Você está na página 1de 8

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA

ALINE PAIVA CONCEIÇÃO


MARIA FLÁVIA NOGUEIRA
THAÍS DA SILVA BORGES

TRABALHO PARCIAL EM GRUPO

Prof. Sérgio Ivan Gil Braga


Disciplina: Teoria Antropológica II – 2020/01

MANAUS
2021
1. Qual é o entendimento de Claude Lévi-Strauss sobre a “passagem da
natureza para a cultura” e a “proibição do incesto”, no texto “As estruturas
elementares do parentesco” (1982)?

Na obra “Les structures élémentaires de la parenté” (1982) ou “As estruturas


elementares do parentesco”, o antropólogo e filósofo francês, fundador da
Antropologia Estruturalista, Claude Lévi-Strauss (1908-2009) aborda o tema do
parentesco, analisando, entre outros povos, os aborígenes australianos e,
particularmente, seus sistemas de matrimônio e parentesco.
Nesta análise, Lévi-Strauss desmente e contesta questões amplamente
discutidas no contexto da antropologia cultural acerca da temática, não se limitando
a tentar entender o que empiricamente se apresentava, ele buscou investigar e
aplicar seu método estrutural nesse ensaio antropológico. O antropólogo afirma que
as alianças são mais importantes para a estrutura social que os laços de sangue e
acreditava existir uma lógica formal inserida nas estruturas de parentesco,
evidenciando nesse estudo a lógica que orienta as diversas regras de casamento
entre os povos "primitivos". Assim, parte da proibição do incesto, de caráter ambíguo
e "pré-social", não pretendendo encontrar sua explicação nas "configurações
históricas", mas nas "causas profundas e onipresentes que fazem com que, em
todas as sociedades e em todas as épocas, exista uma regulamentação das
relações entre os sexos" (p. 61).
No decorrer da obra, o autor indaga: “Onde acaba a natureza? Onde começa
a cultura?” (p.42). Para Strauss, não há significação histórica aceitável para a
distinção entre estado de natureza e de sociedade, pois "o homem é um ser
biológico, ao mesmo tempo que um indivíduo social" (p.41). Ele complementa que
não existe possibilidade de "apreender o ponto de passagem entre os fatos da
natureza e os fatos da cultura, além do mecanismo de articulação deles" (p. 47).
Nessa lógica, chega ao entendimento que tudo que diz respeito à cultura se
caracteriza pela norma e tudo o que concerne à natureza tem caráter universal.
Ainda segundo o antropólogo, a passagem da natureza para a cultura só
seria possível com a proibição do incesto, uma vez que esta:

apresenta, sem o menor equívoco e indissoluvelmente reunidos os dois


caracteres nos quais reconhecemos os atributos contraditórios de duas
ordens exclusivas, isto é, constituem uma regra, mas uma regra que, única
entre todas as regras sociais, possui ao mesmo tempo caráter de
universalidade (p.47)

Portanto, proibição do incesto seria uma regra social e ao mesmo tempo


pré-social, devido a sua universalidade e pelo tipo de relações que impõe sua
norma, ainda que se possa imaginar que em alguns povos são permitidos
casamentos com pessoas da mesma família e/ou do mesmo sangue, sempre haverá
algum tipo de proibição. Para Strauss, uma das razões para a proibição está
associada ao casamento, um rito utilizado como sistema de trocas entre povos,
devido à necessidade de se estabelecer alianças com alguém fora do seu círculo
familiar. O autor completa seu raciocínio afirmando que “a proibição do incesto está
ao mesmo tempo no limiar da cultura, na cultura, e em certo sentido é a própria
cultura”. (p .50). Castro (2018, p. 174) reforça a tese do autor ao colocar que a
referida é “vista por ele como a regra da dádiva por excelência, pois obriga a
sociedade à troca e à aliança, instituindo a reciprocidade e afirmando a existência
social do outro.”
Por fim, percebe-se que para o antropólogo, o "tabu do incesto" é um
fenômeno universal, presente em todas as sociedades humanas, porém cada
sociedade desenvolveu mecanismos diferenciados, com o intuito de justificar e
aplicar as regras de proibição das relações sexuais e maritais consanguíneas.
Enfim, a tese de Lévi-Strauss é que a proibição do incesto é universalmente imposta
a fim de dar fluxo às relações sociais com base nas alianças concebidas pelo
casamento, estabelecendo a "troca de mulheres entre homens", condição
indispensável à instituição do matrimônio, da família, do parentesco e da própria vida
social.

2. Com base nos textos “O Totemismo Hoje” (1980) e “O Pensamento


Selvagem” (1976), capítulo “A ciência do concreto”, qual é o entendimento de
Claude Lévi-Strauss sobre “totemismo” e “ciência do concreto”?

O “Totemismo hoje” (1975) apresenta-se como uma introdução histórica e


crítica ao “Pensamento Selvagem” (1989). Antes, tanto o pensamento selvagem
quanto o totemismo situavam-se no problema geral das classificações, no campo
irracional. Agora, Claude Lévi-Strauss os promove à atividade racional. Ao
desvendar a ilusão da teoria totêmica, Corrie (1975, p.7) afirma que "o totemismo de
Claude Lévi-Strauss questiona a distância entre o pensamento dito selvagem e do
civilizado do próprio pesquisador". Strauss dialoga com diversos autores, como:
Frazer, Boas, Murdock, Linton, dentre outros, buscando traçar um panorama
histórico e levantar discussão acerca do totemismo. O autor critica posições arcaicas
dentro da própria disciplina, estas posições seriam uma tentativa de inferiorizar o
homem "primitivo" em relação ao "civilizado”, para ele a civilização ocidental não é
privilegiada e única1:

Para conservar na sua integridade, e ao mesmo tempo fundamentar, os


modos de pensamento do homem normal, branco e adulto, nada poderia,
pois, ser mais cômodo, do que reunir costumes e crenças exteriores a seu
mundo [...] ao redor dos quais viriam a se cristalizar, em massa inerte, ideias
que fossem menos inofensivas, caso houvesse necessidade de reconhecer
sua presença e a atividade em todas as civilizações, inclusive a nossa."
(BRUCE, 1975, p.14)

Contrariando as perspectivas de sua época (arte totêmica como uma


continuidade entre natureza e cultura), Strauss não classifica o totemismo como uma
relação ingênua de identidade dos seres humanos com a natureza, entretanto, para
ele representa uma forma de diferenciação dos indivíduos entre si e organização,
um sistema complexo de classificação com sua própria operacionalidade. Este
sistema de classificação, deve ser analisado através de uma ótica própria:

O pretenso totemismo escapa a todo esforço da definição absoluta.


Consiste, quando muito, numa disposição contingente de elementos não
específicos. É uma reunião de particularidade, empiricamente observáveis
num certo número de casos, sem que resultem daí, necessariamente,
propriedades originais, mas não uma síntese orgânica, um objeto de
natureza social. (LÉVI-STRAUSS, 1980, p.98)

Segundo Montini (2014), para Strauss o totemismo é uma ilustração particular


de certos modos de reflexão; o recurso das diferentes culturas às espécies animais e
vegetais para denotar sistemas sociológicos ocorrendo, assim, somente em função das
possíveis inter relações que estes seres vivos nos apresentam, como solidariedade e
oposição, características do pensamento humano, também presentes nos contextos
ditos civilizados.
No começo do capítulo “A ciência do concreto” (1989), Strauss apresenta a
língua e a maneira de pensar dos ditos “povos primitivos”, que possuem sua própria
lógica, essa é baseada somente naquilo que é útil para eles. Segundo Handy, citado

1
Pode-se afirmar que o pensamento dito selvagem é carregado de sensibilidade e sentido. Ao
mesmo tempo que é mais próximo da natureza é também cercado de inteligibilidade
por Lévi-Strauss “A indiferença que o indígena tem em relação àquilo que não lhe é
útil é a mesma que um especialista em nossa civilização tem com fenômenos que
não estão diretamente ligados ao seu domínio.” (p.16).
Sendo assim, a lógica do pensamento primitivo não é única e exclusivamente
dos povos ditos primitivos. Através de vários exemplos, ele busca convencer o leitor
que quando os povos primitivos têm o interesse de fazer as distinções daquilo que
eles já têm um amplo conhecimento, em busca de melhorar o entendimento de sua
realidade, equiparam-se ao nível da ciência moderna, isso implica em métodos de
observação semelhantes.
A ciência não é dividida em primitiva e moderna, elas coexistem. Uma é a
ciência do concreto (sociedades simples) e a outra a ciência moderna (sociedades
complexas). A ciência do concreto assume seu caráter científico classificando, e
formulando teorias e explicações. Diferencia-se da ciência moderna na medida que
utiliza do raciocínio metafórico e analógico, e pode oferecer acalento e respostas às
dificuldades enfrentadas pelos integrantes da sociedade. Posto isso, Lévi-Strauss
consegue expor que um dos expoentes da ciência do concreto é sua preocupação
com os eventos naturais e humanos.

3. De acordo com os textos “A estrutura dos mitos” (1975) e “O cru e o cozido”


(1991), qual é o entendimento de Claude Lévi-Strauss sobre: “pensamento
mítico” e análise estrutural do mito?

“A Estrutura dos Mitos” é um dos capítulos do livro “Antropologia Estrutural”


(2008) e sua leitura em conjunto com a “Abertura” de “O Cru e o Cozido” (2010), a
primeira parte da série “Mitológicas”, nos entrega a perspectiva de Claude
Lévi-Strauss sobre o que seria o pensamento mítico e como desenvolver a análise
desse pensamento, e dos mitos em si, através das lentes da Antropologia Estrutural.
A partir da crítica à etnologia religiosa, que tende a colocar a mitologia como uma
forma grosseira de especulação filosófica (2008, p. 222), o autor parte para uma
nova maneira de interpretar o pensamento mítico:

A lógica do pensamento mítico pareceu-nos tão exigente quanto a que


fundamenta o pensamento positivo e, no fundo, pouco diferente. Pois a
diferença está menos na qualidade das operações intelectuais do que na
natureza das coisas a que se referem tais operações. (p. 248)
Desta sentença de caráter conclusivo pode-se tirar dois elementos do
pensamento de Lévi-Strauss: 1) O pensamento mítico não é resultado de uma
mente menos “avançada”2; 2) A análise estrutural dos mitos é feita a partir de
métodos mais complexos que aqueles utilizados até agora.
Sendo assim, para que se possa entender o pensamento mítico é preciso
saber que o mito pertence à linguagem e também vai muito além dela. Os mitos
também podem ser definidos por um sistema de dupla estrutura, histórica (pois
sempre se referem a uma sequência de eventos passados) e a-histórica, o que faz
com que pertençam tanto à fala quanto à língua3 (p. 224-225). “O pensamento mítico
provém da tomada de consciência e tende à sua mediação progressiva” (p. 242).
Ademais, Strauss entende que o elemento principal dos mitos é a história contada,
sendo variações de estilo, localidade e personagens, elementos secundários
nascendo assim “um corpo multidimensional, cuja organização é revelada nas partes
centrais(...)” (2010, p. 21)
Os elementos próprios do mito são chamados de mitemas, que são grandes
unidades constitutivas. Para que seja feita a análise estrutural do mito, num primeiro
momento deve-se analisar cada mito de maneira independente, buscando sintetizar
os acontecimentos em frases curtas e objetivas que devem ser distribuídas em
fichas separadas. Entretanto, conforme mostra o autor, apenas essa metodologia
não considera a dupla natureza dos mitos. Para que este empecilho seja resolvido,
elabora-se um sistema que combina os feixes de relações dos mitemas. Com isso,
Lévi-Strauss consegue resumir o mito de Édipo em apenas quatro colunas
diacrônicas e sincrônicas que reúnem os elementos principais da história total.
A análise estrutural dos mitos é renovada com o lançamento de “O Cru e o
Cozido”. Sabe-se que um mesmo mito pode ter várias versões. E que muitos deles
se parecem, mesmo que as sociedades a qual pertencem estejam geograficamente
distantes e desconectadas. Longe do viés evolucionista, Strauss mostra que “a
divergência das sequências e dos temas é um atributo fundamental do pensamento
mítico” (2010, p. 24).

2
O autor finaliza “A Estrutura dos Mitos” com a possibilidade de que a lógica operante do
pensamento mítico pode ser a mesma do pensamento científico. Ou seja, não há estágios de
evolução do pensamento humano e o homem sempre pensou igualmente bem (1975, p. 248)
3
Ao pertencer à fala isso permite que possam ser analisados. E pertence à língua pois é partir dela
que os mitos são formulados
As mitologias, sempre em construção, sem início ou fim definidos, são agora
analisadas da mesma forma que se analisa uma partitura musical. Tanto o mito
quanto a música são linguagens que transcendem o plano da linguagem articulada e
também a antinomia do tempo histórico (p.35). Além disso, são duas expressões
que acionam aos seus ouvintes as mesmas estruturas mentais: “A música expõe o
indivíduo seu enraizamento fisiológico, a mitologia faz o mesmo com o seu
enraizamento social. Uma nos pega pelas entranhas, a outra (...), pelo grupo” (p.
48).
Em suma, ao reconhecer no pensamento mítico uma lógica completa e
própria, ainda que possa ser comparada a outras formas de linguagem, como a
música, Lévi-Strauss também expõe métodos complexos para a análise estrutural
dos mitos, levando em conta os seus componentes fisiológicos e sociais. A análise
mítica do autor não busca explicitar como pensam os homens, mas sim como os
mitos se pensam nos homens.
REFERÊNCIAS

CASTRO, Celso. Textos Básicos de Antropologia - Cem anos de tradição: Boas,


Malinowski, Lévi-Strauss e outros, 1ª Reimpressão. Ed. Zahar. Rio de Janeiro, 2016.

LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. Tradução de:


M. Ferreira. Ed. Vozes: Petrópolis, 1982.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Ed. Cosac Naify: São Paulo,


2008.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O Cru e o Cozido. Tradução de: B. Perrone-Moisés. Ed.


Cosac Naify: São Paulo, 2010.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem. Tradução de: T. Pellegrini. Ed.


Papirus: São Paulo, 1989.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Totemismo hoje. Tradução de: M. B. Corrie. Ed. Vozes:


Petrópolis, 1975.

MONTINI, Patrícia Moser. Resumo o Totemismo Hoje (Lévi-Strauss). 2014.


Disponível em:
http://enquantoensaio.blogspot.com/2014/09/resumo-o-totemismo-hoje-levi-strauss.h
tml?m=1. Acesso em 23 jun. 2021

Você também pode gostar