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Departamento de Direito
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito
Disciplina: Pensamento Político e Cultura Jurídica no Brasil:
Codificações e Paternalismo.
Professores: Gizlene Neder e Gisálio Cerqueira Filho
Aluna: Carolina Duarte Zambonato
Trabalho Final
Introdução
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Sobre esta questão, assim assinala Sério Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (2016, p. 49): “No
caso particular de Portugal, a ascensão, já ao tempo do Mestre de Avis, do povo dos mesteres e dos
mercadores citadinos pode encontrar menores barreiras do que nas partes do mundo cristão onde o
feudalismo imperava sem grande estorvo. Por isso, porque não teve excessivas dificuldades a vencer, por
lhe faltar apoio econômico onde se assentasse de modo exclusivo, a burguesia mercantil não precisou
adotar um modo de agir e pensar absolutamente novo, ou instituir uma nova escala de valores, sobre as
quais firmasse permanentemente seu predomínio. Procurou, antes de associar-se às antigas classes
dirigentes, assimilar muitos dos seus princípios, guiar-se pela tradição, mais do que pela razão fria e
calculista. Os elementos aristocráticos não foram completamente alijados e as formas de vida herdadas da
Idade Média conservaram, em parte, seu prestígio antigo.”
manufatureiros do além-Pirineus e imune à secularização da política. Seu Renascimento
seria logo amortecido pela Contra-reforma católica e submetido aos auspício do
Concílio de Trento. “O país, nacionalmente constituído, manteve-se impenetrável à
ciência europeia, ao pensamento político universal, regando o cordão sanitário com
água-benta e autos-de-fé.” (IDEM, p. 20)
Aos jesuítas, via Companhia de Jesus, coube expurgar o sistema educacional
português de qualquer “heresia”, assentando nas universidades o saber escolástico livre
de questionamentos e dúvidas suscitados pela postura científica nascente. “Esse
predomínio acha-se expresso na Ratio Studiorum, no monopólio virtual do ensino
exercido pelos jesuítas e na ferocidade da censura inquisitorial pelos próprios Tribunais
do Santo Ofício, ao longo do século XVII e na primeira metade do seguinte.” (PAIM
apud FAORO, 1985, p. 21). A Ratio constituía-se na coletânea documental de formação
jesuítica a qual unificava os procedimentos docentes pedagógicos no seu exercício
missionário, dada a expansão de seu domínio sobre o ensino. Nela salientava-se a
filosofia aristotélica sob a teologia de Santo Tomás de Aquino.
Neste sentido,
Tratava-se efetivamente de criar as bases para uma verdadeira revolução
jurídico-cultural que suplantasse uma cultura jurídica ainda profundamente
arraigada aos interpretes medievais do direito romano, extremamente
refratária a inovações metodológicas e desconfiada das extravagâncias
teóricas estrangeiras – como se sabe, nem mesmo o quinhentista mos gallicus
ecoou com força no meio jurídico português. (CASTRO, 2015 p. 109)
Assim, Direito Natural começou a ser lecionado, junto com o direito pátrio, e o
direito romano passou a ser ensinado sob uma criticidade que lhe aplacara qualquer
sentido de ratio scripta, revelando sua inscrição no tempo histórico e a impossibilidade
de universalizar-se enquanto raciocínio jurídico. Novas metodologias e pedagogias
foram instituídas a fim de produzir uma construção sistemática do direito, cujas normas
particulares derivariam de princípios gerais e axiomas fundantes, no chamado “método
sintético”. Com isso, o método escolástico sofre severa crítica, concebido como confuso
em face das novas metodologias científicas de análise cartesiana. Ainda segundo nos
informa Alexander de Castro (2015, p. 113):
É neste contexto que emerge a figura de Paschoal José de Mello Freire, lente
coimbrense, responsável pelo primeiro compêndio sobre a História do Direito em
Portugal, além de redator dos projetos de código criminal, encomendado pela Rainha
Maria I, e código de direito público. Sua trajetória tornou-se referência entre os
jurisconsultos da época, influenciando a formação jurídica tanto em Portugal como no
Brasil, no processo de elaboração dos primeiros cursos de Direito por aqui.
Dada sua presença no momento das reformas pombalinas, é interessante ressaltar
os aspectos ambivalentes do seu pensamento, os quais expressam também as
contraditoriedades do iluminismo lusitano. Gizlene Neder e Gisálio Cerqueira (2012) ao
argumentar o debate entre Mello Freire e Antônio Ribeiro dos Santos – outro importante
jurista da época que também participou do processo de reforma do ensino jurídico em
Coimbra – em torno do código de direito público, destacam o permanência de aspectos
tomistas no campo intelectual.
Quando das discussões sobre a criação das faculdades de Direito no Brasil, entre
1823 a 1827, os Estatutos da Faculdade de Direito de Coimbra tornaram-se inspiração
direta. Mello Freire e sua obra serão evocados tanto nos debates parlamentares, quanto
nos de regulamentação dos cursos jurídicos. Repetiam-se, assim, as linhas gerais das
diretrizes político-ideológicas do iluminismo lusitano: desde a crítica ao Direito
Romano pelas lentes de seus glosadores medievais, até a concepção de ciência
enraizada no racionalismo. (CERQUEIRA; NEDER, 2018, p. 09)
Ante uma ciência católica, esses homens produziram uma virada teórica, onde
entram em jogo o positivismo, o darwinismo, o evolucionismo, o naturalismo, etc. O
Direito passa pelo crivo do cientificismo, sendo neste momento estudado como
disciplina autônoma e receptor de doutrinas deterministas, sobretudo no debate da
antropologia criminal, o qual contou com o maior número de artigos na revista
acadêmica daquela Escola (SCHWARCZ, 1993, p. 207). O tema das raças, sobretudo o
da mestiçagem, expunha a grandeza pela qual aqueles intelectuais tratavam suas ideias,
cujo fito era a construção de um projeto nacional. Conforme assinala Schwarcz (IDEM,
p. 201):
Ainda que num primeiro momento a faculdade paulista, assim como a olindense,
tenha encontrado dificuldades institucionais (instalações inadequadas, carência de
quadro docente, parca cultura acadêmica), os anos que seguiram foram representados
pelo anseio das elites locais em produzir um polo intelectual de referência. Ao final do
XIX, diferente da situação em Recife, São Paulo passa a concentrar poder político e
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Acerca do contexto e conformação das universidades, Souza (2000, p. 03) afirma: “Ao cabo de tudo, a
Faculdade de Direito de São Paulo foi criada em 1828, funcionando no Convento de S. Francisco e
compartilhando as instalações do convento com os frades (Arroyo, 1966: 140) e o impacto da criação da
faculdade sobre a acanhada e provinciana São Paulo do período foi decisivo para seu desenvolvimento.
Morse busca descrevê-lo: Desde que se abriram suas portas, em março de 1828, a Academia de Direito
foi por muitos decênios o centro vital da cidade. Atraia alunos e professores de todo o país e de fora. Com
estes vieram necessidades e atitudes que iriam lançar o fermento na comunidade introvertida (Morse,
1970:83). Já Franco chama a São Paulo de meados do século XIX de burgo de estudantes e define os
estudantes da Faculdade de Direito como os verdadeiros donos da cidade (Franco, 1973:vol.I.14). Não foi
o pretendido caminho das luzes nem a inauguração das ciências do sertão, mas- além do evidente impacto
econômico- criou-se um processo de transformação cultural cujas consequências sobre o posterior
desenvolvimento da cidade precisam ainda ser melhor avaliadas.
Situação oposta verificou-se em Olinda, onde foi criada a segunda faculdade e onde viver, nas
palavras de um deputado da época, era verdadeiro ostracismo e onde as atividades acadêmicas limitavam-
se ao âmbito universitário, sem alcançar repercussão local (Leite,1977:10). Ali, o contexto e as
consequências foram bastante diferentes.”
econômico, e talvez isso se relacione com uma postura menos combativa em
comparação àquela escola.
Avaliando sua revista acadêmica, Schwarcz (1993, p. 228 a 231) pontua que o
periódico tinha mais um caráter institucional que a divulgação, propriamente dita, de
ideias críticas ou polêmicas. Buscava, nesta linha, referenciar o Direito a partir de um
modelo evolucionista, cuja meta seria desnudar as leis que encarregam a humanidade de
progredir à civilização. Assim, ao direito e seus operadores caberia o papel civilizador
capaz de retirar o país da barbárie. Com efeito,
No mesmo sentido, Sérgio Adorno (1988) em sua obra “Os aprendizes do poder”
discorre sobre a solidificação do liberalismo brasileiro a partir da análise da formação
dos bacharéis paulistas. Seu trabalho circunscreve-se na existência contraditória entre
um Estado autoritário e uma elite de intelectuais liberais. Contrariando intepretações
correntes, o autor sustenta que no Brasil o pensamento liberal não foi tomado como
sinônimo de democracia, e que este fato não o contrapõe, de imediato, ao autoritarismo.
A partir deste ponto, o autor perscrutou o perfil dos bacharéis que compuseram a
constituição deste Estado (ADORNO, 1988, p. 24).
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Assim comenta Adorno (1988, p. 49): “Entre 1831 e 1849, a sociedade brasileira experimentou toda
sorte de inconformismos. O radicalismo de raízes populares exacerbou-se, como também se exacerbaram
conflitos de raça, cultura e classe, antagonismos mais propriamente políticos do que sociais, rebeliões
sertanejas, protestos liberais, rebeldias de negros, banditismo rural e até mesmo disputas de poder entre
minorias dominantes (Rodrigues, 1982:51-7). Quando esses inconformismos não foram de bases
exclusivamente populares, a presença de pressupostos liberais tendeu a predominar sobre as
reivindicações democráticas. Para os proprietários rurais e negociantes, a alternativa para restabelecer a
tranquilidade pública consistia em recuperar ferozmente o império da lei. Reivindicação liberal dos
estratos sociais dominantes – ao que parece, nunca dos dominados -, o respeito jurídico à ordem
estabelecida configurou expressão ideológica presente em movimentos regionais, mesmo quando o
protesto contra a espoliação econômica, frequentemente patrocinada pela política tributário-confiscatória
do governo central, se revestiu de reivindicações em torno da autonomia política. Quando isso aconteceu,
as ideias federalistas inspiradas em princípios liberais também pareceram suplantar as pretensões
democráticas das camadas sociais populares. O culto à lei e à ordem constituída combinou-se de modo
contraditório com as alternativas de se reintroduzir um equilíbrio nas instáveis relações entre poder local e
política nacional.”
momento (IDEM, p. 63). A formação dos bacharéis refletiu esta contraditoriedade, tanto
nos conteúdos lecionados quanto na cultura universitária fora das salas de aulas.
Este caldo cultural não esteve restrito ao âmbito institucional e constitui também
uma eminente cultura bacharelesca, cujos traços se somam à herança portuguesa e
através deles vislumbramos características mais profundas e enraizadas na cultura da
nação brasileira recém-nascida.
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Assim, nos informa: “Um amor pronunciado pelas formas fixas e pelas leis genéricas, que
circunscrevem a realidade complexa e difícil dentro do âmbito dos nossos desejos, é dos aspectos mais
constantes e significativos do caráter brasileiro. Essas construções de inteligência representam um
repouso para a imaginação, comparável à exigência de regularidade a que o compasso musical convida o
corpo do dançarino. O prestígio da palavra escrita, da frase lapidar, do pensamento inflexível, o horror ao
vago, ao hesitante, ao fluido, que obrigam à colaboração, ao esforço e, por conseguinte, a certa
dependência e mesma abdicação da personalidade, têm determinado assiduamente nossa formação
espiritual.” (IDEM, p. 277)
elas predomina é a concepção antiga de que o ócio importa mais que o negócio e de que
a atividade produtora é, em si, menos valiosa que a contemplação e o amor.”
(HOLANDA, 2016, p. 53). A esta fraca moral do trabalho, o autor relaciona a
precariedade dos laços de solidariedade e a falta de coesão social. Somente a obediência
a um poder centralizador seria capaz de fazer frente à personalidade exaltada,
constrangendo-a a renunciar em nome de um bem maior.
Conclusão
Ao perpassar
Referências Bibliográficas