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| E-ISSN 1808-2599 |
A comunicação e as organizações
como sistemas complexos: uma
análise a partir das perspectivas de
Niklas Luhmann e Edgar Morin
João José Azevedo Curvello e Cleusa Maria Andrade Scroferneker
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1 Descobrindo a complexidade
Resumo
O pensamento complexo, na forma como o
Este texto tem por objetivo refletir, por meio de
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.11, n.3, set./dez. 2008.
pesquisa bibliográfica e análise teórica, sobre as conhecemos hoje, começa a se delinear a partir das
possibilidades de compreensão e apreensão da
transformações nas ciências naturais e matemáticas
complexidade das organizações e da comunicação
a partir de lentes paradigmáticas que propõem no início do século XX, que colocam em dúvida
concepções simultaneamente distintas e “o estatuto epistemológico e ontológico da física
complementares. Por um lado, o Paradigma da
Complexidade desenvolvido por Edgar Morin, newtoniana, à qual se ligavam as idéias de universo
que revela a exaustão do antigo paradigma, determinista, reduções e causas últimas, mecanismo
identificado como Paradigma da Simplicidade. De
outro, a abordagem sistêmico-comunicacional de
e reversibilidade” (NEVES; NEVES, 2006, p. 183).
Niklas Luhmann, que muda o olhar para a relação Até então, vigorava uma visão de mundo que
de diferenciação que acontece entre sistema
se baseava na ordem das coisas, na legislação
organizacional e ambiente e quebra com a tradição
de análise do todo e da parte. universal, na matemática, na sistematização do real,
Palavras-chave
no absoluto, na máquina.
Complexidade. Sistemas sociais. Organizações.
Autopoiese. Recursividade. Comunicação.
Essa visão, marcada pela racionalidade científica,
reduzia os fatos sociais às suas dimensões
mensuráveis e via no controle e na normatização os
João José Azevedo Curvello | curvello@pos.ucb.br
principais meios de garantir a ordem.
Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes
da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Professor e diretor do Programa
de Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília – UCB. As organizações sociais, na passagem do século XIX
Cleusa Maria Andrade Scroferneker | scrofer@pucrs.br para o século XX, foram moldadas e estruturadas
Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e sob esse paradigma. Esses modelos organizacionais
Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Professora do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação são bem descritos por Max Weber (1947, apud
Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul –
FAMECOS/PUCRS. ETIZIONI, 1980, pp. 85-92) quando sugere que
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uma estrutura moderna de organização só será ordenar, aparece como uma busca incessante
eficiente se possuir autoridade burocrática. Para do homem racional de dominar as realidades.
tanto, descreve os aspectos que determinariam Realidades estas que sempre foram complexas e
toda a racionalidade do sistema (Fig.1). traziam dentro de si componentes inexplicáveis,
Uma organização contínua de funções oficiais, ligadas por regras (o que permite a
padronização de atitudes e ações)
A organização dos cargos segue o princípio da hierarquia; isto é, cada cargo inferior
está sob controle e supervisão de um posto superior (a submissão necessita ser
permanentemente verificada e reforçada).
As regras que regulam a conduta de um cargo podem ser regras ou normas técnicas.[...]
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torna-se necessária uma preparação especializada.” (Weber considerava o conhecimento
e o preparo como raiz da autoridade burocrática).
É necessária uma completa ausência de apropriação de suas posições oficiais pelo titular
(as posições não podem ser monopolizadas por qualquer titular e precisam estar livres
para serem distribuídas e redistribuídas de acordo com as necessidades da organização).
Fonte: elaborado a partir de Max Weber (1947, apud ETIZIONI, 1980, pp. 85-92)
A criação desse modelo administrativo tem, não interpretáveis, não controláveis, da ordem
certamente, raízes históricas na ciência. Não e do caos. Por isso, a frenética busca pelo
podemos esquecer que o processo de construção controle. Essa é a marcha de uma das áreas de
de modelos é formado por uma rede logicamente conhecimento das Ciências Sociais Aplicadas: a
coerente de conceitos para interligar os dados Administração. Organizar e ordenar para melhor
observados e expressá-los, sempre que possível, controlar. Em suma, esse tem sido o objetivo dos
em linguagem matemática. A finalidade de estudiosos dessa área e tem contribuído para
quantificação, nesse caso, é dupla: conseguir construir toda uma ideologia gerencial em que
precisão e garantir a objetividade científica as questões são avaliadas a partir da perspectiva
mediante a eliminação de qualquer referência da racionalidade econômica, através da
ao observador. A tentativa de quantificar, medir, otimização dos meios, com rapidez, em busca da
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eficácia. Essa racionalidade, aliada às estruturas Esse processo vai contribuir para o surgimento
burocráticas, acaba por impor barreiras ao livre das primeiras proposições de uma Teoria Geral
trânsito de informações. Só circulam livremente dos Sistemas que, desde Ludwig Von Bertalanfy,
aquelas informações e aquelas idéias voltadas para a no campo da biologia, na década de 1930, vão se
produtividade. Tudo o mais é visto como desperdício dedicar a explicar a complexidade do mundo.
(CHANLAT; BEDARD, 1992, p.137-143). Para Neves e Neves,
Durante o século XX, contudo, esse paradigma O que perpassa as disciplinas é o fato de que há
sistemas que, na sua interação com o entorno,
da ordem, da simetria, baseado na relação das
constroem formas internas para sua manuten-
causas e dos efeitos passa a ser questionado. ção, buscando um equilíbrio com o entorno, não
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Neves e Neves, citando Santos (2000), referem-se no sentido da morte térmica, mas promovendo
transformações adaptativas dinâmicas. Mas, à
a essa crise como: simplicidade processual sistêmica, contrapõe-
se a complexidade do mundo, o que faz com que
[...] originária nas primeiras formulações da o sistema tenha que conviver constantemente
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Física no início do século XX, em especial res- com ruídos caóticos, já que essa complexida-
saltada na Teoria Geral da Relatividade de Eins- de não pode ser abarcada em sua totalidade.
tein – ‘não havendo simultaneidade universal, o Esse convívio exige processos como descarte,
tempo e o espaço absoluto de Newton deixam ignorância, indiferença ou aproveitamento. O
de existir’ -; na Teoria da Incerteza de Heinsen- sistema organiza-se sob tais condições: a or-
berg – ‘A idéia de que não conhecemos do real dem, desta vez, surge da desordem, como for-
senão o que nele introduzimos [...]’ – e na Teoria mula Heins Von Foerster nos anos 1960, em seu
das Estruturas Dissipativas de Prigogine, ‘siste- famoso conceito de “order from noise” (LUH-
mas dinâmicos, longe do equilíbrio, que trocam MANN; DE GEORGI, 1993, p.28-42 apud NEVES;
energia com o meio (Output), seguindo um ca- NEVES, 2006, p. 187)
minho de imprevisibilidade em direção ao caos
entrópico, a menos que esta tendência seja
Com a inserção da cibernética como estudo das
compensada por uma fonte de energia externa
(Input)’” (SANTOS, 2000 apud NEVES; NEVES, condições de imprevisibilidade sistêmica, surge
2006, p. 185-186, grifos do autor). um método para o tratamento dos sistemas
complexos, nos quais a complexidade é condição
Dessas formulações, reabilitam-se o caos, a
própria do seu operar, o que excluiria a opção
irreversibilidade processual, o indeterminismo,
por saídas simples. É então que a diferença
o observador e a complexidade, elevada
se constitui em conceito fundamental para a
essa última à categoria de paradigma. Nessa
cibernética, por permitir observar distinções
verdadeira revolução científica, os fenômenos
entre duas coisas. Segundo Neves e Neves
somente poderiam ser tratados por meio de
(2006, p. 188), “todo sistema diferencia-se
probabilidades: “o futuro deixa de ser previsível
dinamicamente de outro, e suas propriedades
e para a uma mera possibilidade” (NEVES;
não se referem à sua massa, sua ‘grandeza’ está
NEVES, 2006, p. 187).
no número de distinções feitas [...] de modo que
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a totalidade do sistema não pode ser descrita, a que já nos referimos, alimentado por eventos
controlada ou calculada inteiramente”. e comunicação, e que só faz sentido a esse
dado sistema.
É neste contexto que o observador assume
papel importante, pois é ele quem constrói Como lembra Rocha (2004, p. 95-96):
diferenciações internas com o propósito de dar
A reverberação das afirmações de Maturana
conta da complexidade. e Luhmann nos mais diversos campos do co-
nhecimento parece ligar-se ao fato de que o
Até esse momento, o pensamento sistêmico tradicional paradigma parte/todo, que orienta
tradicional tratava os sistemas como unidades a cultura judaico-greco-cristã-ocidental há
mais de seis mil anos, é um modelo de domi-
estruturadas, mas abertas e permeáveis a nação. As partes existem em função do todo,
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influências externas. É a partir dos estudos que é maior que as partes. O todo está no
centro, em cima; as partes estão embaixo, nas
desenvolvidos por Maturana e Varela (1997), que periferias; o todo abusa das partes e as des-
se incorpora a visão de que os sistemas seriam trói quando quer. Agora é diferente, segundo o
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novo paradigma o que era chamado de parte,
operacionalmente fechados, em um processo
pelo simples fato de ter existência em si, de
circular de autoconstrução, capaz de construir ter constituição, organização e regulação pró-
prias, não pode ser visto como parte daquele
identidade, reduzir complexidade e permitir a
todo. O indivíduo não é parte da sociedade, a
diferenciação do ambiente. amada não é parte do amante, a sociedade
não é parte governo, o governo não é parte
Essa perspectiva foi interpretada como uma do povo... Tudo aquilo que realiza operações
próprias, segundo sua própria constituição,
verdadeira revolução paradigmática, uma vez que
é sistema. Todo sistema tem entorno – mas
destitui o clássico referencial do Todo e da Parte sabe-se que é impossível a um entorno trans-
formar as estruturas de um sistema, embora
e o substitui pela perspectiva da diferença entre
possa destruí-lo, matá-lo. O velho paradigma
sistema e entorno. Não basta mais perceber os parte/todo, nascido do patriarcalismo e da me-
sistemas organizacionais como constituídos por tafísica e tornado indicativo universal com a
criação do alfabeto, base de uma cultura linear
partes (estruturas, departamentos, tecnologia, e seqüencial ad infinitum, cede lugar a outras
normas, regras, recursos humanos, financeiros, explicações. No novo paradigma, a comunica-
ção anima tudo, dá forma e conteúdo a tudo,
clientes, fornecedores, acionistas etc.), mas leva tudo adiante, em movimento circular de
como instâncias em acoplamento estrutural derrubamento geral de níveis e dissolução de
hierarquias arbitrárias.
com o ambiente. Acoplamento, contudo,
centrado muito mais no ruído, na irritação
Essa perspectiva nos impõe uma nova
provocada pela complexidade do entorno,
epistemologia da complexidade, que pode ser
do que no entendimento e no equilíbrio
traduzida na formulação do construtivismo
harmônico. Processo esse que desencadeia, no
sistêmico-comunicacional, em que sistema,
sistema organizacional, o processo de seleção
ambiente, complexidade, comunicação,
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as suas compreensões e argumentações sobre
(MARIOTTI, 2000). O pensamento complexo
os significados e dimensões dessa expressão
extrapola, portanto, os limites do pensamento
revelam-se antagônicas, divergentes, mas
linear, herdeiro de uma visão mecanicista do
também complementares.
mundo. Hoje, na era das redes e das hiperconexões,
em que impera o hipertexto e sua capacidade Para Morin (2002, p. 456), “A complexidade
de conectar e recuperar um número infinito se impõe primeiro como a impossibilidade
de informações num “verdadeiro caleidoscópio de simplificar. [...] O simples é apenas um
de representações” (LEVY, 1993) tudo está em momento arbitrário de abstração arrancado da
constante construção e renegociação, tudo parece complexidade, um instrumento de manipulação
caoticamente heterogêneo. laminando um complexo”. Assim,
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a ordem, o determinismo. Ele os considera
antagônica) de instâncias necessárias em
insuficientes, sabe que não se pode programar a
conjunto à existência, ao funcionamento e ao
descoberta, o conhecimento, nem a ação” Ainda
desenvolvimento de um fenômeno organizado”
para o referido autor (MORIN, 2006, p. 83) “O que
(MORIN, 2005, p. 110, grifo do autor). Esse
o pensamento complexo pode fazer é dar, a cada
princípio permite “[...] manter a dualidade
um, um memento, um lembrete, avisando: Não
no seio da unidade, associando dois termos ao
esqueça que a realidade é mutante, não esqueça
mesmo tempo complementares e antagônicos”.
que o novo pode surgir e, de todo modo, vai
(MORIN, 2006, p.74).
surgir”. Por sua vez, o Paradigma Simplificador,
O princípio da recursividade organizacional
[...] é paradigma que põe ordem no universo,
expulsa dele a desordem. A simplicidade vê o implica em considerar o processo recursivo,
uno, ou o múltiplo, mas não consegue ver que isto é, “um processo em que os produtos e os
o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo. Ou
efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores
o princípio da simplicidade separa o que está
ligado (disjunção), ou unifica o que é diverso (re- daquilo que os produziu” (MORIN, 2006, p.74).
dução) [...] (MORIN, 2006, p. 83).
O princípio hologramático vincula-se à idéia da
recursividade organizacional, que por sua vez
Acredita-se que cada vez mais se torna difícil,
está em parte ligada à idéia dialógica. (MORIN,
pensar as organizações a partir das lentes de um
2006, p.75). Para Morin (2005, p.114), “pode-se
Paradigma Simplificador, principalmente porque
apresentá-lo assim: o todo está de certa maneira
as organizações, como sistemas complexos, vivem,
incluído (gravado) na parte que está incluída no
convivem e sobrevivem em cenários mutantes. As
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confrontar-se, no seu cotidiano, com realidades,
paradigma da complexidade, a explicação para a situações e acontecimentos não mais tão
mudança organizacional necessita ser buscada previsíveis e tangíveis, resignificando as suas
no interior do próprio sistema, que não responde ações e suas práticas.
sempre da mesma maneira.
3 A perspectiva de Niklas Luhmann
Segundo Morin (2002, p.179), “a relação entre
Para Luhmann (1998; 2007) por sua vez, a
observador e o sistema observado, entre o sujeito
base de sua Teoria dos Sistemas Sociais está
e o objeto, pode ser envolvida e traduzida em
na redução da complexidade por meio da
termos sistêmicos”.
diferença dos sistemas com relação ao entorno.
As organizações consideradas a partir dessa lente Nesse processo, ao reduzirem complexidade,
paradigmática estão em constante processo de as organizações como sistemas também
ordem e desordem, de junção e disjunção, de constroem sua própria complexidade. Luhmann
certeza e incerta, provocando e estimulando define complexidade como a totalidade dos
movimentos simultâneos de auto-organização, possíveis acontecimentos e das circunstâncias
auto-produção e auto-eco-organização. e como processo que induz obrigatoriamente
Para Morin (2006, p. 87) “Como organismo à seleção, o que significa ao mesmo tempo
autoprodução. Ao mesmo tempo, ela faz a auto- Como para Luhmann a complexidade não é
eco-organização e a auto-eco-produção”. A transparente nem inteligível, interessa muito
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mais saber como é observada, pois para ele sem as ações humanas. Ela orienta apenas a
observador não há complexidade. É o observador, comunicação que tornará determinadas ações
de segunda ordem, que pode captar de forma mais prováveis do que outras.
reflexiva, a partir das distinções que realiza, como
Aqui, introduz-se um dos conceitos mais
a representação da complexidade se constrói na
polêmicos de Luhmann (1992; 1998; 2007),
forma de sentido, a partir da comunicação.
o de que esse processo seletivo de redução
Para Luhmann (2007), a sociabilidade inerente de complexidade se dá por decisões que se
aos sistemas organizacionais não se resume a realizam por eventos, sempre passageiros e
uma maneira específica de ação, mas a ação seria contingentes. Para o autor alemão, isso provaria
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constituída através de comunicação e de redução que um sistema não é uma entidade estável, mas
de complexidade, enquanto auto-simplificação processual, que se organiza a partir de eventos.
indispensável para o sistema. Nessa concepção, Eventos que se sobrepõem, de tal forma que seria
os sistemas sociais e organizacionais emergem impreciso dizer que se pode mudar uma decisão.
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dos acordos resultantes de interação. Para Morin Nesse caso, sempre se está decidindo de uma
(2002, p. 72), “As interações são ações recíprocas maneira nova sobre um mesmo tema. E mais:
que modificam o comportamento ou a natureza ainda que se decida sobre determinado evento,
dos elementos, corpos, objetos, fenômenos sempre haverá abertura para a contingência,
em presença ou em influência.” Forma, na para o indeterminado. Essa percepção opõe-se
perspectiva do autor “[...] uma espécie de nó àquilo que os críticos de Luhmann atribuem
górdio de ordem e desordem”. à sua teoria: ou seja, que a sua definição de
sistema é determinista, portanto conservadora.
A interação torna-se assim, uma noção inter-
mediária entre desordem, ordem e organiza- Ao contrário, sua reflexão sobre decisão supera
ção. Isso significa que esses termos [...] são, a visão tradicional de que tudo o que está
de agora em diante, ligados via interações, em
organizado na verdade é uma imposição. Ela
um circuito solidário, em que nenhum desses
termos pode ser concebido além da referência nos leva a um novo espaço de liberdade, de
aos outros e onde eles estão em relações com-
capacidade de projetar novas possibilidades
plexas, ou seja, complementares, concorrentes
e antagônicas. (MORIN, 2002, p.73-74) para o futuro. O sistema, assim, opera a base de
uma perpétua seleção. As seleções que geram
A estrutura destes sistemas tem apenas a função
decisões, que vão gerar novas seleções para novas
de possibilitar a negociação de tais acordos e
decisões, num fluxo contínuo e auto-referencial.
sua modificação permanente. A estrutura social
e organizacional não representa, portanto, uma Ainda sobre a dimensão decisão, é importante
rede ou o caminho que regula diretamente lembrar que a organização como sistema social
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da cibernética de segunda ordem, desenvolvida (interno e externo), também entendemos que
por von Foerster (1995). Auto-organização surge a mudança é algo permanente. Nesse processo,
da interação não previsível de elementos do as organizações e os indivíduos, como sistemas
sistema que, apesar de não ter ocorrido de forma que são, toda vez que mudam, o fazem de forma
planejada, apresenta uma “ordem” mais eficaz do absolutamente congruente com as mudanças
que se tivesse sido planejada deliberadamente. de seu ambiente, sem que ocorra uma perda na
adaptação. Como diz Rodríguez (2002, p. 221),
Esse conceito coloca em xeque a tradicional
“um sistema desadaptado deixa de ser sistema,
figura do organizador/administrador que, desde
extingue-se”. Traduzindo, é preciso perceber que
o exterior, planeja a estrutura do sistema,
as organizações estão constantemente mudando a
monta estratégias e orienta a ação em busca
partir das relações com o ambiente. As mudanças
dos resultados. Aqui, o papel do administrador
do ambiente provocam mudanças na organização.
muda, de forma a garantir a diversidade de
E são mudanças muitas vezes imperceptíveis que
perspectivas, no lugar da redução simplista
vão ganhando corpo até que emergem como uma
às linhas de comando e às regras de conduta
mudança qualitativamente diferenciada.
previamente delimitadas.
Ainda segundo Rodríguez (2002, p. 231):
As críticas a essa abordagem voltam-se para
o fato de que um sistema não chega a ser tão [...] um sistema autopoiético não pode ser mu-
dado sem que se considere sua determinação
espontâneo como aparenta e que muitas decisões
estrutural. Toda mudança organizacional é uma
são tomadas baseadas nas velhas decisões já
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mudança de estado determinado estruturalmen- traduz via consciência) e autopoiese dos sistemas
te. Isso quer dizer que é necessário perturbar o
sociais (que se opera via comunicação).
sistema para dar início às mudanças de estado
desejadas. Estas são mudanças no sentido da
organização, isto é, naquilo que define os limi- Cada um desses grandes sistemas se diferencia
tes da organização. Toda mudança efetiva [...] em relação ao ambiente e constrói seu modo
é uma mudança de regras e, ao mesmo tempo,
uma mudança atitudinal: a organização se pro-
próprio de atuação e suas leis de investigação,
duz na coordenação da dupla contingência – re- reduzindo a complexidade do ambiente que o
gras e comportamento – de tal modo que a mu-
cerca, realizando algumas seleções que são típicas
dança implica um reordenamento desta dupla
contingência organizacional. Se isso não ocorre, de seu modo de atuar e constituindo-se como
o sistema buscará sua própria ordem, com con-
sistema fechado sobre si mesmo. Só se mesclam
seqüências que não podem ser previstas. 10/16
mediante interpenetração, ainda que nesse
O conceito de auto-organização ganhou outros processo não venham a perder a identidade.
contornos desde que Maturana e Varela (1997)
Luhmann (1998; 2007) vai centrar suas análises
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desenvolveram a noção de autopoiese para
nos sistemas sociais. Para ele, a sociedade é um
descrever a teia da vida e como os seres
sistema auto-referente e autopoiético que se
vivos mantêm a identidade de suas espécies.
compõe de comunicações.
Para eles, os seres vivos seriam sistemas
autopoiéticos porque reproduzem todas as Para Luhmann, nos sistemas sociais e
unidades elementares de que se compõem organizacionais, a complexidade caracterizar-se-ia,
e com isso delimitam as fronteiras com o
[...] quando num conjunto inter-relacionado de
ambiente. Os autores chilenos identificam elementos já não é possível que cada elemento
essa propriedade como capacidade de forjar se relacione em qualquer momento com todos
os demais, devido às limitações imanentes à
identidade. Os sistemas vivos passam a ser capacidade de interconectá-los [...] a comple-
descritos então como sistemas fechados na sua xidade significa obrigação à seleção, obrigação
à seleção significa contingência e contingência
auto-referencialidade, orientados, portanto, para
significa risco (LUHMANN, 1990, p. 69 apud NE-
a manutenção de sua identidade. VES; NEVES, 2006, p. 193)
Luhmann (1998; 2007), porém, vislumbra no Luhmann ainda nos diz que,
conceito de autopoiese a chave para explicar a
Complexidade não é uma operação, não é nada
auto-referencialidade dos sistemas sociais. E vai
que um sistema faça ou que nele ocorra, mas
descrever o processo de autopoiese como algo é um conceito de observação e de descrição
(inclusive de auto-observação e auto-descrição.
que pode ocorrer de três diferentes maneiras:
[...] A distinção que constitui a complexidade
autopoiese dos sistemas vivos (vida e sistemas assume a forma de um paradoxo: complexidade
vitais), autopoiese dos sistemas psíquicos (que se é a unidade de uma multiplicidade. (LUHMANN,
1999, p. 136 apud NEVES;NEVES, 2006, p. 195)
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Outra dimensão importante é o fator tempo. mesmo tempo, cria condições de estabilidade
Dissolvida nessa dimensão, a complexidade não favoráveis a este tipo de organização social e ao
seria uma seqüencia temporal de diferentes seu desenvolvimento.”
acontecimentos, mas uma simultaneidade de
Nessa perspectiva, ainda segundo Esteves,
acontecimentos ocorridos e não ocorridos.
“a comunicação é vista como um processo
Nos sistemas sociais e organizacionais,
eminentemente seletivo – intrinsecamente
a recursividade da autopoiesis não está
seletivo, já que a própria comunicação é um
organizada por resultados causais, nem na
processo de seleções que se desenvolve a três
forma de resultados de operações matemáticas,
níveis: produção de um conteúdo informativo,
mas de forma reflexiva, mediante a aplicação 11/16
difusão e aceitação desse mesmo conteúdo”.
de comunicação sobre comunicação
Essa comunicação, como processo seletivo,
(LUHMANN, 1999, p. 140-141 apud NEVES;
vai desencadear novos processos seletivos,
NEVES, 2006, p. 197).
que buscam a redução de complexidade do
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Aliás, o conceito de comunicação é central na sistema e a sua nova estabilidade. Ou seja,
teoria dos sistemas de Luhmann (1992). Para ele, a comunicação para Luhmann surge como
a comunicação é o dispositivo fundamental da dispositivo cibernético destinado a normalizar
dinâmica evolutiva dos sistemas sociais, uma vez as relações sistema-meio a partir da distinção
que é um processo de seleções e é pela seleção que entre mensagem, informação e compreensão
se opera o processo de redução de complexidade (STOCKINGER, 1997, p.7- 8).
na relação com o ambiente. Sua análise parte da
Aqui, é importante, também, retomar o conceito
improbabilidade da comunicação, que precisa
de autopoiese, que surge como uma propriedade
superar uma série de obstáculos antes de se
dos sistemas de se produzirem continuamente a
realizar, uma vez que, para ele, nesse processo, não
si mesmos, num processo auto-referente que faz
há transmissão de informação.
com que todo sistema vivo, psíquico ou social seja
Luhmann também nos provoca com a tese de ao mesmo tempo produtor e produto.
que a comunicação é o dispositivo fundamental
Na produção autopoiética, contudo, os sistemas,
da dinâmica evolutiva dos sistemas sociais.
para serem autônomos, precisam recorrer
Segundo Esteves (1992, p.5-36), a comunicação,
a recursos do meio ambiente. Isso pode ser
na visão luhmaniana, “destina-se a produzir
paradoxal, uma vez que trata ao mesmo tempo
a eficácia simbólica generalizante que torna
de autonomia e de dependência. Eis aí um dos
possível a regularização da vida social sob
principais componentes da complexidade do
a forma de uma organização sistêmica e, ao
sistema, da sua não-linearidade.
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comunicação. Que pode ser a comunicação entre separa do mundo e de nós mesmos.
as pessoas, mas que ganha vida própria e reforça
Vale registrar, ainda, que não objetivamos
a autopoiese e a construção de sentido e de
negar nem substituir as teorias e os métodos
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identidade organizacional.
tradicionais. Eles ainda têm sua utilidade e
Complexidade, portanto, para Luhmann (1997), sua validade. Mas acreditamos que, ao trazer
não pode ser confundida com complicação, nem novos enfoques e novos olhares para o debate no
é transparente e inteligível. A pergunta-chave é campo dos estudos organizacionais e também
como é observada. Para ele, sem observador não há da comunicação organizacional, estamos
complexidade, pois só esse observador de segunda contribuindo para a legitimação desses campos
ordem teria condições de decompor a unidade de como espaços de produção científica.
uma multiplicidade em elementos e relações.
As inúmeras possibilidades de (re) leituras dos
sistemas organizacionais à luz do Paradigma da
4 Conclusões
Complexidade proposto por Edgar Morin ou da
As organizações, portanto, como sistemas que
abordagem sistêmico-comunicacional de Niklas
são, intervêm entre a extrema complexidade
Luhmann demandam, portanto, análises que
do mundo e a limitada capacidade do homem
admitam a comparação e a diferenciação entre
em trabalhar a complexidade. Mas também
tais opções paradigmáticas. Essa escolha nos
constroem sua própria complexidade a partir
leva a romper com o pensamento simplificador,
do fechamento operacional em relação ao
reducionista, causal, linear e monádico, típico
ambiente, quando produzem seus próprios
das abordagens objetivistas da realidade e
elementos. Esse processo de acoplamento e de
a adotar um enfoque de tipo interacional,
fechamento opera uma distinção entre o que é
circular e sistêmico.
sistema e o que é entorno.
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| E-ISSN 1808-2599 |
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.11, n.3, set./dez. 2008.
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hand, the systemic-communicational approach Por otra parte, el enfoque sistémico de la
from Niklas Luhmann, which changes the focus comunicación, de Niklas Luhmann, que cambia
to the difference relation that happens between el aspecto de la relación de la diferenciación que
organizational systems and the environment, breaks se produce entre el sistema de organización y
up with the tradition of the whole and of the part. el medio ambiente y rompe con la tradición de
A revista E-Compós é a publicação científica em formato eletrônico da Revista da Associação Nacional dos Programas
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Pós-Graduação em Comunicação.
(Compós). Lançada em 2004, tem como principal finalidade difundir a Brasília, v.11, n.3, set./dez. 2008.
produção acadêmica de pesquisadores da área de Comunicação, inseridos A identificação das edições, a partir de 2008,
em instituições do Brasil e do exterior. passa a ser volume anual com três números.
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.11, n.3, set./dez. 2008.
Antonio Carlos Hohlfeldt Muniz Sodre de Araujo Cabral
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Arlindo Ribeiro Machado Nilda Aparecida Jacks
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
César Geraldo Guimarães Paulo Roberto Gibaldi Vaz
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Cristiane Freitas Gutfreind Renato Cordeiro Gomes
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Denilson Lopes Ronaldo George Helal
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Eduardo Peñuela Cañizal Rosana de Lima Soares
Universidade Paulista, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Erick Felinto de Oliveira Rossana Reguillo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores do Occidente, México
Francisco Menezes Martins Rousiley Celi Moreira Maia
Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Gelson Santana Sebastião Carlos de Morais Squirra
Universidade Anhembi/Morumbi, Brasil Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
Hector Ospina Simone Maria Andrade Pereira de Sá
Universidad de Manizales, Colômbia Universidade Federal Fluminense, Brasil
Ieda Tucherman Suzete Venturelli
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade de Brasília, Brasil
Itania Maria Mota Gomes Valério Cruz Brittos
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil
Janice Caiafa Veneza Mayora Ronsini
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Jeder Silveira Janotti Junior Vera Regina Veiga França
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
COMISSÃO EDITORIAL
COMPÓS | www.compos.org.br
Ana Gruszynski | Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
Rose Melo Rocha | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Presidente
CONSULTORES AD HOC
Erick Felinto de Oliveira
Alexsandro Galeno Araújo Dantas | Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Isaltina Gomes | Universidade Federal de Pernambuco, Brasil erickfelinto@uol.com.br
João Luís Anzanello Carrascoza | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Malena Segura Contrera | Universidade Paulista, Brasil Vice-presidente
Marcia Benetti | Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Ana Silvia Lopes Davi Médola
Maria Aparecida Baccega | Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Estadual Paulista, Brasil
Vander Casaqui | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil asilvia@faac.unesp.br
Virginia Pradelina da Silveira Fonseca | Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Secretária-Geral
Denize Correa Araújo
REVISÃO DE TEXTO E TRADUÇÃO | Everton Cardoso
Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil
ASSISTÊNCIA EDITORIAL E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA | Raquel Castedo denizearaujo@hotmail.com