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Para isso, começa indagando: o que uma teoria do discurso pode contribuir para
o debate feminista? E, portanto, o que deveriam as feministas buscar numa teoria do
discurso? Fraser sugere 4 respostas a esta questão: 1) como se alteram as identidades
sociais das pessoas com o tempo; 2) entender como se formam e se desfazem, em
determinadas condições de desigualdade, agentes coletivos; 3) ilustrar como se assegura
e se questiona a hegemonia cultural dos grupos dominantes; 4) compreender as
perspectivas de transformação social e de práticas políticas emancipatórias.
Nancy indaga, então, que tipo de concepção da teoria do discurso pode ser útil
para a teorização feminista. Para responder esta questão, a autora aborda os dois
enfoques sobre a linguagem que influenciaram os teóricos políticos no pós-guerra: o
estruturalismo e o pragmatismo. Enquanto este último, o estudo da linguagem se dá no
plano dos discursos, entendidos como práticas sociais de comunicação historicamente
específicas.
Por uma parte, porque o lacanismo acaba por afirmar a ordem simbólica como
invariável, universalizando contingencias históricas – toma a relação de dominação
masculina como necessária à formação das subjetividades individuais. Por outra parte
elimina toda determinação biológica para afirmar um psicologismo, nos quais acaba por
sustentar imperativos psicológicos autônomos dados como independentes da cultura e
da história. O argumento circular, então, se forma nesses pressupostos: “O lacanismo
cai presa do psicologismo até o extremo de afirmar que a falocentricidade da ordem
simbólica é necessária pelas exigências de um processo de enculturação que é em si
mesmo independente da cultura.” (FRASER, p. 175).
Fraser passa então a analisar o caso de Julia Kristeva, que começou crítica ao
estruturalismo e partidária da opção pragmática, mas acabou por abraçar o lacanismo,
criando uma teoria híbrida entre estruturalismo e pragmatismo. Kristeva começou
criticando a proposta estruturalista e propondo um novo conceito de “sujeito falante” no
qual é capaz de efetuar práticas inovadoras. Em seu novo modelo de pragmática
discursiva, a prática transgressora dá lugar a inovações discursivas e estas, por sua vez,
podem conduzir a mudanças reais. “A prática inovadora pode então restar normalizada
na forma de normas discursivas novas ou modificadas, renovando assim as práticas
significantes.” (FRASER, p. 182)
Por último, o sujeito falante de Kristeva acaba por reproduzir muitos dos traços
neutralizadores do lacanismo, ao concebê-lo como duas metades, nenhuma das quais
constitui um agente político em potencial. O sujeito do simbólico queda conformista e
profundamente submetido às convenções e normas simbólicas e seus traços semióticos
se ocupam de uma transgressão incapaz de ocupar-se dos aspectos reconstrutivos da
política transformadora a que a política feminista se propõe. Ademais, a fragmentação
das identidades sociais impede a reconstrução das identidades coletivas politicamente
constituídas. Não há, portanto, agente político. Se enquanto agentes individuais não há
prática emancipadora, igualmente não haverá agentes coletivos com esse intuito.
Fraser destaca o ensaio de Kristeva “O tempo das mulheres” (1979) em que ela
identifica três gerações do movimento feminista: 1) feminismo humanista e igualitário,
de espírito reformista, cujo escopo é o de garantir às mulheres uma participação plena
na esfera pública (Simone de Beauvoir); 2) feminismo ginocentrado de orientação
cultural, que objetiva promover uma especificidade simbólica e sexual feminina não
definida pelo homem (écriture féminine e parler femme); 3) pós-feminismo de enfoque
nominalista e antiessencialista, o qual afirma que “as mulheres” não existem e que as
identidades coletivas são ficções perigosas. Fraser identifica Kristeva nesta última
corrente.
Fraser analisa este ensaio reafirmando sua interpretação anterior sobre Kristeva,
de que ela repete seu padrão dualista e aditivo. Faz isso apontando uma contradição em
suas análises: ao mesmo tempo em que faz uma vinculação essencialista e biologicista
da maternidade, acaba por rechaçá-lo insistindo que as mulheres não existem, que a
identidade feminina é fictícia e que, portanto, os movimentos feministas tendem ao
religioso e ao protototalitário.