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Nome: Carolina Duarte Zambonato

BENHABIB, Seyla. Las reinvindicaciones de la cultura.

Fichamento 12 – Capítulo 02

Neste capítulo a autora propõe uma discussão acerca do universalismo visto


como etnocentrismo, debate que se coloca para o ocidente desde a conquista da
América. Parte do entendimento de que as crenças, os sistemas de valores e as formas
de vida ocidentais são radicalmente distintos das outras civilizações. Tal visão
generalizada , segunda a autora, é falsa, umas vez que aquilo que se denomina ocidente
é um amalgama de diversas outras culturas. Assim, questiona:

Ao colocarmos a pergunta “é etnocêntrico o universalismo?”, se leva em


consideração esta diálogo complexo entre as culturas e as civilizações? Ou
ficamos satisfeitos com o gesto de autocrítica que surgiu da dúvida radical
que experimentou a cultura europeia em particular sobre si mesma no fim do
século XVIII e que foi mais intenso no século XIX? A pergunta “é
etnocêntrico o universalismo?” pressupõe que sabemos quem são “Ocidente e
seus outros”, ou nas famosas palavras de Tzvetan Todorov (1993), quem
somos “Nous et les autres”. Porém, quem somos? Quem são aqueles
chamados de outros? São realmente nossos outros? (BENHABIB, p. 60)

Segundo Seyla, nos debates recentes sobre relativismo moral e cognitivo,


sobrepõe-se uma concepção que as culturas e as sociedades são totalidades internamente
coerentes e sem rupturas. Tal concepção tem impedido de perceber os diálogos e os
encontros entre civilizações globais e tem reafirmado cada vez mais pares binários do
tipo “nós” e “outros”. E, apesar do desaparecimento progressivo dos relativismos
epistemológicos, muitas teses sobre a pureza e coerência das culturas –
incomensurabilidade e intradutibilidade – ainda permeiam os teóricos do
multiculturalismo. Por esta razão, neste capítulo a autora defende um reconhecimento
da hibridação radical e a polivocalidade de todas as culturas. (BENHABIB, p. 61)

Passa, então, a analisar a ideia do universalismo e suas várias facetas –


ontológica, epistemológica, moral e jurídica - na filosofia contemporânea. De acordo
com a sua classificação, o universalismo pode significar 1) a crença filosófica de que
existe uma natureza ou essência humana que define quem somos enquanto humanos; 2)
uma estratégia de justificação com base num conteúdo normativo da razão humana, ou
seja, a validez dos procedimentos de investigação, evidências e questionamentos
considerados heranças da filosofia desde o iluminismo; 3) princípios morais de que
todos os seres humanos devem ser considerados como iguais; 4) sentido jurídico de que
certos direitos devem ser respeitados por todos os sistemas jurídicos, buscando
demonstrar que o universalismo, como a justiça, pode ser político sem ser metafísico.
Ao considerar o argumento de que o universalismo é um etnocentrismo, Seyla o
associa ao “relativismo dos marcos de referência” de Lyotard e Rorty, para quem os
juízos de validação são relativos aos marcos de referência, onde estes se definem como
“jogos de linguagem, cosmovisões epistemológicas ou tradições etnocêntricas” (IDEM,
p. 65). A relação entre os marcos não pode se dar sob termos universais ou racionais,
uma vez que tais termos são relativos apenas aos marcos. Apresentando um contraponto
a esta visão, Seyla sustenta que ela fracassa uma vez que o próprio processo de
individuação e identificação dos marcos de referência só existe porque há critérios de
avaliação, comparação e individuação que transcendem estes próprios marcos, tornando
difícil uma divisão estanque entre um “dentro” e um “fora” em relação a eles. Com
efeito, esta crítica não é suficiente, uma vez que é preciso elaborar tais critérios para ser
possibilitar o objetivo da autora neste capítulo, ou seja, fortalecer o modelo de diálogos
culturais complexos entre diferentes culturas e sociedades.

Passa então a analisar os argumentos relativistas de Lyotard e Rorty. Segundo


ela, Lyotard parte da premissa epistêmica central, no campo da filosofia da linguagem,
da incomensurabilidade entre regimes distintos de discurso. Para Lyotard a
impossibilidade de comunicação de diferentes regimes de discurso diversos (diferendo)
é um pressuposto – embora nunca justificado – e para ele o universo linguístico,
simbólico, cognitivo e político se dá como luta e vontade de poder. Sua tese, entretanto,
queda sem sentido pois se os marcos de referencia são tão radicalmente
incomensuráveis, então ninguém sequer seria capaz de sabê-lo.

Em primeiro lugar, nossa capacidade para descrever um marco de referencia


como tal se baseia na possibilidade de que possamos identificar e selecionar
certos traços de outros marcos o suficientemente similares a nossos para
poder caracteriza-los, em princípio, como atividades conceituais [...] Se a
intradutibilidade radical fosse válida, não poderíamos nem sequer reconhecer
o outro conjunto de enunciados como parte de uma linguagem, como uma
prática que está mais ou menos regida por regras e é compartilhada em
formas bastante previsíveis. (IDEM, p. 68)

Se a incomunicabilidade radical é questionável, por outro lado a


comensurabilidade total seria perigosa conceitual e moralmente. Momentos de
incompreensão podem ter lugar e gerar tanto reações violentas e indiferentes, como
positivas com ampliação de novos horizontes.

Rorty, por outro lado, não afirma da incomensurabilidade radical entre discursos,
porém “o intento de questionar e desafiar os valores e as normas da própria cultura, ou
de qualquer outra cultura em termos de transcendam a compreensão que de si mesma
tem essa cultura, é ilusório.” (IDEM, p. 70) Além disso, ao mesmo tempo em que
reafirma a diferença entre “nós” e “eles”, coloca que não há uma assimetria entre as
polemicas que se produzem intra e entre grupos, mas apenas uma questão de “grau”.
Também, Rorty apresenta uma concepção hermética de ethos cultural ao afirmar que
numa comunidade de conversação, existem os seres humanos que participam real ou
potencialmente comigo e outros que não fazem e nunca o farão. Ao caracterizar desta
maneira, Rorty acaba por criar um pressuposto homogêneo – uma espécie de “nós”
purificado -, como se uma comunidade de conversação não fosse o resultado da
interação de diferentes comunidades de conversação.

Embora as perspectivas de incomensurabilidade e intradutibilidade radicais


sejam o calcanhar de Aquiles do relativismo cultural, há uma “verdade hermenêutica”
do relativismo cultural, que é quanto mais “eu”conheço a mim (nós) e ao “outro” (eles),
maior é a minha capacidade de perdoar. Ou seja, toda compreensão seja de uma cultura
diferente, seja de uma obra de arte ou de outro tempo histórico, começa com um
imperativo metodológico e moral de reconstruir o sentido para aqueles que a criaram e
vivenciaram. “Não existe a reconstrução de sentido sem interpretação, sem colocar o
objeto de nosso estudo, seja um artefato ou um poema, em algum tipo de marco de
referência, desde cuja perspectiva adquire sentido.” (IDEM, p. 74) A este processo
Gadamer denomina com a expressão Horizontverschmelzung, ou seja, uma fusão ou
mescla ou amalgama entre horizontes.

Se nem sempre essa compreensão e interpretação resultam em uma fusão mútua,


mas em relações excludentes e violentas, o ponto é que essa interação, chamada
interação hermenêutica, produz uma possibilidade de revisão de nossas visões e
paradigmas. O enfrentamento real entre distintas culturas não resulta apenas em
comunidades de conversação, senão também comunidades de interdependência. Seyla
sugere, assim, que a tese da incomensurabilidade radical está equivocada e propõe a
articulação de um universalismo ético e ilustrado, de verniz pluralista a escala mundial.

Pontua seu argumento então, a partir de 1) crítica à sociologia reducionista que


interpreta as culturas como totalidades herméticas, seladas e internamente
autocoerentes; 2) crítica à ideia de incomensurabilidade e intradutibilidade radicais; 3)
A compreensão e interpretação dos outros nos coloca diante da ampliação de nossas
próprias fronteiras enquanto comunidade de conversação, transformando-se, assim, em
comunidades interdependentes; 4) A situação global nos coloca o desafio do
enfrentamento cultural, o que impõe um imperativo pragmático de compreensão e
estabelecimento de um diálogo intercultural; 5) Este imperativo pragmático tem
consequências morais, onde uma comunidade interdependente se converte numa
comunidade moral quando se envolve em questões que dizem respeito a todos mediante
procedimentos dialógicos em que todos sejam participantes; 6) Todo diálogo pressupõe
regras normativas, onde podem-se resumir por “respeito universal” e “reciprocidade
igualitária”; 7) Estas regras normativas são guias de ação contrafática, são pautas para
nossas instituições, constituem princípios normativos para guiar juízos e deliberações
em situações humanas complexas.

Estes princípios normativos constituem-se como normas minimamente


necessárias para que possamos distinguir o consenso de outras formas de acordos
baseados na violência, na tradição, no costume, etc. O consenso motivado pela razão é
central para a teoria e a prática democráticas, e a interdependência destas normas com
as práticas do acordo racionais produziria um “argumento transcendental débil”. Estas
condições transcendentais débeis são necessárias e constitutivas para as práticas morais,
políticas e sociais implicadas em chegar num acordo razoável. Além de do
transcendentalismo débil, Seyla também propõe um universalismo historicamente
ilustrado.

O que acontece quando se situam os discursos morais dentro de horizontes


culturais específicos? É possível e viável que se separe discursos morais e discursos
culturais, uma vez que a moral concerne a todos como participantes iguais do diálogo, e
resta sob o domínio da filosofia normativa. Com isso posto, Seyla problematiza Walzer
no que ela denomina de uma contextualismo forte. Segundo ela, Walzer apaga a
distinção entre discursos morais e discursos culturais, uma vez que essa diferenciação,
para ele, não é viável. “Como não há maneira de classificar e ordenar estes mundos em
relação às suas formas de compreender os bens sociais, somos justos com homens e
mulheres respeitando suas criações particulares.” (WALZER apud BENHABIB,
p.82/83) Tal pressuposto parte de uma ideia de totalidade das tradições e do mundo
cultural, além de delimitar o “outro” como um todo coerente, fechado e não
contraditório.

Não se trata simplesmente de “nós” frente a “eles”, existem aquelas pessoas


com as quais acordamos, habitantes de outras culturas e mundos porém cujas
valorações nos parecem plausíveis e compreensíveis. E há outras cujas
formas de vida e sistemas de crenças nos parecem uma aberração.
(BENHABIB, p. 85)

Para finalizar, Seyla retoma a teoria de John Locke do Estado de Natureza -


tanto como um argumento abstrato que baseia a necessidade/legitimidade do governo
como uma projeção de um imaginário ameríndio que fazia parte do ideário europeu
naquele momento – bem como do fundamento da propriedade privada. O que se destaca
interessante é como Locke transformou os ameríndios nos europeus do passado, ou seja,
como o “pensamento político ocidental resulta involucrado num diálogo cultural
complexo que posiciona e reposiciona o “nós” e os “outros” em formas imprevisíveis,
múltiplas e complexas [...] Assim, a colonização se converte num ato de aceleração do
processo de desenvolvimento até o governo consensuado e o regime de propriedade
privada.” (IDEM, p. 91).

E, apesar de todas as “derivações fantásticas e ilógicas” do pensamento liberal


burguês de Locke, permanece a ideia central de governo baseada no consentimento de
iguais (ainda que numa “robinsonada” que tenha transformado ameríndios em europeus)
como a pedra basal de toda teoria e prática democrática.

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