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Aline Jones - RA: 0022816

Fernando Silva - RA: 0022829

Prova de Antropologia III - Noturno


(Avaliação 2)

São Paulo
2019
1- Expliquem como C. Levi-Strauss entende a noção de estrutura, quais as
condições para um modelo ser considerado uma estrutura, e por que, para o autor,
a linguística, em sua vertente fonológica e estrutural, pode fornecer uma
importante inspiração metodológica para a antropologia.

Para que se entenda a noção de estrutura presente nos estudos de C. Lévi-


Strauss, assim como o autor conduz, é necessária uma rápida exposição conceitual sobre
o tema. Segundo o próprio Lévi-Strauss coloca em seu livro Antropologia Estrutural, “a
noção de estrutura social evoca problemas demasiado vastos e vagos para que se
possam tratá-los nos limites de um artigo”. Tendo em vista a vasta amplitude
bibliográfica a respeito da noção de estrutura, aqui, me atenho a ser breve, e claro,
devido ao tempo que me cabe, não explorar todas as possibilidades que permeiam as
várias observações sobre o assunto, e que ofereceriam um suporte teórico interessante
para uma melhor compreensão da noção de estrutura em Lévi-Strauss. No entanto,
sigamos.
Para nos situarmos um pouco sobre a distinção entre os sentidos que possam ser
atribuídos à noção de estrutura, Lima (1970), diz que a “incompreensão do
estruturalismo principia por seu nome”, e que os diferentes sentidos atribuídos à noção
de estrutura podem confundir o leitor. Com isso, dois exemplos são citados através de
Pouillon (apud LIMA, 1970), em resumo: o primeiro exprime o conceito de estrutura
enquanto forma – em que apenas com uma observação empírica a estrutura se torna
apreensível -, o segundo, conceito próprio ao estruturalismo, problematiza o primeiro
conceito, e considera que os limites traçados para os conjuntos que formam esta
“primeira” estrutura, são sempre discutíveis, a saber: conjuntos linguísticos, sociais ou
culturais.
Lévi-Strauss se vale da problematização de alguns autores que escreveram sobre
o conceito de estrutura para traçar uma linha de raciocínio que corrobore com a noção
de estrutura que ele pretende utilizar, citando autores como Kroeber. Essa busca
infindável para encontrar o que de fato vem a ser uma estrutura, grosso modo, é deixada
de lado pelo próprio Lévi-Strauss. “Ou o termo estrutura social não tem sentido, ou este
mesmo sentido tem já uma estrutura” (p. 315), no entanto - esse é um ponto importante
de sua obra – o autor deixa claro que o sistema de parentesco é o principal contexto em
que a noção de estrutura aparece, o que nos permite uma compreensão em uma
dimensão mais palpável sobre noção estrutura que Lévi-Strauss pretende trabalhar. Isso
se exemplifica quando Lévi-Strauss fala das diferentes “relações” que o avunculado

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pode ter dentro de um sistema estruturado, que no caso, o mais básico, seria o de irmão,
irmã, pai, filho.
Outro ponto importante é a distinção que o autor faz em relação a duas noções
vizinhas que podem ser confundidas, a noção de “estrutura social” e a de “relações
sociais”. “As relações sociais são a matéria prima empregada para a construção dos
modelos que tornam manifesta a própria estrutura social” (p. 316). Para Lévi-Strauss, as
pesquisas de estrutura constituem um método que pode ser aplicado a diversos
problemas etnológicos. Nesta construção teórica a respeito da noção de estrutura, Lévi-
Strauss tenta desenvolver uma teoria do logicamente possível, construída a partir do real
concreto. Porém, esta busca está longe de ser algo simples:

Se, como cremos, a atividade inconsciente do espírito consiste em impor


formas a um conteúdo e se essas formas são fundamentalmente as mesmas
para todos os espíritos, antigos e modernos, primitivos e civilizados – como o
estudo da função simbólica, tal qual se exprime na linguagem, o mostra de
maneira tão manifesta – é necessário e suficiente atingir a estrutura
inconsciente, subjacente a cada instituição e a cada costume, para obter um
princípio de explicação válido para outras instituições e outros costumes,
com a condição, naturalmente, de prolongar bastante a análise (Antropologia
Estrutural, p. 37)

Com isso, o autor ainda coloca o assunto como um problema epistemológico


quando enuncia as condições para se tenha uma estrutura, pois esta não influencia na
matéria prima com que ele trabalha. Os “modelos”, que, em uma compreensão pessoal e
simplista, são as partes menores que podem representar uma estrutura, só são
considerados como tal, se atenderem às seguintes definições: em primeiro lugar,
estrutura tem caráter de sistema, ou seja, quando um dos elementos se modifica, todo o
sistema é modificado; segundo, “todo modelo pertence a um grupo de transformações,
cada uma das quais corresponde a um modelo da mesma família, de modo que o
conjunto destas transformações constitui um grupo de modelos”(p.316); em terceiro, “as
propriedades indicadas acima permitem prever de modo reagirá o modelo, em caso de
modificação de um de seus elementos, e por fim “o modelo deve ser construído de tal
modo que seu funcionamento possa explicar todos os fatos observados”. Lévi-Strauss
então explica o funcionamento desses modelos, que, para um melhor entendimento, e, a

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fim de que não me estenda tanto, posto que demandaria mais páginas, citarei a mais
importante dentro desta sucinta exposição.
A observação e a experimentação são níveis que sempre serão distinguidos. “A
observação dos fatos e a elaboração dos métodos que permitem utilizá-los para construir
modelos não se confundem nunca com a experimentação por meio dos próprios
modelos”. Esses dois pontos correspondem a duas etapas da pesquisa, mas têm íntima
relação entre a concretude etnográfica e a validade do modelo construído a partir dela.
Assim, o “modelo verdadeiro” será o melhor, o mais simples, o que conseguirá explicar
um grupo de fenômenos.
Estes estudos sobre a noção de estrutura têm sido bastante influenciados pelo
notável desenvolvimento da linguística enquanto metodologia de pesquisa, pois os
linguistas possuíam métodos de investigação mais rigorosos. Para Lévi-Strauss – autor
referência para o pensamento estruturalista - que teve acesso ao progresso da linguística
estruturalista de Saussure e a fonologia de N, Trubetzkoy, a relação entre a estrutura
metodológica empregada nos estudos da linguística e posteriormente da fonologia e os
estudos da sociologia e da antropologia, é digna de uma observação mais profunda e de
estreita intimidade, mas claro, guardadas as devidas diferenciações que o autor faz em
Antropologia Estrutural. “Os linguistas fornecem aos sociólogos etimologias que
permitem estabelecer entre certos termos de parentesco laços que não eram
imediatamente perceptíveis” (p. 46). Trubetzkoy, em seus estudos sobre fonologia,
introduz a noção de sistema, que visa à descoberta de leis gerais, mostrando sistemas
fonológicos concretos e evidenciando suas estruturas, se recusando a tratar os termos
como independentes. Nesta situação, ao se estudar, por exemplo, os termos de
parentesco, estes, por sua vez, se tornam elementos de significação que se integram a
sistemas, os “sistemas de parentesco”.

[...] a recorrência, em regiões afastadas do mundo e em


sociedades profundamente diferentes, de formas de parentesco,
regras de casamento e atitudes igualmente prescritas entre certos
tipos de parentes etc., leva a crer que, num caso como no outro,
os fenômenos observáveis resultam da operação de leis gerais,
mas ocultas [...] (AE, p. 49).

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Nos estudos dos problemas de parentesco há então uma semelhança com os
estudos do linguista fonólogo, pois assim como os fonemas exercem significação, pelo
fato integrarem um sistema, os termos de parentesco só adquirem significação sob a
condição de se integrarem a um “sistema de parentesco”. Essas estruturas, as quais
Lévi-Strauss também associou à estudos matemáticos, são encontradas também em
outros estudos, assim como na passagem de um mito ao outro, de uma classificação à
outra, etc. Interessante notar a que associação feita para que haja essa transposição entre
o modelo linguístico, é que o sistema de parentesco é tido como uma linguagem, daí, se
compara a língua, pois, justamente, entre na ordem da significação e do
discurso. Assim, fica claro que o estruturalismo aplicado á antropologia e as ciências
sociais, procede do modelo linguístico.
Lévi-Strauss não desconsidera totalmente o diacronismo presente no
historicismo e na linguística num sentido evolucionista, porém, para os fins
estruturalistas, os arranjos e as organizações sistemáticas são fatores base para que se
façam estudos em que se observe um estado inicialmente inteligível que esteja ao lado
da sincronicidade. Está analogia estrutural entre fenômenos sociais e a linguagem é
bastante complexa, tanto mais se considerada em sua estrutura fonológica. “Em que
sentido pode-se dizer que natureza une-se à mesma da linguagem” (LÉVI-STRAUSS
apud LIMA, 1970). Devido a complexidade com que Lévi-Strauss trabalha esses
conceitos, uma exposição mais qualificada e detalhada de sua obra demandaria muito
tempo. Concluo, no entanto, que o estruturalismo presente na obra de Lévi-Strauss,
tomou para si, em grande parte, não só a estrutura dos métodos de investigação
linguísticos – no que concerne à ideia de formação dos termos que compõem um
sistema – mas, principalmente, a fonologia de Trubetskoy, que, com suas
particularidades metodológicas de pesquisa, ao se transporem, aferem sentido às
pesquisas em ciências sociais e delineiam um campo lógico onde se consegue chegar a
estruturas possíveis de serem estudadas.

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2) Segundo Claude Lévi-Strauss "...na troca há algo mais que coisa trocadas". A luz desta
afirmação, explique a teoria sobre a reciprocidade proposta pelo autor.

Em "As Estruturas Elementares do Parentesco", Lévi-Strauss divide em cinco


capítulos sua busca pela passagem do estado de natureza do homem para o estado de
sociedade, encontrando nas regulamentações de relação entre homens e mulheres dos
povos "primitivos", uma lógica universal das estruturas de parentesco.
Tendo em vista que o homem é um ser biológico e ao mesmo tempo um
indivíduo inserido num contexto social, a pergunta que se faz é: onde termina a natureza
e começa a cultura no comportamento do homem? Nesse sentido, no primeiro capítulo
se identifica que cultura se relaciona com regras estabelecidas e natureza se relaciona
com tudo que é universal. É por isso que, para Lévi-Strauss, a regra do incesto está na
fronteira entre natureza e cultura, compreendendo nela a passagem da relação
consanguínea para uma relação social de aliança. A aliança precisa existir, mas quem
determina como ela vai existir é a cultura, é um fenômeno universal que se molda
dependendo da sociedade.
No momento que se estipula uma regra geral, o grupo afirma o que considera
que é importante para ele, nesse sentido, o sistema de aliança matrimonial estabelece
que as mulheres e sua fertilidade são importantes para o desenvolvimento do grupo.
Acontece que tanto as trocas matrimoniais quanto as econômicas evocam um sistema de
reciprocidade que transcende o que está sendo trocado. O valor agregado é o fato de
transformar os indivíduos em parceiros, cúmplices em manter a sobrevivência do grupo
que depende dessas trocas e parcerias.
Lévi-Strauss aborda o princípio da reciprocidade no quinto capítulo,
aprofundando a troca como uma estrutura fundamental do espírito humano. A
reciprocidade transcende a pura satisfação de cada parceiro para adquirir um espectro
mais amplo. É a preocupação pelo outro que produz valores e ultrapassa uma relação de
troca convencional. Possui significação social, religiosa, mágica, econômica, utilitária,
sentimental, jurídica e moral. O fundamento das instituições matrimoniais, marcadas
pela proibição do incesto, é um território conscientemente assimilado de uma urgência
profunda do espírito humano.
As relações e estruturas de parentesco são conduzidas por um princípio de
reciprocidade que seria um ato reflexivo, uma relação subjetiva entre indivíduos, o que

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difere completamente de uma simples permuta de propriedades. “Não é porque
trocamos as coisas que damos sentido a elas, mas porque nós damos sentido a elas é
que as trocamos.” 1
Lévi-Strauss assume a reciprocidade como estrutura elementar das relações de
parentesco para compreender a troca em um aspecto mais amplo e complexo de suas
formas simbólicas. “Mauss julga ainda possível elaborar uma teoria sociológica do
simbolismo, quando é preciso evidentemente buscar uma origem simbólica da
sociedade”2. O autor demonstra a importância da função simbólica das “trocas” na
organização social, porque é o momento em que se estabelece a diferença e parceria
entre 'eu' e o 'outro'.
Nessas trocas os homens não só garantem alianças, mas também previnem
inimigos e guerras, é "um processo ininterrupto de dons recíprocos, que realiza a
passagem da hostilidade à aliança, da angústia a confiança, do medo à amizade"3. A
proibição do incesto exige uma organização social, pois o indivíduo necessita de
garantias que renunciar aos seus parentes lhe oferecerá os parentes do outro, em um
desapego mútuo e simétrico que revela a reciprocidade. Para que Lévi-Strauss possa
propor uma teoria geral dos fatores elementares do ser humano, ele trata de buscar essas
fórmulas circunscritas no espírito do homem, a fim de evidenciar este fenômeno como
essencial para construção e conservação das relações sociais.

1
M atrice “ e Mauss a laude vi-Strauss 50 anos depois: por uma ontologia Maori”
Cadernos de Campo [Online], 2006, (p. 37-56).
2
2. LÉVI-STRAUSS, Claude. “Introdução á obra de Marcel Mauss”. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e
Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003 (p. 22).
3
3. LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 2003 ( p.107)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DESCOLA, P. Claude Lévi-Strauss, uma apresentação. Estudos Avançados, São


Paulo, v. 23, n. 67, p. 148-160, 2009.

LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural. 5. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,


1996.

LIMA, L. C. O estruturalismo. 2. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1970.

THIRY-CHERQUES, H. R. O primeiro estruturalismo: método de pesquisa para as


ciências da gestão. Revista de Administração Contemporânea. Curitiba, v. 10, n. 2,
p. 137-156, Jun. 2006.

LÉVI-STRAUSS, Claude. “Introdução á obra de Marcel Mauss”. In: MAUSS,


Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003

LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis:


Vozes, 2003

MERLEAU-PONTY, Maurice. “ e Mauss a laude v -Strauss” (pp. 381-396). In:


Edmund Husserl e Maurice Merleau-Ponty. Coleção “Os pensadores”. São Paulo:
Editora Abril, 1975.

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