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Universidade Federal de São Carlos

Temas de Política Contemporânea I

Mariana Plácida de Faria Costa – RA: 759955

A longa trajetória até a graduação em Ciências Sociais, perpassa um caminho de


escolhas diversas. Estudar ciências sociais é uma atividade capaz de abrir os olhos de um
jovem para muito do que é real no mundo, mas também pode ser deveras dolorido. Verdade é
que ninguém entra na universidade para estudar ciências sociais acreditando numa vida
próspera. Escolhe-se estudar essa área do conhecimento por um desejo intrínseco de fazer a
diferença.

Escolher estudar Ciências Sociais mudou a minha vida. Neste curso, fui capaz de
enxergar as coisas como elas são de verdade e me engendrei por conhecimentos que, ao invés
de mudarem o mundo, me mudaram. Entender a conexão entre a organização do espaço
urbano e a ciência política contemporânea me pareceu uma tarefa difícil no começo, mas no
desenvolver desta disciplina pude perceber que a forma como o espaço urbano é disposto nos
tempos contemporâneos é uma das grandes responsáveis pela geração de desigualdades que o
capitalismo tanto se esforça para perpetuar. Assim, a partir dos estudos compartilhados este
semestre fica enraizada a lição do quão importante é dar luz aos grupos silenciados e
marginalizados por séculos para garantir que as cidades sejam ocupadas de forma menos
injusta e mais democrática.

A obra de David Harvey, Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana,


que comentamos durante esta disciplina é uma ótima ilustração de como as dinâmicas de
organização dos espaços urbanos são reprodutoras de uma desigualdade contínua que garante
o apagamento de determinados grupos condenados a espaços de pouca ação do Estado e que
os mantém à margem da sociedade civil. Se trouxermos a lógica de Harvey para o cenário
brasileiro, é possível racionalizar a dinâmica de criação das cidades brasileiras dentro de uma
perspectiva de manutenção das invisibilidades das classes menos abastadas. A falta de atuação
de um Estado gestor nas periferias por exemplo, amplia as desigualdades geradas pelo
capitalismo dentro do contexto urbano. Ainda no caso específico das periferias, a truculenta
ação da polícia – que violenta e deprecia grupos já marginalizados pela própria organização
do espaço urbano – parece ser um mecanismo chave de controle e manutenção destas
desigualdades, pois a partir desta ação violenta da polícia, o Estado age como uma mão
reguladora que amedronta a população e a mantém presa a um inerte estado de perigo. A
perspectiva de como a violência aprisiona estes grupos em medo, é trazida também na obra
comentada em aula de J Mombaça, artista e ativista, cujas obras vão da poesia à teoria crítica:

A premissa básica desta proposta é a de que a violência é socialmente distribuída,


que não há nada de anômalo no modo como ela intervém na sociedade. É tudo parte
de um projeto de mundo, de uma política de extermínio e normalização, orientada
por princípios de diferenciação racistas, sexistas, classistas, cissupremacistas e
heteronormativos, para dizer o mínimo. (MOMBAÇA, 2019)

As cidades deveriam, portanto, serem lugares que pudessem ser ocupados por todos os
grupos, essencialmente não divididos em classes, mas sim tendo suas individualidades
respeitadas. É possível também identificar formas de visibilizar estes grupos de maneiras
institucionais ao proporcionar empoderamento a pessoas em situações de apagamento. Como
observado numa visita com o professor R. Toledo em agosto de 2023, a cidade de Araraquara
se utiliza de projetos sociais que devolvem a capacidade de socialização a pessoas em
diversas situações de marginalização. Esses projetos se utilizam de equipamentos da
secretaria de Direitos Humanos e da Participação Popular para ocupar espaços em regiões
estratégicas da cidade com o intuito de receber pessoas em situações de vulnerabilidade e
devolvê-las à dignidade de uma vida com plena integração a sociedade civil.

Portanto, a classe trabalhadora representa um potencial transformador enorme quando


participa e se ocupa dos espaços institucionalizados do perímetro urbano. Em Araraquara, a
participação da sociedade civil na tomada de decisões é algo louvável. Os equipamentos
públicos utilizados pela secretaria de Direitos Humanos e da Participação Popular foram
criados a partir da demanda da participação civil em reuniões orçamentárias da cidade, o que
exemplifica perfeitamente o que propõe D. Harvey em Cidades rebeldes: do direito à cidade
à revolução urbana, de que a classe trabalhadora é capaz de movimentar as discussões sobre
o espaço urbano de forma democrática a fim de reduzir as desigualdades perpetuadas pelo
sistema capitalista.

A relevância que o tópico “Produção do Espaço Urbano” tem no mundo contemporâneo


é inegável. A partir da observação da ocupação dos espaços das cidades, é possível notar a
clara facilidade que a estrutura capitalista tem de inviabilizar os discursos dos grupos mais à
margem da sociedade civil. No Brasil, a história da formação da sociedade brasileira – e até
mesmo a perspectiva acadêmica que remonta os passos dessa história – é marcada por um
processo intenso de invisibilidade de pessoas à margem da ordem estrutural tradicional
colonial. Como proposto por Florestan Fernandes em A integração do negro na sociedade de
classes – Volume I, após a abolição da escravidão no país, as classes trabalhadoras em
ascensão com a ampliação da economia capitalista preferiram se munir da manutenção da
ordem estrutural oligárquica para se identificarem classes superiores, e ao garantir a
invisibilidade das classes periféricas, possibilitou e fortificou o processo de apagamento
cultural desses grupos:

Ainda que os círculos humanos em ascensão pertencessem à "raça branca" eles


possuíam motivos substanciais para se identificar, nesse plano, com as velhas elites.
Acresce que tinham, por circunstâncias especiais, bons motivos para não perfilhar e
até para combater as técnicas de dominação social, às quais se conjugavam a
persistência e a revitalização de critérios obsoletos de dominação racial. No entanto,
os aludidos círculos permaneceram indiferentes quer às inconsistências dessas
técnicas de dominação racial, quer à dramática situação, bastante notória, da
"população de cor" da cidade. (FERNANDES, 2008, p.306)

Sendo assim, os grupos condenados a ocuparem espaços suburbanos e periféricos não


podem contar com as novas elites e tampouco com a ação reguladora do Estado para sua
proteção, afinal, o Estado que tinha o dever de proteger e garantir as liberdades democráticas
destes grupos é o mesmo que os condena violentamente à necessidade de lutar para terem suas
vozes ouvidas e suas demandas compreendidas.

Em suma, os desdobramentos teóricos desenvolvidos nesta disciplina deixam o legado


de como a formação da sociedade brasileira é perfeitamente ilustrada na disposição
demográfica dos centros urbanos. A maneira como os espaços urbanos são – ou deixam de ser
– ocupados por determinados grupos da sociedade demonstra como o sistema capitalista gera
desigualdades que condenam pessoas diversas a uma vida aprisionada numa lógica de
pensamento colonial que garante poder apenas aos mesmos e para os mesmos.
Referências Bibliográficas

FERNANDES, Florestan. Cap. 5 – A concretização da revolução burguesa. (IN) A revolução


burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Vol. 1 - O legado da


raça branca. São Paulo: Dominus/Editora Universidade de São Paulo, 1965.

IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Pesquisas por Amostra de Domicilios,


Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012/2022

HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo:
Martins Fontes, 2014.

MOMBAÇA, Jota. rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da


violência!. Publicação comissionada pela Fundação Bienal de São Paulo em ocasião da 32a
Bienal de São Paulo Incerteza Viva, 2016

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