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Nome: Carolina Duarte Zambonato

Obra: Fortunas do Feminismo – Traficantes de sonhos de Nancy Fraser

Fichamento 07: Capítulo 07

Fraser inicia este capítulo apontando um ensaio crítico de Judith Butler, “Meramente
cultural”, no qual faz um diagnóstico da esquerda naquele momento, recuperando aspectos do
marxismo e feminismo socialista dos anos 70. Neste balanço, Fraser coloca seu desacordo com
Butler quanto ao legado do marxismo e quais são as conclusões relevantes do feminismo
socialista. Divergem também quando aos méritos das corretes pós-estruturalistas, e como
podem tais correntes inspirar uma teorização social que possa conservar uma dimensão
materialista. Por fim, divergem quanto à natureza do capitalismo contemporâneo.

Fraser começa defendendo-se da alcunha de “marxista neoconservadora”, o qual


designaria aqueles marxistas cuja concepção das opressões sexuais (gays e lésbicas) estariam
num plano secundário por serem “meramente culturais”, e subordinados à opressão de classe,
o que tornariam ilegítimos movimentos LGBT’s no campo da esquerda por dividirem-na.
Rechaçando tal designação, Fraser procura explicar seus marcos começando pela distinção que
faz entre injustiças de distribuição e injustiças de reconhecimento. Para ela, ambos os prejuízos
são primários, sérios e reais.

A falta de reconhecimento incorre na negação à plena interlocução e participação


como igual na vida social, não por uma inequidade distributiva, mas por consequência de
“padrões de interpretação e avaliação institucionalizados que constituem a pessoa como
alguém comparativamente indigno de respeito ou estima” (FRASER, p. 209). Não se trata,
portanto, de um estado psicológico senão de uma relação social institucionalizada.

Reconhecimento e distribuição, embora conceitos analiticamente distintos, podem


coincidir, como é o caso de sociedades pré-capitalistas. Porém, na sociedade capitalista as
relações entre classe e status podem se diferenciar, por uma especialidade das relações
econômicas. Entretanto, este fato não nega a tese chave, qual seja, o de que a falta de
reconhecimento constitui uma injustiça fundamental, esteja ela ligada ou não de uma injustiça
distributiva.

Assim, não é necessário traduzir uma injustiça provocada pela heteronormatividade


em outra de classe para reinvindicá-la como injusta. Ambas estão num nível co-fundamental e
são conceitualmente irredutíveis. Portanto, longe de afirmar que as injustiças culturais são
reflexos superestruturais de base estrutural econômica, afirmação própria de um monismo
economicista, Fraser recoloca a questão entre cultura e economia sem afirmar uma em
detrimento da outra.

Para Fraser, Butler acabou por operar uma análise dualista quase weberiana entre
status e classe, concluindo que para Fraser o reconhecimento não seria importante, o que é
uma suposição errônea. Fraser então coloca uma dupla questão que esclarece as divergências
entre as autoras: uma de ordem política e outra teórica.
Retomando mais detidamente a crítica de Butler em relação ao marco de redistribuição
e reconhecimento, Fraser apresenta os três principais argumentos críticos: 1) considerando
que gays e lésbicas sofrem de prejuízos econômicos, não é correto qualificar sua opressão
como um problema de reconhecimento; 2) retomando a teorização das feministas dos anos 70
de que a família faz parte do modo de produção, sustenta que a regulação heteronormativa da
sexualidade é fundamental para o funcionamento da economia política; 3) a distinção entre o
cultural e o material constitui um anacronismo teórico que deve ser eliminado da teoria social.
Para ela nenhum destes argumentos é persuasivo e historicamente situado na sociedade
capitalista moderna, e procura, então, respondê-los:

O primeiro argumento parte dos dados incontestes das graves desvantagens


econômicas que gays e lésbicas sofrem, por exemplo, na negação de assistência social baseada
na família ou mesmo em questões fiscais e de herança. Ou seja, tais condições econômicas e
materiais não podem ser vislumbradas como meramente simbólicas atribuídas, segundo Butler
pela justiça de reconhecimento. Tal conclusão, entretanto, é errônea, uma vez que as injustiças
de reconhecimento não são etéreas, mas são justamente materiais (ainda que, conforme
pontua a autora, material não se confunde com econômico). “Refletem a institucionalização de
significados, normas e construções de personalidades heterosexistas em âmbitos tais como o
direito constitucional, a medicina, a política de imigração e nacionalização, leis fiscais de
alcance federal e estatal, a assistência social e a política de emprego, a legislação sobre
igualdade de oportunidades, etc.” (FRASER, 212).

O reconhecimento, assim, tem implicações radicalmente materiais. Isto porém coloca


uma complexidade na interpretação desta questão se por material se compreende diretamente
econômico. Frase indaga, neste ponto, a que se refere a expressão “estrutura econômica” e,
como ponto central, se coincidem na sociedade tardocapitalista as relações de reconhecimento
com as relações econômicas.

Adentra assim, no segundo argumento, de que a regulação heteronormativa da


sexualidade é fundamental para a economia política. Fraser distingue duas variações: uma
definicional e outra funcionalista. Segundo a definicional, a regulação heterossexual pertence
por definição à estrutura econômica, entendida como todo o conjunto de mecanismos e
instituições sociais que (re) produzem pessoas e bens.

Fraser, todavia, rebate afirmando que a regulação sexual não estrutura a divisão social
do trabalho nem o modo de exploração da força de trabalho na sociedade capitalista. Faz isso
qualificando o argumento de Butler como desistoricizante, uma vez que perde a especificidade
das relações econômicas na sociedade capitalista, as quais estão relativamente desvinculadas
de qualquer relação de parentesco e autoridade política. Não apenas se especializa como
atenua o vínculo entre o modo de regulação sexual e as relações econômicas operantes sob a
égide da acumulação da mais-valia, expressa em trajetórias da vida cujo espaço da intimidade,
amor e amizade operam fora das vinculações familiares tradicionais. Assim, atribuir às lutas
pela sexualidade um caráter inerentemente econômico é uma conclusão tautológica e ao
mesmo tempo confusa, pois coloca reinvindicações distintas no mesmo bojo – luta lgbt e taxa
de exploração, por exemplo.
Já a variante funcionalista afirma que se a regulação heterossexual não é econômica
por definição, ela é ao menos funcional para a expansão do mais-valor. Fraser nega esta
afirmação a partir de relações empíricas em que os direitos de gays e lésbicas são reconhecidos
e absorvidos pelo próprio mercado capitalista. Pontua, neste sentido, que são os
conservadores culturais e religiosos quem mais se engaja na manutenção do status da
normatividade heterosexista, concluindo que o capitalismo contemporâneo não parece
necessitar do heterosexismo. Esta afirmação coloca uma perspectiva positiva para a luta LGBT
uma vez que não há necessidade de derrocar o capitalismo para remediar as dificuldades de
reconhecimento. Por outro lado, coloca a necessidade de transformar o status existente e
reestruturar as relações de reconhecimento.

O terceiro argumento de Butler é aquele que propõe desconstruir a distinção entre


material e cultural, pois sustentá-los em polos distintos seria anacronismo teórico. Fraser então
começa destacando que há uma confusão entre o econômico e o material, e que Butler
quando a lê acaba por articular uma distinção ontológica entre o material e o cultural. Tal
leitura, como já se colocou anteriormente, não é aplicável, uma vez que na visão de Fraser as
injustiças derivadas da falta de reconhecimento são tão materiais como aquelas próprias da
distribuição. Para Fraser a distinção – que deve ser dada entre econômico/cultural e não
material/cultural – é uma distinção socioteórica e aí reside a verdadeira divergência entre as
autoras.

Se nas sociedades pré-capitalistas analisadas por Strauss e Maus as relações entre


economia e cultura estão imbricadas, nas sociedades capitalistas modernas estas relações
ganham autonomia e diferenciações socioculturais, e esta é uma de suas especificidades
históricas. O problema é que Butler acaba generalizando para as sociedades capitalistas
modernas um traço que é próprio daquelas pré-capitalistas. Por outro lado, assume,
erroneamente, que historicizar uma tal distinção é torná-la insignificante e inútil na teoria
social, quando a historização opera no sentido contrário, justamente por precisar suas
especificidades e possibilitar uma desestabilização e desconstrução das relações dominantes.

Assim, conclui que as transformações correntes se captam melhor por um marxismo


aberto às demandas por reconhecimento, porque a justiça social hoje exige tanto
redistribuição como reconhecimento. É preciso, portanto, usar tanto da crítica neomarxista ao
capitalismo e integrá-la à política dos novos movimentos sociais, de inspiração crítica pós-
marxista. Este é o mérito que se abre com o debate com Butler.

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