Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CAPA
Jairo A lvarenga Fonseca
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Eliane Marta Teixeira Lopes
EDITORAÇÃO ELETRÓNICA
Wa ldênia Alvarenga Santos Ataide
REVISÃO
Vera De Simone
192p.
ISBN 85-86583-84-7
CDU: 98 1
572
2000
Autêntica Editora
437 - Floresta
Rua ]anuária,
31110-060 Belo Horizonte MG
- -
Claude G . Papavero
93
Tentaremos, portanto, elucidar os parâmetros que presidiram a
elaboração do conceito abstrato e sedutor1 de uma estrutura social
sem espessura temporal, na teoria "clássica" do estruturalismo de
Lévi-Strauss. Em seguida, examinaremos o conceito de estrutura
apresentado em alguns dos modelos teóricos de análise voltados
para a particularidade do evento: isto é, no modelo hermenêutico
de Geertz, na estrutura da "longa duração" do historiador Braudel
e no modelo da "estrutura da conjuntura" que devemos a Sahlins.
94
ignoramos a gramática. Além das paradigmáticas estruturas do pa
rentesco, o autor menciona, em diversas obras, mitos e ritos ou a
arte, os jogos e a cozinha, como exemplos de "passagem" estrutural.
Cronologicamente, o primeiro dos códigos sobre o qual o autor
se debruçou foi o sistema de parentesco . Na obra clássica: As estru
turas elementares do parentesco, cujo título lembra as Formas elementa
res dti v{àiúelígiosâ de Durkheim, ele definiu a vida social do homem
- -
95
alheias às representações indígenas da realidade. "A ilusão do tote
mismo " e o "caráter suspeito da hipótese totemista "S são expressões
usuais na obra do autor.
A tarefa que Lévi-Strauss empreende começa pela observação dos
significados etnológicos nativos, propriedades sensíveis que o homem
percebe no mundo e elabora intelectualmente, identificando e com
parando termos discretos pensados como afastamentos diferenciais.
A forma assumida pelas estruturas na análise depende dos valores
etnológicos identificados e dos significados mediadores implícitos
traduzidos na representação do modelo. Não há confusão possível
entre objeto de estudo empírico e modelo sincrônico. Assim, na obra
O cru e o cozido,6 " a noção do cozido", contraposta pelo texto dos mi
tos à "noção do cru", o autor delimita, através do fogo culinário (ter
mo mediador) o campo semântico dos alimentos que, pela cocção,
atribuem superioridade cultural aos homens sobre os animais.
Suas representações das estruturas, dissociadas da realidade
empírica, "dissolvem"7 os elementos relevantes, como se fossem mo
léculas num líquido e constroem agenciamentos sistemáticos abstra
tos que procuram atingir e definir elementos invariantes universais
próprios ao pensamento humano. Transformam uma realidade com
plexa e incompreensível noutra modelada, complexa ainda, porém
inteligível. Fundem conteúdo etnográfico e forma do sistema, sem
que a construção do modelo teórico afete a realidade empírica.
No caso da estrutura dos mitos, mais complexa do que urna estru-
·
!W"� ��_�é!!��t��
__ �@�TI;�:i��li;��ap���s �1g�in�s� �à�
��:_� .. ��
propriedades perceptíveis( seja nas ver?ões comparadas d�s. ����os
mTt��,- ��ja em �utros Irlitos das mesmas sociedades ou em mitos de
SoCféd�d�s��kilias. E tod��it�s ii�nam oi;�;�-outro ;s-=
pect� d� 'e�trutw'-
. . . - . .. . . - ... . - "
� ���id�;��;'-Lé�i:St;:���-p��p�,-��t�;;a
�
imagem
. . .. _ ... . " . � . . " . . . " " -
-- . . .. _ .._ . . _----�-
--
96
Efeti�������� m�c!el� ��_���turalista privilegia os �:�ômen�
i��c:.i���e� ip\7�riantes, os elementos uniy_e��_�i� ._a�_s.C?!'.r�.! �.��!i
_
97
Sartre, conterrâneo e contemporâneo de Lévi-Strauss, um estudio
so para quem o método totalizador por excelência residia no exerCÍ
cio da razão dialética aplicada ao estudo da História, foi escollúdo
como interlocutor preferencial por lidar com um elenco de elementos
comuns incorporados em perspectiva oposta. François Dosse, aliás,
cita as palavras de Jean Pouillon que, convivendo com ambos os au
tores, poderia ter ficado esquartejado intelectualmente entre perspec
tivas antinómicas: "É agradável dar atenção a um ou a outro sem
perturbações de visão, pois quando um está presente o outro não . " 12
Na visão de Sartre de um destino histórico obrigatório para
o conjunto da humanidade,13 não obstante acontecimentos for
tuitos ou desvios individuais de pensamento, encontramos uma
teoria totalizadora que diverge substancialmente daquela elabo
rada por Lévi-Strauss . Trata-se de uma visão dialética temperada
pela crença na importância de existir e de pensar ou pela recusa
em dissolver identidades individuais que são fontes da percep
ção existencial (cf. La nausée), já que a imagem do inferno é ter de
se ver através do olhar crítico dos outros (cf. La p. respectueuse) . O
antropólogo critica, portanto, além do mito de uma humanidade
restrita às sociedades ocidentais dotadas de história, análises equi
vocadas do uso da razão analítica (qualificada como método pro
gressivo-regressivo) ou armadilhas advindo de um Cogito que
opõe a noção do eu e aquela dos outros, quando Sartre generaliza
sua versão particular dos fatos .
Lévi-Strauss sublinha ainda a subjetividade inerente a todo re
corte histórico, e diferencia uma história biográfica e anedótica, "fra
ca" por estar presa aos eventos, de uma história "forte" inteligível,
porém esquemática e despojada de conteúdo, concluindo: "Desde
quando a procura pela inteligibilidade chega à história como seu
ponto de chegada, é a história que serve de partida para toda busca
de inteligibilidade".14
98
introdutório intitulado: "Uma descrição densa: por uma teoria inter
pretativa da cultura", onde explicitou como entrelaçou conceitos etno
gráficos complexos na elaboração de sua teoria.
'�1L�_ef!tºê de atuaç ão" E.ªrª _()�_IIél!ºJ:"��': e _ cl_e. :'�ç��� _soc ÜÜ� _�irD. __
,---- -----
- - ' - - -- ._- ---- - -- -
-- - -- -- --- --
99
mão, orientar-se pelos atos, anotar o significado das ações sociais
particulares. Ele pretende entender os nativos, não tornar-se um na
tivo, e traduzirJ� de �s!!:��.!�xto destinado aos leitores do
r=��� Em s���J.�!el_�������i.Ejl9.<?e�1. il1scr�ve, .111g!l�.�'.gescrição
densa" textual, o "dito no_ç!.i�'ll:!:�Q.�_�Ç!ªJ.'.' �.P.J:"O.fe!:!.r.él.}��)!ir todos os
s i��o�u� . �� ..�.���e..s. 9:a� "�"a.�a.s sociílis lhe atri���m. Os mo
delos �()!1S.t:r:�ído� sã<? "fic ç ões", "algo modelado", não se . ��
dindo com o objeto de estudo . A análise antropológica empreendida
f���ecê imagens dos acontecimento� a partir de ações pa�ticulares
-
�
localizadas no temp o e "no esp �·ç o". El�'p�etend'e" "tra �" � curva de
u;;-Ji���-a�F"fi�á�io n�II1a forma 'inspe�ioná�ei;;: Inspir�d�
pela diacronia, oferece!,ia at�_1!.� ���E!,�.e �iI2�Eê>I1 i ��, �e a trama fixa
.. . . . _
da não fosse tão facilmente diss_Q!y.i.cia em sua teIllE<?ral�:
.
A descrição densa que o etnóg!.�i().i:r:!.S_<:reve no texto, representa
ações sociais significativas interUgª-.d as de modo intrincado. As tra
mas anotadas e interpretadas inserem-se na temE,oralidade do con-
-
texto. AsaÇÕes-sociãis-simbÓficas; im �egnad a� ; p j t�º--;-a l idade
arti u r
p _':... l"�!.� ���!!.�E.l�inal o t
_e.rru; mE"<?!"_�a..!.l1�f\_ º�. "!�_é.in.s. ܺriQ�.m..Qdg
lados com um ': gE�u mínim9...9-�_c..Q.erêl1c:.iª��I .�m si..tlªl ç"Qes ��.Ei�
ãnãTisãd��-'p�; um olhar sincrônico, mesmo que o etnógrafo evite
arrumar "entidades abstratas em padrões unificados" ou "construir
representações impecáveis de ordem formal" .
Numa obra como Negara 16, Geertz estuda como o conceito de
Estado balinês construiu uma representação do "Mito do Centro
Exemplar", elaborando a imagem cerimonial do rei, numa corte do
século XIX, que era a encarnação material da ordem política e o mi
crocosmos da ordem sobrenatural. O antropólogo examina a inver
são estrutural dos valores numa sociedade hierárquica onde
cerimoniais da corte e rituais de massas constituíam a força motora
de um Estado Teatro. O ritual da cerimônia de cremação do rei de
funto, por exemplo, ilustra a descrição preconizada por Geertz: mi
nuciosa, atenta à seqüência dos gestos ou ao sentido atribuído a
cada comportamento, iluminando sentidos implícitos.
As estruturas de significados do passado oferecem esteio à aná
lise dos sistemas políticos, operam a "tradução intercultural da sim
bologia política", que é ideologia política, já que formas da sociedade
constituem a substância da cultura, que fluxos de comportamentos
100
articulam as formas culturais, e que "compreender a cultura de um
povo expõe sua normalidade sem reduzir sua particularidade ".
O termo evento, um acontecimento ao qual se atribui significa
do especial, aparece pouco na obra de Geertz que focaliza aconteci
mentos, ocorrências e fatos, tramas etnográficas menores em
sociedades obscuras, particularidades de pequena esc al a e contex ,
101
A estrutura, vista pelo autor, é a reconstrução dos aspectos siste
máticos que possuem duração de permanência prolongada ou ação
pf.<?funda e que afetam a f0f!UY-�o� P�rio<iE�b!�!2�!s..��! contrast@do
com uma conjun!Ura 9.!:!� é breve am�!���_c!.� LatoE�s. .!�.?E.0nsável
.
102
Paradoxalmente para um historiador, Braudel se confessa pou
co amigo dos eventos que são poeiras, luzes rápi das faiscando e
desaparecendo sem deixar vestígios. Escolhe assumir a tarefa de
identificar, classificar e confrontar séries encadeadas de conjunturas
e de estruturas:
_ .
exterior das l�l2.h as d�.Lo_rçéls ritmícas que atuam, estn.�turaIl �'? o.
tempo � .<:>_ e.s..r...a..<I2 . 1!Y!.l}.!lDOS .
Ao apontar, em análises diacrônicas, elementos que fornecem
arcabouço, influenciando de fora para dentro o modo corno as socie
dades organizam suas vidas numa região peculiar e urna temporali
dade específica, as estruturas da longa duração elaboram um conceito
de estrutura histórica que difere consideravelmente das estruturas
universais inconscientes de Lévi-Strauss ou da teia particular de sig
nificados densos que Geertz tece em sociedades longínquas.
103
Em sua obra, encontramos o conceito de uma estrutura feita
dos "esquemas culturais" da "ordem cultural" que sugere valores e
significados, e serve de referência para orientar "projetos de ação
simbólica". No diálogo intercultural, o indivíduo avalia a eficácia
das respostas obtidas por suas ações.
O antropólogo centrou O foco da análise num caminho de idas e
voltas entre uma cultura concebida como quadro referencial e ações
sociais episódicas. Enxerga nos mitos simbólicos uma fonte inerente
de compreensão do "mundo refratário" que contém uma realidade
implícita no oder dos mitos.�_�ignificar e orientar a ões. Ao en
�rentarem situações imprevistas, in iVldu�.:���.,!'p os de it:Lsliy��
r�m situap�ticas; a��!:����s. ..��_ �.�pressam sob form<3._�
':mitopráxis" e a ':ráxis"
E f�_z-s��çã? ::r:��a. f?_ri.c a ".
_ _
Sahlins não considera que as estruturas semióticas da ordem
cultural sejam monolíticas, intocáveis e de coerência perfeita. Na
12.rática, há sempre um "ri��.?_da_ação" afetar a es!��,:�� q�� .não é
�ne à ação da história, pois, quando a interpretação mítica sere-=
- - -- - ----
Y�Sl-l!iy'ocad� os hOJ!léns 'altéram seus rumõs.- · ·. ---
' ' '
.. Mas todas as socied ��� ão ofer��e �
� � �� ;ma permeabilida
!,ie à mudança estrutural. Algumas são "prescritivas" e protegem
'l ,
seu campo semântico tradicional, outras ditas "performativas" pa-
recem propensas à reorganização dos valores segundo circunstâncias
contingentes. Sociedades prescritivas atribuem muita ênfase aos
elementos " cosmológicos" revividos nos rituais, contornando assim
o efeito do impacto dos eventos. Sociedades performativas privile
giam, nos eventos, "incidentes" que se tornam "paradigmáticos" .
Quando Cook, primeiro navegador ocidental a descobrir a Po
linésia, chegou ao Havaí, em 1779, os indígenas recorreram a ele
mentos de seus mitos tradicionais, para interpretar o sentido do
evento. O capitão inglês começou dando uma volta de reconheci
mento da ilha, em sentido horário, e era signo de tomada de posse.
Chegava na época do festival primaveril do Makahiki, da vinda anual
do deus Lono trazendo paz e fertilidade para a ilha. Em razão dessa
e. de outras coincidências, foi recebido e adorado como tal. No fim
do festival, a retomada do poder pelo deus da guerra e seu repre
sentante, o rei, simbolizando a apropriação humana das benesses
divinas por um chefe usurpador, colocou o navegador em situação
104
de "risco referencial", e ele foi morto ritualmente, identificado como
uma ameaça ao poder político real. 21
Sahlins, como Geertz, constrói um modelo focalizando o dis
�tl!SO � o.c ial. �?!:_tic!o n��E�:!os �. r:'-?_� ,mi!os e explica comportament�
�os._ Mas os conceitos que elabora incorporam ainda outras in
fluências. Além de considerar a lingüística estrutural de Saussure, e
a perspectiva da longa duração de Braudel, o autor compartilha com
Marx uma visão dialética dos relacionamentos estabelecidos entre
os interlocutores. Diverge, no entanto, das premissas marxistas que
privilegiam a dimensão econômica em suas análises.
Assim, Sahlins desvenda motivos culturais para explicar atitu
des e fatos da economia. Percebe-se, em sua obra, a influência do
conceito de estrutura elaborado por Hocart, precursor inglês dos
estruturalismos semióticos. Com efeito, na visão desse estudioso cedo
desaparecido nos anos 20 ou 30, os mitos não constituem relatos
históricos deturpados ou atividade mental distinta:
105
naquilo que lhes é dado como interpretação, penetram a cultura
como instância de uma categoria sistemática recebida, poten
cialmente transformadora. "No evento o discurso traz o sinal de
'novos' conceitos de uso, gerando contradições que podem ser abran
gidas pelo sistema".
Semelhante mediação ocorre numa "estrutura da conjuntura"
destinada a avaliar riscos simbólicos e confirmar ou rever a eficácia
das ações, num contexto interposto entre estrutura cultural e ações
práticas. A "estrutura da coni untura�'-!.�tr�..t.�gica,..l2.ªtliçjJ2.ª. simul
"
taneamente da t�p�
ralidade dº event<?_� do }�noI9.���l�,� __
relativamente
.....::;""..;.::'...:,:_;; duradouro,
... .. ..;:.,:.....:..� que as estruturas culturais fornecem.
__",...,..�"::. .
� ____�= _ __ . � _ .� . , __ _ _ .. .
_� . , . _ . _ . _ � _ _,
. j -I' .'�,. :!:-,'.,��
106
de fronteira interdisciplinar. O desafio colocado por uma noção de
estrutura social abstrata, destinada a explicar padrões consistentes
de comportamento reconstruídos em modelos teóricos desvincula
dos das ações empíricas, evidencia o interesse desse diálogo.
A reflexão disciplinar conjunta, sej a empenhada numa abor
dagem sincrônica aplicada à realidade diacrônica, seja preocupa
da em preservar uma visão temporal dos fatos no âmbito das
generalizações sincrônicas, envolve a discussão da abrangência dos
elementos que estruturariam a vida social humana . Seriam as es
truturas sociais un_iy.!��� ��_p.�tic1:l1�!es? .?st�:iam elas restritas
aos significados culturais elab?rados pela mente humana ou tam-
�ém ��_�_����J.� �l!l_ ,,9.l!�
__ §�t
. ��9 id,�XL �. �Ç,� �9.�_ ! ernas ? Até
qu e p onto est!,I'j�.E!_�!�� '!��E!�S. .�.���_�!�lid���.�� :y;.nt� Como
�
conciliar a noção da universalidade de uma estrutura social com a
noção de sua duração finita?
Entre as propriedades atribuídas às estruturas, verificamos a
oposição clara, nas teorias examinadas, entre uma estrutura que pro
vem do funcionamento interno da mente humana universal, na obra
de Lévi-Strauss, e outra estrutura impregnada de temporalidade que,
na obra de Braudel, procede de fatores geopolíticos externos e influen
cia, de fora para dentro, a morfologia da vida social.
De fato, logo após a Segunda Guerra Mundial, Braudel procu
rou estender o uso do conceito antropológico de estrutura à com
preensão histórica dos eventos. Implementou um conceito de
estrutura que recortava a experiência social e serviu de medida tem
poral aos fatores que influenciavam os destinos coletivos. Distin
guiu uma " longa duração" imobilizada p o r circunstâncias
ambientais, alheia à ação individual, de uma história econômica e
social de "média duração" e de uma "curta duração" epidérmica e
volátil, feita de eventos. Avaliou ritmos e velocidades diversos de
transformação, organizou o tempo pela resistência das formas siste
máticas ao desgaste.
Há certa semelhança entre o que Radcliffe-Brown chama es
trutura e a "longa duração". Os elementos estruturais do historia
dor organizam formas de vida social num plano intermediário de
abstração. Envolvem redes de relacionamentos observados empi
ricamente. E de fato, as limitações impostas pela natureza ambiente
107
e os conhecimentos tecnológicos incentivam respostas culturais dos
homens e jeitos recorrentes de atuar sobre o meio ambiente que são
incorporados nos relacionamentos sociais.
O conceito de Braudel pressupõe a existência de pontos de rup
tura históricos que obedecem a lógicas próprias, implícitas, estrutu
ram a imobilidade da duração e resultam num instrumento valioso
de análise sincrônica da diacronia. Permitiu efetivamente superar o
tratamento "biográfico e anedótico" das histórias "fracas", pouco
explicativas, tão cr.iticado por Lévi-Strauss. Contudo, ess�.<:'0r:tc:.Eillo
s�afasta do universo dos processos _t.:I)��_t9-j���í!.ut����ist�«;_�s
es ��ras inco�si,�ntes 4.QJ2..�D§ii_:m�.I}tº_ql.!�..2�r.a � �.E.�. ssagem da
� �i =��
r:t� r � Lo�§gi��.,h�_�llil.E!l_��..�A ?�_�i.? . n. :�fy"'��.�� ���-c� -
��i
�urais. Em suma, os dois autores analisam objetos distintos, não obs-
tante o fato de ambos investigarem a lógica abstrata que rege a
morfologia desse objeto.
Num ensaio sobre "A longa duração", publicado originalmente
em 1958, na revista Annales, Braudel solicitou Lévi-Strauss : "es impo
sible que la antropologia, aI ser - como acostumbra a decir Claude Lévi
Strauss - la aventura mismo dei espiritu, se desinteresse de la história ",
acrescentando: "Pero de hecho, ningún estúdio social escapa aI tiempo de
la história ", "Estas páginas constituyen un llamamento a la discusión ".
Mas o interlocutor preferencial de Lévi-Strauss para discutir a ques
tão de uma perspectiva totalizadora do comportamento social, sin
crônica ou diacrônica, não foi Braudel, foi Sartre .
Lévi-Strauss percebeu o potencial contido na transposição do
modelo da lingüfstica estrutural de Saussure à vida social concebi
da como linguagem. Descobriu que eliminando acidentes tempo
rais de percurso poderia chegar a conhecer a articulação profunda
dos valores nos sistemas culturais, uma articulação mediadora en
tre o conhecimento anedótico pouco explicativo e a percepção de
formas esvaziadas de conteúdo. A estrutura que almejou atingir,
desprovida de espessura diacrônica por definição, pretendeu evi
denciar a racionalidade dos sistemas culturais
Sartre, pelo contrário, via na História o acesso, por excelência,
ao sentido dialético que direciona os relacionamentos sociais e pro
picia conhecimento. Lévi-Strauss o acusa de se tornar refém das ar
madilhas de uma identidade pessoal etnocêntrica, restringindo a
108
visão totalizadora do homem a um só entre os modos históricos ou
geográficos de seu ser e desprezando as sociedades sem história,
enquanto que a verdade do homem reside no sistema sincrônico de
suas diferenças e propriedades em comum. 25
A análise s�crônica c;l..�b�y_i-.$Jtll�_�_nã�.!1Iél: a temporal����
i��r.ii1Je ao objçto �J.l)l2jrJc.:: o. sobre o q1:1al _��_ 2e.!'.ruça, apenas ��_z,
no plan..9_��..�n3.J���L05()I?P_<?�té:t�ento .h��<l:l1o �J9!�.�j!:l-J�H&v.�1
dé!s. regr,as_�!�b9t:�5!as.,.p�l<?1> .siste�élS_ c)!l�Eé!is a_ fim de substituir
� �mport�mentos t:i�I5'�ca�t;�te p're.s.���!�: M��, �bdi�da análise
diacrônica, procedimento metodológico capaz de evidenciar elemen
tos pertinentes pelo viés da morfologia e de resgatar aspectos inusi
tados de temporalidade registrados nas estruturas, também introduz
uma ambigüidade fundamental. Pois, permanece a questão de sa
ber até que ponto é possível uma sincronia absoluta eliminar, sem
dano, a dimensão temporal no interior do modelo.
A idéia da passagem de um estado de natureza para um esta
do de cultura implementa, deveras, o equívoco entre um concei
to da passagem como fato histórico ou como artifício retórico.
Mas tal limitação poderia tornar-se um trunfo analítico, e o argu
mento do autor de que esqueceu de assinalar inicialmente que
jamais considerou o advento da proibição do incesto e a troca de
mulhere� entre grupos aliados como um fenômeno históric026 não
convence plenamente. Lévi-Strauss coloca o modelo estruturalis
ta sincrônico num plano semelhante àquele do livro do Gênesis,
ao apresentar uma visão da Criação classificando e ordenando o
mundo que subentende a ambigüidade de um momento efetivo
de emergência.
Causa também reflexão a diferença entre a estrutura abrangen
te de Lévi-Strauss e aquela particular e restrita desenvolvida por
Clifford Geertz.
Geertz, antropólogo hermenêutico, teme fechar a análise cultu
ral no esquematismo, "longe de seu objetivo correto: a lógica infor
mal da vida real", e não se restringe à procura de estruturas
inconscientes universais. Os fatos particulares despertam sua aten
ção, e é no plano da temporalidade inerente à vida observada que ele
privil�����Es� ,�2ac!()nica. El!l �e�.�odelo �.�mi�tico, ,���
_ _
to para �alisar}���menos c��rais, também lida com parentesco e
_ _
109
mitos, cultura e natureza, mas é o "dito no discurso social" que o
preçcupa, a tradução de conflitos de idiomas entre atores de dra
mas sociais menores e exóticos.
Ele apenas decifra significados intrincados numa leitura de tra
mas que é sincrônica por oferecer um conjunto de significados cor
relacionados, mas permanece diacrônica no caráter efêmero da
leitura. E ele situa seus indivíduos, por meio de descrições densas,
no seio da "teia de significados culturais que eles próprios teceram
e na qual se encontram amarrados", sem tratar a cultura como um
sistema de elementos isolados ou uma elaboração duradoura.
Parece que, na obra do autor, são os significados culturais dota
dos de recorrência pela sua natureza simbólica que possibilitam
criar o conceito ligeiramente paradoxal de uma estrutura indubita
velmente dotada do poder de estruturar, mas que molda somente
relacionamentos diacrônicos efêmeros.
O modelo teórico construído por Sahlins resulta também inter
pretativo e semiótico. Porém opera, numa perspectiva de longa du
ração, a partir do conceito hocartiano da estrutura onde mitos e ritos
moldam empreendimentos humanos permeados de temporalida
de. O autor preocupa-se com a dinâmica do encontro cultural, com
o impacto do contato entre as culturas nativas e o mundo ocidental
e suscita uma vasta gama de questões diacrônicas vinculadas à
mudança social.
Sahlins aproxima "ação prática" e motivação simbólica recor
rente numa "estrutura da conjuntura" que poderia parecer uma des
crição densa, se não incluísse o confronto estrutural sistemático e
convincente entre ações e motivações "mitopoéticas" ou reavalia
ções da eficácia do diálogo por parte dos interlocutores que põem
em risco os esquemas estruturais da ordem cultural.
Há no diálogo temporal entre uma estrutura abstrata oferecen
do esquemas sincrônicos da ordem cultural e ações que são empíri
cas e diacrônicas uma releitura dialética curiosa das premissas
marxistas. Mas, na análise de Sahlins, os imperativos econômicos ce
dem a precedência aos mitos para explicar a "razão prática" dos fatos
sociais, encontrando na vida econômica, saussurianamente, um ter
ritório fértil para analisar estruturas que participam simultaneamente
110
da vida cultural aleatória dos signos e do contexto enraizado na
dimensão utilitária.
As definições que Lévi-Strauss, Braudel, Geertz, e Sahlins ofe
recem da estrutura social não se transformam em conceitos destina
dos a analisar os mesmos fenómenos. Longe de demonstrar um
quadro caóti�9_AE! noções conflitantes utilizadas "a torto e a direi-
'§", p�..rec.� afin�l _ ��!�Ú�_�
qie�9_� ª'����� ���_��nas visa� empre �
ender o estudo de o�j�tos d!..����os de investiga�ão, encontrando-se
m��s c.omplementar�� � ? 'l.�e anta� ��!.c �� .
_. _ _ . .
Estruturalismo e antropologia interpretativa, mesmo recorren
do à análise do discurso social, divergem em seu interesse pela
investigação de aspectos arrumados ou caóticos na organização do
comportamento. E a "descrição densa" das teias estruturadas de sen
tidos ou a ação mítica metafórica na "estrutura da conjuntura", apon
tam, ambas, para a interpretação de ações diacrónicas, fugazes, com
as quais o estruturalismo de Lévi-Strauss pouco se preocupa.
Nem Lévi-Strauss, nem Braudel, parecem alimentar dúvidas
quanto à adequação de seus conceitos ao objeto da análise e apre
sentam definições primordiais de estrutura sincrónica. A estrutura
social de Lévi-Strauss trouxe consistência à reflexão antropológica e
a longa duração de Braudel urna vida nova à História.
Geertz que incorporou às análises culturais a presença do even
to particular e temporal, em compensação não se diz tão satisfeito
com sua própria versão do "megaconceito" fundamental que "afli
ge a ciência social contemporânea" . Urna insatisfação, aliás, que
coincide com o desejo de Sahlins de "fazer explodir o conceito de
história pela experiência antropológica da cultura"27, cujas conse
qüências não seriam unilaterais, pois, "certamente urna experiên
cia histórica fará explodir o conceito antropológico de cultura -
incluindo a estrutura" .
Sua idéia de urna Antropologia estrutural histórica na qual: "His
toriadores desvalorizam o evento único em favor das recorrentes
estruturas subjacentes" quando "paradoxalmente os antropólogos
têm sido diacrónicos" explicita a volta a urna colaboração profunda
e necessária entre a História e a Antropologia, sem que fronteiras
entre as duas ciências humanas possam bloquear a reflexão.
111
A temporalidade, resgatada no âmago de significados cultu
rais mutáveis, estabelece relações transitivas e reversíveis entre as
estruturas culturais e as atuações individuais, em lugar de relações
sincrônicas unívocas: uma situação que limita e dissolve a idéia pro
fícua da estruturação. Fundir numa dupla lei�ra, simultâne�fu!9..s
�ricos e antropológicos representa, hoje, um�J'-e.�sE!,:ctiy'ª_Ç}!!e
impõe a seriedade da colaboração ���_':l�\Tel. �.J.ll Jrea de fr0!.l-!�i!"�
entre a Antropologia e a História' ���! E���X.�.? . ����_��ent..E:.�
_ _ _ .
Erecisa
-
ser inc0!E0rada à leitura dos documentos.. históricos e"' ,.----
---_._-
ao tra-
-- -----_._, ._----._ _ .�. .. . . . . . . . .. . . .
NOTAS
1 Segundo Lévi-Strauss, embora Kroeber tenha sido um dos primeiros autores a utilizar o
conceito de estrutura social, posteriormente ele se arrependeu vendo este conceito como
uma "concessão à moda" de sonoridade agradável e conteúdo utilizado "a torto e a
direito". LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
Tempo Universitário, 1970. Cap. Xv, p. 300.
2 Escreve Radcliffe-Brown : "Por estrutura social entendemos qualquer arranjo de pessoas
em relacionamentos institucionalizados ". RADCLIFFE-BROWN, A. R. " Sistemas afri
canos de parentesco e casamento". ln: Rndc/iffe-Brown, antropologia. Melatti, J. C. (Org.) .
São Paulo: Ática, 2. ed., 1995, p. 111.
3 LÉVI-STRAUSS, C laude. Antropologia estrutura/. Obra citada. Cap. Xv.
• LÉVI-STRAUSS, Claude. La pensée sauvage. Paris: Plon, Agora,1962, Cap. I.
5 LÉVI-STRAUSS, Claude. Le totémisme aujourd'hui. Paris: PUE, 1969.
• LÉVI-STRAUSS, Claude. O cru e o cozido. São Paulo: Brasiliense, 1991.
7 LÉVI-STRAUSS, Claude. La pensée sauvage. Obra citada, Capítulo IX.
• LÉVI-STRAUSS, Claude. O cru e o cozido. Obra citada. Abertura.
• LÉVI-STRAUSS, Claude. História e etnologia. Textos didáticos UNICAMp, p. 25.
10 LÉVI-STRAUSS, Claude. La potiere jalouse. Paris: Plon, Agora , 1985, p. 179-180.
11 LÉVI-STRAUSS, Claude. História e etnologia. Textos didáticos. UNICAMP.
12
DOSSE, François. História do estruturalismo. I : O campo do signo 1 945/1 966. São Paulo:
Ensaio, 1993, p. 27.
13 SARTRE, Jean Pau\. Question de méthode. Paris : Gallimard, 1986, p. 147.
"Chaque fois que /'entreprise d'un homme ou d'un groupe d'hommes devient objet pour
d'autres hommes qui la dépassent vers leurs fins et pour /'ensemble de la société, celte
entreprise garde sa finalité comme son unité réelle et elle devient pour ceux méme qui la
lont un objet extérieur (on verra plus lain certaines conditions générales de cette aliéna
tion) qui tend à les dominer et à leur survivre ". ( Tra d uçã o :
"Cada vez que o empreen
dimento de um homem ou de um grupo de homens faz com outros homens
tenham como objetivo o ul trap as s em em relação à sua finalidade e junto à socie
dade, este empreendimento guarda sua finalidade como sua unidade verdadeira
112
e ela toma-se por si mesma a fonte de um objeto exteri o r (veremos mais adiante
certas condições gerais desta alienação) que tende a dominar-lhes e a sobre
viver lhes - ".
23 HOCART, Arthur Ma urice . "Sistemas de parentes co " . ln: Organização Social. LARAIA,
R. de Barros (org.). Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
24 SAHLINS, Marshall. Historical metaphors and my thical realities, structure in the ear/y history
of the Sandwich Islands Kingdom. Obra citada.
B IBLIOGRAFIA
BRAUDEL, Fernand. La Méditerranée et le monde méditerranéen à /'époque de Philippe
II. 3 v., Paris: Armand Colin, 1990.
BRAUDEL, Fernand. "La longa duración". La História y las Ciências Socia/es. Ma
drid: Alianza Editorial, 1 970.
1 13
L� Vl-STRAUSS, Claude. Le totémisme aujourd 'hui. Paris: PUF., 1969.
L� Vl-STRAUSS, Claude. O cru e o cozido. São Paulo: Brasiliense, 199 1 .
L� Vl-STRAUSS, Claude. História e etnologia. Textos didáticos, UNICAMP.
L�Vl-STRAUSS, Claude. La potiere jalouse. Paris: Plon, Agora,1985.
RADCLIFFE-BROWN, Alfred Reginald. "Sistemas africanos de parentesco e ca-
samento". ln: Racliffe-Brown, Antropologia. MELA. TTI, Júlio César, São Paulo:
Á tica 2. ed., 1995.
,
114