Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução:
Uma parte da pesquisa está adiada para ser completada ao final da pandemia, através das
entrevistas com moradores.
Diante deste fato, a pesquisa se desenvolve desde então apenas de forma teórica, visto que
não conseguimos ter acesso à favela e aos moradores como feito durante os períodos de 2019
e início de 2020. Contudo, através dos encontros on-line pudemos acessar parte do cotidiano
de moradores e da dimensão histórica da favela, pautando nossas discussões na trajetória
desses atores e como se dá a relação deles com o ambiente em que vivem, de modo a
aprofundar o debate sobre espaço público na favela, introduzindo o conceito do bem comum.
Sob a ótica de que o Santa Marta é uma favela que existe hoje, na Zona Sul do Rio de
Janeiro, “servida” de um discurso político de integração à cidade, pudemos observar que
ainda está dado um grande contraste territorial, afetando o desenvolvimento de melhorias
urbanísticas e serviços essenciais aos moradores.
Essa pesquisa faz um paralelo histórico entre a formação urbana da cidade do Rio de Janeiro
e os mecanismos ainda operantes de negligenciamento da favela Santa Marta e de seus
moradores. Por isso, nossa pesquisa lançou mão de conceitos da sociologia, da antropologia e
da história.
Direito à cidade:
A partir do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro passou por um extenso processo de
urbanização, decorrente de diversos motivos: esgotamento do sistema escravista,
intensificação do processo de industrialização, criação de bondes; de início, esse processo
operou em duas direções, às Zonas Sul e Norte, respectivamente, lugar da classe média e alta,
e o outro, lugar ocupado pela classe operária, o subúrbio.
O Estado brasileiro desenvolveu uma série de políticas após a abolição da escravidão para
garantir o controle das pessoas recém libertas, afim de evitar rebeliões e preservar a
manutenção do poder nas mãos da elite. Com a superação do sistema escravista foram
criados novos mecanismos voltados para o controle e administração da sociedade. No
entanto, essas políticas foram baseadas em elementos racistas, sexistas e classistas,
estruturando uma sociedade desigual e excludente. Os recursos foram alocados na sociedade
de forma marcada pela raça e gênero dos indivíduos, e o Estado funciona sob a ótica do
segmento social dominante.
Compreendemos nesta pesquisa, que ainda hoje ecoam sobre a favela e moradores,
mecanismos de omissão utilizados como fundamento para as reformas urbanas
segregacionistas, as quais sofreu a cidade do Rio de Janeiro.
Não obstante, a atual estrutura socioespacial urbana da cidade do Rio de Janeiro nos mostra
que mesmo dentro de um pequeno território, um bairro ou até mesmo uma favela, em questão
Santa Marta, há discrepância quanto à pobreza. Como afirma Vera Telles (2015, p. 16), é
necessário romper com a visão binária, exclusão-inclusão, pois já não dá mais conta das
múltiplas vivências e relações sociais.
Sabendo que a favela faz parte de um sistema socioeconômico e que a relação do indivíduo
com esse se dá de diferentes maneiras, as diversas respostas apresentadas se dão por conta
das diferenças de condições e trajetórias de vidas, e como tentativas de resolver o que eles
consideram problemas da melhor maneira possível.
A carência de reflexão que coloca a vivência dos moradores como agente principal, dificulta
o debate na sociedade sobre uma real agenda que permitiria a construção de políticas públicas
eficientes voltadas aquela comunidade, visando a diminuição das desigualdades sociais e
territoriais.
A política de habitação, que é orientada por um sistema capitalista e liberal que estabelece
uma lógica orientada pelo lucro, acumulação e rendimento, ela viabiliza uma nova condição
de miséria. A valorização de terrenos para fins comerciais ignora as necessidades sociais e
básicas dos sujeitos. O falso sentimento de democracia que não pode negar a existência do
outro, por isso lhe concede alguns direitos que o caracteriza como cidadão, e por isso parte
daquela sociedade, mas que se encontram cerceados e que pode ser retirado a qualquer
momento, como exemplo a demissão em massa dos funcionários de saúde das Clínicas da
Família pela prefeitura do Rio de Janeiro, que inclusive afetou diretamente a população do
Santa Marta, o que influencia de forma indireta na mercantilização dos serviços públicos.
Conforme o pensamento de Lefebvre (2001, p. 138), que o processo duplo de
industrialização e urbanização não se realiza quando não se coloca a sociedade urbana como
objetivo e finalidade, fazendo com que a vida urbana se subordine ao crescimento industrial.
Sendo a classe operária a sofrer com as consequências da explosão das antigas morfologias.
“Ela é vítima de uma segregação, estratégia de classe permitida por essa explosão. Tal é a
forma atual da situação negativa do proletário.” As condições encontradas são respostas
possíveis a uma situação de baixos salários, altos aluguéis, pouca oferta de emprego, falta de
moradia acessível, que se concretizam nas urgências cotidianas que fazem sentido nas
trajetórias habitacionais dos trabalhadores, sendo um quadro de urgência e escassez.
Aproximações entre o bem comum e a educação ambiental:
Para nós da pesquisa, o bem comum surge como um campo que aprofunda e complementa as
discussões que apresentamos no relatório anterior, que tinha como base o espaço público e o
direito à cidade no contexto da favela.
A educação ambiental, por sua vez, surge para nós como ferramenta que auxilia na produção
do bem comum, se manifestando de maneira político-pedagógica, possibilitando a construção
de uma leitura crítica dos atores sobre o contexto ao qual estão inseridos, visando a superação
da precarização de seus espaços de vida. Com o objetivo realçar a vida dessa população que
habita, trabalha e que com frequência têm suas vidas imbricadas com os recursos e paisagens
em disputa nesse território.
(Pág. 29. KASSIADOU, Anne. SANCHÉZ, Celso. RENAUD CAMARGO, Daniel. ARANDA
STORTTI, Marcelo. NOGUEIRA COSTA, Rafael. Educação Ambiental desde el sur. Macaé:
Editora. NUPEM, 2018. 214 p.)
Nos propomos a superar o discurso homogeneizante do meio ambiente, como sendo apenas
natureza, no seu aspecto mais “biologizante”, desconsiderando os aspectos sociais, culturais,
políticos e históricos.
“Desta forma, acredita-se que as práticas de EA devem cada vez mais, assumir uma vertente
de visibilizar as formas de enfretamentos e lutas dos grupos mais vulnerabilizados, trazendo
para as agendas de prioridade no campo da EA os diferentes projetos de sociedades, de
maneira que estes dialoguem em paridade epistemológica e política com as propostas que
atualmente se encontram como hegemônicas.”
(Pág 38. KASSIADOU, Anne. SANCHÉZ, Celso. RENAUD CAMARGO, Daniel. ARANDA
STORTTI, Marcelo. NOGUEIRA COSTA, Rafael. Educação Ambiental desde el sur. Macaé:
Editora. NUPEM, 2018. 214 p.)
Desde agosto de 2019, a pesquisa realizou diferentes tipos de atividades com grupos de
moradores do Santa Marta.
Durante reuniões com adolescentes do Grupo Eco, nós discutimos muito a ideia de espaço
público, que por conclusão deles, é de grande ausência na favela. A partir disso, fizemos
passeios com esses adolescentes, onde eles nos mostraram lugares que são aproveitados por
eles, espaços livres. Desses aparecem pouquíssimos, visitamos os três lugares que eles
conseguiram pensar dentro dessa lógica: o campo do tortinho, um campo de futebol, a laje do
Michael Jackson e o pico, lugar mais alto do morro onde ainda existe um pouco mais de
espaço livre. Considerando a dimensão do Santa Marta, esses lugares não são capazes de
atender a demanda dos moradores. Por isso, mesmo durante o tempo livre, a casa acaba sendo
o lugar mais acessado. Essa é uma fala dos próprios adolescentes.
Em outros momentos, tivemos reuniões com dois guias turísticos, residentes do Santa Marta.
Durante as reuniões, entre outras pautas, mais uma vez foi levantada a escassez de “espaços
livres”. Com eles também fizemos tours pela favela, onde eles nos mostraram o crescente
avanço de construções irregulares dentro de áreas que ainda poderiam ser aproveitadas e
ressignificados para a ocupação livre de toda a comunidade.
Com isso, entendemos a necessidade, por parte dos próprios moradores, da regulamentação
de construções e demarcação de espaços de uso comum.
Desde março de 2020 seguimos nessa pesquisa de maneira remota, através de reuniões
online, junto de moradores da favela, devido ao cenário atual da pandemia de covid-19.
A partir do paralelo histórico traçado, pudemos compreender de onde vem a narrativa que em
primeiro lugar marginaliza a favela, impedindo que a partir das demandas locais sejam
criadas políticas de desenvolvimento efetivo. Quando falamos de favela, constantemente,
dentro do senso comum, guiado por essa narrativa de negação, os primeiros problemas que
são lembrados, remetem à violência e tráfico. Porém, a partir da narrativa dos moradores do
Santa Marta, compreendemos que a principal necessidade é a garantia de condições mínimas
de desenvolvimento humano, como água, moradia, saneamento básico, lazer e educação, por
nós da pesquisa entendido como bens comuns. Certamente são citados problemas
relacionados ao mecanismo tráfico/polícia, mas esse é um ponto menos levantado quando
perguntamos sobre o lado negativo de habitar o Santa Marta. Logo, se existisse dedicação do
Estado e da sociedade de superar a dicotomia favela-cidade, demandas como essas, não
seriam tão fortemente encobertas.
Sob essa ótica, compreendemos que a construção de diálogos e ações que se baseia na
administração coletiva do bem comum, permite que moradores compreendam diversas
problemáticas levantadas por eles mesmos, como o irregular crescimento de casas em
espaços de uso comum, e possam encontrar respostas aos desafios que enfrentam
coletivamente, prevenindo a superexploração ou depredação de recursos dos quis dependem.
Não obstante, percebemos o desvio da extensão de bens de cidadania, por parte do Estado,
aos moradores do Santa Marta. Bens esses, que estão garantidos aos vizinhos, os outros
moradores e ruas de Botafogo.
Conclusão:
Esta pesquisa procurou entender como as vozes emergentes da favela se colocam na dinâmica
do bem comum, a partir de suas vivências, e como manifestam resistência a processos
históricos de marginalização social e racial, que aqui estão representados fortemente pela
ocupação de espaços físicos
Referências:
1- BAWENS, Michael. RAMOS, José. Como a revolta social busca o Comum. Trecho do
livro The Great Awakening: New Modes of Life in Capitalist Ruins. Outras palavras, 2021.
3- HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo:
Martins Fontes, 2014. p. 134-169.
5- LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Ed. Moraes, 1991. 145 p.
6- SAVAZONI, Rodrigo. Como criar uma política urbana do Comum. Outras palavras, São
Paulo, 2021.