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Referência para a compreensão da dinâmica urbana, Flávio Villaça construiu

sua carreira acadêmica e profissional no ramo da produção socioespacial e


planejamento urbano. Nesse sentido, concluiu sua graduação pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, na qual também atuou
como professor titular de Planejamento Urbano. Além disso, formou-se pela Master
of City Planning pelo Georgia Institute of Technology, é Doutor em Geografia
Humana pela USP e realizou Pós Doutorado no Departamento de Geografia da
Universidade da Califórnia, Berkeley.
Devido à sua sólida formação acadêmica e experiência profissional de atuação
na administração pública, ministrava suas aulas na graduação e pós-graduação
integrando teoria e prática. Ademais, divulgou sua vasta experiência e
conhecimento mediante seus livros e estudos originais, de enorme contribuição ao
planejamento brasileiro em razão da alta qualidade de sua produção intelectual.
Portanto, seu compromisso em fornecer uma compreensão abrangente da produção
espacial e suas implicações se cumpre em razão da abordagem acessível e
didática, que evidencia a preocupação em disseminar conhecimentos complexos de
maneira compreensível para uma audiência mais ampla.
Dentre seus textos, “São Paulo: segregação urbana e desigualdade” apresenta
como a desigualdade social se aplica nas metrópoles, utilizando a capital paulista
como referencial com a finalidade de relacionar termos complexos aos saberes
comuns proporcionados pela vivência na cidade. Assim, permite a democratização
do conhecimento sobre a temática e viabiliza sua importante discussão no que
tange questionar o sistema e instigar mudanças.
Vale destacar, ainda, que o texto que será aqui analisado está organizado em
nove capítulos, sendo eles: Introdução; Os avanços; Abordagens recentes da
segregação; Descrever e explicar; A participação do espaço urbano na dominação
social; A estrutura urbana e os deslocamentos espaciais; A segregação dos
empregos: o espaço; Os deslocamentos espaciais: o tempo; Conclusão e
Referências.
Em síntese, o texto inicia apontando que o espaço urbano é resultado da ação
humana, não um dado natural, destacando a abordagem de Flávio Villaça para
compreender a segregação urbana, utilizando São Paulo como estudo de caso da
segregação moderna, destacando o papel de condomínios fechados e a mudança
do centro devido aos interesses da elite. Ele desafia a noção de que a decadência
do centro é natural, revelando como essa ideia serve à classe dominante. A análise
se estende à segregação dos empregos e demais estabelecimentos presentes no
cotidiano da população, mostrando como os mais ricos otimizam seus
deslocamentos, enquanto os mais pobres enfrentam longas horas devido à distância
das várias áreas de concentração de empregos.
O autor discute ainda os aspectos políticos e econômicos da segregação,
ressaltando a influência da legislação urbanística, intervenção estatal e mercado de
terras. Ele argumenta que o controle do tempo de deslocamento é uma força
dominante na produção do espaço que condiciona diretamente a qualidade de vida
das camadas populacionais, destacando a necessidade de analisar essas
dinâmicas para compreender as desigualdades. Em suma, Villaça oferece uma
abordagem crítica que vai além dos padrões tradicionais de segregação, explorando
como essa dinâmica reflete a distribuição desigual de poder e recursos na
sociedade.
No panorama mais específico, o texto apresenta o espaço urbano como produto
socialmente produzido pela ação antrópica, uma vez que busca ir além dos limites
meramente descritivos da geografia e analisar o espaço de forma crítica mediante o
materialismo histórico e a luta de classes. Isso ocorre porque a dominação do
espaço perpassa pelo domínio social e político da população, uma vez que a
sociedade está sujeita as vantagens e desvantagens advindas da organização
espacial das moradias, indústrias, serviços, lazer, transporte e demais fatores
determinantes na vivência humana ditada pelo sistema vigente.
Em consequência do crescimento desordenado construído em uma base de
desigualdade de poder político e econômico, que se manifesta na complexa
segregação dos grupos menos favorecidos, o Brasil estruturou territórios delimitados
pela distinção das classes sociais, que convivem e disputam um mesmo espaço.
Logo, tornou-se comum a paisagem que mistura esculturas arquitetônicas, prédios
antigos deteriorados atuando como cortiços, casas e comércios do alto padrão e
cada vez mais habitações precárias subindo os morros e descendo pelas vielas.
Nesse sentido, analisar o injusto cenário brasileiro e explicar o papel do espaço
urbano no processo de dominação necessita superar a forma clássica de segregação
em círculos concêntricos, do centro rico à periferia pobre, e a óptica centro versus
periferia, pois mostram-se limitadas no âmbito da denúncia social sem articular a
temática em sua totalidade na estrutura urbana e no contexto histórico que está
inserida. Também, a divisão por bairros não é efetiva, visto que esses poderiam, então,
ser agrupados em regiões homogêneas promovendo um estudo mais amplo.
Como resultado dessa forma de pesquisa, é possível compreender que, apesar da
segregação residencial ser estudada há décadas, é extremamente relevante entender
como a dominação se dá pela desigual distribuição das vantagens e desvantagens do
espaço produzido em função da classe dominante, priorizando sempre a otimização
dos seus tempos de deslocamento.
Mostra, entretanto, que essa nova abordagem vale também não só para a
Região Metropolitana de São Paulo, como também para todas as demais Regiões
Metropolitanas do Brasil. Em cada uma delas é notável a relação entre a
segregação residencial e a segregação dos locais de emprego, bem como a
decorrente subordinação entre a produção social do espaço e a produção social do
tempo, mediante análise da relação entre o espaço urbano e o tempo gasto pelos
moradores das metrópoles em seus deslocamentos nesse espaço. Tal controle
temporal gera uma força poderosa que dita a forma de distribuição da população.
Então, atuar sobre o espaço é determinante para atuar sobre o tempo, resultando
em uma grande disputa social em torno da produção do espaço urbano e a
importância do sistema de transporte como elemento da estrutura urbana.
Por fim, é notório que há uma omissão de tais reflexões geradas por Villaça na
sociedade brasileira, pois os processos ideológicos mascaram a realidade da
dominação e naturalizam os processos sociais de segregação. O texto também
discute como fatores aparentemente naturais, como o clima, podem ser
influenciados pelo desenvolvimento urbano desigual, destacando o exemplo de uma
região mais arborizada. São abordados aspectos políticos, como a legislação
urbanística e a intervenção estatal no sistema de transporte, bem como aspectos
econômicos relacionados ao mercado de terras e atividade imobiliária,
especialmente no Quadrante Sudoeste, onde há concentração dos distritos com o
mais alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nesta região.

Referências:

VILLAÇA, Flávio. São Paulo: segregação urbana e desigualdade. Revista Estudos


Avançados, 25(71): 37-58, 2011. Disponível em:
<https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/10597/12339> Acesso em:10 de agosto
de 2023.

CAU/BR. Urbanismo brasileiro de luto: morre o professor Flávio Villaça. Disponível


em:<https://caubr.gov.br/planejamento-urbano-brasileiro-de-luto-morre-o-professor-fl
avio-villaca/> Acesso em:16 de agosto de 2023.

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