FTMSS: A PERSPECTIVA MARXIANA E O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO
PROF. MARIA CRISTINA PIANA
QUESTÃO AGRÁRIA E SERVIÇO SOCIAL:
A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL EM MOVIMENTOS SOCIAIS DE LUTA
PELA TERRA.
FRANCA
2022 1. INTRODUÇÃO
Com o movimento de reconceituação do Serviço Social e a ruptura com as
bases tradicionais práticas e teóricas, a profissão voltou seu olhar para uma atuação crítica e aliada às lutas sociais. A partir disso, surge o alinhamento dos profissionais com os espaços de enfrentamento político à sociedade capitalista causadora das expressões da questão social e sofrimento da classe trabalhadora. Os movimentos sociais são exemplos de organizações que fundamentam o sentido profissional de uma formação alinhada ao atual Código de Ética do Serviço Social, tendo a emancipação humana como norte e sendo uma ferramenta de contato direto com as expressões da questão social e a população. Diante do exposto, o seguinte trabalho tem como objetivo aprofundar a participação e atuação dos Assistentes Sociais em movimentos sociais relacionados a luta pela terra e questão agrária, tendo em vista que a concentração fundiária, desigualdade no meio rural, entre outras situações de vulnerabilidade e exploração no campo, fundamentam grande parte dos problemas estruturais urbanos presentes na sociedade brasileira capitalista.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1. Serviço Social e Movimentos Sociais
A construção do projeto ético-político do Serviço Social em seu formato mais
recente, respalda e direciona a participação dos profissionais em movimentos sociais, principalmente por convocar os assistentes sociais para exercer cotidianamente uma atuação que questione a ordem vigente da sociedade. Uma importante pontuação ético-política presente no código de ética, é que a profissão se coloque ao lado dos setores mais progressistas das lutas cotidianas e preze pela crítica radical em suas ações.
(...) A atuação junto aos movimentos sociais é uma competência
profissional, expressa na Lei de Regulamentação, em que consta a nossa reconhecida capacidade de “prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade”. (CFESS Manifesta, 16º Enpess, 2018, p.2)
As características citadas acima condizem com o trabalho profissional dentro
de movimentos como o MST, por exemplo, que tem como norte a “Reforma Agrária na Lei ou na Marra!” e desde seus primeiros congressos, não abaixam a cabeça para os senhores que têm a terra como fator de luxo, enquanto a população morre de fome, frio e desemprego. É compromisso político do assistente social se colocar ao lado dos trabalhadores nos conflitos de classe, sem retomar a posição de apaziguar as expressões da questão social. Tendo em vista a vulnerabilidade das populações do campo no âmbito da justiça social, é urgente a mobilização e inserção de cada vez mais assistentes sociais nas lutas camponesas, pela terra, garantia de direitos e dignidade social. Para além dos profissionais formados, é importante que os assistentes sociais em formação também conheçam na prática tais espaços políticos, que produzem saberes muitas vezes não encontrados dentro dos muros das universidades, em pesquisas e leituras acadêmicas. O processo de renovação crítica do Serviço Social contou com grande protagonismo estudantil, demonstrando a relevância de buscar uma atualização constante nos espaços de construção do trabalho profissional e das bases curriculares.
2.2. Trabalho do Assistente Social no Espaço Sócio Ocupacional
A profissão enfrenta cada vez mais momentos de tensão e ameaças
advindas do sistema capitalista, suas constantes crises e contradições. As tentativas de utilização dos recursos e técnicos da assistência como controladores das expressões da questão social são frequentes, desde o âmbito nacional até a esfera municipal. É necessário nadar contra a maré e firmar posições críticas contra o assistencialismo, criminalização de movimentos sociais e ataques ao Código de Ética do Serviço Social. O neoliberalismo tem buscado formas de desmobilizar a população no enfrentamento à sociedade de classes, sendo função dos profissionais continuar lutando pelo justo, pela emancipação humana e liberdade da classe trabalhadora diante das correntes precarizadas dos grandes empresários.. Especificamente dentro dos movimentos de luta pela terra, ocupações e outros espaços de resistência camponesa, o assistente social deve cumprir papel fundamental na formação política e desenvolvimento da consciência coletiva, promovendo cursos, oficinas e estudos sobre o direito à moradia, saúde, educação, segurança e uma alimentação digna, livre de venenos, feita do povo para o povo. Além dessas temáticas, a formação crítica vivida pelos profissionais no espaço da universidade é outra ferramenta importante para que os movimentos não percam o horizonte central, que é o fim da sociedade capitalista, berço da exploração humana. O contato constante com a rede intersetorial de assistência, através de reuniões e visitas, para proporcionar a garantia de direitos dos usuários da zona rural e incentivar a acessibilidade dessas pessoas aos serviços proporcionados pelos diversos setores, é outra forma de exercer uma atuação profissional alinhada com o trabalho social crítico. E como demonstrado por Raquel Santos Sant’Ana em sua atuação profissional enquanto docente e coordenadora da extensão popular NATRA (Núcleo Agrário Terra e Raiz), manter a pesquisa, ensino e extensão vinculados de forma propositiva aos movimentos de luta pela terra é essencial para o fortalecimento da comunidade camponesa e dos futuros profissionais do Serviço Social. O “Projeto Cestas Verdes: o acesso à alimentação saudável por parte da população vulnerável em Franca” é um exemplo prático de como o NATRA manteve o compromisso com os trabalhadores rurais e urbanos mesmo em tempos pandêmicos, propondo uma alimentação orgânica e de qualidade para pessoas em situação de vulnerabilidade financeira e alimentar. E também a partir da geração de trabalho e renda para o campo, tendo em vista que as cestas encaminhadas e distribuídas pela Secretaria de Ação Social foram fornecidas pelo assentamento “Fazenda Boa Sorte” e pela agricultura familiar da COOPERVAL.
2.3. A Questão Agrária no Brasil
O monopólio da terra no brasil que marcou a oligarquia rural foi sempre a
favor da classe dominante, e teve sua origem no séc XVI, com as capitanias hereditárias, que foi uma nova relação determinada entre a colônia brasileira e sua metrópole, era um sistema bem descentralizado, o indivíduo que recebeu parte do território tinha total e plena liberdade de fazer oque quiser com a sua terra, ou seja, qualquer ação naquele espaço sem qualquer lei que o impedisse de algo. Essas CH’s foram divididas em 15 extensões de terras do Brasil dada aos portugueses, e esse sistema de capitanias deixou sequelas graves para a época que perpetuam atualmente no sistema brasileiro, como as desigualdades de terra ou a quantidade de financiamento que entra nos municípios e transitam dentro dele, que sofreram essa colonização, e outros problemas institucionais. É uma face negativa da história que perpassa na distribuição de terras do país hoje, e os que mais sofreram com a tomada dessas terras por parte de colonizadores que extraem riquezas do território, foram os indígenas, vítimas de violência e de uma política imposta pela coroa portuguesa, que obrigou o despejo desses povos de suas determinadas regiões e a aniquilação de todos que tentaram ou resistiram ao ataque. Esse modelo de sistema de capitanias teve seu fim pouco depois da declaração de independência do brasil em 1822, e foi a partir desse momento que elas se tornaram províncias, no qual ainda se perpetuava a concentração de terras.
(...) É daí que surge o interesse em considerar no modelo estimado
variáveis relacionadas à concentração de terras e renda, institucionais e de desenvolvimento e que, na opinião deste autor, começaram a desenvolver suas características iniciais no momento da colonização. Dado que não existiu no país nenhum tipo de organização social anterior ao sistema de CHs, este sistema foi a primeira forma de colonização iniciada no país. (MATTOS, INNOCENTINNI, BENELLI, 2012, p.9)
Ainda sobre o modelo de monopólio imposto pela Coroa, evidencia-se que o
caminho foi inteiro baseado num modelo de plantação (plantations como estudado) baseado na monocultura com mão de obra escrava, e o uso da terra era por meio de heranças, no qual a terra não era uma mercadoria para ser vendida e comprada, era apenas associada a grandes parcelas de terra, necessariamente para exportação e produção para o mercado interno. Com a pressao dos ingleses esse modelo teve que acabar junto com a escravidao ou seja, a mao de obra que garantia o trabalho nessa terra, teve seu fim, quando foi promulgada a Lei n°601 de 1850 que caracterizou-se como a primeira Lei de Terras no Brasil (1850) - no qual teve sua legitimação atravez do resultado da pressao dos ingleses para abolir a escravidão no Brasil, que era o último país do continente americano a abolir a escravidão, e a partir disso foi imposto um trabalho assalariado, dito nesta epoca feito por trabalhadores, agora, livres. Esse discurso do trabalho livre e suas designações nunca foi efetuado de fato, pois, com a abolição, a pessoa escravizada foi apenas liberta para trabalhar, agora, assalariado, mas nunca tornar-se proprietário e patrono da terra onde vive e trabalha, o objetivo, na realidade, é a pessoa escravizada que foi liberta não pudesse comprar a terra que eles por anos trabalharam e cultivavam, pois essas pessoas foram expulsas dela, que agora se transformou em um bem privado, para assim, afirmar-se mais tarde o início do processo jurídico de latifúndio no Brasil. Na lei de 1850 era objetiva a narrativa de que qualquer pessoa poderia se tornar um proprietário privado de terras, mas, como essa terra teria de ser comprada da coroa, levando em conta quem usufruía do capital da época, esse acesso à terra não foi permitido para maioria das pessoas. Nesta perspectiva, podemos salientar, que temos a realidade que em meados de 1920, só 4.5% que podiam comprar aquela terra possuíam praticamente a metade das propriedades do país, e dentro dessa desleal distribuição da terra, também foi motivado a busca por títulos originais, a fim de valorizar e regulamentar cada vez mais a terra, e torná-la por fim mais uma mercadoria para entrar no processo do capital fundiário. Dentro dessas legítimas atribuições houve também a tentativa de atrair imigrantes e mão de obra para o país, o que será adentrado no próximo tópico. Quando houve a consciência de que o valor da terra estava valorizado, os donos cresceram o medo de perdê-la a todo custo, e começou o processo de intensificação dos conflitos no campo, e o surgimento dos grileiros, que fazem a grilagem da terra, o qual consiste na falsificação de documentos e o registro dos papéis depois. Esses papeis que logo depois seriam os titulos de posse, assegurando o controle sobre as terras de uma maneira totalmente desonesta e ilegal. Atualmente ainda ocorre essa prática de grilagem principalmente na Amazônia para especulação fundiária, causando desmatamento e garimpos ilegais, e o poder dessa influência no sistema hoje é de grandes parcelas, como referido por Guimarães:
A descentralização do sistema de registros e o poder de influência
das oligarquias rurais tomam formas diversas nas diferentes regiões do Brasil. Em todos os casos, no entanto, prevaleceu a tendência de reafirmação do sistema latifúndio-minifúndio. Os grileiros aumentavam o tamanho e a quantidade dos latifúndios por meio da obtenção de documentos falsos e a agricultura de pequena escala sobrevivia precariamente, dependendo, muitas vezes, da grande propriedade para continuar a existir (Guimarães, 1968; Linhares e Silva, 1999).
Posteriormente à lei de terras, as áreas das sesmarias foram também
oficialmente legitimadas e houve sua doação. Essas terras das sesmarias doadas, que não tiveram sua função social devidamente cumprida, foi dada de volta à Coroa, que, atualmente pertence ao Estado, e são definidas como terras devolutas, ocupadas, principalmente, por populações camponesas. Com o fim da escravatura, sancionada pela lei áurea em 1888, que instituiu uma porção de pessoas escravizadas assalariadas, houve o fim da plantação, que fez com que o Estado investisse fervorosamente num projeto de imigração. Esses imigrantes receberam terras da região sul, outros viraram colonos nas plantações de café, e uma porção ficou sem trabalho vindos da ilusão de adquirirem algo. Logo nasce o campesinato no Brasil, composto por essa porção de imigrantes que ficaram sem oportunidades de trabalho, majoritariamente europeus, e os miscigenados, que também não tiveram como comprar a terra, e se locomoveram para o interior do país, para buscar sua própria subsistência, sem entrar no sistema agroexportador, pois, essas pessoas, ficaram longes dos portos que era onde havia maior atividade do grande capital. E essa parte da história, teve rendimentos até os dias atuais quando falamos de desemprego e qual população é mais assolada, como explícito no livro Avesso do trabalho:
O exemplo dos imigrantes é emblemático do quadro tendencial de
precarização estrutural do trabalho em escala global. E faz aflorarem as clivagens e transversalidades existentes hoje entre os trabalhadores estáveis e precários; homens e mulheres; jovens e idosos; brancos, negros e índios; qualificados e desqualificados; empregados e desempregados, entre tantos outros exemplos que configuram o que venho denominando nova morfologia do trabalho. As diversas manifestações recentes na Europa, comportando o descontentamento dos trabalhadores e trabalhadoras, dos imigrantes, dos jovens sem trabalho, dos desempregados em geral, são expressões dessa nova morfologia do trabalho e de suas lutas, também cada vez mais globais (NAVARRO, 2013, p. 23)
A economia brasileira, subsequente aos ciclos da cana e do café estruturado
por meio das commodities agrícolas que trouxe o país ao sistema capitalista internacional até o século XX, passou por uma crise em 1929, a queda da exportação do café, fez com que os grandes latifundiários passassem a investir na industrialização, havendo um projeto desenvolvimentista nesta área. Essa crise fez com que, na década de 30, o modelo agroexportador despencasse, trazendo o fim da ascendência das oligarquias rurais. Vargas investiu num modelo econômico de industrialização dependente do capital internacional e o reforço do capitalismo no campo, como também, a organização política do meio rural, essa proposta fica em evidencia no trecho:
"Tanto o proletário urbano como o rural necessitam de dispositivos
tutelares, aplicáveis a ambos, ressalvadas as respectivas peculiaridades" (Vargas, 1938, p.28). De acordo com Vargas (Vargas, 1938, p.28), centenas de milhares de brasileiros viviam nos sertões sem instrução, sem higiene, mal alimentados e mal vestidos, tendo contato com os agentes do poder público apenas através dos impostos extorsivos que pagam". O que parecia ser novo em Vargas, no entanto, era a ênfase colocada sobre a automotivação dos camponeses, responsáveis, segundo sua perspectiva, pelo atraso na produção rural. (Vargas, 1938, p.29)
A proposta de Vargas era de garantir aos trabalhadores do campo os
mesmos direitos e benefícios dos trabalhadores urbanos, com políticas fundiárias e criação de sindicatos de trabalhadores rurais, mas, houve também em seu governo uma política de conciliação, com o alto investimento no crescimento do agronegócio, e a tentativa de organizar politicamente uma aliança entre pequenos produtores e grandes senhores de terra, gerando maior concentração fundiária. Essa conciliação ao mesmo tempo que afiançou a criação de muitos movimentos sociais pela terra, refletiu também, no êxodo rural para melhor condição de vida; por conta da industrialização, porém, essas pessoas que saíram do campo para a cidade, deram de cara com um trabalho que explorava e pagava muito pouco, deixando-as em vulnerabilidade social, sendo levadas a morar na periferia das cidades, o'que causou a marginalização dessa população. Encaminhando para 1960, e seu cenário político, com o início da ditadura militar, houve a discussão em relação à reforma agrária dentro da política da agricultura, que na época, estava focada em aumentar e investir em uma maior produtividade, com exportações e investimento nas áreas técnicas de produção com a Revolução Verde, junto ao debate da reforma agrária que já era forte, com a criação do Estatuto da terra que alegava a fiscalização da ocupação e relações fundiárias no Brasil, e o direito ao acesso à terra para quem nela vive, mas obteve êxito.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caminho da questão agrária no Brasil, tem sua fundamentação a partir de
toda análise histórica e reflexiva da história do Brasil numa concepção interdisciplinar que pode estar presente em todos os campos do saber, pois, ela é o cerne da questão social presente hoje na sociedade e o problema estrutural do capitalismo, é uma questão territorial que perpassa as questões políticas, econômicas e sociais. Essa análise histórica caminha um processo que vai desde a colonização do país pelos portugueses até o II Plano Nacional de Reforma Agrária - II PNRA, em 2003, pois, o primeiro foi combatido pelos ruralistas com a criação da união democrática ruralista (UDR), e, mesmo com o caminho tão longo, essa estrutura permanece a mesma, e a falta de suportes e investimentos para pequenos agricultores ainda é escassa por parte do Estado, que investe em grandes latifúndios e grandes proprietários de terras, que tem como prioridade a especulação imobiliária e não a produção agrícola. Portanto, se faz necessária a democratização do acesso a terra, pois, é e deveria ser encarada como uma política pública que está a muitos anos precisando ser realizada, deriva de diversas conquistas da população rural sem terra, que luta a anos pelos seus direitos, desde a formação das ligas camponesas até a conquista na constituição de 1988 que mudou o estatuto da propriedade fundiária e legitimou a função social da terra, e a formação do Movimento Sem Terra. É uma luta contínua de camponeses que nasceu junto com a problemática do latifúndio, e esse processo deixa muito explícito quando Mattei (2012), Fernandes (2008) e Oliveira (2007) afirmam que a maioria dos assentamentos hoje são mais resultado da luta diária dos trabalhadores sem terra do que de ações políticas governamentais de reforma agrária que tem como objetivo beneficiar trabalhadores rurais a terem acesso a terra através da reestruturação fundiária brasileira. A reforma agrária é uma conquista territorial que garantirá a minimização da questão agrária, que reflete quando paramos para ver que um terço dos estabelecimentos agropecuários do estado de São Paulo são terras improdutivas, isso é um atraso e um descaso com a população. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NAVARRO, Vera Lucia; LOURENÇO, Edvânia Ângela de Souza, eds. Avesso do
trabalho III: saúde do trabalhador e questões contemporâneas. Outras Expressões, 2013.
Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições