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tese de doutorado
programa de pós-gradução em antropologia social do museu nacional/ufrj
rio de janeiro
2002
Folha de Aprovação
APROVADA POR:
668p.
The object of the present thesis, based on library research, is the concept of
kinship among the Gê-speaking peoples of Central Brazil, one of its aims being to
create a bridge between these societies and those typical of the Amazonian forests.
The work can also be described as a reflection on the problem of central-brazilian
dualism, a phenomenon which, under the guise of the multiple moiety and group
systems of (mainly) ceremonial nature, made these societies so famous, since
Nimuendajú and Lévi-Strauss. The research of the participants of the Harvard-
Museu Nacional project in the sixties (and those that followed) has deeped our
understanding of these societies, but the conceptualization of the kinship process
(in particular, the oppositions body/name, procreation/naming, individual/social
personality) and of its connection to ritual through the language of the
nature/culture, biological/social oppositions, has made it difficult to perceive the
inherently transformative dimension of the reproductive processes in question. The
goal here is to determine how certain aspects of the kinship and group systems
can be reinterpreted in order to build an alternative reading, based on the
distinction between the fabrication of kinship (from which names and bodies
emerge as objetifications of the relations that constitute the person) and ritual
metamorphosis — the reproductive-transformative dispositive that recreates the
conditions (given in myth) from which the first process can take place.
Para minha filha Manoela
Agradecimentos
Convenções
Introdução........................................................................................................................................................1
1. Culturas marginais..............................................................................................................................20
1. Dos Tapuya aos Jê de Nimuendajú ........................................................... 20
2. A ilusão arcaica .................................................................................. 34
3. Do arcaísmo ao dualismo....................................................................... 65
2. Organizações dualistas.....................................................................................................................72
1. Dualismo e multidualismo...................................................................... 73
2. A anomalia apinayé ............................................................................. 95
3. As organizações dualistas existem?.......................................................... 122
3. Sociedades dialéticas....................................................................................................................159
1. Limites do dualismo............................................................................ 159
2. O projeto Harvard-Museu Nacional .......................................................... 178
6. Diferenciação e segmentaridade.............................................................................................310
1. Timbira........................................................................................... 311
2. Apinayé, Suyá, Kayapó, Panará .............................................................. 322
3. Jê Centrais ...................................................................................... 332
4. Jê do Sul ......................................................................................... 339
9. Mantendo a distância.....................................................................................................................497
1. Respeito e vergonha ........................................................................... 497
2. Parentesco, afinidade e amizade forma.................................................... 505
3. Incesto e Metamorfose ........................................................................ 513
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................638
agradecimentos
Minha mãe Marilena, meu irmão Maurício (e minha falecida avó Vênus)
souberam bem suportar minha longa ausência, e os agradeço por isso. Mas é a
minha filha Manoela que dedico esse trabalhão — por me mostrar todos os dias as
outras coisas que há na vida.
Aracy Lopes da Silva foi quem me encaminhou para o Museu Nacional e para
a antropologia, e estaria em minha banca. Esta tese é também para ela.
convenções
1. Objetivos
Esta tese se funda em pesquisa de cunho bibliográfico que têm como objeto o
parentesco dos povos de língua jê, e como um de seus objetivos lançar uma ponte
entre as sociedades do Brasil Central e aquelas típicas da Amazônia, com as quais
as primeiras têm sido contrastadas desde os primórdios da etnologia sul-
americanista.
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Introdução
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Introdução
1 Uma saída possível é tomar a presença de termos de afinidade separados como traço
distintivo dos sistemas Crow/omaha (contra as "affinal equations" típicas da aliança
assimétrica). Este será o caminho adotado por F. Héritier em L'Exercice de la Parenté
(1981), onde define os "sistemas de aliança Crow/Omaha" pela combinação: terminologias
tais como as descritas pelas regras de projeção oblíqua de Lounsbury, em suas diferentes
variantes, acompanhadas de termos específicos para os aliados, mais "regras proibitivas de
aliança" (sem casamento de primos [1981:77]). E também por R.H. Barnes (1982), que se
defende da acusação de Héritier de confundir sistemas assimétricos e sistemas omaha
afirmando concordar com Lévi-Strauss neste ponto, "for the reasons he gives, namely that
prescriptive terminologies make a series of characteristic affinal equations which the Omaha
lack" (:116). Para uma discussão do caráter problemático dessa solução, cf. Viveiros de
Castro 1990.
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Introdução
[…], et l'échange recommandé dont les acteurs sont des paires croisées…" (1981:
90-91). Isso corresponde a sua descoberta, na análise do funcionamento
matrimonial samo, da importância de mecanismos como a troca de irmãs (contanto
que não em gerações consecutivas)2 e a "troca diferida", a devolução da esposa
sob a forma de uma filha (outra que a nascida da mulher originalmente recebida) —
entre outras séries "mais refinadas" de troca matrimonial regular entre as lignées
discrètes em que se dividem as linhagens (:122-123). Ao lado da constatação de
que os casamentos samo tendem a se dar assim que cessam as proibições
exogâmicas (linhageiras e cognáticas), isto é, entre parentes o mais próximo
possíveis segundo as definições de proximidade inerentes às próprias proibições
(:109, 114-122), é esta hipótese de uma estrutura de troca restrita regular entre
os grupos que permite à autora converter a leitura negativa dos sistemas semi-
complexos em uma leitura positiva (Viveiros de Castro 1990: 52) — e, sobre esta
base, abrir o caminho para fazer o mesmo com a complexidade… Estas duas
hipóteses correspondem aos conceitos de "redobramento" (redoublement) ou
repetição de aliança de consanguíneos e bouclage, fechamento genealógico
produzido por casamentos na consanguinidade, distinção a partir da qual
reformulações importantes da tipologia do elementar e do complexo, que procuram
dissociar a definição das estruturas de aliança de suas manifestações genealógicas
(Viveiros de Castro 1990, 1996; Houseman & White [1995]), tem sido propostas.
2 Ver também Muller (1980), que procura no que chama "troca direta exclusiva de irmãs"
(exclusive straight sister-exchange), não repetível em gerações consecutivas, uma entrada
para a reconsideração do esquema (evolutivo, em seu entender) levistraussiano.
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Introdução
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Introdução
1) A questão básica fora já formulada por Lowie em 1915, quando dizia: Our query
is thus reduced to this form: Is the confusion of collateral with lineal relatives a
function of exogamy? Noutras palavras, era possível explicar a existência e ampla
disseminação de terminologias 'classificatórias' (em que FB=FMB, MZ=MFZ) a
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Introdução
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Introdução
Meu plano de tese original previa um capítulo que seria dedicado à análise
das categorias de relacionamento entre os diversos grupos jê. Seguindo um modo
de exposição algo tradicional, eu começava por discutir os termos empregados para
dizer "parente" ou "meus parentes" (minha parentela) em geral. O que deveria
constituir um parágrafo introdutório acabou por transformar-se no objeto da
segunda parte desta tese. Esta parte da constatação de que, em alguns grupos jê,
os termos geralmente traduzidos por "gente" ou "ser humano", que entram
frequentemente na composição das autodesignações nativas, são também os que
se referem mais especificamente aos "parentes". Em outros, vocábulos distintos
são empregados para os dois casos. Através de uma análise desses termos tal
como discutidos na literatura, focalizando no modo com estes são contrastados às
categorias de mortos, animais, inimigos, procuro mostrar como se articulam nessas
sociedades a "construção do parentesco" e a "construção da pessoa", sugerindo-se
que, diferentemente do que ocorre no parentesco ocidental (americano), onde, nas
9
Introdução
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Introdução
Diante dessas duas dificuldades (entre outras), decidi tomar outro caminho,
mas que me permitisse ainda pensar a etnografia jê a partir dos princípios 1 e 2
acima delineados. Nesse sentido, uma maneira de recolocar meu problema original
seria formulá-lo em termos da pergunta: o que expressa o cruzamento nas
terminologias de parentesco jê? Aparentemente descolado do casamento, no caso
da maioria dos Jê do Norte e centrais (a coisa é menos clara no caso dos
Kaingang), o cruzamento define entretanto nas sociedades setentrionais um
relacionamento fundamental, a transmissão onomástica, enquanto que os
ascendentes paralelos, se bem que desempenhem frequentemente funções
cerimoniais importantes, o fazem em geral na qualidade de substitutos ou
equivalentes estruturais dos pais. A classificação dos parentes pareceria assim
expressar uma dualidade (detectada primeiro por Melatti) – entre nominadores e
genitores – que corresponderia ela mesma a uma dualidade interna à pessoa jê:
nome e corpo. A questão do significado do cruzamento, isto é, minha pergunta – o
que o cruzamento codifica aqui afinal? – revelava-se então inextrincavelmente
ligada ao problema da constituição da pessoa, sugerindo ao mesmo tempo uma
série de conexões/proporções a explorar: se cruzados estão para paralelos assim
como nominadores estão para genitores, então – aceitando-se a conexão entre
afinidade e cruzamento suposta pela teoria levistraussiana –afinidade e
consanguinidade podem estar uma para outra assim como nome está para o
corpo… Foi a partir dessas idéias que procurei explorar a etnografia de modo a
responder a meu problema, digamos, de fundo: o da conjugação das contribuições
estruturalista e culturalista à antropologia do parentesco.
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Introdução
3. Método: comparação
Minha intenção inicial era prover, com este trabalho, também um guia e um
sumário capaz de auxiliar outros pesquisadores que, ocupados com a construção de
suas etnografias, não dispussem do tempo necessário para mergulhar com a
mesma profundidade nessa densa e extensa bibliografia. A reunião de um amplo
conjunto de informações em grande parte dispersas me parecia um bom modo de
sensibilizar outros jê-ólogos para aqueles aspectos que nas sociedades particulares
estudadas por eles "são obscurecidos ou de difícil captação mais que, em uma
outra sociedade jê, têm expressão clara e privilegiada, inclusive pela importância
que os próprios atores lhe conferem", como diz Aracy Lopes da Silva. Espero que
meu trabalho ainda possa ser útil nesse sentido, mas temo que meu "guia" tenha
saído bem mais desorganizado do que o planejado. Meus fichamentos da literatura
foram muito menos sistemáticos do que eu pretendera, e ao invés de apoiada na
base de dados devidamente catalogados e classificados que um dia fantasiei criar, a
reflexão que se segue funda-se em pilhas de livros e fotocópias rabiscados, dezenas
de fichamentos parciais amontoados em uma pasta de computador, e cadernos e
cadernos de anotações ilegíveis espalhados pelo escritório.
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Introdução
4. A Estrutura da Tese
A primeira parte consiste em uma história dos estudos jê. Os capítulos que a
compõe foram escritos, vale esclarecer, mais de dois anos antes do restante da
tese, e representam principalmente um esforço de familiarização com um campo de
estudos — uma "área etnográfica" — cuja longa e complexa história tornava
temerário abordar sem um balanço prévio do modo como se constituíram e
transformaram seus problemas específicos. Ver-se-á que, e isso vale sobretudo
para os americanistas, o restante e o principal desta tese pode ser lido
independentemente desta revisão. Se, a despeito do já desmesurado volume do
texto, optei por manter aqui estes capítulos, foi em parte por acreditar que podem
ser úteis aos menos avisados, e em parte, confesso, por apego aos resultados de
um trabalho que não apenas me custou tempo e energia consideráveis, como
propiciou efetivamente uma útil compreensão da tradição que informou as
etnografias em que me apoiei.
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Introdução
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Introdução
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Introdução
Nesta terceira parte da tese, passamos do plano das formações coletivas ao plano
das relações inter e intrapessoais, ao modo como as pessoas se constituem como
parentes e o modo como o parentesco produz pessoas humanas. Se nos capítulos
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Introdução
Adiantei acima que essa construção era uma operação sobre o corpo. O
Capítulo 8, "Palavras Mágicas", investiga como os sistemas de classificação
remetem ao encadeamento de transformações sucessivas e relativamente
ordenadas orientadas pela intenção de produzir parentes, e termina com o
problema de como reiniciar esse processo em um contexto em que o casamento
entre "parentes" é visto como "incesto"; o problema é retomado no capítulo 9
através de uma discussão do "respeito/vergonha", comportamento que define a
esfera das relações entre afins ao mesmo tempo em que se estende, sob forma
atenuada, ao campo da sociabilidade de modo geral, exprimindo-se sobretudo no
contexto da célebre instituição jê da "amizade formal". O capítulo 10, "Pessoa:
fabricação e metamorfose", parte de uma discussão dos componentes da pessoa e
das práticas de fabricação do corpo para sugerir que o nome constitui parte e
momento dessa mesma fabricação, e portanto da produção de parentes, sugerindo
uma conceitualização alternativa da oposição nome e corpo. Isso não significa,
porém, recusar a pertinência da oposição estabelecida pelos pesquisadores do
HCBP entre nomes e corpos, mas redefini-la com base na idéia de que tanto as
relações onomásticas como aquelas baseadas na circulação de substância
consistem em modos de construção do parentesco; nomes e corpos humanos são,
ambos, objetificações das relações que os produziram. A oposição entre o
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Introdução
CONCLUSÃO
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PARTE I
de culturas marginais a sociedades dialéticas
2 O Pe. Fernão Cardim, por exemplo, segundo Lowie a "mais antiga autoridade" a se utilizar
do termo (Lowie 1946:553), relaciona dezenas de tribos sob esta denominação, enfatizando
porém a diversidade de línguas e as diferenças culturais entre elas (Cardim 1980
[1584]:103-106). Como nome genérico para grupos inimigos dos Tupi ou, simplesmente,
deles (linguisticamente) diferenciados, o rótulo "Tapuya" aparece na pena de Anchieta,
Soares de Souza, G. Dias, S. de Vasconcelos, etc (cf. Cardim 1980:131 [notas]).
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Cap.1 — Culturas marginais
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Cap.1 — Culturas marginais
4 Neste trabalho, daqui por diante, quando falar em Timbira, estarei me referindo apenas
aos povos orientais, excluindo os Apinayé, ao contrário do que faz Nimuendajú.
5 No imaginário nacional como no imaginário antropológico: "The Tropical Forest complex is
marked off from the higher Andean civilizations by lacking architectural and metallurgical
refinements, yet outranks cultures with the hunter-gathering economy of the Botokudo or
with the moderate horticulture of the Apinayé (Ge stock). At the core of the area the
diagnostic features are: the cultivation of tropical root-crops, especially bitter manioc;
effective river-craft; the use of hammocks as beds; and the manufacture of pottery. "(Lowie
1948:1 — ênfase minha).
6 O objetivo de Schmidt será então retraçar, pelo exame da distribuição de "elementos"
culturais como armas, instrumentos, formas de habitação, sociologia, mitologia e religião, as
conexões destes três grupos com os "círculos de cultura" [kulturkreis] do Velho Mundo,
numa tentativa de estender à América do Sul a abordagem difusionista de Graebner,
Frobenius, e outros representantes da escola dos Kulturkreise (cf. infra nota 14). O primeiro
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Cap.1 — Culturas marginais
grupo sul-americano corresponderia "de modo perfeito" aos três "círculos" mais antigos do
Velho Mundo (1913:18-19), designados por Schmidt, cuja nomenclatura se apóia nas
"peculiaridades sóciológicas" dos povos em questão, como "Exógamo-monógamo",
"Exógamo totêmico-sexual", e "Exógamo Paritário". A título de curiosidade, vale notar que o
círculo "Exógamo matrilinear", ou a "cultura de duas classes" — isto é, aquele onde se
manifestariam formas de organização dualista — não teria penetrado as terras baixas,
manifestando-se apenas nas "culturas superiores" dos Andes — uma suposição que se
tornaria insustentável depois de Nimuendajú…
7 Nas conclusões, Métraux, anunciando a intenção de estender sua pesquisa aos "Zè"
setentrionais e centrais, de modo a "definir sua civilização", determinar as influências que
sofreu, e especificar as origens e afinidades dos povos assim designados, afirma estar
convencido de que "la famille Zè, tapuya ou kran, telle qu'elle a été établi aujourd'hui par
Martius, Brinton et Rivet est destinée a disparaître" (:226).
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Cap.1 — Culturas marginais
Ploetz & Métraux dão, contudo, provas de bom senso ao sugerir ser o
aparente "amorfismo" desses grupos, como das demais sociedades indígenas sul-
americanas, uma ilusão derivada da ausência de pesquisas "sérias" no domínio da
organização social (:233). Esta ilusão será assim efetivamente dissipada por
Nimuendajú, que, além de demonstrar o erro em se considerar os Jê caçadores-
coletores, revela, um tanto espetacularmente, uma organização social de
complexidade insuspeitada. A noção de que os grupos dessa família formam, com
uma quantidade de outros não-tupi do Brasil centro-oriental e meridional, algum
tipo de unidade cultural em oposição aos povos da floresta, não será entretanto
abalada por essas revelações. Lowie, apesar da crítica que submete à categoria
"Tapuya", não deixa de ressucitá-la na introdução à seção do Handbook of South
American Indians (HSAI) consagrada aos "índios do Brasil oriental", onde justifica a
reunião ali dos "Ge […], Camacan, Guayakí, Bororo, Guató, Botocudo, Mashacalí,
Pancararú, Pimenteira, Cariri, Patashó, Malalí, Guaitaca, Fulnio, Purí-Cororado, e
'Tapuya'", embora se apresse em sublinhar a diversidade cultural desses povos
(:381). Com efeito, as pesquisas posteriores virão confirmar a rara coincidência,
verificada no caso dos Jê, entre unidade linguística, geográfica e cultural, e a
própria categoria "Tapuya" se verá de certo modo justificada no plano linguístico
pela identificação do tronco Macro-Jê. Mas se noção da unidade cultural dos antigos
Tapuya continuará assim marcando de alguma forma a reflexão etnológica sul-
americana, a questão do "primitivismo" desses grupos se torna a partir de
Nimuendajú objeto de viva controvérsia, em particular diante da intensa
elaboração, simbólica e institucional, que os princípios da "organização dualista"
demonstram receber entre eles.
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Cap.1 — Culturas marginais
8 Na mesma época, aparecia também o livro de Jules Henry (1941), antropólogo americano
treinado em Columbia por Boas e R. Benedict, sobre os "Kaingang" (Xokleng) de Santa
Catarina, grupo jê meridional, baseado em pesquisa desenvolvida nos início dos anos 30.
9 Embora, como nota Stocking (1976:19), a influência dos materialismos e dos
(neo evolucionismos de Steward e White seja fundamentalmente um fenômeno do pós-
guerra, estas perspectivas tiveram um papel essencial na "digestão" do material de
Nimuendajú: como veremos, será no contexto do projeto do HSAI, dirigido por Steward, que
os Jê de Nimuendajú adentrarão plenamente a cena americanista.
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Cap.1 — Culturas marginais
foco das obras em questão, deve algo também aos próprios jê (cf. Melatti 1985:20)
— e isto, sim, será de nosso interesse.
"It is erroneous to picture the Gê generically as hunters and gatherers, with at best
an occasional group adopting a little cultivation under Tupi influence. Actually, not a
single Akwë or Timbira-Kayapó tribe failed to farm: and as to the latter, at least, I
am convinced that they learnt nothing from the Tupi about agriculture." (Nimuendajú
1946:57).
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Cap.1 — Culturas marginais
teria sido uma atividade economicamente ainda mais importante que entre seus
congêneres orientais, e de longa data, como testemunharia o registro de suas
extensas plantações de mandioca no final do século XVIII por Villa Real (1939:3,
87-91). Sua orientação ribeirinha destoa também daquela dos demais Jê: única
tribo timbira a fabricar canoas de ubá, similares às dos Karajá ou Guajajara (:3-4),
distinguiriam-se também por preferir construir suas aldeias nas proximidades de
um curso d'água importante, embora tivessem sempre evitado situá-los
diretamente nas margens do Tocantins (:16). Nimuendajú considera que a arte da
navegação tenha sido obtida por eles de seus vizinhos Karajá.
But the innovation failed to transform their genuine steppe-dwellers character; and
when colonization along the larger rivers pushed them away from the banks they
discarded navigation without any noticeable economic danger to themselves.
(Nimuendajú [1939]1967:4).
Este "caráter genuíno" seria mais claramente ilustrado pelos Xerente, que
afirmavam proceder de regiões orientais na direção do São Francisco, e guardariam
a memória das condições rigorosas de um território mais exposto às vissicitudes da
seca, sob a forma de sua cerimônia mais importante, a do Grande Jejum
(1942:93). Sua familiaridade com a mandioca seria possivelmente mais recente do
que a de seus congêneres setentrionais, pois o termo com que estes últimos se
referiam à planta não era o mesmo utilizado pelos Xerente (1946)11. Não obstante,
a horticultura aparece a Nimuendajú como uma das duas atividades de
subsistência (a outra sendo a caça) de maior importância para a sustentação de
um lar tradicional xerente (1942:33). O modo como o cultivo do milho, em
particular, estava ligado à organização cerimonial através das sociedades
masculinas, responsáveis tanto pela abertura das roças quanto pela colheita do
produto, era um testemunho dessa importância (1942:33, 62; 1939:411).
11 Nimuendajú (1942) não registra a palavra xerente para mandioca, mas na versão em
português de Os Timbira Orientais inclui um longo parágrafo sobre o kupá onde nota que os
Xerente chamam-na por este nome, denominando o kupá timbira de kupaitiré (1944:67-68).
Segundo Flowers (1994:253) von Martius já mencionara esse uso xerente de kupá para a
mandioca, que os Xavante atuais chamam upá. Segundo Nimuendajú, o cultivo do kupá
pelos Timbira (que disporiam inclusive de cerimônia associada a esta planta) devia-se mais
ao respeito à tradição que a sua importância econômica. O kupá foi identificado por Posey
como Cissus gonglyloses, do qual os Kayapó cultivariam 4 variedades. Diz Flowers: "It
seems possible that the Xavante/Xerente, when introduced to manioc, used for it the term
for the cultigen with which they were more familiar" (:253).
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One of the most characteristic features of Timbira culture — in the native's own
opinion — is the circular village plan. So long as their aboriginal life retains a spark of
vitality they cling to this mode of settlement, which is most intimately bound up with
their socioceremonial organization. Notwithstanding their ignorance of Indian usage,
the Baptist missionaries in Brazil correctly recongnized the social significance of this
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feature and did their utmost to effect its abandonment; for as long as it survives the
ancient social order, too, lives on, and within that there is no place for missionaries.
(:37 — ênfases minhas).
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