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A RELAÇÃO ENTRE O ESPAÇO URBANO E A POPULAÇÃO LGBTQIA+ EM

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS : A CONSTRUÇÃO URBANA DO PRECONCEITO E


DOS ESPAÇOS DE VIOLÊNCIA

João Bruno de Almeida Pereira, Fabiana Felix do Amaral e Silva


1
Universidade do Vale do Paraíba/Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, Avenida Shishima Hifumi,
2911, Urbanova - 12244-000 - São José dos Campos-SP, Brasil, joaobrunounivap@gmail.com.
2
Universidade de São Paulo/Departamento de Geografia, Avenida Prof. Lineu Prestes, 338, Cidade
Universitária - 05508-000 - São Paulo-SP, Brasil, joaobrunounivap@gmail.com,
fabiana.amaral@gmail.com

Resumo

O presente artigo tem como objetivo discutir a relação entre a violência contra a população
LGBTQIA+ no espaço urbano, com o processo de homofobia estrutural enraizado na sociedade. Para
tal, através do método de revisão bibliográfica juntamente com o cruzamento de dados e ações de
movimentos sociais e órgãos estatais, busca-se discutir como a população LGBTQIA+ enfrenta o
território urbano, suas ações, e a origem delas.
Palavras-chave:
Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas
Introdução

A cidade, muito mais do que apenas espaço físico, é composta de vários territórios, territórios
estes que entram em confronto o tempo todo, estando em constantes disputas, sejam elas sociais,
econômicas ou políticas, funcionando como organismos vivos que se moldam a partir da sociedade
que a habita. Tais processos, segundo Lefebvre (1991) constituem a cidade e junto a ela, a vida
urbana como encontros, confrontos e reconhecimentos (e disputas), tais atendem principalmente ao
interesse das categorias dominantes, e ao nos depararmos com uma sociedade neoliberal, esses
interesses se voltam exclusivamente às classes burguesas, criando assim uma cidade excludente
que busca periferizar toda e qualquer população que não se enquadre nos moldes que regem a
hierarquia social estabelecida historicamente pela classe dominante 1.
Um dos grupos que sofrem com o apagamento social criado por tais pilares de poder é a
comunidade LGBTQIA+.Esta comunidade é composta por pessoas que não se encontram dentro do
espectro binário de reprodução de gênero ou sexo, como gays, lesbicas, pessoas transgenero etc.
Desde os anos de 1970 vem se organizando politicamente em busca da aquisição de direitos dentro
do espaço social; tais lutas já resultaram no direito de diversas vitórias, no entanto, o medo e a
violência ainda permanecem como elemento central que estrutura as relações sociais em todos os
níveis.
A invisibilização que sofrem dentro da própria família e o primeiro deles assim cunhando a
“homofobia familiar”(SCHULMAN,2009), juntamente ao processo de apagamento social, que faz com
que essa população seja esquecida também na realidade das cidades tendo espaços negados. Estas
dimensões da negação ao direito a ser e estar na cidade pode ser articulado tanto pela violência
psicológica, quanto pela física como pela liberdade comprometida à demonstração de afeto e
trejeitos, até as vivências. O apagamento politico é visto na falta de politicas públicas a corpos que
fogem da Cis heteronormatividade 2 Imposta, neste trabalho, tal processo será nomeado de “Cidade
Armario” (CARVALHO; MACEDO JÚNIOR, 2017),ou seja, para definir todo o processo de exclusão
social visível e invisível que sofrem a população LGBTQIA+.

1 Nos ensaios de Boaventura de Souza Santos, podemos conferir os três modos principais de desigualdade na
sociedade moderna, sendo eles o Patriarcado (especificamente o Heteropatriarcado), o Colonialismo (marcado
nos países Latino Americanos que sofreram com a colonização portuguesa) e o Capitalismo (Atualmente trajado
na face de Neo Liberalismo) SOUZA SANTOS, Boaventura. Boaventura: Descolonizar o saber e o poder. 18 jul.
2019. Disponível em: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/descolonizar-o-saber-e-o-poder/. Acesso em: 6
jun. 2022.

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Este trabalho se apoia em uma nova perspectiva de pensar o planejamento urbano tradicional
tendo como recorte de estudo a cidade de São José dos Campos. Para tanto, serão levantados os
principais pontos de encontro da população LGBTQIA+ no espaço Urbano, para que então baseado
nos conceitos já explicados anteriormente, se possa diagnosticar os processos de exclusão e
apagamento vividos por tal população. Também aqui amparado pelo ensaio “The family we choose”,
da autora Kath Weston, propõe-se relacionar o processo de apagamento social já citado com o
processo de formação de novos núcleos de "Famílias", como redes de apoio criadas pela população
LGBTQIA+, a partir do momento em que as redes tradicionais os são negadas.

Metodologia

O processo metodológico busca associar a revisão bibliográfica do tema, que possui um caráter
recente tendo em vista que é um debate trazido pela modernidade, com o levantamento de dados,
fazendo assim o confronto dos novos temas com a realidade, aqui delimitada a cidade de São José
dos Campos e Região . O levantamento de dados utilizou-se da netnografia (KOZINETES, 2014) que
analisou nas redes sociais, sites, blogs e leis oficiais da região que tenham como público alvo a
população LGBTQIA+.

Resultados

A pauta dos direitos LGBTQIA+ vem crescendo de forma vertiginosa nos últimos anos, apesar de
ainda contarmos com mais de 60 países que proíbem as relações entre pessoas LGBTQIA+, e
termos um aumento desse número nos últimos anos, ainda podemos dizer que a luta LGBTQ se
encontra atualmente em uma crescente de pautas e ganhos, principalmente devido ao aumento da
tecnologia e crescimento das redes sociais que permitem cada vez mais com que as pautas dos
grupos sejam levadas a mais pessoas, permitindo a ampliação do debate e da luta.
Segundo CONDUTTA et al.( 2019) o processo crescente de expansão das pautas neoliberais
buscam deslegitimar as lutas dos movimentos sociais, e o movimento LGBTQIA+ se inclui nesse
meio, com o aumento das discussões, é comum vermos o esvaziamento dos debates que cada vez
mais são levados como artigo de venda para o capital (como as comuns campanhas massivas de
empresas em épocas históricas como em Junho no mês da comunidade LGBTQIA+).
No Brasil a pauta das lutas de gênero ganhou proporção principalmente na época da ditadura militar
(SANTOS, 2019) onde a grande repressão sofrida por essa população resultou na insurgência, que
inicialmente se deu em bares e baladas (locais que geralmente podem ser considerados “Zonas
seguras” por essas comunidades) dessa população que pedia principalmente o fim da repressão que
sofriam pelos militares até então no poder. As lutas mudaram um pouco de perspectiva uns anos
depois, principalmente após a eclosão da epidemia de AIDS, que fez com que a comunidade tivesse
que realocar suas pautas, focando em lutar pelo reconhecimento da epidemia como problema de
Saúde Pública (por ter a alcunha de “doença dos gays”, o governo ignorava os problemas trazidos
pela epidemia de AIDS, e não dava o devido amparo).
Atualmente as pautas LGBTQIA+ se encontram em um processo de constante resistência no Brasil,
trazido principalmente pela ascensão de uma onda conservadora, que se deu devido às jornadas
realizadas entre 2010 e 2013 em países latino-americanos. Vemos surgir então novas organizações
de movimentos sociais segundo ZIBIECH (2007), principalmente movimentos que se dão com base
na cultura, esses novos movimentos buscam politizar o cotidiano com suas pautas, e trazer suas
demandas nos cotidianos. Dentro da cidade de São José dos Campos esses movimentos atuam

2 Termo utilizado para descrever o processo social patriarcal que estipula como padrão e regra social o
comportamento heterossexual, segundo a Filosofa Rita Von hunty “A cis heteronormatividade é a ideia de uma
construção de uma sociedade onde a norma é que todos os corpos se desenvolvam para se tornarem cis genêro e
heterossexuais. Nenhum corpo de homem, por assim dizer, se desvia dos atributos que aquela sociedade
desempenhou para a masculinidade.”VON HUNTY, RITA. NÃO EXISTE “COISA DE MENINA”: ENTENDA
MAIS SOBRE HETERONORMATIVIDADE COM RITA VON HUNTY E FÁBIO MANZOLI. 18 ago. 2021.
Disponível em: ttps://amaro.com/blog/br/estilo-de-vida/heteronormatividade/#:~:text=dia%20a%20dia.-,O
%20que%20é%20heteronormatividade?,(e%20sejam)%20como%20heterossexuais. Acesso em: 6 jun. 2022.

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fortemente em redes, com pautas transversais e lutando coletivamente para proteger e garantir
direitos básicos para as minorias da região.
Um exemplo dessas organizações é o coletivo Associação Transbordamos, o coletivo é organizado
por pessoas transgénero da região, e busca auxiliar outras pessoas transgenero e transsexuais no
processo de transição, além de continuamente organizarem cursos, oficinas e palestras para tento
conscientizar a população sobre a causa trans, quanto dar formações gratuitas a pessoas trans da
cidade.

Discussão
Este artigo busca debater a relação entre os processos de violência de cunho homofóbico sofridos
pela população LGBTQIA+, e em como isso se reflete nos aspectos urbanos e políticos, tendo a
cidade de São José dos Campos como palco deste estudo. A cidade possui alguns incentivos
públicos no amparo dessa população, mas ainda estamos longe de poder dizer que podem ser
considerados diferenciais ou estruturantes.
A iniciativa mais notável da região atualmente é a casa de acolhimento especializada em pessoas
LGBTQIA+ e em mulheres chamada “Abrigo Institucional Viva Feminino/LGBT”, que faz parte do
programa da cidade de acolhimento e apoio social, porém o programa oferece apenas cuidados
paliativos, e não busca chegar nas questões estruturais e nos problemas enraizados da cidade.
Devido a toda a carência, sobra aos movimentos sociais se organizarem para servir de base para a
população LGBTQIA+ na cidade, principalmente devido ao constante apagamento dessa população
por parte dos governantes, que não fazem com que as leis anti LGBTQfobia sejam cumpridas,
criando cada vez mais um espaço propenso a violência para esta população.

Figura 1: Post que apresenta reivindicações do coletivo Transbordamos contra caso de homicídio
LGBTQIA+fobico na cidade de São José dos Campos

Fonte: Associação transbordamos. Convocação Geral para Ato Pacifico. São José dos Campos. 14
de Março de 2022. Instagram: @associacaotransbordamos. Disponível em
https://www.instagram.com/p/CbGs_V1LP64/. Acesso em: 06/06/2022.

Figura 2: Mapa sobre a proporção de coletivos por tema central

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Fonte: Autor, 2019; IBGE, 2010. Elaborado por Daniel José de Andrade.

Na Figura 1 podemos analisar uma chamada no instagram para manifestações direcionadas a busca
de justiça pelo assassinato do jovem Trans Thomas, que foi violentamente assassinado e teve seu
caso arquivado e não devidamente alocado dentro das leis de racismo e conforme as novas leis de
criminzalização da homofobia (BARIFOUSE,2019).Diante deste fato coube a um coletivo LGBTQIA+
fazer o apontamento da falha e comunicar a sociedade civil a problemática. As estratégias de
resistência podem ser observadas nos atos de manifestação no espaço midiático e também
urbano.Na figura 2 estão espacializadas as diversidades de grupos existentes na região de São
José dos Campos e redondezas. Estes grupos são multitemáticos e atuam principalmente dentro das
causas sociais e dos direitos humanos. Vale salientar que os temas e pautas são intercruzados
demonstrando as diversas formas de dominação que sofrem as minorias. Os grupos atuam para
politizar o meio e lutar contra injustiças cotidianas que sofrem as minorias e, portanto, tornam-se
agentes essenciais de estruturação do meio urbano na luta contra a LGBTQIAfobia.

Conclusão

Após este ensaio, podemos ver que a reprodução sistêmica da LGBTQIA+fobia faz parte do processo
estrutural do capital, principalmente após os avanços do neoliberalismo, fazendo com que o meio
urbano também replique este comportamento de agressão contra esta minoria. Casos de violência
são muitas vezes propositalmente engavetados pelas autoridades responsáveis, causando cada vez
mais a exclusão da população LGBTQIA+ do espaço urbano, negando assim seu local como
indivíduo.
Dentro deste contexto, o trabalho realizado por movimentos sociais é essencial para a recuperação
da dignidade e a luta pelo direito à cidade desses grupos. Observou-se que com a politização do
meio e os processos de resistência estes movimentos transformam gradativamente a cidade em um
espaço cada vez mais seguro para esta minoria, tanto com as ações presenciais quanto no espaço
digital, podendo assim serem utilizadas como ferramenta para a mudança sócio urbana na busca de
uma cidade mais justa e igual.

Referências

SCHULMAN, Sarah. Homofobia familiar: uma experiência 1em busca de reconhecimento.


Bagoas, v. 4, p. 67-78,

SOUZA SANTOS, Boaventura. Boaventura: Descolonizar o saber e o poder. 18 jul. 2019.


Disponível em: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/descolonizar-o-saber-e-o-poder/.

XXVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XXII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e
XII Encontro de Iniciação à Docência - Universidade do Vale do Paraíba - 2022
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Acesso em: 6 jun. 2022.

VON HUNTY, Rita. NÃO EXISTE “COISA DE MENINA”: ENTENDA MAIS SOBRE
HETERONORMATIVIDADE COM RITA VON HUNTY E FÁBIO MANZOLI. 18 ago. 2021.
Disponível em: https://amaro.com/blog/br/estilo-de-vida/heteronormatividade/#:~:text=dia%20a
%20dia.-,O%20que%20é%20heteronormatividade?,(e%20sejam)%20como%20heterossexuais.
Acesso em: 6 jun. 2022.

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Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47206924. Acesso em: 10 jun. 2022.

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Almeida; NASCIMENTO, Paulo Cesar Santos Do. PANORAMA DOS COLETIVOS CULTURAIS
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2009. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – PUCSP, São Paulo, 2009.

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