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Universidade Federal Fluminense

Departamento de Direito
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito
Disciplina: Pensamento Político e Cultura Jurídica no Brasil:
Codificações e Paternalismo.
Professores: Gizlene Neder e Gisálio Cerqueira Filho
Aluna: Carolina Duarte Zambonato
Trabalho Final

Introdução

Autoritarismo como traço de continuidade entre o iluminismo débil lusitano, a formação


da sociedade brasileira e suas escolas jurídicas. (meia página)

Iluminismo débil lusitano

Como extensão colonial da sociedade lusitana, a cultura política brasileira herda


em grande monta o espírito resultante das contradições daquele reino ultramarino. De
sua independência, passando pelas grandes navegações até o Renascimento, Portugal
experimenta transformações políticas, científicas e culturais, as quais culminaram na
formação de uma revolução, conforme nos informa Raymundo Faoro (1987, p. 18),
paradoxal e irrealizada. “[...] A marcha triunfal de Aljubarrota e dos descobrimentos, o
encontro com a experiência, tudo se frustraria, imobilizado numa contradição
insuperada, a de um reino comercial-marítimo, incandescente no seu primeiro fogo, e
uma monarquia ferida de imobilismo.”
À falta de consolidação de um ideário nacionalista, somou-se uma burguesia
mercantil integrada ao absolutismo1, tornando aquela realidade volúvel aos interesses

11
Sobre esta questão, assim assinala Sério Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (2016, p. 49): “No
caso particular de Portugal, a ascensão, já ao tempo do Mestre de Avis, do povo dos mesteres e dos
mercadores citadinos pode encontrar menores barreiras do que nas partes do mundo cristão onde o
feudalismo imperava sem grande estorvo. Por isso, porque não teve excessivas dificuldades a vencer, por
lhe faltar apoio econômico onde se assentasse de modo exclusivo, a burguesia mercantil não precisou
adotar um modo de agir e pensar absolutamente novo, ou instituir uma nova escala de valores, sobre as
quais firmasse permanentemente seu predomínio. Procurou, antes de associar-se às antigas classes
dirigentes, assimilar muitos dos seus princípios, guiar-se pela tradição, mais do que pela razão fria e
calculista. Os elementos aristocráticos não foram completamente alijados e as formas de vida herdadas da
Idade Média conservaram, em parte, seu prestígio antigo.”
manufatureiros do além-Pirineus e imune à secularização da política. Seu Renascimento
seria logo amortecido pela Contra-reforma católica e submetido aos auspício do
Concílio de Trento. “O país, nacionalmente constituído, manteve-se impenetrável à
ciência europeia, ao pensamento político universal, regando o cordão sanitário com
água-benta e autos-de-fé.” (IDEM, p. 20)
Aos jesuítas, via Companhia de Jesus, coube expurgar o sistema educacional
português de qualquer “heresia”, assentando nas universidades o saber escolástico livre
de questionamentos e dúvidas suscitados pela postura científica nascente. “Esse
predomínio acha-se expresso na Ratio Studiorum, no monopólio virtual do ensino
exercido pelos jesuítas e na ferocidade da censura inquisitorial pelos próprios Tribunais
do Santo Ofício, ao longo do século XVII e na primeira metade do seguinte.” (PAIM
apud FAORO, 1985, p. 21). A Ratio constituía-se na coletânea documental de formação
jesuítica a qual unificava os procedimentos docentes pedagógicos no seu exercício
missionário, dada a expansão de seu domínio sobre o ensino. Nela salientava-se a
filosofia aristotélica sob a teologia de Santo Tomás de Aquino.

Skinner (1996, p. 74), ao comentar sobre a defesa escolástica da liberdade,


recorda os autores adeptos à independência política e ao autogoverno republicano,
críticos, portanto, ao pensamento político aquiniano, uma vez que para este a
monarquia hereditária sempre é a melhor forma de governo. Além disso, embora o
consentimento do povo para instituir um governante seja necessário, este ato não apenas
delega, mas aliena dos cidadãos a autoridade soberana que possuíam originariamente.
Ao alienar-se, o soberano deixa de estar sujeito à obrigação formal de obediência às leis
positivas, já que, segundo comenta o discípulo tomista, Egídio Colonna, “se estamos
falando de lei positiva, é muito melhor para um povo ser governado pelo melhor entre
os reis do que pelas melhores das leis.” (IDEM, p. 83)

Este breve excerto coloca a nítida contraposição entre o pensamento escolástico


de Tomás de Aquino, propagado pelo poder jesuítico em Portugal, e o efervescente
pensamento iluminista que ascende pelo resto da Europa, censurado naquele país pelo
Index Romano. É com Marquês de Pombal que alguma mudança se estabelecerá, ainda
que se apresente como uma ruptura cautelosa e sem a mesma radicalidade que animara
o centro francês. “O perfil da mudança fixou-se num traço geral: engastar Portugal na
Europa, da qual se distanciara, sem comprometer o absolutismo, a autoridade e o
sistema colonial.” (FAORO, 1985, p. 26) O “reino cadaveroso” não morreria, mas
ressuscitaria com novas roupas.

O pacto colonial combinado com a estagnação econômica portuguesa produziu


uma sociedade de comerciantes sem manufaturas, cujas riquezas do além-mar escoavam
para a Inglaterra, retendo em Portugal o sustento necessário da fidalguia. O terremoto de
1755 que tomou conta de Lisboa apresentou-se como momento oportuno para as
reformas pombalinas, centradas no desenvolvimento da agricultura, da indústria, e do
reforço do sistema colonial. Do ponto de vista político, a reforma readequou a elite
disposta no poder público sem, entretanto, permitir grandes transformações para as
classes subalternas.

O certo é que a irrupção pombalina rearticulou o Estado, aproximando-o de


setores novos, rompendo com a aliança senão hegemonia – eclesiástica, numa
transação com a burguesia mercantil, com o enfraquecimento do setor mais
conservador da aristocracia, liquidando as diferenças entre cristãos-novos e
cristãos-velhos. (IDEM, p. 32)

O movimento pombalino não abriu caminhos claros para o liberalismo tout


court, ao mesmo tempo em que os campos político e intelectual não tiveram força
suficiente para romper ou aprofundar as modificações feitas pela nova hegemonia. A
monarquia mantinha-se em pé sob o mando do ministro, completando o quadro de um
“absolutismo ilustrado”. No ensino e nas universidades, a influência escolástico-
jesuítica fora expurgada e o Santo Ofício controlado.

Reforma jurídica e Universidade de Coimbra no contexto pombalino

À expulsão dos jesuítas, marcados pelo pensamento escolástico e pela realização


das orientações do Santo Ofício, a Universidade de Coimbra – leia-se, a produção do
conhecimento - foi entregue à Congregação do Oratório de inspiração jansenista –
doutrina controversa no campo das disputas católicas, fortemente inspirada pelo
protestantismo. Se com isso Pombal buscava afastar o poder da Corte da influência
papal, por outro reforça a postura de um iluminismo moderado.

Do ponto de vista jurídico, observa-se neste período a aprovação da chamada Lei


da Boa Razão (1769) cujo escopo era disciplinar o sistema de fontes do direito –
hierarquia de normas e validade do direito subsidiário – com o fito de, entre outras
questões, restringir as intepretações dos jurisconsultos medievais Acúrsio e Bártolo
sobre o Direito Romano, recorrendo à consulta do direito natural e do racionalismo
jurídico moderno, a “boa razão”. O êxito da Lei da Boa Razão dependia diretamente da
forma como o direito e os instrumentos técnico-jurídicos eram ensinados, demandando
mudanças também no ensino jurídico.

Assim que, em Coimbra, o estatuto da universidade fora reformado (1772) e a


Academia Real de Ciências (1774) fundada em Lisboa. Em 1770 uma junta fora criada
com o objetivo de investigar e propor soluções para as deficiências universitárias
herdadas pelo período jesuítico. Os intelectuais que aqui tomaram frente foram acusados
de estrangeirados pelas modificações que estavam dispostos a fazer. Dentre eles, o
nome de Luis Antonio Verney (1713 – 1792) sobressai pelo diagnóstico que fez da
situação de atraso de Portugal e pela proposta de novos métodos de estudo em seu
Verdadeiro Método de Estudar (1747), obra que inspirará as reformas em Coimbra.

Neste sentido,
Tratava-se efetivamente de criar as bases para uma verdadeira revolução
jurídico-cultural que suplantasse uma cultura jurídica ainda profundamente
arraigada aos interpretes medievais do direito romano, extremamente
refratária a inovações metodológicas e desconfiada das extravagâncias
teóricas estrangeiras – como se sabe, nem mesmo o quinhentista mos gallicus
ecoou com força no meio jurídico português. (CASTRO, 2015 p. 109)

Assim, Direito Natural começou a ser lecionado, junto com o direito pátrio, e o
direito romano passou a ser ensinado sob uma criticidade que lhe aplacara qualquer
sentido de ratio scripta, revelando sua inscrição no tempo histórico e a impossibilidade
de universalizar-se enquanto raciocínio jurídico. Novas metodologias e pedagogias
foram instituídas a fim de produzir uma construção sistemática do direito, cujas normas
particulares derivariam de princípios gerais e axiomas fundantes, no chamado “método
sintético”. Com isso, o método escolástico sofre severa crítica, concebido como confuso
em face das novas metodologias científicas de análise cartesiana. Ainda segundo nos
informa Alexander de Castro (2015, p. 113):

De fato, o método demonstrativo, tomado de empréstimo às ciências


matemáticas aparece nos novos estatutos como o centro da abordagem
científica e é, assim, inserido – junto com o método sintético – na elaboração
dos ditos compêndios. O “método científico e demonstrativo” garantiria a
solidez e a coesão do sistema jurídico, antes dissolvido no caos bartolístico
de opiniões desprovidas de base legal em que o método tópico-dialógico
tinha lançado a ciência jurídica. A sistematicidade, por sua vez, deveria
garantir a certeza da lei já que vincularia, por meio da concatenação lógica, as
conclusões particulares aos princípios gerais materializados no texto legal. E
para garantir o resultado, ao lado e complementarmente ao método sintético
também o método analítico deveria ser usado para que todas aquelas ideias
gerais e abstratas pudessem ser deduzidas até suas consequências mais
concretas e particulares.

É neste contexto que emerge a figura de Paschoal José de Mello Freire, lente
coimbrense, responsável pelo primeiro compêndio sobre a História do Direito em
Portugal, além de redator dos projetos de código criminal, encomendado pela Rainha
Maria I, e código de direito público. Sua trajetória tornou-se referência entre os
jurisconsultos da época, influenciando a formação jurídica tanto em Portugal como no
Brasil, no processo de elaboração dos primeiros cursos de Direito por aqui.
Dada sua presença no momento das reformas pombalinas, é interessante ressaltar
os aspectos ambivalentes do seu pensamento, os quais expressam também as
contraditoriedades do iluminismo lusitano. Gizlene Neder e Gisálio Cerqueira (2012) ao
argumentar o debate entre Mello Freire e Antônio Ribeiro dos Santos – outro importante
jurista da época que também participou do processo de reforma do ensino jurídico em
Coimbra – em torno do código de direito público, destacam o permanência de aspectos
tomistas no campo intelectual.

Concluímos que, quanto à forma os projetos de Pascoal de Mello Freire


seguiam as modas intelectuais no campo jurídico moderno; mesmo
considerando que a maior parte dos seus livros foi escrita em latim. Contudo,
dos três projetos de códigos por ele redigidos, apenas o penal foi impresso; o
de direito público e o regimento da inquisição estão manuscritos. Sua
modernidade refere-se à forma de organização dos dispositivos: da lei mais
geral, para a particular; classificação e coerência dos itens e subitens, etc. Já
quanto ao conteúdo, seus projetos indicam a permanência de dispositivos
legais que, rigorosamente, não implicavam mudanças substantivas em relação
à legislação régia portuguesa precedente. Seu projeto de direito público
constitui o melhor exemplo disso, uma vez que foram incluídos, numa forma
moderna, os dispositivos das leis do reino de Portugal presentes nas
Ordenações Filipinas. (CERQUEIRA; NEDER, 2010, p. 517)

Tais aspectos de continuidade estão presentes, sobretudo, no debate em torno


dos direitos da monarquia e da centralidade do poder régio. Enquanto Mello Freire
defendia o direito do monarca português sobre o reino sob o fundamento de um direito
de propriedade, Ribeiro dos Santos argumentava a limitação dos poderes absolutistas,
afirmando o princípio da monarquia constitucional. (IDEM, p. 519) Percebem-se aí a
manutenção de uma perspectiva política pré-moderna, assentada na ideia do corpo
social coeso pela figura da autoridade real. Tais nuances legaram sítio nas universidades
vindouras no Brasil, no início do século XIX, quando foram criadas as primeiras
faculdades de Direito no nordeste e sudeste.
De Coimbra à Olinda e São Paulo

Quando das discussões sobre a criação das faculdades de Direito no Brasil, entre
1823 a 1827, os Estatutos da Faculdade de Direito de Coimbra tornaram-se inspiração
direta. Mello Freire e sua obra serão evocados tanto nos debates parlamentares, quanto
nos de regulamentação dos cursos jurídicos. Repetiam-se, assim, as linhas gerais das
diretrizes político-ideológicas do iluminismo lusitano: desde a crítica ao Direito
Romano pelas lentes de seus glosadores medievais, até a concepção de ciência
enraizada no racionalismo. (CERQUEIRA; NEDER, 2018, p. 09)

Tomaram parte das preocupações não apenas as linhas gerais de influência


pombalina, mas também os quadros administrativos na gestão do Império, engastados
na garantia da unidade territorial que o Brasil recém-independente necessitaria. Deste
modo, descentralizar as faculdades da capital (Rio de Janeiro) nas regiões ao Norte
(Olinda e posteriormente Recife) e ao Sul (São Paulo) tornava-se interessante, evitando
movimentos separatistas e ampliando a estrutura burocrático-estatal brasileira. Mais que
território, à nova nação desenhavam-se instrumentos simbólicos e alegóricos de poder,
atravessados de sentidos militares e religiosos. Para isso, a construção de uma
consciência nacional necessitaria de um programa educacional que fomentasse sua
formação e consolidação. (IDEM, p. 10)

Apesar da ancestralidade coimbrense comum, as gêmeas universidades de São


Paulo e Olinda/Recife nasceram bivitelinas. No contexto da Revolução dos Padres de
1817, Pernambuco experimentava um espírito contestador e isso, em certa medida,
expressou-se no desenvolvimento daqueles bacharéis. Ainda que nos primeiros anos da
experiência olindense, conforme relata Schwarcz (1993), pouco se colhera em produção
e inovação intelectual, fato é que nos anos posteriores condensou-se um caldo crítico ao
catolicismo, à monarquia, ao romantismo, plasmando a “Geração dos 70”, dos quais se
destacaram Silvio Romero e Tobias Barreto.

Ante uma ciência católica, esses homens produziram uma virada teórica, onde
entram em jogo o positivismo, o darwinismo, o evolucionismo, o naturalismo, etc. O
Direito passa pelo crivo do cientificismo, sendo neste momento estudado como
disciplina autônoma e receptor de doutrinas deterministas, sobretudo no debate da
antropologia criminal, o qual contou com o maior número de artigos na revista
acadêmica daquela Escola (SCHWARCZ, 1993, p. 207). O tema das raças, sobretudo o
da mestiçagem, expunha a grandeza pela qual aqueles intelectuais tratavam suas ideias,
cujo fito era a construção de um projeto nacional. Conforme assinala Schwarcz (IDEM,
p. 201):

Silvio Romero era antes de mais nada um grande agitador. Autodidata e


pouco preocupado com o que chamava “pura especulação”, utilizou com
entusiasmo a última palavra em ciência e filosofia para lidar de forma direta
com os problemas nacionais. Na verdade, as diferentes matrizes teóricas só o
interessavam na medida em que ajudavam a pensar em um compromisso com
as questões locais, em novas aspirações de uma nacionalidade.

Já a Academia de São Paulo, fundada sobre bases franciscanas, erigir-se-á sobre


um pragmatismo – de inspiração pombalina - ligado aos interesses das oligarquias
locais, onde o liberalismo de inspiração iluminista ficará mais à sombra. Embora em
ambas as escolas o liberalismo tenha tido um papel de enfrentamento político à
metrópole, instrumentalizado pelos interesses ligados à propriedade agrário-escravista,
em São Paulo este traço mostrou-se mais saliente (CERQUEIRA; NEDER, 2018, p.
15).2

Ainda que num primeiro momento a faculdade paulista, assim como a olindense,
tenha encontrado dificuldades institucionais (instalações inadequadas, carência de
quadro docente, parca cultura acadêmica), os anos que seguiram foram representados
pelo anseio das elites locais em produzir um polo intelectual de referência. Ao final do
XIX, diferente da situação em Recife, São Paulo passa a concentrar poder político e

2
Acerca do contexto e conformação das universidades, Souza (2000, p. 03) afirma: “Ao cabo de tudo, a
Faculdade de Direito de São Paulo foi criada em 1828, funcionando no Convento de S. Francisco e
compartilhando as instalações do convento com os frades (Arroyo, 1966: 140) e o impacto da criação da
faculdade sobre a acanhada e provinciana São Paulo do período foi decisivo para seu desenvolvimento.
Morse busca descrevê-lo: Desde que se abriram suas portas, em março de 1828, a Academia de Direito
foi por muitos decênios o centro vital da cidade. Atraia alunos e professores de todo o país e de fora. Com
estes vieram necessidades e atitudes que iriam lançar o fermento na comunidade introvertida (Morse,
1970:83). Já Franco chama a São Paulo de meados do século XIX de burgo de estudantes e define os
estudantes da Faculdade de Direito como os verdadeiros donos da cidade (Franco, 1973:vol.I.14). Não foi
o pretendido caminho das luzes nem a inauguração das ciências do sertão, mas- além do evidente impacto
econômico- criou-se um processo de transformação cultural cujas consequências sobre o posterior
desenvolvimento da cidade precisam ainda ser melhor avaliadas.
Situação oposta verificou-se em Olinda, onde foi criada a segunda faculdade e onde viver, nas
palavras de um deputado da época, era verdadeiro ostracismo e onde as atividades acadêmicas limitavam-
se ao âmbito universitário, sem alcançar repercussão local (Leite,1977:10). Ali, o contexto e as
consequências foram bastante diferentes.”
econômico, e talvez isso se relacione com uma postura menos combativa em
comparação àquela escola.

Avaliando sua revista acadêmica, Schwarcz (1993, p. 228 a 231) pontua que o
periódico tinha mais um caráter institucional que a divulgação, propriamente dita, de
ideias críticas ou polêmicas. Buscava, nesta linha, referenciar o Direito a partir de um
modelo evolucionista, cuja meta seria desnudar as leis que encarregam a humanidade de
progredir à civilização. Assim, ao direito e seus operadores caberia o papel civilizador
capaz de retirar o país da barbárie. Com efeito,

Política e academia assim se encontravam, quase tendo a religião a legitimar


essa união. Trata-se de um evolucionismo de fundo católico, que pensa em
inevitabilidades mas recorre ao Divino, que vincula um projeto profissional a
um programa missionário. De fato, nesse período a faculdade paulistana se
transformava rapidamente em um centro de “eleitos” especialmente treinados
para a condução dos destinos da nação. Bastante afastada das esferas de
decisão no período monárquico, já no período republicano associada ao poder
econômico regional e contando com uma clientela privilegiada em termos
financeiros, a escola de direito de São Paulo transforma-se em um dos
grandes legitimadores do novo jogo político vigente. (IDEM, p. 233)

Embora as duas escolas carreguem o emblema dos “eleitos” da nação, o fazem


sob prismas ideológicos distintos. Enquanto Recife estuda e projeta cientificamente um
modelo racial determinista – um “elogio de conveniência” à mestiçagem – cujos
desígnios refundariam a nação, São Paulo crítica o “radicalismo pernambucano” ao
mesmo tempo em que se porta como “o” vetor de progresso da nação, por meio de um
liberalismo de fundo evolucionista e antidemocrático, como afirma Schwarcz (IDEM, p.
225).

“O passado dentro do presente”: o liberalismo na Escola Paulista.

No mesmo sentido, Sérgio Adorno (1988) em sua obra “Os aprendizes do poder”
discorre sobre a solidificação do liberalismo brasileiro a partir da análise da formação
dos bacharéis paulistas. Seu trabalho circunscreve-se na existência contraditória entre
um Estado autoritário e uma elite de intelectuais liberais. Contrariando intepretações
correntes, o autor sustenta que no Brasil o pensamento liberal não foi tomado como
sinônimo de democracia, e que este fato não o contrapõe, de imediato, ao autoritarismo.
A partir deste ponto, o autor perscrutou o perfil dos bacharéis que compuseram a
constituição deste Estado (ADORNO, 1988, p. 24).

Neste processo de constituição do Estado Nacional, ele aponta a contradição


entre um regime sócio-político colonial, escravagista e monárquico, com a emergência
de uma nova ordem competitiva, e, junto dela, uma administração burocrática-legal que
expresse a autonomização da política. “Em outras palavras, o impasse consistiu em
“conciliar” a natureza patrimonial do Estado brasileiro sob o regime monárquico com o
modelo jurídico liberal de exercício do poder.” (IDEM, p. 55) Tal conciliação só foi
possível na medida em que o liberalismo forjou-se longe de pressupostos democráticos.

De início, o liberalismo esteve ligado ao sentimento antimetropolitano, o qual


contrapunha os interesses locais àqueles da coroa. O processo de independência passa a
associar a ideia liberal ao seu sentido mais regressivo, das liberdades e direitos
individuais, sobretudo da propriedade. O pilar da igualdade, sustentado por
reivindicações de participação popular, restou enfraquecido, ainda que não faltassem
revoltas populares, sobrepondo um liberalismo de corte conservador a outro de vertente
mais radical e democrática. Quando os conflitos eclodiam, os princípios liberais
rapidamente ligavam-se à ordem estabelecida3.

O pacto entre grandes proprietários, cuja atuação restou limitada à preservação


de seus interesses frente o poder da coroa, e o estamento burocrático patrimonial - ou
seja, o casamento entre liberalismo e patrimonialismo – era contraditório e expressava a
tensão entre sociedade e Estado. Os direitos, as liberdades e mesmo a igualdade eram
presas de um discurso que os anunciava e ao mesmo tempo os renunciava a todo

3
Assim comenta Adorno (1988, p. 49): “Entre 1831 e 1849, a sociedade brasileira experimentou toda
sorte de inconformismos. O radicalismo de raízes populares exacerbou-se, como também se exacerbaram
conflitos de raça, cultura e classe, antagonismos mais propriamente políticos do que sociais, rebeliões
sertanejas, protestos liberais, rebeldias de negros, banditismo rural e até mesmo disputas de poder entre
minorias dominantes (Rodrigues, 1982:51-7). Quando esses inconformismos não foram de bases
exclusivamente populares, a presença de pressupostos liberais tendeu a predominar sobre as
reivindicações democráticas. Para os proprietários rurais e negociantes, a alternativa para restabelecer a
tranquilidade pública consistia em recuperar ferozmente o império da lei. Reivindicação liberal dos
estratos sociais dominantes – ao que parece, nunca dos dominados -, o respeito jurídico à ordem
estabelecida configurou expressão ideológica presente em movimentos regionais, mesmo quando o
protesto contra a espoliação econômica, frequentemente patrocinada pela política tributário-confiscatória
do governo central, se revestiu de reivindicações em torno da autonomia política. Quando isso aconteceu,
as ideias federalistas inspiradas em princípios liberais também pareceram suplantar as pretensões
democráticas das camadas sociais populares. O culto à lei e à ordem constituída combinou-se de modo
contraditório com as alternativas de se reintroduzir um equilíbrio nas instáveis relações entre poder local e
política nacional.”
momento (IDEM, p. 63). A formação dos bacharéis refletiu esta contraditoriedade, tanto
nos conteúdos lecionados quanto na cultura universitária fora das salas de aulas.

Ao tratar da Faculdade de Direito de São Paulo, chama atenção a semelhança da


descrição com o quadro atual dos cursos jurídicos. Problemas estruturais como falta de
assiduidade docente, desinteresse e indiferença discente, ausência de sólida base
curricular e de um sistema de aprendizagem eficiente, além de relacionamento
pessoalizado, dão o tom de uma academia com pouco espírito científico e parca
produção doutrinária. Orientações filosófico-jurídicas conflitantes entre si
amalgamavam ecletismos de toda sorte, onde concepções diretamente religiosas
conviviam com outras de matriz racionalista.

Para além das inconsistências teóricas, conviviam disciplinas de direito imperial


e outras ligadas aos anseios de uma ordem social moderno-capitalista. Pontua Adorno:

Perfilando a tradição de Coimbra, o curso compunha-se de nove cadeiras, nas


quais se ensinavam: Direito Natural, Direito Público, Análise da Constituição
do Império, Direito das Gentes e Diplomacia, Direito Pátrio Civil, Direito
Pátrio Criminal, Direito Público Eclesiástico, Teoria do Processo Criminal,
Direito Mercantil e Marítimo, Teoria e Prática do Processo adotado pelas
Leis do Império e Economia Política. Influenciada pelo jus-naturalismo, essa
estrutura curricular testemunha o modo ambíguo pelo qual se acreditava,
àquela época, superar o passado imediatamente colonial, formando, através
do ensino jurídico, uma elite intelectual aberta à modernidade. Porém, ao
mesmo tempo em que procurava conferir amplo reconhecimento ao papel
desempenhado pelas ciências políticas e sociais na formação dos “homens
hábeis para serem um dia sábios magistrados e peritos advogados de que
tanto se carece” e ”dignos deputados e senadores para ocuparem os lugares
diplomáticos e mais empregos do Estado” (Estatuto do Visconde de
Cachoeira. Apud Venâncio Filho, 1977: 31), a estrutura curricular insistia em
arcaicas noções de Direito Público Eclesiástico para ponderar as relações
entre Igreja e Estado, chegando mesmo a se apoiar em princípios que
supunham universais e imutáveis. (Adorno, 1988, p. 95/96)

Tais conflitos mostram a permanência do “passado dentro do presente” na


formação desses homens, cujos futuros os encontrariam menos enquanto jurisconsultos
do que políticos, administradores e burocratas estatais. Este fato, demonstrado pelas
pesquisas de Adorno, revela que a função concreta da educação jurídica pós-
independência esteve mais voltada para atender as necessidades do Estado patrimonial,
com a profissionalização dos bacharéis, e menos em erigir uma doutrina jurídico-
política capaz de lhe conferir fundamentos ideológicos. Isso possibilitou homogeneizar
as bases sociais da elite política, substituindo as relações de parentesco por relações
políticas mais formais e impessoais, formando o intelectual cosmopolita e apto à vida
pública e política.

Enquanto intelectuais tradicionais, os bacharéis, filhos das classes agrárias,


formaram-se mais na moderação que na criticidade. Se por vezes o conteúdo do ensino
jurídico tinha um caráter mais ornamental, é no ambiente fora de sala de aula que o
cosmopolitismo e os embates irão se apresentar. O jornalismo e a imprensa foram os
meios fundamentais pelos quais se realizavam os debates políticos, e à carência dos
conteúdos apresentados dentro de sala de aula, estimulava-se o autodidatismo entre os
pares. Aos poucos, os conflitos e relações deixam de ser pessoais e passam a ser
expressão daqueles vivenciados em sociedade, sendo a militância política o critério que
mediatizou aquele espaço enquanto instituição cultural. Por fim,

Muito mais do que uma simples escola de transmissão de ciência, a


Academia de Direito de São Paulo foi uma verdadeira escola de costumes.
Humanizou o embrutecido estudante proveniente do campo; civilizou os
hábitos enraizados num passado imediatamente colonial; disciplinou o
pensamento no sentido de permitir pensar a coisa política como atividade
dirigida por critérios intelectuais; enfim, moralizou o universo da política ao
formar uma intelligentsia capaz de se pôr à frente dos negócios públicos e de
ocupar os principais postos diretivos do Estado (IDEM, p. 155).

Este caldo cultural não esteve restrito ao âmbito institucional e constitui também
uma eminente cultura bacharelesca, cujos traços se somam à herança portuguesa e
através deles vislumbramos características mais profundas e enraizadas na cultura da
nação brasileira recém-nascida.

Bacharelismo, Cordialidade e o afeto como política

Sérgio Buarque de Holanda (2016) em seu Raízes do Brasil, parte da tese,


construída no capítulo I, de que os fundamentos sociais que diferem a Península Ibérica
do restante da Europa, e dos quais o Brasil é legatário, centram-se na “Cultura da
Personalidade”. Segundo nos diz, o valor dos homens é medido pela capacidade em ser
independente dos demais e a este hiper-personalismo explica a frouxidão da estrutura
social brasileira, pouco afeita às hierarquias organizadas, as quais exigiriam uma
personalidade mais integrada e “diminuta”, por assim dizer.
A estes aspectos, Buarque de Holanda relaciona o traço da “cordialidade”
presente no brasileiro, compreendido como uma forma exterior do indivíduo se
relacionar, uma espécie de “máscara” que preserva sensibilidades e emoções desta
personalidade soberana. Cordialidade, neste sentido, em nada se assemelha à
amabilidade ou civilidade. Ao contrário, estas apenas revestem superficialmente os
indivíduos, e indicam uma resistência em submeter-se às leis e ritos que estruturam o
convívio social fora do círculo da intimidade. O “homem cordial” expressa o
agigantamento do espaço privado – aquele familiar e patriarcal, marcado pelo mundo
colonial rural – sobre o espaço público e a abstratalidade de seus princípios,
característica que também está na base do funcionamento patrimonial do Estado.
Conforme pontua Antônio Cândido no prefácio da obra (IDEM, p. 364): “O “homem
cordial” não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de
aparência afetiva, inclusive suas manifestações externas, não necessariamente sinceras
nem profundas, que se opõem aos ritualismos da polidez”.

Observa o autor que as primeiras faculdades de Direito contribuíram para a


formação de homens públicos, imersos num contexto mais cosmopolita e que lhes
exigia uma maior orientação a leis gerais e responsabilidade como operadores jurídicos.
O resultado desta transição, que não apagou os traços da personalidade exaltada, foi a
cultura de uma intelectualidade pouco afeita ao estudo exigente e disciplinador, bem
como formada em sistemas e doutrinas ecléticas, por vezes díspares, porém
correlacionadas sob uma roupagem pomposa e bonita.4 Com efeito, afirma que o apego
às formulações genéricas e pouco rigorosas plasmam um distanciamento negador da
realidade, como se as ideias tivessem valor por si, com “caráter transcende inutilitário.”
(IDEM, p. 289)

O trabalho, enquanto labor constante, monótono e constritor da personalidade, o


qual impõe aos homens a submissão a um objeto exterior, não é cultivado. “O que entre

4
Assim, nos informa: “Um amor pronunciado pelas formas fixas e pelas leis genéricas, que
circunscrevem a realidade complexa e difícil dentro do âmbito dos nossos desejos, é dos aspectos mais
constantes e significativos do caráter brasileiro. Essas construções de inteligência representam um
repouso para a imaginação, comparável à exigência de regularidade a que o compasso musical convida o
corpo do dançarino. O prestígio da palavra escrita, da frase lapidar, do pensamento inflexível, o horror ao
vago, ao hesitante, ao fluido, que obrigam à colaboração, ao esforço e, por conseguinte, a certa
dependência e mesma abdicação da personalidade, têm determinado assiduamente nossa formação
espiritual.” (IDEM, p. 277)
elas predomina é a concepção antiga de que o ócio importa mais que o negócio e de que
a atividade produtora é, em si, menos valiosa que a contemplação e o amor.”
(HOLANDA, 2016, p. 53). A esta fraca moral do trabalho, o autor relaciona a
precariedade dos laços de solidariedade e a falta de coesão social. Somente a obediência
a um poder centralizador seria capaz de fazer frente à personalidade exaltada,
constrangendo-a a renunciar em nome de um bem maior.

E não é estranhável que essa obediência – obediência cega e que difere


fundamente dos princípios medievais e feudais de lealdade – tenha sido até
agora, para eles, o único princípio verdadeiramente forte. A vontade de
mandar e a disposição para cumprir ordens são-lhes igualmente peculiares.
(IDEM, p. 54).

Avaliar se a tese de Buarque de Holanda, escrita e publicada há mais de 80 atrás,


ainda permanece viva e capaz de nos explicar não é obra deste breve trabalho. No
entanto, e não apenas pelo peso histórico que a obra carrega, mas pelo exemplo que sua
análise encerra, é possível depreender que o afeto não é apenas político, mas
socialmente, em sentido geral, referenciado. Política não apenas na especificidade das
relações e instituições ligadas ao Estado, mas enquanto mediação das relações humanas
em seus múltiplos nível. Em Raízes do Brasil, fica claro como o tipo ideal construído –
o homem cordial – é expressão de uma interioridade afetiva rica, cujos desdobramentos
se conectam tanto com o patrimonialismo de Estado quanto com a tessitura dos laços de
solidariedade e tenacidade na coesão social.

Em particular, o tema do autoritarismo-obediência chama atenção pelo


enraizamento nas relações ideológicas e afetivas brasileiras. Gisálio Cerqueira (2005, p.
71), ao comentar o processo de unificação alemã – passagem tardia ao capitalismo -,
descreve a “via prussiana”, entre outros aspectos, como a “permanência histórica de
longa duração de ideias e sentimentos que favorecem a aliança de classes pelo alto, e a
ação indutora do Estado como agente atualizador e autoritário”, bem como uma via
totalitária de construção da verdade pela obediência e submissão, buscando, com isso,
lançar luz ao absolutismo afetivo vivenciado pela sociedade brasileira.

Pontuando brevemente no esteio da psicanálise, compreender a dinâmica do


mando e desejo de submissão atravessa a “ideologia do desamparo”, a qual pelo
superdimensionamento idealizado ou pela ausência/ignorância simbólica da
lei/autoridade, o sujeito trava em reagir a esta figura paterna e criar por si próprio uma
nova ordem. “O desamparo daí resultante, acompanhando a depressão existencial e o
desespero social, não raro tem levado à reverência do princípio do chefe e à expectativa
de uma liderança autoritária, carismática, um autêntico “salvador da pátria”.” (IDEM, p.
74).

O chamamento ao líder expressa, assim, uma crise de autoridade, a qual se


expressa na ausência do Estado e da lei nas relações sociais. O caudilhismo, expressão
dos fundamentos personalistas na América Latina a que Buarque de Holanda se refere
no último capítulo de sua obra, talvez se apresente também como sintoma desta crise.
Ademais, o distanciamento entre as amplas maiorias e o “locus” decisório das
importantes transformações históricas brasileiras, sua baixíssima densidade
participativa, parecem confluir para o reforço da ideologia do desamparo, que, na outra
ponta, gera um gozo na fantasia de um poder absoluto, ideal e perfeito, capaz de
restabelecer, no plano da ideação, a impotência de agir. Na mesma toada, o radicalismo
de gabinete no qual as elites políticas e intelectuais foram (ou são?) acostumadas,
endossa a dificuldade de invenção e ação de sujeitos políticos autênticos.

Conclusão

Ao perpassar

Referências Bibliográficas

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brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
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questão penal setecentista em Portugal (1769 – 1789). Disponível em:
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CERQUEIRA, Gisálio. Autoritarismo Afetivo: A Prússia como sentimento. São Paulo:
Editora Escuta, 2005.
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