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Ensaio sobre a sociedade e as culturas dos chimpanzés

Revista de Etologia 2004, Vol.6, N°2, 101-117

Os Parentes de Nossos Parentes: Um Ensaio Sobre a Sociedade e


as Culturas dos Chimpanzés sob uma Perspectiva Antropológica

ELIANE SEBEIKA RAPCHAN


DCS - Depto. de Ciências Sociais/UEM - Universidade Estadual de Maringá

Análises comparativas do comportamento em populações de chimpanzés revelaram a existência de variabili-


dade assim como de homogeneidade, entre os grupos levando pesquisadores a afirmar que existem “culturas
de chimpanzés”. Os resultados dessas análises podem produzir um forte impacto sobre as idéias correntes
acerca das relações entre natureza e cultura. O presente texto apresenta uma discussão a respeito da noção
de “culturas de chimpanzés” à luz da antropologia sociocultural, apontando possibilidades e limites. A pers-
pectiva antropológica pode estimular a reflexão sobre a relevância do método sobre o dado, a idéia de totali-
dade, a construção da alteridade, a questão do significado nas pesquisas sobre comportamento de chimpan-
zés ou a importância da organização social nas concepções de cultura.
Descritores: Comportamento Social. Cultura. Antropologia. Chimpanzés.

Relatives of our relatives: an essay about the society and the cultures of chimpanzees from an anthropological
perspective. Comparative analyses of the behavior of chimpanzee populations have revealed the existence of
intergroup variability as well as commonality and has given some researchers support to affirm the existence
of “chimpanzee cultures”. Such analyses may generate a strong impact on current ideas about the relation-
ship between nature and culture. In the present paper, I presents some thoughts about the notion of
“chimpanzee cultures” from a sociocultural, anthropological point of view, indicating limits and perspectives.
Anthropology may stimulate reflection about: the impact of method on the nature of data, the idea of totality,
the construction of otherness, the question of meaning in research about the behavior of chimpanzees and
the relevance of social organization for the conception of culture.
Index terms: Social Behavior. Culture. Anthropology. Chimpanzees.

Em 1947, Claude Lévi-Strauss publicou que a cultura não pode, pura e simplesmente,
As Estruturas Elementares do Parentesco, um tra- ser justaposta ou superposta à vida pelos antro-
balho que tornou-se leitura indispensável para pólogos ou pela antropologia. Natureza e cul-
qualquer antropólogo, seja por seu impacto, seja tura são concebidas pelo autor em íntima rela-
por seu propósito: refletir sobre as relações en- ção. Por vezes, até confundem suas fronteiras,
tre natureza e cultura à luz de questões relati- pois as estruturas que as orientam estão cons-
vas ao tabu do incesto e das estruturas de pa-
rentesco, a partir de uma perspectiva, Esse artigo é um dos produtos do projeto de pesqui-
simultaneamente localista e universalista. Nes- sa “Noções de Cultura: Antropologia e Pesquisas
sa obra, o autor (Lévi-Strauss, 1947/1982) assi- Comportamentais Sobre Primatas Superiores - Uma
nala um dos aspectos marcantes de seu pensa- Abordagem em Antropologia do Conhecimento” de-
mento: a percepção da fluidez das fronteiras senvolvido com Apoio do CNPq na modalidade Apoio
entre o homem enquanto ser biológico e en- à Pesquisa (APQ) Proc. 471037/2001-0 de Dezembro/
quanto ser social, o que o levou a considerar 2001 a Dezembro/2003. Em sua elaboração, de ma-
neiras distintas, pude contar com as colaborações de
César Ades (IP-USP), Renato da Silva Queiroz
Eliane Sebeika Rapchan, DCS - Depto. de Ciências (FFLCH-USP), Walter Neves (IB-USP) e com a leitu-
Sociais/UEM - Universidade Estadual de Maringá, ra crítica de um parecerista anônimo da Revista de
Av. Colombo, 5690 - Maringá - PR - 87020-900. E- Etologia. Além disso, o diálogo com Alexandre Locci
mail: elianesebeika@yahoo.com.br Martins, como sempre, apontou novos olhares.

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tantemente submetidas a sistemas de transfor- apesar dos registros de alguns comportamentos


mação (Almeida, 1990), mas seguem sendo, sugerindo semelhanças com os humanos.
enquanto dualidade, distintas e singulares A
facetas do humano (Hénnaff, 1991). A reflexão sobre as relações natureza/cul-
Para Lévi-Strauss (1947/1982, pp.43-44), tura levou Lévi-Strauss a associar a emergência
a mais visível antinomia entre natureza e cultu- dos mecanismos de controle simbólico dos ins-
ra manifesta-se na comparação entre os com- tintos, em especial o tabu do incesto, à emer-
portamentos animal e humano pois, de acordo gência da sociedade e da cultura humanas. O
com os dados de que dispunha à época, uso de sistema de parentesco, universal enquanto ins-
instrumentos, instituições sociais e valores esté- tituição e específico nas regras reproduzidas por
ticos, morais e religiosos eram todos de domí- cada grupo, define os parentes (aqueles com
nio exclusivamente humano. Ele classifica os quem se deve cooperar) e os não-parentes (aque-
instintos (tais como o de perpetuação da espé-
cie por meio do sexo), a anatomia que permite estabelecer alianças inter-familiares). '
les com quem se deve casar e, por esse meio,

o exercício desses instintos e a transmissão he-


reditária de condutas indispensáveis à sobrevi- Assim, através do estabelecimento de re-
vência do indivíduo e da espécie como fatores gras que definem quais relações são incestuosas
que dizem respeito ao comportamento animal, e quais são preferenciais, a rede de alianças en-
humanos incluídos. tre famílias é tecida e acaba por constituir a pró-
pria sociedade. Sua teoria do parentesco, asso-
O esforço de reflexão sobre as relações
B
ciada a explicações sobre o tabu do incesto,
identifica em todos os grupos humanos uma
natureza/cultura conduziu, ainda, Lévi-Strauss
relação dialética com sua natureza e sua cultura
(1947/1982, pp.44-47) a considerar os resulta-
(Lévi-Straus, 1947/1982, 1993) e é impossível
dos das pesquisas realizadas sobre chimpanzés
tratar das relações natureza/cultura na antro-
à época da produção de As Estruturas Elementa-
pologia sem considerá-la.
res do Parentesco. Suas interpretações sobre o que,
então, se sabia sobre linguagem, vida social e
vida sexual dos chimpanzés, somados a alguns
dados sobre outros primatas, levaram-no a con-
'
Para a antropologia, o debate Natureza/
Cultura expressa, entre outras coisas, seus es-
forços em garantir as fronteiras de sua identi-
cluir em favor da inexistência de normas que
dade. Em torno dele, antropólogos sociais e
pudessem orientar a conduta dos chimpanzés.
culturais buscaram, pouco a pouco mas rigoro-
Como se verá adiante, até os anos sessenta, isso
samente, distinguir os fenômenos humanos, que
era corrente também entre os primatólogos
lhes dizem respeito, dos fenômenos biológicos.
(Reynolds & Reynolds, 1965).
Paralelamente, a antropologia física sob influ-
ência do darwinismo social (Blanc, 1975; Kuper,
Segundo o autor (Lévi-Strauss,1947/ 1996; Stocking, 1982) amargou seus erros
1982, p.47), a universalidade remonta à espé- (Lewis, 2001) e foi sucedida pela antropologia
cie e, portanto, ao biológico, ao que é inato, à biológica, que tem seguido seus próprios rumos
condição humana. O específico é produto da (Rodman, 1999), estabelecendo relações de ou-
experiência e da cultura. Como herdeiro das tra ordem com as idéias evolucionistas.
idéias da École Sociologique Française, Lévi-Strauss
busca as regras sociais. Para ele, a norma, a re-
O curioso é que a construção da antro-
gra estariam no plano da singularidade, da
pologia social e cultural como disciplinas total-
especificidade, da cultura de determinado gru-
mente autônomas frente às ciências naturais
po. Desse modo, a constatação da ausência de
encobriu, inclusive, o fato de seus “pais funda-
regras de conduta entre os chimpanzés nos tra-
dores”, Boas (1940), Lewis, (2001), Malinowski
balhos consultados levou Lévi-Strauss, na déca-
(1978), Mauss (1947/1967, 1974), Hertz e o já
da de quarenta do século XX, a recusar a exis-
mencionado Lévi-Strauss (1947/1982), não te-
tência de algum comportamento nos
rem ignorado as condições postas às culturas
chimpanzés que pudesse, de algum modo, re-
pela espécie, pelo ambiente, pelos corpos e pe-
meter a uma expressão aceitável de cultura,

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las mentes de seus membros (Castro, 1995). Lévi- O debate sobre a importância da experi-
Strauss (1993, p. 26) afirmou, certa vez, que a ência no comportamento animal está em expan-
antropologia social “(...) pertence às ciências são, seja para primatas não-humanos (McGrew,
humanas, seu próprio nome o proclama; mas, 1998; Visalberghi & McGrew,1997), seja para
se ela se resigna a fazer seu purgatório junto às pássaros, peixes e cetáceos (Henrich &
ciências sociais, é porque espera acordar entre McElreath, 2003). Apesar de nem todos os pes-
as ciências naturais na hora do juízo final.” quisadores dedicados ao estudo do comporta-
mento concordarem que existam evidências
Na prática, desde que o paradigma asso- suficientes para se afirmar a existência de cul-
ciado ao evolucionismo cultural e ao darwinismo tura em seres não humanos (Hrdy, 2001; Galef,
social mostrou-se impróprio e foi aos poucos 2002; Mithen, 2002; Tuttle, 2001), é ampla a
descartado (Kuper, 1996), poucos são os antro- aceitação, por exemplo, da existência de orga-
pólogos, forjados no interior das ciências sociais, nização social.
como Asquith (1995), De Vore (1965), Ingold
(1996), Kuper (1994) e Sperber (1985) que têm
Influenciada por princípios evolucionis-
refletido sobre as relações entre biologia e an-
tas, a abordagem fundada na continuidade en-
tropologia, entre espécie humana e cultura.
tre espécies, que adota os estudos comparativos
Esse artigo ocupa-se com um dos aspec- inter-específicos como procedimento padrão
tos dessa questão. Há mais de quatro décadas, (Pavelka, 2002), tem sugerido a existência de
observa-se uma significativa emergência de tra- cultura entre chimpanzés bem como entre ou-
balhos sobre conjuntos de comportamentos de tras espécies de primatas não-humanos
primatas não-humanos que têm utilizado ter- (McGrew, 1998), como o bonobo (Stanford,
mos e expressões típicos das ciências sociais, tais 1998a). Na mesma direção, há referências à vida
como “cultura”, “poder”, “relações sociais” e social dos gorilas (Yamagiwa, 1999) e à existên-
“tradições”. O objetivo do trabalho é refletir cia de tradições entre orangotangos (Schaik,
sobre a produção dedicada ao comportamento 2001). No Novo Mundo, sobre o gênero Cebus,
de chimpanzés, particularmente nos aspectos encontra-se um corpo de literatura sobre tradi-
que têm sido caracterizados como sociais e sua ções comportamentais com respeito a forragea-
relação com o que tem sido chamado de “cultu- mento e uso de ferramentas (Boinski, Quatrone,
ras dos chimpanzés”, considerando contribui- & Swartz, 2000; Fragaszy, 2003; Jalles-Filho,
ções que o pensamento antropológico possa tra- Cunha, & Salm, 2001; McGrew, 1998; Ottoni &
zer e receber. Mannu, 2001; Visalberghi & Robinson, 1990;
Visalberghi & McGrew, 1997).
Esses indícios confirmam o fato de que
Por que chimpanzés? os primatólogos não pretendem legar aos chim-
panzés um lugar especial devido à sua proximi-
É preciso apresentar os parâmetros que dade e semelhança com os humanos. Não há,
justificam o enfoque e recorte adotados, pois o entre esses pesquisadores intenções em privile-
material produzido sobre comportamento de giar os chimpanzés, frente a outros primatas,
primatas não-humanos não se restringe aos chim- devido à grande proximidade entre as seqüên-
panzés, nem ao grupo dos chamados “primatas cias do DNA humano e chimpanzé. Em que
antropóides superiores” (apes): bonobos, chim- pesem os debates recentes acerca dos
panzés, gorilas e orangotangos (Perry & Manson, percentuais dessa semelhança, dispersos num
2003). Para constatar isso, basta observar o pro- gradiente de 98,5% (Hrdy, 2001, p. 412) a 95%,
grama de eventos científicos como, por exem- quando se considera a partilha exata de pares
plo, a American Society of Primatology divulgado de cromossomos em ambas as espécies (Britten,
pelo American Journal of Primatology (1999, 2000, 2002), há grande consenso de que chimpanzés
2001, 2002), o balanço do International Symposium e bonobos sejam nossos parentes mais próxi-
“Recent Trends in Primate Socioecology” (Huffman mos. Contudo, o debate sobre culturas chim-
& Yamagiwa, 1999) ou o perfil da produção re- panzé está na base de um movimento maior que
cente e especializada. provavelmente influenciará as concepções sobre

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o humano, a partir da descoberta da importân- al., 1999; Wrangham et al., 2001; Wrangham &
cia central dos fenômenos extragenéticos no pro- Peterson, 1996; Whrangham & Huffman, 1994).
cesso de evolução dos primatas. Há excessões (ver Mason, 2002).
Apesar disso, os chimpanzés são a espé- A produção dos etólogos sobre chimpan-
cie não-humana mais estudada quando o assun- zés, e sobre primatas em geral, não se concen-
to é cultura. Segundo McGrew (1998, p. 309), tra exclusivamente nas relações entre genética
dentre as abordagens orientadas para o fenô- e comportamento. Muitos dos trabalhos atuais,
meno “cultura” na ordem dos primatas, de acor- orientados pela coleta de dados a partir de ob-
do com publicação de 1997 do Primate Information servação, tratam de condutas, soluções adotadas
Center sobre a produção bibliográfica do período para problemas, recorrências, repasse inter-
de 1986-1997, 80% do total era dedicada a cinco geracional de conhecimento e inter-relações
gêneros: Cebus, Gorilla, Macaca, Pan e Pongo. Des- entre membros do mesmo grupo, espécie ou
ses, 52% referiam-se aos chimpanzés, Pan espécies distintas. Nesse sentido, em etologia,
troglodytes. Por essa razão, as reflexões desse arti- as fronteiras entre o que se entende por “inato”
go voltam-se para o material produzido sobre com- e “adquirido” têm se tornado cada vez mais flu-
portamento de chimpanzés. Não se trata de ídas (Skrzypczak, 1996).
priorizá-lo simplesmente pelas semelhanças ge-
néticas, produzindo a falsa premissa de que a O volume de dados atualmente disponí-
proximidade genética com os humanos os tor- vel sobre comportamento de chimpanzés em
naria, de alguma forma, “singulares”, mas por- seus habitats originais africanos (McGrew, 2001;
que, como se diz sobre alguns temas da antro- Tomasello, 2001) corresponde a quase cinqüenta
pologia, chimpanzés, considerando o volume e anos de observação continuada, troca entre os
tipo de dado disponível atualmente, bem como pesquisadores envolvidos, pesquisas conjuntas
as questões que os pesquisadores têm colocado e acompanhamento de chimpanzés identifica-
sobre isso, são coisas “boas para pensar”. dos (Goodall, 1990, 2000, 2001). Há dados pu-
blicados sobre mais de trinta e cinco popula-
Por isso, em que pesem as pesquisas em ções da África subsaariana, do Senegal até
biologia molecular, questionando a singularida- Uganda (McGrew, 1998, p. 317), sem falar dos
de dos humanos enquanto espécie (Foley, 1993) dados coletados em habitats artificiais como par-
e o debate radical entre Seymour Benzer ques, zoos e laboratórios para experimentos em
(Greenspan, 1997), defendendo a existência de cognição (Böesch & Tomasello, 1998; De Waal,
conexões possíveis entre genes e comportamen- 2001a; Fouts, 1998; McGrew, 1998; Parr & De
to, veementemente recusada por Richard Waal, 1999).
Lewontin (Lewontin, Rose, & Kamin, 1984;
Weiner, 2001), é inegável que o comportamen- O tipo de dado coletado também é rele-
to, seja de humanos, seja de outros primatas, é vante. Provavelmente os estudiosos do compor-
engendrado por variáveis, tais como a interação tamento de chimpanzés foram os primeiros a
com seus semelhantes e as condições ecológi- utilizar os termos das ciências sociais - “poder”
cas, de modo que os resultados se multiplicam, e “cultura” - para caracterizar fenômenos do
amplificando o número de variáveis a serem comportamento. “Culturas de chimpanzés” são
analisadas e gerando pluralidade. concebidas como tradições comportamentais
ontogeneticamente adquiridas (Tomasello,
2001, p. 301), frutos das capacidades dos indi-
Isso é perceptível nos trabalhos sobre víduos, mas também de seu meio natural e soci-
comportamento animal, mesmo enfocando ape- al, bem como de suas experiências e interações
nas os dedicados aos chimpanzés (Böesch & com ambos, resultando no repasse desses com-
Tomasello, 1998; Brosnan & De Waal, 2003; De portamentos através de gerações, pelo que tem
Waal, 2001; Fouts, 1998; Goodall, 2000; Hrdy, sido definido como “tradição” (Fragaszy, 2003;
2001; Mason, 2002; McGrew, 2001a, 2001b; Nishida, 1987)
Nishida, 2001, 1987; Rumbaugh et al., 2001;
Stanford, 1998a; Tomasello, 2001; Whithen et

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Tais tradições são transmitidas no interi- Há várias expressões correntes que atri-
or do grupo em que são produzidas. Como isso buem dimensão social à conduta dos chimpan-
se dá é objeto atual de pesquisas e debates pois zés: “social behavior” (American Association of
transmissão implica cognição e relações ensino- Primatologists, 1999, 2000, 2001, 2002; Rodman,
aprendizado que mobilizam processos de imi- 1999, pp.323-325), “social systems” (Rodman, 1999,
tação, facilitação da observação e do aprendiza- pp.320-323), “social relationship”(Baker & Smuts,
do e atitude intencional de ensinar (Boesch & 2001), “social mechanisms”(De Waal, 2000), “soci-
Tomasello, 1998; Fragazsy, 2003; Galef, 1992, al learning” (Böesch & Tomasello, 1998), “primate
2002; Henrich & McElreath, 2003). society” (Rodseth et al., 1991). Mas, enfim, o que
caracteriza uma população chimpanzé como um
Os pesquisadores identificaram, também, grupo social, para os estudiosos do comporta-
pluralidade e variabilidade nessas tradições. mento animal?
Aqui a novidade reside no fato de que, mesmo
em ambientes ecologicamente iguais ou muito R. L. Garner, em 1896, realizou um dos
semelhantes, há indícios de que populações dis- primeiros trabalhos de observação orientada
tintas de chimpanzés podem manifestar com- sobre chimpanzés e gorilas na África para a New
portamentos distintos (Boesch & Tomasello, York Zoological Society (Reynolds & Reynolds
1998; Wrangham, 2001). Daí se falar em “cul- 1965, p. 394). Seu relatório informa que os gru-
turas dos chimpanzés”, no plural, e não em “cul- pos são instáveis, há uma aparente ausência de
tura dos chimpanzés”. organização social, promiscuidade sexual, fal-
tam hierarquias que os regulem. Em outras pa-
Por essas razões, caso os argumentos em lavras, Garner não reconhece indícios de qual-
favor da existência das “culturas dos chimpan- quer estrutura ou padrão que oriente as condutas
zés” se tornem satisfatórios, e certamente há (Reynolds & Reynolds, 1965, pp. 407-408; 420;
muito que se discutir antes disso, não só as ci- 423-424).
ências sociais, mas também as ciências biológi-
cas terão que rever seus paradigmas, pois cer- Toshisada Nishida desenvolve, desde
tamente o papel de disciplinas como as 1965, trabalho no Parque Nacional das Monta-
antropologias social e cultural, nesse processo, nhas Mahale e é um dos pesquisadores que, ao
não se restringem ao simples fornecimento de lado de Christophe Böesch e Edwiges Böesch,
termos e nomes para fenômenos, tais como “cul- desde 1976 na Floresta de Taï na Costa do Mar-
tura”, “tradição” ou “organização social”. fim, e Jane Goodal, no Parque Nacional de
Gombe na Tanzânia desde 1960, soma o maior
tempo continuado dedicado aos chimpanzés na
África (Goodall, 2001, pp. xv-xvii). Os trabalhos
Sobre alguns aspectos da organização desses pesquisadores marcam o início do cha-
social dos chimpanzés mado período moderno nas pesquisas.

Do ponto de vista das ciências sociais, re- Daí em diante, basta consultar algumas
lações sociais e cultura não são aspectos inde- coletâneas, para se ter uma idéia do volume de
pendentes da vida coletiva. Ao contrário, estão pesquisas já produzidas sobre comportamento
intimamente relacionados, de um modo tal que social de chimpanzés. Some-se isso às referên-
os símbolos culturais são produtos das relações cias obtidas em outras fontes e chega-se facil-
sociais e servem para garantir sua reprodução. mente à casa das centenas. Nos anos sessenta,
Por essa razão, observar o que os pesquisadores Altmann (1967), De Vore (1965), Jay (1968) e
do comportamento de chimpanzés têm levan- Southwick (1963), citados por Rodman (1999,
tado sobre sua vida coletiva pode fornecer ele- p. 313) produziram coletâneas das primeiras
mentos importantes para se analisar as “cultu- descrições do comportamento social de primatas
ras dos chimpanzés”. não-humanos. Depois deles, Primate Societies

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(Smuts et al.,1987), Primate Social Conflict (Mason Na África, as populações chimpanzé or-
& Mendoza, 1993), Chimpanzee Cultures ganizam-se em unidades de 19 a 106 membros,
(Wrangham et al., 2001) são algumas das publi- cada qual formada por vários machos e fêmeas.
cações que podem fornecer acesso a uma amos- Os sexos adotam estratégias reprodutivas diver-
tra da produção sobre sociedades chimpanzé em sas no interior do mesmo grupo. O padrão
décadas mais recentes. fissão-fusão é freqüente, bem como a filopatria,
as fortes tendências territorialistas (Yamagiwa,
Nishida foi pioneiro na proposição de um
1999, p. 93).
modelo para os grupos de chimpanzés
(Stanford, 1998a, p. 400). Antes disso, a concep-
ção vigente era de que relações entre indivídu-
os chimpanzés davam-se em fluxo constante
Comportamento social e cultura
(Stanford, 1998a, p. 400) e não constituíam um
grupo estabelecido sobre relações regulares. Foi Whiten et al. (1999, 2001) apresentaram
ele quem propôs, para os chimpanzés, o mode- uma tipologia dos comportamentos de chimpan-
lo da “grupo unitário” (“unit-group”) que os pes- zés em Bossou - Guiné, Floresta de Taï - Costa
quisadores ocidentais rebatizaram com o nome do Marfim, Gombe - Tanzânia, Mahale (Grupo
“comunidade” (“community”) (Stanford, 1998a, M) - Tanzânia, Mahale (Grupo K) - Tanzânia,
p. 400). Stanford (1998a, p. 400) explica que, Floresta de Kibale - Uganda, Floresta de
segundo esse modelo, o grupo possui uma es- Budongo - Uganda (Whiten et al. ,1999, p. 683),
trutura abrangente, da qual fazem parte, baseada em extensa revisão da literatura espe-
indiferenciadamente, todos os chimpanzés a ele cializada. Os autores registraram indicações de
pertencentes. 39 padrões de comportamento, definidos como
No interior do grupo, o primeiro padrão “costumeiros”, quando observados em todos ou
de agrupamento estável identificado foi o for- nos membros fisicamente capacitados, segundo
mado por mães e seus filhotes dependentes. características de sexo, idade e classe; e “habi-
Para além dessa unidade, o grau de mobilidade tuais”, observados repetidamente em vários in-
é maior, e os indivíduos podem agregar-se ao divíduos e consistentes com algum tipo ou grau
grupo ou deixá-lo, o que fez com que os pes- de transmissão social (Whiten et al., 1999, p.
quisadores passassem a identificá-lo como uma 682), além das categorias “presente” (present) não
sociedade de fusão-fissão (expressão tomada da sendo habitual nem costumeiro, “ausente”
caracterização de Kummer [1968] para o (absent ), “explicação ecológica” (ecological
babuíno Papio hamadryas) (Stanford, 1998a, p. explanation) cuja ausência é explicada por varia-
400). Segundo, ainda, Stanford (1998a, p. 400), ções ambientais e “desconhecida” (unknow). Esse
esse modelo caracteriza os grupos de chimpan- inventário é freqüentemente apresentado como
zés como marcados por fortes vínculos sociais referência em outros trabalhos.
entre machos. Essas alianças desempenham pa-
pel central na proteção das fronteiras de seu ter- No entanto, abordagens comparativas de
ritório e no controle das fêmeas. McGrew (1998) largo alcance sobre comportamento de chim-
indica que foi Goodall quem percebeu que ape- panzés, como as de Whiten et al. (1999, 2001),
nas as fêmeas mudam de grupo (ver também concentram-se na utilização daquilo McGrew
Yamagiwa, 1999, pp. 92-93). (1996) chamou de “cultura material”, transfor-
Goodall sugeriu posteriormente que há mação e uso de materiais para obter alimento
três tipos de laços fortes entre chimpanzés. Em ou conforto, e em alguns gestos padronizados.
gradação, do mais forte ao mais fraco: as rela- Assim, Whiten et al. (1999) relacionam, por
ções mães/filhotes, que se estendem, inclusive, exemplo, o uso de ferramentas: martelos e bi-
à vida adulta, seguidas pelas relações entre fê- gornas de pedra; varas para obter formigas,
meas aliadas (parentes ou não, que podem, in- cupins ou mel; almofadas, sandálias, luvas, pra-
clusive atuar como alomães (Hrdy, 2001)) e en- tos, canecas e guardanapos feitos de folhas; es-
tre machos (irmãos ou aliados) (Goodall, 1991, petos; uso de plantas para fins medicinais, como
pp. 203-205). remédios para dor de barriga, bem como as
práticas do “hand clasp”, “Knuckle-knok”, “Branch

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din”, “Branch-slap”, “Stem pull-trough”, “shrub- estratégias de caça, construção de ninhos e o uso
bend” e a “Rain dance”, talvez o comportamento de plantas medicinais. Em “relações sociais” en-
mais polêmico. contram-se trabalhos sobre comportamento se-
Em direção semelhante, Böesch e xual bonobo sem fins reprodutivos, variabilida-
Tomasello (1998, p. 593) propuseram uma clas- de de estratégias reprodutivas, a prática do
sificação um pouco distinta, separando os com- grooming, atitudes pacificadoras em conflitos,
portamentos em “forrageamento com uso de relações entre fêmeas e potencial adaptativo. A
ferramentas”, “comunicação” e “orientação cor- seção dedicada à “cognição” trata de compreen-
poral”, mas os tipos de comportamento classifi- são, cultura, raízes biocomportamentais da lin-
cados permaneceram basicamente os mesmos, guagem, diferenças individuais em habilidades
ou seja, objetos e gestos restritos garantem o cognitivas e uso de ferramentas.
critério de restrição das variáveis analisadas. São
os aspectos relacionados à aquisição, transmis- Diante disso pode-se perguntar: por que
são e variabilidade observáveis nessas variáveis comparações de comportamento em larga esca-
que têm sido utilizados como os argumentos la, como mostram os trabalhos de Whiten et al.
mais fortes em favor da existência de “culturas (1999, 2001) e Böesch e Tomasello (1998), con-
dos chimpanzés”. centram-se nos dados “cultura material” e num
elenco restrito de gestos? Uma das poucas ex-
ceções a esse procedimento foi o trabalho de
Do mesmo modo, Chimpanzee Cultures
Rodseth et al. (1991), produzido, aliás, há mais
(2001), é o resultado do exercício comparativo
de dez anos. O texto apresenta, justamente,
e das discussões realizadas pelos pesquisadores
exercícios de socioecologia comparativa
participantes nos dois simpósios “Understan-
(Rodseth et al., 1991, p. 223-226) com o intuito
ding Chimpanzees”, organizados em 1986 e
de promover um diálogo com a antropologia
1991 pela Academia de Ciências de Chicago
social, via Lévi-Strauss, a fim de pensar a comu-
(Heltne ,2001), um trabalho representativo dos
nidade humana como uma sociedade primata.
debates e abordagens atuais sobre o tema das
culturas dos chimpanzés. Eduardo Ottoni (co-
municação pessoal em 27 de maio de 2004) in- Ou seja, ao contrário do que ocorre nas
formou que, de fato, ocorreram três simpósios ciências sociais, pouca atenção tem sido dada às
com o mesmo objetivo, sendo o último coinci- relações sociais no que se refere às abordagens
dente com as homenagens prestadas a Jane sobre culturas dos chimpanzés. Apesar de
Goodall por seu trabalho entre os chimpanzés enfocar os aspectos relacionados à aquisição,
de Gombe. transmissão e variabilidade, os pesquisadores
operam, principalmente, nos âmbitos da pro-
dução e uso de ferramentas, dos aspectos eco-
A coletânea representa os esforços em
lógicos e da cognição. São raras as análises com-
produzir um arcabouço comum para caracteri-
parativas sobre relações sociais a fim de atingir
zação dos resultados das pesquisas e, ao mesmo
as manifestações culturais.
tempo, a gradual padronização dos procedimen-
tos adotados em campo (Heltne,2001, p.xix). A questão é que, do ponto de vista das
Sua proposta é apresentar evidências da ocor- ciências sociais, o engendramento da cultura
rência de aquisição, variabilidade e transmissão depende profundamente das relações sociais em
de comportamentos duráveis e generalizáveis seu conjunto. A cultura material ou a unidade
em populações chimpanzé distintas, mas não familiar, separadamente, são aspectos da vida
apresenta comparações entre esses comporta- social que, aliás, não existem isoladamente. É
mentos em larga escala. até possível tomá-los separadamente, e momen-
taneamente, por estratégia de pesquisa, mas
Todo o material está classificado em três enquanto fenômenos, sociedades e culturas
grandes seções: ecologia, relações sociais e humanas operam integrando todas suas dimen-
cognição. A abordagem dedicada à “ecologia” sões simultaneamente.
contempla o uso de ferramentas, alimentação,

107
Eliane Sebeika Rapchan

A ênfase nos aspectos que definem o que Tomasello, 1998). Contudo, apesar dos registros
se entende por cultura dos chimpanzés, susten- acerca da variabilidade de comportamentos para
ta-se menos nos padrões de organização social cada diferente grupo de chimpanzés (McGrew,
e mais em aspectos da “cultura material” e dos 1998; Whiten et al., 1999; Wrangham &
gestos e atitudes, cujas características podem ser Peterson, 1996, pp. 19-22; Wrangham et al.,
circunscritas através de um grau relativamente 2001), não há indícios consistentes de que chim-
alto de precisão. Isso pode ocorrer porque esses panzés adultos transmitam direta e intencional-
últimos dados são mais facilmente organizáveis mente informação para seus filhotes (Böesch &
e manipuláveis, enquanto que os dados sobre Tomasello, 1998; McGrew, 1998, p. 322). O tra-
comportamento social, como as relações mães- balho de Christophe Böesch (1991), que des-
filhotes por exemplo, implicam na utilização de creve mães chimpanzé em atividade de quebrar
um número muito grande de variáveis, o que castanhas com seus filhotes, é freqüentemente
apresenta enormes dificuldades de comparação, citado para exemplificar essa questão pois, se-
nos moldes comparativos que os estudos atuais gundo o pesquisador, apesar das atitudes da mãe
sobre comportamento de primatas costumam no sentido de facilitar o aprendizado, não foi
usar. São relativamente raras as iniciativas de possível registrar qualquer atitude que indicas-
comparação de grupo a grupo sobre comporta- se intenção de ensinar.
mentos fundados em inter-relações chimpanzés O contra-argumento dos etólogos é que,
(Baker & Smuts, 2001). em se tratando de culturas humanas, muito do
Em resumo, cientistas sociais primam pela que se aprende não passa pelos canais de ensi-
apreensão da totalidade da população estudada no sistemático (McGrew, 1998, p. 322). Enquan-
e, por isso, operam com muitas variáveis que, to isso, ao lado da maior parte dos cientistas
aliás, são flutuantes: história, dados populacionais sociais, primatólogos como Galef (1992, 2002),
e econômicos, relações indivíduo/coletivo, insti- Hrdy (2001) Tuttle (2001) permanecem céticos,
tuições, movimentos sociais, universo simbólico aceitando a possibilidade de existência de orga-
são dimensões em que os dados não são trata- nização social mas aguardando mais evidências
dos separadamente, mas de modo integrado a sobre existência de culturas dos chimpanzés.
fim de oferecer pistas à compreensão do todo.
Cientistas naturais, por sua vez, procuram res- Sendo assim, cabe apresentar outra ques-
tringir as variáveis para poder controlar suas tão: os aspectos isolados da vida coletiva dos chim-
correlações, o que favorece tratamentos estatís- panzés são resultado dos recortes dos pesquisa-
ticos e comparações inter-específicas. Cada in- dores ou se apresentam assim, enquanto
formação é classificada sob uma definição sufi- fenômeno?
cientemente restrita, mas geral em sua aplicação, O arqueólogo evolucionista Steven Mithen
a fim de facilitar o manuseio de dados e resulta- (2002) defende a segunda possibilidade e ofere-
dos. ce interpretações distintas para as evidências que
A outra pergunta que, então, destaca-se têm sido interpretadas pelo viés da cultura dos
daí é: Será que as práticas correntes de coleta e chimpanzés. Ao contrário dos pesquisadores que
tratamento de dados sobre primatas podem dar adotam a perspectiva da existência de culturas
conta de comportamentos complexos, sutis e dos chimpanzés, Mithen acata a possibilidade de
dinâmicos? Ou será preciso valer-se de outros existência de tradições entre grupos chimpan-
meios? A saída que a antropologia sociocultural zés, com relação por exemplo ao uso de instru-
adotou, para lidar com muitas variáveis com- mentos ou ferramentas, porque as “diferenças
plexas, dinâmicas e históricas, na abordagem de (entre grupos distintos) não podem ser explicadas
populações humanas, foi a prática etnográfica. apenas por argumentos genéticos ou ecológicos”
Essa questão será retomada adiante. (Mithen, 2002, p. 122). Contudo, segundo o
autor, essas “tradições” seriam profundamente
Outro aspecto problemático na questão distintas das culturas humanas pois, para nós, a
das culturas dos chimpanzés está relacionado à variabilidade cultural assenta-se em diferentes
sua transmissão, que tem sido freqüentemente modos de fazer algo manifesto em diferentes
associada ao aprendizado social (Böesch & populações humanas. A variabilidade

108
Ensaio sobre a sociedade e as culturas dos chimpanzés

identificada entre chimpanzés corresponde, por Antes de mais nada, é preciso oferecer
sua vez, a presença ou ausência de determinada uma explicação, mesmo que breve e extrema-
prática ou fenômeno. mente simplificada do que é uma etnografia, no
A hipótese de Mithen consiste na defesa de sentido antropológico. O trabalho de campo
que, enquanto nos humanos os diferentes domí- intenso, prolongado e continuado, realizado
nios da mente (social, lingüístico, técnico e natu- pessoalmente pelo próprio pesquisador, é um
ralista) estão plenamente integrados, possibilitan- procedimento atual e universalmente adotado
do o deslocamento de elementos e conhecimento pela antropologia (Castro, 1995; Geertz, 1978),
de um a outro, isso não ocorre entre chimpanzés desde sua crítica ao evolucionismo cultural e ao
e nossos antepassados hominídeos. Ou seja, en- darwinismo social (Stocking, 1982). Original-
quanto os seres humanos podem transpor o co- mente adotado por Boas (1940) e Malinowski
nhecimento naturalista que possuem sobre ani- (1978), esse procedimento substituiu, quase to-
mais para seu universo simbólico e lingüístico talmente, a utilização de dados coletados por
(mitologia), social (parentesco, totemismo) e téc- curiosos, viajantes, aventureiros, administrado-
nico (produção de cultura material a partir de res coloniais e missionários que costumavam
matéria-prima animal), o mesmo não ocorre en- olhar as práticas das populações tribais a partir
tre outros primatas pois seus domínios mentais de seu arraigado etnocentrismo (Lévi-Strauss,
estão isolados entre si (Mithen, 2002, pp. 117- 1993).
145). Exatamente aí estaria a capacidade humana Esse procedimento resultou em três con-
de produzir símbolos e atribuir-lhes significados. seqüências, a longo prazo: (1) a lenta, mas gra-
Assim, a diferença entre a mente de um chim- dual e eficiente superação do etnocentrismo dos
panzé e a mente humana não seria apenas de antropólogos (Kuper, 1996); (2) a emergência
grau, mas arquitetônica ou estrutural (Mithen, de um comprometimento pessoal do antropó-
2002, pp. 137-142). logo com as populações estudadas, apesar de
todas as polêmicas, ainda atuais, sobre o assun-
Uma alternativa à hipótese de Mithen,
to (Hénnaff, 1991; Oliveira, 1996); (3) a produ-
considerando que a fragmentação dos aspectos
ção de um tipo de texto (o texto etnográfico)
da vida social não esteja no objeto, mas no mé-
em que são patentes as decorrências advindas
todo, talvez seja a adoção de outras abordagens
do fato de que o pesquisador é da mesma escala
sobre o comportamento de chimpanzés, sem
de grandeza do pesquisado (Mauss, 1974), a
necessariamente abandonar as que são usadas
intersubjetividade como um dos fatores centrais
atualmente. Essa será a discussão desenvolvida
na produção da objetividade do conhecimento
a seguir.
antropológico (Oliveira, 1996) e a busca da cons-
trução, através do texto, da totalidade da vida
coletiva da população estudada (Mauss, 1947/
Etnografias sobre chimpanzés? 1967).
Assim, ironicamente para a antropologia
Boa parte das discussões apresentadas social e cultural, Jane Goodall, através de seu
nesse artigo possui validade temporária pois as texto sensível e poético, revela alguns dos pro-
pesquisas em comportamento de primatas têm cedimentos de pesquisa adotados, os quais se
trazido novos elementos todo o tempo. Além mostram incomodamente semelhantes aos usa-
disso, as reflexões interdisciplinares sobre o as- dos pelos antropólogos na produção de suas
sunto são ainda germinais, particularmente no etnografias (Castro, 1995; Geertz, 1978; Lévi-
que diz respeito às ciências sociais, e todos sa- Strauss, 1986,1993; Malinowski, 1978; Olivei-
bemos quantas dificuldades decorrem desse tipo ra, 1996; Rapchan, 2002).
de iniciativa. Contudo, uma reflexão sobre o que
se busca em termos de comportamento de Goodall (1991) procura, com empatia,
chimpanzés - a cultura - e como se busca - o apresentar os dados obtidos por contato,
método - pode ser interessante para a configu- interação e observação prolongados integran-
ração atual das pesquisas. do-o de modo a mostrar como as barreiras exis-
tentes entre chimpanzés e humanos são fluídas,

109
Eliane Sebeika Rapchan

num esforço, de certo modo, muito parecido com O “Great Ape Project” (Cavalieri & Singer,
o de alguns antropólogos do início do século 1995) e a “Declaração dos Direitos dos Primatas
XX, como Boas (1940) e Malinowski (1978), que Não-Humanos” (Spruit, 1995) são outras ex-
se empenharam em demonstrar e comprovar o pressões da mobilização em defesa diante dos
pertencimento à humanidade (Kuper, 1996), o riscos decorrentes da caça, destruição de habitats,
potencial e as capacidades de povos tribais não confinamento e isolamento em laboratórios para
europeus, introduzindo-os, por meio do regis- testes médicos (Dukelow, 1999; Fouts, 1998;
tro etnográfico detalhado, numa alteridade viá- Goodall, 1991), vivissecação e utilização pela
vel aos horizontes da condição humana. indústria de entretenimento (circos, fotografia,
publicidade). Talvez isso aponte para a produ-
Aliás, Goodall não apenas pretende de- ção de uma outra fronteira para a alteridade
monstrar semelhanças, proximidades, singula- que venha a incluir humanos e primatas não-
ridades e diferenças entre humanos e chimpan- humanos no plano das identidades, a partir da
zés como, cada vez mais, tem atuado em sua construção de patamares comuns em que re-
defesa (Fouts, 1998; Goodall,1991), conseguin- pousem suas singularidades e reconhecimento
do crescente adesão dos primatólogos a essas de semelhanças, (Joulian, 1995; Pieterse, 1995;
causas, cujas atitudes diante dos primatas não- Rapchan, 2003).
humanos têm mudado radicalmente, desde a
década de sessenta (Durkelow, 1999). Provavel- Ou seja, os esforços dos antropólogos até
mente, como já mencionado, o compromisso dos a primeira metade do século XX, em favor de
pesquisadores dedicados aos primatas com o incluir os mais diversos grupos étnicos na con-
destino desses seres, provavelmente, se tornará cepção corrente e vigente de humanidade, po-
cada vez mais intenso e profundo, quanto mai- dem estar em vias de se repetir entre os etólogos
or for o tempo dedicado às pesquisas, mais in- e primatólogos, ao menos entre aqueles que de
tensos forem os contatos e mais se souber sobre algum modo têm proposto uma revisão sobre o
eles. O mesmo ocorreu na história da antropo- papel e o lugar dos chimpanzés diante dos hu-
logia sociocultural. manos. Nesse sentido, a proposta de Morris
Goodman (1999) de rever a classificação do gê-
O estabelecimento de vínculos pessoais nero Homo em favor da inclusão dos gêneros
(Fouts, 1998; Goodall, 1991, 2000; Smuts, 2001) Pan, trogloditas (chimpanzés) e Pan paniscus
e compromissos éticos e políticos dos pesquisa- (bonobos), em seu interior soma-se às outras
dores com as populações ou indivíduos chim- referências apresentadas.
panzé pesquisados (Buning, 1995; Cavalieri &
Singer, 1995; Chapman & Lambert, 2000; Assim, se o estilo “quase etnográfico” de
Crockett et al., 1999; Dukelow, 1999; Erwing et apresentação de dados sobre primatas da pio-
al., 2001; Kyes & Howell, 1999; Spruit, 1995; neira Goodall, e de outros como Altman e De
Veira & Brent, 2000) e se manifestam, especial- Vore (Rodman, 1999, p. 314), atraiu pouquíssi-
mente, nos esforços conservacionistas. mos adeptos entre os etólogos e primatólogos nas
gerações posteriores, mais influenciados pela eco-
Isso significa, provavelmente, que esses
logia comportamental e pela sociobiologia
pesquisadores não se relacionam com os chim-
(Rodman, 1999, p. 314), uma outra conseqüên-
panzés apenas como objetos de conhecimento,
cia do convívio prolongado e continuado com
mas também como seres que possuem o direito
as populações pesquisadas agarrou-os pelas per-
à proteção enquanto seres vivos e que precisam
nas: de modo análogo aos antropólogos
também de garantias da preservação de seu
(Hénnaff, 1991; Lévi-Strauss, 1993), a experi-
modo de vida. Considerando o que os traba-
ência de pesquisa os tem transformado profun-
lhos de pesquisa têm indicado, e de modo se-
damente levando-os a se importar com o futuro
melhante ao que ocorre com as populações hu-
daqueles que pesquisam, gerando mobilização
manas, que o desaparecimento de um grupo
maciça em favor da proteção daqueles que
chimpanzé pode significar a destruição de uma
pesquisam e da garantia plena e integral de suas
maneira única de ser.
vidas. Outro impacto gerado por esse tipo de
procedimento de pesquisa inclui, aliás, os pró-

110
Ensaio sobre a sociedade e as culturas dos chimpanzés

prios esforços em favor da identificação do com- siderar que trata-se de trabalhos voltados a estu-
portamento de chimpanzés com a vida coletiva dar as culturas dos chimpanzés. É difícil con-
humana, seja através das pesquisas propriamen- cordar com McGrew, considerando os fatores
te ditas, seja pela adoção dos termos já consa- já mencionados. No entanto, chamar a esses tra-
grados na definição da humanidade: cultura, balhos de “etnografia” é uma iniciativa que vem
organização social, poder, tradição. somar-se às já mencionadas conseqüências
advindas tanto da longa permanência em cam-
Segundo Raymond Corbey (1995, p. 4), o
po dos pesquisadores, quanto dos resultados das
que tem sido revelado pelas pesquisas sobre
pesquisas.
primatas aponta para a percepção de outros
domínios em sua existência, o que aproxima esse Não agrada à maioria dos antropólogos
objeto do caráter ontológico das ciências huma- que outros, que não eles mesmos, adotem o
nas, ao mesmo tempo em que coloca questões método etnográfico com o intuito de produzir
sobre a adoção dos procedimentos metodológicos material a partir do desenvolvimento de traba-
mais adequados para compreendê-lo: deve ele ser lhos de campo longos, contínuos e em profun-
fragmentado, dissecado e analisado, como as ci- didade. Para os candidatos a esse modo de fa-
ências naturais fizeram por décadas, ou deve zer pesquisa, a sugestão, geralmente, é: tornem-se
ser observado a partir de sua complexidade e antropólogos. Contudo, antropólogos sociais e
ser estudado como um ser inteligente que culturais não costumam ir a campo estudar
interage com os pesquisadores, o que solicita- primatas. Por outro lado, o tipo de informação
ria, necessariamente, uma aproximação herme- trazido pela etologia somado às afirmações da
nêutica? existência de cultura entre primatas coloca inú-
meras questões para a própria antropologia. Esse,
Há muito o que se discutir sobre o que talvez, seja mais um dos casos em que diferentes
seria uma abordagem hermenêutica numa pes- disciplinas precisam operar em suas fronteiras.
quisa sobre primatas e não há espaço aqui para
isso. Contudo, há fatores relacionados à histó- Se o limite para a produção de cultura
ria dos estudos sobre comportamento que po- não estiver na própria evolução da mente dos
dem ser analisados por essa perspectiva. Desde chimpanzés, tal como propõe Mithen (2002),
seus primeiros trabalhos, Goodall transgrediu provavelmente a melhor saída seja adotar abor-
os parâmetros vigentes na primatologia, ao uti- dagens que consigam comprovar a integração
lizar pronomes restritos aos humanos para se dos aspectos do comportamento de chimpan-
referir aos chimpanzés que pesquisava, ao usar zés relacionados ao conhecimento técnico,
noções como “infância”, “adolescência”, “per- naturalístico, social e comunicacional, observan-
sonalidade”, “mente” dirigidas a esses primatas do se há interrelações entre esses domínios, bem
e antropomorfizar emoções primatas em termos como produção e circulação de significados.
humanos, ao registrar o que entendia ser sua Fragaszy (2003), ao rever os procedimentos
organização social e suas histórias de vida adotados para o estudo de “tradições” em
(Goodall, 1991, pp.19-21, 28) e dando-lhes no- primatas não-humanos identifica as atuais difi-
mes próprios. Apesar de etólogos, como Hebb culdades como resultados de uma combinação
(citado por Mitchell & Hamm, 1997) e o pró- entre lógica pobre, confusão conceitual e inabi-
prio Lorenz (1995), terem proposto a antropo- lidade para coletar dados apropriados.
morfização do comportamento animal antes dela,
A noção de cultura, atualmente utilizada
o trabalho de Goodall extrapolou os limites en-
para identificar aspectos do comportamento de
tão aceitos para esse tipo de pesquisa.
chimpanzés, tem a vantagem de ser restrita e,
Mais recentemente, Barbara Smuts por isso, amplamente aplicável para todos os ca-
(2003) apresentou uma reflexão falando da sos (Tomasello, 2001; Wrangham et al, 2001). Em
importância de sua experiência pessoal no tra- contrapartida, a mesma restrição produz um co-
balho de pesquisa sobre primatas e de sua nhecimento fragmentado e afasta os pesquisa-
interação com eles. McGrew (1998, p. 317) re- dores da possibilidade de identificar sentidos,
fere-se a “etnografia dos chimpanzés” por con- caso eles existam. Contentar-se com isso, diante

111
Eliane Sebeika Rapchan

da riqueza apresentada pelo comportamento dos bólicas, do parentesco, da economia e da políti-


primatas talvez implique em abdicar de um co- ca (Kuper,1999). Ou seja, o peso do que se en-
nhecimento mais profundo e bloquear diálogos tende por cultura, por assim dizer, é mais relati-
futuros com a antropologia social e cultural. vo na tradição antropológica européia, que
engendrou a antropologia social (Lévi-Strauss,
1947/1982; Mauss, 1974; Malinowski, 1978), do
que na norte-americana, que produziu a antro-
Cultura em vários sentidos: pologia cultural (Boas, 1940, Lewis, 2001).
Possibilidades e limites
Para a antropologia cultural, a cultura é
A pergunta que salta aos olhos, diante dos o eixo central de sua reflexão. A busca de “pa-
resultados obtidos por essas pesquisas, passada drões” (Benedict, s.n.) e a preocupação com a
a euforia da descoberta de toda a riqueza que definição do que seja cultura (Geertz, 1978;
se pode atingir, em vários planos do conheci- Kröeber & Kluckhohn, 1963; Kuper, 1999), sua
mento, a partir da observação do comportamen- noção central, caracterizam sua prática. De
to, como bem observa Tuttle (2001), é: o que sig- modo semelhante, a ênfase dada a fenômenos
nifica afirmar que os chimpanzés têm cultura? individuais e coletivos também é distinta para a
antropologia social e para a cultural.
Tuttle defende que, antes de responder à
questão, há procedimentos a serem adotados. Esses fatores podem ser relevantes para
Antes de mais nada, é preciso que os se analisar a adoção da noção de cultura no es-
primatologistas voltem-se à toda extensa discus- tudo do comportamento dos primatas, consi-
são sobre cultura produzida no interior da an- derando, inclusive, o fato de serem muito mais
tropologia, e que remonta à 2a. Guerra Mundi- comuns as referências de etólogos a antropólo-
al (Kuper, 1999). Caso contrário, muito pouco gos culturais como Benedict (McGrew, 1998, p.
se avançará a partir das pesquisas empíricas no 321), Geertz (Rodseth et al, 1991), Kröeber
que diz respeito ao discernimento relativo à (McGrew, 1998, p. 320), Murdock (Rodseth et
existência de capacidades culturais em primatas al, 1991, p.228) ou Washburn (McGrew, 1998,
não humanos e, principalmente, no que se re- p. 321), do que a abordagens orientadas para
fere à existência e caracterização de capacida- um diálogo com a antropologia social, através
des filogenéticas das culturas humanas (Tuttle, de, por exemplo, Bourdieu (McGrew, 1998),
2001, p. 407). Ingold (McGrew, 1998) ou Lévi-Strauss (Böesch
& Tomasello, 1998; Fragaszy, 2003; Rodseth et
Em segundo lugar, somente através, e a al, 1991).
partir, da condução de pesquisas, produzidas
sob o enfoque do comportamento de primatas A adoção, por parte dos estudiosos do
não-humanos com o objetivo de discernir se há comportamento de primatas, da noção de cul-
sentidos simbolicamente codificados nesses com- tura como comportamento padronizado relati-
portamentos, será possível falar na existência de vamente autônomo com relação aos aspectos da
cultura chimpanzé e apreciar as singularidades vida social, como apontado anteriormente, pode
produzidas por suas mentes (Tuttle, 2001, p. 408). ser um indício dessa influência. A exploração
dessa questão demanda maiores reflexões e será
Por outro lado, para os antropólogos so-
feita em outra oportunidade.
ciais e culturais, a noção de cultura está longe
de ser consensual. Em primeiro plano, a pró- Contudo, é possível adiantar que, embo-
pria classificação da antropologia em social e ra as trajetórias intelectuais dos pesquisadores
cultural remete a diferentes proposições não constituam fatores determinantes, a obser-
surgidas na formação histórica da disciplina. vação da formação acadêmica, nacionalidade e
Antropólogos sociais produzem uma abordagem fatores correlatos pode também fornecer indí-
em que a cultura é mais um dos aspectos da cios para a análise das escolhas feitas pelos pes-
vida coletiva. Para eles, a cultura é algo que pro- quisadores no tocante à abordagem das culturas
duz e é produzido na dinâmica das relações sim- dos chimpanzés. Ou seja, o acesso dos pesquisa-

112
Ensaio sobre a sociedade e as culturas dos chimpanzés

dores dedicados ao comportamento de chimpan- geracionais e grupais, cultura, relações de po-


zés à antropologia cultural americana pode ter der, engenhosidade, habilidades, memória, ca-
sido facilitado por seus locais de formação aca- pacidade de aprendizado, consciência etc.?
dêmica e pelo maior acesso à publicações em lín- Se o debate entre três abordagens distin-
gua inglesa que, somados à predominância de tas: (1) a importância da experiência adquirida,
pesquisadores oriundos dos Estados Unidos da da cultura e da vida social; (2) a seleção, evolu-
América, podem fornecer pistas sobre o modo ção, adaptação e (3) a herança genética é tão
como a questão das culturas dos chimpanzés têm antigo quanto os próprios pesquisadores que as
sido abordadas. produziram (Kuper, 1994), a abordagem do com-
portamento de primatas não-humanos, nos mol-
Outros pesquisadores têm contribuído com
des em que tem sido feito, merece uma reflexão
a ampliação de nosso conhecimento acerca dos
que transcenda as fronteiras disciplinares.
sentidos e representações produzidos pelo conhe-
cimento humano sobre primatas, observando a Ao mesmo tempo, é importante nunca es-
questão por ângulos diversos. Segundo esses au- quecer das conseqüências relacionadas ao lugar
tores (Dougherty, 1995; Spencer,1995; e papel dos aspectos biológicos na história da
Stoczkowski, 1995; Wolker, 1995), a autoridade antropologia social e cultural constitui-se em
de Aristóteles e Galeno (século II a.C.) foi profí- capítulo à parte de uma história complexa,
cua em estabelecer marcos distintivos entre a marcada por implicações sérias. Essa discussão
humanidade e a animalidade que se aliaram aos não pode jamais ser ignorada. As trágicas con-
produtos e influências da teologia judaico-cristã, seqüências de todas as decisões pautadas em
estenderam-se pela Idade Média, atravessaram projeções feitas sobre grupos humanos a partir
o Iluminismo e chegaram às concepções científi- de traços fenotípicos, estereótipos ou de algu-
cas dos séculos XIX e XX. ma característica supostamente inata e heredi-
tária resultaram em escravidão, etnocídio
Essas idéias concorreram na produção de (Poliakov, 1974), genocídio, imperialismo (Said,
fronteiras e limites entre o que o pensamento oci- 1990, 1995), esterelização e segregação (Blanc,
dental classifica como “humano” e “animal” e, 1994; Kuper, 1994). Nenhum de nós pode per-
conseqüentemente, por natureza (Turner,1990). mitir que isso se reproduza.
Em contrapartida populações dotadas de outros
referenciais simbólicos e culturais, como africanos
e japoneses (cf. Asquith, 1995; Joulian, 1995; Referências
Ohnuki-Tierney, 1995; Richards, 1995) pensam,
Almeida, M. W. B. (1990). Symmetry and entrophy:
classificam e representam os primatas não-huma-
Mathematical metaphors in the work of Lévi-
nos de formas muito distintas. Strauss. Current Anthropology, 31(4), 367-385.
American Society of Primatologists. (1999). American
A questão é: o que pode significar toda a
Journal of Primatology. Program and Abstracts of
imensa produção de pesquisas e reflexões em
the 22th Annual Meeting. New Orleans, LA.
várias áreas tais como a história da ciência, a
American Society of Primatologists. (2000). American
epistemologia, a primatologia, a etologia, a fi-
Journal of Primatology. Program and Abstracts of
losofia da ciência, a paleoarqueologia, a arque- the 23th Annual Meeting. Denver, Colorado.
ologia evolutiva, a ecologia, a ética, a psicologia
American Society of Primatologists. (2001). American
comparada, a psicologia evolutiva e algumas
Journal of Primatology. Program and Abstracts of
áreas da antropologia ,que se movimentam fir- the 24th Annual Meeting, Savannah, Georgia.
memente, como uma vaga que parece borrar
American Society of Primatologists. (2002). Program
com consciência as fronteiras entre o que as so- and Abstracts of the 25th Annual Meeting,
ciedades produzidas, a partir do que as heran- Oklahoma.
ças greco-latina e judaico-cristã chamaram de Asquith, P. J. (1995). Of monkeys and men: Cultural
“humano” e “não humano”, revendo e questio- views in Japan and the West. In R. Corbey & B.
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