2022/1 Mariana Plácida de Faria Costa R.A. :759955
A obra de Lévi-Strauss: dificuldades e questionamentos
A disciplina de antropologia contemporânea I nos coloca em contato (alguns de nós não mais pela primeira vez) com um dos autores particularmente mais complexos desta graduação: Claude Lévi-Strauss.
Acredito que a obra de Lévi-Strauss seja complexa por apresentar um
objeto de estudo teórico complexo. A linguística estrutural e as formas e estruturas do parentesco são utilizadas pelo autor como instrumentos de compreensão da cultura e ampliam os nossos limites de abrangência conceitual de maneira carregada de significado. Compreender a cultura como algo comum a tantas sociedades culturalmente diversas é algo paradoxal em si mesmo, uma tentativa de explicar a própria complexidade dentro dela mesma.
Os questionamentos levantados por este trabalho não têm a ver com
conceitos ou tópicos e momentos específicos da obra de Lévi-Strauss, mas sim com a diferença entre o que me foi tomado como conhecido e o que foi escolhido pelo autor como objeto de estudo. Acredito que grande parte da dificuldade que me perpassa a compreensão das obras trabalhadas ao longo desta disciplina diz respeito à minha própria incapacidade de me desprender da realidade cultural em que vivo para que me caiba a visão cultural que sugere o autor.
Em relação à noção em si que Lévi-Strauss adota para o conceito de
estrutura, o autor faz uma comparação com a linguagem – numa tentativa de explicar o motivo pelo qual denomina sua ciência como estrutural –. No entanto, é trabalhoso desvencilhar os dois conceitos quando, numa sociedade ocidental moderna, a linguagem, seus símbolos e usos são partes determinantes de um denominador cultural comum. Tratar dois conceitos codependentes como termos únicos e similares entre si pode gerar certa estranheza. Ainda que a adoção destes conceitos tenha sido citada de forma a explicar a que se preza a estrutura do parentesco e o porquê este termo em específico foi escolhido (já que estrutura é um termo mais comum às ciências da natureza) existe uma barreira – acredito eu de origem cultural – que me impede de enxergar de forma clara a similaridade entre eles.
É inquietante imaginar a linguagem e seus estudos como algo linear e
estrutural, principalmente quando se pensa no recorte dos tempos atuais. A linguagem é parte fundamental do que entendemos como cultura e ela acompanha as formas de evolução de uma sociedade de forma abrangente, acíclica e não linear, algo que me parece ser comum ao parentesco quando pensado de forma global. A própria pesquisa acerca das estruturas de parentesco prova o anteriormente dito, uma vez que tantas sociedades diferentes existentes no mundo não podem ser traduzidas em apenas uma estrutura comum da mesma forma como a palavra “saudade” não pode ser traduzida em diversos idiomas, pois não se adotam termos específicos para o sentimento que se dá ao sentir falta de algo ou alguém. Assim, a palavra “saudade” não poderia ser considerada por exemplo parte de uma estrutura comum dentro da linguística; ela carrega uma simbologia que depende de contexto cultural e social para existir.
Na construção destes argumentos é que me deparei com o meu principal
questionamento acerca da obra de Lévi-Strauss: o seu eurocentrismo. Não me cabe aqui discutir de forma prática e acadêmica o conceito ao redor da obra e o porquê de ele estar carregado de seus problemas, mas sim o motivo pelo qual ele me inquieta de forma pessoal. Se nem todas as palavras cabem dentro de sistemas linguístico-estruturais universais, também nem todas as sociedades podem ter suas estruturas de parentesco traduzidas dentro de um único sistema, que foi criado ao pensar na sua própria razão de ser. Ao pensarmos, por exemplo numa árvore genealógica como estrutura de parentesco criada pelas sociedades europeias para definir linhagens e ordens de sucessão, estas seguem princípios patriarcais e que se baseiam na relação de matrimônio para o estabelecimento de um núcleo familiar. Em certas sociedades observadas pela antropologia no entanto, as árvores genealógicas são completamente inúteis quando nos deparamos com uma sociedade onde não se conhece o conceito de mãe como sendo uma progenitora, mas sim como sendo uma mulher que participa da sua linhagem familiar próxima, conceito que pode explicar a relação que se tem com mais do que apenas uma mulher em uma mesma família e isso me parece impossibilitar a tradução de conceitos familiares dentro de sociedades que não aplicam para si o próprio conceito do que é família, uma vez que este conceito é eurocêntrico e nos foi imposto dentro de uma lógica colonialista que nos transformou em reféns de uma realidade patriarcal linear e hereditária, da qual tentamos nos desprender há séculos apenas para nos encontramos presos dentro dela mesma; enquanto a estrutura de parentesco se transforma num elemento cultural muito mais vivo nos tempos modernos e cria abrangências que não cabem mais, por exemplo, a um sistema de árvore genealógica patriarcal, o produto criado por este organismo cultural vivo que é o parentesco (como por exemplo novas e diferentes estruturas familiares que conhecemos à medida que a sociedade se transforma) depende de uma legitimação eurocêntrica, dado que no mundo contemporâneo, esperamos que determinados acontecimentos e conceitos sejam aceitos em países desenvolvidos para que apenas depois sejam mimicados pelos países ocidentais antigamente colonizados pelos mesmos. A busca por uma legitimação independente das estruturas do parentesco perpassa a noção de que não é possível estabelecer uma forma universal para um elemento cultural particular e vivo como é a maneira de se conceber o parentesco.
Me parece que a tentativa de transformar o parentesco em uma estrutura
universal é capaz de anular o que a antropologia busca compreender: a particularidade respeitável e singular que cada sociedade adota pra si. A cultura e seus elementos são os fundamentos que constroem o sentimento de pertencimento em relação a uma determinada realidade e, acredito que Lévi Strauss tenta construir, a partir do que ele acredita ser determinante para sua realidade, um ideal que seja comum e traduzível a todas as outras culturas, o que falha ao princípio de valorização cultural do que é próprio e original em si apenas por existir, sem adotar um método comparativo que deduza algo como superior em detrimento de outro que é inferior.
Na confecção deste trabalho percebo que a minha dificuldade em
relação a Lévi-Strauss pode ter sido tão elementar que me distanciou de alcançar uma substancialidade dentro da compreensão de sua obra. Ao adotar o conceito sobre o qual o autor se debruça para criar seus objetos de estudo em antropologia, o meu eu científico-social identifica uma ideia antagônica à visão de mundo que as outras ciências estudadas nesta graduação me levam a buscar. A ideia de que é possível identificar uma estrutura elementar do parentesco em sociedades onde a própria palavra “parentesco” pode ser extremamente vazia de simbolismo gera um sentimento de confusão do qual é difícil me desprender. A valorização das formas familiares estudadas por Lévi- Strauss me parece ser rasa a partir do momento em que o autor se propõe a compara-las a algo com o que elas não são comparáveis pois são únicas e formadores determinantes de suas próprias identidades culturais.
A compreensão do que me gera questionamento dentro da extensa obra
de Lévi-Strauss me trouxe uma sensação maior de capacitação para buscar significado nos conceitos do autor através de uma aceitação de que a sua visão de mundo diverge da minha e que isso não faz de mim inferior, mas apenas diferente e que é possível encontrar pontos onde habitam uma relação benéfica para o pensamento nas ciências humanas, ainda que não em conceitos, mas talvez em nossas divergências. Referências Bibliográficas:
LÉVI-STRAUSS, Claude. “Introdução à obra de Marcel Mauss”. In: MAUSS, M.
Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003
LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis:
Vozes, 1982
LÉVI-STRAUSS, Claude. “Análise estrutural em linguística e antropologia”. In:
Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975
DURKHEIM, Émile e MAUSS, Marcel. 1981. “Algumas formas primitivas de
classificação”. In: MAUSS, M. Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva
MENDES, Tássia Nogueira Eid. Lévi-Strauss e a tríade da estrutura: a
linguagem, o simbólico e o inconsciente / Tássia Nogueira Eid Mendes – São Carlos: UFSCar, 2014.
Silva Oliveira, A. y Amanajas Pena, R.: "Antropológica: investigação
estruturalista de Lévi-Strauss", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Febrero 2014, www.eumed.net/rev/cccss/27/levi-strauss.html
SCHWARCZ, Lilia Katri Moritz “Silviano Santiago: elogio e crítica a Lévi-
Strauss, ou Lévi-Strauss como texto e bom pretexto” in Aletria, Belo Horizonte, v. 30, n. 1, p. 83-94, 2020