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Relativismo e etnocentrismo - breve abordagem com base em Boas, Geertz e

Lévi-Strauss

Autor: Lucas Gabriel Tonaco Ferreira

Introdução

O relativismo e o etnocentrismo são duas abordagens diferentes que nos


permitem examinar e compreender a diversidade cultural e as diferentes
perspectivas presentes em nossa sociedade. Embora possam ser considerados
opostos, eles desempenham papéis importantes na análise crítica das culturas e no
entendimento das diferenças entre elas.O relativismo cultural é uma abordagem que
reconhece a existência de múltiplas culturas e acredita que cada uma delas deve
ser entendida dentro de seu próprio contexto cultural. Ele sustenta que não há uma
verdade absoluta ou uma única maneira correta de viver, e que as normas e valores
culturais são construídos socialmente, variando de acordo com o tempo e o espaço.
Portanto, o relativismo cultural enfatiza a importância de suspender o julgamento de
outras culturas com base em nossos próprios padrões culturais.
O etnocentrismo é uma tendência humana natural de avaliar e julgar outras
culturas com base em nossos próprios valores culturais e crenças. O etnocentrismo
pode levar a uma visão distorcida e prejudicial das outras culturas, pois tendemos a
considerar nossa própria cultura como superior ou mais correta do que as demais.
Isso pode levar a estereótipos, preconceitos e discriminação, já que nossa
perspectiva limitada nos impede de apreciar e entender plenamente as
complexidades e riquezas das outras culturas.
Enquanto o relativismo cultural busca promover a tolerância, a compreensão
e a valorização da diversidade cultural, o etnocentrismo pode gerar conflitos e
dificultar a cooperação entre diferentes grupos culturais. No entanto, é importante
destacar que o relativismo cultural não implica aceitar ou desculpar práticas culturais
que violem os direitos humanos universais, como a discriminação, a opressão ou a
violência.Em um mundo cada vez mais globalizado, com a interação frequente entre
pessoas de diferentes origens culturais, é crucial adotar uma abordagem que
combine elementos do relativismo e do etnocentrismo. Devemos então ser capazes
de reconhecer e valorizar a diversidade cultural, respeitando as diferenças e
buscando compreender as motivações e os valores das outras culturas. Ao mesmo
tempo, é importante não perder de vista os valores universais de respeito aos
direitos humanos e a necessidade de combater a discriminação e a desigualdade.
Portanto, o relativismo cultural e o etnocentrismo representam abordagens
distintas para lidar com a diversidade cultural. Enquanto o relativismo busca
entender e apreciar as diferenças culturais, o etnocentrismo pode levar a
julgamentos prejudiciais e à falta de compreensão. No entanto, encontrar um
equilíbrio entre essas perspectivas pode nos ajudar a promover a tolerância, o
respeito mútuo e uma maior compreensão entre as culturas em um mundo cada vez
mais interconectado, afinal, é interessante que possamos entender a fundamental
ferramenta da antropologia advinda dessa simbiose: a diversidade de perspectivas,
metaforicamente, como se fossem lentes aos quais fazem mudar nossa concepção
sobre determinado fenômeno, cultura ou quaisquer objetos de análise das quais a
antropologia se propõe.

Boas, raça e cultura

O relativismo e o etnocentrismo são conceitos fundamentais da antropologia


cultural e influenciaram muito a abordagem de Franz Boas em relação aos conceitos
de raça e cultura. Na obra "Raça e Progresso" (2004), é um ponto central, que com
clareza Boas refuta a noção de que as diferenças culturais podem ser explicadas
por diferenças biológicas ou raciais. O eixo argumentativo de Boas, é que cada
cultura deve ser compreendida em seu próprio contexto e que não há nenhuma
cultura superior ou inferior a outra - fazendo assim uma perspectiva que busca
afastar juízos qualitativos, preconcebidos ou de cunho axiológico (de valor) em
relação a tal comparatividade.
Boas destaca que o relativismo cultural implica em evitar julgamentos de
valor baseados em padrões culturais externos, eis então que como a antropologia
deve se concentrar principalmente na descrição e compreensão das
particularidades culturais. Em Boas:

"A antropologia não é uma ciência comparativa que busca estabelecer a


superioridade de uma cultura em relação a outra. É uma ciência descritiva que
procura entender a cultura em si mesma." (BOAS, 2004, p. 21)
Boas argumenta que a noção de raça é uma construção social, e não tem
base científica - inclusive se livrando de terminado impregnamento do positivismo
em contágio das outras ciências “naturais” ao qual boa parte do debate se fazia na
época, defendendo que diferenças culturais resultem principalmente de fatores
ambientais, históricos e sociais ao invés de serem atribuídas simplesmente a
critérios relativos por exemplo à genética ou mesmo uma suposta hierarquia racial.
Verificamos tal ideia com lastro em trecho abaixo:

"As diferenças culturais não podem ser explicadas em termos de raça, pois a
raça é uma construção social e não tem fundamento biológico. As diferenças
culturais resultam principalmente de fatores ambientais, históricos e sociais."
(BOAS, 2004, p. 33)

Fazendo então a refutação a ideia de raça como uma categoria fixa, Boas
argumenta e faz a defesa que as características físicas e mentais atribuídas a
grupos raciais são mais resultado de influências ambientais, históricas e sociais do
que de fatores biológicos, em nível pragmático para empanamento de tais
concepções, inclusive, realizou pesquisas entre povos indígenas na América do
Norte, como os esquimós e os nativos americanos, com o objetivo de documentar
sua diversidade cultural e refutar noções baseadas em raças superiores ou
inferiores.

Lévi-Strauss, dinâmicas sobre a perspectiva da concepção da dinâmica da


história

O relativismo cultural e o etnocentrismo de um modo bem central, são


conceitos-chave na antropologia e então, temos Lévi-Strauss contribuindo
significativamente para o entendimento desses temas. Em sua abordagem
antropológica, ele questiona a ideia de uma história linear e progressiva, enfatizando
a diversidade cultural e a relatividade dos sistemas de valores. Lévi-Strauss
problematiza a noção de história cumulativa, que sugere um desenvolvimento
contínuo e linear ao longo do tempo, em que as sociedades humanas progridem e
avançam em direção a uma maior complexidade. Lévi-Strauss conclui - ao menos
inicialmente que essa visão linear da história é fortemente influenciada pelo
etnocentrismo, pois implica uma avaliação hierárquica das culturas, com algumas
sendo consideradas mais "avançadas" ou "desenvolvidas" do que outras. Em
Lévi-Strauss:

"Não há, na realidade, qualquer razão para crer que a passagem de um tipo
de organização social para outro seja invariavelmente sinônimo de progresso"
(LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 121).

Logo portanto vemos que para Lévi-Strauss as diferenças culturais são


resultado de estruturas simbólicas complexas que variam de acordo com cada
sociedade e não podem ser reduzidas a uma única linha de desenvolvimento.Além
disso, Lévi-Strauss questiona a noção de história estacionária, que implica que
algumas culturas estão congeladas no tempo, sem qualquer mudança ou
desenvolvimento. Ele argumenta que todas as culturas estão em constante
transformação e adaptação, mesmo que essas mudanças possam não ser
percebidas de maneira linear ou progressiva. Em Lévi-Strauss:

"Uma civilização não é estática, mas se encontra em um estado de evolução


contínua, no qual a mudança é tanto uma condição de sua existência quanto um
elemento de seu progresso" (LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 132).

Então, Lévi-Strauss busca desconstruir a noção de história cumulativa e


estacionária, enfatizando a importância de compreender cada cultura dentro de seu
próprio contexto e evitando julgamentos de valor baseados em padrões culturais
externos.Embora não seja possível fornecer citações ou trechos específicos da obra
"Raça e História" de Lévi-Strauss, é importante destacar que suas ideias
influenciaram profundamente o campo da antropologia cultural. Sua crítica às
noções de história cumulativa e estacionária contribuiu para uma visão mais
relativista e contextualizada da diversidade cultural, desafiando o etnocentrismo e
enfatizando a importância de compreender cada cultura em sua própria
complexidade. Por último, para referenciar tal perspectiva, voltamos a uma citação
que sintetizaria primariamente este problema:
“Seríamos assim conduzidos a distinguir duas espécies de histórias: uma
história progressiva, aquisitiva, que acumula os achados e as invenções para
construir grandes civilizações, e uma outra história, talvez igualmente ativa e
empregando outros tantos talentos, mas a que faltasse o dom sintético, privilégio da
primeira” (LÉVI-STRAUSS,1993, p.8)

Geertz e uma universal busca na crítica a busca universal

Passamos a Clifford Geertz, mais especificamente na sua obra "A


Interpretação das Culturas" (2008), onde o mesmo aborda o relativismo e o
etnocentrismo, problematizando as noções de busca por universais na antropologia,
questionando a ideia de que existe uma única forma correta de ser humano e
argumenta que a diversidade cultural é fundamental para compreendermos a
complexidade da condição humana. Daí emana-se as críticas às tendências de
buscar universais culturais, ou seja, características que seriam compartilhadas por
todas as culturas. Ele argumenta que essa busca por universalidades pode levar a
uma simplificação excessiva da diversidade cultural e à imposição de categorias
analíticas ocidentais sobre outras formas de vida. Em Geertz:

"Ao invés de procurar pelo que é universal na cultura humana, a tarefa do


antropólogo é identificar o que é único, particular e específico em cada contexto
cultural." (GEERTZ, 2008, p. 57)

Geertz faz argumentações ao fato de que cada cultura possui seu próprio
sistema simbólico e suas próprias formas de compreender o mundo, sendo então
que a cultura é um sistema de significados compartilhados e simbólicos, que molda
a experiência humana de maneira única, fazendo a compreensão da cultura deve
ser feita considerando o contexto específico de cada sociedade. Geertz vem a
destacar a importância de uma abordagem interpretativa da cultura, buscando
compreender os significados e valores que as pessoas atribuem às suas ações e
práticas culturais, há uma ênfase portanto que a cultura não é um fenômeno estático
ou determinado, mas um processo dinâmico e em constante mudança. Em Geertz:
"A cultura é um emaranhado de significados, um conjunto de mecanismos
para dar sentido à experiência" (GEERTZ, 2008, p. 94).

Geertz então rejeita o etnocentrismo, que valoriza a própria cultura em


detrimento das demais, e enfatiza a importância de reconhecer a diversidade
cultural e de evitar a imposição de categorias universais e então ressalta que o
entendimento das diferentes culturas requer um esforço de interpretação e uma
apreciação das complexidades locais, abrindo então questões relativas às
perspectivas dessas complexidades locais. Sinteticamente, podemos dizer que
Geertz defende que a antropologia deve se concentrar na análise e interpretação da
cultura, buscando compreender o significado que os indivíduos atribuem aos seus
comportamentos e crenças deixando então como uma das principais tarefas da
antropologia é a interpretação das culturas, ou seja, a compreensão das múltiplas
formas de organização social e dos significados que elas causam, Geertz - fazendo
uma interface com Lévi-Strauss - inclusive problematiza as noções de história
cumulativa e estacionária, ao afirmar que a cultura é o que define o homem e que as
diferenças culturais devem ser reconhecidas e valorizadas, sendo assim
antropologia deve se concentrar na interpretação das culturas, buscando
compreender a diversidade cultural e a complexidade das sociedades humanas.

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