férias, descanso etc. Já o espaço
vivido não se limita geográfica ou psicologicamente, ele é construído pelo sujeito e tem sua
representatividade no imaginário, por isso não tem fronteiras, barreiras ou muros que possam
separar o sujeito dessa construção. O espaço vivido é um espaço global, este pode ser considerado
a partir de três dimensões, apresentadas a seguir.
1 - O espaço de vida ou lugares frequentados pelo sujeito, onde as relações se associam
ao meio social e aos valores psicológicos. O espaço de vida constrói e regula o meio
social ou socioterritorial, tanto nos aspectos materiais quanto nos imateriais, pois estão
presentes na construção dinâmica do território;

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2 - O cotidiano, ou seja, uma dinâmica de interação localizada e em constante movimento
no seu próprio entorno, onde há uma ação de todos não restrita ao chamado lugar, pois,
como já dissemos, o território tem significados que ultrapassam a circunscrição político-
jurídica, enquanto Estado-Nação, já o lugar tem sua posição limitada;
3 - A sociedade global, que se estabelece à medida em que as relações locais são
enraizadas e exercem uma dinâmica interativa no seu próprio entorno. Uma dinâmica
que estabelece uma rotação, onde todos interagem em volta de si mesmos e dos outros.
Essa dinâmica não se restringe ao âmbito lugar apenas; dependendo de sua posição, ela
cria sua própria identidade e se estabelece para além das limitações concretas vividas.
Ela se estende até as dimensões idealistas das representações do espaço em que se vive.
A diferença entre lugar e território: território não pode ser visto quanto a escala e a compreensão
geográfica, ele é um espaço abstrato, idealizado, vivido, sentido e que está englobado nos lugares
que pode assimilar suas diferenças e seus valores por meio da realidade; o lugar estabelece
uma delimitação real geográfica, diferente do território que tem seu significado expandido,
ultrapassando o lugar, mas profundamente assimilado por esse.

Lugar

Território
A apropriação do território pelo homem implica no dinamismo de interação entre o homem
e o espaço. Sendo que, nessa perspectiva, o território passa a ser a concretização dessa
relação. Apropriar-se do território significa interagir com ele, criando e recriando significados e
incorporando-os na vida cotidiana. Para tanto, usamos o termo territorialidade – termo singular
da apropriação, é o fazer uso da terra do território.
A territorialidade reflete as múltiplas dimensões da vida no território e nos remete ao campo
do sujeito social, do lugar social e do território.

Lugar social e território

O lugar concreto da vivência pode nos levar a compreender a história do lugar onde vivemos
e dos sujeitos que o construíram. Quando queremos entender como se deu a configuração
jurídica, política, social e econômica de um país, faz-se necessário um resgate histórico de sua
formação. Compreender o hoje exige um olhar para o passado.
No caso do Brasil, por exemplo, para compreender a sociedade, é necessário partir dos
pontos de vista social, cultural e político, os quais favorecem as bases formadoras do nosso país.
Além disso, precisamos analisar o que, ao longo de nossa história, foi tido como verdade e como
essas verdades foram utilizadas para a construção ideológica.

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Unidade: Exclusão Sócioteritorial

Basicamente o Brasil tem uma história baseada em regimes escravocrata, patrimonialista,


patriarcal e militar. Esses regimes foram os responsáveis pelo que se estabeleceu como padrões
de vida, de cidadania, de ética e de moralidade em nosso país, norteando todas as relações da
sociedade brasileira. As experiências históricas nos mostram que o Brasil se estabeleceu por meio
desses sistemas e sua organização segue o modelo hierarquizado das relações, configurando-
se em uma sociedade que conhece a cidadania por meio dessa estrutura hierarquizada. Essa
sociedade conserva seus princípios fazendo concessões reguladoras e periódicas pelas classes
dominantes, mas sem deixar que o poder seja detido por uma instância só, podendo o tirar ou
concedê-lo quando bem entender – um exemplo a ser citado foi o período da ditadura militar.
Essa ambiguidade nada conflituosa se torna a maneira mais eficaz nas relações institucionais
em que a proteção ou a cordialidade dos “protetores” são privilégio e, ao mesmo tempo, favor aos
beneficiados. Esse traço que se estabelece nas relações sociais dificultou a adaptação do sistema
burocrático estatal, prevalecendo as relações impessoais na construção da organização social. O
favor tornou-se nossa mediação quase que universal e uma moeda de troca. Na nossa sociedade,
esse padrão e comportamento têm servido principalmente como um disfarce para a violência
presente, principalmente, nas relações políticas, sociais e de produção. Nossa sociedade sustenta
o mito da não violência com as estruturas fixadas nas bases de um sistema patriarcal e autoritário.

A violência e a não violência


As expressões consideradas violentas são apenas aquelas que oferecem algum risco para a
ordem estabelecida por seus fundadores. São crimes como homicídios, extermínios, assaltos,
estupros, sequestros, etc. Esses casos são vistos por toda a sociedade como situações excepcionais
de violência. Já os casos de falta de moradia, descriminação social, racial, de gênero, entre
outros são consideradas situações normais e naturalizadas pela sociedade.
Esse mito da não violência no Brasil permanece por conta de alguns mecanismos ideológicos:
o da exclusão, uma vez que o país é tido como não violento e qualquer um que comete o que
é considerado violência excepcional é excluído de sua identidade brasileira; o da distinção, pois
caso ocorra a violência, essa é considerada acidental; do aspecto jurídico, considerando o que
é criminalidade e delinquência; do aspecto sociológico, considerando as transformações da
sociedade moderna e da inversão do real, ou seja a naturalização das ideias, comportamentos
e valores e como esses são ou não violentos.
As políticas públicas ao longo da história do Brasil utilizaram claramente de violências
materializadas consideradas não violência, a fim de manter uma aparente harmonia necessária.
Podemos citar os programas e projetos sociais que são ofertados, mesmo que a maioria
tenha clareza de que eles não suprem as necessidades dos seus beneficiários. Fora isso, há a
precariedade de serviços básicos de saúde e educação, o que permite o fortalecimento do setor
privado, obrigando a população a recorrer a ele, tendo que pagar para ter a garantia de um
atendimento apregoado na Constituição.

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Intervenções Urbanas

No século XIX, as políticas públicas no Brasil adotaram um sistema higienista que passou a ser
utilizado principalmente pelas políticas urbanistas de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
Em 1893, no Rio de Janeiro, aconteceram grandes ações de despejo no centro da cidade.
A grande maioria desses despejos ocorriam nos cortiços sob forte amparo policial, pois as
autoridades consideravam esses espaços como locais altamente perigosos, contaminados
e como abrigos de desordeiros que ameaçavam a paz e a ordem do centro urbano. Muitos
cortiços foram demolidos com motivos orientados por essa questão ideológica higienista e
científica. Essa ideologia passou a se destacar nas políticas desse período, principalmente nas da
saúde pública, que afirmavam ser essa prática necessária para a preservação da saúde de toda
a população. O discurso científico-higienista afirmava que espaços como os cortiços tinham
pouca iluminação e circulação de ar, estruturas precárias de fornecimento de água e esgoto,
fatores considerados como os principais responsáveis pelo alastramento de epidemias, sendo
necessárias a desinfecção e a demolição. Essa ação fazia com que as pessoas fossem desalojadas
e expulsas para as periferias das cidades.
Na segunda década do XX, os cortiços desapareceram por completo das intervenções
urbanísticas e, nos últimos cem anos, eles têm se reproduzido e reinventado.

Fonte: Thinkstock/Getty Images

Não tão distante, temos acompanhado situações semelhantes na cidade de São Paulo. A população
em situação de rua habitava permanentemente os vãos dos viadutos, mas foi expulsa desses lugares.
Os albergues do centro da cidade, constantemente lotados, não têm estrutura para atender a toda
essa população, sendo assim, grande parte desses morados acabam vagando durante o dia para, ao
entardecer, travar uma verdadeira batalha para conseguir abrigo nos albergues da cidade.
Essa tendência higienista não é exclusividade de ações voltadas aos moradores em situação
de rua, atinge também outras famílias que foram obrigadas a deixar suas casas por conta de
desapropriações de moradias consideradas irregulares. Essas pessoas tiveram como única
alternativa a migração para lugares mais distantes dos centros.
Os novos projetos urbanísticos têm como um de seus objetivos preservar a imagem pública da
cidade. As favelas são uma estratégia da população permanecer em espaços centrais ou próximo aos
centros urbanos. Mesmo com a precariedade interna das favelas (abastecimento de água, esgoto,
energia elétrica), as famílias permanecem nesses locais por não encontrarem outra alternativa.

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Unidade: Exclusão Sócioteritorial

As estratégias de resistência utilizadas pela população


Os projetos urbanísticos – construções de viadutos, avenidas, etc. – provocaram grande
crescimento e trouxeram a modernidade aos centros urbanos, mas também trouxeram muitas
consequências negativa ao território. Houve o crescimento desordenado das cidades que, sem
estrutura, começou a formar seu entorno precariamente: as famílias começaram a construir
suas casas nas encostas dos morros em barracos improvisados, nas beiras dos rios e em cima
de córregos – aliás, podemos destacar essas moradias como estratégias da população em
permanecer nas cidades.

Fonte: Thinkstock/Getty Images

A moradia é o mundo privado da sociedade e, também, constitui-se em abrigo contra as


adversidades do sistema econômico. É por meio dela que as pessoas buscam seu lugar no espaço
urbano das grandes cidades, pois a ausência desse lugar pode afetar profundamente suas vidas.
O problema da moradia é um recorte das múltiplas expressões da questão social. Há grande
diversidade no modo de morar, diferentes tipos de habitações, mas o que podemos considerar
como sub-habitações têm destaque na paisagem urbana da cidade de São Paulo. De acordo
com estudos realizados sobre o quadro habitacional da cidade, ela vem apresentando um
aumento significativo no número de favelas, cortiços e de habitações construídas por seus
próprios habitantes nas periferias. Esta última muito presente, devido a falta de recursos desses
moradores, para essas construções qualquer material é utilizável – até que se possa construir
algo mais sólido e permanente.
Na década de 90 foi identificado na cidade de São Paulo pela Secretaria de habitação que,
além das favelas, as famílias mais empobrecidas estavam se deslocando cada vez mais para os
cortiços nas zonas urbanas, ficando claro nesse estudo que parte dessas famílias empobrecidas
só podia alugar um cubículo no centro. Um movimento se intensificou por conta da diminuição
da segregação socioespacial, sua principal característica era o deslocamento dessas famílias
ou grupos para áreas centrais e a multiplicação de bairros periféricos em que se misturam as
camadas médias e baixas em vários espaços da cidade. No fim da década de 90, tornou-se
crescente o número de favelas demolidas, acarretando condições ainda mais precárias, pois
famílias inteiras – com seus idosos, crianças e, em muitos casos, familiares com deficiência –
passaram a ocupar as ruas e, sem alternativas, áreas irregulares.

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A principal característica das favelas é a ocupação em áreas públicas, onde são construídas e
multiplicadas dia após dia habitações precárias, geralmente erguidas em terrenos íngremes, sem
infraestrutura adequada. Nas periferias, esses espaços são, na maioria das vezes, socialmente
desvalorizados e construídos em áreas que não são vedadas pela legislação.
Espaços precários com poucos recursos e serviços públicos.
As desigualdades se constituem de diversas formas, inclusive na posse da terra. Manifesta-
se também no acesso desigual aos serviços públicos, como: escolas, postos de saúde, creches
infraestrutura urbana, asfalto, iluminação adequada, pouca ou nenhuma área de lazer; ou seja,
um conjunto crítico de situações que caracterizam esses espaços utilizados como forma de
enfrentamento da população para permanecer nos espaços urbanos ou em suas proximidades.

Fonte: Thinkstock/Getty Images

Considerações Finais
Ao considerarmos a pobreza como situação social concreta, produto das desigualdades,
percebemos que seu percurso atinge não só o que tange aos indivíduos, mas também está
visível em níveis regionais. O desenho geográfico da pobreza é visível quando pesquisas são
realizadas em territórios das cidades, identificando que em determinados lugares ela está
mais presente. As questões de renda, de acesso a serviços públicos, à moradia, ao trabalho,
às questões urbanísticas, entre outros caracterizam bem essa concretude da pobreza. Tem-se
notado que essa visibilidade se faz presente, principalmente, em bairros mais afastados dos
centros urbanos – os chamados bairros periféricos ou a periferia.
Uma população que foi expulsa das áreas mais valorizadas da cidade, que não estava de
acordo com os padrões estabelecidos pela organização desses espaços, foi se deslocando para
lugares mais distantes. Outra população, como forma de resistência permaneceram, mantém-
se em situações degradantes de moradia – em cortiços, por exemplo – e que são invisíveis nos
dias de hoje aos projetos urbanísticos. São pessoas que permanecem nesses espaços em função
da sobrevivência e, quando já não têm nem esses lugares como abrigo, por não conseguirem
mantê-los, encontram-se nas ruas perambulando durante o dia e compondo filas na frente dos
albergues pela noite, para ter um lugar onde descansar com segurança e fazer sua higiene.

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Unidade: Exclusão Sócioteritorial

Essas pessoas estão o tempo todo em confronto com a própria noção de território, pois, como
no caso dos moradores de rua, esses já perderam, em sua maioria, o sentimento de pertencimento
e reconhecimento de seu território. Sua migração pelas cidades vizinhas ou bairros próximos ao
centro os coloca em um patamar de pertencer a tudo e não pertencer a nada.
O território nos traz a noção de pertencimento e este está além do lugar em que vivemos.
O território não nos limita ao espaço, mas nos coloca diante de uma identidade social. Quem
perde esse sentimento de pertencimento perde essa identidade, logo, sem essas referências,
torna-se extremamente vulnerável – em um alto grau de complexidade.

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Material Complementar

Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta Unidade, leia:

Explore

http://www.brasilescola.com/geografia/segregacao-desigualdades-nos-centros-urbanos.htm
··Desigualdades Regionais;
··Favelização e Segregação Urbana;
··Reforma Urbana;
··Renda per capita que compõe o IDH brasileiro.

Leia também:

Explore
CABANES, R., GEORGE, I.; RIZEK, C.S.; ETELLES, Veras (org.). Saídas de Emergência:
ganhar/perder a vida na periferia de São Paulo. São Paulo: Boitempo, 2011.

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Unidade: Exclusão Sócioteritorial

Referências

KOGA, Dirce H; GANEV, E; FAVERO, E.T (Org.). Cidades e Questões Sociais. São Paulo:
Terracota, 2010.
YASBECK, Maria Carmelita. Classes Subalternas e Assistencial Social. 7. ed. São Paulo:
Cortez, 2009.

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Anotações

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